Discurso durante a 247ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a tragédia ocorrida em Paraisópolis (SP) que resultou na morte de nove jovens.

Preocupação com as ondas de violência e intolerância que crescem no País.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Considerações sobre a tragédia ocorrida em Paraisópolis (SP) que resultou na morte de nove jovens.
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Preocupação com as ondas de violência e intolerância que crescem no País.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2019 - Página 58
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ENCAMINHAMENTO, VOTO DE PESAR, MORTE, ADOLESCENTE, BAILE, BAIRRO, SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), APRESENTAÇÃO, PESAMES, FAMILIA.
  • PREOCUPAÇÃO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, AUSENCIA, DIGNIDADE, PAIS.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar.) – Sr. Presidente, eu só não fiz um aparte ao Senador Dário Berger, porque naquele período em que ele estava nas breves comunicações, não era permitido, mas queria cumprimentá-lo aqui pelo pronunciamento que fez. V. Exa. também deu uma bela contribuição ao falar sobre essa proposta do Governo que vai acabar com milhares – milhares – de prefeituras no Brasil. No Rio Grande do Sul é praticamente a metade. Nós temos 497 Municípios. De uma hora para outra, ficamos sabendo que o Governo resolveu acabar com a metade dos Municípios. Isso é inaceitável, é prejuízo, naturalmente, para a população daquele, em tese, pequeno Município, e prejuízo também para o grande, porque todos perderão. Aquilo que ele recebe do FPM não vai na mesma proposição por um chamado Município maior ou mais próximo.

    É tão absurda a proposta que eu entendo que é aquela proposta da história do bode na sala: tira o sofá, que está tudo resolvido. São duas citações que a gente ouve da população. O objetivo é um: "Olha, isso vai sair, e fica tudo bem". É claro que não fica. É que nem a história de reduzir em 20% a contribuição sobre a folha e passar para o desempregado. É claro que é piada. Isso, sim, é mais bode na sala ainda. "Não, não te preocupas, porque nós não vamos mais tributar, então, o desempregado". Isso é para inglês ver. Ele não está acreditando que este Congresso – Câmara e Senado – vai aprovar uma proposta que diz que o desempregado vai pagar 7% do seu seguro desemprego.

    Então, são propostas descabidas, inacreditável que estejam circulando na Casa.

    Sr. Presidente, eu já falei muito aqui da tribuna – falei segunda, falei terça, iria falar hoje de novo – sobre aquele massacre de Paraisópolis, em São Paulo, mas, como não houve sessão por diversos dias, o meu requerimento, que vai na linha da solidariedade, do pesar às famílias, estou entregando à Mesa. Se V. Exa. puder encaminhar... Eu o encaminho à Comissão de Direitos Humanos do Estado de São Paulo e encaminho também para a Câmara de Vereadores do Estado de São Paulo. Eu tenho aqui o nome... Na verdade, encaminho para a Câmara de Vereadores e também para a Assembleia. Eu encaminho para a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo e também para a Câmara de Vereadores de São Paulo, já que Paraisópolis é um bairro de São Paulo.

    Sr. Presidente, eu faço questão de reafirmar aqui, porque este assunto, se dependesse de mim, eu falaria todos os dias. É claro que não posso, não é? Eu reafirmo que, na madrugada de 1º de dezembro, num baile funk, no bairro Paraisópolis, na cidade de São Paulo, durante ação da Polícia Militar daquele Estado, nove jovens entre 14 e 23 anos foram mortos. São eles: Gustavo Cruz Xavier, 14 anos; Dennys Guilherme dos Santos Franco, 16 anos; Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16 anos; Denys Henrique Quirino da Silva, 16 anos; Luara Victoria Oliveira, 18 anos; Gabriel Rogério de Moraes, de 20 anos; Eduardo da Silva, 21 anos; Bruno Gabriel dos Santos, 22 anos; Mateus dos Santos Costa, 23 anos. Doze ficaram, ainda, hospitalizados.

