Discurso durante a 145ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários acerca do prejuízo ao Programa Mais Médicos pelo rompimento do convênio entre o Brasil e Cuba.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE:
  • Comentários acerca do prejuízo ao Programa Mais Médicos pelo rompimento do convênio entre o Brasil e Cuba.
Publicação
Publicação no DSF de 04/12/2018 - Página 19
Assunto
Outros > SAUDE
Indexação
  • COMENTARIO, PREJUIZO, POPULAÇÃO, BRASIL, MOTIVO, ROMPIMENTO, CONVENIO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, REFERENCIA, PROGRAMA MAIS MEDICOS, OBJETIVO, ASSISTENCIA MEDICA, BENEFICIO, POPULAÇÃO CARENTE, LOCAL, DIFICULDADE, ACESSO, DEFESA, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, FORMAÇÃO, CARREIRA, MEDICINA.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, aqueles que nos acompanham pela Rádio Senado, pela TV Senado, pelas redes sociais.

    Quero, inicialmente, Senador Telmário, Presidente da nossa Mesa neste momento, solidarizar-me com o pronunciamento de V. Exa. Quero dizer que todos os argumentos apresentados por V. Exa. são compartilhados por mim, pelos integrantes da Bancada do PT, e vamos, com toda a certeza, lutar e votar para que esse projeto não seja aprovado.

    Mas, Sr. Presidente, no dia de hoje, eu venho a esta tribuna para fazer um balanço e, ao mesmo tempo, reafirmar os prejuízos que a sociedade brasileira terá com o fim do Programa Mais Médicos, que foi definido pela forma profundamente desrespeitosa e agressiva com que o Presidente eleito tratou o programa, a sua tentativa de descumprir pontos importantes daquele acordo, e, com isso, obrigando o Governo de Cuba a romper com esse contrato.

    Sr. Presidente, o Mais Médicos surgiu a partir da constatação de uma realidade: de que o Brasil é um país que tem uma relação entre número de médicos por mil habitantes muito abaixo de vários outros países com equivalente desenvolvimento econômico e social. O Brasil, por exemplo, tinha, em 2013, 1,8 médico por mil habitantes, o que era menos do que a Argentina, que tinha 3,2 médicos por mil habitantes; o Uruguai, 3,7; Portugal, 3,9; e Espanha, 4 médicos por mil habitantes, ali, em 2013. E o Mais Médicos foi criado exatamente para atender a essa demanda histórica da falta de profissionais médicos.

    Ele tinha três eixos, esse programa. O primeiro era o provimento emergencial de médicos; ou seja, garantir emergencialmente que várias regiões desassistidas pudessem ter, muitas delas pela primeira vez, um médico ali trabalhando.

    O provimento emergencial de médicos propiciou, por exemplo, a atuação de mais de 18.240 médicos com foco nos Municípios e populações de maior vulnerabilidade social e distritos sanitários especiais indígenas.

    O segundo eixo era a ampliação e melhoria da infraestrutura, para a prestação de atenção básica à saúde da população.

    Foram 5,8 bilhões designados para reforma, ampliação e construção de 26 mil Unidades Básicas de Saúde (as chamadas UBSs), sendo que mais de 50% já haviam sido concluídas em 2016.

    E o terceiro eixo era o de formação para o SUS, cujo objetivo era formar profissionais médicos para o Sistema Único de Saúde.

    Foram criados 117 cursos de Medicina e abertas cerca de 13,6 mil vagas, sendo que a meta era 11,5 mil, e 73% do total não estão em capitais. Ou seja, a estratégia do programa era interiorizar a formação de médicos, para garantir a cobertura em todas as Regiões do País.

    Hoje, são quase 290 cursos na área, com cerca de 30 mil vagas. Do total, 12.859 estão nas capitais (43%), mas 16.682 – portanto, 57%, bem mais do que a metade – estão em outras áreas.

    O Governo Temer, no entanto, se rendeu às pressões das corporações médicas e decidiu, em abril deste ano, suspender a abertura de cursos e vagas por cinco anos, o que significa, Sr. Presidente, que a estratégia de garantir acesso universal à presença de um profissional médico foi, na verdade, descumprida, e não será obtida.

     Mas, Sr. Presidente, foi por intermédio da cooperação internacional com a OPAS que foi possível garantir esse provimento emergencial. Cuba, por exemplo, tem 8,9 médicos por mil habitantes. Vejam, 8,9 em comparação com o Brasil, que tinha, em 2013, 1,8. Vejam que grande diferença: é quase oito vezes o número de médicos que existem em Cuba. E é um país que tem uma experiência com 63 países, formando essas brigadas de solidariedade compostas por médicos cubanos.

    Mas não foi fácil aprovar o Mais Médicos naquela situação, porque a Associação Médica do Brasil entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (uma ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal, que questionava a validade do programa. Nenhuma preocupação com as pessoas que já estavam sendo atendidas, muitas delas que sequer tinham visto um médico em toda a sua vida. Mas o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do Programa Mais Médicos, em 30 de novembro de 2017.

