Discurso durante a 143ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Destaque para a importância do fortalecimento da democracia brasileira.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA POLITICO:
  • Destaque para a importância do fortalecimento da democracia brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2018 - Página 47
Assunto
Outros > SISTEMA POLITICO
Indexação
  • REGISTRO, IMPORTANCIA, SISTEMA DE GOVERNO, DEMOCRACIA, COMENTARIO, DADOS, ORIGEM, ESTUDO, AUTORIA, INSTITUTO, PESQUISA, PAIS ESTRANGEIRO, ASSUNTO, EVOLUÇÃO, REGIME POLITICO, LOCAL, BRASIL.

  SENADO FEDERAL SF -

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29/11/2018


    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, dou continuação nesta manhã ao tema democracia.

    Os Filósofos, há séculos, já discutiam a democracia.

    Para Platão, a democracia é uma constituição agradável, anárquica e variada, distribuidora de igualdade indiferentemente a iguais e a desiguais.

    Aristóteles dizia que a democracia surgiu quando, devido ao fato de que todos são iguais em certo sentido, acreditou-se que todos fossem absolutamente iguais entre si.

    O conceito de democracia tem sido desenvolvido por milênios.

    Desde a democracia direta dos atenienses, passando pela democracia representativa contemporânea até a democracia participativa que, cada vez mais, tem tomado espaço no debate público, seu significado permanece o mesmo: o governo do povo.

    Modernamente, há outras definições e comentários como os de Abraham Lincoln, Nelson Mandela, José Saramago e Mahatma Gandhi.

    Uma das mais respeitadas é a do pensador político e ex-senador italiano Norberto Bobbio: “A democracia é, no essencial, um método de governo, um conjunto de regras de procedimento para a formação das decisões coletivas, no qual está prevista e facilitada a ampla participação dos interessados.”

    Sr. Presidente, desde a redemocratização, na década de 1980, temos testemunhado processos eleitorais regulares. Já passamos por oito eleições diretas para presidente. Também temos mantido eleições regulares nos níveis regionais e locais.

    O grande avanço que testemunhamos nos direitos da nossa gente ilustram o amadurecimento da política de inclusão.

    A construção de uma sociedade economicamente justa também é componente de uma verdadeira democracia política.

    O desenvolvimento econômico de nosso país, a igualdade de condições no acesso à saúde, à educação e à renda são elementos que, aos poucos, temos batalhado para alcançar e que, certamente, evidenciam-se como os grandes desafios que ainda temos de enfrentar.

    A confirmação dos avanços de nosso estado democrático tem sido constatada por diversas instituições internacionais.

    A Freedom House, reconhecido instituto de aferição das liberdades de um país, tem conferido elevadas notas ao Brasil, no que diz respeito ao processo eleitoral, à liberdade de expressão, aos direitos de associação e ao pluralismo e participação política.

    Apesar disso, o instituto aponta que ainda temos desafios, sobretudo, no funcionamento do governo, no estado de direito e na garantia dos direitos individuais.

    Relatórios apontam que apesar do aumento considerável das investigações, a corrupção e a sonegação continuam sendo um câncer econômico em nosso país, atingindo todos os níveis de governo - federal, estadual e municipal. Trazendo sofrimento ao nosso povo.

    Temos uma preocupante cultura da violência, com altas taxas de homicídio, elevada impunidade, sistema prisional caótico.

    Também temos testemunhado inúmeros casos de preconceito e discriminação. Além de conflitos com comunidades quilombolas e indígenas e movimentos sociais.

    Lamentavelmente os últimos dados demonstram que a concentração de renda aumentou em nosso país.

    Vejam os números da Organização Não Governamental Oxfam:

·     número de pobres cresceu 11% em 1 ano, atingindo 15 milhões de brasileiros 2017 (7,2% da população);

·     rendimentos dos 10% de brasileiros mais ricos cresceram 6% de 2016 para 2017; já entre os 50% mais pobres, a renda caiu 3,5%;

·     rendimento médio do 1% mais rico é 36,3 vezes maior que o dos 50% mais pobres;

·     pela 1ª vez em 23 anos, a renda média das mulheres caiu em relação à dos homens, de uma proporção de 72% para 70%;

·     a diferença salarial entre negros e brancos também aumentou: em 2017, negros ganhavam em média 53% dos rendimentos médios de brancos, ante 57% em 2016;

·     volume de gastos sociais no Brasil retrocedeu ao patamar de 2001;

·     pela 1ª vez desde 1990, o Brasil registrou alta na mortalidade infantil, que subiu de 13,3, em 2015, para 14 mortes por mil habitantes em 2016.

