Discurso durante a 41ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à detenção do domínio .amazon por empresa privada internacional em detrimento aos países da região amazônica.

Autor
Plínio Valério (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Francisco Plínio Valério Tomaz
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CIENCIA E TECNOLOGIA:
  • Críticas à detenção do domínio .amazon por empresa privada internacional em detrimento aos países da região amazônica.
Aparteantes
Confúcio Moura.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2019 - Página 38
Assunto
Outros > CIENCIA E TECNOLOGIA
Indexação
  • CRITICA, PROPRIEDADE, DOMINIO, INTERNET, EMPRESA PRIVADA, REFERENCIA, NOME, REGIÃO AMAZONICA.

    O SR. PLÍNIO VALÉRIO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PSDB - AM. Para discursar.) – Obrigado, Presidente.

    Nos séculos passados, 1600, 1700, 1800, era comum os estrangeiros, era comum pessoas virem de outros países roubar o nosso País, os bens naturais da nossa flora, às vezes da fauna, que levou, Paim, o grande autor de Os Sermões, Pe. Antônio Vieira, a cunhar aquela célebre frase em relação aos estrangeiros: "Eles não querem o nosso bem. Eles querem os nossos bens".

    Por que eu digo isso? Nós, na Amazônia, já tivemos a fruta da seringueira roubada pelos ingleses para plantar na Malásia, o que causou a nossa derrocada. O discurso que pronuncio hoje aqui é também nesse sentido. Só que agora, no mundo da rede social, no mundo cibernético, o roubo se dá de outra forma.

    Sr. Presidente, Sras. Senadoras e Srs. Senadores, trava-se nos bastidores da internet uma batalha ainda silenciosa, pouco conhecida, que envolve mais um episódio, agora cibernético, da rapinagem da Amazônia. Foi mostrado em excelente artigo do Prof. Marcos Dantas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que integra o Comitê Gestor da Internet no Brasil.

    A encrenca começa por volta de 2012, com o ato da Icann, uma organização privada que recebeu do Governo dos Estados Unidos um mandato para dirigir a internet. É meio estranho que apenas um governo possa conferir uma prerrogativa dessa dimensão, mas eu vou seguir em frente para que os telespectadores do Brasil inteiro nos ouçam e possam entender.

    Foi nessa data que a Icann permitiu que se aumentasse o número de gTLD, que é aquele, digamos, último sobrenome dos domínios da internet, seria o sufixo dos domínios. O mais conhecido deles é o .com, seguido pelo .gov, pelo .leg e assim por diante. A partir desse momento, meu Presidente, permitiu-se que qualquer empresa ou instituição possa criar um novo gTLD. Bastaria pagar módicos US$180 mil à Icann.

    A partir daí, grandes empresas passaram a criar os seus próprios sobrenomes, os seus gTLDs, em um processo ainda pouco conhecido no Brasil. Entre elas estão as empresas do segmento de tecnologia cibernética, como o Google e o Yahoo, mas também outras mais tradicionais, como é o caso – vejam só – da Ford ou da Renault.

    Presidente, previsivelmente, a Amazon entrou nessa jogada. Requereu um domínio de primeiro nível para si própria. Seria o .amazon. É evidente que isso cria um sério conflito. É aqui que entra de novo a rapinagem da Amazônia, meu Senador Lasier. Amazon não é apenas um cognato inglês para a palavra Amazônia do português e do espanhol, mas uma expressão que, em qualquer língua, designa não apenas uma importantíssima região do Planeta, mas vai muito mais além disso. Os nobres Senadores de Rondônia e do Amapá sabem do que estou falando.

    A palavra Amazônia designa uma das mais relevantes áreas da Terra, identificando-se com um conceito geográfico, mas representa todo um amplo conjunto de manifestações e interesses culturais, históricos, políticos, ambientais, econômicos. É uma questão identitária de amplitude difícil de até definir.

    Evidentemente, meu Presidente, agora, Paulo Paim, houve reação não apenas brasileira, mas de todos os países amazônicos. O Itamaraty desempenha um dos principais papeis dessa ofensiva, registra o Prof. Marcos Dantas no seu artigo. São nada menos do que oito países diretamente interessados, além da Guiana Francesa. Criou-se, então, um conflito paradoxal. De um lado um importante grupo de países independentes, com assento nas Nações Unidas, com uma história ímpar, representando mais de 400 milhões de habitantes; e, do outro, uma empresa, é claro, de alto faturamento, é verdade, mas apenas uma entidade privada, de criação recente, inclusive.

