Discurso durante a 200ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Expectativa com as mudanças de algumas questões atingidas pela reforma da previdência para a sua aprovação nesta terça, dia 22 de outubro de 2019.

Reflexão sobre as políticas recomendadas pelo Consenso de Washington e a desigualdade social do País.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Expectativa com as mudanças de algumas questões atingidas pela reforma da previdência para a sua aprovação nesta terça, dia 22 de outubro de 2019.
ECONOMIA:
  • Reflexão sobre as políticas recomendadas pelo Consenso de Washington e a desigualdade social do País.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/2019 - Página 18
Assuntos
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • EXPECTATIVA, ALTERAÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), REFORMA, PREVIDENCIA SOCIAL, COMPARAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, SISTEMA, CAPITALIZAÇÃO, COMENTARIO, PERICULOSIDADE, APOSENTADORIA ESPECIAL, APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, REGISTRO, AUDIENCIA PUBLICA, UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP), ASSUNTO, CALCULO, DEFICIT, FATOR PREVIDENCIARIO.
  • CRITICA, MODELO ECONOMICO, NORMAS, RECOMENDAÇÃO, ECONOMISTA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO MUNDIAL, WASHINGTON, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EFEITO, CONCENTRAÇÃO, RENDA, DESIGUALDADE SOCIAL, COMENTARIO, DESEMPREGO, POBREZA.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar.) – Presidente Izalci Lucas, Senador Alvaro Dias, amanhã é um dia que vai marcar a história do nosso País, porque amanhã vai ser votada provavelmente aqui a reforma da previdência.

    É bom lembrar que o modelo de Governo que o País adota, que se estabeleceu já há dois anos, há dois anos e meio, é um modelo capitaneado pelo mercado, e todos nós sabemos. O programa dos banqueiros, dos rentistas, dos grandes empreendedores, vai na linha, infelizmente, de fortalecer as grandes fortunas.

    Segundo o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, o mercado pode ser definido como sendo integrado por cerca de 200 mil pessoas que declaram espontaneamente, ao preencher a sua declaração anual do Imposto de Renda, terem rendimentos mensais superiores a 80 salários mínimos, ou seja, cerca de R$80 mil.

    Toda essa prática de reforma trabalhista, previdenciária, da desregulamentação inclusive das NRs, esfacelando a legislação daquilo que foi construído durante décadas, da redução de investimentos públicos, da disciplina fiscal, da privatização, tudo isso está alinhado implacavelmente – a gente tem que lembrar, porque há um tempo eu falava sobre isso e agora volto a falar – às recomendações do chamado Consenso de Washington, que é uma lista de dez políticas elaboradas por técnicos do Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Departamento do Tesouro daquele país e por acadêmicos também dos Estados Unidos, o chamado Consenso de Washington, que teve origem em 1989. Não há espaço nesse cenário para o chamado desenvolvimento social; pouquíssimos têm muito e há uma enorme concentração de renda e de riquezas.

    Repito o que eu já disse aqui algumas vezes: o Brasil fica entre os dois países do mundo com a maior concentração de renda – ele junto com Dacar. A maioria de nossa população, ou seja, quase 200 milhões de brasileiros são os grandes prejudicados: pobres, desempregados, trabalhadores, classe média, aqueles que vivem em situação de miséria absoluta.

    Nos países em que foi implantado, países do chamado terceiro mundo, só se aprofundou a crise, colocando milhões de pessoas na informalidade, na pobreza, na miséria, na total falta de esperança. O melhor exemplo bem próximo de nós é a Argentina; todo mundo sabe da situação em que se encontra, com inflação de até 60% ao mês. Podemos lembrar também aqui a atual crise no Chile, onde ontem morreram nove, em relação à mobilização, às caminhadas, às passeatas pelas ruas da cidade em que milhares de pessoas protestavam contra o regime de concentração de renda. Também ali ficaram muito claros os reflexos da reforma da previdência adotada lá, em que se viam, segundo os anúncios, milhares de aposentados e pensionistas, para não dizer milhões, recebendo metade do salário mínimo. Também o aumento do preço das passagens do metrô é um elemento que contribuiu para esse movimento. Há outros, como o aumento da desigualdade, desemprego, miséria, a questão da privatização da previdência, tudo isso. E lá eles foram para o sistema de capitalização. Felizmente, essa parte nós derrubamos aqui no Congresso, mas ficaram abertas as portas para a capitalização. Um aposentado no Chile recebe, em média, meio salário mínimo. No momento são cerca de dez milhões de filiados e mais de US$170 bilhões aplicados no mercado especulativo ou nas bolsas de valores de Londres e de Frankfurt.

