Discurso durante a 128ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários acerca de reportagem sobre as consequências da implementação do modelo de capitalização da previdência promovida no Chile.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Comentários acerca de reportagem sobre as consequências da implementação do modelo de capitalização da previdência promovida no Chile.
Publicação
Publicação no DSF de 06/11/2018 - Página 6
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Indexação
  • REGISTRO, REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL, CRITICA, PROPOSTA, SEMELHANÇA, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, PRIVATIZAÇÃO, MODELO, SUGESTÃO, COBRANÇA, DEVEDOR, COMBATE, SONEGAÇÃO.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso.) – Senador Medeiros, há uma inquietude muito grande em todo o Brasil, independentemente do Governo que sai ou do Governo que entra, sobre a reforma da previdência.

    Quando houve a intervenção no Rio, todos entenderam – e nós todos assim fomos para as campanhas – que a reforma da previdência teria ficado para o ano que vem e que o Presidente que fosse eleito apresentaria a sua visão, enfim, a sua proposta para a previdência.

    Criou-se uma insegurança, Sr. Presidente, sobre se essa reforma virá – que ela virá, virá – neste ano ou no ano que vem. Eu não acredito que venha neste ano, porque não há tempo viável, ainda porque estamos aí com o feriado do dia 15 próximo, consequentemente aquela será uma semana em que matérias polêmicas não são votadas; em seguida, já nos aproximamos do mês de dezembro e, em dezembro, todo mundo sabe que, a partir do dia 14, os trabalhos na Casa terminaram.

    Eu diria que é humanamente impossível se votar uma reforma em dois turnos na Câmara, com três quintos dos votos lá – e nem há o que se falar aqui, onde, de fato, não há a mínima chance –, e uma Câmara renovada.

    Eu diria que lá, como aqui, a maioria acabou não voltando. V. Exa. se elegeu como Deputado Federal com uma grande votação, Senador Medeiros, mas aqui, no Senado, das 54 vagas, só voltaram oito. Lá na Câmara, eu diria que a maioria também não voltou.

    Então, há um clima de desagregação, de insegurança, porque, se aqueles que não voltaram quiserem votar lá na Câmara, vão passar a impressão para a sociedade de que disseram uma coisa na campanha e, por terem perdido, agora querem fazer outra. Mas assim mesmo, Sr. Presidente, eu não estou fazendo aqui, como V. Exa. sabe muito bem, nenhum ataque a esse ou àquele Parlamentar.

    Mas eu recebi... Eu ia fazer esse discurso na quinta-feira; como na quinta não deu quórum para nós usarmos a tribuna, eu me debruço, no dia de hoje, sobre uma matéria que recebi, escrita por Leonardo Severo, que trata da situação da reforma da previdência que aconteceu no Chile e a realidade atual.

    No Chile, Sr. Presidente – dizem que a reforma que poderá vir aqui poderá ser semelhante à do Chile –, milhões de pessoas estão sentindo o efeito da reforma que lá aconteceu. Os chilenos estão sofrendo e perceberam, ao longo dos anos, que a reforma era muito pior do que eles podiam imaginar.

    O que diz o jornalista Leonardo Severo que escreveu esta matéria?

Sem previdência pública, Chile tem suicídio recorde entre idosos com mais de 80 anos. Apontada como modelo pelo Fundo Monetário Internacional, a privatização da Previdência [...] chilena, promovida pelo [...] Augusto Pinochet na década de 1980, continua vigente e cobrando um preço cada vez mais elevado. O colapso do sistema tem ganhado maior visibilidade nos últimos dias à medida que o arrocho no valor das pensões e aposentadorias [lá no Chile] se reflete no aumento do número de suicídios.

De acordo com o Estudo Estatísticas Vitais, do Ministério de Saúde e do Instituto Nacional de Estatísticas, entre 2010 e 2015, 936 adultos maiores de 70 anos tiraram sua própria vida no período. O levantamento aponta que os maiores de 80 anos apresentam as maiores taxas de suicídio – 17,7 por cada 100 mil habitantes – seguido pelos segmentos de 70 a 79 anos, com uma taxa de 15,4, contra uma taxa média nacional de 10,2. Conforme o Centro de Estudos de Velhice e Envelhecimento, são índices mórbidos, que crescem ano e ano, e refletem a “mais alta taxa de suicídios [de toda a] América Latina”.

