Discurso proferido da Presidência durante a 83ª Sessão de Premiações e Condecorações, no Senado Federal

Em fase de revisão e indexação
Autor
Fabiano Contarato (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Fabiano Contarato
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso proferido da Presidência

    O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Para discursar - Presidente.) – Senhoras e senhores, a sessão de hoje trata de um assunto que, para mim, é um tema de muita responsabilidade, mas que também é fonte da maior das alegrias da minha vida.

    São conhecidas as agruras por que passei junto com meu esposo, Rodrigo, para adotar os nossos filhos. Nós enfrentamos os preconceitos mais entrincheirados da sociedade brasileira. Nós sabíamos que a batalha seria difícil, mas nós não imaginávamos que a resistência seria tão virulenta e tão torpe. A experiência me rendeu uma epifania. Adotar é um gesto de amor. Por que então ainda é algo tão restrito e tão exclusivo? É óbvio que existem as complexidades do processo, as avaliações, o período de adaptação, o estágio de convívio, mas, como ficou claro na experiência da adoção do nosso filho Gabriel, há ainda uma grande barreira cultural a ser superada no contexto da adoção.

    O regime de adoções está condicionado por uma cultura ainda muito fechada. As estatísticas do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do Conselho Nacional de Justiça estão aí para todos verem. Há muitos mais adultos pretendentes à adoção, os adotantes, do que crianças disponíveis. Mesmo assim, para muitas crianças, crianças que precisam de um lar, que seriam grandemente favorecidas pelo amor de uma família, enfim, para muitas dessas crianças e adolescentes, a fila não anda. E a causa disso é muito clara, como se vê pelas estatísticas: existe uma predileção por crianças mais jovens, existe uma predileção por filhos únicos, existe uma predileção por crianças brancas, crianças de gênero feminino, existe uma predileção por crianças sem doenças crônicas, por crianças sem deficiências.

    Muito disso se deve a uma visão estereotipada de família, a mesma visão que se contrapôs a minha própria família, quando eu e meu esposo adotamos os nossos filhos. Essa visão não condiz com o verdadeiro espírito da adoção. Quem é pai, quem é mãe sabe que ter filhos, independentemente de serem biológicos ou adotivos, é a fonte de maior amor que se pode ter. E o amor é mais forte do que qualquer medo, qualquer preconceito, qualquer estereótipo.

    O Prêmio Adoção Tardia surgiu inspirado nesse ideal. Ele foi criado em 2021 por resolução do Senado Federal e deve ser entregue em sessão especial comemorativa, de preferência na Semana do Dia Nacional da Adoção, que é celebrado em todo dia 25 de maio. Ele já foi concedido em duas edições: 2022 e 2023. Em 2024, chegamos à terceira edição. Esse prêmio é um dos maiores orgulhos da minha trajetória no Senado Federal. Agradeço de coração o apoio dos colegas desta Casa na aprovação da matéria – e aqui eu quero registrar o do meu querido Senador Angelo Coronel, o do meu querido Senador Veneziano e o de todos os Senadores e todas as Senadoras desta Casa.

    Senhoras e senhores, quero agora falar por um minuto sobre os agraciados deste ano. A adoção – e principalmente a adoção tardia – é um processo com muitos participantes. Alguns são profissionais e muitos são voluntários, psicólogos, pedagogos, assistentes sociais, representantes da sociedade civil, mas é inegável que, por se tratar de um processo judicial, os magistrados e servidores públicos do Poder Judiciário desempenham um papel fundamental nesse processo. A edição de 2024 do prêmio reconhece esse fato.

    Os vencedores deste ano, o Dr. Perilo de Lucena, Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Campina Grande, cuja indicação feita pelo meu querido Senador Veneziano, e a Dra. Lorena Miranda Laranja do Amaral, uma Juíza do meu estado que muito dignifica a magistratura capixaba, uma indicação minha, eu quero aqui parabenizar. Eu acho que tem que ser dito isso diuturnamente não por vaidade, mas para falar: "Olhe, esse reforço positivo... Que bom que vocês existem, que bom que vocês fazem essa diferença!".

    E, ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, eu quero aqui render as minhas homenagens. São agentes e órgãos do poder público, deste poder, o Poder Judiciário. São magistrados e servidores que se debruçaram sobre o tema da adoção tardia com presteza, com diligência, com humanidade. O papel que exercem é fundamental.

    Na pessoa desses magistrados e servidores, quero parabenizar todos aqueles que trabalham com a adoção no Brasil, principalmente com a adoção tardia, e agradecer-lhes. É um trabalho complexo, um trabalho delicado, mas é um trabalho que muda vidas e merece todo o nosso respeito e consideração.

    Senhoras e senhores, vou me encaminhando para a conclusão, mas, antes, quero tomar a liberdade para fazer um breve esclarecimento de minha posição a respeito de um evento recente.