    Todos esses elementos constituem uma séria ameaça à garantia do pleno funcionamento das liberdades de nosso povo e das instituições democráticas.

    Contudo, a própria democracia é o melhor remédio para a solução desses problemas.

    O ex-Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon dizia que:

    “A democracia não é apenas um fim em si. É também um poderoso vetor de progresso econômico e social, de paz, de segurança e de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais".

    Mais democracia resulta em uma história de povos com mais dignidade e direitos humanos, com menos corrupção, mais justiça e melhor partilha do poder político.

    Temos que buscar sempre uma sociedade civil mais forte e uma estrutura política cada vez mais sólida e amadurecida.

    É na maior participação popular, no diálogo e na convergência que alcançaremos o objetivo comum a todos nós.

    Devemos fortalecer nossas instituições. Devemos garantir os direitos e as liberdades de nossos cidadãos.

    A forma democrática é a que oferece a melhor combinação possível de valores que queremos associar com nossa vida social: valores como liberdade, segurança, prosperidade.

    Por trás desse ideal democrático estão dois grandes valores que funcionam como motores da democracia e que se tornaram centrais para a configuração do mundo contemporâneo.

    Primeiro, o ideal da autodeterminação ou do autogoverno. Segundo, o da igualdade.

    Antes de qualquer outra coisa, o ideal democrático aponta para a ideia de autogoverno: a autoridade mais legítima é aquela que o povo exerce sobre si mesmo, em algum sentido.

    Cabe àqueles que serão governados, também, decidir como se fará esse governo. É o que ficou consolidado, tradicionalmente, no princípio da soberania popular, que aparece já no parágrafo único do primeiro artigo de nossa Constituição: “Todo poder emana do povo”.

    Junto com esse, vem o ideal de igualdade, valor chave do ideal democrático.

    Mas democracia exige, também, lutar pela igualdade de direitos e de condições, pela eliminação dos condicionantes da exclusão, pela promoção de uma vida social na qual os resultados da cooperação sejam mais justamente distribuídos.

    Senhoras e Senhores.

    No Brasil a história da democracia é ainda mais recente.

    Nos 518 anos de nossa história, a contar desde a chegada dos portugueses, um regime que podemos chamar de democrático vigorou por pouco mais de 40 anos.

    Vivemos hoje nossa segunda e mais longa experiência democrática iniciada há 30 anos com a promulgação da Carta de 1988 - experiência que foi antecedida de outra que durou menos, entre 1946 e 1964.

    A adesão à democracia está ainda no começo, podemos afirmar, e precisa ser alimentada, sustentada, reafirmada constantemente para que a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática se verifique.

    Apesar disso, o Brasil, nessas últimas décadas, deu passos importantes e significativos para consolidar entre nós o regime democrático.

    Vejamos a Constituição de 1988, na qual fui Constituinte. Ela inaugurou um novo arcabouço jurídico-institucional no país, com ampliação das liberdades civis e os direitos e garantias individuais.

    A nova Carta consagrou cláusulas transformadoras com o objetivo de alterar relações econômicas, políticas e sociais, concedendo direito de voto aos analfabetos e aos jovens de 16 a 17 anos.

    Estabeleceu também novos direitos trabalhistas, como redução da jornada de trabalho semanal de 48 para 44 horas, seguro-desemprego e férias remuneradas acrescidas de um terço do salário.

    Outras medidas adotadas foram: instituição de eleições majoritárias em dois turnos; direito à greve e liberdade sindical; aumento da licença-maternidade de três para quatro meses; licença-paternidade de cinco dias; criação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em substituição ao Tribunal Federal de Recursos; criação dos mandados de injunção, de segurança coletivo e restabelecimento do habeas corpus.

    Destacam-se ainda as seguintes mudanças: reforma no sistema tributário e na repartição das receitas tributárias federais, com propósito de fortalecer estados e municípios; reformas na ordem econômica e social, com instituição de política agrícola e fundiária e regras para o sistema financeiro nacional; leis de proteção ao meio ambiente; fim da censura em rádios, TVs, teatros, jornais e demais meios de comunicação; e alterações na legislação sobre seguridade e assistência social.

    A Carta de 1988 também conferiu aos cidadãos algumas prerrogativas que estimulam a participação.

    Cada vez mais, o legislativo, por exemplo, tem aberto canais de participação para os cidadãos - como exemplo disso, cito a criação, tanto no Senado Federal quanto na Câmara dos Deputados, de comissões permanentes que facultam a participação do povo.

