Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Boa tarde. Havendo número regimental, declaro aberta a 23ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Educação, Cultura e Esporte da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura. A presente reunião tem por finalidade instruir o PL 4.656, de 2020, que "altera a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, Lei de Cotas nas Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino Técnico de Nível Médio e dá outras providências", para assegurar a continuidade das cotas e a sua aplicação às instituições particulares de ensino, em atendimento aos Requerimentos nºs 27, 28, 30 e 42, de 2021, de minha autoria, e ao Requerimento nº 41, de 2021, de autoria dos Senadores Plínio Valério e Marcelo Castro. A audiência pública será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria 0800-0612211. A Presidência concederá a palavra aos convidados pelo prazo de dez minutos. Após a exposição, a palavra será concedida às Sras. e Srs. Senadores na ordem de inscrição. Participam desta reunião, por meio de videoconferência, os seguintes convidados: Frei David Santos, Diretor Executivo da organização não governamental Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro); Magnífico Reitor Dr. José Vicente, Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares - ambos já estão na tela -; Dra. Luciana de Oliveira Dias, Professora da Universidade Federal de Goiás; Sra. Bruna Chaves Brelaz, Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE); Sra. Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves, Presidente da Nação Mestiça e Conselheira de Igualdade Racial; Dra. Lívia Sant'Anna Vaz, Promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia. Antes de iniciarmos, e eu farei uma fala preliminar, nós também falamos a todos que teremos a seguinte sequência: eu falarei na abertura; depois, cada um fala dez minutos; depois, eu farei algumas perguntas; e, depois, vocês terão mais cinco minutos ou sete para fazer as considerações finais e responderem as perguntas. Vou fazer a fala da Presidência da abertura dos trabalhos. |
| R | Hoje é dia 10 de dezembro de 2021. Celebramos os 73 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o maior pacto feito pela humanidade e que traz em seu art. 1º: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade". Em dias tão desafiadores, onde a pandemia assola o mundo, a violência abraça os grupos "racializados", a fome corrói a carne, como diz a música, o desemprego aumenta e a inflação também, o que mais precisamos nesse momento é de políticas humanitárias, de fraternidade. Em meio a tantos estímulos, teremos o que eu chamo de um bom debate de uma das maiores políticas públicas criadas para reparar os quase 400 anos de escravidão em um País racista e desigual. A louvável Lei de Cotas que será revisada no próximo ano é o eixo do debate. O Congresso Nacional precisa reafirmar essa política exemplar que registra, entre 2010 e 2019, o crescimento de quase 400% do número de alunos negros e negras no ensino superior. Um total ainda abaixo de alunos matriculados, 38,15% diante dos 56,2% da população brasileira que é negra. Dados do Quero Bolsa e do Censo da Educação Superior. Tramitam no Senado e na Câmara mais de 35 projetos que modificam a atual Lei de Cotas, entre elas, as mais variadas, há propostas que falam que automaticamente fosse revisada para mais de 10 anos, outras falam em 20, 30 e outros para que a legislação seja permanente, até que as desigualdades no País sejam sanadas, mas existem também proposições que retiram a identificação da raça e deixam somente o termo renda. A chamada popularmente Lei de Cotas, Lei nº 12.711, prevê o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais do ensino técnico de nível médio para aqueles autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salários mínimos per capita e alunos oriundos de escolas públicas. Para garantirmos a continuidade dessa histórica política pública, apresentamos, no caso, eu apresentei, atualmente, em conversa com diversos