Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro de pesar pela morte de Ricardo Boechat e breve histórico da carreira do jornalista.

Considerações acerca do rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais. Solicitação de um minuto de silêncio em solidariedade às vítimas de acidentes ocorridos em 2019. Pedido para que os governos respeitem a vida, o meio ambiente e a condição digna no trabalho.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Registro de pesar pela morte de Ricardo Boechat e breve histórico da carreira do jornalista.
MEIO AMBIENTE:
  • Considerações acerca do rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais. Solicitação de um minuto de silêncio em solidariedade às vítimas de acidentes ocorridos em 2019. Pedido para que os governos respeitem a vida, o meio ambiente e a condição digna no trabalho.
Publicação
Publicação no DSF de 12/02/2019 - Página 20
Assuntos
Outros > HOMENAGEM
Outros > MEIO AMBIENTE
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JORNALISTA, RICARDO BOECHAT, COMENTARIO, ASSUNTO, CARREIRA, PROFISSÃO.
  • COMENTARIO, DESASTRE, ROMPIMENTO, BARRAGEM, MUNICIPIO, BRUMADINHO (MG), CRITICA, FORMA, INJUSTIÇA, PAGAMENTO, INDENIZAÇÃO, FAMILIA, TRABALHADOR, VITIMA, MORTE, ENFASE, SITUAÇÃO, PREOCUPAÇÃO, SEGURANÇA, COMUNIDADE, CIDADE, PROXIMIDADE, ATIVIDADE, MINERAÇÃO.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar.) – Senador Izalci Lucas, Presidente desta sessão, tivemos a alegria de ter na quinta uma sessão presidida por V. Exa.; na sexta, outra; e, hoje, outra. É sempre é uma satisfação.

    Eu não quero ser repetitivo, mas não poderia deixar de registrar também, aqui da tribuna, a morte de Ricardo Boechat e do piloto Ronaldo. Já fizemos um voto de pesar coletivo aqui, entregue ao Presidente, que já o leu. Todos os Senadores assinaram e os que estão chegando agora, Presidente, tenho certeza de que também assinarão esse voto de pesar que estava sendo construído pelo meu gabinete e no qual o Senador Kajuru, de imediato, assumiu como primeiro signatário.

    Sr. Presidente, eu gostaria apenas, como uma forma também de mostrar o meu carinho pelo querido Ricardo Boechat, que perdemos, vou ler só um pedacinho do currículo dele, que está em toda a imprensa.

    Ao longo de uma carreira iniciada na década de 70, esteve nos jornais como O Globo, Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Dia. Na década de 90, teve uma coluna diária no Bom Dia, Brasil, na TV Globo.

    O perfil de Boechat na BandNews informa que ele foi o recordista de vitórias no Prêmio Comunique-se e o único a ganhar em três categorias diferentes – Âncora de Rádio, Colunista de Notícia e Âncora de TV.

    Em pesquisa no site Jornalistas&Cia, de 2014, que listou cem profissionais do setor, Boechat foi eleito o jornalista mais admirado.

    Boechat lançou, em 1998, o livro Copacabana Palace – um hotel e sua história.

    Maior vencedor do Prêmio Comunique-se, filho do Diplomata Ricardo Eugênio Boechat e de Dona Mercedes Boechat, nasceu em 13 de julho de 1952, em Buenos Aires, e deixou, como diz aqui o documento que é entregue à Casa, esposa e filhos.

    Feito esse registro, Sr. Presidente, me somando a todos os que já usaram a tribuna e já falaram também, eu volto ao tema de hoje, que infelizmente vai na mesma linha. Neste mês de fevereiro, a situação está cada vez mais difícil para a sensibilidade de todos nós e de nossas vidas. Eu volto a tratar da tragédia de Brumadinho, porque não havia falado dela ainda.

    Sr. Presidente Izalci, ainda não saem de nossas mentes a cena do crime ocorrido com o rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais. Até o momento já se ultrapassam 157 mortos, quando escrevi nesse final de semana, mas, a cada dia, aumenta um. E são mais de 180 ainda desaparecidos. Trata-se de um crime que levou a vida de homens, mulheres, pais, mães, tios, primos, crianças, idosos, trabalhadores do campo e da cidade, famílias inteiras. Boa parte dessas pessoas era de funcionários da empresa Vale do Rio Doce, cujas condições de trabalho se manifestaram fatais para a sua própria sobrevivência.

