Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Bom dia a todos e a todas. Vamos dar início à nossa audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e aqui formalmente fazer a abertura dos trabalhos. Eu declaro aberta a 4ª Reunião, Extraordinária, remota, da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura. A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 7, de 2021, da Comissão de Direitos Humanos, de minha autoria, Senador Humberto Costa, com o tema "Nem fome, nem bala, nem Covid: população negra em defesa do bem viver", com o objetivo de debater sobre os impactos da pandemia do novo coronavírus na população negra do Brasil e a ausência de políticas públicas para o enfrentamento desta pandemia. A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do portal e-Cidadania, na internet, em www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800-0612211. Eu queria começar cumprimentando os integrantes da mesa que aceitaram o nosso convite para participarem dessa audiência pública, a começar por Dara Sant' Anna, Coordenadora Nacional do Coletivo Nacional de Juventude Negra; a Profa. Maria Aparecida do Carmo, pesquisadora em serviço sobre saúde da população negra e HIV/aids; Ana Georgina, que é a Supervisora Técnica do Dieese na Bahia; Givânia Maria, que é integrante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, e Silas Félix, que é representante do Coletivo Nacional de Juventude do Movimento Negro Unificado. Quero cumprimentar também os representantes das entidades que se fazem presentes no plenário, Eduardo Yohaness, representante de Agentes Pastoral Negros do Brasil; Ilona Açucena Chaves Gonçalves, representante do Movimento Negro Unificado; |
| R | Eldon Neves, representante do Unegro; Jean Pierre, representante do Instituto Nacional Afro-Origem, que é uma liderança do movimento negro aqui em Pernambuco; Cleber Santos Vieira, representante da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as; Jéssica Vanessa, representante da CEN; Lucas Nascimento, representante da Enegrecer; Gilberto Campos, representante do Círculo Palmarino; Ruan Philippe Marques, representante da Coordenação Nacional das Entidades Negras; além de Marcolino Vinicius Vieira, representante do Fórum Salve - Teia Nacional de Artistas em Transportes Coletivos; Rafael Vicente, representante do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira; Tatiana Oliveira, representante da Rede Antirracista Quilombação; e Arilson Ventura, representante da Coordenação Nacional de Quilombo. Quero saudar a todos e todas que estão acompanhando a transmissão desta audiência pública, outras pessoas que eventualmente estejam presentes, e cumprimentar os Senadores e as Senadoras presentes. Esta audiência pública tem por objetivo debater os impactos da pandemia da Covid-19 sobre as populações mais vulneráveis do nosso País não apenas fazendo essa avaliação do ponto de vista sanitário, do número de pessoas acometidas, do número de mortes e sequelas, enfim, mas tendo também outros eixos importantes, como a questão da educação, do emprego, da renda e da segurança pública. Na verdade, nós todos sabemos que a Covid-19 está longe de ser uma doença, digamos assim, entre aspas, "democrática"; ela atinge de forma diferente, e os seus efeitos são diferentes sobre cada segmento da sociedade. E, na condição de desigualdades, que nós temos no nosso País, na condição de exclusão social, a que muitos setores vulneráveis estão sujeitos no nosso País, nós sabemos que as mazelas que são causadas pela Covid-19 ocorrem de forma diferente para cada setor. As populações vulneráveis são aquelas que mais sofreram ao longo dessa pandemia, e isso reflete exatamente o cenário de profunda desigualdade que nós temos no nosso País. Quando nós fazemos o debate sobre pandemia e população negra, forçosamente nós temos que analisar aquilo que é uma das piores heranças, mas, do ponto de vista dos direitos humanos, é a pior herança da escravidão acontecida no nosso País, que é exatamente o racismo, que, apesar de ser um tema que já deveria ter sido banido da convivência em sociedade no mundo, é extremamente forte em boa parte dos países e muito especialmente aqui no Brasil. |
| R | E é realmente muito difícil termos que ainda continuar debatendo o racismo, porque ele é uma verdade institucional no Brasil. E ele se manifesta também por essa desigualdade, a dificuldade de acesso da população negra a bens, a serviços e, especialmente, às políticas públicas. Os efeitos da Covid-19 são extremamente graves. E hoje nós temos, no Senado Federal, funcionando uma CPI que está exatamente demonstrando esses efeitos deletérios e, ao mesmo tempo, investigando as responsabilidades por essa tragédia a que estamos submetidos neste momento. Mas os problemas não se reservam às mais de 530 mil pessoas que perderam a vida, mas principalmente às pessoas de maior vulnerabilidade, que na sua maioria se compõe de pessoas negras, que lutam diariamente contra o vírus, contra o desemprego, contra a falta de serviços básicos, de escolas e contra a violência em particular. Então, eu queria dar início à nossa audiência, não sem antes fazer um registro aqui profundamente triste. E eu quero aqui me solidarizar com os familiares, com os amigos, companheiros e com toda a comunidade LGBTQIA+ pela morte, pelo assassinato da mulher trans Roberta Nascimento da Silva, que foi queimada viva, aqui em Recife, no Cais de Santa Rita, na madrugada do último São João. Roberta faleceu no dia 9 e passou por um tempo de muito sofrimento internada na Unidade de Tratamento Intensivo de um dos nossos principais hospitais, teve dois braços amputados, na tentativa de salvá-la, mas infelizmente não resistiu. E, aqui em Pernambuco, nós temos um quadro de muita dificuldade, uma série de assassinatos que foram feitos contra mulheres trans. Além de Roberta, Kalyndra Nogueira foi assassinada pelo seu companheiro no bairro do Ipsep, no dia 18 de junho; Crismilly Pérola foi brutalmente assassinada no bairro da Várzea, aqui em Recife também, no último dia 5 de julho; e Fabiana foi assassinada com vários golpes de faca em Santa Cruz do Capibaribe, no dia 7 de julho - tudo isso aqui em Pernambuco. A nossa comissão repudia veementemente esses atos de violência brutal contra a comunidade LGBTQIA+. Rejeitamos aqui e denunciamos esses atos de tamanha perversidade que precisam ser apurados e punidos. É dever de todos nós garantirmos que as identidades de gênero e orientações sexuais sejam respeitadas. Após esses registros, eu concedo a palavra ao Sr. Silas Félix, que fará a leitura de uma carta das entidades dos movimentos negros à Comissão de Direitos Humanos e ao Senado Federal. |
| R | Após a leitura da carta, teremos a ordem de inscrição, por dez minutos, para Givânia Maria; a Professora Aparecida do Carmo; Dara Sant'Anna; e Ana Georgina da Silva Dias. Então, com a palavra Silas Félix para a leitura da carta. O SR. SILAS FÉLIX (Para expor.) - Bom dia a todos e todas! Eu me chamo Silas Félix. Sou aqui do Coletivo Nacional de Juventude do MNU e Coordenador-Geral do MNU de Salvador. Primeiro, eu queria agradecer o espaço ao Senador Humberto, à Comissão de Direitos Humanos, em um momento tão delicado por que a gente está passando, no meio de uma pandemia de Covid-19, com vários retrocessos. E ser aberto este espaço no Senado Federal, para a gente expor nossas demandas, expor o nosso projeto e fazer a denúncia de tudo aquilo que está acontecendo, é um momento muito importante e muito simbólico para a gente. Eu vou ler aqui a carta que o conjunto das entidades preparou para ser entregue à Comissão de Direitos Humanos e ao Senado, no intuito de fazer uma denúncia sobre tudo que está acontecendo e propor caminhos, para a gente fazer o debate e solucionar esse problema, que é tão grave no nosso País. Carta das Entidades do Movimento Negro à Comissão de Direitos Humanos no Senado Federal e aos Senadores. Uma das primeiras vítimas da Covid-19 no Brasil foi uma empregada doméstica de 63 anos infectada por sua patroa, que havia retornado recentemente de uma viagem à Itália. O caso ocorrido em 17 de março de 2020 (Falha no áudio.) ... é sintomático de como a pandemia (Falha no áudio.) ... não mudaram muito. Ao nos aproximarmos da metade do segundo ano de pandemia de Covid-19, doença que já matou mais de 500 mil pessoas no Território nacional e pela qual pessoas negras têm maior probabilidade de serem infectadas e virem a óbito, os negros têm 37,5% mais chances de óbitos por Covid-19 do que a população branca. É cada vez mais urgente a discussão sobre o papel do Estado não só na promoção da saúde, mas também de segurança elementar e estabilidade financeira da população negra durante a pandemia. Entretanto, não é isso que acontece na gestão do Governo Federal, que segue tentando omitir dados da situação da pandemia no País, inclusive em relação a raça e cor, na tentativa de tornar inviável distinguir a parcela da população que é mais exposta e afetada pelo vírus e traçar estratégias para propor soluções, negando o racismo estrutural existente na sociedade brasileira. O genocídio brasileiro - projeto perpetrado pelo desmonte do Estado, por meio do Governo Bolsonaro, desconstrução das políticas públicas organizadas por meio do Governo Lula e Dilma e esfacelamento das instituições nacionais - tem, nitidamente, a população negra como um dos seus principais alvos. O que estamos vivendo, sob o Governo Bolsonaro, é resultado de um projeto iniciado em 2016, com um golpe parlamentar ao Governo Dilma, mas também da PEC do fim do mundo, que congela os gastos do Estado dos três Poderes por 20 anos, seguida (Falha no áudio.) ... por todas as outras reformas para eliminar as vidas que o neoliberalismo sempre julgou sacrificáveis por seus lucros. |
| R | Portanto, precisamos debater com seriedade o aumento dos moradores de rua, catadores de recicláveis e viciados em entorpecentes, que são, em grande parte, membros da comunidade negra e vítimas do projeto do atual Governo. (Falha no áudio.) O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Alô? Alô? Parece que tivemos aí um problema. Todos me escutam? A SRA. GIVÂNIA MARIA DA SILVA - Sim, Humberto, sim. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Parece que tivemos aqui um problema com a fala do nosso Silas. Vamos dar seguimento, então. Quando ele estiver em condição, ele retorna e a gente devolve a palavra para que ele possa concluir a leitura da carta. Eu queria, então, passar a palavra à nossa querida Givânia Maria da Silva. Você tem dez minutos para fazer a sua colocação. Nós vamos ter aqui também uma tolerância, mas fique à vontade para abordar esse tema de tão grande relevância para o nosso País. Com a palavra, Givânia. A SRA. GIVÂNIA MARIA DA SILVA (Para expor.) - Bom dia, Senador, na pessoa de quem eu cumprimento as Senadoras, os Senadores, os demais Parlamentares desta Casa. Quero cumprimentar os meus companheiros e companheiras que estão aqui, do Movimento Negro, saudar a todos; agradecer o espaço para essa conversa, que eu acho que é uma conversa extremamente necessária, e parabenizá-lo, Humberto, pelo seu trabalho. Eu sou muito orgulhosa do seu trabalho aqui em Pernambuco, no Brasil, como Parlamentar do Partido dos Trabalhadores. Então, queria parabenizá-lo por ser esse parceiro que se coloca junto com os movimentos sociais nessas trincheiras, principalmente dos movimentos com pouca voz ou com pouco espaço... Pouca voz, não; nós temos muita voz, mas temos pouco espaço para expor essas vozes. Então, em nome da Coordenação Nacional de Quilombos, eu queria fazer essa saudação. Bom, quero dizer que para nós negros e negras a pandemia - no caso, vou falar especificamente do tema quilombola, que é de onde eu falo - chegou para nós num momento em que nós já estávamos, como sempre estivemos, desde que fomos arrancados do continente africano, em meio à guerra, uma guerra permanente, que é a guerra do extermínio e do genocídio da população negra. Para nós quilombolas, isso se materializa de forma muito violenta, sobretudo quando reivindicamos um direito que esta mesma Casa em que você está assegurou na Constituição de 88. E eu queria trazer alguns dados muito rapidamente, porque o tempo é curto, mas, Humberto, o golpe de 2016 foi majoritariamente à população negra e às populações mais vulneráveis. Os dados que você leu aí da população LGBTQIA+ são um retrato, um reflexo disso. |
| R | E nós quilombolas, Humberto, entre 2016 e 2018, vimos aumentar em 350% o número de assassinatos de quilombolas. Isso é, qualquer aumento, um absurdo em todo e qualquer grupo! É você ter um aumento! Acontece o golpe em 2016, e em 2017 esses dados já são visíveis - então, é para a gente ver. E esses dados, Humberto, são exatamente... Essas lideranças são assassinadas exatamente quando elas procuram o Estado brasileiro para que o Estado cumpra o que está na Constituição. Então, isso é muito grave! E não há outra linguagem, não há outra forma de a gente externar isso para a sociedade brasileira sem a gente reconhecer que esse é um genocídio. Por outro lado, nós temos um Governo que se elegeu, Humberto, anunciando como plataforma de Governo perseguir a população negra, os quilombolas em particular - nominadamente os quilombolas -, e as populações indígenas. Mesmo assim, os brasileiros, por meio de fake news ou não, o elegeram Presidente da República. Mas o Presidente do desgoverno anunciou isso ainda como plataforma de Governo - ele não disse isso depois da eleição, Humberto: ele disse isso antes -, e mesmo assim a sociedade pagou para ver. Só que a questão é que não somos nós indígenas e quilombolas que estamos sofrendo os efeitos: são todos os brasileiros, com a exceção da elite, não é? Essa não sofre, porque essa está aí... A CPI, que eu tenho acompanhado - e tenho visto o seu trabalho na CPI -, é isto: eles estão aí com um cartel para sugar ainda mais, ou para beber do sangue das mortes de mais de meio milhão de pessoas. Isso é muito grave, é muito revoltante! Bom, a pandemia chega no momento em que o Governo já havia desmontado toda e qualquer política e estrutura de elaboração de implementação de política de igualdade racial. Nós já não tínhamos mais Seppir - a Seppir hoje não existe, é um órgão de ficção -, nós temos o Incra entregue aos ruralistas, nós temos o MDA extinto, e nós temos os conselhos, todos, de participação destituídos. Então, os quilombos já estavam - como sempre, mas já estavam - muito mais vulneráveis. E as pessoas, Humberto, têm me perguntado o que a pandemia trouxe para os quilombos. Eu tenho respondido, meu companheiro, de forma muito simples: o que trouxe para o resto do mundo. A questão não é essa, a questão, a pergunta é: como estavam os quilombos quando a pandemia chegou? E nós já estávamos asfixiados. Nós já estávamos asfixiados, porque o fôlego que nós ganhamos, de 2003 a 2015 e começo de 2016, esse oxigênio que eram as políticas já havia sido tirado. Isso é muito grave! Bom, então nós estamos, agora, neste momento da pandemia, com mais de um ano da pandemia em que, para sermos vacinados - você conhece, porque o Partido dos Trabalhadores também é parte desse processo -, precisamos acionar o Supremo Tribunal Federal para que as populações quilombolas, os quilombos pudessem ser colocados como prioridade na vacina. Não tem sido fácil essa garantia, Humberto! Tem sido dolorosa, tem sido traumática. Há um GT que, para além de vacinar, propõe outras ações, e esse GT não deslancha, porque o Governo não tem mais orçamento, não tem vontade política, e ele quer mesmo é continuar matando pessoas, vacinando menos. E as pessoas do grupo menos vacinado no Brasil ainda somos nós negros. Então, nós estamos diante disso. E nós da Conaq conseguimos... Para a gente saber, Humberto, olhe só: você foi Ministro da Saúde, você é da área da saúde, um estudioso desse tema. E para nós sabermos, Humberto, quantos quilombolas foram contaminados e quantos foram mortos, a Conaq fez uma plataforma, um sistema, porque o Governo não sabe! Se você chegar hoje e pedir ao Governo Federal uma informação sobre quantas pessoas quilombolas foram acometidas com a Covid, ele não vai ter, porque ele não sabe, porque é um Governo que tenta a todo custo exterminar, eliminar a possibilidade desse direito a esses sujeitos, assegurado pela Constituição de 1988. |