    Nas últimas semanas, a Câmara dos Deputados aprovou a tramitação, em regime de urgência, de um projeto de lei que é uma monstruosidade política e legislativa. É ilegítimo, antijurídico e inconstitucional ao extremo – ao extremo! É uma atrocidade que remete aos tempos medievais. Falo, é claro, do projeto antiaborto, aquele que equipara aborto ao homicídio; aquele que resulta de uma onda de extremismo jamais vista neste país; aquele que, na prática, condena uma mulher que faz o aborto a uma pena superior à do homem que a estuprou, por exemplo; aquele que condena uma criança, se ela não prosseguir com a gestação, em quem vai ser aplicada uma medida socioeducativa de internação. Quer dizer, uma criança vítima de estupro, de um crime hediondo, ainda vai estar sujeita a uma medida socioeducativa estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

    Entre os argumentos em favor desse projeto espúrio, consta a ideia de que a mulher violentada deve, em vez de fazer o aborto, entregar o filho à adoção. É por isso que eu estou fazendo questão de falar nesse tema. Esse é um dos argumentos mais insensíveis do debate. O estupro é um dos piores crimes que podem ocorrer. É um ato que viola a integridade física de uma mulher numa medida extrema. Forçá-la a ter o filho nessas condições significa submetê-la a uma tortura psicológica. É um atentado gravíssimo à dignidade humana. Invocar a adoção – que, volto a dizer, é um gesto de altruísmo, um gesto de amor –, isso é, obviamente, de uma torpeza muito grande.

    Desconheço a verdadeira motivação daqueles que apoiam esse projeto na Câmara dos Deputados, se vem de uma visão social genuína ou se o ato tem uma finalidade apenas política. Mas a eles eu peço: deixem a adoção fora disso – deixem a adoção fora disso! Não misturem as coisas, não manchem a figura da adoção no Brasil. A adoção não é brincadeira; é um fato social e jurídico relevante, que requer políticas públicas, que requer o empenho e a dedicação de gente séria, de gente competente, de gente de bom coração, como os homenageados que celebramos hoje.

    Quero agora concluir minha fala e dar seguimento à sessão citando uma frase do Papa Francisco: "A força da família reside essencialmente na sua capacidade de amar e ensinar a amar. Por muito ferida que possa estar uma família, ela pode sempre crescer a partir do amor".

    Essa colocação resume bem a essência da adoção tardia, uma bênção na vida de todos os envolvidos. A família é onde as pessoas se formam e se regeneram. É fonte de energia, fonte de vida e de amor. Incentivar as famílias de todos os tipos é uma das coisas mais belas que se pode fazer hoje em dia. É uma causa pela qual vale a pena a luta – lutar e proteger daqueles que, principalmente, não compreendem nem querem compreender.

    Quero aqui, fora do discurso, fazer um simples depoimento rápido sobre a minha vida, Senador. Eu, quando fui eleito Senador, em 2018, e tomamos posse aqui, em fevereiro de 2019, eu estava com o nosso primeiro filho, o Gabriel. Nasceu para a gente com dois anos e oito meses. E, quando nós fomos buscar a tutela do Estado, na dupla paternidade, o Estado nos deu uma certidão de casamento para mim e para o meu esposo. Um promotor de justiça, na promoção ministerial, ousou escrever que era contra a dupla paternidade e adoção do nosso filho, por entender que "filho tem que ter pai e mãe" – palavras do promotor – "jamais dois pais; pior ainda, filho de duas mães".

    Isso não foi no período medieval, isso não foi no século passado. Foi comigo, Senador, eleito pelo Espírito Santo, na adoção do meu primeiro filho. A Juíza, Dra. Patrícia, da Vara da Infância e Juventude de Vila Velha, ignorou, falou que o comportamento dele não estava em consonância com a determinação do CNJ e do Supremo Tribunal e determinou a dupla paternidade. Mas o preconceito dele foi tão grande porque ele não quis ver o bem-estar da criança e do adolescente, porque essa é uma das funções do Estatuto da Criança e do Adolescente. E aí ele apelou da sentença. E, enquanto não havia o trânsito em julgado, toda vez que meu filho tinha que vir com meu esposo para cá, eu tinha que autorizar para ele vir – olha que violência que o Estado perpetra contra nós –, até que o Tribunal de Justiça, à unanimidade, manteve a sentença determinando a dupla paternidade. Transitou em julgado, Senador.

    Eu representei o promotor ao Conselho Nacional do Ministério Público, e ele tomou cinco dias de suspensão. Eu entrei com uma ação indenizatória por dano moral contra o Estado do Espírito Santo por um comportamento homofóbico do promotor de Justiça, e o Estado do Espírito Santo foi condenado a pagar uma indenização por dano moral por um comportamento homofóbico perpetrado por um membro do Ministério Público que estava ali como guardião da Constituição Federal e que violou a própria Constituição Federal, violou a dignidade da pessoa humana. Fiz isso, expus minha vida para que outros não passem o que nós passamos, porque essa violência do Estado é muito grande.

    Quando eu me habilitei no processo de adoção, eu percorri os abrigos, eu falava para psicólogas e assistentes sociais, para juízes e promotoras e promotores dessas varas. A cada ano que essas crianças ficam num abrigo, aquilo que deveria ser motivo de celebração, quando é o aniversário delas, passa a ser motivo de repulsa, porque diminui a probabilidade de elas serem adotadas, ou seja, o que deveria ser um ato de celebração de aniversário passa a ser um ato de tortura. E mais, são perdas.