Uma das autoras da pesquisa ministerial, Ana Paula Vieira, acadêmica de Gerontologia da Universidade Católica e Presidenta da Fundação Míranos, avalia que muitos dos casos visam simplesmente acabar com o sofrimento causado, “por não encontrar os recursos para lidar com o que está passando em sua vida” [já que as aposentadorias deles estão desaparecendo].

O fato é que à medida que a idade avança e os recursos para o acompanhamento e o tratamento médico vão sendo reduzidos pela própria irracionalidade do projeto neoliberal de capitalização da Seguridade, os idosos passam a se sentir cada vez mais como um fardo para os seus familiares e entes queridos.

[Vamos dar o exemplo de Jorge e Elsa]. Entre tantos casos, ganhou notoriedade recentemente o casal Jorge Olivares Castro, 84, e Elsa Ayala Castro, 89 anos, que após 55 anos decidiram "partir juntos" para "não seguir molestando mais" ninguém.

A evolução do câncer de Elsa, conjugada a uma primeira etapa de demência senil, faria com que tivesse de ser internada numa casa de repouso. O marido calculou que poderiam pagar, mas somente se somassem ambas as aposentadorias e vendessem a casa. Sem qualquer perspectiva, Jorge e Elsa decidiram abreviar suas vidas com dois [tiros], dois disparos. [Se mataram]

Infelizmente, diz a psicogeriatra Daniela González: “Enfermidades que geram uma impossibilidade de serem enfrentadas economicamente acabam colocando o tema do suicídio como uma saída honrosa”.

Como ficou comprovado, o desmantelamento do Estado serviu tão somente para beneficiar as corporações privadas que assaltaram o sistema público de pensões e aposentadorias chileno sob o pretexto que era deficitário [até nisso, eu diria que eles vão na mesma linha do que muitos falam no nosso País], por conta da capitalização administrada pelo “mercado”. A “justificativa” era de que assim seria resolvido o problema fiscal e se abririam as portas ao crescimento econômico. Assim, foram montadas as Administradoras de Fundos de Pensão (AFP), instituições financeiras privadas encarregadas de administrar os fundos e poupanças de pensões. O rendimento destes fundos, com base nas flutuações do “mercado”, determina a quantidade de dinheiro que cada pessoa acumulará quando chegar o momento da aposentadoria.

Desta forma, com a [famosa] capitalização para fins de aposentadoria integralmente bancada pelo trabalhador, milhões de pessoas foram obrigadas a entregar 10% de seus salários a arapucas especulativas, sem haver nenhuma contribuição dos empregadores, nem do Estado. [Assim é a previdência no Chile.]

"Houve crises financeiras nas que perdemos todas as economias depositadas ao longo da vida [explica os aposentados chilenos], porque ficamos sujeitos aos vaivéns do mercado”, explicou Carolina Espinoza, dirigente da Confederação de Funcionários de Saúde Municipal (Confusam) e porta-voz da Coordenação “No Más AFP”.

[Tem mais] Atualmente, das seis AFPs que atuam no Chile, cinco são controladas por empresas financeiras multinacionais: Principal Financial Group (EUA); Prudential Financial (EUA); MetLife (EUA); BTG Pactual (Brasil) e o Grupo Sura (Colômbia), que administram fundos de dez milhões de filiados. No total, são mais de US$170 bilhões aplicados no mercado de capitais especulativos, nas bolsas de Londres e Frankfurt, para serem repassados sob a forma de empréstimos usurários aos próprios trabalhadores. O resultado prático deste mecanismo, assinala a Fundação Sol, entidade que estuda as condições de trabalho no país, é que a pensão média recebida por 90% dos aposentados chilenos é de pouco mais de 60% do salário mínimo, cada vez mais insuficiente para os gastos de um idoso [ou seja, praticamente meio salário mínimo]. [Diz mais:] “Como sociedade, não podemos permitir que pessoas que construíram com tanto esforço este país [referindo-se ao Chile] estejam passando seus últimos anos [nesse desespero] na tristeza”, declarou o doutor José Aravena, diretor da Sociedade de Geriatria e Gerontologia do Chile, para quem os suicídios deveriam fazer “soar o alerta para a reflexão sobre como se está envelhecendo no país [ou seja, no Chile]”. “Para ninguém é justo viver os últimos anos de sua vida sentindo-se triste ou com vontade de não seguir vivendo” [já que não tem como pagar sequer os remédios, calculem o dia a dia com gasto com saúde, aluguel, roupa, netos, filhos], acrescentou, apontando a “dependência e a depressão” entre os principais fatores do suicídio em idosos.

    Sr. Presidente, eu li simplesmente esse trabalho feito por um jornalista, analisando a previdência do Chile.