setores da sociedade, o Projeto de Lei nº 4.656, de 2020, que assegura a revalidação e permanência de vagas para negros, indígenas, pessoas com deficiência, alunos de baixa renda e estudantes de escolas públicas em universidades públicas e estudos federais e traz consigo a inclusão do recorte com as atividades previstas na lei. Esse é o projeto que está em pauta e, naturalmente, quando a gente apresenta um projeto, para todos que estão nos assistindo, o objetivo é debater - essa é a primeira audiência pública - para aprimorar, melhorar e fazer com que ele represente de fato a vontade daqueles que mais precisam, que são as populações mais vulneráveis e carentes da sociedade. Quero destacar aqui a Dra. Lívia Sant'Anna. |
| R | Dra. Lívia Sant'Anna foi a liderança que nos acionou junto com a Diretora-Geral do Senado, Ilana Trombka, para que apresentássemos lá atrás essa matéria já para o debate, prevendo o que iria acontecer a partir do mês que vem, entendendo que estamos em dezembro, o ano está terminando, já é quase 2022. Junto com o Relator, todos nós - podem ter certeza -, aqueles que estão no debate e aqueles que vão participar a distância, todos nós queremos aprimorar a matéria. No decorrer da tramitação, realizaremos tantas audiências públicas e lives quantas forem necessárias, contando sempre com a parceria de especialistas e com os movimentos negros do Brasil, para avançarmos e garantirmos uma educação inclusiva para todos. Essa é a nossa missão. Claro, quando a gente fala negros, estamos falando de cotas, mas a parceria faremos com negros e brancos, porque sabemos que, como dizia Martin Luther King, o sonho dele era ter uma sociedade onde brancos e negros sentassem à mesma mesa e dividissem o mesmo pão. Para os que entraram agora, eu já disse, nessa minha introdução, que os trabalhos vão se desenrolar da seguinte forma: eu, de imediato, vou abrir a palavra para cada um dos convidados por dez minutos, sem prejuízo nenhum para que, num segundo momento, a gente tenha perguntas e, no final, viriam as considerações finais. Então, já estão conosco aqui - estou vendo na tela - Frei David, José Vicente, Reitor, Dra. Luciana de Oliveira Dias e a nossa Presidente da UNE, a líder Bruna Chaves Brelaz. Vamos, de imediato, pela minha sequência aqui da ordem de fala. Começamos, de imediato, com o Frei David Santos. Frei David é Diretor Executivo da Educafro, um defensor de cotas há muitos e muitos tempos e que esteve, permita-me que diga, Frei David, naquele embate histórico que tivemos no Supremo Tribunal Federal, quando foram indicados dois Senadores, um negro e um branco - foi um branco e eu fui como negro -, para defender a política de cotas. Estava lá o Frei David. A sua equipe participou ativamente daqueles debates - e não só lá, em outros momentos. Falei desse porque nesse eu fui convocado para ir ao Supremo naquela data histórica, que depois entrou no filme Raça. De imediato, Frei David Santos, Diretor Executivo da Educafro, tempo de dez minutos. O senhor tem que abrir o microfone. (Pausa.) Percebi que o Frei David está com problema e pede para esperar um pouco para ele adaptar lá a internet, então, pela sequência - eu vou seguir a sequência que está aqui -, depois do Frei David, falaria - espero que ela assim entenda, se fosse possível - a Dra. Luciana de Oliveira Dias, antropóloga, estudiosa do pensamento feminista negro e Professora Associada da Universidade Federal de Goiás (UFG), Diretora da Associação Brasileira de Antropologia. A SRA. LUCIANA DE OLIVEIRA DIAS - Boa tarde, me ouvem? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Boa tarde. Perfeitamente, Dra. Luciana. As mulheres um passo à frente sempre. A SRA. LUCIANA DE OLIVEIRA DIAS - Ai, que bom. Que bom. Eu gostaria de fazer a projeção de um PowerPoint. Eu preciso de uma pequena ajuda para projetar esse PowerPoint. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu peço aí à assessoria da Comissão, que está acompanhando os trabalhos - eu estou no Rio Grande do Sul, e eles estão monitorando de Brasília, aí do próprio Senado -, que possa contribuir com a Dra. Luciana, para que ela faça a sua apresentação. Peço aqui à minha assessoria, aqui no Rio Grande, que acione o Tiago lá, se for necessário. E, se for o caso, Dra. Luciana, nós vamos um passo à frente, enquanto eles entram em contato com a senhora para a devida adaptação da exposição. Agora... A SRA. LUCIANA DE OLIVEIRA DIAS - Podemos dar um passo à frente? Eu não estou conseguindo... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está bem. Então vamos dar um passo à frente. Neste momento, Dr. José Vicente, você foi o sorteado para iniciar. (Risos.) Democraticamente. Dr. José Vicente, Reitor e Diretor-Geral e acadêmico da Faculdade Zumbi dos Palmares. Pelo que percebi hoje - eu soube da notícia aqui pelo meu WhatsApp -, V. Exa. foi convocado para estar no Conselho... Eu li rapidamente: Conselho da Folha, não é? A palavra é sua e pode ter um minuto para colocar esse novo convite. Sei que a sua carreira é muito longa, o seu currículo maior ainda. A palavra com o Sr. Reitor José Vicente. (Pausa.) Ah, deu. O SR. JOSÉ VICENTE - Agora sim. Perdão, é que eu estava sem microfone no começo do problema, mas... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Doutor, eu agradeço muito a sua presença e pode crer que, no meu escritório, que é aqui no Rio Grande do Sul, eu tenho uma placa muito grande na parede do dia em que eu recebi o Prêmio Raça das mãos de V. Exa., lá na Universidade Zumbi dos Palmares. O SR. JOSÉ VICENTE (Para expor.) - Foi devido e foi merecido, estimado amigo e digníssimo Senador Paulo Paim. Eu quero, primeiramente, agradecer a gentileza, a deferência e a honra de ter sido convidado e poder participar desta importante audiência. Quero cumprimentar o senhor e todos os Senadores da República pela atenção, pela dedicação a esse tema, e quero pedir licença para cumprimentar a todos os demais e também àqueles que nos acompanham, na pessoa da Bruna Brelaz, que é a nossa Presidenta da UNE (União Nacional dos Estudantes), uma jovem, uma mulher negra, aguerrida, que está conduzindo os destinos da educação dos nossos jovens brasileiros nesse novo normal que se inicia. Senador, de fato, eu também fui tomado de surpresa e de uma grata alegria, quando, então convidado que fui, soube da disposição do jornal Folha de S.Paulo de fazer mais uma mudança importante na sua trajetória. Eles, que já tinham, nos últimos dois anos, colocado dez articulistas negros para estarem presentes todos os dias nas suas páginas - a Djamila Ribeiro, o Sílvio Almeida, o Professor Thiago Amparo, a Cida Bento, enfim, tantas personalidades negras que agora passaram a ter vez e voz na Folha de S.Paulo -, agora decidiram ampliar nessa proposta de valorizar a diversidade e, por conta disso, além das mulheres, também desejaram aumentar a presença de negros no conselho editorial. |
| R | Com isso, fui convidado, juntamente com o Professor Thiago Amparo e também com a Luiza Trajano para que pudéssemos integrar o conselho editorial da Folha e, com isso, levar as nossas visões de mundo, as nossas agendas, as nossas também necessidades, demandas e as nossas apreensões para que pudéssemos ajudar a Folha a olhar de uma forma mais ampliada, mais aprofundada e mais assertiva para as dimensões da pluralidade e da diversidade de que o nosso País precisa e necessita. Então, por conta disso, eu assumi esse posto, com a missão logicamente de levar a nossa bandeira, de levar a nossa causa, mas também ajudar a que a formação da opinião pública possa contemplar tantas outras agendas que, ao longo da história, não tiveram tratamento adequado. Então, a partir de hoje estamos lá e, como sempre, à disposição de todos para que, com a nossa presença, a nossa voz e, junto com os demais, a gente ajude a nossa mídia a fortalecer e a valorizar a diversidade estética que precisa estar presente em toda a comunicação social e publicitária do nosso País. Senador querido, o senhor sabe e tem acompanhado o que foi a luta, sobretudo da nossa Universidade Zumbi dos Palmares, para poder se constituir e depois se consolidar como