    É constitucional, inclusive, nos artigos que permitiram a contratação de médicos estrangeiros sem a revalidação do diploma e alterações nos cursos de Medicina, para enfatizar o atendimento na saúde básica.

    O Ministro Alexandre de Moraes observou que o programa é prioritariamente oferecido àqueles que são diplomados no Brasil, aceitando, na sequência, os diplomados no exterior. Portanto, qual foi o perfil de prioridades que o programa adotou? Vinte por cento ou mais da população que se encontrava e se encontra em situação de extrema pobreza; as capitais; as cidades com IDH baixo ou muito baixo, além do Médio Alto Uruguai; Municípios que tivessem populações quilombola; regiões metropolitanas; o Semiárido; o Vale do Jequitinhonha; Mucuri; Vale do Ribeira; a saúde indígena e os assentamentos rurais.

    Tivemos, então, uma enorme adesão dos Municípios ao chamamento de médicos, e somente as vagas não preenchidas por brasileiros, formados ou não no exterior, eram preenchidas por médicos cubanos.

    Então, Sr. Presidente, veja o resultado disso: o programa, em 2014, tinha 1.486 médicos brasileiros; em 2018, já eram 4.525, mostrando que o programa estava cumprindo as suas metas. Quanto a médicos formados no exterior: em 2014, eram 1.187; em 2018, já eram 2.824. Sendo que os médicos cubanos, em 2014, eram 11.429; e esse número caiu para 8.332, em 2018.

    Portanto, Sr. Presidente, o programa vinha sendo tocado com o objetivo de, no médio prazo, garantir que todos os médicos do programa fossem brasileiros e que houvesse uma cobertura de todas as Regiões do nosso País.

    E foi em 2015 a grande virada. Foram abertas novas vagas em 1.290 Municípios e em 12 distritos indígenas. Embora, naquele momento, o programa ainda tinha um número maior de médicos cubanos, para as novas vagas a maior adesão foi de médicos brasileiros: 76% das 4.146 novas vagas foram preenchidas por médicos com CRM do Brasil. E a população beneficiada foi de 63 milhões de brasileiros.

    O relatório do Tribunal de Contas da União, por exemplo, Sr. Presidente, avaliou 1.837 Municípios, em 2017, e constatou um aumento de 33% na média mensal de consultas na atenção básica. O número de visitas domiciliares cresceu 32%; 63% dos profissionais entrevistados afirmaram que o atendimento melhorou, e 89% dos pacientes e 98% dos gestores disseram que o tempo de espera por consulta reduziu.

    Um estudo realizado pela Universidade de Brasília, em 2014, com pessoas atendidas pelo programa em Ceilândia, afirmou que os profissionais, principalmente os estrangeiros, têm mais atenção, interesse, interação, paciência, dão mais espaço, olham, ouvem e conversam com o paciente. Portanto, esse programa, em todas as avaliações que foram feitas, teve aprovação total da população, dos profissionais e dos gestores.

    Já um estudo realizado pela Universidade Federal da Bahia, em 2016, mostrou que o programa – abro aspas – "tem reduzido iniquidades em saúde, aumentado a proporção médico/habitante e melhorado a qualidade da relação médico-paciente, propiciando atendimentos mais humanizados, ao mesmo tempo em que tem favorecido a integração das práticas dos diferentes profissionais das equipes de saúde e aumentado a efetividade das ações nas unidades básicas de saúde" – fecho aspas.

    Já um estudo realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais, em 2016, indicou que o Mais Médicos atacou, de fato, parte significativa da demanda reprimida. De março de 2013 a setembro de 2015, o número de Municípios com escassez de atendimento em saúde caiu, de 1,2 mil, para 777, segundo índice calculado a partir de variáveis como proporção de médicos, o nível de pobreza extrema e os índices de mortalidade infantil.

    Há outros estudos sobre impactos do programa, como aquele realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais e o instituto de pesquisas chamado Ipesp: 14.179 usuários, 277 gestores e 391 médicos em 699 Municípios, 87% dos beneficiários afirmaram que os médicos do projeto foram mais atenciosos que outros profissionais que os antecederam anteriormente.

    Estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas, em 2018, destacou o aspecto positivo do Mais Médicos – vejam só! – sob a ótica fiscal. A ampliação do número de médicos no atendimento básico de saúde evitou 521 mil internações em 2015, gerando uma economia em internações hospitalares equivalente a um terço do orçamento do programa naquele ano. Houve uma redução consistente de 4,6% nas internações em geral e 5,9% nas internações relacionadas a doenças infectocontagiosas em 2015. Naquele ano, as 11,3 internações custaram R$18,2 bilhões, uma média de R$1.612 por cada uma. A economia de quase R$840 milhões corresponde a cerca de 33% dos R$2,6 bilhões dedicados ao Programa Mais Médicos em 2017.