    Há hoje no Brasil, senhores e senhoras, mais de 50 milhões de pessoas na informalidade e no desemprego, sem nenhuma proteção social. Quase 15 milhões estão na extrema pobreza. Isso é muito cruel!

    Em artigo publicado no Le Monde Diplomatique, o Prof. Maurício Abdalla diz que, abro aspas: "O complexo financeiro-empresarial não tem opção partidária, não veste nenhuma camisa na política, nem defende pessoas. Sua intenção é tornar as leis e a administração do país totalmente favoráveis para suas metas", ou seja, a expansão dos lucros.

    Prossegue: "Assim, os donos do poder não querem um governo ou outro à toa". Eles querem a reforma da reforma trabalhista e a da previdência, a fim de que as leis do mundo do trabalho sejam favoráveis a eles; o congelamento dos investimentos públicos; o corte nos programas sociais; as privatizações e o alívio dos tributos. Para quem? Para os mais ricos.

    Senhores e senhoras, como eu disse antes, esta Casa terá amanhã uma derradeira possibilidade de entrar para história ao amenizar os estragos, os prejuízos da reforma da previdência. Eu creio na consciência de Senadores e Senadoras, creio na sabedoria. V. Exas., como eu, são de carne e osso, têm sentimento, derramam lágrimas, têm seus problemas pessoais – todos temos – e familiares. Mas aqui se trata de nós olharmos não para os nossos familiares, mas para os familiares do povo brasileiro. Peço com o maior carinho e respeito: vamos olhar para a nossa gente sofrida, que está lá fora, nas ruas, que não está aqui no Plano Piloto, mas está na periferia, está nas cidades-satélites, está no interior deste nosso País, está nos campos, está nos recantos, está nas palafitas, está nas favelas deste País.

    Sr. Presidente, eu entendo que amanhã há seis pontos fundamentais para que a gente aprofunde na votação e faça uma mudança positiva nesses pontos. Mudança positiva é fazer emendas supressivas.

    Primeiro, a periculosidade. A PEC atual acaba com a possibilidade de aqueles que trabalham em linha periculosa, de alto risco, se aposentarem – perdem totalmente, sem nenhuma transição. Eles só poderão se aposentar, embora trabalhem em área de alto risco, chamada periculosidade, depois de 40 anos de contribuição e 65 de idade. Se se aposentassem hoje, pela lei atual, são 25 anos de contribuição.

    Idade mínima da aposentadoria especial. Onde está aí o problema? É que vincularam o tempo mínimo de contribuição – 15, 20 ou 25, conforme a categoria – à idade. Ora, não tem como querer que alguém tenha 15 anos de contribuição mais 55 de idade ou tenha 20 anos de contribuição e 60 de idade ou mesmo 25 e chegue à idade de 60. No caso dos vigilantes, vai chegar a 65.

    Aposentadoria por invalidez. Também tem que mudar. Se alguém ficar aposentado por invalidez até outubro, se aposenta com salário integral; se aposentar por invalidez a partir de novembro, vai se aposentar com a metade do salário. Calcule um cidadão – ele, a esposa, dois filhos – ganhando R$2 mil – vai vivendo, vai vivendo –, a partir de novembro, ele, inválido, vai viver com R$1 mil, com a esposa e os dois filhos.

    Tempo de conversão especial em tempo comum. É uma conta simples, matemática. Hoje, pela legislação, se eu saio da área insalubre, penosa ou periculosa, eu levo comigo 40%: se eu tenho 10 anos, vai valer 14; se eu tenho 20 anos, vai fazer 28. Isso também desaparece, por isso que eu digo que a reforma atual consegue retroagir para prejudicar – prejudica o passado, o presente e o futuro.