| R | Outro dado agravante é a questão do ensino remoto. Olhem, é uma quase uma piada - quase uma piada! - você exigir que um sujeito acesse a escola por meio remoto quando ele ainda não teve acesso à internet, quando muitos deles ainda não acessaram a energia. Nós íamos numa crescente de acesso das populações mais tradicionais, das populações tradicionais, das populações a um maior nível de acesso à energia, mas isso parou, Humberto, isso ficou com o golpe. Isso o golpe levou! Esse programa não existe mais, assim como não existem os demais. O que eu costumo dizer, Humberto - e eu sou da educação, você me conhece -, é que, se nós já estávamos atrás na fila, a pandemia somada a este desgoverno talvez nos coloquem ainda nem na fila. Se nós ainda estávamos na fila para acessar um direito constitucional, eu diria hoje, Senador, que nós já não estamos mais nem na fila, porque quem está na fila, um dia, pode chegar, e a situação em que nós estamos é a de quem ainda não está na fila ou já não está mais na fila - já esteve na fila e hoje já não está mais. Penso que nós precisamos de espaços como este para que a gente possa denunciar esses absurdos, que já são sabidos por todo mundo, todo mundo sabe o que vem acontecendo neste desgoverno, mas, ao mesmo tempo, Humberto, para sensibilizar esta Casa para tomar medidas mais efetivas. Não é possível que a gente vá conviver com a Emenda Constitucional 95! Não é possível que, depois de tudo isso, depois de jogar para as populações o fardo que é da elite, depois de jogar para a população o saldo de um desgoverno, a gente continue ainda achando que, em saúde e educação, tudo que gasta é gasto, não é investimento. Enquanto isso, a gente vê o que temos visto em nosso País. Creio que o meu tempo está encerrando, mas eu queria, Humberto, ler aqui para você e para os demais Senadores e Senadoras os dados que nós da Coordenação Nacional... Conseguimos fazer parecendo uma brincadeira que a gente fazia em Pernambuco, Humberto, há 20 anos, fazendo na marca do papel de pão, porque é um trabalho artesanal. Nós vamos a cada Estado, a cada liderança quilombola do Estado para que a liderança descubra quais foram os quilombolas que... Humberto, isso é saúde pública, isso é serviço público! Nós estamos fazendo um serviço que é do Estado! Hoje, infelizmente, dos dados que nós temos, nós identificamos que 5.431 quilombolas foram contaminado com a Covid. Desses, 279 já nos deixaram. |
| R | Humberto, eu finalizo dizendo que quando uma liderança indígena, uma liderança quilombola ou uma liderança de terreiro tem a vida interrompida brutalmente dessa forma, não são apenas as vidas e os corpos, mas são a história desses e dessas, porque são histórias que não estão escritas, estão na memória, estão na oralidade. Então, nós perdemos as pessoas, Humberto, e perdemos a história desses grupos e dessas populações. Muito obrigada, muito obrigada a todas. Vou ouvir as demais companheiras e companheiros. Espero que a gente possa respirar para sair deste caos em que o Brasil se meteu não por falta de aviso, não por falta de possibilidade, mas pela miopia que a elite branca deste País impregnou nas pessoas a ponto de elegerem um assassino para governar o nosso País. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Givânia, pelas suas palavras de muita sabedoria, acima de tudo de uma defesa muito firme dos princípios que norteiam todo o trabalho do movimento dos quilombolas em todo nosso País, da luta contra o racismo e, acima de tudo, da luta contra os efeitos deletérios que a pandemia da Covid teve sobre a população negra do nosso País. Eu vou repassar a palavra a Silas Félix, para que ele possa concluir a leitura da carta, que foi interrompida porque a internet dele caiu. Com a palavra Silas. (Pausa.) Alô? Parece que deu problema de novo a internet. Silas? (Pausa.) Então, vou passar novamente a palavra a outra das nossas convidadas, a Professora Aparecida do Carmo, que é pesquisadora em serviço sobre saúde da população negra e HIV/aids. Com a palavra Maria Aparecida. A SRA. MARIA APARECIDA DO CARMO (Para expor.) - Bom dia a todas, a todos e a todes! Eu gostaria de agradecer o convite, que me chegou inicialmente pelo Eduardo, Jovens APNs, e agradecer à Comissão de Direitos Humanos, cumprimentando o Senador Humberto Costa e os demais companheiros e companheiras que estão partilhando desta Mesa, Dara, Ana, Givânia e o Silas. Eu sou Aparecida do Carmo Miranda Campos, sou assistente social, mestre em saúde coletiva e sou também agente de Pastoral Negros do Brasil. E ficou para mim a demanda de falar um pouco sobre a saúde da população negra, da qual vou fazer uma apresentação rápida. (Pausa.) |
| R | Só um pouco... (Pausa.) Eu estou com uma dificuldade de entrar aqui, mas eu vou falando, então, para a gente não perder o tempo. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Fique à vontade. A SRA. MARIA APARECIDA DO CARMO - Falar da questão da saúde da população negra e falar que a gente tem que conversar sobre "nem fome, nem bala, nem Covid" numa população negra que defende o bem viver é a gente dizer, na "nem fome", como isso está se dando a partir da questão da assistência social. Então, eu peguei como tema: "Pesquisadores da Rede de Pesquisa Solidária apontam regras excludentes, centralização e estratégia digital como principais problemas de implementação". E aí a gente vê, por aí, quando vai falar da fome, que 30 milhões de trabalhadores ficaram fora do auxílio emergencial em função da meta e da maneira como o Governo brasileiro fez o processo de inclusão, um processo de inclusão onde, para poderem ter acesso ao auxílio emergencial, foi preciso que as pessoas usassem tecnologia. E, quando a gente pensa na população mais pobre e na população negra, pensar na tecnologia, pensar na possibilidade de acesso, às vezes, a um celular ou a uma internet é praticamente inviável. Então, este já foi, com certeza, um modo excludente que ele escolheu para poder deixar, então, a grande massa da população fora desse auxílio emergencial. Então, pensar em "nem bala", eu pego, então, como exemplo, o Atlas da Violência, que diz que assassinatos de negros aumentaram 11,5%, em dez anos, em detrimento da população - da outra população - não negra, que diminuíram 12,9%. Então, em 2018, os negros representaram 75% das vítimas de homicídios. E, segundo o estudo, a discrepância entre as taxas de homicídios dos dois grupos significa que, para cada indivíduo não negro morto em 2018, dois, quase três indivíduos negros eram mortos. Então, como é que a gente pensa nisso, como é que pensa nessa possibilidade de, neste momento, fazer uma defesa do bem viver sem bala e nem Covid? |
| R | E aí eu pego uma pesquisa que saiu agora, no dia 7 de julho: os negros são os que mais morrem por Covid e os que menos recebem vacinas no Brasil. As áreas das cidades com as piores condições são também aquelas onde a cobertura vacinal é menor. É uma constatação que contraria frontalmente o princípio da equidade, tão importante para o SUS, assim como o direito à saúde e à vida. E, para exemplificar: uma das áreas do distrito de Pinheiros, em São Paulo, apresenta uma cobertura vacinal de 50,1% com a primeira dose e de 26% com a segunda dose, em detrimento de uma área do distrito do Jardim Ângela, que tem a segunda menor cobertura vacinal na cidade, que vacinou 8,5% com a primeira dose e 1,2% com a segunda dose. Então, quando a gente faz esse comparativo da questão vacinal e de como chega a vacina no Brasil, a gente reforça o que a Givânia já falou, o que a carta do Silas vinha dizendo: que a população negra, que é a população pobre, que é a população que trabalha, que circula, que precisa usar transportes mais cheios e que tem que sair para trabalhar, é a população que menos está sendo vacinada e é a população que está morrendo mais. Então, nesse cenário, esse grupo com maior risco de adoecer e morrer pela Covid é a população negra. E a Marcia Pereira, do GT de políticas contra o racismo, da Abrasco, diz para a gente que, na prática, isso quer dizer, para determinados grupos, que as condições de vida os afetam de forma a torná-los mais expostos ao adoecimento e à morte. E aí o que a gente vê é que existe a política integral de saúde da população negra, mas essa implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra avança a passos lentos no âmbito do Ministério da Saúde. E aí o que a gente diz? Isso é racismo institucional? A gente precisa questionar isso, porque a luta do movimento negro representada nessa questão da saúde, principalmente pelas mulheres negras, já é luta de 50 anos, ela começou na década de 80, na década de 70/80. Discutindo a questão de saúde reprodutiva da mulher, a pesquisadora Emanuelle afirma que os agravos de morte para a população negra, que aconteciam de forma diferenciada quando comparados aos dos brancos, continuam hoje. Mesmo com um sistema de saúde que tem como princípio o acesso universal e equitativo, a saúde, orientada por ações chamadas de ações integrais e horizontais voltadas para a população universal, ela acaba não atingindo a população igualitariamente. É que não dá para ser igual, porque existe um diferencial entre o atendimento da população em geral e de populações consideradas minorias. É diferente a forma de atender saúde para quem é branco, para quem é negro, para quem é indígena ou para quem é LGBT. E é preciso que as políticas sejam mais focalizadas. |
| R | Então, pensando na política de saúde da população negra, em 1996, ocorre a introdução do quesito raça/cor no sistema de saúde do Ministério da Saúde, mas, em compensação, ele só vai ser de verdade aplicado, vai ser exatamente instituído e aplicado obrigatoriamente em 2017, com uma nova portaria de 2017. E aí fica muito difícil falar da saúde da população negra se a gente não pensar em algumas coisas que são produtos da população, do programa da política de saúde da população negra, que se fazem necessárias e que a gente precisa discutir, Senador, e implementar, porque, neste momento, o que a gente vê é toda e qualquer política parada, mesmo as que já tinham sido conquistas anteriores. Assim, os estudos da questão racial no Brasil são impactos das relações sociais. E a gente precisa pensar como é que a gente faz para que esses impactos possam, de fato, efetivar essa política de implementação. É preciso, então, necessariamente, que os gestores das três esferas de política ajudem na questão da implementação dessa política integral; é preciso que o Conass e que o Conasems, que têm representantes diretos nessas secretarias de saúde, possibilitem essa discussão e motivem a discussão para que os Municípios e Estados montem seus comitês técnicos de saúde da população negra, para atender essa população, o que continua aquém da saúde universal que a gente considera SUS. Essa política tem que abranger os programas de diversas secretarias e órgãos vinculados ao Ministério da Saúde, de acordo com os princípios e as diretrizes do SUS. Então, assim, isso é defesa do bem viver. Quando a gente fala da questão do bem viver - hoje o bem viver está sendo discutido na América Latina como um todo -, a gente tem que pensar que o Brasil não pode ficar fora disso. A gente está num momento de governo que é um desgoverno, que desconstrói toda e qualquer política, e a política integral de saúde da população negra não ficou de fora. É preciso dizer que direitos de bem viver são direitos a água, alimentação, ambiente são, comunicação e informação, cultura e ciência, educação, moradia, saúde, trabalho e seguridade social. Então, se isso não acontece no conjunto, o que acontece é o desmonte de todas as políticas e, junto com essas políticas, da política integral de saúde da população negra. A população negra está doente, a população negra está na UTI. |
| R | É preciso olhar para essa política de saúde universal e que o SUS, tão importante, tão parceiro e tão transversal na vida das pessoas, possa também dar uma resposta nessa política, para que a gente tenha menos pessoas sofrendo em sua saúde mental em função de balas - as mães sofrem, as pessoas sofrem demais -, menos pessoas com possibilidade de menos acesso à questão de alimentação, à questão de emprego, à questão de moradia, de políticas públicas, e também que a gente possa, então, fazer com que, apesar da desigualdade que traz a Covid, na saúde possa haver equidade para a população negra. Paro por aqui. Agradeço. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Dra. Maria Aparecida, Pesquisadora em Serviço sobre Saúde da População Negra e HIV/Aids. Muito importante a sua fala no sentido de demonstrar a necessidade de que as políticas de saúde, especialmente para o nosso País, sejam cada vez mais focadas naqueles segmentos, naqueles setores para os quais a questão da universalidade ainda é algo distante. O direito integral à saúde, a obrigatoriedade do Estado de garanti-lo para muitos setores da nossa sociedade, como eu disse, ainda é uma realidade distante. Então, a sua fala chama a atenção para essa preocupação com o fato de que um sistema que já demonstrou toda a sua relevância, sua importância, pelo fato de ser gratuito, pelo fato de garantir a assistência integral, pelo fato de ser universal, precisa trabalhar com o dado de realidade de que a desigualdade influi fortemente na capacidade do sistema de desempenhar o seu papel dentro desses princípios. Muito interessante a sua fala. Eu queria agora convidar para usar da palavra a Dra. Dara Sant'Anna, que é Coordenadora Nacional do Coletivo Nacional da Juventude Negra. Aliás, antes disso, me parece que agora o Silas vai conseguir concluir a sua leitura. É possível, Silas? (Pausa.) Peço que libere o som para ele. O SR. SILAS FÉLIX (Para expor.) - Pronto, pronto. Sim, consigo. Primeiro, eu queria pedir desculpas, porque o notebook estava se desconectando da internet, mas já resolvi o problema, não acontecerá novamente. Vou voltar a ler a carta do início. Eu não sei exatamente a hora em que caiu; quando olhei, já não estava mais dentro da sala. Então vamos. Carta das entidades do Movimento Negro à Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal e ao Senadores. Brasília, 12 de julho de 2021. Uma das primeiras vítimas da Covid-19 no Brasil foi uma empregada doméstica de 63 anos, infectada por sua patroa que havia retornado recentemente de uma viagem à Itália. O caso ocorrido em 17 de março de 2020 já era sintomático de como a pandemia se desenrolaria no Brasil e hoje, mais de um ano depois, as coisas não mudaram muito. |