    Pois bem, Sr. Presidente, agora vemos esse programa ser extinto. E o que acontecerá com a população brasileira, a quem pouco preocupa o Presidente da República eleito, que, com toda certeza, não tem qualquer conhecimento sobre a realidade de saúde do nosso País?

    O Governo de Cuba foi obrigado a retirar os programas e a sair do convênio com o Brasil por conta das constantes declarações de Bolsonaro, que, de forma unilateral, autoritária e inconsequente, lançou desconfiança pública sobre a capacidade e veracidade da formação médica dos cubanos, além de impor mudanças na forma de contratação e funcionamento do Programa Mais Médicos, desrespeitando os canais de negociações estabelecidos e a soberania de Cuba. A previsão é de que os médicos cubanos do programa deixem o País até meados de dezembro.

    Médicos cubanos prestam atualmente serviços em 67 países, Sr. Presidente, sendo que, em 55 anos, foram cumpridas mais de 600 mil missões internacionais em 164 nações. Em Cuba, 35.613 profissionais...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... da área de saúde, de 138 países, foram formados em Cuba, de maneira gratuita, dos quais 1.075 brasileiros. Os recursos recebidos por médicos cubanos são revertidos nos sistemas universais gratuitos e de qualidade que o sistema de saúde oferece a todo o povo de Cuba. Durante a permanência de médicos cubanos no programa, mais de 5 mil parentes dos que aqui estavam visitaram o Brasil.

    Quais são as nossas perdas imediatas? Oito mil e quinhentos médicos cubanos que atendem 30 milhões de brasileiros e saem nos próximos dias dos 2.285 Municípios em que atuam...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... a maioria em áreas de maior vulnerabilidade.

    Estou concluindo, Sr. Presidente.

    Desses Municípios, em 1.575 há única e exclusivamente médicos cubanos, sendo 80% desses locais com menos de 20 mil habitantes. E 300 médicos cubanos representam 75% dos médicos atuando nas aldeias indígenas.

    Em cinco anos do programa, em nenhum dos editais os médicos brasileiros supriram a necessidade apresentada, embora sempre tivessem prioridade em serem contratados. Em cinco anos, cerca de 20 mil médicos cubanos realizaram mais de 113 milhões de atendimentos no nosso País. Mais de 700 Municípios tiveram, pela primeira vez na sua história, um médico atuando nos seus limites geográficos.

    As medidas tomadas agora por este Governo de Michel Temer para tentar resolver o problema não conseguiram ainda suprir, nem de longe, as necessidades, porque as 8.507 vagas abertas para a contratação de médicos formados em instituições brasileiras ou com diploma revalidado em 2.824 Municípios e 34 distritos indígenas não foram inteiramente ocupadas – é verdade que as inscrições vão até o dia 7 de dezembro. Porém, de acordo com o balanço atualizado pelo Ministério da Saúde, houve 30.734 inscritos com CRM no Brasil; 21.047 inscrições foram efetivadas, finalizadas no sistema; 8.278 profissionais foram indicados ou alocados em Municípios para a atuação imediata, o que corresponde a 97,2% das vagas. Porém, Sr. Presidente, apenas 1.061 profissionais se apresentaram nos locais em que se inscreveram para começar os trabalhos, o equivalente a 12,7% do total de vagas tão somente. Mas, Sr. Presidente, isso já era sabido, porque, anteriormente à saída do Governo de Cuba do Programa Mais Médicos, já havia 2 mil vagas...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... ociosas no programa.

    Vou concluir agora, Sr. Presidente.

    O Edital nº 18 não disponibiliza vagas para mil Municípios em que atuavam médicos cubanos. De acordo com a cartilha do Mais Médicos – Ministério da Saúde, 2017 –, apesar do aumento considerável da adesão de médicos com CRM do Brasil, a ocupação de vagas em Municípios de maior vulnerabilidade e difícil acesso ainda é muito baixa. O tempo de permanência nesses Municípios é inferior a 90 dias. O preenchimento das vagas por recém-formados geralmente é interrompido com a realização das provas de residência médica, e as vagas ofertadas pelo Edital nº 18, em grande parte, foram preenchidas por profissionais...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... que já estão no Sistema Único de Saúde e que simplesmente saíram de prefeituras ou de organizações sociais para ingressar agora no Programa Mais Médicos, ou seja, muitos médicos estão trocando os postos que têm no SUS pelos do Mais Médicos, e isso ameaça desorganizar inteiramente esse programa.

    Sr. Presidente, eu quero só concluir as minhas palavras, agradecendo em nome do povo brasileiro, de milhões de pessoas que tiveram a oportunidade de ter, nos seus Municípios, nas aldeias indígenas, na periferia das grandes cidades, um atendimento com profissionais médicos altamente capacitados; e, em seu nome, agradecer não só aos médicos cubanos que aqui estiveram...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – ... nos dando uma lição de solidariedade, mas também ao Governo cubano, que nos ajudou de forma significativa a melhorar os indicadores de saúde do nosso País.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/12/2018 - Página 19