    Embora tenha criado ela própria regras que reconhecem o direito de instituições políticas e culturalmente legítimas, como é o caso, a Icann tem evitado tomar partido. É bom não esquecer que, por estranho que pareça ter recebido suas prerrogativas, ela é também uma entidade privada, sendo de se supor que costuma mostrar sensibilidade pelos interesses privados – claro, aqui nós temos o privado contra o público, havendo a ameaça de o privado vencer.

    Pressionada, a Icann balançou. Em um primeiro momento, reconheceu os interesses nacionais, como seria óbvio. Depois, recuou. Diante das pressões da Amazon, ela simplesmente recuou, mas, passado algum tempo, hoje adota uma postura pretensamente conciliatória, abrindo espaço para que se chegue a um acordo.

    É aí que surge o inesperado. A Amazon fez uma proposta. Instituições, empresas, até pessoas da região poderiam adotar domínios no gTLD amazon, ou seja, dentro do .amazon poderia existir um .br.amazon, no caso brasileiro; um .co.amazon, no caso da Colômbia; ou um .eq.amazon, no caso do Equador, e assim por diante, que serviriam até de raiz para domínios regionalmente definitivos. De uma coisa, porém, a empresa não abre mão. Olha só: a empresa não quer abrir mão do domínio .amazon, que pertence à Amazon e a ninguém mais, ou seja, o nome Amazônia hoje pertence a uma empresa privada, Sr. Presidente.

    Vem aí o mais constrangedor de tudo – não para por aí, não. Olha só: a multimilionária Amazon ofereceu a cada país envolvido durante o processo US$5 milhões em troca de aceitarem o registro do domínio, coisa típica de quem pensa que tudo no mundo, até mesmo a dignidade nacional ou o respeito ao próprio nome, tem algum preço.

    Meu bom companheiro Confúcio Moura, meu bom companheiro Marcos Rogério, a nossa Amazônia, amazonia.com, pertence a uma empresa privada – o nosso nome Amazônia. Botaram Amazon, porque, em espanhol, é a mesma coisa e nos levaram... Agora está se travando essa briga cibernética. O Itamaraty está nessa briga, e os países envolvidos na Amazônia também, porque o nome amazon, que quer dizer Amazônia, pertence a .amazon. E essa novela está longe de ter um final. É evidente que a empresa quer o sufixo amazon como exclusivo de suas atividades comerciais, em detrimento dos direitos não só – vejam só – de todos nós, direitos regionais, nacionais... É claramente – por isso eu comparei no começo, Presidente – violação de soberania.

    Não se pode mais roubar a semente da seringa, porque já roubaram séculos atrás; já levam o nosso minério de forma escondida; já levaram o nosso tambaqui. E há aquele caso famoso do cupuaçu no Japão, que eu também já vou relatar aqui.

    Já temos diversos precedentes para esse tipo de pirataria, dos quais o mais claro envolveu o nosso cupuaçu, tão comum na nossa região. A empresa japonesa Asahi Foods tentou se apropriar do processo de produção do cupulate, espécie de chocolate feito com semente de cupuaçu. Além do cupulate, a empresa pretendia se apropriar da marca cupuaçu. Chegou assim a fazer um registro desse nome no Escritório de Marcas e Patentes do Japão.

    O registro, que daria exclusividade à empresa multinacional na comercialização do cupuaçu, porém, foi anulado pelo próprio Escritório de Marcas e Patentes do Japão. Esse desfecho, porém, só foi possível graças à incisiva campanha liderada pelo Grupo de Trabalho Amazônico, em parceria com empresas brasileiras e muitos outros aliados, entre organizações não governamentais, governamentais e parlamentares, cobrando a anulação do registro.

    Essas entidades se empenharam de tal forma na discussão e formulação dos argumentos que nortearam a ação de cancelamento do registro...

(Soa a campainha.)

    O SR. PLÍNIO VALÉRIO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PSDB - AM) – ... que todos os argumentos demonstrados foram integralmente aceitos pelo Japão. Para isso, porém, contaram com o art. 3º da Lei de Marcas do Japão, segundo o qual, abro aspas, "uma marca não pode ser registrada caso indique, de forma descritiva, um nome já comum de matérias-primas, fecho aspas.

    Meu bom Senador Flávio Arns, do Paraná, a gente está falando de uma região totalmente diferente e quer o apoio de todos nessa briga que está se travando.

    No caso do cupuaçu, portanto, havia colossais interesses comerciais em jogo, mas havia também um Estado envolvido, no caso, o Estado japonês, com um Governo e uma estrutura jurídica próprias. No caso do sufixo amazon, a configuração institucional é diferente.