| R | Ao nos aproximarmos da metade do segundo ano de pandemia de Covid, doença que já matou mais de 500 mil pessoas no território nacional e pela qual pessoas negras têm maior probabilidade de serem infectadas e virem a óbito, os negros tem 37,5% mais chances de óbito por Covid-19 do que a população branca, é cada vez mais urgente a discussão sobre o papel do Estado, não só na promoção da saúde, mas também de segurança alimentar e estabilidade financeira da população negra durante a pandemia. Entretanto, não é isso que acontece na gestão do governo federal, que segue tentando omitir dados da situação da pandemia no país, inclusive em relação a raça e cor, na tentativa de tornar inviável distinguir a parcela da população que é mais exposta e afetada pelo vírus, e traçar estratégias para propor soluções, negando o racismo estrutural existente na sociedade brasileira. O genocídio brasileiro, projeto perpetrado pelo desmonte do estado por meio do governo Bolsonaro, desconstrução das políticas públicas organizadas por meio dos governos Lula e Dilma e esfacelamento das instituições nacionais tem nitidamente a população negra como um de seus principais alvos. O que estamos vivendo sob o governo Bolsonaro é resultado de um projeto iniciado em 2016 com o golpe parlamentar no governo Dilma, mas também da “PEC do fim do mundo”, que congela os gastos do estado dos 3 poderes por 20 anos, seguida então por todas as outras reformas e retiradas de direitos, fragilizando nosso povo e agora usando a pandemia para eliminar as vidas que o neoliberalismo sempre julgou sacrificáveis por seus lucros. Portanto precisamos debater com seriedade o aumento dos moradores de rua, catadores de recicláveis e viciados em entorpecentes, que são em grande parte membros da comunidade negra e vítimas do projeto do atual governo. O que vemos hoje na sociedade é sintoma do esgotamento do mínimo que poderia funcionar no capitalismo, havendo uma concentração de poder em mãos brancas cada vez mais autoritárias com quem está na base da pirâmide social. Essas mesmas mãos se aproveitam das condições impostas pela pandemia para retomar o discurso de que uma parcela da população precisa ser eliminada pelo bem do coletivo, sendo esse sacrifício voltado sempre à população negra, tendo nossos jovens como principais vítimas. É triste ver a juventude negra que se envolve com o tráfico de drogas ou sendo morta pela polícia ou encarcerada, e o sistema penitenciário brasileiro que naturalmente já não ressocializa nada, só criando uma demanda por vingança devido aos maus tratos e à corrupção que é parte da sua estrutura. Com a chegada da Covid transformou as prisões em campos de concentração onde os nossos jovens podem ser mortos e a culpa, posta no vírus, o governo ainda tentou retirar a população privada de liberdade da lista de prioridades do Plano Nacional de Imunização. O projeto político genocida fica muito nítido quando você olha pra vida do jovem preto, pobre e favelado, que não tem expectativa de vida e precisa se submeter ao trabalho no tráfico ou ao subemprego para matar a fome das pessoas dentro de casa e caso seja enviado ao sistema de justiça do país, tem que lidar com essa realidade. Se não fossem as ações promovidas pelos movimentos sociais, a situação nas favelas seria ainda mais grave. Nós entramos numa estratégia de romper com esse sistema a partir de um movimento de aquilombamento para que juntos e juntas possamos falar “parem de nos matar”. |
| R | Porém também precisamos seguir vigilantes para a juventude que conseguimos manter fora desse ciclo de morte do Estado. Devido ao desmonte da educação promovido nos últimos anos e à negação do governo federal em garantir o acesso à educação básica durante a pandemia, muitas pessoas estão saindo dos espaços conquistados por nossas lutas devido à falta de acesso a meios para acompanhamento das aulas, Bolsonaro ainda entrou no STF para não precisar garantir as verbas para acesso a internet de alunos e professoras de escola pública, ou pela necessidade de trabalhar para compor a renda familiar. As universidades neste governo não conseguem manter as políticas de assistência estudantil que ajuda os estudantes mais vulneráveis a permanecer estudando devido aos diversos cortes e contingenciamento realizados pela gestão Bolsonaro, inclusive 56 Universidades ameaçaram fechar as portas esse ano por falta de recurso para manutenção de sua estrutura, um total revés da política de expansão e inclusão universitária. Junto a isso temos a crise de empregabilidade que preocupa os jovens que investiram na educação superior por meio do processo do FIES, e precisam pagar a dívida, portanto precisamos pensar em como garantir a criação e execução de políticas a educação que garantam educação de qualidade ao nosso povo. Diante de todo esse cenário, é ainda urgente discutir o que é de fato ser jovem no Brasil, considerando a realidade econômica e trabalhista da juventude negra no país. Por estarmos num momento histórico, é preciso ter coragem para se dedicar à construção coletiva de um projeto para a população negra não só contra o vírus, mas também contra os diversos efeitos causados pela má gestão da pandemia e do Estado que irão repercutir por mais alguns anos. É, portanto, função do Movimento Negro buscar alternativas para o bem viver do nosso povo e lutar para que o Estado assuma a responsabilidade por promover as ações que garantam nossos direitos conquistados. Por esta razão, nós, o conjunto do movimento negro do Brasil, viemos em unidade através da convergência negra, denunciar as ações nefastas que este governo comete contra nossa população, gerando um verdadeiro genocídio, e acumular para construção de um programa de bem viver para a população negra, um projeto em prol da vida e da liberdade. Dito isto, trazemos uma série de temas cruciais que precisam ser debatidos e resolvidos, que são pautas do movimento negro e de benefício geral da sociedade. Como as recomendações da CPI do Assassinato de Jovens de 2015-1016, que caminhou para apoiar a aprovação da PEC nº 51, de 2013, que reestrutura o modelo de segurança pública a partir da desmilitarização do modelo policial, que se encontra arquivada no Senado Federal. O apoio da PEC nº 126, de 2015, que institui o Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Superação do Racismo e Reparação de Danos, que está perdido na câmara dos deputados. O Projeto de Lei 239 de 2016 que acaba com os autos de resistência, e que está parada no senado. E o Projeto de Lei 240 de 2016 que se encontra na câmara como PL 9796/2018, e institui o Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens, e que também está parado. |
| R | Para além disso, é necessária a continuidade da Lei de cotas, Lei 12.711/2012 que será revisada no ano de 2022. A reversão da PEC 95, que congelou os gastos do estado por 20 anos. Uma reforma tributária com taxação de grandes fortunas, dos lucros e dividendos. Se torna extremamente necessário também devido ao cenário de mais de meio milhão de mortes pelo coronavírus, o aprofundamento das investigações da CPI da COVID-19, que sejam imparciais e que encontrem os culpados pela gestão desastrosa e criminosa que vem sendo feita. Assinam essa Carta: Movimento Negro Unificado - MNU Coletivo Nacional de Juventude Negra - ENEGRECER Instituto Nacional Afro-Origem - INAO União de Negras e Negros Pela Igualdade - UNEGRO Coordenação Nacional de Articulação das comunidades negras rurais e quilombolas - CONAQ Coletivo de Entidades Negras - CEN Agentes Pastorais Negros do Brasil - APNs Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros (as) - ABPN Coletivo Nacional de Entidades Negras - CONEN Rede Antirracista QuilomboAção Círculo Palmarino Centro Nacional de Africanidade e Resistência - CENARA Desculpa novamente por ter caído das outras vezes, mas agora, lida a carta, é aberto para o debate, para as contribuições de todos. Obrigado, Senador, pelo espaço e obrigado por abrir novamente, apesar de ter caído duas vezes. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - O.k. Muito obrigado, Silas. Muito relevante a carta. Nós trataremos de fazer chegar a todos os Senadores esse documento importante e respaldado por tantas entidades relevantes e que, inclusive, trata de temas que estão hoje na ordem do dia das discussões do Senado Federal. De imediato, eu passo a palavra à Dara Sant’Anna, que é Coordenadora Nacional do Coletivo Nacional de Juventude Negra, para que ela possa também fazer uso da palavra. A SRA. DARA SANT'ANNA CARVALHO IGNACIO (Para expor.) - Bom dia a todos e todas. Queria agradecer o convite, na figura do Senador Humberto Costa. A gente está num período muito duro com o índice de morte por Covid; as operações policiais que não cessam, a despeito da decisão do STF, na ADPF nº 635. E é a partir disso que eu vou falar: qual é a segurança pública que nós queremos? E o que nós entendemos enquanto segurança pública? Porque o que tem sido feito até agora de política de enfrentamento às drogas e de política de combate à criminalidade tem servido como genocídio, e tem servido como genocídio porque 74,4% das vítimas da violência letal no Brasil são negras. Isso é um índice, e a gente sabe que os índices com relação ao genocídio e às mortes nas operações policiais estão divulgados em diversos fóruns, em diversas pesquisas que têm sido apresentadas. E a pandemia acirrou esse processo, não é? A gente tem, no período da pandemia e no primeiro semestre de 2020, um aumento de 7,3% das mortes violentas e intencionais. Uma pessoa é assassinada a cada dez minutos, e em 2020, no primeiro semestre, a gente teve 110 policiais assassinados. E sabemos que a maioria desses policiais são negros. E é por isso que a gente faz essa reivindicação tão forte, enquanto movimento negro, na segurança pública. Uma segurança pública que recebeu investimentos de 95 bilhões, em 2019, investimento esse que não vai para a saúde, não vai para a educação, não vai para a assistência social. São três pilares que, no enfrentamento à Covid, têm tido necessidade de aumento de investimento. |
| R | A população negra tem gritado e denunciado a ausência do Estado, e o Estado tem se apresentado de uma única forma, que é a forma do seu braço armado, que chega... Aí, no lugar de que falo, no Rio de Janeiro, desde o dia 6 de maio, desde a chacina do Jacarezinho, nós ainda não obtivemos respostas. Houve 29 mortes e foram feridas duas pessoas que estavam no metrô, passando. Então, esse genocídio, essa lógica de operação militar tem como resultado a morte. É uma lógica de guerra. A guerra é uma luta armada entre povos ou etnias, entre nações ou partidos. E, quando a gente coloca uma guerra às drogas, coloca uma guerra à pobreza - é isso que se coloca, porque o território de guerra são os nossos territórios de periferia -, a gente está pautando uma guerra civil no nosso País. E essa lógica de guerra precisa parar, principalmente porque o Estado tem uma responsabilidade com a vida da sua população, da sua população como um todo, da sua população em integralidade. Aí, voltando a falar do que nós entendemos como segurança pública, segurança pública é a garantia da lei e da ordem, a garantia plena de gozo de direitos, a garantia de ir e vir da população como um todo. Essa garantia não é dada nas nossas periferias, essa garantia não é dada nas nossas ruas, essa garantia não é dada para a grande parte da nossa população que se encontra em regiões periféricas, nas favelas. A gente precisa pautar isso. Para pautar isso, a gente precisa mudar a lógica com que nós pensamos em segurança pública. É preciso mudar essa lógica e entender que segurança pública é garantia de direitos. E essa garantia de direitos precisa vir através de investimentos em educação, em saúde, em assistência social. Precisamos falar de renda básica. Quando o Silas traz na carta o debate sobre a taxação sobre grandes fortunas, nós estamos falando de um país que voltou para o mapa da fome e da miséria e que, ao mesmo tempo, tem 11 novos bilionários na lista da Forbes. Esse dinheiro precisa voltar para a população. Uma política real de distribuição de renda precisa fazer com que esses novos bilionários, as fortunas de que nós falamos no nosso País - e, muitas vezes, essas fortunas são fruto de heranças escravocratas - precisam retornar para essa população, que é a população que sustenta o País, que é a população que está nos trabalhos de base, que está prestando serviço, que está fazendo entrega para que muitas pessoas possam se manter em casa e preservar a sua saúde no período de pandemia. Isso passa pela segurança pública. Nós precisamos parar de debater segurança pública apenas enquanto encarceramento, enquanto força armada, enquanto intervenção policial, para pensar numa lógica de segurança pública que seja realmente inteligente e poupe vidas. Se a gente fala dos 29 mortos na chacina do Jacarezinho, a gente está falando de 29 histórias que vão ser apagadas, que foram silenciadas e que não vão trazer como resultado de inteligência de operação a descoberta de quem são os mandantes, de onde vem o dinheiro do tráfico, de onde vêm as drogas, de onde vêm as armas. E aí não é uma guerra às drogas, é uma guerra à pobreza que nós estamos colocando em nosso País. A partir disso, a gente precisa falar, por exemplo, de iniciativas como o programa Olho Vivo, da Polícia Militar de São Paulo, que resultou, como vemos agora, na instalação de câmera em vários policiais, nos uniformes dos policiais de São Paulo, em uma letalidade menor do que a que tivemos em oito anos. Isso quer dizer que essa redução da letalidade é apenas por causa da colocação de câmeras? Não. Mas isso quer dizer que essa colocação de câmeras incidiu, de certa forma, na redução dessa letalidade. |
| R | E aí, a gente falando de 2021, a gente teve um aumento, no primeiro bimestre - eu estou falando só dos primeiros dois meses deste ano -, de 161% de mortes em operações policiais no Rio de Janeiro. A polícia pode até ter reduzido a quantidade de operações, por causa da ADPF 635, mas o resultado dessas operações tem sido morte. Ou seja: a ordem é o extermínio, a ordem é o genocídio. E a gente teve redução de 15,76% nas operações, 7,92% de redução em patrulhamento e 161% de aumento nas mortes. Isso quer dizer que essas operações agora têm um foco, que é o foco da morte, numa população periférica que já está sendo vítima, por não ter garantia de isolamento social, por não ter garantia de renda básica, por não conseguir alcançar a cesta básica. E aí nós precisamos falar de política pública de incidência à pré-redução da criminalidade. Se o que justificou a operação do Jacarezinho, nas entrevistas que foram dadas após a operação, foi sobre corromper jovens, sobre o envolvimento de cada vez mais crianças e adolescentes na criminalidade, nós precisamos retornar isso com política pública. Não vai ser uma operação que entra armada e que mata 28 pessoas que vai trazer uma redução de envolvimento com a criminalidade para as juventudes das periferias; o que vai trazer é aumento de investimento em escola e educação. Nós não conseguimos apresentar, até agora, qualquer projeto que reinsira os nossos jovens e faça com que eles retornem para a sala de aula. O nosso Presidente, infelizmente, barrou a conectividade, e nós precisamos pautar essa conectividade, nós precisamos falar dessa segurança pública do bem viver. O povo negro não quer só existir, ele quer bem viver, e esse bem viver vai passar por um debate de segurança pública que não tem uma polícia armada. E aí nós precisamos pautar essa desmilitarização, mas não apenas uma desmilitarização de "desmilitarizamos e acabou"; nós precisamos pautar uma formação de abordagem para os nossos policiais; precisamos lembrar que grande parte dos policiais que morrem são negros e negras. Muitas leis da carreira na Polícia Militar, que é uma carreira que significa uma ascensão de vida para essa população negra também, e que nós precisamos apresentar um plano de carreira, nós precisamos estimular, através de premiações, operações que tenham sim como resultado inteligência, então que consigam não só fazer um processo de apreensão de drogas, apreensão de armas, mas que consigam manter essa população viva e, como resultado, tenham um melhor direcionamento da inteligência, para a gente conseguir entender quem são os grandes mandantes do tráfico de drogas no nosso País. Nós já tivemos helicóptero com apreensão de pasta base. Nós não entendemos ainda de onde veio isso e quem mandou. E essas são as principais entradas de droga. Não é o jovem que está com um pino de cocaína que é o grande traficante do nosso País. Os grandes traficantes não estão nas periferias. Então vivendo bem e confortáveis e sem se sentirem ameaçados, porque as nossas operações não dão conta de ser inteligentes. E aí, quando a gente traz na carta a questão dos autos de resistência, é uma denúncia real a essa chacina. Não tem como ser resistência tiro nas costas, como aconteceu com o João Pedro; não tem como ser resistência 29 mortes. Isso não é resistência. Então, precisa ser feita uma investigação para além do depoimento dos policiais, que entram nas periferias, em operações, despreparados, muitas vezes sem equipamento suficiente, sem saber se locomover por lá. |
