01/06/2023 - 2ª - Frente Parlamentar Mista Antirracismo

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 2ª Reunião de 2023 da Frente Parlamentar Mista Antirracismo, que hoje promove audiência pública para debater o tema "Racismo no Futebol".
Compõem a mesa a Coordenadora, na Câmara dos Deputados, a querida, combativa, militante, jovem Dandara, que é a coordenadora da frente contra o racismo no Brasil.
Declaro aberta a reunião desta Frente Parlamentar Mista Antirracismo, que hoje promove audiência pública para debater o racismo no futebol.
Eu peço a relação da mesa para a assessoria aqui.
Além da Dandara, quem mais nós vamos ter na mesa? (Pausa.)
Isso. Então, o Diogo Silva, Assessor Especial da Ministra do Esporte. Por favor, Diogo. (Palmas.)
E me deem os outros nomes da mesa, nem que eles não estejam aqui agora.
Fabrício Araújo já está aqui com a gente, é o Professor do Ministério das Relações Exteriores. Seja bem-vindo. (Palmas.)
E quem mais vem para a mesa, Isabel? Tu que estás coordenando aí.
Não, não vem uma outra Deputada também para a mesa? (Pausa.)
Aí, viu? Eu cobro logo e aparece aqui.
A Deputada Carol Dartora também vem para a mesa com a gente.
Eu estou ganhando tempo aqui porque temos sessão de votação no Plenário. E, depois daqui, eu vou ter que ir para lá. Então, vamos formatando aqui os trabalhos.
Com essa composição, nós já temos a primeira mesa. Depois teremos algumas pessoas que vão entrar virtualmente.
Bom, informo que esta reunião será interativa, aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania, na internet, no site senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211.
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Antes de passar a palavra aos nossos convidados, eu farei uma pequena introdução que é por parte desta Presidência e, em seguida, creio que a Deputada Dandara já estará aqui e fará também uma abertura. Depois nós vamos para os nossos convidados. Pode ser assim? Tenho aí o apoio do Plenário? (Pausa.)
Quero cumprimentar a frente também, que organizou esses cartazes - ficou muito bom! -, a coordenação e toda a equipe de assessores da Frente Parlamentar Mista de Combate ao Racismo.
Vamos à fala de abertura do Presidente e depois dos nossos convidados. E tenho certeza de que a Deputada Dandara vai estar sentadinha aqui ao meu lado e vai falar em nome da Câmara dos Deputados e da frente parlamentar no seu todo.
Enfim, nos últimos dias, o mundo e o Brasil têm se debruçado diante do caso do crime de racismo cometido contra o jogador Vinicius Jr., no último dia 21 de maio. Era um jogo da LaLiga, do campeonato espanhol, entre o seu clube Real Madrid e o Valencia. O jogador da Seleção Brasileira e do clube Real Madrid, Vini Jr., já tinha sido vítima do crime de racismo por mais de nove vezes e nada aconteceu.
As autoridades espanholas precisam se responsabilizar, investigar e punir os criminosos. Infelizmente, o racismo é um crime praticado em diversas partes do mundo e de diversas formas e, quando falamos do esporte, no futebol não é diferente.
O Presidente Lula cobrou ações do país europeu. No dia 10 de maio, o Brasil e a Espanha assinaram um acordo bilateral de combate ao racismo e à xenofobia.
Já convido a Deputada Carol, que é coordenadora, junto à Dandara, na Câmara dos Deputados. Eu estou mais na burocracia interna, viu, Carol? Eu já anunciei que vocês estavam chegando. Estou nas primeiras palavras aqui. Estou fazendo uma fala de abertura, viu, Carol? E vocês também farão depois.
Infelizmente, o racismo é um crime praticado em todas as partes do mundo e de diversas formas. Quando falamos de esporte, no futebol não é diferente - eu estou repetindo.
O Presidente Lula cobrou ações do país europeu. No dia 10 de maio, o Brasil e a Espanha assinaram um acordo bilateral de combate ao racismo e à xenofobia. O pacto prevê medidas para ajudar vítimas e denunciar os crimes.
A Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e o Ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, acionaram as autoridades espanholas e a LaLiga para que investigações sejam realizadas e os culpados, penalizados. É inaceitável que situações como essa continuem acontecendo e que crimes de racismo nos estádios e em diversos setores da sociedade persistam e nada aconteça.
No Congresso Nacional, conseguimos aprovar - e o Presidente Lula sancionou - a Lei 14.532, de 2023, que tipifica como crime de racismo a injúria racial, onde prevê pena de dois a cinco anos e suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística, e prevê a pena ainda para o racismo religioso, recreativo e o praticado por funcionários públicos.
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Eu tenho cópia da lei, e depois a Isabel pode reproduzir - não é, Isabel? - cópias da lei.
Só para situar, o que diz a lei que nós aprovamos aqui por unanimidade nas duas Casas? Eu fui o Relator no Senado. Eu vou pegar o artigo que fala da penalidade no futebol, dessa lei, que já está em pleno vigor, que é a Lei da Injúria.
[...] Se qualquer dos crimes previstos neste artigo for cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público:
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e proibição de frequência, por 3 (três) anos, a locais destinados a práticas esportivas, artísticas ou culturais destinadas ao público, conforme o caso.
Então, no Brasil, já tem uma lei firme, dura, que pune com penalidade máxima de cinco anos - como citei aqui, de dois a cinco anos - e o afastamento por três anos no caso de racismo no esporte. E aqui estamos falando do futebol, que, é claro, se enquadra aqui.
Vamos em frente.
Nós temos dito que a aprovação dessa legislação para o Brasil é uma das formas educativas para que possamos orientar e punir a nossa sociedade diante da chaga do racismo, que se molda diariamente, como um vírus que afeta todo o sistema imunológico. Confesso também que um dos meus maiores sonhos é que a Lei da História e Cultura Afro-Brasileira - já estou discutindo isso com o Ministério dos Direitos Humanos e também o da Igualdade Racial - que essa Lei da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, que celebrou no mês de março seus 20 anos, seja implantada efetivamente nos currículos da rede básica. É lamentável: quando completamos 20 anos da lei, sabem quantas cidades do Brasil que adotam essa lei? Vinte por cento das cidades. Então, você sabe que passa pela educação, sabe que passa pela sala de aula, sabe que passa, inclusive, pela reeducação dos próprios policiais. Vejam esse caso agora de São Paulo, só como exemplo, onde uma idosa levou um soco na cara porque reagiu mediante a prisão de um dos membros da sua família. Reagiu indignada, naturalmente, porque não havia motivo nenhum; era um conflito entre duas famílias. É preciso, repito aqui, que a Câmara aprove a Lei da Abordagem Policial. Se não me engano, a Relatora já é a Reginete Bispo, não é? (Pausa.)
Se não me engano, é. Pode consultar, Isabel, se a relatoria lá já está com a Deputada Reginete Bispo?
Enfim, seja através de livros didáticos, seminários, feiras de ciências, momentos como este aqui, teatros, gincanas, competições esportivas, todo tipo de debate sobre lugares históricos, como o Cais do Valongo, que aprovamos aqui e foi aprovado também na Câmara, a Serra da Barriga, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e tantas outras formas para que a gente possa, sim, contar a verdadeira história do povo negro no Brasil. Mas, para que esse sonho se realize, precisamos da ação dos atores fundamentais, como Prefeitos, Prefeitas, secretários de educação, diretores e diretoras de escola, professores, professoras, Ministério Público e toda sociedade brasileira.
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Nós sabemos que o Governo Lula tem compromisso com essa caminhada. Que a gente - quem sabe a Frente Parlamentar Mista de Combate ao Racismo? - possa fazer, eu diria, uma caminhada por todo o país para ajudar a implantar a lei, que conta a verdadeira história do povo negro, na sala de aula. Acredito que a partir do momento em que o Brasil reconhecer os seus brasis, a tolerância, o respeito e o amor prevalecerão e o racismo não terá vez, pois o mundo também nos respeitará.
Essa é uma fala rápida que eu fiz abrindo os trabalhos.
Repito que nós temos aqui toda a lista dos nossos convidados na mesa. Neste momento, eu dou à Deputada Carol Dartora a palavra para fazer uma fala de abertura deste evento, como darei, em seguida, para a Deputada Dandara, e, aí, vamos para os nossos convidados que estão presentes e depois aos que entrarão virtualmente.
Deputada Carol Dandara...
A SRA. CAROL DARTORA (PT - PR) - Dartora.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - ... Dartora, que é uma das coordenadoras da frente na Câmara dos Deputados.
A SRA. CAROL DARTORA (PT - PR) - Muito obrigada.
Bom dia a todas e todos.
Cumprimento o Senador Paim, cumprimento o nosso amigo Diogo Silvestre, assessor da Ministra do Esporte Ana Mozzer; cumprimento o representante aqui da embaixada - não tenho certeza... Ah, desculpa. Representante do Itamaraty?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. CAROL DARTORA (PT - PR) - Ah, tá.
Eu o cumprimento e cumprimento todas as pessoas que estão acompanhando essa audiência.
É muito importante que a gente possa ter um momento como este, ter este debate. É urgente pensarmos estratégias, pensarmos ações, pensarmos no refinamento da legislação, seja no Brasil ou internacionalmente, porque não dá mais para a gente ficar tolerando o nível de racismo que é imposto para a população negra ao redor do mundo.
Acredito que é importante pontuar que o que o Vinicius Júnior sofreu naquele estádio foi algo bárbaro e também que nos honra e orgulha ver a resistência de um jogador de futebol, um homem preto, brasileiro, ao conseguir demonstrar e evidenciar aquilo que estava sofrendo na Espanha há muito tempo. Então, a gente fica muito orgulhoso de saber que o Brasil tem pessoas como essa, pessoas como o jogador Vini Jr., que teve a resistência de fazer essa denúncia que tomou proporção mundial.
O racismo que é imposto hoje é imposto para toda a população negra ao redor do mundo. Todas as pessoas negras ao redor do mundo hoje sofrem racismo estrutural, racismo institucional, enfim, o Brasil, como um país negro, país mais negro fora da África, também sofre, inclusive, nessa organização mundial e global.
