Discurso durante a 71ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro do Dia Nacional de Protestos das Polícias contra a reforma da previdência, organizado pela União dos Policiais do Brasil-UPB.

Breve histórico sobre o regime de escravidão no País e considerações sobre os impactos negativos enfrentados pela sociedade em decorrência desse período.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Registro do Dia Nacional de Protestos das Polícias contra a reforma da previdência, organizado pela União dos Policiais do Brasil-UPB.
CIDADANIA:
  • Breve histórico sobre o regime de escravidão no País e considerações sobre os impactos negativos enfrentados pela sociedade em decorrência desse período.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/2019 - Página 41
Assuntos
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Outros > CIDADANIA
Indexação
  • REGISTRO, MANIFESTAÇÃO, AUTORIA, POLICIA CIVIL, REFERENCIA, CRITICA, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • ANALISE, PERIODO, ESCRAVO, BRASIL, COMENTARIO, RESULTADO.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar.) – Muito obrigado, Senador Izalci, Presidente da sessão.

    Hoje é dia 13 de maio, e, como eu faço sempre em datas como essa, como em 20 de novembro, vou falar da situação do preconceito que ainda existe, infelizmente, muito forte no País. E não só no Brasil, na maioria dos países do mundo.

    Mas, antes, Sr. Presidente, eu quero fazer um registro, porque hoje está ocorrendo em todo o País – iniciou às 13h e vai até às 18h – o Dia Nacional de Protestos das Polícias contra a reforma da previdência, organizado pela União dos Policiais do Brasil (UPB), no Rio Grande do Sul é o Sinpol (Sindicato dos Policiais Civis), e a Ugeirm (Sindicato dos Escrivães, Inspetores e Investigadores da Polícia Civil) do nosso Estado.

    Além do não reconhecimento das características próprias da atividade policial, com o risco de morte, a proposta de reforma da previdência, segundo os próprios policiais, traz a possibilidade da determinação de uma alíquota extra de 8%, o que significa uma diminuição salarial para todos os policiais do Brasil.

    Outro ponto que atinge a polícia e, por consequência, toda a segurança pública, é a não definição de uma regra de transição e implementação das novas regras da aposentadoria. Conforme as entidades policiais – abro aspas, porque são eles falando – "com a fixação de um gatilho para o estabelecimento da idade mínima de aposentadoria, em breve – segundo eles – só teremos uma força policial extremamente envelhecida, com sérias dificuldades de garantir segurança para a população" – fecho aspas.

    O movimento dos policiais está mantendo diálogo com a população, explicando os motivos da greve e os danos que a reforma da previdência trará para todo o povo brasileiro, principalmente aos assalariados, aos trabalhadores da área pública, da área privada, do campo e da cidade. Os policiais reiteram que a paralisação é em defesa da segurança pública e do direito à aposentadoria para todos, todos os trabalhadores.

    Sr. Presidente, lembro que este é um dos movimentos, mas que também, na próxima quarta-feira, dia 15, vai haver um grande movimento nacional em defesa da educação básica, universidades, escolas técnicas, pesquisas, cursos de mestrado, doutorado, todos contra a reforma da previdência.

    E, no dia 14 de julho, uma greve geral, liderada pelas centrais sindicais.

    Esse é o registro, Sr. Presidente.

    Vou discorrer agora sobre o dia 13 de maio. O Brasil é um jovem país, possui apenas 519 anos, mas, por quase 400 anos, permaneceu sob o regime de escravidão do povo negro. O Brasil foi o último país do mundo, foi o último país das Américas a abolir a escravidão. À conta que essa abolição ocorreu devido à pressão da Inglaterra, que exigia que o Brasil libertasse os negros. Somente assim, a Lei Áurea acabou sendo aprovada no Brasil, repito, devido à pressão da Inglaterra, que não aceitava mais o vergonhoso tráfico de pessoas. Caso contrário, se isso não acontecesse, a Inglaterra não reconheceria a independência do Brasil.

    O século XVII foi o período de implantação da escravidão. O comércio de escravos entre a África e o Brasil trouxe à força, na marra, no grito, no espancamento e no assassinato de uns que morriam nos navios negreiros, mas aqui chegaram quase dois milhões de africanos, que, nos seus países, eram livres. Muitos eram reis, príncipes, princesas, rainhas. Todos lá foram sequestrados, raptados e, à força, foram colocados em navios negreiros, com destino ao Brasil.