| R | Então, o desenvolvimento e o investimento na inteligência da polícia é fundamental; o investimento em políticas públicas de bem viver precisa ser lido enquanto segurança pública; nós precisamos olhar a iluminação das ruas enquanto política de segurança pública; nós precisamos olhar saneamento básico enquanto política de segurança pública, porque, para que as pessoas possam ter novas perspectivas de vida, para que outras relações sejam construídas em relação aos territórios, é necessário um investimento nos territórios, um investimento que dê retorno real, e não um retorno de genocídio e de morte. Então, nós estamos aqui enquanto movimento negro e nós estamos aqui enquanto juventude negra pedindo para esta Casa, que nos representa, que faça um processo de rediscussão do que é a segurança pública no nosso País. Nós não toleraremos mais que a segurança pública, única e exclusivamente, debata compra de armas, compra de equipamentos de violência, porque isso é declaração de guerra, e nós precisamos encerrar essa guerra para construir qualquer relação de igualdade racial em nosso País. A democracia racial precisa ser construída e comprometida num viés de responsabilização do Estado por políticas públicas de bem viver. Nós precisamos de investimento em saúde, educação, assistência social, e nós não abriremos mão disso por qualquer viés de resolução dita como rápida, que é o que se coloca quando a gente faz um investimento em... (Falha no áudio.) ... policial e que não dá retorno rápido, porque nós temos mais de 20 anos, em quase 500 anos, de investimento numa política de segurança que tem como único resultado a morte da população negra. Era isso o que eu queria trazer aqui. Muito obrigada pela oportunidade de debater. Espero que a gente possa desenterrar todos esses projetos de lei que vem para contribuição de uma nova política de segurança pública e uma política de segurança pública que paute o bem viver, e não apenas o genocídio e a morte. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - O. k. Muito obrigado, Dara, muito boa a sua fala. Você, que tem esse trabalho de coordenar o Coletivo Nacional de Juventude Negra, traz essa visão sobre a temática da segurança pública e as populações negras e, particularmente, o tema da violência contra essas populações. Chegaram aqui várias perguntas que depois a gente vai ter a oportunidade de discutir e conversar, mas exatamente a sua fala coloca a importância de nós discutirmos esse tema, porque há algo concreto, que é o racismo institucional e, no que diz respeito ao tema da segurança pública e da violência, é uma coisa quase que normalizada por boa parte das pessoas que acham que violência é fruto das comunidades carentes, pobres, que, na verdade, são vítimas desse processo como um todo. Então, essa contribuição também é muito importante. É fundamental que os movimentos negros possam se organizar no sentido de influenciar a pauta do Congresso Nacional exatamente para que esse olhar transversal do tema, que é importante, possa ter um papel. Eu vou convidar aqui a nossa última expositora, a Ana Georgina, que é supervisora técnica do Dieese na Bahia. Depois nós vamos ouvir a fala dos Senadores aqui presentes - a Senadora Zenaide eu tive a oportunidade de identificar. |
| R | Temos um vídeo também do Senador Paulo Paim, que é um dos Parlamentares mais comprometidos com a luta das comunidades negras deste País, um combatente permanente pela tese dos direitos humanos e contra o racismo e, depois, ouviremos as entidades que estão presentes. Então, com a palavra Ana Georgina. A SRA. ANA GEORGINA DIAS (Para expor.) - Bom dia, Senador. Eu cumprimento V. Exa. e também a todos os Parlamentares, todos os presentes, todas as pessoas que estão nos assistindo; cumprimento os meus colegas de mesa: Silas Félix, Givânia Maria da Silva, Aparecida do Carmo e Dara Sant’Anna. Eu gostaria de agradecer a oportunidade dada ao Dieese de estar aqui hoje, o convite da Unegro, e gostaria também de destacar a potência das falas que me antecederam. Bom, coube a mim, nesse momento, falar sobre a questão do trabalho, a questão do impacto da pandemia sobre o trabalho - e aí eu já adianto que o impacto da pandemia ali basicamente aprofunda problemas que são históricos em relação à inserção da população negra no mercado de trabalho. Sob qualquer ponto de vista, a população negra tem uma inserção muito menos privilegiada na sociedade, seja em relação ao trabalho, à renda, às ocupações, ao acesso à moradia digna, ao saneamento, à escolaridade, à saúde, oportunidades e representatividade em espaços de poder na sociedade, sobretudo, nos espaços de poder político. Talvez por isso nós tenhamos uma correlação de forças tão desigual. Obviamente, entre todos os fatos que determinam essas condições, nós não podemos ignorar o longo período de escravidão pelo qual passou o Brasil. Inegável que a escravidão moldou as nossas relações não só econômicas como sociais, e nós poderíamos dizer que o mundo do trabalho, o mercado de trabalho talvez seja o espaço onde esse modo, digamos assim, de produção tenha deixado marcas mais profundas. Então, todos esses indicadores de desigualdades da população negra no mercado de trabalho é uma relação muito direta dos mais de 300 anos de escravidão. Quando nós pensamos a questão da pandemia, embora, como eu tenha dito antes, tenham sido potencializadas todas essas precariedades no mercado de trabalho, é bom que lembremos também que nós já estávamos imersos numa crise econômica bastante séria, já com patamares de desemprego e informalidade bastante elevados e que a pandemia, na realidade, simplesmente potencializou. Obviamente, se nós temos uma desigualdade gritante no mercado de trabalho, a pandemia vai potencializar muito mais efeitos adversos para aquela população que sofre mais as desigualdades; e, aí, não só a população não branca, mas também as mulheres, os jovens, pessoas LGBTQIA+, pessoas com deficiência, que normalmente já têm uma dificuldade de inserção. Quando nós olhamos a situação bem no momento pior a que a pandemia chega, nós vamos perceber que, daquelas pessoas que perderam trabalho, dos 6,4 milhões de homens e mulheres que saíram da força de trabalho, a grande maioria são pessoas negras. Se pegarmos, ainda hoje, entre o primeiro trimestre do ano passado, quando começou a pandemia, e o primeiro trimestre deste ano, nós vamos observar que, dos 4,6 milhões de pessoas que saíram dessa força de trabalho, 3,8 milhões ou 82% eram negras. Enquanto isso, as pessoas não negras representavam apenas 17,8% daquelas que saíram, cerca de 880 mil pessoas. Para os homens negros, nós temos que a taxa de desocupação ou taxa de desemprego passa de 11,8%, no primeiro trimestre lá de 2020, para 14%, já no segundo trimestre de 2020. Enquanto que, para os não negros, a gente tem uma passagem de 8,5% para 9,5%. Quando a gente coloca o recorte de gênero, as mulheres negras têm uma elevação na sua taxa de desocupação de 17,3%, ainda no primeiro trimestre de 2020, para 18,2%, já no segundo trimestre. Infelizmente, quando nós olhamos isso em relação a este ano, ao primeiro trimestre de 2021, nós vemos que a situação ainda é pior: para os pretos, a taxa de desocupação passa de 12,2%, lá no primeiro trimestre do ano passado, para 18,6%, nesse primeiro trimestre de 2021; para os pardos, passa de 14% para 16,9%, enquanto que para os não negros passa de 9,8% para 11,9%. Paras as mulheres, especificamente, existe um aumento de 17,3% para 18,2%. E obviamente, quando nós falamos de mulheres negras, essa taxa costuma ser bem maior. Do mesmo jeito, quando vamos para além da questão da desocupação e pensamos também nas formas de subutilização da força de trabalho, nós vemos que as mulheres negras tinham, lá no segundo trimestre de 2020, que foi o pico da pandemia, 40,5% de taxa de subutilização, enquanto as mulheres brancas tinham 26,4%; e os homens negros, 29,4%, enquanto os homens não negros, 19,1%. |
| R | Então, nós observamos que números que já eram bastante desfavoráveis, sobretudo quando a trazemos o recorte racial e o recorte de gênero, eles, como eu disse, se potencializam, quando a pandemia, de fato, tem a sua piora. Já foi dito aqui que, das primeiras pessoas que morreram por conta da pandemia, nós tivemos uma trabalhadora doméstica. E é interessante perceber que, em relação a essa ocupação de trabalhadoras domésticas, que são majoritariamente negras - 86% das trabalhadoras domésticas são negras -, ocupação tipicamente feminina e ainda bastante representativa para mulheres negras, nós temos que, entre todas aquelas pessoas que perderam a ocupação, que perderam o trabalho durante a pandemia, essa categoria foi uma das mais afetadas. |
| R | Então, nós temos aí uma situação, de fato, extremamente trágica, usando um adjetivo forte, quando pensamos, por exemplo, que apenas 27% dessas trabalhadoras domésticas têm carteira de trabalho assinada. O que isso significa dizer? Significa dizer que a grande maioria que perdeu ocupação nesse período ficou na dependência do auxílio emergencial e que várias delas, até pela impossibilidade, pela exclusão digital, não conseguiram nem fazer os seus cadastros. Então, são mulheres que neste momento se encontram ainda mais empobrecidas. Os dados da própria Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) mostram que, entre as mulheres negras, chefes de família, durante esse período da pandemia, nós tínhamos que 69% tinham caído abaixo da linha da pobreza, exatamente porque mulheres negras são aquelas que têm as ocupações mais precárias. E, além de ter essas ocupações mais precárias, elas são ocupadas em diversos setores que foram extremamente afetados pela pandemia. Se nós pensarmos, por exemplo, no setor hoteleiro, no setor de turismo, nós temos um bom período de tempo com essas atividades paralisadas e muitas mulheres negras também trabalhando tanto na formalidade quanto na informalidade nesse setor. Há a própria questão da indústria criativa, da indústria de entretenimento, em que muitas mulheres trabalham de forma informal, mulheres negras, sobretudo, o que faz com que nós tenhamos realmente uma situação bastante dramática. Neste momento, agora, no primeiro trimestre, só reforçando os números, no primeiro trimestre de 2021, nós temos uma taxa de desemprego de 14,7%para a população geral, mas nós temos uma taxa muito mais elevada, uma taxa que ultrapassa 18% para a população preta e 16,9% para a população parda, enquanto a população branca, ainda que tenha também havido elevação nessa taxa, tenha uma taxa de 11,9%, que inclusive é abaixo da taxa para o total da população. Nesse caso, eu fiz questão de separar, de mostrar como o IBGE coloca a população negra, formada por pretos e pardos, mas fazendo uma separação entre esses dois grupos populacionais, porque nós percebemos que, mesmo entre a população negra, nós temos diferença na taxa de desemprego ou de desocupação, de acordo com o tom da pele. A população parda, normalmente mais clara, mais clara do que a população preta, tem uma taxa de desemprego levemente inferior à população preta. Então, nós observamos que, de fato, o tom da pele é um fator extremamente importante para determinar a forma com que a população se insere no mercado de trabalho. Quando a gente observa, por exemplo, pessoas em cargos de direção, nós vamos ver que, enquanto 6,6% dos homens brancos atingem cargos de direção, apenas 2,4% dos homens negros alcançam esses cargos. Entre as mulheres, enquanto 5,3% das mulheres não negras atingem esses cargos, apenas 1,9% das mulheres negras conseguem alcançar esse patamar profissional. |
| R | Por outro lado, quando nós observamos o trabalho desprotegido, ou seja, aquele trabalho sem a proteção social, sobretudo da previdência, nós vemos que 44% das mulheres negras têm essa desproteção, enquanto 32% apenas das mulheres não negras têm esse nível de desproteção, e que 45% dos homens negros têm essa desproteção ao trabalho e essa desproteção social, de modo geral, enquanto nós temos 32% também dos homens não negros assim. Para finalizar, eu gostaria de trazer uma questão que eu acho extremamente importante que é o fato do impacto das mortes por Covid em relação à questão da renda. Nós sabemos que muitos dos idosos acometidos e que faleceram pela Covid-19, em boa parte, eram chefes de família, eram arrimos de família em relação à questão da renda. Muitos sustentavam suas famílias com os recursos da previdência ou com os recursos do PPS. Esse é um problema. Muitas famílias, agora, estão completamente desvalidas em relação à renda, porque perderam aquelas pessoas que sustentavam as famílias. Do mesmo jeito, trabalhadores em idade ativa também perderam seus postos de trabalho, deixando filhos órfãos, deixando companheiros e companheiras desprotegidos. Lembro que a recente reforma da previdência tornou menor a pensão por morte mesmo para aqueles trabalhadores que são mais protegidos, que são os trabalhadores formais, e que, portanto, têm acesso à previdência e à pensão. Essa pensão foi reduzida, a fórmula de cálculo mudou. Então, nós estamos falando de perda de renda considerável para diversas famílias no País. Finalizo por aqui, agradecendo esse espaço. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Ana Georgina Dias, Supervisora Técnica do Dieese na Bahia, que mostrou, de forma muito bem fundamentada, os impactos da pandemia sobre emprego, renda, ocupação da população de negros e negras no nosso País, muito especialmente de negras. Sem dúvida, isso é algo extremamente relevante. Já naquele primeiro momento em que abri o nosso debate aqui, eu dizia que os efeitos da pandemia não são efeitos democráticos e que nem a pandemia tem qualquer caráter democrático. Ela produz efeitos econômicos, sociais, culturais extremamente graves para aquelas que são as populações mais vulneráveis, já por conta das questões relativas à desigualdade, relativas ao racismo, relativas à condição de ser mulher. Portanto, a sua fala completa os demais pontos que foram abordados aqui em termos de saúde, de segurança. Agora, a gente vai ter a oportunidade de ouvir também os nossos Senadores sobre essa temática. Estão presentes aqui... Pelo menos, no início, estava presente a Senadora Zenaide Maia - não sei se ela está presente ainda aqui. Deixem-me ver. (Pausa.) Está. Zenaide, se você estiver presente e quiser fazer uso da palavra... (Pausa.) |
