Discurso durante a 70ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Celebração pelos 10 anos da Lei nº 13146/2015, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, com destaque para os avanços conquistados em direitos e inclusão. Defesa da avaliação biopsicossocial como critério para a caracterização da deficiência.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Pessoas com Deficiência:
  • Celebração pelos 10 anos da Lei nº 13146/2015, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, com destaque para os avanços conquistados em direitos e inclusão. Defesa da avaliação biopsicossocial como critério para a caracterização da deficiência.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/2025 - Página 7
Assunto
Política Social > Proteção Social > Pessoas com Deficiência
Indexação
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIENCIA, CONVENÇÃO INTERNACIONAL, DEFICIENTE FISICO, DEFICIENTE MENTAL, NECESSIDADE, INCLUSÃO SOCIAL, MERCADO DE TRABALHO, EDUCAÇÃO.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar Pelo Brasil/PT - RS. Para discursar.) – Presidente Izalci Lucas, Senador Girão, Sras. e Srs. Senadores e Senadoras, no próximo domingo, dia 6 de julho, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei Brasileira de Inclusão (LBI), vai completar 10 anos de existência. Foram 15 anos de muito suor, lágrimas, muita luta, por fim, de um longo ciclo de debates, centenas de audiências públicas, e conseguimos aprovar o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Foram muitas conferências regionais, conferência nacional, consultas públicas e seminários.

    Nessa longa caminhada, foi envolvido todo o movimento das pessoas com deficiência, suas famílias, seus amigos, as pessoas com deficiência, entidades representativas. Especialistas de várias áreas deram uma importante contribuição; muitos militantes, outros não, advogados, professores, médicos, pesquisadores, juízes, Ministério Público, Defensoria. Enfim, eu recebia, em meu gabinete, as pessoas em bloco, que vinham apresentar, colocando demandas, e me lembrava até do tempo em que fui Constituinte, suas soluções para que todas as deficiências fossem contempladas no documento, mostravam sua alma, seu coração e sua visão de políticas humanitárias.

    Sr. Presidente, faço questão de registrar o nome dos Relatores: Senador Flávio Arns, que se encontra adoentado, esperamos que ele volte logo ao nosso convívio; Senadora Mara Gabrilli; Senador Romário Faria; e o Deputado Federal Celso Russomanno. Eu fui o autor do projeto e esses companheiros que aqui citei foram os Relatores. Cumprimento também a Presidenta Dilma Rousseff, que sancionou a lei numa tarde histórica. Nosso agradecimento a todos.

    Esse projeto nasceu dos anseios das pessoas com deficiência, pois o estatuto trouxe para o arcabouço legal as conquistas da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. A entrada em vigor do estatuto, entretanto, não encerrou o diálogo entre a lei e as pessoas com deficiência, pelo contrário, a pauta, a partir de então, passou a ser a sua aplicação e muito da sua regulamentação. Ali estava a bússola, o farol a guiar os nossos passos. A efetivação dos direitos na prática, a diminuição das desigualdades e a melhoria da qualidade de vida das pessoas estavam encaminhadas. Agora, teremos que avançar em tudo aquilo que tiver que ser regulamentado.

    De acordo com os dados de 2022 do IBGE, no Brasil, temos cerca de 18 milhões de pessoas com os mais variados impedimentos corporais: com dificuldades físicas e motoras, com dificuldade para ouvir, enxergar, com dificuldade de comunicação. O estatuto é um instrumento de combate ao capacitismo e ganhou o seu mais forte impulso com previsão de multa e reclusão pelo seu descumprimento.

    Com o estatuto, os gestores escolares não podem mais recusar matrículas de estudantes com base na deficiência. A educação inclusiva foi mais um ganho, o entendimento de que o ensino deve ser oferecido a todos os estudantes, em todos os níveis e modalidades, em escola regular. Crianças estudando juntas, crescendo juntas, todos aprendendo e transformando uma realidade de exclusão e separação.

    A acessibilidade foi outro avanço significativo trazido pelo estatuto. Em todo o Brasil, nos seminários, nos simpósios, nos congressos, nas conferências voltadas à pessoa com deficiência, notamos a presença da autodescrição e das libras para uma melhor comunicação com as pessoas cegas e surdas, por exemplo.

    Agora, precisamos tornar cada vez mais comum também a linguagem simples. O estatuto tem pautado todas as conversas sobre a legislação e a conquista de direitos nessa parcela tão importante da população. Assim, ele demonstra a sua atualidade e a sua adequação às demandas das pessoas com deficiência.

    Senhores e senhoras, como não falar também do Auxílio-Inclusão? Com esse auxílio, a pessoa com deficiência que recebe o BPC e passa a trabalhar com carteira assinada receberá, por um período, um auxílio que tem por objetivo fazer com que a pessoa se sinta estimulada a deixar a condição de beneficiária de assistência social e passe a ser um contribuinte do Regime Geral de Previdência, valorizando assim a sua carteira de trabalho.

    Eu aponto, todavia, que a mudança mais impactante aconteceu na classificação de deficiência, ou seja, na avaliação biopsicossocial. De acordo com esse modo de ver, a deficiência não é apenas o resultado de um corpo com lesões, mas é a soma desse corpo com uma ou mais barreiras, o que dificulta ou até impede a sua participação na vida social em condições de igualdade com as demais pessoas.