um espaço importante para a inclusão e para a qualificação do negro brasileiro. Quando nós fizemos isso, quando nós ainda estávamos nos bancos escolares pensando em construir uma ação dessa natureza, nós primeiramente, de uma forma muito gentil, recebemos um convite do consulado americano para conhecer a história das universidades negras nos Estados Unidos. E a primeira delas que nós fomos conhecer, que eu fui conhecer, foi a Universidade Howard, ali em Washington, no centro de Washington, que é uma universidade negra, voltada para os negros, e que, entre tantas outras personalidades, formou a nossa Vice-Presidenta dos Estados Unidos, Kamala Harris. Mas o detalhe é que a Universidade Howard - e eu fiquei assustado quando tomei conhecimento dessa informação - foi fundada, em 1867, para formar os primeiros médicos negros naquela região de Washington. Fiquei logicamente chocado com essa informação quando a conheci, mas depois soube também que, junto com a Universidade Howard, havia mais 130 delas, mais ou menos daquela mesma época, que, da mesma maneira, se constituíram como esse espaço público para o jovem negro - a despeito de se separar dos mais iguais, a despeito inclusive da própria perspectiva do racismo oficial e da segregação oficial nos Estados Unidos - e puderam se apresentar como uma oportunidade de que negros fossem à universidade e os brancos também, de que negros fossem à sua igreja e os brancos também, de que negros acessassem o conhecimento e os brancos também, ou seja, separados, mas iguais; separados e com todas as políticas públicas que pudessem permitir o desenvolvimento intelectual e profissional de todos eles. |
| R | Logicamente que eu não estou dizendo que essa é uma medida adequada, correta; eu estou narrando o que ouvi e vi lá naquela oportunidade. Mas o fato é que 56% daquelas então 130 universidades negras eram e continuam sendo universidades públicas. O governo construiu universidades públicas, ainda que tomado por um sentido e uma política de segregação racial, e permitiu, então, que desde 1835... A Universidade de Cheyney, na Pensilvânia, é de 1835; ou seja, quando nós conversamos com um jovem negro da nossa idade - um sessentão, coloquemos assim -, e vamos ali tomar uma cervejinha nos Estados Unidos ou mesmo no Brasil e falamos de educação, a primeira postulação dele é sempre no sentido: "Olha, quando o meu bisavô se formou...". E você fala: "Oi?". Porque é da tradição do negro americano; desde 1835 as universidades estavam abertas para que eles pudessem, então, fazer seu processo de formação. Aqueles 40% das universidades que não são públicas são custeados mediante um fundo do governo federal americano, de modo que 130 universidades cumprem esse papel de fornecer os quadros e recursos para os Estados Unidos da América, tendo fornecido desde Ministros da Suprema Corte, como é o caso do Thurgood Marshall, até prêmios Nobel e grandes administradores e grandes personalidades americanas. Bem, então foi isso que inspirou a nossa ideia para que depois viéssemos no Brasil, e mesmo antes de o Brasil começar a discutir cotas, a Zumbi já estava de pé. Quando da primeira medida de cotas de 2002 no Rio de Janeiro, a Zumbi estava de pé - enquanto projeto, no ano 2000. Mas eu só estou retomando isso para dizer que qualquer país, em todos os tempos, mesmo diante das suas mais sensíveis dificuldades, nunca deixou de tratar a educação como uma ação sensível e estratégica, e por conta disso, todo o empenho, todo o esforço para permitir que essa educação chegasse a todos e todo o esforço para permitir e encaminhar a presença de todas as representações para dentro do ensino superior, sobretudo o ensino superior público. Aqui no nosso Brasil, como nós sabemos, de uma forma muito distorcida, 80% dos jovens que precisam acessar o ensino superior precisam ir para as universidades privadas porque a nossa universidade pública não dá conta de atender a mais que 20% da demanda dos alunos, e, além do mais, são números muito limitados de universidades. E o processo de acesso a essas universidades