Eu quero fazer uma retomada do que foi o que o Vini Jr. passou. Então, só para a gente relembrar, no 21 de maio, repetiu-se pela 10ª vez a ocorrência de ataques racistas a um jogador de futebol brasileiro, um dos melhores jogadores do mundo no seu time, o Real Madrid, que jogava contra o Valencia. Em reação aos ataques racistas de torcedores e jogadores reiteradas vezes, Vini foi violentamente atacado com palavras, com gestos, reagiu, como forma de se defender de uma ameaça à sua integridade e à sua dignidade, e, em razão disso, foi gravemente agredido com um mata-leão e, em seguida, expulso do jogo. E ali ficou demonstrada a omissão da direção de seu time em agir no combate aos discursos racistas. Então, no seu time, que inclusive tem outros jogadores negros que também já passaram por essa situação, nada, até então, havia sido feito de forma mais contundente contra os discursos racistas perpetrados contra Vini Jr. dentro das competições de futebol espanholas. E também ficou explícita ali a omissão da LaLiga e também das autoridades espanholas sobre esse e outros casos de racismo no futebol.
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E, mesmo com a existência de regras na Constituição e no Código Penal espanhol para coibir e reprimir os atos discriminatórios, ficou evidenciado o quanto a gente precisa avançar no combate ao racismo não só no Brasil, mas, como falei, ao redor do mundo. A gente não tolera mais, em qualquer instância deste país, como ficou demonstrada pela atuação do Governo Federal... Então, rapidamente, o Presidente Lula se manifestou se indignando contra o que aconteceu ao Vini Jr. e a nossa Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, também imediatamente começou a atuar no caso para que houvesse uma resposta, uma punição. Então, o cumprimento...
Como Deputada, na Câmara Federal, fico feliz também porque a Câmara aprovou uma moção de repúdio - foi chamada uma Comissão Geral na Câmara para tratar do assunto e ali a gente conseguiu aprovar essa moção de repúdio - e também a Espanha foi chamada a responder, porque não tem legislação suficiente. No Brasil, como o Senador mencionou, a gente já tem legislação para punir, mas a Espanha ainda não tem essa legislação. Então, como o próprio Vini Jr. declarou em suas redes sociais, a Espanha hoje é vista como um país racista.
E, mais uma vez, é importante lembrar de todas as pessoas que estão lá. Tem brasileiros lá, tem pessoas de várias nações africanas naquele país que vivem situações de racismo reiteradas vezes. Então, acredito que uma denúncia que a gente tem que fazer, para além de pensar nesse refinamento legislativo e pensar na efetividade das punições, porque também a gente percebe que, aqui no Brasil, a gente tem bastante legislação, mas os crimes de racismo não são efetivamente punidos... Eu venho do Estado do Paraná, onde a gente tem um relatório da Defensoria Pública da União que demonstra como a gente tem muita denúncia sobre crimes de racismo e muita pouca efetividade, muito pouca punição efetivamente. Então, infelizmente, o nosso país, apesar de ter legislação, também sofre com a falta de punição. A legislação não é levada a cabo.
Isso fala de algo que a gente tem que colocar para combater numa perspectiva antirracista, que é o pacto da branquitude, que fica passivo ao ver a violência que a população negra sofre cotidianamente. Recentemente, eu vi um vídeo nas redes sociais de uma influencer que abordava crianças negras na rua perguntando se elas queriam dinheiro ou se elas queriam um presente. É óbvio que, se uma criança negra vê uma caixa de presente, vai querer o presente, não é? Dentro da caixa, ela entregava uma banana ou um bichinho, que era um macaco; e ela compartilhou isso nas suas redes sociais. Então, é essa permissão que o pacto da branquitude reproduz que faz com que os crimes de racismo não sejam punidos efetivamente. Então, eu acho que a gente tem que refletir - e aqui a gente chama também a Espanha a refletir, eu acho que a gente tem que fazer essa intervenção - sobre como as pessoas não negras têm que deixar de ficar passíveis. A gente também percebe - a gente faz muitas denúncias de racismo -, a gente vive isso. Eu, como uma mulher negra, vivo isso, vivo o racismo cotidianamente, e a gente tem colegas brancos, a gente tem pessoas com quem a gente convive que são pessoas não negras e, às vezes, eu sinto que a gente denuncia, denuncia, denuncia, e o máximo que a gente recebe é um: "Nossa, que triste, que pena!". E atitudes e ações efetivamente a gente não vê, a gente não vê a indignação. A indignação tem que... A indignação muitas vezes tem que vir de nós mesmos, a resistência tem que vir de nós mesmos, a resiliência tem que vir de nós mesmos e de nós, que já estamos colocados, que já estamos submetidos a tanta violência. Eu também vi uma outra reportagem que falava de como o racismo, no cotidiano das pessoas negras, afeta, abala a saúde mental, abala todas as questões da vida. E, apesar de viver esse contexto, a gente ainda tem que ser responsável por fazer a denúncia da violência que a gente sofre.
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Então, eu acho que isso tem que acabar. Quem tem que se colocar efetivamente para entender que o racismo tem que ser punido, que o racismo é uma doença na nossa sociedade, que o racismo tem destruído pessoas ao redor do mundo, que as pessoas que mais sofrem, além das mulheres, são os negros no mundo, são as pessoas não negras. E isso é uma atitude antirracista. Isso tem que ser a atitude dos países, isso tem que ser a atitude do nosso país, isso tem que ser... O combate ao racismo tem que ser feito contundentemente em todo o mundo hoje. E o pacto da branquitude tem que ser quebrado, essa passividade; essa permissão que a branquitude reproduz tem que acabar. Acredito que é isso que a gente tem que colocar nesta audiência.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Muito bem. Fez uma bela abertura, viu? (Palmas.)
Eu me senti contemplado. Parabéns à nossa Vice-Coordenadora dessa frente da Câmara e do Senado, que é a Frente Parlamentar Mista Antirracismo, a querida Deputada Carol Dartora! Muito bem.
Agora, nós vamos direto ao nosso convidado. Nós que estamos aqui. Você ficou bem no tempo, viu? Eu estava preocupado. Vão ser dez minutos para cada convidado, com uma tolerância de mais cinco.
Eu provavelmente - por isso procurei abrir o horário - terei que ir para o Plenário, porque vou travar lá um bom combate, um bom debate sobre a questão de homem e mulher com salário igual no mesmo trabalho, na mesma função. Conseguimos aprovar essa proposta ontem, em todas as Comissões. Na Comissão de Direitos Humanos, que eu presido, algumas pessoas daqui estavam lá, nós aprovamos, por unanimidade, esse projeto, que veio da Câmara - é bom ser dito -, que o Presidente Lula mandou vocês aprovarem lá e veio para cá. Nós estávamos aqui, numa discussão de redação. Espero que não compliquem depois dizendo que não é emenda de redação, porque nós queremos que não volte para a Câmara, para não começar todo o debate de novo, e o Presidente Lula poder sancionar.
Por que eu falo isso rapidamente? Porque a mulher negra vai ser a grande beneficiada. A mulher negra ganha 40% em relação ao homem branco, a mulher branca ganha 60%, 65%.
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Agora, quando eu digo que vai ser o mesmo salário - mulher e homem -, a mulher negra, que está num patamar, infelizmente, salarial bem abaixo, sobe e fica no primeiro plano, junto com a mulher branca e o homem branco.
Então vamos torcer que a Casa vote o mais rápido possível e que não volte esse projeto para a Câmara dos Deputados.
De imediato, eu passo a palavra à representante do Ministério da Igualdade Racial, a Sra. Ana Míria dos Santos Carvalho Carinhanha, está certo?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Sra. Ana Maria...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Sra. Ana Míria. Pessoal, o problema todo meu é que depois de uma idade, tem que trocar os óculos de dois em dois anos no mínimo, não é? Aqui está certo, foi a minha leitura aqui. Por isso que com 73 anos eu tenho que me cuidar nessas leituras, viu? (Risos.)
Então, passo a palavra, de imediato, à representante do Ministério da Igualdade Racial, Sra. Ana Míria dos Santos Carvalho Carinhanha, Diretora de Ações Governamentais do ministério.
A SRA. ANA MÍRIA DOS SANTOS CARVALHO CARINHANHA - Bom dia a todas, todos e "todes" aqui presentes. Eu gostaria inicialmente de agradecer, em nome do Ministério da Igualdade Racial, a oportunidade de poder dialogar com vocês a respeito de um tema que é tão importante e que tem tomado os noticiários do país, por conta, sobretudo ultimamente, do ataque que o Vini Jr. sofreu. Sem dúvida, é um debate que não é recente, um debate que é historicamente situado e geograficamente situado.
Eu inicio falando da minha alegria em compartilhar a mesa com todos aqui presentes, sobretudo com o Senador Paulo Paim, que é um político histórico e me honra muito estar aqui na sua presença.
E falo de um debate histórica e geograficamente situado, porque não tem como a gente debater racismo nos esportes e em qualquer outro lugar ou dimensão sem que a gente considere as circunstâncias nas quais construímos as bases para o esporte no Brasil, assim como toda uma estrutura de país. E eu acredito que com as iniciativas que temos apontado nos últimos anos, sobretudo com essa nova gestão do Governo Federal, nós temos transladado o debate para uma outra instância.
A Deputada fala para a gente do racismo estrutural e de como ele fundamenta as relações que nos colocam hoje em uma série de divergências entre pessoas negras e não negras no Brasil e no mundo. Contudo, eu acredito que agora nós temos condições de avançar para um debate que se situa na esfera do racismo institucional, passando a observar sobretudo como as ações e as omissões têm sido percebidas nas instituições para que as pessoas sejam responsabilizadas.
E aí é importante a gente relembrar como surge o conceito de racismo institucional. Ele surge na Inglaterra, depois do assassinato de um jovem negro chamado Stephen Lawrence, que é assassinado por uma gangue de pessoas brancas. Devido a uma série de negligências tanto do sistema judicial quanto do sistema policial, esse caso não teve a devida solução, ele não foi investigado da maneira como deveria ter sido e, posteriormente, as pessoas também não foram responsabilizadas.