| R | Na verdade... Ah, ela está... Pronto. Passe o som para a Senadora. Pronto. Obrigado. A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN. Para interpelar.) - Bom dia a todos e a todas. Estava ouvindo aqui atentamente. Humberto, quero parabenizá-lo pela Presidência da CDH, que é esta Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, que tem uma importância fundamental. Eu ouvi as falas de todos, Humberto: de Silas Félix, de Givânia Maria da Silva, de Maria Aparecida do Carmo, de Dara Sant'Anna e de Ana Georgina Dias. Eu concordo com basicamente tudo que foi dito aqui. Primeiro, a gente sabe que houve um avanço nas políticas públicas em defesa da população negra e contra o racismo de 2003 a 2015, quando a situação começou a degringolar, como a gente diz aqui. Eu queria, antes de iniciar, Humberto, dizer que eu tenho o maior cuidado, porque eu ouço o e-Cidadania dizendo assim: "Não pode politizar". É para politizar mesmo, gente! Essa decisão de acabar com o ministério que havia nos Governos Lula e Dilma... Acabou com o Ministério do Trabalho, o que também afeta, justamente, como se mostrou, a força de trabalho da população negra neste País, que é grande e é quem paga o preço maior. E quero dizer o seguinte: o que está fazendo essa queda? Mesmo antes da pandemia - a pandemia veio mostrar mais -, a gente sabe que, em 2016, principalmente, 2017, 2018, 2019, 2020, 2021, eles foram tirando os recursos da educação, foram tirando todos os recursos considerados das minorias, que, na verdade, são maioria. A gente sabe que a população negra, como foi dito aqui, em sua grande maioria, é a mais pobre, ou seja, a mais carente, a mais vulnerável... Não é pobre; é empobrecido, Humberto. Já me disseram que seria pobre se quisesse. E empobrecido, porque há uma política de Estado que não respeita a maioria do seu povo e ainda se diz de minoria. A gente sabe que o racismo é institucional. E o mais grave: de cinco anos, de seis anos para cá, vem sendo considerado como se fosse normal assassinar um jovem negro a cada dez minutos neste País, o que a gente vê claramente que ocorre, infelizmente, por aquelas forças que deveriam dar segurança. Eu costumo dizer o seguinte: se o Estado brasileiro não educa o seu povo, não oferece uma educação pública de qualidade, esse mesmo Estado é quem primeiro condena. Essa condenação clara, racista, como há com as mulheres, como há com a população LGBTQIA+, é visível. E a gente tem que saber que isso piorou nos últimos anos assustadoramente, como piorou a crise econômica. |
| R | Nós tínhamos uma situação muito grave, porque nós não temos um plano para geração de emprego e renda. O mais grave desse Governo é isso também, porque quando vem dizer que eu quero aqui - e o Humberto aqui faz parte da CPI... Eles dizem que foi criada a CPI para desgastar o Governo, e eu costumo dizer que quem desgasta este Governo são os mais de meio milhão de brasileiros e brasileiras, uma grande maioria negra, que foi a óbito; quem desgasta esse Governo é uma política de não geração de emprego e renda; e, agora, essa questão da corrupção no meio disso tudo, de vacinas, de vida. Aliás, para vocês todos aqui que falaram, esse descaso, essa irresponsabilidade com a vida em que este Governo aí está... Vida não tem a mínima importância para ele. Normalizou o fato de morrer. E como a população negra já tinha essa história institucionalizada, arraigada, como a das mulheres, isso tudo, agora piorou, porque nós temos um Presidente, um responsável maior, que tem esse olhar. E o que me preocupa é que a grande maioria das pessoas já sabia disso, Humberto, porque o cara, cujo slogan era uma metralhadora na mão, já dava entrevista dizendo... A Preta Gil, perguntou: "E se um filho seu namorar com uma negrinha?". Ele disse: "Meus filhos foram bem educados".Então, grande parte da população já tinha conhecimento. E o que a gente está vendo é isso. Mas eu quero aqui me solidarizar com cada um de vocês e dizer, como o Humberto diz, Paulo Paim, eu, o Humberto, todos esses cristãos... E eu acho tão interessante o cara ser bolsonarista e querer dizer que é cristão. É difícil entender isso, porque a falta de respeito ao próximo... Não existe! Eu costumo dizer: bolsonarista não pode ser cristão ao mesmo tempo, porque ele não defende a vida, ele defende a morte, e todo tipo de morte. Não respeita a natureza, não respeita nada. Aí, eu vejo aqui os quilombolas. E sabe o que é que me chama a atenção? É que a população negra, com esse trabalho... E na época em que foram criar o Exército Brasileiro, Henrique Dias representou os negros, Felipe Camarão representou os índios, e juntaram-se aos brancos na Batalha de Guararapes. E me chama a atenção o seguinte: mesmo a população negra, que era escravizada, deu uma lição de patriotismo, de defesa da soberania nacional e se uniu aos brancos, àqueles que os escravizavam; e os índios, àqueles que sabiam que estavam ali e que queriam tomar suas terras. Entendeu, Humberto? E hoje, a gente ainda vê, esses anos todos depois, não se ter respeito por esse povo, não querer dar um trabalho com dignidade, proibir de estudar, com educação. E lhe digo o seguinte: nós temos, sim, que mostrar à população brasileira que os negros deste País estão discriminados e que há racismo, racismo embutido, racismo visível... |
| R | E eu acho que está na hora é de politizar mesmo, porque essas decisões sempre foram e são, atualmente, políticas. Obrigada, Sr. Presidente, pela oportunidade de defender este povo que me orgulha muito. E depois eu quero ver o documento entregue aqui pelo colega Silas Félix... O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Com certeza. A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN) - ... para a gente divulgar, para a gente dar visibilidade à população sobre o que está acontecendo. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Sim. Muito obrigado, Senadora Zenaide, que é uma grande lutadora pela causa dos direitos humanos, uma das principais participantes desta Comissão e que está sempre ao lado das melhores bandeiras, para nós melhorarmos a vida do nosso povo, ampliarmos a liberdade e a democracia no nosso País. Muito obrigado pela sua participação, pela sua fala e por ter nos trazido esse aspecto importante que é o de nós não quebrarmos esse vínculo claro que há entre tudo o que está acontecendo hoje e o que este Governo, que aí está, tem como responsabilidade em tudo isso. Eu pergunto se o vídeo do Senador Paulo Paim está disponível para que nós possamos aqui apresentar para todos os participantes. (Pausa.) Então pode apresentar. O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Meus cumprimentos ao nosso querido Senador Humberto Costa, Presidente desta histórica Comissão de Direitos Humanos do Senado. Cumprimento-o pela realização desta urgente e importante audiência pública que vai debater nem fome nem bala nem Covid. Quero cumprimentar também a Givânia Maria, membro da Conaq; a Dara Sant'Anna, do Coletivo Nacional de Juventude Negra; o Silas Félix, da Juventude do MNU; a Ana Georgina Dias, do nosso querido Dieese; e a Professora Aparecida do Carmo, que é pesquisadora da área da saúde, principalmente, eu diria, da população negra. Meus amigos e minhas amigas, a cada dia que passa o Brasil permanece nessa linha do racismo sobre os corpos negros e demais grupos racializados, e a pandemia evidenciou ainda mais essa enorme desigualdade do nosso País. Nós sempre dialogamos com os movimentos negros dos setores mais vulneráveis, na busca de resgatar, elaborar e aprovar matérias com teor que vá na linha da promoção da igualdade racial e do combate ao dito racismo estrutural que mata a nossa gente. Apresentamos e aprovamos no Senado o PL 2.179, marcadores sociais que combatem as subnotificações na pandemia. O Relator da matéria na Câmara é o nosso querido ex-Ministro Deputado Federal Alexandre Padilha. Aprovar esse projeto é permitir que medidas sanitárias sejam identificadas e aplicadas pontualmente para aqueles e aquelas a quem as políticas sociais não chegam, historicamente, neste País, na mesma velocidade que para outros, ou seja, que não são negros, indo mais além: para somente o setor branco. |
| R | O vírus também flagrou as diversas formas de violência existentes, e uma delas é a abordagem dos agentes públicos em relação à nossa população. A cada 23 minutos, um jovem negro é morto no Brasil. Esse número comove, mas não move a sociedade. Diante de toda essa crueldade, apresentamos o PL 5.231, de 2020, que trata da abordagem policial dos agentes públicos e privados, todos. A proposição é relatada na Câmara pelo Deputado e querido amigo Orlando Silva, que vem fazendo um grande trabalho. Garantir a vida da nossa população negra é uma questão de honra para todos nós - corresponde a 56,2% da população brasileira -, é um ato de amor, de humanidade. Não podemos pensar em desenvolvimento sem assegurar a vida da nossa gente, do povo negro. Falar em humanidade é implantar, inclusive, a Convenção Interamericana contra o Racismo, promulgada nesse início de ano pelo Congresso e ratificada pelo Presidente. A ratificação da convenção tinha o objetivo de declarar, validar, confirmar o compromisso com o respeito. E, digo de novo, é a política de amor e não de ódio, do amor ao próximo, independentemente de origem, de raça, de sexo, de cor, orientação sexual, gênero, idade e outras formas, infelizmente, de preconceito. Mais de 20 matérias sobre a temática racial encontram-se em tramitação no Senado. Precisamos votar, por exemplo, o PL 4.373, de 2020, que tipifica como crime de racismo a injúria racial; o PLS 482, de 2017, que determina que o Dia Nacional da Consciência Negra, 20 de novembro, Zumbi dos Palmares, seja declarado como feriado nacional, como fizeram recentemente os Estados Unidos, em data semelhante. É nesse momento tão singular que vivemos, em que vidas são ceifadas, em que o povo clama por comida, comida na mesa, trabalho e vacina, que felizmente conseguimos aprovar, no Senado e também na Câmara, com algumas alterações que não mexeram na estrutura do projeto, o PL 12, de 2021, que é a quebra de patente de vacinas contra o Covid-19. Eu considero esse o principal projeto que apresentei na minha vida pública. Produzir vacinas em grande quantidade, de forma rápida, é agir para salvar vidas e fazer a economia girar novamente - Nelsinho Trad, o Relator no Senado; Aécio Neves, na Câmara -, pois a nossa maior fonte de desenvolvimento é o nosso capital humano, é o nosso povo, é a nossa gente. O Senado, agora, tenho certeza, votará essa matéria com rapidez, com rapidez. |
| R | Vejam bem que as grandes conquistas da humanidade foram obtidas conversando e que as grandes falhas aconteceram pela falta de diálogo. Aí vem a covardia, vem a violência, vêm as guerras, vem a barbárie. Por isso eu digo: com a democracia, tudo; sem ela, nada, é a barbárie, e as pessoas são discriminadas com preconceitos absurdos, como esse pela cor da pele. Como dizia Martin Luther King, eu quero que meus filhos sejam julgados pela forma de agir, por aquilo que são, e não pela cor da pele. Um abraço. Sei que vai ser uma audiência pública magnifica, pela qualidade do nosso Presidente, dos membros desta Comissão e por vocês, os nossos convidados painelistas. Estamos juntos. Que Deus nos ilumine! Axé! O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim, como sempre trazendo uma mensagem de muita luta, de muito compromisso com os direitos humanos; uma luta que ele trava com todos nós contra o racismo e a construção de uma efetiva inclusão racial de toda a população brasileira, tratando aí de temas e projetos que têm sido objeto dessa sua atuação durante muitos anos no Congresso Nacional. Eu quero justificar para vocês a ausência do Vice-Presidente desta Comissão, o Senador Fabiano Contarato, que tem cumprido um papel muito importante, inclusive nesse momento que estou vivendo agora, na CPI, em que ele tem contribuído muito fortemente para que a Comissão continue atuando e debatendo os temas mais importantes. Antes de passar a palavra aos representantes das entidades, eu queria ler algumas perguntas e alguns comentários. Vocês podem, se quiserem, manifestar-se sobre eles, mas desde que dentro do tempo de três minutos que cada entidade vai ter, porque nós já estamos aí com quase duas horas de audiência pública. O Rodrigo Silva, do Rio de Janeiro, pergunta: "Qual a diferença dos impactos da pandemia na população negra e na população branca no Brasil". Acho que isso já foi muito abordado, mas, se algum dos representantes de entidades quiser reforçar as respostas, é importante. A Conceição Lima, do Piauí: "Quais os projetos e/ou políticas públicas para enfrentar esse problema?". Também se alguém quiser se manifestar... Já tivemos aí várias propostas, em diversas áreas. "Quais os principais impactos do novo coronavírus na população negra do Brasil?". Acho que já tivemos oportunidade de falar em termos de saúde, em termos de trabalho, em termos de segurança pública, em termos de como lidar com essas desigualdades e o racismo. Essa anterior foi de Dellana Rosa, da Bahia. A próxima é de Lilian Belsito, do Distrito Federal. Ela fala: "As desigualdades sociais agravam muito esse quadro. Existe alguma intenção da criação de um programa para diminuir essas desigualdades?". Sim, nós já tivemos muitos no Brasil que conseguiram tirá-lo do mapa da fome e conseguiram elevar uma parcela importante das pessoas das classes C e D para a classe média, mas também seria importante se alguém quisesse reforçar. |