    Não podemos, não devemos nos curvar a uma cartada ousada de uma empresa privada, ainda que a disputa se trave em um terreno muito mais pantanoso do ponto de vista jurídico. O que impressiona, em ambos os casos, é a insistência de setores privados a fazer pirataria com marcas e interesses nacionais, como se tenta fazer com a Amazônia.

    Em mil, seiscentos e alguma coisa, e repito o começo para encerrar, Sr. Presidente, o Pe. Antônio Vieira, vendo os estrangeiros bem intencionados no Brasil, repito aqui, dizia: "Eles não querem o nosso bem, eles querem os nossos bens". E isso serve para essas missões que estão entranhadas nas matas amazônicas. Já não vale mais a pena roubar o cupuaçu, já não vale mais a pena roubar o cacau, levar o tambaqui, levar isso e aquilo; agora é no meio cibernético. Agora é com o próprio nome Amazônia.

    Como é que ficamos nós? Como é que ficamos nós brasileiros, que não temos o direito de usar o termo amazon., .amazon, porque pertence a uma empresa privada? Que tem dinheiro, é verdade; mas dinheiro, eu aprendi isso ainda menino, lá em Eirunepé, nas barrancas do Juruá, não compra dignidade – não compra dignidade. Pode comprar muita coisa, até momentos felizes, mas jamais nos compra dignidade.

    Eu ouço, Presidente, o nosso Senador aqui, companheiro de Rondônia, de fortunas e de ideais, Senador Confúcio.

    O Sr. Confúcio Moura (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO. Para apartear.) – Senador Plínio, é com muita satisfação que eu ouço V.Exa. E esse assunto é um assunto que nos interessa muito.

    Inclusive nas reuniões do Consórcio da Amazônia, nas reuniões de Governadores, nós levantamos a possibilidade de todos os Estados da Amazônia conjuntamente fazermos uma mídia nacional, uma mídia internacional, uma comunicação da Amazônia. Porque cada Estado, o Estado do Amazonas, Rondônia, Acre, cada um, especialmente o Acre, procurou fazer, em nível internacional, a divulgação da florestania, divulgando a floresta em pé como uma grande marca do Estado do Acre. Fez um trabalho de 20 anos e fez sozinho. E não foi tanto sucesso, porque foi isolado.

    E, nas reuniões que fizemos no passado, nós queríamos que cada Estado, cada Governador fizesse a sua mídia, a sua comunicação isolada, para dentro do seu próprio umbigo. Nós queríamos fazer a divulgação da nossa marca internacional, que a gente gastasse dinheiro dos próprios Estados divulgando a marca Amazônia para o mundo inteiro.

    Então, o seu discurso é extremamente oportuno, porque o senhor chama a atenção para os nossos interesses, dá destaque especial às nossas frutas exóticas, aos nossos hábitos, aos nossos costumes, às nossas riquezas, às nossas belezas. Então, faz um discurso chamativo e também provocante, porque V. Exa. alude ao Grupo Amazon Comercial, que leva essa marca como se fosse exclusiva dele e nada tivesse a ver conosco.

    Então, eu parabenizo V. Exa. pela oportunidade do seu discurso, que é muito feliz, muito bonito, muito oportuno, muito nosso. Parabenizo V. Exa. e compartilho do seu discurso.

    O SR. PLÍNIO VALÉRIO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PSDB - AM) – Obrigado, Senador Confúcio.

    Senador Petecão, veja só: a palavra Amazônia, hoje, pertence a uma empresa privada no campo cibernético: .amazon. Está se travando uma briga para ver se a gente retoma o direito de poder usar o termo Amazônia.

    Senador Arolde de Oliveira, do Rio de Janeiro, certamente solidário com essa questão que extrapola a Amazônia, nós estamos tendo um direito usurpado.

(Soa a campainha.)

    O SR. PLÍNIO VALÉRIO (Bloco Parlamentar PSDB/PODE/PSL/PSDB - AM) – Trata-se de uma rapinagem, de pirataria cibernética de verdade.

    Portanto, eu encerro, Sr. Presidente, dizendo ao povo brasileiro que essa é uma batalha de todos nós. O Itamaraty está à frente, outros oito países também, e a gente vai continuar sempre aqui procurando informar, procurando saber e, quem sabe, participar dessa briga e dessa luta, porque nós estamos aqui no topo do campo legislativo deste País, no Senado da República. A nós compete, naturalmente, trazer à baila, trazer ao campo, trazer ao palco esse tipo de discussão, e é o que acabo de fazer, Sr. Presidente.

    Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2019 - Página 38