Esse assassinato dá início a um relatório chamado MacPherson, que é um relatório em que as pessoas discutem como essas omissões e negligências culminaram na não responsabilização das pessoas que deveriam responder por aquele crime e não só, mas também por todas as pessoas que deveriam trabalhar para que ele fosse solucionado. E aqui a gente pode também trabalhar, a partir de uma perspectiva mais ampla, para pensar em tudo que poderia ser feito para que esse crime não se repetisse.
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O conceito de racismo institucional, depois de alguns anos, nos Estados Unidos, na década de 60, é trabalhado pelos Black Panthers e vem justamente ser tratado como um conceito que versa sobre as oportunidades de acesso a bens e serviços. Aqui, pensando sobre uma perspectiva ainda mais larga, se a gente puder considerar as condições de exequibilidade das suas funções, pensando não só nas nossas funções básicas, dentro dos nossos escritórios, das nossas empresas, mas também dos nossos atletas, que precisam de condições mínimas para exercer um esporte de alta função, de alto rendimento, eles precisam estar em plena saúde física, mas também em plena saúde mental. Como esses atletas não se sentem quando são ameaçados, violentados, injustiçados e precisam ainda ter todo um comprometimento intelectual, um comprometimento psicológico para conseguir exercer um esporte de alto rendimento?
Isso interfere diretamente no rendimento desse atleta, assim como no de muitos outros, mas eu trago aqui o conceito de racismo institucional para que a gente comece a deslocar essas ações da esfera individual no sentido de que os clubes sejam responsabilizados para que isso não aconteça mais, para que os patrocinadores sejam responsabilizados para que isso não aconteça mais, para que esse atleta tenha condições mínimas de exercer o seu trabalho. A gente não tem condições de dizer que essas pessoas estão diante das mesmas condições de trabalho, se nós estamos vendo que esses atletas não estão tendo as mesmas condições de trabalho.
E aqui eu falo não especificamente dos atletas que são violentados durante o momento em que são convocados a exercer a sua profissão, mas também de tudo que se trata de ausência de patrocínios, de condições mínimas de sair para estudar. Muitos deixam suas famílias, vão para lugares longe da sua origem, não têm condições básicas de comprar os uniformes, os instrumentos básicos para fazer uma preparação física.
Então, eu acho que, pensando no racismo institucional, a gente consegue dar um passo além para pensar que casos como esse não aconteçam mais e, mais do que isso, além do que a gente pode fazer no sentido da nossa não omissão, do que a gente pode fazer para promover condições efetivas para que esses atletas tenham, de fato, possibilidades de desenvolver as suas habilidades, assim como todos os outros atletas.
Nós sabemos que as condições de vida e de morte da população brasileira são muito diferentes, e esse debate que a gente coloca aqui é muito também no sentido de provocá-los a entender qual compromisso vocês estão dispostos a assumir tanto do ponto de vista individual quanto do ponto de vista institucional, para que, a partir de uma perspectiva estrutural, isso possa vir a ser modificado.
Nós trouxemos uma série de possíveis ações. O Brasil tem se colocado de uma maneira bastante imponente e produtiva no cenário internacional e nacional, do ponto de vista das ações de enfrentamento ao racismo e promoção da igualdade racial, e eu queria mencionar aqui algumas delas.
Primeiro, nós precisamos conseguir produzir dados. Nós não podemos falar com base nos achismos. Nós temos avançado, aos poucos, em um debate que veio se implementando no Brasil a partir de uma perspectiva que se diz ideológica, mas a gente precisa lembrar que o Brasil é um país que se forjou sobre o escravismo, sobre o colonialismo, sobre o patriarcado e que nós temos condições diferentes de desenvolvimento das pessoas e das profissões neste país. Então, nós precisamos aprimorar a produção de dados do racismo no esporte para além do futebol, para que nós possamos subsidiar as políticas públicas. Nós precisamos buscar acordos de cooperação internacional para fomentar o repúdio a essas práticas. Nós precisamos atender e acolher essas vítimas para que isso não aconteça mais, sobretudo no que diz respeito ao apoio psicológico, mas também ao apoio material. Nós precisamos aprimorar os mecanismos de identificação dos agressores em meio às torcidas, relembrar que isso é um crime e que nós temos convenções e tratados internacionais que nos asseguram a defesa dos nossos atletas, ainda que eles estejam em países ou em Estados que não possuem uma legislação pátria que trate desse tema; nós não podemos deixar os nossos atletas à mercê de uma legislação internacional falha e omissa. Nós precisamos criar canais de denúncias e mecanismos de punição que garantam, de fato, que os atos relacionados a qualquer tipo de discriminação sejam levados com a seriedade de que eles precisam.
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Nós vivemos uma narrativa história muito problemática do mito da democracia racial, e eu gosto muito de dizer que a gente precisa de um direito de resposta eficaz ao mito da democracia racial e que a gente não pode mais se omitir diante de situações que têm colocado, de fato, as pessoas negras em um patamar de subalternidade muito grande diante de tantas atrocidades que vêm acontecendo no país e fora do país.
Por fim, nós buscaremos ampliar incidências e articulações no sentido de desenvolver todas as estratégias possíveis para honrar a dignidade do povo brasileiro, sobretudo do povo negro, e iremos ampliar todos os suportes e subsídios.
(Soa a campainha.)
A SRA. ANA MÍRIA DOS SANTOS CARVALHO CARINHANHA - E o Ministério da Igualdade Racial se compromete, mais uma vez, a fazer tudo que estiver ao nosso alcance para que cada pessoa negra da população brasileira seja respeitada dentro e fora do Brasil.
Agradeço, mais uma vez, o convite para que possamos desenvolver essa discussão dentro e fora desse Plenário. E me coloco à disposição também para qualquer pergunta ou eventual discussão que venha ser desenvolvida aqui.
Muito obrigada, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Muito bem!
Parabéns, Sra. Ana Míria dos Santos Carvalho Carinhanha, Diretora de Assuntos Governamentais do Ministério da Igualdade Racial, pelo seu belo pronunciamento e esclarecedor, tenho certeza, para todos aqueles que também estão nos assistindo pelo sistema de comunicação aqui Senado.
Vou passar, de imediato, a palavra ao Sr. Diogo Silva, Assessor Especial da Ministra do Esporte.
O SR. DIOGO SILVESTRE - Bom dia a todos e a todas, às Sras. Senadoras e aos Srs. Senadores, a todos que estão aqui presentes e à nossa mesa: Deputada Carol, Vice-Coordenadora da Câmara dos Deputados; Ana Míria, do MIR, representando o Ministério da Igualdade Racial, Diretora de Ações Governamentais; Fabricio Araújo, Assessor de Participação Social e Diversidade do Ministério de Relações Exteriores.
Na pessoa do Senador Paulo Paim, agradeço pelo convite ao Ministério do Esporte para poder fazer este riquíssimo debate. Também agradeço aqui a presença dos nossos amigos do Ministério do Esporte, ex-jogador de futebol Edcarlos; o Alex, representando as torcidas organizadas; o Ronaldo, chefe de gabinete e da Secretaria de Futebol; a Jane, nossa grande amiga da Aspar; e o nosso fotógrafo Ronaldo, que está presente aqui.
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Esse tema pode ser estendido, porque o racismo não é exclusivo nem onipresente no futebol: ele está no esporte, ele é mais profundo. A questão é que o futebol é mais visível, a Série A é mais visível, mas tem os invisíveis do mundo de onde eu saio do esporte. Meu nome é Diogo Silva, sou um pós-atleta olímpico de taekwondo, participei de dois jogos olímpicos - Atenas, 2004; e Londres, 2012 -, alcançando duas disputas de medalha, duas semifinais. Fui o primeiro brasileiro a ganhar os Jogos Pan-Americanos do Brasil no ano de 2007, que era a maior competição internacional que o Brasil realizava. Participei de todos os programas esportivos que existem no Brasil e minha carreira de quase 20 anos é fruto de uma política pública que é a maior transferência de renda que existe do esporte mundial, a chamada Bolsa Atleta. Sim, sou um bolsista, tenho minha carreira toda baseada nessa transferência de renda, que sem ela não seria possível. E, para nós jovens de periferias, que estamos no esporte tendo o esporte como quase única opção para ascensão econômica, para desenvolvimento social, para que a gente possa mudar esse processo de geração a geração de mazelas, o esporte possibilita a nossa ascensão econômica, a nossa visibilidade e a ocupação de cargos de poder.
No que nós vimos no jogo entre Real Madrid e Valência, a gente também tem que fazer um recorte de trabalho, porque, para todos aqueles que estão assistindo, os telespectadores, os fãs nas arquibancadas, os que estão na arena, os que estão pela internet, eles estão no seu momento de entretenimento, eles estão no seu momento de diversão, mas o jogador, o atleta está no seu momento de trabalho. Então, quando acontecem casos de violência, de racismo, a gente precisa identificar que eles se tornam mais graves, porque, além de tudo isso, são no ambiente de trabalho. Isso é CBF. Se o clube, se a La Liga, se a FIFA, se a Espanha não podem proteger um atleta que, por via de contrato, está em outro país, é um representante estrangeiro, se ele não pode estar seguro no seu lugar de trabalho, aquele país não pode sediar eventos esportivos, porque nenhum atleta vai para nenhum país onde ele não esteja seguro. Isso é um princípio para nós atletas. Nós não vamos para países onde nós não estamos seguros. E, há mais de 30 anos, desde a famosa voadora do Cantona, que completou 30 anos, até os dias de hoje, a Europa é um lugar hostil. E não é um lugar hostil só para brasileiros, principalmente a Espanha, onde eu tive a oportunidade de treinar por muitos anos no Centro de Alto Rendimento da Espanha que fica em Barcelona - tem em Madri, tem em Múrcia. Conheço bem esse retrato, mas também conheço bem o retrato da visão dos tunisianos, dos marroquinos, dos camaroneses, dos congoleses, que são todos esses que vivem também na Espanha e que têm as suas vidas muito ceifadas naquele lugar.