    Eu espero, Sr. Presidente, que no Brasil a gente não cometa este erro: querer copiar a previdência no Chile, que deu totalmente errado. Os dados, os números estão aqui. Não sou eu que escrevi. Diversos jornalistas foram ao Chile, fizeram um estudo e perceberam que foi um equívoco enorme a privatização da previdência lá no Chile. Eu não acredito que aqui no Brasil a gente vá fazer algo semelhante, indo por esse regime de capitalização, que – vamos resumir – significa privatizar a previdência. Cada um vai depositar o que bem entender numa poupança, que será chamada de fundo de pensão. O banco vai fazer as aplicações. Se aplicou mal, faliu, ninguém tem nada, praticamente, a receber. Essa preocupação é enorme, Sr. Presidente.

    Sobre a previdência no Brasil, digam o que digam, podem dizer o que quiserem, mas, se cobrassem os grandes devedores, daria para recolher mais de R$1 trilhão, conforme os dados da previdência. Há quem diga: "Não, mas se não recolher R$1 trilhão..." Os profissionais da Receita Federal disseram que recolhem no mínimo 90% da dívida. Na verdade, hoje a dívida dos grandes devedores com a União chega a R$2 trilhões. Que recolhessem R$1 trilhão somente, especificamente para a previdência, estaria resolvido o problema da previdência. Mas, depois, alguns dizem: "Não, mas nós estamos envelhecendo". Tudo bem, pois há uma lei que já aprovamos aqui no Brasil, que é a fórmula 85/95, que a cada dois anos vai aumentando, um plus a mais, tanto na idade como no tempo de contribuição. Essa lei por si só, daqui a seis meses, por exemplo, já não será mais 85/95. Já será 96/86.

    E aí, por essa lógica, nós vamos mantendo a previdência equilibrada.

    Se parar de dar perdão para os grandes devedores; combater a sonegação; combater a fraude; combater os Refis dos grandes, que são feitos aqui mesmo; executar aqueles que devem; combater a sonegação; não permitir mais a apropriação indébita, que retira 30 bilhões todo ano, e a DRU, que retirou 1,5 trilhões...

    Por que é que não aprofundam esse debate? Eu me coloco à disposição para pegar um estudo que nós fizemos na previdência, que foi aprovado por unanimidade, e conversar com aqueles que têm uma visão diferente e que dizem que a previdência não tem volta. A previdência brasileira é viável. Eu estou aqui, no Congresso, há 32 anos. Desde o primeiro ano em que cheguei aqui, me diziam isso. Eu fui mostrando que a previdência era superavitária. E nunca houve uma reforma radical como essa, porque não foi preciso. Não foi preciso.

    Novamente eu queria me botar inteiramente à disposição, a discutir, em qualquer lugar, em qualquer arena, em qualquer espaço, se assim entenderem. Vamos pegar os dados da CPI da Previdência. E nós vamos apontar o caminho, porque não precisa...

    Querer que a mulher e o homem se aposentem somente depois de 49 anos de contribuição, só depois de 65 anos de idade... A mulher, por exemplo, está com 19 anos a mais de contribuição em relação àquilo que é hoje, porque hoje são 30 anos de contribuição e 55, de idade. Para o homem são 60 anos de idade e 35, de contribuição.

    Este é o apelo que eu faço, Sr. Presidente, colocando-me inteiramente à disposição para discutir com quem quiser discutir esse tema, para que a gente execute os que não pagam, os que devem, os que sonegam, os que desviam, os que se apropriam – apropriação indébita, repito – e aqueles que via DRU retiraram 1,5 trilhões da nossa previdência.

    A previdência no Brasil é viável. Basta bom senso, basta equilíbrio. E a própria fórmula, que hoje é 85/95 e que por si só vai se reajustando, resolve o problema da previdência. Parece-me que algumas pessoas não leram, não viram que existe uma lei que vai atualizando já, de forma que a gente vai envelhecendo e vai dando a sustentação devida, ajustando o número de anos, em matéria de contribuição e também na própria idade.

    Era isso, Sr. Presidente. Agradeço muito a V. Exa. por ter me concedido esses vinte minutos para que eu falasse, de forma tranquila, sobre a previdência. E que a gente faça, no ano que vem, um debate qualificado, de alto nível, na Câmara e no Senado, e aponte caminhos, porque para mim, a previdência é de gestão, é de fiscalização, é de combate à sonegação e de cobrança dos grandes devedores.

    É isso. Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/11/2018 - Página 6