    O dia 13 de maio é uma data simbólica para que não esqueçamos jamais esse longo período de desumanidade.

    O negro obteve a alforria, mas não obteve uma política de inserção social. Sua realidade permaneceu: a do trabalho precário e a de remuneração espúria, vergonhosa. O Estado brasileiro aboliu a escravidão, mas não ofereceu garantia nenhuma para um povo que foi tratado como coisa, como objeto.

    Estamos no século XXI e ainda deparamos com a falta de políticas públicas verdadeiras, que tragam a igualdade de direitos para toda a população, direitos iguais, brancos, negros, ciganos, índios, enfim, toda a nossa gente.

    Conforme dados do IBGE, a população negra, pretos e pardos, corresponde a 53,92% – 54% da população brasileira. Um país que não impulsiona a sua gente, que não garante a dignidade não vai avançar jamais. Mesmo em um Estado que reconheça o direito constitucional de que todos sejam tratados com igualdade e liberdade, o preconceito ainda existe. Nossas conquistas no campo trabalhista, político e previdenciário ocorreram durante décadas e décadas e, agora, estão sob risco, principalmente os setores mais vulneráveis que serão atingidos. Enfim, não vieram do acaso ou da boa vontade de quem governa, mas de muitas lutas, muitas vezes trágicas, por melhores condições de vida e de trabalho.

    Há pouco mais de 30 anos, vencemos a batalha pela redemocratização, conseguimos construir um Estado formalmente democrático, mas, na prática, nosso País não é igualitário, não é justo. Ainda são escassos os mecanismos destinados a fortalecer a presença dos negros e negras na sociedade brasileira. A desigualdade social persiste como um problema que impede o Brasil de obter um desenvolvimento que seja equânime.

    Os negros ocupam camadas pobres e acabam sendo afetados com maior gravidade por medidas de redução de garantias sociais, como foi a reforma trabalhista e está sendo agora a reforma da previdência.

    No Brasil, Sr. Presidente, a possibilidade de um adolescente negro ser vítima de homicídio é 3,7 vezes maior do que a daqueles que não são negros, dados do Ipea. Todos os dados que eu tenho aqui são do IBGE, do Ipea, da OIT, de organizações internacionais.

    Atualmente, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com informações do Atlas da Violência, os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados, já descontado o efeito da idade, escolaridade, sexo, estado civil e se moram ou não numa favela, por exemplo.

    Um país, repito, que não impulsiona a sua população para a dignidade não avança, jamais avançará. São muitas as situações em que a limitação de direitos afeta em cheio exatamente o povo que é discriminado.

    Temos visto que esse é o caso das reformas trabalhista, previdenciária, a própria Emenda 95, que congelou os investimentos públicos por 20 anos, em que essas políticas afetam diretamente, como eu dizia antes, os setores vulneráveis.

    Vejam a questão da falta de médicos. Não tem como esconder mais. Já se diz que, neste ano, por falta de atendimento médico, cerca de 100 mil pessoas poderão morrer no País. E, com certeza, quem são os setores vulneráveis? LGBT, negro, índio, pardo e – claro – branco, mas pobre. Nós estamos aqui fazendo a defesa de todos: brancos, negros, índios, ciganos, mulheres, crianças, independentemente da idade ou da cor.

    Sras. e Srs. Senadores, as mulheres, os homens, os idosos, os jovens, as crianças são o principal capital brasileiro e precisam ser valorizados, independentemente da origem, da raça, do sexo, da cor, da idade, porque assim manda a Constituição Cidadã, que eu tive a alegria de ter ajudado a escrever.

    É esse capital humano que cria e pode criar muito mais processos tecnológicos, acelerar a economia, gerar renda produção. Vamos, enfim, lembrando esta data, cuidar do nosso povo, repito, sejam brancos, sejam negros, sejam migrantes ou imigrantes.

    Costumo fazer a seguinte pergunta: a quem interessa comprometer o futuro de nossos jovens, pois, a cada 23 minutos, o Brasil mata um jovem negro, conforme dados das Nações Unidas do Brasil.

    O investimento nas pessoas é certamente a garantia mais segura e rentável de qualquer país do mundo. Nossa história não narra o que poderia ter acontecido se nossos talentos tivessem sido aproveitados.

    Sem investimentos em lazer, educação, moradia digna, sem saneamento básico, sem iluminação pública, sem saúde, sem emprego, o povo pobre, principalmente os negros, se reinventam e encaram todos os desafios que permanecem adiante, após a abolição ou a abolição inacabada.