    Se a tragédia de Mariana pode ser considerada uma catástrofe, Brumadinho, então, por ter envolvido o sacrifício de um número muito maior de vítimas, há de ser vista como uma verdadeira hecatombe ou massacre. A tragédia de Brumadinho, Sr. Presidente, constitui o maior crime no mundo do trabalho na história do Brasil desde a abolição da escravatura.

    Em 1971, lembramos, 69 trabalhadores perderam a vida em um desabamento de um galpão, em Belo Horizonte. Em 1977, 62 trabalhadores da Shell, em Paulínia, morreram devido a uma contaminação agrotóxica, em que mais de mil pessoas foram intoxicadas. Em 2015, o rompimento da barragem de Mariana, também da Vale, comprometeu a vida de 19 pessoas.

    O Desembargador Jorge Luiz Souto Maior faz a seguinte pergunta: "Qual é, de fato, a nossa disposição de solidariedade com as vítimas da Vale em Brumadinho, e com todas as vítimas que neste País, todos os dias, são assassinadas?". Ao mundo do trabalho, ele se refere aqui. São 700 mil acidentes de trabalho por ano – 700 mil acidentes de trabalho por ano no nosso País! Estamos na quarta posição no mundo em mortes por acidentes de trabalho. Mas, por outro lado, somos a oitava economia do mundo. E somos o País que fica entre os cinco, em relação à maior concentração de renda.

    A pergunta que não quer calar é: por que essas tragédias, como essas das barragens, e outras acontecem no mundo do trabalho aqui no nosso País? Ora, por que o Brasil, repito, é o quinto País do mundo em concentração de renda e o oitavo em economia. É claro que a ganância é que constrói todo esse terrível cenário. O lucro, para eles, é o principal e a finalidade, nem que para isso pessoas e vidas sejam levadas à morte. Não podemos esquecer que a reforma trabalhista ampliou a precarização de direitos, o que está representando um sofrimento no trabalho, angústia e tristeza.

    No caso da tragédia de Brumadinho – por que eu lembro aqui da reforma trabalhista, e vou dizer onde está a preocupação –, o impacto foi enorme, pois rebaixou a condição de cidadania do nosso povo. E vou ao fato agora. A indenização na reforma trabalhista que o Congresso fez, no Governo Temer, por morte, conforme está lá, é limitada a 50 vezes o salário. Aí vou dar um exemplo. Lá, nesse massacre que houve, em relação a um trabalhador que ganha um salário mínimo, a família vai receber 50 vezes, o que dá 998 mil. Já, quanto a um chefe de setor, digamos, que ganha 20 mil, a família vai receber 1 milhão. Então, em caso de morte, no mesmo acidente, no mesmo fato e na mesma empresa, alguém vai receber 49,9 mil, e o outro vai receber 1 milhão.

    A vida não tem preço. Ambos estavam prestando serviço àquela empresa. Por que, no caso de um trabalhador simples, a família receberá 50 mil e, no caso de um supervisor da área, como é o caso de que dei o exemplo, vai receber R$1 milhão? Tudo isso é para a gente refletir e pensar em como ajustar aqui na Casa, que faz as leis.

    Essa tragédia não pode ser esquecida. Se faltou fiscalização, que se apure. A Justiça tem que ir a fundo, encontrar os responsáveis e puni-los, com a radicalidade da lei, doa a quem doer. Uma frase que eu uso muito aqui, quando falo em investigação, em denúncia, eu sempre digo: investiguem todos! E doa a quem doer, que vai ter que responder pelos seus atos.

    Lembro, com tristeza, a tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, lá no meu Rio Grande do Sul. Estivemos lá, eu, o Senador Simon, o Senador Zambiasi, e vimos no ginásio 242 corpos de jovens ali, e os familiares a chorar. Pois bem, até hoje as famílias esperam justiça. Não aconteceu nada!

    Notícias dão conta de que outras barragens estão na mesma situação em Minas Gerais, inclusive com alarme e sirene tocando. Calculem os senhores, se nós morássemos lá com nossos filhos, família, e a sirena tocasse: pegamos as crianças e saímos correndo morro acima, como diz o outro, pegar a parte mais alta. Lá, por duas vezes, as sirenas tocaram depois daquela oportunidade.