    Como se trabalham essas perdas nessas crianças? Já há a perda da rejeição, de que eu não entro no mérito, pelos pais biológicos. E, agora, você imagine aquelas crianças, num abrigo, que dormem e, quando acordam, não têm mais aquele amiguinho ou amiguinha que estava junto, e que para elas é uma perda. Infelizmente, quando você vai ver – e não quero julgar; cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é –, quando você vai traçar o perfil do filho que você quer, você tem que falar se quer menino ou menina... Eu lembro que, quando me perguntaram isso, eu me senti constrangido e simplesmente falei: "Eu tenho amor para dar, e o amor que eu tenho independe da raça, independe da cor, independe da origem, independe do sexo, independe se tem uma deficiência, independe se vive com HIV, porque é um amor, e o amor não tem cor, o amor não tem sexo".

    Não julgo quem queira, não julgo, não estou aqui para isso, mas eu quero falar que, enquanto Deus me der vida e saúde, eu vou estar lutando aqui neste Senado, ou em qualquer lugar em que eu estiver, para que a gente tenha efetivamente um Brasil em que nós não tenhamos essas crianças nos abrigos, porque elas têm um amor incondicional para dar. Quando eu vejo colegas meus que, por um motivo qualquer, não podem ter filhos, eu falo: "Adotem, adotem!". Não tem esse preconceito de que vai vir com carga genética, ou o que vai vir, não tem isso! Essas crianças têm um amor e um amor tão sublime.

    Eu aprendo diuturnamente com Gabriel, que, agora dia 10 de julho, vai fazer dez anos. Mariana nasceu para nós na pandemia e fez cinco anos de idade. Eles são a razão da minha vida. Como diz um poeta inglês, quando eu olho para Gabriel e Mariana, eu lembro isto que ele fala:

Eles são meu norte, meu sul, meu leste, meu oeste,

minha semana de trabalho, meu domingo de descanso,

meu meio-dia, minha meia-noite, minha conversa, minha canção.

Pensei que o amor fosse eterno; enganei-me.

As estrelas são indesejadas agora; dispensem todas.

Embrulhem a Lua, desmantelem o Sol,

despejem o oceano e varram o parque,

pois nada mais tem sentido.

    Eu amo a adoção tardia.

    E me perdoem por ter-me alongado, por ter feito esse depoimento pessoal, mas faço isso com humildade para que outros não passem pelo que nós passamos.

    Para que tantas famílias estão aí? Adoção monoparental, adoção pela população LGBT, adoção por casais héteros – não importa! –, por todas as instituições familiares, porque é isso que eu acho que é de fundamental importância.

    Tenho muito orgulho de dizer, Senador Veneziano e Angelo Coronel, que eu provoquei o Conselho Nacional do Ministério Público e eles emitiram uma resolução para impedir que todos os promotores no país se abstenham. A eles está vedada a manifestação contrária à adoção sob o argumento da orientação sexual. Isso foi um avanço. Consegui no Conselho Nacional de Justiça também uma resolução no mesmo sentido, para que magistrados em todo o país se abstenham, não possam dar sentença... Eles estão proibidos de sentenciar, recusando a adoção por casais homoafetivos, apenas pela orientação sexual.

    Finalizo dizendo que eu sempre vou estar defendendo a espinha dorsal do Estado democrático de direito, que é a Constituição Federal, que, no artigo 5º, deixa claro: todos somos iguais perante a lei, independente da raça, cor, etnia, religião, origem, orientação sexual, pessoa com deficiência. Ainda não chegamos a esse grau de igualdade, mas, assim como Martin Luther King teve este sonho, eu também tenho este sonho: eu sonho com o dia em que, efetivamente, nós não seremos julgados pela orientação sexual, pela cor da pele, pelo gênero, por ser pessoa idosa ou com deficiência. Essa é uma função de todos nós Parlamentares, porque o Parlamentar tem que usar a palavra para apresentar o Brasil ao Brasil, um Brasil desigual, um Brasil que ainda é racista, sexista, misógino, homofóbico. Mas eu estarei aqui junto com os meus colegas defendendo esta espinha dorsal do Estado Democrático de Direito que se chama Constituição da República Federativa do Brasil.

    Muito obrigado. (Palmas.)

    O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) – Instituído em 2021, o Prêmio Adoção Tardia – Gesto Redobrado de Cidadania é destinado a agraciar pessoas ou instituições que desenvolvam no Brasil ações, atividades ou iniciativas que promovam a adoção tardia de crianças e adolescentes.

    Nesta terceira edição, serão agraciados com o Prêmio Adoção Tardia a Sra. Lorena Miranda Laranja do Amaral, Juíza de Direito Tribunal de Justiça do Espírito Santo; o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, representado nesta ocasião pelo Desembargador Emílio Salomão Pinto Resedá; e o Sr. Perilo Rodrigues de Lucena, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça da Paraíba.

    Neste momento, concedo a palavra ao Senador Veneziano Vital do Rêgo para a sua manifestação e a indicação por S. Exa.