    Os órgãos de segurança alegam que a causa das mortes foi pisoteamento, já que 5 mil pessoas estavam nesse baile funk, divertindo-se, porque não tinham outro caminho a seguir, e que, no confronto com dois marginais, foram dados tiros, bomba de gás. Mas o relato das famílias é diferente. Corpos de algumas vítimas não apresentavam sinais físicos de pisoteamento, como roupas limpas, ausência de feridas e sangue. Além disso, os atestados de óbito registram que quatro das vítimas morreram em decorrência de asfixia mecânica e trauma na medula. Moradores e frequentadores do baile relataram que os jovens teriam sido cercados e encurralados num beco. Num vídeo gravado por moradores, aparecem os jovens apanhando, socos, tapas e pontapés em jovens totalmente dominados pelas forças de repressão. Em outro vídeo, disparando balas de borracha contra as pessoas.

    Em um jornal de grande circulação, uma adolescente de 17 anos, que pediu para não ser identificada por medo de represália, contou que ficou presa em uma viela após muita correria, recebendo golpes de cassetete. E aí vai nessa linha tudo o que é falado desse massacre que aconteceu lá em São Paulo.

    Sr. Presidente, o massacre de Paraisópolis é mais uma tragédia anunciada em nosso País. A nossa geografia é pintada com cores rubras. Matam todos os dias, nas vilas, nas favelas, nos morros, nos campos, no asfalto, nos centros das pequenas e grandes cidades. Ceifam a vida de crianças, jovens, mulheres, idosos, negros, índios, LGBTs, moradores de rua, pobres e miseráveis. Estupram, violentam a carne humana, torturam, levam as pessoas ao matadouro como se fossem gado. Aceitam, pacificamente, a morte em corredores. Massacram – o massacre é psicológico, é moral – a sofrida gente brasileira. Descartam da história e dos bancos escolares os atos cotidianos de intolerância, discriminação e racismo. Essa é a realidade.

    Ainda hoje eu recebi uma cidadã que veio de países mais ligados ao norte da África. E, no relato que ela me deu, o que está acontecendo lá é muito semelhante ao que está acontecendo aqui. Em vez de ela me pedir ajuda, como Presidente da Comissão de Direitos Humanos, eu quase passei a pedir ajuda para ela no momento em que relatei tudo que vem acontecendo no Brasil nos últimos tempos. E não estou dizendo que é só nos últimos meses; é nos últimos anos. O País não pode ser negligente e aceitar como natural essa política de violência e ódio. A sociedade brasileira não pode aceitar a banalização da maldade e da crueldade.

    Socorro-me aqui da filósofa Hannah Arendt, no século passado. Ela já alertava sobre a banalidade do mal ao descrever o julgamento e o depoimento do nazista Adolf Eichmann e as atrocidades desse regime de exceção; essa tentativa de tirar a humanidade do indivíduo, de tornar as pessoas incapacitadas de compaixão pelo próximo, que faz com que o ódio e a violência passem a ser algo comum. A desgraça de não haver condições dignas de se viver, de se comer, de se vestir, de se ter educação, saúde e emprego, de se viver em um País como o nosso, com a maior concentração de renda do mundo, passa – parece-me – a ser considerada uma coisa comum na vida das pessoas. Não é comum o que está acontecendo no nosso País.

    Abro aspas: "Foi como se naqueles últimos minutos estivessem resumindo a lição que este longo curso de maldade humana nos ensinou — a lição da temível banalidade do mal, que desafia as palavras e os pensamentos". A sociedade brasileira tem que perceber a realidade e se colocar no lugar do outro, pensar com o ponto de vista do outro, questionar o certo e o errado. Isso não é fácil, mas é possível. E daí que as sociedades passam a evoluir. O caminho é longo até resgatarmos a humanidade e o humanismo da nossa sociedade.

    Os jovens que se foram são vítimas deste mundo que nos rodeia e que, infelizmente, aceitamos. Sim, o País aceita calado as atrocidades que fazem com o seu próprio povo, aceita as inverdades que lhe chega aos ouvidos. O pior erro que podemos cometer, e temos este livre arbítrio, é o de aceitarmos quietos todas essas cenas de horror, com olhos desumanos e nutridos de indiferença e falta de amor. Temos que responder, mas responder com responsabilidade e com a não violência.