    É claro que os brancos pobres também sofrem nessa mesma área. Apenas estamos lembrando que a maioria dos pobres neste País são negros, são ciganos, são índios.

    Um país que não impulsiona a sua população, repito, para a dignidade nunca avançará.

    Senhores e senhoras, podemos lembrar aqui que o próprio mercado de trabalho tende a ocupar cargos com maior periculosidade e insalubridade de alto risco com quem? Com os negros.

    Dados do IBGE de 2017 mostram que os trabalhadores negros no Brasil recebem em média R$1,2 mil a menos do que aqueles que não são negros. Apenas em 2089, daqui a mais ou menos 70 anos, brancos e negros terão uma renda que se vai aproximar do equivalente no País. A projeção é da pesquisa "A Distância que nos Une: o retrato das desigualdades brasileiras", da ONG britânica Oxfam.

    É inaceitável falarmos que, no Brasil, não existe racismo e que vivemos em uma democracia racial. Isso não é verdadeiro. Aqui existe preconceito contra migrantes, imigrantes, negros, índios, mulheres, idosos. O Brasil, infelizmente, vive com esse preconceito sectário, radical, desumano contra o seu próprio povo.

    Na política, só alguns dados: o número de Deputados negros, somados pardos e pretos, segundo critério do IBGE, cresceu quase 5% na eleição de 2018, em comparação com a de 2014, mas o grupo continua sendo sub-representado na Câmara dos Deputados em relação ao tamanho da população do nosso País.

    Dos 513 Deputados eleitos no último pleito, 385, 70%, não são pretos nem pardos: apenas 104 se reconhecem pardos; 21 somente se declaram pretos; dois, amarelos; e um, indígena.

    Diante dos dados da Agência Brasil, no Senado, dos 36 candidatos que se declararam, podemos aqui avançar que somente três foram eleitos: Weverton, PDT; Mecias de Jesus, PRB; e Paulo Paim, este que lhes fala e que se reelegeu para mais um mandato, entre os oito que foram reeleitos nesta Legislatura.

    Entre pardos, 75 se candidataram ao Senado, e apenas 11 se elegeram. Podemos destacar os Estados de Alagoas, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Rondônia, Roraima, Santa Catarina e Sergipe.

    É inaceitável falarmos que, no Brasil, não existe racismo, Senadores Kajuru e Izalci, e que vivemos numa democracia racial. É melhor assumir: há racismo, e vamos combater todo o tipo de preconceito.

    Desde o tempo em que se começou a cultivar a cana de açúcar e o café, nunca tivemos a oportunidade de viver em um País sem preconceito. O maior desperdício de um Estado em desenvolvimento está na falta de incentivo a seus talentos em todas as áreas: no esporte, na ciência, na política, na cultura. Nesse sentido, considero que os países ricos souberam cuidar mais do seu povo, respeitando e incentivando a todos, negros, brancos, migrantes e imigrantes. Um país que não impulsiona a sua população para a dignidade, repito, não avança.

    Atualmente, a Presidência da República editou um decreto para a liberação de armas de fogo. Eu clamo: vamos investir em outras políticas públicas. Não é armando a população que você vai diminuir a violência.

    O maior combate à violência, em qualquer país do mundo, se faz com livros, cadernos, com a implantação de creches, com escolas, com iluminação pública, fortalecendo as universidades, as faculdades, com saneamento básico, incentivo ao esporte, investimentos na saúde e em outras áreas, e não jogando a responsabilidade da segurança nas mãos de um homem, de uma mulher e até de um adolescente, porque também os adolescentes agora poderão atirar.

    Sabemos que essa responsabilidade é do Estado brasileiro, através de políticas transversais. E sabemos muito bem, quem sofrerá, com esse decreto, serão os nossos jovens, pois um vai atirar no outro. Calcule, numa discussão, numa briga na sala de aula ou, como eu ouvi hoje, mesmo dentro de um avião, em que pode haver desentendimento – eu já vi muitos desentendimentos em avião –, um poderá atirar no outro. E daí o avião todo poderá despencar e todos morrerão por causa de uma arma.

    Segundo a pesquisa da Agência Brasil, a cada 60 minutos, uma criança ou um adolescente morre no Brasil em decorrência do quê? Ferimentos por arma de fogo, sejam brancos, sejam negros.

