Discurso durante a 82ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contrária ao Projeto de Lei nº 1904/2024, que dispõe sobre a equiparação do aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive nos casos de gravidez resultante de estupro. Indignação com o uso de dramatização e manequins para suscitar o debate sobre esse assunto no parlamento brasileiro durante a 81ª Sessão de Debates Temáticos do Senado Federal.

Autor
Teresa Leitão (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Maria Teresa Leitão de Melo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Direito Penal e Penitenciário, Direitos Humanos e Minorias, Direitos Individuais e Coletivos, Mulheres:
  • Manifestação contrária ao Projeto de Lei nº 1904/2024, que dispõe sobre a equiparação do aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, inclusive nos casos de gravidez resultante de estupro. Indignação com o uso de dramatização e manequins para suscitar o debate sobre esse assunto no parlamento brasileiro durante a 81ª Sessão de Debates Temáticos do Senado Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2024 - Página 64
Assuntos
Jurídico > Direito Penal e Penitenciário
Política Social > Proteção Social > Direitos Humanos e Minorias
Jurídico > Direitos e Garantias > Direitos Individuais e Coletivos
Política Social > Proteção Social > Mulheres
Indexação
  • CRITICA, PROJETO DE LEI, CAMARA DOS DEPUTADOS, EQUIPARAÇÃO, ABORTO, HOMICIDIO, INCLUSÃO, GRAVIDEZ, ESTUPRO, INDIGNAÇÃO, SESSÃO DE DEBATES TEMATICOS, SENADO.

    A SRA. TERESA LEITÃO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discursar.) – Muito obrigada, Sr. Presidente.

    Eu gostaria de me posicionar a respeito do assunto que mistura e não mistura – porque tem relação com o debate que houve ontem aqui – a assistolia fetal e o Projeto nº 1.904, que está tramitando na Câmara dos Deputados.

    Gostaria de, primeiramente, me congratular com V. Exa. pela posição tornada pública em relação à liturgia desta Casa. Esta é considerada a Casa Alta. Aqui chegam, geralmente, pessoas com larga experiência política: alguns que já foram ministros, alguns que já foram Governadores e Governadoras, outros que já foram Prefeitos, vários que já foram Deputados Estaduais e Deputados Federais. Então, há, de fato, um ambiente que precisa ser considerado como um ambiente de debate. O que eu vi aqui e ouvi – eu não assisti a tudo – tem muito a ver com isso. E acho que o pronunciamento público de V. Exa., primeiro, de que, uma vez chegado aqui o famigerado Projeto 1.904, ele não terá o tratamento que teve na Câmara, onde a urgência foi aprovada em 23 segundos e onde o próprio autor disse que é um projeto para retaliar determinado partido que o colocou no Supremo Tribunal Federal... Se o pessoal retirar a queixa, ele retira o projeto de tramitação.

    O que está se debatendo aqui são, evidentemente, posições ideológicas. Foi dito aqui claramente: são posições ideológicas, não é defesa da vida. Foi dito também aqui por um dos oradores que a mulher pode ter o direito de gerir e gestar um filho fruto do estupro, se ela quiser. E por que ela não pode ter o direito de, quando estuprada, interromper a gravidez, como prevê, desde 1940, o Código Penal?

    Sabem quantas meninas e adolescentes têm direito ao acesso à saúde? E não venham me dizer que é simplesmente porque o serviço é precário. É, mas muitas vezes é porque não sabem que aquele estupro gerou uma gravidez. A menarca, Srs. Senadores, assim como a menopausa, gera um ciclo menstrual alterado. Como é que a menina vai saber que está grávida, porque a sua menstruação foi interrompida, se ela não sabe nem contar direito o seu ciclo menstrual? Quando vem se descobrir, já vai longe.

    Este projeto, que teve o repúdio de mais de 80% das pessoas que se pronunciaram na pesquisa ou na chamada que a Câmara fez, levou milhares de mulheres às ruas, e homens de boa vontade também, porque ele é o absurdo dos absurdos. Nós temos três ocasiões em que a interrupção da gravidez é permitida. Por que só esta precisa ser revalidada? E revalidada retrocedendo; revalidada colocando em risco a vida de meninas.

    Eu assisti ao que o meu estado vivenciou, ao caso de uma criança de dez anos de idade estuprada por um tio por mais de quatro anos, que chegou a Pernambuco vinda do Espírito Santo por autorização judicial; que, depois que foi detectada a gravidez, ficou em cárcere privado para poder se completar mais tempo da gravidez – veja que crueldade! – e precisou entrar no serviço médico, Presidente, escondida, porque estava sendo chamada de assassina. Quatro anos depois, isso ainda pesa sobre a família. É pela interrupção da gravidez em si – já é, de fato, uma decisão que para a mulher tomar é difícil, quanto mais para a família de uma criança –, mas pelo espetáculo que se fez em torno disso.

    Nós não queremos os nossos corpos espetacularizados, a nossa dor espetacularizada! Tem um Deputado que está andando com um manequim, Senador! Um manequim! Um manequim do...

(Intervenção fora do microfone.)

    A SRA. TERESA LEITÃO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – Não é um manequim do feto; é um manequim da mulher, apresentando como são os órgãos do aparelho reprodutor, mostrando, em cima de uma mesa de um Plenário: "Acontece isso, acontece aquilo". Nossos corpos não são para serem expostos em manequins, para discutir e referendar uma posição.

    Essa é uma discussão que – V. Exa. tem toda a razão – tem que ser feita com toda a seriedade, com toda a paciência pedagógica, ouvindo não apenas quem é contra. Se for para botar o Conselho de Medicina, eu boto a OAB! Eu boto a OAB, que já disse, lá numa reunião com o Presidente Arthur Lira, que o projeto é flagrantemente inconstitucional.

    E eu repito: o que está em jogo – a cada dia isso se diz – é uma briga ideológica; e a vida não tem ideologia.

    Depois que a vida é dada ao mundo, aí ela tem posições, ideologias, desigualdades, mas tem também direitos. E são esses direitos que nos devem ser avocados, principalmente em relação ao nosso papel de legislador e de legisladora em um Estado laico. Eu sou católica e pratico a minha fé. Para a minha religião, aborto é pecado, mas não é a religião de todo mundo, não é a religião de todas as mulheres. Não é o Estado laico que me trouxe aqui que eu vou desprezar.

    Então, é um debate profundo, em que não cabem espetáculos, em que não cabem exposições desnecessárias, em que deve caber aquilo que já está prescrito.

(Soa a campainha.)

    A SRA. TERESA LEITÃO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) – A gente vai mudar isso? Por que a gente vai mudar isso? Se for uma briga de um partido com outro, como o autor deixou claro na entrevista que deu domingo no Fantástico, já começa absolutamente de brincadeira. E vida não é brincadeira.

    Não dá para a gente compactuar com a exposição deste assunto com dramatizações ou com manequins. O assunto é grave, o assunto é sério, ele é uma questão de saúde pública e eu espero, como V. Exa., que nos lidera, que este Senado siga o que V. Exa. nos indicou a seguir.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2024 - Página 64