    Senhores, eu faço também questão de alertar aqui pelos dados da Unicamp. A Unicamp esteve conosco em duas audiências públicas: uma na CDH e outra também na própria CCJ. Eu tive a satisfação de presidir essas duas audiências públicas. Ora, segundo eles, os números do Governo para calcular o déficit estão errados. E eles dão dois exemplos que eu achei muito simbólicos: o Governo, para calcular o déficit, não usou o fator previdenciário. O senhor que está me ouvindo neste momento sabe que um dos maiores inimigos do trabalhador foi o fator previdenciário, porque reduz e muito o benefício. O Governo fez de conta que todos se aposentam com o princípio da integralidade, sem o fator. Poucos escaparam do fator. Com isso, ele mostra que o gasto é maior, quando o gasto foi menor, porque foi pelo fator que se aposentaram. Por outro lado – isso na hora de ver o gasto –, na hora de recolher o dinheiro para a previdência, ele fez outro equívoco, ele fez de conta que o empregador não paga sobre o total da folha, e ele paga sobre o total da folha, são 20% sobre a folha. E ele fez de conta que o empregador só paga até cinco salários. Isso é o empregado que paga; o empregador, não. Então, só esses dois cálculos já mostram que há erro nesse tal de déficit. Tivemos um debate nas duas Comissões com representantes do Governo e da Unicamp. Em nenhum momento eles conseguiram e nem disseram que a Unicamp está errada, quando ela aponta, por exemplo, esses estudos.

    Enfim, Sr. Presidente, são muitos dados e números que eu tenho nesse documento que vão ficar nos anais da história para que, no futuro, quando tudo isso for visto, as pessoas possam dizer: "O Paim alertou, o Paim tinha razão".

    Outro dado, Sr. Presidente, que eu quero aqui destacar, foi o trabalho da CPI. A CPI fez uma análise detalhada e demonstrou que o problema da previdência é de gestão, de arrecadação, de sonegação, de apropriação indébita e perdão de dívida. Só de apropriação indébita são 30 bilhões por ano. Só combatendo isso, calcule – 30 bilhões por ano – o quanto nós arrecadaríamos, se todo ano tivéssemos uma arrecadação somada com mais 30 bilhões.

    A CPI também constatou que, em 20 anos, entre desvio, sonegação, dívidas, o montante foi de 6 trilhões, em valores atualizados. Somente com a DRU (Desvinculação de Receitas da União), entre 2012 e 2015, foi retirado da previdência, ali naquele tripé da seguridade, 1,5 trilhão. No Refis – eu não queria nem entrar em detalhe porque é quase um perdão de dívida – foram assegurados 143 bilhões. Só com a sonegação, repito, 600 bilhões desaparecem todo ano.

    Ora, se você combate a sonegação, não é como dizem, da dívida, porque a dívida, segundo o jornal O Globo e a própria Receita Federal, comprova que se vai chegar este ano a 3 trilhões de dívida dos poderosos com a União, dados ainda do fim do ano passado, 2,5 trilhões, 2.415 trilhões, 2,5 trilhões, mas atualizando, atualmente vai dar em torno de 3 trilhões.

    Aí diz alguém, a própria Receita diz: mas desse dinheiro, o que nós vamos conseguir recuperar são 45%. Eu arredondo pela metade já, digo que se consiga recuperar 50%. Olha que isto aqui não é o trabalho da CPI, esta parte não; é da Receita Federal, publicada no jornal O Globo. Digamos que recuperassem 1,5 trilhão; é bem mais do que aquilo que o Governo quer arrecadar tirando dos pobres em dez anos, porque ele fala que, em dez anos, vai arrecadar 800 bilhões. Aqui ele arrecadaria no mínimo 1,5 trilhão. Que fosse em cinco anos ou seis anos, ou mesmo dez anos; é 1,5 trilhão que arrecadaria e não precisaria massacrar os pobres, como se está massacrando com essa reforma.

    Mas ainda, Sr. Presidente, eu quero aqui fazer uma atualização rápida da situação do salário mínimo no Brasil e no mundo. O Brasil acaba tendo um dos menores salários mínimos do mundo. Mas o Governo, não contente com tudo isso, fere de morte a política de valorização do salário mínimo. Via LDO, aprovado no último dia 9 por este Congresso, extinguiu a correção automática pela inflação e o crescimento do PIB. Quer dizer que o trabalhador está oficialmente excluído. Se o bolo cresce, ele não participa.