| R | Flávio da Silva, do Rio de Janeiro: "Qual a diferença entre a população negra, a indígena, a branca, a parda, a oriental e a nordestina? Parem de criar diferenças!!!". É o comentário que faz o Flávio, e quem quiser pode também fazer um comentário. Eu acho que, por tudo que já foi dito aqui, essa questão foi respondida. E, aqui, alguns comentários. Dyonatan Faveri, do Paraná: "Ultrajante quando tratam o cidadão de acordo com a sua cor de pele, como se fosse outra espécie de ser humano ou com alguma fragilidade". Rodrigo Santos, do Rio Grande do Sul: "Só na população negra do País. Isso na minha concepção é preconceito com os brancos, pardos, ruivos, albinos e outros". Eu acho que aqui foi dito qual é a diferença efetivamente e porquê. Luiza Serra, de São Paulo: "Infelizmente, por uma questão histórica, a maior parte da população periférica é negra". Exatamente, por uma questão histórica, econômica, cultural, enfim. Levi Montanha, do Rio Grande do Sul: "O vírus não escolhe a pessoa pela melanina. O que faria mais sentido é falar sobre tal classe socioeconômica sofrer com o vírus". Na verdade, a situação da população negra sofre exatamente porque é aquela que vive nas piores e mais precárias condições sociais, econômicas, de habitação, de saúde, de educação no nosso País. Por isso, faz sentido. Nós vamos fazer aqui alguns encaminhamentos: vamos oficiar o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e o Ministério da Saúde com a finalidade de sugerir que elaborem mais políticas voltadas à população negra; e vamos encaminhar a carta que foi lida pelo Silas Félix para todos os Senadores. Vamos agora ouvir, então, as entidades, começando pelo Lucas Nascimento, que é representante da Enegrecer. O SR. LUCAS NASCIMENTO (Para expor.) - Olá! Bom dia a todos e a todas. Eu me chamo Lucas, sou do Rio de Janeiro. É importante sempre pontuar que sou do Rio de Janeiro, esse Estado que a gente fala que é o laboratório de genocídio do Brasil como um todo; o Estado que ainda não colocou uma resposta concreta em relação ao caso de Marielle Franco e de Anderson Gomes; o Estado que vem matando e que vem, mesmo na pandemia, ainda entrando em favela com o principal objetivo de matar. A gente sabe hoje que essa falsa guerra às drogas tem a ver com a nossa vida e, principalmente, que o Estado brasileiro, em meio à pandemia, ainda consegue articular as nossas mortes, inclusive dentro das nossas próprias casas. Mesmo seguindo as recomendações, a bala, a mão do Estado ainda chega aos nossos corpos; se a gente hoje está indo para a escola, a bala também nos chega. É importante também falar que, no meio da pandemia, a gente vê um acirramento das desigualdades raciais, sobretudo no âmbito da educação; de como, inclusive, nesse meio, o Estado brasileiro investe mais (Falha no áudio.) ... do que na educação. A gente está vendo que várias crianças negras não conseguem acessar as aulas, não conseguem ter meios básicos de conseguir acessar essas aulas, porque, por exemplo, não têm celulares, computadores, e como é importante a gente pontuar isso em relação ao debate sobre segurança pública. Segundo alguns dados do IBGE, da revista Desigualdades Sociais por Cor ou Raça, em 2018, a gente tinha uma taxa de analfabetismo entre a população negra de 9,1%; em contrapartida, o índice da população branca era de 3,9%. Então, a gente está vendo esse abismo social que vem reforçado através desta pandemia. Então, como é importante a gente hoje pensar um novo tipo de segurança pública que prestigie a educação. |
| R | A gente também tem visto no último período um debate muito ruim, que é sobre homeschooling, e como esse debate vem, inclusive, acirrando as desigualdades sociais. A gente precisa pensar hoje numa escola com uma educação que seja para todos e todas, com uma educação que não seja organizada a partir da discriminação racial, a partir do preconceito. A gente precisa hoje pensar numa educação que consiga nesse meio chegar a toda a população. Então, é importante demais nesta audiência pública a gente pensar numa educação que consiga chegar a todos e todas, pensar em projetos de lei que consigam financiar uma educação, sobretudo nesse projeto que, infelizmente, o Presidente vem barrando, que é o projeto sobre conectividade, que era um projeto que dava acesso à internet às pessoas mais pobres e vulneráveis. Então, acho que é importante também esta audiência ter a sensibilidade de conseguir pensar na educação e conseguir colocá-la como prioridade também nos próximos períodos. Sobretudo, também, como foi pontuado na carta, no ano que vem, a gente vai ter a renovação da lei de cotas, ou seja, a gente precisa pensar no acesso da população negra ao ensino superior. A gente viu também que esse desgoverno vem ceifando várias políticas importantes de acesso e permanência na universidade. Então, é muito fundamental que a gente tenha também como base a importância da renovação da lei de cotas e que a gente consiga continuar entrando na universidade pública, mas também permanecendo nesse espaço tão importante para nós. Muito obrigado pelo espaço. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Lucas. Muito importante a sua fala, especialmente salientando a importância da educação como um processo de inclusão social e econômica no nosso País e lembrando desse tema, que nós esperamos seja objeto de uma análise por parte do Congresso Nacional e que possamos derrubá-lo, que foi o veto do Presidente da República à proposta apresentada e votada aqui no Congresso Nacional de garantir o acesso universal e gratuito à conectividade. Muito obrigado. Eu queria chamar agora o Eduardo Yohaness, que é representante da Agentes de Pastoral Negros do Brasil para fazer também a sua fala em nome da entidade, por três minutos. O SR. EDUARDO YOHANESS (Para expor.) - Bom dia, galera! Peço a benção dos mais velhos e dos mais novos e peço licença para poder falar. Saúdo o Senador Humberto e os demais Senadores. Saúdo a minha querida Maria Aparecida, APN Malunga, e, na pessoa dela, saúdo as demais entidades e os demais representantes que estão aqui presentes. |
| R | Na verdade, galera, a pandemia nos mostra, nos escancara o abismo social que há no Brasil. E ela cada vez mais mostra que o alvo dessa grande violência social, o alvo principal - mostra a cara e mostra a cor - somos nós jovens negros. Somos nós que, ao nascer, carregamos esse alvo nas costas. Aí a gente vem mostrando isso, e os dados nos mostraram: o alto índice de desemprego é nosso; a evasão escolar, a falta de condições de acesso, porque agora, com as aulas remotas, a gente não está conseguindo, existe uma grande dificuldade no acesso, porque nós não temos internet, nos falta aparelho, nos faltam muitas condições, por muitas vezes até a luz nos falta; o saneamento básico, a água tratada, o esgoto; por muitas vezes falta terra e falta moradia. Então, como nós vamos fazer todo esse acompanhamento, todo esse trabalho se está nos faltando tanta coisa assim? Como? E aí, quando a gente sai para lutar, nos falta segurança, porque aqueles que devem nos proteger são os que nos agridem, aqueles que devem nos socorrer são os que nos tornam vítimas de tudo isso. Como nós juventude negra vamos viver numa sociedade dessa, lutando sempre para poder sobreviver? E, por muitas vezes, além de todas essas faltas, por muitas vezes nos falta fé e nos falta força para seguir lutando, porque é cansativo, todo dia, nós acordarmos e termos que lutar contra um monte de coisa. A gente está começando a vida recentemente. Nós deveríamos ter os nossos direitos garantidos; direito a viver e a viver bem, como a colega já falou antes. Precisamos viver bem. É um direito nosso como jovens negros, mas isso está sendo ceifado. E essa pandemia está escancarando isso cada vez mais, simples assim. Os dados nos mostram, e os colegas que falaram antes já exaltaram tudo isso. Então, nós precisamos dessa mudança. A gente precisa que algo seja feito de imediato - de imediato! - para quebrar essa política de cultura de violência contra nós, juventude negra. Nós precisamos quebrar isso, e com urgência. Nós precisamos de ações imediatas, porque, senão, os que não morrerem por essa sociedade violenta como está estarão também morrendo pela pandemia. E os dados também mostram que nós somos as grandes vítimas disso. Então, chega de a juventude negra ser o alvo dessa cultura de violência. Precisamos, sim, de mais ações efetivas; precisamos, sim, de projetos implementados; precisamos, sim, continuar fiscalizando e implantando as ações afirmativas para que essa correção seja feita, com urgência, para que termine essa cultura de violência contra nós, juventude negra. Nós queremos viver e nós queremos viver bem. É direito da juventude negra a vida. É um direito nosso. Chega! Parem de nos matar! Muito obrigado. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Eduardo, que representa os Agentes de Pastoral Negros do Brasil. Obrigado pela sua colocação, especialmente salientando o que são as dificuldades hoje da juventude negra no País, onde o racismo, como já foi dito aqui, é uma questão estrutural; onde as condições sociais e econômicas de vida da população negra são as mais precárias, como decorrência dessa terrível herança da escravidão. Eu quero chamar agora a Ilona Açucena Chaves Gonçalves, que é representante do Movimento Negro Unificado, para, nestes três minutos, dar também a sua mensagem. Ela está aí? A SRA. ILONA AÇUCENA CHAVES GONÇALVES (Para expor.) - Bom dia, gente. Como o Senador Humberto Costa apresentou, eu sou a Açucena e estou representando o Movimento Negro Unificado. Eu queria começar saudando a Mesa, nesse Julho das Pretas, essa Mesa com expositoras todas mulheres negras, que trouxeram já para a gente o porquê. Muitas das perguntas trazidas aí por quem está assistindo colocaram: mas qual a diferença, então, da população negra para a população branca? E elas nos trouxeram - acredito que aqueles que estão acompanhando conseguiram perceber - quais são as diferenças. Quero saudar o Senador Humberto Costa, saudar a juventude do Movimento Negro Unificado, saudar as demais entidades, que fizeram uma construção coletiva para que esta audiência pudesse acontecer. Acontecer no sentido de denúncia: denunciar hoje que a gente vive num país que, pautado no mito da democracia racial, faz querer crer que a gente está no mesmo barco perante a pandemia do Covid. Então, essas perguntas também se baseiam no mito da democracia racial de que nós somos iguais, de que o vírus não vai olhar a cor da pele, de que o vírus não vai olhar quem nós somos para poder infectar, mas aí as mulheres que aqui estiveram já trouxeram para a gente o porquê de se debater a população negra diante dessa pandemia: porque hoje a política pública ou a ausência dela vai se dar lá no atendimento despreparado do profissional de saúde que não vai qualificar o quesito raça/cor na notificação, daquele que não vai qualificar o quesito raça/cor na aplicação da vacina; naquele delegado que dificulta a denúncia de violência doméstica; ou naquela empregada doméstica, cujo serviço é considerado essencial, e não entra para a lista de prioridades da vacinação. É o mirar na cabecinha e atirar. É aí que está a falta, a ausência da política pública, não é? É no ensino remoto, que vai desconsiderar a falta de acesso à internet e computadores; é nos 40 bilhões a menos no Sistema Único de Saúde, que, dentre seus usuários, tem 80% de pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas, ou seja, negras, pessoas negras; é na não realização do censo demográfico que vai denunciar o que a gente está trazendo aqui: que a pandemia não é democrática; que a pandemia atinge, sim, a população vulnerabilizada, ou seja, as mulheres, os negros e a periferia. Então, eu queria colocar: que, hoje, esta audiência seja uma iniciativa que possa se somar à luta dos movimentos negros, dos movimentos de favela, dos movimentos de mulheres, dos movimentos quilombolas para poder pautar a necessidade de políticas públicas que pensem a condição da população empobrecida, que pensem a nossa condição, pois o vírus não é democrático. A gente está trazendo dados aqui porque política pública hoje só se faz a partir de dados. Então, a gente precisa trazer a todo momento, colocar a todo momento, porque não é para todo mundo. Os comentários já nos dizem que não é todo mundo que sabe que a população negra é a mais atingida. A gente está num país que vive pautado no mito da democracia racial, achando que existe algum vírus, alguma coisa neste País que é democrática. Então, que esta audiência possa nos levar a isso, somando-se aos demais movimentos, que não param e que estão acontecendo nos seus territórios, que estão acontecendo nos quilombos, que estão acontecendo nas periferias, de pensar política pública para a população mais atingida, que é a população negra, que é a população de mulheres, que é a população pobre. |
| R | Então, é isso. Saúdo este momento, e que a gente possa sempre seguir em frente. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Ilona, que representa o Movimento Negro Unificado, pela importância das suas palavras no sentido de reafirmar tudo que foi dito aqui, no sentido de que precisamos colocar como um tema da sociedade brasileira, um tema civilizatório o enfrentamento ao racismo que existe no nosso País e que alguns tentam negar, mas que boa parte, inclusive, assume e assume como uma política. Sigamos aqui, agora, ouvindo o Jean Pierre, representante do Instituto Nacional Afro Origem, nosso companheiro aqui de Pernambuco. Com a palavra, Jean Pierre. (Pausa.) Ele está aí? (Pausa.) Parece que está. (Pausa.) Alô! Não, parece que ele não está. Vou, então, passar a palavra para o Eldon Neves, representante da Unegro. O SR. ELDON NEVES (Para expor.) - Bom dia a todos e todas! Parabenizo aqui todos os coletivos do movimento social e o Senador Humberto Costa por esta iniciativa conjunta de audiência pública, "Nem fome, nem bala, nem Covid", e parabenizo também, pelas falas, nossos camaradas, em especial a Ana Georgina, que vem fazendo um trabalho e dando subsídio e materiais reais e palpáveis para a gente poder travar um debate acerca da realidade brasileira, essa realidade que se aprimora e se aflora a partir de 2020, no processo da Covid, e que vem com um plano de fundo de um Governo genocida, não é, Sr. Senador? E a esta audiência de hoje a gente vem no sentido de reafirmar que é preciso fazer com que a nossa democracia seja exercida, mas, nesse sentido de exercício da democracia, que a nossa juventude não seja abatida nem exterminada. A gente tem, hoje, um Governo em que, em plena pandemia, em alguns Estados, a violação de direitos se tornou algo convencional, até quando o Supremo Tribunal determina que não deveriam ocorrer determinadas operações policiais em determinadas regiões. E, quando a gente pega o estrato e o reflexo disso, o perfil é sempre o mesmo: jovens, negros... E com a mesma argumentação. A nossa querida Dara trouxe aqui, evidentemente, o processo da segurança pública, e a gente precisa mudar essa realidade. Estamos caminhando para 2022, com novas eleições, e essas eleições precisam ter uma renovação. E é preciso haver políticas implementadas que, de fato, assegurem a sobrevivência da população negra, porque, hoje, a juventude negra em especial não vive; ela sobrevive. E o sobreviver não está dando conta. |
| R | Dito isto, precisamos reavaliar, com o nosso Senado e a nossa Câmara dos Deputados, essas políticas que vêm sendo exterminadas e as políticas que vêm sendo implementadas, como foi dito aqui sobre a política de cotas, que tem, agora, uma revisão em que corremos o risco de perdê-la. Acho que muitos e muitos aqui da minha geração foram beneficiados por ela. Eu tenho muito orgulho de dizer que sou fruto da política de cotas, que o Movimento Negro lutou desde os anos 70 para implementar e que corremos o risco de perder. E nós temos novas gerações que precisam ser beneficiadas por essa política, mas que essa política não seja única e exclusivamente feita ou homologada, e sim que ela tenha condições objetivas e materiais para que a juventude negra, por exemplo, possa alcançar, para que a juventude negra possa disputar outros espaços em igualdade de condições, porque, em um país que é feito sob as amarras do processo escravista, dizer que as políticas de cotas vão fazer uma diferença muito grande... Não vão, porque a gente sabe que a política de cotas é para diminuir uma desigualdade, e, nesse tempo todo, nós não tivemos e não estamos tendo um desenvolvimento, por exemplo, da educação de base, como foi citado aqui. A gente teve um processo do Enem, por exemplo, que foi um processo em que boa parte da população negra foi afetada. A gente tem um ensino remoto em que boa parte da população negra está sendo afetada, porque isso faz parte da desigualdade social. Então, a gente espera que esta audiência reverbere e traga diversos resultados positivos para a gente mudar esse processo, que é um processo importante, inclusive na década do afrodescendente, que está para findar daqui a algum tempo. Então, eu agradeço a todos, agradeço ao Senador por esta empreitada, e que possamos dialogar cotidianamente para fazer um Brasil melhor para todos nós. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Eldon Neves, representante da Unegro. Suas palavras são importantes para reforçar todo o sentido do debate que nós tivemos; a importância de dizer o que de fundamental houve no que diz respeito à elaboração da política de cotas, que não há dúvidas de que foi fundamental, mas ela veio exatamente para tentar corrigir uma das milhares de distorções que nós temos no nosso País. E o que todos nós queremos é que nós possamos construir uma igualdade na sociedade e que as cotas, inclusive, sejam desnecessárias. Vamos ouvir, agora, o Cleber Santos Vieira, representante da Associação Brasileira de Pesquisadores e Pesquisadoras Negros e Negras. O SR. CLEBER SANTOS VIEIRA (Para expor.) - Olá! Bom dia a todos, a todas. Quero cumprimentar aqui o Senador Humberto Costa, na pessoa de quem cumprimento a Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, todos os Senadores, todas as Senadoras e meus companheiros e companheiras que representam as entidades que organizaram esta audiência pública e estão aqui presentes. |