    Sr. Presidente, há um antigo poema gaúcho que, na minha infância, quando menino, chorei muitas vezes lendo esse poema e o deixei impresso aqui no voto de pesar. Repito: há um antigo poema que diz:

Quando morre um menino [quando morre uma menina]

Reza o vento sua prece

O destino fecha a porta

E o dia não amanhece

[...]

Se quebra a vida em pedaços

As horas correm vazias

Sem travessuras e abraços

[...]

Quando morre um menino [quando morre uma menina]

Tem o pão gosto de ferro

A alegria sai da casa

E não há [mais] pandorgas no céu

Quando morre um menino [quando morre uma menina]

[...]

    As dores das mães e dos pais – eu complemento – de Paraisópolis são dores que também sentimos, elas são coletivas de um Brasil que ainda busca a sua verdade, que busca encontrar a sua espiritualidade. São lágrimas que caem e inundam o peito, de cada um de nós ao sabermos que os pássaros não cantam quando morre um menino. Ao olharmos para o infinito azul do céu, não mais vamos ver pandorgas, nem dos meninos e nem das meninas.

    O Brasil quer, as famílias desses nove jovens querem nada mais do que justiça, somente justiça.

    A justificativa do voto de pesar, que li aqui, Presidente, que foi nesse teor, eu encaminhei, como disse, à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e da Câmara de Vereadores de São Paulo.

    Talvez eu volte aqui daqui a uma semana para perguntar o que aconteceu, quem foi punido. O que a família pede é só justiça. Que crime eles cometeram? Serem negros? Pobres? Miseráveis? Estar num baile funk? Porque nem os ditos dois marginais estavam lá. Dizem que eles entraram, e aí houve o cerco com aquela crueldade.

    Por fim, Sr. Presidente, deixo só para registro – neste minuto eu complemento – um estudo aqui do chamado pacote Verde e Amarelo, que é uma covardia, outra forma de atrocidade, que faz...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... 135 alterações na nossa CLT. Eu deixo aqui uma análise dele e deixo também... Sr. Presidente, esta semana fizemos aqui um grande evento sobre direitos humanos, que aconteceu agora, no dia 10 de dezembro, e eu fiz um pronunciamento sobre direitos humanos e a população negra. Como, naquele dia, eu fiz o discurso de improviso, deixo registrado nos Anais da Casa esse documento onde eu retrato a realidade do povo negro no nosso País.

    Era isto, Presidente.

    Agradeço, como sempre, a V. Exa. a tolerância. Eu sei que, se eu pedisse para falar mais cinco minutos, V. Exa. iria me conceder, mas me sinto contemplado porque li na íntegra o voto de pesar, que era meu objetivo, e os outros eu dei por lidos.

    Obrigado, Presidente.

DISCURSOS NA ÍNTEGRA ENCAMINHADOS PELO SR. SENADOR PAULO PAIM.

(Inseridos nos termos do art. 203 do Regimento Interno.)

    O SR. PRESIDENTE (Antonio Anastasia. Bloco Parlamentar PSDB/PSL/PSDB - MG) – Muito bem, Senador Paulo Paim. V. Exa. trouxe a lume uma vez mais um tema que sensibilizou todo o Brasil. A solidariedade de todos nós brasileiros é imprescindível neste momento. Como V. Exa. leu, e leu muito bem, o voto de pesar, é uma tragédia sem precedentes que se abate sobre diversas famílias humildes ali do Município de São Paulo. Então, é claro que a nossa função, do Senado, é não só, como V. Exa. muito bem disse, prestar essa solidariedade, mas também acompanhar e cobrar das autoridades responsáveis a apuração do que de fato aconteceu.

    Então, eu louvo e cumprimento V. Exa. por essa iniciativa. Aliás, não seria diferente tratando-se de V. Exa., um homem dedicado às causas humanistas já desde muitas décadas.

    Parabéns e meus cumprimentos a V. Exa.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) – Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2019 - Página 58