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No dia 3 de maio, durante a visita da Sub-Secretária-Geral da ONU e assessora especial Alice Wairimu ao Ministério do Esporte - Wairimu, que é de origem queniana, especialista no combate ao genocídio -, num primeiro momento eu não conseguia compreender a relação de genocídio e esporte, até me deparar com os estudos da Sub-Secretária, que nos elucidou ao dizer que o início do genocídio é fake news, que o início do genocídio é a desumanização na comparação do homem a insetos, a animais, que o início do genocídio são os cantos homofóbicos e racistas das arquibancadas e que o esporte é um caminho de prevenção, já que todos esses ataques a sinagogas, vilarejos e o que acontece dentro das arenas esportivas são de pessoas que são fãs de esporte. Esse é o diagnóstico, são pessoas fãs de esportes, são pessoas que consomem esporte, consomem luta, consomem basquete, então, o esporte tem um valor universal no combate e na prevenção de violência. Esse é o resultado da pesquisa da ONU, que vê hoje o esporte como prevenção de violência. E quando eu me deparo com essas pesquisas, eu fico refletindo como o esporte pode e deve construir essa agenda.
Nós temos aqui nosso amigo Alex, da Anatorg, que são as torcidas organizadas. Os cânticos podem ser transformados nas arquibancadas, mas para isso é necessário reconhecer as torcidas organizadas, é necessário educar as torcidas organizadas, é necessário entender que os jovens das torcidas organizadas são jovens de periferias, que muitas vezes não tiveram o talento e nem habilidade para ser jogadores, queriam estar no campo e viram na torcida organizada uma possibilidade. E eles também são invisíveis. E se nós não reconhecermos as torcidas organizadas, eu não vejo a possibilidade de impactar os cânticos, de impactar de fato naquilo que é a maior vitrine do esporte brasileiro no país.
E eu gostaria de dizer também aos Srs. Senadores e Senadoras que estão acompanhando de suas casas e trabalhos ou no seu momento de lazer, que o Ministério do Esporte, junto com o Ministério da Igualdade Racial e também o Ministério da Justiça, está há dois meses trabalhando junto no combate ao racismo no esporte. Nós estamos propondo uma política pública para o combate ao racismo no esporte. Dentro disso, existe uma gama de possibilidades, mas o nosso foco não é campanha, nosso foco não é hashtag, nosso foco não é pedido de desculpas, nosso foco de fato é uma política assertiva e que possa, de fato, alcançar o atleta da categoria de base, o atleta profissional, e até a definição do atleta profissional que está dentro da nova Lei Geral, porque hoje atleta profissional somente é considerado aquele que tem contrato de trabalho, e se ignora praticamente toda a parcela de atletas que existem no nosso país, entendendo que eu faço parte dessa parcela, Daiane dos Santos faz parte dessa parcela, Rebeca Andrade faz parte dessa parcela. E a população preta está dentro dessa parcela, porque é o esporte que possibilita essa ascensão econômica. Então, a definição do que é atleta profissional está na Lei Geral do Esporte, e ela é fundamental para nós.
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E, com isso, a gente abre esse trabalho; com isso, a gente abre esse campo de discussão, e eu fico muito feliz de estar aqui na presença de todos vocês e com a oportunidade que o Ministério do Esporte me deu, tendo a primeira mulher à frente dessa pasta, a Ministra Ana Moser, que é uma pós-atleta - e nos dá muito orgulho de podermos trabalhar juntos nesse novo ministério.
(Soa a campainha.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. PT - RS) - Muito bem! Meus sinceros cumprimentos aqui para o Diogo Silva, Assessor da Ministra do Esporte.
Eu achei importante, Diogo - permita-me este comentário rápido -, que você deu um depoimento de vida, contou a sua história, a sua experiência. Não é porque eu... Por exemplo, eu ouvi falar, eu nunca fui à Espanha, não é, mas eu considero o país mais racista do mundo, já disse em diversas vezes. A Espanha, para mim, é o país mais racista do mundo, e esse depoimento que você dá aqui confirma o que eu e a Carol dissemos aqui - não é, Deputado? -, e a Dandara vai nesse sentido.
Neste momento, eu convido, com muito orgulho, a Deputada Dandara, que é coordenadora junto com nós outros que estamos na mesa da Frente Parlamentar Mista Antirracismo. (Palmas.)
Tu vais sentar nessa cadeirinha, mas, logo, logo, tu vais vir para mim aqui, para o meu lugar já.
A pedido do e-Cidadania, aqui do Senado... Eles sempre pedem que eu não leia no encerramento, mas que eu leia na abertura. Eu não li as perguntas que a população manda para o e-Cidadania. Então, vou ler rapidamente aqui.
Nathaly da Silva, de Pernambuco: "Como o racismo no futebol afeta a integridade emocional e profissional dos jogadores que são alvos [...] [desse tipo de discriminação]?". Daí os convidados, no embalo aqui da sessão, podem ir respondendo.
Eduardo Witter, de Goiás: "Já há algum projeto/proposta para inibir o racismo dentro do esporte?".
Taylor Pedro, do DF: "Como o Brasil [...] [age para coibir o racismo] dentro dos campos [...] e quais [...] [medidas podem ser baixadas futuramente para combater essa prática]?".
Ana Cristina, de São Paulo: "Infelizmente o racismo é estrutural e cultural, e está tanto dentro como fora dos campos".
André Marques, do DF: "É preciso fazer campanhas de conscientização, e o Embaixador [do Brasil] na Espanha [também] deve ser convocado [...] [para aderir a essa] luta contra o racismo no [...] [Brasil]".
Eu, de imediato, vou passar aqui a coordenação para a nossa coordenadora - para a nossa coordenadora! - e explico por quê. Está havendo debate numa Comissão - e estão me chamando lá -, e vou dizer já qual é a Comissão: Comissão Temporária Externa para Acompanhar a Situação dos Yanomami. A Ministra Sonia Guajajara está lá, e estão pedindo que eu vá para lá. Ela está prestando esclarecimento na Comissão, diante da situação da população indígena no Brasil.
Eu explicava, Dandara - você que está chegando agora -, eu já alertava que eu ia ter que sair. Eu ia... Na verdade, se eu não saísse, nós íamos dividir aqui a coordenação com vocês duas naturalmente. No Plenário vai estar para debater e votar hoje: homem e mulher, salário igual. É uma luta que vamos travando há mais de 20 anos aqui no Congresso. Aprovamos por duas vezes, e o Presidente anterior, de que eu não vou dizer o nome, não quis sancionar e mandou de volta, e aí foi a novela. Felizmente, o Lula chegou e mandou um projeto muito bem encaminhado, muito bem apresentado, foi votado na Câmara, está aqui, nós votamos ontem nas três Comissões - na de Direitos Humanos, na Comissão de Economia e na Comissão de Assuntos Sociais. Em todas foi aprovado por votação simbólica. Espero que agora a gente consiga votar no Plenário.
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Eu gostaria que votasse hoje ainda, não é? Eu já pedi ontem, e o Presidente disse que botaria na pauta, mas não disse exatamente o dia. Eu vou para lá para tentar botar na pauta hoje.
Deixe-me situá-la onde nós estamos aqui na lista de inscritos... Já está a lista na sua mão, e você, daqui para frente, passa a coordenar o evento. Eu prometo que, logo que puder, eu volto, mas, se eu não voltar, é porque não deu mesmo, viu?
Então, uma salva de palmas a esse evento e que a gente combata sempre o racismo no Brasil e no mundo. (Palmas.)
(Procede-se à sessão de fotos.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. PT - MG) - Bom, dando continuidade, eu queria registrar a generosidade do nosso Senador Paim, que tem fortalecido tanto a nova geração de Parlamentares que têm chegado ao Congresso Nacional. É muito importante poder contar, eu sempre digo, com a nossa ancestralidade em vida, e nós seguimos aqui com a nossa audiência pública.
Quero passar agora a fala para o Sr. Fabrício Araujo Prado, da Assessoria de Participação e Diversidade do Ministério das Relações Exteriores.
Com a palavra, Fabrício.
O SR. FABRÍCIO ARAUJO PRADO - Bom dia a todas, bom dia a todos, bom dia a "todes".
Gostaria de começar registrando a imensa satisfação e honra de o Itamaraty estar representado aqui no Congresso Nacional. Tivemos a honra de receber a Frente Parlamentar Antirracista Mista no dia 22 de maio último, no Itamaraty, sobre esse assunto. Então, eu acredito que esse é um momento de retorno, o Itamaraty também dando esse retorno e visitando o Congresso, estabelecendo diálogo com as pessoas que estão nos acompanhando aqui presencialmente, as pessoas que estão nos acompanhando pela internet.
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E quero dizer da alegria que é fazer parte de uma mesa que representa uma ascensão em espaços de poder de pessoas negras, de mulheres negras, de homens negros. Isso é algo que, para uma instituição como o Itamaraty, que lida muito com a representação, é muito importante. Nós temos que representar essa que é uma maioria, uma maioria que às vezes é minorizada, mas que tem que ser mais presente. E é uma oportunidade única para nós aqui do Itamaraty estarmos acompanhando essas intervenções tão ricas.
Então, quero agradecer ao Senador Paulo Paim pelo convite, agradecer à Deputada Carol Dartora, à Deputada Dandara, enfim, à Ana Míria, do MIR, com quem a gente tem trabalhado muito, em parceria muito profícua, nesses primeiros meses de Governo, especialmente desde que ocorreu esse lamentável caso de racismo contra o Vini Jr.
Também temos trabalhado muito com o Ministério dos Esportes. Quero agradecer imensamente ao Diogo pela fala inspiradora aqui e pelo trabalho que tem sido feito em conjunto também.
Eu queria dizer que o Itamaraty está muito dedicado a colocar em prática uma política externa antirracista. E, ao falar de política externa antirracista, eu acho que esse caso do Vinicius Jr. ilustra alguns posicionamentos que não são óbvios e que são muito importantes.
Eu acho que a reação do Governo brasileiro começa já pelo discurso do Presidente Lula, no dia 21 de maio, em Hiroshima, quando participava do G7. Seguramente esse caso teria tido uma repercussão global, como teve, mas não restam dúvidas de que aquela fala, naquele momento, naquele foro, foi muito importante para projetar a importância do tema. Então, acho que a gente tem que reconhecer um pouco a importância desse discurso no dia 21 de maio, numa entrevista coletiva, e o Presidente Lula abriu com esse tema.