| R | Esse tema que nós estamos discutindo é de uma extrema relevância. Nós sabemos que a pandemia tem afetado todos os setores da vida social, todas as pessoas de maneira bastante radical; bastante radical principalmente a população negra, a população pobre, a população que vive nas condições piores em termos de saneamento básico, em termos de infraestrutura, em termos de emprego ou de desemprego no Brasil. Então, esta audiência é uma oportunidade de discutirmos e de apresentarmos também algumas reflexões sobre de que maneira ela vem reafirmando uma ideia de genocídio da população negra, mas sobretudo da juventude negra. Eu falo a partir do campo educacional. Eu sou Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadoras e Pesquisadores Negras e Negros, e essa preocupação com o ensino superior e com acesso ao ensino superior é muito importante. Tomemos como exemplo o Enem, o nosso Exame Nacional do Ensino Médio. Sabemos que o índice de abstenção do Enem em 2020 chegou a mais de 50%, chegou a quase 55%. São 55% de jovens, são 55% de estudantes do ensino médio, jovens que tiveram a possibilidade de ingressar no ensino superior através do Enem, através do Sisu, que dá portas aí para um conjunto importante de universidades, de faculdades, o que foi cancelado em função da falta de condições de realizarem a prova do Exame Nacional do Ensino Médio. Nós sabemos a cor dessas pessoas, desses jovens. Nós sabemos a classe a que pertencem essas pessoas. São em geral pessoas negras, pessoas pobres, que não tiveram condições de prestar o Enem. Se pegarmos isoladamente o caso do Amazonas, que foi um cenário em que a pandemia, pela irresponsabilidade governamental, se abateu de maneira mais radical, esse índice de abstenção chegou a quase 75%. São 75% de estudantes, são 75% de candidatos, são 75% de jovens inscritos naquele Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio de 2020, que não conseguiram realizar a prova. Diante disso, nós podemos visualizar a hecatombe social e mais uma forma de empreender esse genocídio que tanto atinge a juventude negra. Para concluir, eu gostaria de lembrar, fazendo coro aqui com o colega que me antecedeu, que ano que vem nós temos um ponto importante para pensar as ações afirmativas, um ponto importante de pensar uma conquista do Movimento Negro para alterar esse quadro - esse quadro de desigualdade na educação, esse quadro de desigualdade que afeta a população negra, a juventude negra -, que é a presença nas universidades públicas. As cotas raciais sabemos que foi uma conquista do Movimento Negro. É uma ação afirmativa importante, que tornou as universidades melhores, mais diversas e construiu uma produção científica muito mais próxima daquilo que é a sociedade brasileira. Se nós somos 56% da população, a população negra representa 56%, então essa representação tem que estar em todos os cursos, tem que estar em todas as universidades, tem que estar em todas as faculdades. |
| R | E, nesse sentido, temos que pensar o seguinte: essa renovação se fará? Nós temos que demonstrar que as cotas raciais são importantes, que mudaram o cenário da educação, da produção científica no Brasil, mas elas precisam continuar porque ainda é insuficiente. Elas foram insuficientes para mudar o quadro educacional no ensino superior de mais de 400 anos de escravidão e de exclusão e marginalização da população negra. E mais: eu gostaria aqui de propor, Senador Humberto, que a Comissão de Direitos Humanos construísse uma agenda específica para discutirmos esse ponto, os dez anos da Lei nº 12.711. Porque há muitos temas, sobretudo a permanência estudantil da população cotista que chega a essas universidades, que precisa ser debatida com mais seriedade. Estamos falando de bem viver da população negra e, para falar de bem viver da população negra que entra por cotas nas universidades, é indubitavelmente importante falarmos da permanência da ação afirmativa. Então, conciliar cotas com permanência estudantil. Então, eu sugiro que a Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal construa uma agenda específica para discutirmos os dez anos de Lei nº 12.711. Obrigado e vamos em frente. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado ao nosso Cleber. Muito boa a sua sugestão, vamos anotá-la. Vamos preparar esse evento para que nós possamos debater os dez anos da implementação da lei e fazer uma discussão nos termos que você coloca, não apenas a garantia da entrada na universidade, mas a garantia também da possibilidade de viver, e viver dignamente enquanto se exerce esse direito importante, que é o de estudar no que diz respeito à população negra. O Jean Pierre voltou, eu vou convidá-lo aqui para falar em nome do Instituto Nacional Afro Origem. (Pausa.) Parece que ele não voltou. Então, vou passar a palavra para a Jéssica Vanessa, representante da CEN, para que ela possa utilizar os seus três minutos. A SRA. JÉSSICA VANESSA (Para expor.) - Bom dia a todos e a todas. Gostaria de saudar a todos, principalmente à Mesa, que fez um debate extremamente importante, e o Humberto Costa também, o Senador. Bom, vou dar uma contribuição rápida para que dê tempo para que todos possam dar suas contribuições. Enfim, entendendo que é de extrema importância o debate que está sendo feito hoje: compreender que não haverá um País igualitário e democrático enquanto a passada dos jovens forem mortos pela violência do Estado em um projeto de necropolítica, principalmente enquanto a população negra for alvo especial das políticas de encarceramento em massa e punitivas do Estado também. O que alguns companheiros colocaram aqui em relação à segurança pública, ao bem viver, ao bem-estar. Entender também que não há uma democracia efetiva tão pouco uma equidade social sem acesso à educação pública de qualidade, aos serviços de segurança, ao bem-estar e à proteção social e da justiça. |
| R | Também quero colocar aqui a importância que a gente possa voltar novamente com a CPI do etnocídio da juventude negra. Essa é uma pauta de extrema importância. Precisa estar dentro das agendas emergentes dos movimentos e principalmente dos Parlamentares que dizem ser contundentes a essa pauta em relação ao Movimento Negro, à sociedade e principalmente à relação do genocídio da juventude negra. Precisamos votar e pensar e ver o que fizemos na CPI em 2015, o que foi realizado, o que está pausado dentro do Congresso, dentro da Câmara, e novamente reconstruir e trazer pontos importantes para que a gente possa ter essa pauta novamente, feita pelo movimento, principalmente pelo movimento de juventude. Por fim, é isso. Agradeço pelo espaço. E o debate foi de extrema importância. A audiência está sendo muito contundente e, enfim, até mais. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Jéssica Vanessa, representante da CEN. Eu quero de imediato convidar o Gilberto Campos, que é representante do Círculo Palmarino. O SR. GILBERTO CAMPOS (Para expor.) - Bom dia a todos, bom dia a todas. Bom dia, Senador Humberto Costa. Obrigado aí pelo convite que foi feito. Eu queria falar que está patente, que está bem nítido que a luta do povo negro é uma luta incessante pelo direito à vida, pela sobrevivência e pela política do bem viver. Essa matança de negros no Brasil já existe há séculos, e o Estado brasileiro, em toda a sua conformação, nunca tomou uma providência no sentido de cessar e de acabar de vez com esse tipo de extermínio de pessoas que são mortas pelo único fato de terem a cor de pele escurecida. Essa questão se naturalizou no Brasil. A morte de pessoas negras é banalizada. O assassinato de pessoas negras está no DNA da formação do Estado brasileiro, enfim. Então é uma questão que vem acontecendo em toda a trajetória do povo negro neste País. E nesse Governo, essa questão tem uma tendência de recrudescer. À medida que essa efervescência política vai crescendo, o Governo fica mais acuado. E como o projeto desse Governo é um projeto de morte, e ele, para desviar a atenção dos erros que cometeu, que estão sendo apurados pela Covid, toda hora surge um fato, e esse fato está diretamente ligado à matança de pessoas negras, não é? E isso tudo ocorre sob o manto da impunidade, e ainda com vários deboches do Governo, do Presidente, criando estereótipos contra a população negra, o que aprofunda ainda mais o racismo na sociedade, não é? Então é preciso investigar, Senador, os crimes praticados por esse Estado assassino, que vem cometendo há várias décadas. Têm que ser investigados, têm que ser apuradas as responsabilidades. E a importância do Parlamento neste momento é fundamental, porque essas questões que envolvem a população negra são discutidas desde o tempo do movimento abolicionista dentro do Parlamento. E o Parlamento foi fundamental nesse processo. E agora nós, população negra, o Movimento Negro, viemos aqui reivindicar do Parlamento Brasileiro, para que ele tome as rédeas dessa discussão, que ele se coloque à frente, que utilize todos os instrumentos para dar um basta nessa necropolítica do Estado brasileiro, que vem acontecendo, não só nesse Governo, mas em outros momentos, numa medida, assim, que se pode investigar através de sistemas de CPIs. |
| R | Por que não criar CPIs das incursões policiais nos Estados, criar Comissões? As Comissões da Verdade que foram feitas na OAB foram desarticuladas, em função de a OAB apoiar o golpe. E a maioria das pessoas que estavam ali fazendo aquela discussão, em protesto, saíram daquelas Comissões. Então temos que criar esses mecanismos para investigar os crimes contra os povos tradicionais de matriz africana, a CPI do Complexo de Israel, que está sendo disseminado pelo Brasil a fora, os crimes contra os indígenas, enfim. São milhões de dinheiro que é aplicado nessas incursões policiais. É dinheiro público, é dinheiro dos impostos, que é pago pela própria população negra, ou seja, a população negra gera receita para o Estado, para que esse dinheiro seja utilizado no extermínio da sua vida. Enfim, nós estamos aqui do lado do Parlamento, e nós contamos com o Parlamento brasileiro, que ele possa fazer essa investigação, para que essa coisa seja apurada, e a morte de pessoas negras não seja mais banalizada como está sendo hoje, neste País. Obrigado pela atenção. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Gilberto, que aqui representa o Círculo Palmarino, pelas suas palavras e pela participação aqui no nosso evento. Eu convido de imediato o Ruan Philippe Marques, representante da Coordenação Nacional de Entidades Negras, para que ele também possa fazer uso da palavra. (Pausa.) O SR. RUAN PHILIPPE MARQUES - Eu estou aguardando aqui, Senador, novamente, esperando a minha vez novamente porque eu me atrasei; a internet travou. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Ok. Bom, como o Ruan não está na sala, eu convido novamente o Jean Pierre. Pois não, Jean. O SR. JEAN PIERRE (Para expor.) - Bom dia a todos e todas. Saudando a ancestralidade, queria agradecer e parabenizar essa importante iniciativa. Estou tirando a máscara para poder falar um pouco. Neste lugar, estou representando o Inaô (Instituto Nacional Afro Origem). A gente tem atuação em mais de nove Estados desta Federação do Brasil. Saúdo o companheiro do Amazonas Christian. Estamos com um trabalho junto aos quilombolas, com os indígenas e comunidades ribeirinhas e tudo mais. E sobre Pernambuco, um pouco mais a gente atuar nacionalmente. Queremos, não só de Pernambuco, mas do Brasil inteiro, retificar a denúncia à intolerância religiosa ao nosso povo tradicional de matriz africana. Estamos contra esse PL que o Governo Federal quer colocar. Somos a favor da demarcação indígena já, contra o genocídio da população negra e, sobretudo, nossos jovens. |
| R | Precisamos de que essa Comissão denuncie especificamente o atual Governo Federal por sua falta de ação, de incentivos, de salvar vidas, e por negar a ciência, a história, de negar a política de segurança alimentar. O Brasil voltou, já há alguns anos, ao mapa da fome. A gente precisa, aqui, garantir as vacinas. A CPI está aí, mostrando o que é que, de fato, esse pessoal tem feito de errado, as construções com doleiros e tudo o mais. E não comprou, especificamente, as vacinas em tempo hábil. Se tivesse comprado deveríamos ter um quantitativo menor de pessoas que se foram, nossos amigos e amigas, e de pessoas que a gente não conhece. Ficamos tristes, também, pelas perdas. Saúdo todas as famílias que perderam seus entes queridos, foram mais de 500 mil, no Brasil. Vamos falar de direitos humanos, da chacina, também, no Jacarezinho, no Complexo de Israel, no Rio de Janeiro. As religiões de matrizes africanas estão sendo expulsas em nome da Bíblia, em nome da igreja. Mas qual igreja é essa? A igreja que conhecemos é de trabalhos sociais, de ação, de unidade e de defesa da laicidade. Esses setores neopentecostais têm se juntado com os narcotraficantes, no Brasil, para destruir, especificamente, a população negra. Porque aquele irmão ou irmã que está ali naquela boca, como se diz, num comércio - porque é um comércio - é o pequeno, mas nunca a Polícia Federal pega o grande distribuidor, aquele que, inclusive, não usa a cocaína e outras drogas como o crack. Precisamos de políticas para salvar os nossos jovens, de incentivo, de cursos, capacitação. Vamos demorar mais de trinta anos para a reparação histórica do nosso povo, para colocar a igualdade novamente. Se já existia esse déficit, no Brasil, para a população negra, nessa pandemia ele aumentou. Peço que essa Comissão também denuncie o Governo Federal na ONU, porque precisamos de apoio. E não é só isso: o déficit habitacional tem crescido. No Brasil, são mais de 8 milhões de famílias. Em Pernambuco, o déficit habitacional... A gente está precisando de apoio, de incentivo do Governo Federal - o que não tem havido -, mudando os programas. São mais de 500 mil famílias, em Pernambuco, precisando novamente de casa. Humberto já foi Senador, já debateu muitas ações em outros Governos - e neste Governo também - e já entregou habitacionais. Quero lembrar que os habitacionais que foram entregues, em Pernambuco, pelo Governo Lula, em Recife, em Brasília Teimosa. Então, restando os meus quinze segundos, eu agradeço em nome do Inaô, do Presidente Igor Frederico - a gente tem satisfação - e a todas as entidades que estão aqui construindo essa pauta. Ao Movimento Negro Unificado o meu abraço, do qual também sou membro da Coordenação Estadual, em Pernambuco. Ubuntu e vamos nos cuidar. Muito obrigado, Senador Humberto Costa, à Comissão de Direitos Humanos e a todos os Parlamentares... O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Obrigado, Jean. Muito boas as suas sugestões. Vamos incorporá-las ao nosso trabalho. Quero convidar agora o Rafael Vicente, que é representante do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira. (Pausa.) O Rafael está aí? Vou chamar, então, a Tatiana. O Rafael está aí? Não? (Pausa.) Tatiana Oliveira é representante da Rede Antirracista Quilombação. |
