Discurso durante a 102ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o uso da religião por alguns pregadores para semear o ódio e a discórdia de forma velada entre os brasileiros por razões políticas.

Autor
Soraya Thronicke (UNIÃO - União Brasil/MS)
Nome completo: Soraya Vieira Thronicke
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Eleições e Partidos Políticos, Religião:
  • Reflexão sobre o uso da religião por alguns pregadores para semear o ódio e a discórdia de forma velada entre os brasileiros por razões políticas.
Publicação
Publicação no DSF de 19/10/2022 - Página 41
Assuntos
Outros > Eleições e Partidos Políticos
Outros > Religião
Indexação
  • REPUDIO, RELIGIÃO, PROPAGAÇÃO, DIVISÃO, POPULAÇÃO.

    A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - MS. Para discursar.) – Sr. Presidente, boa noite.

    Boa noite a todos os colegas, a todos os servidores do Senado, boa noite a todo o nosso país, boa noite, Brasil!

    Eu acompanhei o pronunciamento de muitos Senadores aqui, muitos fazendo campanha para seus escolhidos, mas eu não vim fazer isso aqui hoje não. Eu me mantenho silente em relação à campanha presidencial de 2022. Fiz o meu trabalho, e agora o Brasil vai escolher, e nós iremos, sim, aceitar a decisão do nosso país. E que Deus nos abençoe!

    Eu vim trazer apenas uma reflexão, Sr. Presidente, uma reflexão muito séria. Muitos aqui tocaram nesse assunto.

    Hoje, nós vimos, nós temos visto, em nome de Deus, plantarem o ódio de forma velada, o que tem trazido para nosso país muita dor, muita tristeza, familiares brigando, amigos brigando, pessoas se matando por conta de política. Eu digo a vocês, digo a todos os brasileiros que não vale a pena, não vale a pena mesmo. O povo mais afável do mundo, o povo mais hospitaleiro está se deixando distrair, Presidente, está permitindo que plantem a discórdia entre nós.

    Então, a minha palavra aqui é para que esses pregadores lembrem-se do que diz Mateus 12:25. Jesus diz que todo reino dividido contra si mesmo será arruinado e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá.

    E quero aqui... Eu tenho lido bastante. Terminei de ler este livro do André Marinho nesta semana e indico para todos vocês: o livro O Brasil (não) é uma piada.

    E quero destacar algo aqui, Presidente, se o senhor me der mais uns minutinhos para ler, um trecho em que André Marinho fala sobre as pessoas que odeiam, os odiadores. E aí eu quero colocar aqui para todos os brasileiros: tem odiadores agora, haters, para todos os lados, mas no ecossistema das mídias sociais esse novo tipo de fungo digital, André Marinho diz, prolifera, que é o hater. E ele diz o seguinte.

Pronuncio essa palavra e percebo, curiosamente, que em inglês o significado perde um pouco de sua força. Em português soa até mais brutal: "o odiador". O odiador é alguém que se dedica a odiar.

Tem gente que faz piada, constrói foguete, escreve livro, educa os filhos, investe na Bolsa, luta boxe, toca piano, pesquisa vacina, estuda equações, planta árvores, ajuda os pobres, enfim, faz qualquer coisa útil ou bela.

E [infelizmente] tem gente que odeia, apenas [e simplesmente] odeia, como se isso bastasse, como se esse sentimento se transformasse numa atividade, num ofício, numa vocação mórbida.

O cidadão [o odiador] acorda, lava o rosto, escova os dentes, faz o café, chega ao trabalho, liga o computador e espalha um pouco do seu ódio por aí. Pensando bem, pela minha experiência e pela experiência do leitor, talvez a ordem descrita seja até otimista.

É [bem] mais provável que o hater acorde e, antes mesmo de lavar o rosto, escovar os dentes, fazer o café, ir ao trabalho e ligar o computador, aproveite as facilidades da telefonia móvel e espalhe seu ódio mundo afora.

Assim que abre os olhos, [esse odiador, esse hater] essa estranha figura precisa abrir o fígado e ofender, perseguir, xingar quem quer que seja o alvo da vez. Pode ser uma causa, uma marca, uma ideologia, uma ideia, mas quase sempre é uma pessoa.

Ele acredita que faz parte de algo maior, que seu ódio é apenas o efeito colateral de sentimentos mais profundos e até mesmo heroicos. [...]

De maneira geral, pessoas públicas são as mais atingidas pelo ódio do hater. Mas não só elas. Anônimos também podem se tornar públicos e ter seus quinze minutos de má fama caso alguma opinião 'errada' entre no radar dos odiadores.

[...] A novidade é que o hater agora [porque os odiadores sempre existiram, Presidente, o ódio faz parte da natureza humana] está em toda parte, não tem rosto, muitas vezes não tem nome, mas tem, infelizmente, os meios para se manifestar.

Penso... [diz aqui André Marinho:]

Penso que odiar, antes de tudo, seja uma decisão moral. Você ocupa seus dias destilando ódio porque, afinal de contas, você quer, porque é isso que você tem, é só isso que você tem ou quer oferecer ao mundo.

O impulso de criticar quando não se gosta é forte. O ódio é um sentimento mais fácil do que manifestar o amor.

Esse odiador, esse hater, é um tipo social que reage no efeito manada. Ele percebe que os outros estão apedrejando e então ele vai lá e apedreja junto. O anonimato coletivo incentiva esse hater a atacar.

E as eleições deste ano, infelizmente, estão sendo decididas pela força do ódio, pela força do medo, e não pela força da esperança.

O hater, na verdade – não pensem vocês –, não é uma vítima. Alguns casos muito particulares podem ter motivos que o justifiquem, mas quase sempre o ódio é puro, gratuito e voluntário. Para quem não precisa de motivos, tudo é motivo para odiar.

O hater, o odiador, não constrói, porque construir pressupõe esforço, pressupõe valores positivos, pressupõe trabalho. Construir é mais difícil. O hater, esse ser, quer facilidades. Destrói e não oferece nada em troca.

    E, para terminar, dizer aqui, ainda lendo o André Marinho, que diz que essas pessoas são julgadas pelas redes sociais, julgadas pela sociedade. Na verdade, não são julgadas não; na verdade, ninguém é julgado. Todos são sumariamente punidos. Todos são cancelados, como se diz hoje. Julgamento pressupõe acusação, defesa, um juiz legítimo e a previsibilidade das regras. O réu sabe do que está sendo acusado e conhece os códigos que transgrediu. Já o cancelamento equivale a um banimento civil feito no mundo virtual, mas que tem gerado efeitos práticos na vida das pessoas.

    Então aqui eu deixo a minha reflexão, Presidente, para que todos os brasileiros acordem, pensem e não permitam que sejam distraídos por esses falsos profetas, essas pessoas que bradam o nome de Deus em vão e usam o nome de Deus da forma mais vil que já vi na minha vida. Famílias brigando – não façam isso! –, amigos, casamentos destruídos, pessoas com medo, com raiva, enfim, todos nós estamos testemunhando algo inacreditável que está acontecendo com o povo mais afável, mais amoroso e mais hospitaleiro deste planeta. Não vamos permitir.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/10/2022 - Página 41