    O modelo biopsicossocial da deficiência é uma forma mais justa, equilibrada e de maior conformidade com uma realidade que ali se encontra que é a da exclusão social. Diferentemente do ultrapassado modelo que atribuiu à pessoa com impedimentos a causa das desvantagens experimentadas, a avaliação biopsicossocial atribui essa causa às barreiras. A partir da regulamentação desse dispositivo, a deficiência será medida não pelo grau da lesão, mas pelo nível de suporte de que o indivíduo necessita. É urgente a regulamentação, repito, da avaliação biopsicossocial. Afinal, mais de 30 políticas públicas serão impactadas.

    Precisamos avançar, entretanto, no combate ao capacitismo, no estímulo ao trabalho. Em nosso país, o percentual de pessoas com deficiência no mercado informal de trabalho é de 55% entre aqueles que estão na força de trabalho. Os menores rendimentos entre os trabalhadores ficam também para os trabalhadores com deficiência: em média R$1.860, enquanto para as pessoas sem deficiência, R$2.690. O índice de participação no trabalho das pessoas sem deficiências era de 66,4%; já entre as pessoas com deficiência, esse índice era de apenas 29,2%. Mesmo entre as pessoas com nível superior, essa desigualdade se manteve: o índice era de 54,7% para pessoas com deficiência e de 84,2% para as sem deficiência.

    O que está faltando, então, para melhorar o nível de emprego das pessoas com deficiência? Essa é a pergunta que fica no ar. Falta um pouco mais de humanidade, falta um pouco mais de políticas humanitárias. A exclusão social é causada pelo preconceito, pela falta de empatia, porque conviver com a diferença humana é dar-se conta da diferença da nossa própria humanidade.

    Olhar para a deficiência do outro é assumir que ela faz parte da condição humana. Todos nós somos perfeitos na nossa imperfeição. O ser humano ideal, padronizado não existe. Precisamos estar abertos à fragilidade, ao incompleto, ao diferente. Assim, aceitando as diferenças dos outros, estamos trabalhando para aceitar nossas próprias fragilidades, incompletudes e diferenças. Nisso certamente estaria a cura para todos nós.

    Necessitamos não apenas de mudanças estruturais, mas de mudanças culturais, de quebra de paradigmas. Precisamos sair da noção ultrapassada do binômio deficiência-limitação para deficiência, sim, com diversidade. A desigualdade vivenciada por uma pessoa com deficiência não é devida às características de seu corpo, e sim às barreiras artificialmente construídas pela nossa própria sociedade.

    O que as coloca em desvantagem em relação às demais pessoas é a falta de acessibilidade arquitetônica, comunicacional ou atitudinal.

    Sr. Presidente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, em seus 127 artigos, é um marco, é uma bússola. Ele traz para dentro do nosso ordenamento jurídico as mais atuais conquistas em educação, trabalho, esporte, transporte. O uso das tecnologias assistivas e as formas alternativas de comunicação e acesso à informação são fundamentais para dar autonomia e garantir que ninguém fique para trás, que ninguém seja excluído por conta das barreiras erguidas por uma sociedade pouco sensível às diferenças.

    Garantir a acessibilidade universal é planejar e construir os espaços, os produtos e os serviços pensando em todas as pessoas, tendo elas um impedimento corporal ou não. A acessibilidade deve fazer parte da vida de todos, fazer parte do dia a dia de todas as pessoas. A tecnologia assistiva de fazer parte das atividades das pessoas com deficiência e facilitar o acesso a essas tecnologias é obrigação de todos nós, é obrigação do Estado. Antes de se negar emprego a uma pessoa com deficiência, imaginando que essa pessoa é incapaz para uma vida produtiva, devemos dar oportunidade, oportunizar que elas demonstrem sua força, sua criatividade e vontade de crescer.

    Eu tenho no meu gabinete duas pessoas totalmente cegas, uma é chefe de gabinete no Rio Grande do Sul e o outro escreve o meu discurso, como este aqui, aqui no meu gabinete, no anexo, no 22º andar. São dois meninos, mas tive, já, uma menina, que era cadeirante, que trabalhou um tempo comigo, fez concurso depois e foi para um cargo no Judiciário. Nem todas as pessoas realizam suas tarefas do mesmo modo. Aquilo que todo ser humano traz por dentro é capaz de surpreender e apresentar as mais belas soluções. Esses dois meninos já são casados, começaram comigo 20 anos atrás, fizeram faculdade, inclusive, e hoje eles ilustram com muita competência, pelo conhecimento, o nosso gabinete.

    Estejamos sempre abertos às diferenças! O estatuto que nasceu nos anseios do movimento das pessoas com deficiência destaca a importância da participação dessas pessoas na construção das leis e na elaboração das políticas públicas.

    Só como exemplo, Senador Girão, eu vou terminar em seguida: um desses meninos – são homens, pais, têm filhos e filhas – me representava nos encontros estaduais, por exemplo, no último eu lembro que ele saiu do Rio Grande do Sul, chegou em São Paulo para me representar na universidade e ele não sabia qual era o lado a que ele iria. Daí um senhor chegou perto dele, malvestido – e naturalmente ele não viu se estava malvestido ou não –, e disse: "Não, eu o levo lá, vamos pegar um carro, eu levo". Levou no carro, não o deixou pagar e voltou para o carro. Até hoje ele não sabe quem é. São essas coisas da vida que são do espírito, da alma, do coração.

    Enfim, na elaboração das políticas públicas, ele é uma clara consolidação do "nada sobre nós sem nós". Vida longa ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, que agora completa dez anos! Convido a todos para a sessão especial aqui no Senado que vai celebrar essa data no dia 14 de julho, às 10h da manhã, neste Plenário.

    Era isso, Presidente Izalci. Muito obrigado pela gentileza de presidir para que eu pudesse fazer meu pronunciamento. E eu vou ter que me deslocar para almoçar.

    Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/2025 - Página 7