No dia 25 de maio último, o Presidente Lula, numa cerimônia no Itamaraty, em comemoração ao Dia da África, também mencionou o tema do Vinicius Júnior, falando com os embaixadores africanos sediados aqui em Brasília. Estavam presentes vários representantes da sociedade civil, movimento negro, de outras entidades e de outros ministérios. Eu acho que foi uma oportunidade importante.
E, na segunda-feira, no dia 29 de maio desta semana, o Presidente Lula enviou uma mensagem de vídeo gravada, que eu não sei se todas e todos tiveram a oportunidade de ver, mas eu recomendo muito, para o Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU. Esse é o principal foro de representação de pessoas negras no sistema ONU, presidido pela ex-Vice-Presidente da Costa Rica, Epsy Campbell, e foi uma fala muito importante, que posicionou o Brasil, mais uma vez, em apoio a uma política externa antirracista.
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Logo na sequência desse evento, que é um evento de suma importância, nós tivemos o discurso da Ministra Anielle Franco, que foi aplaudida de pé no auditório da Assembleia Geral da ONU. Eu acho que isso significa. Eu, por acaso, representava o Brasil, em 2018, na ONU e, no momento em que a gente teve a notícia da morte da Marielle, eu estava em plenário, representando o Brasil. Então, ver a Ministra Anielle Franco fazendo esse discurso no foro permanente eu acho que é de um simbolismo muito grande e que dá um pouco a dimensão da correção simbólica e do comprometimento do Governo com essa pauta também na esfera internacional.
O tema do racismo nos esportes é um tema que merece toda atenção. Eu queria aqui registrar o comprometimento do Itamaraty em trabalhar junto com os demais ministérios, junto com o Congresso, junto com os movimentos sociais, junto com a organização de sociedade civil, para pensar onde podemos melhorar, o que podemos fazer além do que já está sendo feito. Tenho certeza de que, infelizmente, dadas as circunstâncias históricas que vivemos, não é uma questão de um país só. Acho que, como o clima, é um problema que não pode ser resolvido de forma isolada. Eu acho que não é um problema que existe apenas em um lugar. Nós que vivemos no Brasil sabemos muito bem que é uma situação que, infelizmente, tem um grau de generalização, internacionalização muito grande. Então, qualquer tipo de solução necessariamente exige colaboração e cooperação entre todos os países, entre várias entidades, entre Governo e sociedade civil.
E, nesse contexto, geralmente, no Ministério das Relações Exteriores, nós privilegiamos soluções que passem pelo multilateralismo, passem pelo aspecto regional. Nós temos o Conselho de Direitos Humanos da ONU, que tem uma série de atribuições que são muito importantes; nós temos um comitê para a eliminação de todas as formas do racismo; nós temos o Fórum Permanente de Afrodescendentes na ONU; nós temos relatorias especiais da ONU, que, inclusive, fazem visita a países, fazem recomendações aos Governos, fazem diálogos com a sociedade civil. E acho que agora é o momento de explorar todas essas possibilidades.
Recentemente, tivemos aprovada a Convenção Interamericana de Combate ao Racismo, que é uma outra plataforma fundamental. Temos oportunidade agora, inclusive, de engajar outros países da região também nessa luta. A gente tem a Vice-Presidente da Colômbia, Francia Márquez, que tem um histórico muito importante nesse tema.
Então, um pouco da mensagem que eu queria deixar aqui, inclusive em nome do Ministro Mauro Vieira, é de que o Itamaraty está de portas abertas, está disposto, está engajado nessa luta. Há uma série de medidas possíveis.
No caso específico do Vinicius Jr., houve uma reação quase que imediata. Já na segunda-feira, dia 22 de maio, em conjunto com o Ministério da Igualdade Social, o Ministério do Esporte, o Ministério da Justiça e também o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o Itamaraty, repito, com todos esses ministérios, emitiu uma nota conjunta, o que mostra que o comprometimento com a pauta é amplo. Essa nota de repúdio foi veiculada e acho que cumpriu um papel importante.
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Além dessa nota, foram feitas gestões, tanto aqui em Brasília quanto no exterior, para manifestar a preocupação do Governo brasileiro com a questão...
(Soa a campainha.)
O SR. FABRÍCIO ARAUJO PRADO - ... e seguimos comprometidos com essa pauta.
Antes de terminar, eu queria só fazer um breve comentário sobre os esforços que o Itamaraty está fazendo para promover a diversidade internamente, porque não basta fazermos um ajuste de discurso se também não olharmos para dentro. Eu acho que isso tem alguma relação com esse caso também. A gente tem necessariamente que deixar claro quais são as posições externas do Brasil, mas também reforçar essas medidas internas.
E internamente, agora em abril, a gente aprovou, por portaria do Ministro Mauro Vieira, um sistema de promoção à diversidade e inclusão dentro do Itamaraty. Nesse sistema foi reconhecido pela primeira vez institucionalmente o grupo de diplomatas negros, e, incidentalmente, no último dia 26, última sexta-feira, nós tivemos uma promoção interna que teve a maior porcentagem, o maior número de diplomatas negros promovidos na história. Além disso, estamos tentando, fazendo o possível para promover uma maior entrada de mulheres negras e homens negros no Itamaraty, de forma a fazer o Itamaraty também representativo de tudo isso que a gente está dizendo, de todo esse discurso antirracista.
Fico aqui à disposição para continuarmos esse diálogo. Queria agradecer imensamente a oportunidade.
É isso. Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. PT - MG) - Muito obrigada, Fabrício. É uma alegria poder contar com essa parceria. Eu já queria até sugerir que a gente possa fazer uma reunião da nossa Frente Parlamentar Mista Antirracismo com esse grupo de diplomatas negros e negras. Vai ser fundamental para a gente seguir avançando nas cooperações e nas parcerias.
Quero justificar que a Deputada Carol Dartora vai ter que se retirar. Ela é a nossa Vice-Coordenadora na Câmara e sempre uma parceira nas construções das ações antirracistas - muito obrigada, Carol, por ter compartilhado com a gente neste momento.
E quero já chamar o Marcelo Carvalho, que representa o Observatório da Discriminação Racial no Futebol.
O SR. MARCELO CARVALHO (Por videoconferência.) - Bom dia. Estão me ouvindo?
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. PT - MG) - Sim, perfeitamente.
O SR. MARCELO CARVALHO (Por videoconferência.) - Eu gostaria de saudar a presença na mesa do grande amigo Diogo Silva e em sua pessoa cumprimentar todos e todas que estão na mesa e que estão nos ouvindo neste momento.
Quero iniciar a minha fala por dizer da importância desta audiência pública para falarmos sobre racismo no esporte, principalmente olhando para o futebol. Acho que a primeira coisa que a gente precisa entender é a importância que o futebol tem na vida da sociedade brasileira, a importância que o futebol tem na construção deste país e no dia a dia dos brasileiros, quando uma grande parcela da sociedade para, às quartas e aos domingos, para assistir a uma partida de futebol, e todos os simbolismos que existem num jogo de futebol, seja na parte de marketing, seja na parte de comunicação, seja na parte de amor do torcedor ao seu clube de futebol.
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Dito isso, é importante demais falarmos de racismo através do futebol. Por conta do que aconteceu com o Vinicius Jr. na Espanha, estamos discutindo, há mais de duas semanas, a presença constante do racismo no futebol espanhol, mas também olhando para o tamanho do racismo que existe no futebol brasileiro. E isso só é possível porque aconteceu um caso de racismo com um grande atleta brasileiro no exterior. Esse debate vai ser totalmente amplificado por conta do tamanho do Vinicius Jr. no futebol mundial, mas é importante a gente lembrar que os casos de racismo vêm acontecendo, seja na Espanha, seja no Leste Europeu, na Itália, na América Latina, no Brasil, constantemente.
O Observatório da Discriminação Racial no Futebol, desde 2014, vem monitorando os casos de racismo no futebol brasileiro. E, mais do que monitorar esses casos de racismo, o observatório se caracteriza por lançar a cada ano o Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol, um estudo sistêmico que aponta onde esses casos aconteceram, quem foi a vítima, quem foi o agressor e principalmente os desdobramentos desses casos, porque, como foi falado aqui anteriormente, nós precisamos muito falar sobre a efetividade da legislação.
Diferentemente do que acontece na Espanha, onde não existe uma lei para punir o racismo - lá o racismo que aconteceu contra o Vinicius Jr. está dentro do discurso de ódio -, aqui, no Brasil, nós temos leis que conseguem ou que conseguiriam punir os racistas dentro e fora do estádio. E o que a gente percebe neste momento é a falta de punição, é a falta de responsabilização dos envolvidos, é a falta de responsabilização dos clubes e federações. Dessa forma, os racistas, os intolerantes, os que propagam discurso de ódio estão vendo no futebol uma oportunidade, uma vitrine para cometer os seus insultos racistas.
Diferentemente do que acontece na Espanha, na Europa, o estádio de futebol, lá, vem se tornando um espaço para que essa turma - nazista, fascista - propague as suas ideologias. Nesses países da Europa, é possível ver já núcleos de torcedores nazistas, fascistas em determinado espaço do campo. Eles não se escondem mais. Eles usam, utilizam o futebol para propagar essas ideologias.
Aqui no Brasil, diferentemente disso, os insultos racistas geralmente se caracterizam por ataques individuais de torcedores a jogadores de futebol, mas, independentemente de serem cometidos por uma turma, por um grupo ou por um indivíduo, nós precisamos responsabilizar, nós precisamos punir esses agressores. Por isso eu acho tão importante a gente estar agora, neste momento, discutindo o racismo no futebol brasileiro, porque a gente precisa, de uma vez por todas, erradicar esse mal.
