Discurso durante a 40ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Voto de pesar pelo falecimento do ex-Presidente do Uruguai José “Pepe”Mujica, exaltando sua trajetória de luta por justiça social, igualdade e direitos humanos.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Homenagem:
  • Voto de pesar pelo falecimento do ex-Presidente do Uruguai José “Pepe”Mujica, exaltando sua trajetória de luta por justiça social, igualdade e direitos humanos.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/2025 - Página 16
Assunto
Honorífico > Homenagem
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, MORTE, JOSE MUJICA, EX-PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, URUGUAI.

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - PE. Para discursar.) – Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, público que nos acompanha pelos serviços de comunicação do Senado e nos segue pelas redes sociais, venho hoje a esta tribuna expressar o meu pesar, bem como o do Partido dos Trabalhadores, do qual tenho a honra de ser Presidente Nacional, e da nossa militância, pelo falecimento do grande líder José Alberto "Pepe" Mujica, ocorrido ontem no Uruguai.

    Tive a oportunidade de conhecer Pepe e de estar com ele, conversar com ele algumas vezes e poder atestar a lucidez e a simplicidade daquele homem, cuja vida de grandes lutas e de profunda humildade sempre serviu de muita inspiração a todos nós.

    Mujica morreu aos 89 anos e com ele parte-se um dos últimos vínculos vivos entre a resistência do passado e a esperança do futuro.

    Sua trajetória é um épico de dignidade. Guerrilheiro dos Tupamaros nos anos de chumbo, ele foi prisioneiro da ditadura militar uruguaia por 14 anos – anos marcados por isolamento, tortura e o risco permanente de execução sumária –, mas saiu da prisão com mais flores do que rancores, com mais ideias do que mágoas, com mais projetos do que feridas. Mujica nunca se deixou deformar pelo ódio.

    Em vez disso, nos ensinou que é possível emergir das trevas com luz. Ele migrou da clandestinidade para a institucionalidade, fundou o Movimento de Participação Popular e, mais tarde, Senador, Ministro e Presidente do Uruguai, trilhou o difícil caminho que vai da rebeldia à responsabilidade de governar. E o fez sem jamais trair os princípios que o moveram desde a juventude, que são: justiça social, igualdade, solidariedade e liberdade.

    Como Presidente, entre 2010 e 2015, Pepe fez história ao colocar seu país na vanguarda dos direitos humanos e das políticas públicas progressistas. Foi sob sua liderança que o Uruguai se tornou o primeiro país do mundo a legalizar, de forma totalmente regulada, a produção e o consumo da Cannabis sativa, uma medida ousada, baseada em evidências científicas, que rompeu com a lógica punitivista e abriu caminhos para uma política de drogas centrada na saúde pública, o que causa urticária em parte da atual classe política brasileira, a vanguarda do atraso.

    Sob sua Presidência, o Uruguai aprovou a união civil entre pessoas do mesmo sexo e legalizou o aborto, mesmo sendo ele, pessoalmente, contrário a essa prática, mas convicto de que o Estado deve respeitar os direitos e a autonomia das mulheres. Mujica compreendia que ser Presidente é governar para todos, e não para si. Na economia, elevou o investimento social de 60% para 75%, aumentou o salário mínimo em 250% e teve o governo marcado por políticas de inclusão dos pobres, ampliação dos direitos civis e sociais e de combate à desigualdade.

    Pepe Mujica era coerente com o que pregava, especialmente na forma de viver. Foi apontado como o Presidente mais pobre do mundo, que morava num sítio, cultivava a própria horta, doava quase todo o salário e dirigia um Fusca azul 1987 para ir ao palácio presidencial. A simplicidade de Pepe não era encenação; era essência, era filosofia de vida, um modo de dizer que o poder só vale quando serve, e nunca quando se serve dele.

    E como nos fazia falta esse tipo de exemplo em tempos de vaidades autoritárias, de política convertida em espetáculo e negócios, de líderes que se afastam do povo para se trancarem em gabinetes blindados e cifras.

    Pepe Mujica jamais perdeu o vínculo com a terra, com o povo, com a vida real. Falava com doçura e firmeza, com um lirismo áspero que brotava não dos livros, mas das cicatrizes. Ele era um estadista poeta, um filósofo camponês, um revolucionário com os pés na lama e os olhos no horizonte.

    É impossível falar de Pepe Mujica sem falar de sua amizade com o Presidente Lula – dois filhos da América Latina, dois homens forjados na dor e no sonho, dois líderes que se encontraram na luta pelos mais pobres. Quando Lula esteve preso pelo mais sujo lawfare de que se tem notícia na recente história mundial, Mujica não se calou. Levantou sua voz, cruzou fronteiras e afirmou com coragem que estavam tentando silenciar um projeto de país e não apenas um homem.

    Mujica e Lula se amavam como irmãos, partilhavam ideais e confidências. Um acreditava no outro porque ambos acreditavam na justiça. E essa amizade, Sr. Presidente, Sras. Senadoras e Srs. Senadores, é uma síntese do que deve ser a política: lealdade aos princípios e às pessoas. Hoje, como Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores, quero registrar, em nome da nossa militância, da nossa história e do nosso compromisso com a democracia e com os povos latino-americanos, o nosso mais profundo respeito e a nossa mais elevada homenagem à memória de Pepe Mujica.

    Ele foi e sempre será uma referência para a esquerda mundial não apenas por aquilo que disse ou fez, mas por aquilo que foi: um homem que teve a coragem de viver com coerência e que nos ensinou que uma sociedade justa se constrói com ternura e rebeldia, com ética e empatia, com luta e poesia.

    Querido Pepe, seu Fusca agora repousa, sua horta floresce como símbolo, sua voz ecoa nas assembleias dos povos, suas ideias permanecem acesas em cada jovem que se levanta contra a injustiça, em cada mulher que exige autonomia, em cada trabalhador que reivindica dignidade, em cada gesto de humanidade no mundo.

    Vá em paz, velho companheiro, cujos restos mortais repousarão ao lado dos da sua cachorrinha...

(Soa a campainha.)

    O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - PE) – ... companheira de 22 anos, no sítio em que viveram.

    Você nos ensinou, Pepe, que é possível fazer política sem perder a alma. E, por isso, não dizemos adeus. Dizemos: Pepe Mujica presente!

    Muito obrigado a todos e a todas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/2025 - Página 16