| R | A SRA. TATIANA OLIVEIRA (Para expor.) - Bom dia a todos, todes e todas. Agradeço o convite do Senador Humberto para compor esta audiência pública. Nós, negras e negros, não conseguimos respirar. Nós não queremos fome, nem bala, nem Covid. A população negra defende o bem viver, a população negra é a mão da limpeza, a força do trabalho que construiu esta Nação. O racismo estrutural que instituiu o escravismo por quase quatro séculos, aboliu a escravidão no papel, mas não incluiu a população negra como cidadã da sociedade brasileira, pois a democracia nunca chegou à periferia. Ora, os senhores podem me perguntar: como assim não vivemos uma democracia plena? Pergunto às Senadores e aos Senadores da República se a democracia é plena quando parte da população está sujeita a tomar tiro, porrada e bomba da polícia, que deveria nos proteger. A companheira Dara Sant'Anna nos lembrou da operação genocida de Jacarezinho. As Sras. e os Srs. Senadores imaginam como seria acordar, sair para trabalhar e se deparar com uma operação dessas na sua vizinhança? Estarem em um metrô, indo para o seu trabalho e levar tiro? Não tem mais como aceitar e admitir que a população negra seja morta pelo Estado brasileiro. Eu farei 43 anos no próximo dia 24 de julho. Tenho quase a idade do Movimento Negro Unificado, que foi formado nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, denunciando a violência policial. Não é de hoje que somos mortos. Que polícia é essa que coloca a maioria da população brasileira como suspeita, mesmo que se prove o contrário? Uma política pública que tem como objetivo mirar na cabeça e atirar não é uma política pública de um Estado democrático de direito. No caso das mulheres negras enfrentamos, além do racismo, o machismo, a classificação social que nos relega ao elevador de serviço. Nós, mulheres negras, carregamos o peso do mundo, o peso de uma sociedade racista, machista, classista, LGBTQIfóbica, o peso do cuidado da família, o peso de ser maioria no trabalho doméstico, no serviço de limpeza dos hospitais, das escolas, de todas as instituições públicas e privadas. Limpamos a sujeira e varremos o lixo, mas queremos mesmo é limpar a miséria, a pobreza, varrer a fome desinfetar o mundo da opressão. A pandemia da Covid-19 gerou uma crise sem precedentes e escancarou todo o peso carregado pelas mulheres negras. Uma das primeiras pessoas infectadas pelo coronavírus que morreu, no Brasil, foi uma empregada doméstica que sequer sabia que seus patrões tinham trazido o vírus do exterior. Isso diz muito sobre o valor as nossas vidas. Há quase um ano, uma trabalhadora teve que levar seu filho para o condomínio onde estava... Já fez um ano, não é? Vou repetir porque fico muito emocionada de relembrar esse caso, que mexe muito com a gente. Há quase um ano uma trabalhadora levou o seu filho para o condomínio onde trabalhava e, criminosamente, a patroa o dispensou, dentro de um elevador, várias vezes, expondo-o ao perigo, até ele cair e morrer. A Vereadora mais votada do Rio de Janeiro foi executada, e até hoje não sabemos quem mandou matar Marielle Franco. Qual é o valor da nossa vida? Se antes de 13 de maio de 1888, nós éramos escravizados e tratados como mercadorias, hoje continuamos sob os açoites do racismo e do machismo, continuamos sendo os corpos mais explorados pela sociedade. |
| R | Mas também é importante dizer que a antítese da opressão é a resistência, e que a população afro-descendente sempre confrontou o sistema de poder. De nossos ancestrais recebemos o legado de luta contra o racismo, o machismo, a classificação social, a LGBTfobia e todas as formas de opressão. Somos milhares de ativistas, intelectuais e lideranças comunitárias. Os nossos passos vêm de longe, e eu sou grata a todos que caminharam antes de mim e por todos e todas que continuarão essa caminhada quando eu não estiver mais aqui. A democracia não chegou na periferia! Quilombação presente! Marcha das mulheres negras presente! Marchar contra o racismo eu vou! Marchar contra a violência, marchar pelo bem viver - pelo bem viver, pelo bem viver! Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Tatiana. Muito importante a sua fala, muito contundente a denúncia que você nos traz e traz uma questão sobre que eu creio que todo o movimento negro organizado precisa continuar trabalhando, e muito em especial nesse ano que entra, em que nós vamos ter eleições: ampliar a representação dos negros e negras no Parlamento brasileiro é uma tarefa extremamente importante. Não que isso vá substituir a luta social. Não, pelo contrário. Porém, é fundamental que, nos momentos em que nós estamos discutindo as grandes políticas, possamos ter aqui um número maior de pessoas que tenham compromisso com essa causa. Muitos Parlamentares e muitas Parlamentares negras no Brasil, na Câmara, no Senado, têm cumprido esse papel importante, e é fundamental, como você refletiu aí, que nós possamos levar tudo isso em consideração na hora de darmos o nosso voto para a composição do Parlamento no próximo ano. Eu vou convidar o último inscrito, para, depois, nós entrarmos aqui na atividade cultural. É o Arilson Ventura, que é representante da Coordenação Nacional de Quilombo. O SR. ARILSON VENTURA (Para expor.) - Senador Humberto Costa, muito bom dia. Quero dizer da alegria de nós podermos estar aqui. Eu sou da Comunidade Quilombola Monte Alegre, que fica em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo. Sou um dos coordenadores nacionais da Conaq. Quero cumprimentar aqui a companheira Givânia Silva. Na pessoa de Givânia, que é uma grande liderança do movimento nacional de quilombo, inclusive uma das fundadoras da Conaq, na pessoa dela, cumprimentar todos os representantes das entidades que falaram aqui, assim como, também cumprimentar todas as organizações presentes aqui. Senador Humberto Costa, eu vou iniciar aqui a minha fala fazendo uma leitura de um poema, que é mais ou menos assim: Fogo!… Queimaram Palmares, Nasceu Canudos. Fogo!… Queimaram Canudos, Nasceu Caldeirões. Fogo!… Queimaram Caldeirões, Nasceu Pau de Colher. Fogo!… Queimaram Pau de Colher… E nasceram, e nasceram tantas [...] comunidades que os vão cansar se continuarem queimando. Porque mesmo que queimem a escrita, Não queimarão a oralidade. Mesmo que queimem os símbolos, Não queimarão os significados. Mesmo queimando o nosso povo, Não queimarão a ancestralidade. |
| R | Esse é um poema do Nêgo Bispo, que é um companheiro quilombola do Piauí, do Quilombo de Saco-Curtume, no Município de São João do Piauí, e ele fala muito bem dessa questão em que, todos os dias, tentam dizimar uma comunidade quilombola, um quilombola pelo País. No Brasil, são, aproximadamente, 6 mil comunidades quilombolas. Dessas 6 mil, a Fundação Palmares já certificou, aproximadamente, 4 mil comunidades quilombolas. Existem, aproximadamente, 1,8 mil processos abertos no Incra para titulação dos territórios das comunidades quilombolas. Porém, nós temos, aproximadamente - aproximadamente -, 300 títulos definitivos da terra titulada no Brasil. Mesmo tendo, aproximadamente, 6 mil comunidades quilombolas e 1,8 mil processos abertos para titulação de territórios quilombolas, temos apenas 300 títulos definitivos da terra no Brasil. Houve uma época em que nós, aproximadamente do ano de 2003 até 2015, falávamos que nós tínhamos no Governo Federal uma bancada que representava as comunidades quilombolas. Aí, nós falávamos da Fundação Cultural Palmares, do Incra, da CPI, do MDA e de alguns outros organismos que se aproximavam com políticas afins para quilombolas. Mas, hoje, nós temos um processo altamente avesso a isso. O retrocesso se abateu no País. A gente não consegue avançar. Nós não conseguimos titular nenhum território quilombola de 2015, 2016, 2017, 2018, 2020 para cá. Nenhum - nenhum. Então, isso é muito preocupante para nós. Sem contar que, de quando em vez, ainda surgem propostas de alteração da legislação para alterar a Convenção nº 169, que fala sobre o direito das comunidades quilombolas, para alterar o processo de licenciamento ambiental, que protege, de alguma forma, as comunidades quilombolas. Então, a gente vive numa situação em que a gente precisa ter o apoio da Comissão de Direitos Humanos, para apoiar as comunidades quilombolas, porque, na verdade, a gente não pode ficar só nesse processo. Então, Senador Humberto, é muito importante essa audiência, com que nós contamos, porque o retrocesso está colocado. A política pública tem chegado de forma muito tímida até as comunidades quilombolas. Então, nós precisamos avançar. E, para finalizar aqui, vou parafrasear, também, a frase da professora e escritora Conceição Evaristo. Ela diz: "Eles [insistem em] [...] nos matar, mas nós combinamos de não morrer". Então, a gente precisa, de alguma forma, Senador Humberto Costa, criar condições para que a política continue chegando até as comunidades quilombolas, fato que não tem ocorrido hoje. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Arilson. Muito significativa, muito bonita a sua fala. Obrigado. O nosso compromisso é esse, de lutar pelas comunidades quilombolas brasileiras. Temos nos associado a esse debate que ainda existe no Supremo Tribunal Federal com relação aos questionamentos à legislação que definiu o processo de registro e de reconhecimento dessas comunidades e, sem dúvida, essa é uma luta muito importante. Só para terminar aqui o nosso trabalho de hoje, eu concedo a palavra ao Marcolino Vinicius Vieira, que é representante do Fórum Salve - Teia Nacional de Artistas em Transportes Coletivos, para uma intervenção cultural e, logo em seguida, nós vamos terminar a nossa atividade de hoje. |
| R | O SR. MARCOLINO VINICIUS VIEIRA (Para expor.) - Muito obrigado. Eu quero, inicialmente, dar um salve para todos e todas, através do Senador Humberto Costa, à Dara Sant’anna, ao Silas Felix, à Ana Georgina Dias e à Givânia Maria, minha griô e parente quilombola. E, em nome dessas pessoas, eu dou um salve pra geral aqui nessa audiência pública do Senado Federal. Comunidade, eu sou Marcolino Vinícius Vieira, estudante cotista de universidade federal. Eu tenho 27 anos e estou vivo, contrariando o projeto racista brasileiro. Eu sou quilombola de uma comunidade que, por segurança, não anunciamos, devido às violências de morte que há contra nós, aqui, no nosso território, aqui no interior da Bahia. Eu coordeno, hoje, o Fórum Salve, que é uma teia nacional de poetas de favela. E, antes da minha fala, eu quero fazer uma intervenção artística, porque poeta espalha o vírus, o vírus da poesia. 1888. Ó, o assunto é racial; é ver o pretinho falar disso de novo. Mas tu acha pouco? Tá vendo aquele edifício moço? Ajudei a levantar. Foi um tempo de aflição; eram quatro condução, duas para ir e duas para voltar. Hoje, depois dele pronto, olho pra cima e fico tonto. Aí, vem o cidadão: "Tu tá aí admirado ou tá querendo rodar?" É; 1888 não enterrou não, continua a cada dia, é só a gente olhar e usar a nossa imaginação. Mas, até 1988, é, e chegou a cidadã. A cidadã Constituição, que foi feita por mim e por você irmã, é! Constituição cidadã pode e pá! E, até 2002, a gente veio construindo o passo a passo, e conseguimos somar, no compasso, aquilo que não queriam que a gente fizesse: uma rebelião de gente preta, de gente branca, de gente indígena e de todas as populações desse território. E, a partir disso, comunidade, tomamos o poder. Até 2016, ó, venha com você perceber, veio um grande golpe pra tirar de mim e de você aquilo que a gente, com muito sangue, suor, tempo, saúde e energia, conseguimos: o poder. É; aquele golpe não acabou por ali. Em 2018, eles continuaram, enfim, a se construir, a se constituir, para que ali, naquele período pudesse ter... (Falha no áudio.) ... aquilo que ... (Falha no áudio.) ... não era real. Pior que tá pode ficar! E eis que o fascismo veio tomar o poder. E, a partir disso, destruir tudo que foi construído por mim e por você. É, irmão, por mim e por você! É, sim, irmão, por mim e por você! Mas isso tudo vai se transformar, isso tudo vai mudar, porque a rebelião preta já começou. É; e ela não veio agora iniciar; há muito tempo... 1888. Dá pra ligar? Se pá! A Abolição, que ainda não acabou.... (Falha no áudio.) Desde a época do meu e do seu avô.... (Falha no áudio.) ... se reerguer... (Falha no áudio.) A gente vai ver de pé, porque faremos tomar de novo, faremos tomar de novo... (Falha no áudio.) ... comigo, pense comigo e escute comigo, meu povo. Faremos tomar de novo, faremos tomar de novo, pra retornar... (Ininteligível.) ... autoria. Então, no término da minha fala, eu quero rapidamente falar algo que é muito importante e que é muito interessante que todos saibam aqui. A gente, do Fórum Salve, da Teia Nacional de Artistas e Poetas em Transportes Coletivos, ônibus, metrô e ferry boat, a gente traz uma porção de expectativas... Viva a cultura periférica! Viva nós, quilombolas... (Falha no áudio.) |
| R | ... primeira pessoa da minha... (Falha no áudio.) ... Senado Federal. Do ponto de vista... (Falha no áudio.) O importante é ter vocês, Senadores e Senadoras, Deputados e Deputadas também. Nós, quilombolas, indígenas das periferias, que estamos em situação de vulnerabilidade socioeconômica, estamos em mobilização nacional: permaneça no ensino superior! Nesse período agora, do dia 12 ao dia 17, aí em Brasília... (Interrupção do som.) O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Bom; infelizmente, acho que a internet não estava muito boa, mas eu quero agradecer aqui ao Marcolino essa contribuição que ele fez, as suas palavras. A importância de nós transformarmos em poesia toda essa luta é também fundamental, porque a nossa luta é também cultura. Eu quero, mais uma vez, agradecer a todos os nossos convidados, as nossas convidadas. Vocês viram que a mesa que nós compusemos aqui foi predominantemente formada por mulheres, para que nós pudéssemos ter essa importância, essa contribuição, levando em consideração também esse aspecto. É difícil fazer parte da comunidade negra e é muito difícil ser uma mulher negra, e nada mais justo que nós pudéssemos trazê-las para que elas pudessem abordar esse aspecto tão relevante, tão importante. Quero agradecer também a todas as entidades que compareceram, que puderam aqui se manifestar. Vamos encaminhar todas as questões que nós assumimos como relevantes aqui aos demais Senadores, ao movimento, esse nosso compromisso de fazer esse debate nos dez anos das políticas de cotas no Brasil, para fazermos esse balanço. E quero agradecer também a todos e todas que acompanharam esta live, essa audiência pública pela internet, pela TV Senado. E quero especialmente agradecer aqui a participação da Senadora Zenaide Maia, do Senador Paulo Paim. Um abraço a todos e todas! Muito obrigado a todos e todas. (Iniciada às 9 horas e 03 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 54 minutos.) |