Eu costumo dizer que é impossível nós acabarmos com o racismo no futebol enquanto vivermos numa sociedade tão racista como é a nossa. Já foi falado antes de mim do tamanho do racismo estrutural, do tamanho do racismo institucional. E é para isto que a gente precisa também olhar no futebol brasileiro: onde estão negros e negras dentro desse esporte. Nós falamos tanto que o futebol é o esporte mais popular do Brasil, e eu costumo dizer que popular é o esporte jogado nas ruas, porque o futebol profissional em nada é popular. Nós temos ingressos caros, nós temos camisetas de clubes caras e nós temos a possibilidade de espaço de entrada de negros e negras, como conselheiros e como diretores nos clubes, quase nula. Os clubes de futebol no Brasil, na sua maioria, são gestados por pessoas brancas, com muito poucas pessoas negras nesses espaços.
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Assim também são os espaços da Justiça Desportiva. Se nós estamos falando na possibilidade de punir os agressores, nós precisamos olhar para este cenário da Justiça Desportiva: quem são os julgadores? Como eles entendem esses casos de racismo que acontecem no futebol? Como eles entendem esses casos de racismo que acontecem em outros esportes, como bem disse o Diogo? Porque esses casos de racismo acontecem no vôlei, acontecem no atletismo, acontecem no basquete, acontecem nos outros esportes. Como essas pessoas que estão ali para punir esses casos entendem a legislação e aplicam a legislação?
Então, de novo, eu acho que é importante demais a gente discutir toda essa estrutura para que a gente também olhe um pouco mais o que acontece no Brasil. É importante toda essa manifestação que vem ocorrendo em defesa do Vinicius Jr., porque o Vinicius Jr. não apenas está sofrendo ataques racistas, mas está sofrendo ataques pessoais, colocando a vida dele em risco. Quando tem um boneco enforcado com o nome dele numa ponte, isso é uma ameaça de morte. Quando o Vinicius entra em campo e sofre violência por parte dos torcedores e também dos seus colegas de profissão que não o insultam, mas que cometem faltas violentas, isso é o sistema que já percebeu como precisa agir contra o Vinicius Jr. Se nós pararmos para pensar, muitos ataques que o Vinicius Jr. vem sofrendo na Espanha não são ataques apenas na questão da raça. A sociedade entendeu que muitas vezes o futebol pune os racistas, mas não pune os violentos. Então, a gente precisa também arrumar mecanismos para que isso não aconteça; e, por isso, a importância de toda essa movimentação que teve do Governo brasileiro, do Ministério da Igualdade Racial, do Ministério do Esporte, do Ministério da Justiça, do Itamaraty. Por isso, é tão importante.
Mas, olhando para o cenário do futebol brasileiro, nós precisamos entender e agir, porque, em 2021, o Observatório monitorou 64 denúncias de racismo; em 2022, foram mais de 90 denúncias de racismo no futebol brasileiro; em 2023, nós estamos em junho e já temos mais de 20 denúncias de racismo; ou seja, precisamos agir para que esses racistas não se sintam à vontade, mas precisamos principalmente chamar a responsabilidade dos clubes e dos torcedores. Não podemos mais conviver com os racistas nos estádios de futebol.
Como foi falado anteriormente, a luta contra o racismo não é só da população negra. Por isso, precisamos chamar os não negros que estão nos estádios de futebol olhando ao seu lado um racista se manifestar e não fazem nada. Isso precisa mudar. O futebol não pode ser esse espaço de propagação de ideologia racista, nazista e fascista. Por enquanto, é essa a minha fala e fico à disposição de vocês.
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Um abraço. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. PT - MG) - Muito obrigada, Marcelo Carvalho, excelentes contribuições.
Nós precisamos realmente refletir sobre os desdobramentos a cada denúncia, a cada caso de racismo e fazer disso um processo que também eduque a sociedade. E eu acho que a coragem com que o Vini Jr. teve de enfrentar esses atos racistas tem nos ensinado muito sobre a importância de as pessoas negras não autorizarem, não legitimarem, se colocarem e também de as pessoas que não são negras refletirem sobre os seus comportamentos, reverem os seus privilégios. Eu acho que a postura do técnico do Vini também foi mudando à medida que ele foi refletindo sobre a complexidade do racismo na sociedade. Essa é uma luta, sem dúvida nenhuma, de todos, todas e "todes".
Quero, de imediato, chamar o Prof. Silvio Ricardo da Silva, do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT), da nossa grande UFMG - tenho um carinho enorme por essa universidade, fiz mestrado na Faculdade de Educação. O Silvio também é pai da minha grande amiga e companheira Camila Moreno. É uma alegria tê-lo aqui, hoje, Silvio.
O SR. SILVIO RICARDO DA SILVA (Por videoconferência.) - Bom dia!
Eu cumprimento e agradeço a Frente Parlamentar Mista Antirracismo, especificamente na pessoa da companheira Dandara, pelo convite e também faço aqui meus cumprimentos a todos e todas aqui presentes, em especial a quem divide comigo essa tarefa de debater este importante tema.
Eu primeiro gostaria de me apresentar e justificar o meu aceite em debater a temática do racismo, mesmo na condição de um homem branco, porque eu coordeno, há 17 anos, o Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT) na UFMG, em que eu exerço meu trabalho de professor e pesquisador e, ao longo da existência desse grupo, temos realizado inúmeras ações de ensino, seja nas disciplinas de graduação e pós-graduação, formando professores e pesquisadores, seja na pesquisa, através de pesquisas de graduação, mestrado, doutorado, assim como também em pesquisas coletivas e na própria extensão, em que nós temos um programa de rádio, o programa Óbvio Ululante, na Rádio UFMG Educativa, e desenvolvemos também um projeto do próprio Ministério do Esporte chamado Academia e Futebol, um projeto muito importante, em que nós fazemos a prática de futebol e podemos tematizar as diversas violências que acontecem no cotidiano do futebol, entre elas, a violência física, a homofobia, o machismo, a misoginia, a marginalização, a exclusão e, obviamente, o racismo. Inclusive, em 2018, organizamos um evento internacional intitulado Violências no e do Futebol, com a presença do Marcelo Carvalho, que me antecedeu aqui e que nos expôs, naquele momento, sobre o brilhante trabalho desenvolvido pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol.
É premente que eu inicie a minha fala elogiando a iniciativa da realização desta audiência, não só pelo último ataque sofrido pelo Vinicius Jr., que nos trouxe grande indignação, mas pelas agressões que os negros que militam no futebol sofrem historicamente. Só mais recentemente, se acessarmos os relatórios que o Marcelo acabou de citar produzidos pelo Observatório da Discriminação Racial no Futebol, desde 2014, nós vamos somar centenas de registros de casos - fora os que não são registrados, obviamente - no futebol, de racismo no futebol. E enquanto nós estamos falando aqui, outros casos certamente estão aparecendo.
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E aí, me permitam aqui a fazer um breve resgate histórico, quero dizer que o futebol nasce de homens brancos e sempre houve resistência para a entrada dos pobres e dos negros.
O Anthony Giddens, que é um sociólogo inglês, afirma que o racismo visa a estabelecer uma hierarquia entre as raças, de forma que uma seja considerada superior à outra. Nessa mesma esteira, o Nei Lopes, ultimamente, até sobre o caso do Vinicius Jr., assegura que o racismo é uma estratégia, tendo como base a presunção da superioridade, classificando as pessoas por cor de pele, que se separa, se descrimina, e obviamente que se domina. O nosso escritor e compositor diz que o racismo é um produto da maldade dos dominadores, reforçado pela ignorância imposta aos dominados.
Então, conforme eu abordei anteriormente, o futebol nasce no final do século XIX, início do século XX, através das elites e é implementado por quem tinha o poder na época de difundir o esporte pelo mundo, no caso, os ingleses. A apropriação do futebol por parte das classes mais pobres, dos operários e dos negros trouxe grande resistência, seja no interior dos clubes, seja na mídia, seja nas ligas e nas federações.
Eu trago aqui um exemplo a vocês de uma publicação do Jornal dos Sports, no dia 6 de agosto de 1915. O futebol recém tinha começado a existir no Rio de Janeiro, no Brasil, em São Paulo. A publicação diz assim:
[...] todos são favoráveis à passagem de um determinado projeto mas não têm coragem de em público, manifestar suas convicções. Há de fato na aparência, naqueles [entre parênteses] (felizmente muito poucos) que não sofrem as consequências da má educação de pessoas que não estão de acordo com o nível moral e social do sport, uma espécie de democracia, que não passa no fundo de uma refinada hipocrisia... Nós pensamos, e conosco pensam todos aqueles que fazem da sinceridade um culto: - o football [...] só pode ser praticado por pessoas de mesma educação e cultivo! [...] De modo que nós que frequentamos uma Academia, [...] Salão Naval, jantamos na Rotisserie, frequentamos as conferências literárias, vamos ao five o'clock, mas quando nos resolvemos praticar sport, entramos para o Icarahy Club, distinto filiado à 3ª Divisão Metropolitana, somos obrigados a jogar com um operário, limador, corrieiro, mecânico, chauffeur e profissões outras que absolutamente não estão em relação ao meio onde vivemos. Nesse caso a prática do sport torna-se um suplício, um sacrifício, mas nunca uma diversão.
Vejam que isso foi publicado num jornal em 1915, o que demonstra a resistência à prática do esporte pelas pessoas mais pobres e, obviamente, pelos negros.
Publicações como essas nos trazem a ideia do quanto foi acirrado esse debate entre aqueles que defendiam o amadorismo, obviamente, pelos sócios dos clubes, e que tinham condição, e os que defendiam o profissionalismo.
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Isso permite também perceber os motivos que levaram a elite branca da Zona Sul do Rio de Janeiro a solicitar que o meu clube, do qual sou sócio-proprietário, afastasse do seu quadro jogadores pobres e negros que tiveram a audácia de ganhar o Campeonato Carioca de 1923, fato esse que fez com que o nosso presidente, na época, redigisse um importante documento para o futebol brasileiro chamado "Resposta Histórica". Esse documento, inclusive, foi a fundamentação para que nós vascaínos discutíssemos a questão do racismo com os nossos filhos - assim o fiz com as minhas filhas -, numa perspectiva de que o movimento antirracista é para todos, inclusive para nós, pessoas brancas.
Esse sentimento racista, segregador e odioso por parte dos que sempre controlaram o futebol abandonou muitos jogadores pobres e negros à própria sorte, sem nenhum apoio humanitário, quando seus serviços atléticos não serviam mais. Esse mesmo modo de pensar culpabilizou os negros Barbosa, Juvenal e Bigode pela derrota contra o Uruguai na Copa de 1950 e criou, inclusive, o mito do goleiro negro: o goleiro negro não é bom, porque ele treme. Nada é mais cruel do que isso.