    Outros institutos como os Conselhos Setoriais de Políticas Públicas, além de experiências como as de orçamento participativo.

    O arranjo institucional consagrado na Constituição de 1988 embora tenha sido objeto ao longo destes 30 anos, de intensa discussão foi, em sua essência, mantido e apresenta avanços importantes em termos de institucionalização da democracia entre nós.

    Ainda assim, restam várias questões importantes, como as que dizem respeito à representação.

    Também a questão das relações entre os Poderes e a discussão sobre a divisão de papéis e funções nos processos de tomadas de decisão, questão central para o funcionamento de um regime democrático, tem evoluído entre nós de forma sensível, dentro de um quadro de reforço das instituições democráticas.

    Há ainda questões complexas, como a do papel do Executivo na legislação - tanto na edição de Medidas Provisórias quanto na oposição de vetos.

    As discussões, porém, se dão dentro de um respeito generalizado às regras e princípios democráticos mais amplos, com os quais todas as partes estão igualmente comprometidas.

    Do ponto de vista social, é preciso reconhecer que o país avançou significativamente nestes 30 anos de regime democrático.

    E aqui, Sr. Presidente, quero lembrar que há muitos por aí que dizem que a nossa Constituição é detalhista, que precisar ser enxugada...

    Pelo contrário, a nossa Constituição é cidadã, é humanista, tem olhos para as pessoas, combate às desigualdades. Ela é fruto dos anseios do nosso povo. 

    Sr. Presidente, a ANFIP (Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal) realizou um Seminário em comemoração aos 30 anos da Constituição e lançou a 18ª edição da “Análise da Seguridade Social em 2017”.

    De acordo com a apresentação do exemplar, a Constituição Federal de 1988, conquista histórica dos movimentos sociais, estabeleceu um marco na proteção social do país, principalmente no que se refere à lógica da seguridade social em substituição à lógica dos seguros, alcançando uma parte significativa da população brasileira que ainda não estava inserida num sistema de proteção social.

    Entretanto, o desmonte ao longo dos anos às políticas da seguridade social coloca em xeque, tanto a democracia, os direitos humanos; justo por desconsiderar os direitos sociais, convertendo-os em mais uma ferramenta lucrativa para o mercado financeiro.

    Nesse sentido, a restauração da Seguridade Social depende da luta pela defesa intransigente dos direitos e garantias constitucionais à revelia dos anseios do mercado e da lógica acumulativa e centralizadora do capital.

    Os espaços de controle social para promover o acompanhamento da sociedade civil nos processos deliberativos das políticas sociais, também podem contribuir na luta pelos direitos e por seu caráter público.

    Portanto, as políticas de Seguridade Social ainda têm um caminho longo a percorrer em busca da proteção social em seu todo, apesar das políticas sociais darem respostas à “questão social” no limite da nossa sociedade, faz-se necessário a defesa intransigente do que temos para não perdermos as conquistas históricas dos trabalhadores.

    Quero destacar que uma das maiores conquistas da Constituição de 88 foi o SUS (Sistema Único de Saúde). Está assegurado na Constituição que o sistema único de saúde será financiado, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

    Os três pilares que provem de recursos da seguridade social são a Previdência, a Saúde e Assistência Social.

    Por tanto, Sr. Presidente, aprofundar a democracia entre nós implica necessariamente enfrentar de forma decidida esse estado de coisas. É fundamental a defesa da Seguridade Social.

    No entanto, apesar desses avanços há entre os brasileiros uma espécie de desencantamento com a política, que se confunde, algumas vezes, com um desencantamento com os partidos políticos.

    Se queremos consolidar entre nós a democracia, temos de cuidar para que uma verdadeira cultura democrática se instale no seio de nossa cidadania. Isso não é simples...

    Implica em variáveis complexas, como o combate efetivo à corrupção e a demonstração de eficácia na execução das políticas públicas que promovam o bem-estar e a justiça social.

    Passa também pela criação de mecanismos de maior participação cidadã e pela reforma política, partidária e eleitoral que reestruture a forma como a sociedade está representada nas instâncias decisórias, em especial no Parlamento.

    Seja como for, creio que a nossa democracia é forte e corajosa. E não há mais volta...

    Alcançamos uma maturidade que tem implicações importantes para o futuro de todo povo brasileiro...

    Só nos cabe avançar em direção a uma sociedade cada vez mais democrática, justa, igualitária, solidária, humana e tolerante. 

    Com a democracia tudo; sem a democracia nada.

    Sempre digo que sou defensor de causas e não de coisas. A mãe de todas as causas é a democracia. Vida longa à democracia!

    Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2018 - Página 47