    Senhoras e senhores, o feminicídio também tem cor no Brasil: atinge principalmente as mulheres negras. Na última década, o número de mulheres negras assassinadas cresceu 54%. As mulheres negras também são mais vitimadas pela violência doméstica: 58,68%, de acordo com informações do Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência).

    Elas também são mais atingidas pela violência obstétrica (65,4%) e pela mortalidade materna (53,6%), de acordo com dados do Ministério da Saúde e da própria Fiocruz.

    O maior combate se faz com tintas, mas com tintas de todas as cores, tintas para colorir um Brasil que possui um imenso potencial econômico e social para o seu desenvolvimento. Mas para que isso ocorra é necessário oferecer e dar espaço para que a dignidade avance e para toda a nossa população, pois um país que não se preocupa com a dignidade de seu povo não cresce...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... não avança, não se desenvolve. Não podemos admitir que no Brasil vigore a ideia de que determinados grupos possam ficar em segundo plano devido à sua origem, raça, sexo, cor, idade, etnia, procedência ou quaisquer outras formas que apontem na linha da discriminação.

    Vivemos hoje um momento de crise econômica e de retrocesso social – ninguém tem dúvida quanto a isso – em que a grande massa trabalhadora é formada por aqueles que, de fato, menos tiveram chance ao longo das suas vidas.

    Hoje eu vi um dado assustador: 80% dos brasileiros ficam na faixa de até dois salários mínimos.

    Não podemos abandonar nosso povo, sejam brancos, repito, sejam negros, sejam índios, nessa fase crítica da nossa política, porque não são eles os responsáveis pela atual situação por que passa o País.

    As reformas trabalhista e previdenciária penalizam as classes mais pobres, e, consequentemente, ali estão grande parte, ali está a maioria da população negra, ao colocar o peso da queda da receita pública sobre os ombros dos pobres operários, repito, brancos e negros.

    Os trabalhadores não podem arcar com as contenções de despesa do atual Governo, como se fosse a classe que contribuiu com a crise econômica atual. Com certeza, não foi. Além disso, a precarização do trabalho em nome do ganho de produtividade não parece ser a melhor solução para a retomada do PIB industrial.

    Tínhamos 12 milhões de desempregados, antes da dita reforma trabalhista; hoje, nos aproximamos dos 14 milhões...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... e a massa salarial caiu de forma assustadora.

    Termino, Sr. Presidente, embora com o Plenário vazio. Estou fazendo uma homenagem aqui ao povo negro e branco também, porque todos sofrem com a discriminação em todo o nosso País.

    Acreditamos no nosso País, mas não podemos nos esquecer de que ainda há grilhões a serem rompidos e há feridas expostas, que não cicatrizaram.

    O que é o povo brasileiro? Um povo multicultural, um povo guerreiro, um povo que ainda tem esperanças, esperança de um País igualitário e democrático.

    Vamos torcer muito, Sr. Presidente, para que, num 13 de maio desses, eu possa subir aqui à tribuna e dizer, enfim: Direitos iguais para todos, para as mulheres em relação ao homem, que recebe, na mesma função, um salário menor; respeito às pessoas com deficiência; respeito aos LGBTs; respeito a migrantes e imigrantes, porque não são apenas aqueles que vêm de fora, os que migram de um Estado para o outro já são discriminados; respeito aos negros e negras; respeito aos ciganos; respeito aos índios.

    Por isso, vida longa àqueles que combatem os preconceitos! Vida longa àqueles que amam e destinam grande parte das suas vidas a defender políticas humanitárias.

    Poderia lembrar aqui Dandara, poderia lembrar Zumbi, poderia lembrar Aqualtune, poderia lembrar Mandela e tantos outros que se destacaram no mundo. Poderia lembrar Gandhi, poderia lembrar, aqui, Tiradentes, Luther King. Poderia lembrar de tantos homens e mulheres por essas coisas de que falei aqui. Comecei com a Dandara, mas poderia lembrar aqui de Madre Teresa de Calcutá. Poderia lembrar aqui da Irmã Arns, que morreu fora do Brasil, exatamente num país onde 90% são negros, que é o Haiti, lutando em defesa daquela gente.

    Enfim, vivam todas as lideranças, negras e brancas, que combatem os preconceitos e lutam por uma sociedade melhor para todos!

    Muito obrigado, Presidente Izalci e Senador Kajuru, que, pacientemente, também ficou me ouvindo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/2019 - Página 41