Assim, isso fez, ao longo desses mais de cem anos de futebol no Brasil, com que os clubes, as federações, as confederações fossem sempre dirigidas pela dita elite branca - o Marcelo acaba de falar sobre isso também.
Há informações mostrando quão pouco espaço os treinadores negros têm no futebol de elite no Brasil. São pouquíssimos treinadores negros que atuam nas séries A e B do nosso futebol.
Há, por parte da universidade pública local, de onde falo, uma constante análise e o debate desses fatos racistas aqui narrados. Me vêm à mente pesquisadores experientes como Antônio Jorge Soares, Bruno de Lacerda Abrahão, Elcio Cornelsen, e pesquisadores jovens como Danilo Ramos e Luciano Jorge de Jesus. Dou ênfase também a pesquisadoras como Silvana Goellner e Aira Bonfim, que vêm tematizando a questão das mulheres negras em suas pesquisas. Cabe aqui também destaque ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Estudos de Futebol Brasileiro, que tem em uma das suas linhas de pesquisa a temática do racismo.
De uma maneira geral, nós nos debruçamos sobre os debates de racismo no futebol nos casos que acontecem nos principais estádios mostrados pelas câmeras de TV, mas, conforme mostram os relatórios que acabei de citar do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, os casos de racismo acontecem em todos os rincões deste país junto a jogadores, jogadoras, árbitros, árbitras e demais trabalhadores e trabalhadoras do futebol. Contudo, há um grupo que é pouco lembrado e que sofre uma discriminação silenciosa, sutil e menos cruel - Diogo Silva os citou na sua fala -: os torcedores e as torcedoras.
Houve, a partir dos anos 2000, sobretudo a partir da reforma e construção dos estádios no Brasil para os megaeventos esportivos, uma expulsão das camadas mais pobres desses estádios. Basta que os senhores e as senhoras vejam uma foto da torcida nos anos 70 e vejam uma foto hoje e já notarão o nítido embranquecimento do público. Há dados de pesquisas que provam isso também. Nós fizemos uma pesquisa com o Mineirão após a sua reforma durante três anos e notamos que as pessoas que eram dos bairros mais pobres da cidade de Belo Horizonte praticamente deixaram de frequentar o Mineirão.
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Para além desse afastamento realizado pelo preço dos ingressos, as regras e os controles impostos hoje nas arenas brasileiras inibem a espontaneidade, o torcer livre e criativo, e, mais grave ainda, impedem a formação mais humana do jovem torcedor. Há certa homogeneização do público. Muitos torcedores tiveram o estádio como espaço de formação, não só da paixão clubística, como também de um proceder junto à multidão, junto à diversidade.
Outro ponto a ser destacado é a abordagem policial, havendo muitas vezes abusos contra torcedores das torcidas organizadas. Há, por parte daqueles que pensam e organizam o futebol brasileiro, assim como da mídia em geral, uma tentativa de criminalização das torcidas organizadas, que têm no seu interior uma significativa presença de pessoas pobres e negras. A Lei Geral do Esporte têm avanços em determinados pontos, mas, no que se refere às torcidas organizadas, ela é dura. E, aí, ela necessita de um debate mais ampliado para não aumentar essa questão da criminalização e essa questão da punição a essas entidades.
Temos no atual Governo brasileiro um avanço no diálogo com os torcedores. Quando vemos na Secretaria Nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor alguém como o Alex Minduín, também ex-dirigente de torcidas organizadas e membro da Anatorg, instituição que vem buscando com qualidade e responsabilidade o debate amplo com os torcedores e o poder público, percebemos no atual Governo a retomada do diálogo com esses torcedores organizados. É muito importante que eles participem dessas questões que dizem respeito às políticas do futebol. Contudo, para que o racismo seja derrotado no futebol, precisamos lutar por projetos educacionais na escola e fora dela que debatam abertamente a temática. Permita-me aqui fazer a mostragem de um livro chamado O ensino do futebol: para além da bola rolando, onde nós procuramos mostrar a professores que trabalham com a questão do futebol possibilidades pedagógicas, inclusive discutindo a questão do racismo - é um dos capítulos -, que acontece no futebol. Então, nós precisamos cada vez mais trabalhar dentro desses projetos para que haja consciência dessas novas gerações sobre o tema.
Precisamos que a mídia participe ativamente desse projeto.
Temos que punir severamente as pessoas que cometem tais atos e, mais, punir seus respectivos clubes. Haverá, assim, um controle interno da própria torcida para que tais casos não ocorram.
E eu acho que há uma questão importante levantado pelo Marcelo: precisamos pensar quem são os julgadores hoje da Justiça Desportiva. Isso é muito importante. No futebol, era muito comum as pessoas atirarem objetos para o campo, cometendo agressões. A partir do momento em que os clubes passaram a ser punidos com perda de mando de campo, em que os clubes passaram a ser... Houve um controle interno da própria torcida para que esses atos não acontecessem mais. Então, vejo como fundamental que haja a punição dos próprios clube para isso.
Temos que dar um reforço positivo aos torcedores organizados, que só ganham visibilidade quando ocorrem casos de violência. Muitas vezes as torcidas organizadas... Muitas das torcidas organizadas não são envolvidas em casos violentos, fazem ações sociais muito interessantes, e isso não ganha visibilidade. Então, é importante que o poder público e a própria mídia tragam essa visibilidade, quando as pautas são positivas.
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Temos que democratizar os clubes, as federações, impedindo que as elites econômicas e brancas permaneçam desde sempre no comando do esporte.
Vinicius Jr. foi gigante na sua atitude. Certamente influenciará a reflexão de crianças e jovens que hão de se aproximar do futebol, mas essa atitude será inócua se não mantivermos diuturnamente o debate e a luta contra o fascismo no futebol e no mundo.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. PT - MG) - Muito obrigada, Prof. Silvio. É muito importante poder contar com a participação da academia, da ciência, dos pesquisadores num debate tão caro como esse.
O GEFuT da UFMG nos orgulha muito, sei do trabalho sério que esse grupo de pesquisa tem feito ao longo dos anos, e sua contribuição, sem dúvida nenhuma, enriqueceu muito a nossa discussão.
Queria também colocar aqui as considerações que vieram pelo e-Cidadania.
O João Lázaro, do Rio de Janeiro, coloca: "Punição para os clubes e torcidas não seria uma medida válida no enfrentamento ao racismo no esporte?".
A Adriana Lima, do Rio de Janeiro: "A CBF ou os times de futebol oferecem suporte psicológico e jurídico para os jogadores que sofrem ataques racistas?".
A Nathaly da Silva, de Pernambuco, coloca: "Quais são as estratégias que têm sido efetivas [construídas] na conscientização e educação para combater o racismo no futebol tanto dentro quanto fora dos campos?".
Eu queria pedir licença para a mesa para poder registrar a presença de dois grandes jogadores e também colocar à disposição da fala: o nosso Alex Minduim, como o Prof. Silvio colocou, está aqui presente - bem-vindo, é uma alegria poder contar com a sua presença nesse debate -; também o nosso grande zagueiro Edcarlos - é uma alegria ter você aqui, sabe que em Minas o Galão da Massa o ama demais.
Quero, então, passar para as contribuições do Alex.
O SR. ALEX SANDRO GOMES - Muito bom dia a todos e a todas.
Na pessoa da Deputada Dandara, do amigo Diogo, da nossa colega Ana e do Fabrício, quero agradecer pelo convite e dizer para vocês que evidentemente eu gosto muito de estar presente nas audiência públicas, sejam aqui no Senado, sejam na Câmara dos Deputados, para falar do futebol, para falar das torcidas organizadas, para falar inclusive das contradições que há na nossa sociedade, mas hoje, estando aqui pós-fato ocorrido com o atleta Vini Jr., me traz uma reflexão profunda do que o futebol e do que a arquibancada representam não só para o nosso país, mas também para a humanidade. E eu sempre digo que a arquibancada e o futebol são um reflexo real de uma sociedade. No que diz respeito à questão do futebol, quando trazemos para o nosso país, a gente vê explicitamente o racismo estrutural posto, colocado e sendo executado, em que os jogadores, que são a peça principal do evento, em sua maioria são jogadores negros, e os dirigentes de futebol são brancos.
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Para vocês terem uma ideia, evidentemente eu sou oriundo de torcida organizada, tenho orgulho de pertencer a uma torcida organizada, de vir desse meio e ser fruto do processo de formação da torcida organizada, mas também tenho orgulho de ser um torcedor organizado que ocupa pela primeira vez também um espaço de dirigente dentro de um dos maiores clubes do país, no caso, o Sport Club Corinthians, mas nós estamos muito distantes do que poderia ser essa sociedade, do que poderiam ser essas estruturas. É claro e evidente que o ocorrido na Espanha nos trouxe com clareza, infelizmente, como pensa boa parte, se não a maioria, daquela sociedade. Mas também é claro e evidente que nós podemos fazer desses espaços, da arquibancada, uma caixa de ressonância para se contrapor a esses racistas que tendem e que insistem, através das arquibancadas, sobretudo a partir da Europa, em colocar e manifestar o seu ódio.
Nesse sentido, Deputada Dandara, eu gostaria muito de não só me comunicar diretamente às torcidas organizadas do nosso país, à Associação Nacional das Torcidas Organizadas (Anatorg), que hoje é presidida pelo Luiz Cláudio, que vem fazendo um trabalho formidável, mas que elas possam dar uma resposta, de uma maneira uniforme, nas arquibancadas, através das festas, dos cantos, dos mosaicos e de suas batucadas, no sentido de se contrapor ao ocorrido na Espanha. Eu acho que as torcidas organizadas do nosso país, Diogo, têm uma responsabilidade ímpar nos próximos jogos, nas próximas rodadas, de mostrar a sua força, a sua energia, de mostrar o quanto esse movimento é importante para o futebol brasileiro, o quanto esse movimento tem contribuído, sobretudo, como você bem falou, com os jovens da periferia. Eu sou fruto desse movimento e eu tenho a plena certeza de que esse movimento vai atender o pedido dessa Comissão; nosso diretor Ronaldo está aqui presente.