    Qual o efeito disso, Sr. Presidente? Empobrecimento imediato da população de baixa renda, diminuição do poder de compra do trabalhador, desaquecimento da economia, aumento da desigualdade, queda da arrecadação, o que para o Governo também pode ser um tiro no pé. Aqui mesmo nesta tribuna, eu disse em setembro e repito agora: para cada R$1 a menos no salário mínimo, o próprio Governo deixa de arrecadar R$0,54.

    E quais os efeitos indiretos? Piora do bem-estar, da saúde do trabalhador, da segurança, com certeza falta de investimento para hospitais públicos e mesmo para a educação, menos acesso à educação, que é a porta mais efetiva para o mercado de trabalho, maior vulnerabilidade dos jovens e das crianças e aumento da criminalidade. Eu acho injusto. Tenho certeza de que penalizar os mais pobres dessa forma, mais do que injusto, é cruel.

    Eu tenho aqui alguns números da OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. O Brasil quer entrar no seleto grupo dos países desenvolvidos. Pois bem, vamos analisar o salário mínimo em alguns desses países. Pela estatística da OCDE, em 2018, Luxemburgo era onde se encontrava o maior salário mínimo do mundo, US$24.553 por ano; a Austrália, em segundo lugar, US$23.975 por ano, quase US$24 mil por ano; logo em seguida vêm Holanda, Alemanha, Bélgica, Nova Zelândia, França, Reino Unido, Irlanda, esta com um salário mínimo de US$20 mil por ano; Coreia do Sul e Canadá, 19,8 mil por ano, praticamente os mesmos US$20 mil por ano.

    Este é o primeiro pelotão. Abaixo vem outro grupo de países onde o salário mínimo está entre US$15 mil e US$12 mil ao ano. Nessa ordem decrescente, estão Israel, Estados Unidos, Espanha, Polônia, Turquia, Grécia e Portugal. No final da lista, que conta com 32 países, podemos ver ainda: Costa Rica, onde o salário mínimo é de US$9.132 por ano; Colômbia, US$7.768 por ano; e o Chile, com US$7.320.

    Todos acima do Brasil, que, em 2018, tinha um salário mínimo de US$5.114 ao ano. Agora, com o desaparecimento do critério de reajuste da inflação mais PIB, o Brasil vai baixar para algo em torno de US$4 mil por ano. Estamos, até o momento, na 30ª posição. Atrás de nós, só a Rússia, com US$4.774, e o México, com US$1.188 ao ano.

    Como estamos vendo, nós estaremos, ligeirinho, ligeirinho, nessa situação dos piores países do mundo.

    A rede de televisão CNN em espanhol, em matéria do dia 15 de outubro, divulgou o valor dos salários mínimos dos países da América Latina em dólares. Vejamos: Chile, US$423; Uruguai, US$416; Equador, US$394; Paraguai, US$341; Bolívia, US$306; El Salvador, US$304...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Aqui são dólares por mês. Estou me referindo a esses últimos aqui.

    Argentina, US$289; Peru, US$281; Colômbia, US$242; Brasil, US$240.

    Vejam a situação preocupante do Brasil.

    Por isso, quando nós, mais uma vez, além de diminuirmos o valor do salário mínimo, retirando o critério de reajuste da inflação mais PIB, aprovamos a reforma trabalhista, que retirou direitos do conjunto dos trabalhadores deste País, e agora, com a reforma da previdência, nós estaremos, logo, logo, numa situação preocupante, como é hoje a do Chile e da Argentina, como eu falava num primeiro momento.

    Termino, neste último minuto, Presidente, agradecendo a tolerância de V. Exa. e dizendo que é obrigação nossa manter a política atual de reajuste do salário mínimo.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Se o salário mínimo ficar nesse patamar, ao que tudo indica, de inflação menos PIB, nós logo estaremos entre os 50 piores salários mínimos do mundo e vamos, com isso, inclusive, travar a economia.

    Agradeço a V. Exa. e peço que considere na íntegra os meus dois pronunciamentos.

    Agradeço a tolerância de ambos, Senador Izalci e Senador Alvaro Dias.

DISCURSOS NA ÍNTEGRA ENCAMINHADOS PELO SR. SENADOR PAULO PAIM.

(Inseridos nos termos do art. 203 do Regimento Interno.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/2019 - Página 18