    Mais de 500 pessoas tiveram de sair correndo de suas casas em três comunidades: Barão de Cocais, na região central de Minas, por conta do alerta na Barragem Sul Superior da mina Gongo Soco, também da Vale do Rio Doce. Calculem o desespero, a agonia. Ninguém merece isso. É um trauma que vão levar. Tudo isso pela ganância e pela cobiça irresponsáveis daqueles que só querem lucrar, lucrar e lucrar. E não entendem que a humanidade caminha, caminha em uma estrada longa da vida e quer viver e envelhecer com dignidade, e não sofrer verdadeiros atentados como esse.

    Dou um exemplo: a Vale do Rio Doce foi vendida pelo Governo do Brasil – nem vou dizer a época, porque isso não importa, embora tenha sido lá atrás –, foi vendida por R$3 bilhões. Hoje, ela vale mais de R$300 bilhões. A pergunta que fica: mas quantas mortes mesmo a privatização da Vale causou? Duzentas pessoas, trezentas pessoas, quatrocentas, quinhentas? Não sabemos, porque ainda estão buscando os mortos que ficaram daquele crime acontecido.

    Eu repito aqui o que falei outro dia: nunca me empolguei muito com CPIs, não. Não sou daqueles que diz a todo momento: "CPI para cá, CPI para lá". Quem me conhece aqui sabe. Nunca fiz parte de nenhuma CPI, nenhuma, nenhuma! Mas, nesse caso, eu já assinei quatro. Só acho que devemos criar apenas uma e que seja mista: Câmara e Senado. É fácil, com qualquer notícia, o pessoal inventa uma CPI, que vai perdendo inclusive a seriedade, tão importante como é uma CPI, Comissão Parlamentar de Inquérito. Nesse caso, eu assinei as quatro, mas prefiro que a gente tenha somente uma.

    Sr. Presidente, Charles Chaplin escreveu que o caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza. Porém, não podemos deixar que o desejo envenene a alma dos homens, levantando no mundo as muralhas do ódio, da miséria e das mortes. Ainda Charles Chaplin diz que a nossa inteligência tem nos deixado cruéis, que pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que só inteligência, que é importante, precisamos de afeição, de doçura e amor.

    Sr. Presidente, eu vou tomar a liberdade, e aí, o Senador Kajuru e todos sei que vão concordar: eu queria que V. Exa. tirasse um minuto do meu tempo para a gente fazer um minuto de silêncio a todas as vítimas, desde o querido Ricardo, que se foi, do que aconteceu nesse período em que nós estamos convivendo aqui. Então, eu pediria aqui um minuto, todos de pé, dentro do meu tempo, um voto de silêncio, representando todas as vítimas desse período, se V. Exa. concordar, é claro.

    O SR. PRESIDENTE (Izalci Lucas. PSDB - DF) – Concordo plenamente.

(Faz-se um minuto de silêncio.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Sr. Presidente, esse minuto foi uma forma de solidariedade a todos aqueles que eu citei e também às seis pessoas que morreram devido às últimas tempestades no Rio de Janeiro e aos dez jovens que morreram no incêndio no centro de treinamento do Flamengo, sobre o qual V. Exa. foi o primeiro a falar aqui na última sexta-feira. Agora, é importante registrar: nós todos sabemos, todos, todos sabemos que essas mortes, todas elas, poderiam ter sido evitadas, como outras centenas que acontecem no Brasil.

    Sr. Presidente, não respeitar a vida e o meio ambiente e condição digna no trabalho é ponto de partida para a destruição da condição humana. Não há país que se sustente tão somente com vértices da economia e do sistema financeiro. Se os governos – e aqui eu falo de todos, independentemente de ideologias e partidos políticos –, se os governos todos deixarem de fora os aspectos humanistas, a melhoria de vida das pessoas, se eles, os governos, se intimidarem pela força e a ganância do mercado ou daquele que só visa ao lucro, podem ter certeza de que este País estará fadado ao fracasso. O seu povo percorrerá os descaminhos da injustiça e das crueldades.

    Nós não queremos, nós não aceitamos, nós não podemos permitir que isso aconteça. Jamais, jamais, jamais. Esse deve ser um compromisso daqueles que amam a vida, a liberdade, a justiça e a democracia.

    Era isso, Presidente.

    Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/02/2019 - Página 20