E digo a vocês que se faz mais que necessário um processo de formação que envolva a formação dos jogadores de futebol, se faz mais que necessário o fortalecimento das associações de representações pretas no nosso país, para que elas possam dar estrutura e fortalecer inclusive a própria Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil no sentido do processo de educar, informar e formar esses jovens que estão inseridos dentro das torcidas organizadas.
Nós estamos falando, Deputada Dandara, de um movimento que representa quase 2,8 milhões de torcedores no país, sendo que 68% são compostos por jovens na faixa de 15 a 32 anos de idade. Nós estamos falando de um movimento que articula, através das suas ações sociais, cerca de quase 10 mil empregos diretos e 15 mil empregos indiretos, sobretudo em períodos de festas no Norte e Nordeste e na Região Sudeste do país, através das escolas de sambas, que são oriundas também das torcidas organizadas, e eu creio que esse movimento vai dar uma resposta à altura aos torcedores do Valencia, porque nós não aceitamos e não podemos continuar aceitando esses absurdos que partem das arquibancadas contra o racismo, contra a homofobia e contra a xenofobia.
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E a resposta virá do nosso país, eu tenho certeza disso.
O meu muito obrigado pela oportunidade, Deputada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. PT - MG) - Obrigada, Alex. É uma alegria lhe ver ocupando um espaço tão importante no Corinthians. Muito obrigada pela sua presença, que nos alegra muito.
Também quero passar para o Edcarlos, para a sua contribuição.
O SR. EDCARLOS CONCEIÇÃO SANTOS - Bom dia a todos! Bom dia a todas!
Deputada Dandara, Ana Míria, Fabrício, nosso colega Diogo, é um prazer imenso estar podendo falar com vocês neste momento e poder estar explicitando um pouco da minha experiência: são 20 anos vivenciando o futebol, que me deram muitas alegrias, não só para mim, como para toda a minha família. Eu venho de uma família de 7 irmãos; venho da Bahia, aos 15 anos. Como a própria Ana tinha comentado mais cedo, você sair do seu estado e ir para um estado diferente com 15 anos e ter que se virar debaixo de uma arquibancada e dar assim início a sua trajetória, essa é a minha trajetória. Eu posso dizer que, primeiramente Deus, depois graças à minha dedicação e ao meu talento, consegui. Mas muitos ficaram pelo meio do caminho por não terem tido, vamos dizer, um apoio - um apoio, muitas das vezes, da família, e não por não querer, mas sim por não poder dar esse apoio, tanto psicológico quanto financeiro. E muitos ficaram pelo meio do caminho, e tinham talento até, mas não conseguiram dar sequência.
E me referindo a essa questão do racismo, eu trato com indignação, e me tenho hoje como representante dos atletas também, que são meus amigos. Recentemente, eu me aposentei e hoje estou fazendo parte da Coordenação Geral do Esporte. Estou tendo essa oportunidade de estar aprendendo o outro lado, fora do campo, não é?
Então eu digo assim: o racismo não está só dentro do campo. Muitas vezes, aconteceu comigo de eu estar com a minha família em um resort, nas férias, coisas do tipo, e as pessoas olharem para o lado e já perguntarem: "Quem que é?". Elas saíam perguntando para os funcionários quem eu era, basicamente pela cor, por que ocupação que eu tinha, tipo assim: "Ah, não, um preto não pode estar aqui neste resort" - ou num restaurante de uma qualidade melhor. Você sente que as pessoas estão lhe olhando diferente. Então, são coisas que aconteceram muitas vezes dentro do meu próprio país. Eu tive a oportunidade de morar em Portugal, na Coreia do Sul, no México, morei no Paraguai, e muitas vezes eu não tive esse tipo de situação acontecendo comigo. E isso acontece muitas vezes no seu próprio país.
Dentro do futebol, acontece mais racismo neste sentido: quantos treinadores negros temos hoje? É a minoria. Então, eu acredito que há um racismo quanto a isso, com os nossos treinadores.
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Tem muitos ex-jogadores que são preparados, que estudaram, que fizeram os seus cursos, CBF e Fifa, e eu vejo que não têm tido as oportunidades que deveriam.
Quanto à nossa torcida, o racismo afasta o torcedor da arquibancada, porque, a partir do momento em que eu sou negro, e todo o estádio assistindo ao jogo, e uma torcida está tendo atos racistas, eu, sinceramente, não quero voltar mais àquele ambiente, para estar com meus filhos vivenciando esse tipo de situação. Então, eu acredito que tem que exigir mais veemência, atitudes contra o racismo e buscarmos continuar a luta não só do branco, mas do preto. Nas campanhas, não vir só o preto falar do racismo. Pessoas brancas que se sentirem indignadas têm que vir, têm que dar as caras, têm que falar, porque eu acho que soa de uma maneira diferente. E, assim, nós, juntos, poderemos ser mais fortes e conseguiremos mudar esse cenário, que é realmente repugnante. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. PT - MG) - Muito obrigada pelo seu relato, pelo seu testemunho, enriquece muito o debate da nossa audiência pública.
Eu queria mais uma vez lembrar que esse debate é iniciativa da Frente Parlamentar Mista Antirracismo, a qual o Senador Paim coordena aqui no Senado, eu coordeno na Câmara... Nós estamos somando esforços para fazer, cada vez mais, uma ação articulada, estratégica, de enfrentamento à discriminação racial entre as duas Casas. Nós queremos fazer com que o racismo seja um elemento que realmente organize a atuação parlamentar no campo dos direitos.
Nós conseguimos agora colocar, na Câmara dos Deputados, o racismo como um dos quatro temas estratégicos do Cedes. O Cedes é o Centro de Debates e Estudos Estratégicos, da Câmara, e, neste próximo biênio, nos próximos dois anos, o racismo será um dos temas prioritários sobre os quais a Câmara dos Deputados irá se debruçar.
Aqui, no Senado, o Paim tem incontáveis iniciativas, várias já num estado avançado de tramitação. Então, vai ser articulando essa ação com as duas Casas que nós faremos as temáticas e as proposições legislativas de cunho emancipatório para o povo negro e para a justiça social avançarem nessas Casas nestes próximos anos.
Eu queria agradecer muito a presença dos nossos convidados, debatedores, palestrantes...
Assim que nós tomamos ciência da gravidade de tudo que vem acontecendo com o Vini Jr. e da importância da ação dele, da repercussão do caso, enquanto Frente Parlamentar Mista Antirracismo nós já acionamos imediatamente o Ministério do Esporte, que prontamente nos atendeu, participamos ainda da reunião do Conselho Nacional do Esporte, apresentamos a solicitação para que essa frente acompanhe o grupo de trabalho que se formou para debater o racismo no esporte, já fomos atendidos... Também fomos ao Ministério das Relações Exteriores, nós nos reunimos com a Ministra Maria Laura, que estava, naquele momento, interina, como Secretária-Geral - não é isso? -, e apresentamos também demandas e reivindicações...
É muito importante ter o Itamaraty parceiro dessas ações, porque o Brasil é um grande celeiro de produção de grandes atletas. Nós exportamos atletas para o mundo inteiro. Então, nós temos que debater o racismo no Brasil, também contra brasileiros.
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E atletas negros brasileiros estão despontando nas mais diversas áreas, em segmentos do esporte. É muito importante mesmo ter o Itamaraty nessa parceria.
E também nos reunimos, semana passada, com a Ministra Anielle Franco, que estabeleceu uma relação muito importante com o Governo da Espanha para, de imediato, construir ações concretas do enfrentamento ao racismo na Espanha, mas nós sabemos que essa também é uma demanda de todo mundo, em especial da Europa, desses países de primeiro mundo, digamos assim. Reunimo-nos também com o Embaixador da União Europeia, que se colocou à disposição para construir conexões entre o Parlamento brasileiro e o Parlamento europeu para que a gente possa fazer também um intercâmbio de experiências do ponto de vista da legislação: o que nós temos de legislação aqui no Brasil, o que nós temos na Europa como um todo, quais são as trocas também em que podemos avançar. Esse diálogo tem acontecido. Estou muito feliz por isso ter avançado também.
Nós sabemos que o que ecoa na arquibancada de um estádio ecoa também na arquibancada da vida. Nós achamos que o futebol é um negócio que mexe com os nossos sentimentos mais profundos, que organiza o grupo de amigos, que organiza a família, que põe a gente sentado na frente da TV, ouvindo aquele radinho de pilha velho, que faz a gente ficar feliz, triste, em que o racismo está presente porque também não é uma bolha fora da sociedade. E, como o futebol mobiliza tantos sentimentos, que ele possa mobilizar os sentimentos educativos, emancipatórios, sentimentos críticos, sentimentos de transformação da sociedade, de modificar-se e também de modificar o mundo.
Por isso, nós queremos fazer desse ato, dessa movimentação uma movimentação que realmente atue para educar a sociedade. É fundamental esse olhar para a CBF, para as federações e confederações, como o Silvio e também o Marcelo colocaram, para a Justiça desportiva. É fundamental que a gente possa debater quem julga e quem está sendo julgado nesses procedimentos. É fundamental também para nós fazer do movimento legislativo um movimento de avanço e de transformação da sociedade.
Que o racismo nunca mais nos coloque no banco, que o racismo nunca mais nos impeça de jogar. Esse é o nosso desejo enquanto Frente Parlamentar Mista Antirracismo.
Eu peço que o que sai desta Comissão seja encaminhado para a Comissão de Direitos Humanos aqui do Senado, presidida pelo nosso Senador Paim, para que esta audiência pública possa também ressoar em tantos outros espaços legislativos, que os debates aqui de hoje sejam utilizados em todos os veículos de comunicação, tanto da Câmara quanto do Senado, que possam estar presentes nos meios em que se divulga o trabalho dos Parlamentares.
Declaro encerrada esta audiência pública, agradecendo a quem nos acompanhou presencialmente e também de forma remota.
O nosso trabalho continua.
Obrigada.
(Iniciada às 10 horas e 05 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 51 minutos.)