públicas foi um processo que muito poucas vezes contemplou essa necessidade de ser um espaço não só representativo, mas um espaço plural e democratizado, de modo que construísse condições para que todos estivessem presentes e participantes. Isso se deu, sobretudo, porque a nossa universidade pública fez uma preferência para o recorte de renda, porque ao final ela colocou alguns limites para acesso a essa universidade, e o limite é um conhecimento às alturas, mas um conhecimento às alturas que somente a classe média rica podia pagar essa preparação para estar na universidade pública. O resultado é que hoje o nosso País não conseguiu cumprir uma meta, que é exigível para sua própria sobrevivência, de estoque de mão de obra e estoque de recursos humanos, que é justamente uma porcentagem de, pelo menos, 25% dos jovens em idade escolar nas universidades públicas. Para o senhor ter uma ideia, aqui na Argentina, nosso vizinho, nossos hermanos, 40% dos jovens em idade universitária estão na universidade. Aqui no Uruguai, vizinho do nosso Senador - dá para ver pela janela o Uruguai -, 27% dos jovens em idade escolar estão na universidade. E nos países desenvolvidos, a média é de 55%, chegando, por exemplo, na China, a quase 60% dos jovens, então, nas universidades. |
| R | O Brasil, entre tantas outras deficiências e impropriedades, apresenta apenas 11% desses jovens. No seu boom, no seu melhor momento, chegou perto de 16% de jovens negros no ambiente do ensino superior; ou seja, nós não conseguimos produzir nem os estoques de recursos humanos necessários para produzir crescimento, para poder produzir desenvolvimento para atender às demandas do mercado como um todo. E entre esse estoque de jovens que não chegam, que não acessam o ensino superior, está a grande maioria dos pobres e entre os pobres, os negros. Eu estou tentando fundamentar que qualquer país e, sobretudo, um país que chegou a ser a quinta potência econômica do mundo no Governo Lula, não poderia ter qualquer outra medida emergencial que não fosse um processo educativo amplo, que contemplasse todos os talentos e que permitisse, ao final, produzir os recursos humanos de que o País precisa inexoravelmente para crescer, para se desenvolver e para se consolidar como um país capaz de atender a todas as demandas da sua sociedade. Não fizemos isso no passado e estamos querendo repetir o erro agora, num futuro que já começou. Por conta disso, é indispensável que a gente mantenha o pouco que nós construímos nessa agenda, e o pouco que se construiu nessa agenda foi justamente a política pública de acesso das minorias às universidades públicas, sejam federais, sejam as universidades privadas, porque as cotas nas universidades públicas federais, mais o Prouni, que tem um recorte para as universidades públicas privadas, e mais o Fies, no seu primeiro momento, na sua primeira formação, que tinha um recorte contemplando essas dimensões, constituíram, então, a mais potente política pública, que aumentou quase em 8% a presença do jovem estudante no ensino superior do nosso País. Para um país que precisa chegar a 40% de jovens formados, nós saímos de 7% e chegamos quase a 15%. Então, isso foi um grande acontecimento. O mesmo que fez com que a Coreia saísse, nos anos 50, de um dos países mais pobres mundo para se transformar numa potência econômica. |
| R | Então, por conta disso, não restam dúvidas: ninguém em sã consciência pode pensar em qualquer outro encaminhamento que não seja garantir a política que está aí, ampliá-la para que ela possa continuar sendo esse espaço de inclusão, esse espaço de acolhimento, esse espaço de qualificação e preparação dos recursos humanos de que o País sempre precisou e de que vai precisar mais ainda num momento em que o mundo faz uma transformação tecnológica, do analógico para o digital, neste momento em que o mundo agora se encaminha para uma transformação que coloca, sobretudo, a economia verde e as dinâmicas das transformações climáticas por uma potência econômica de transformação social, nenhum país do mundo poderia pensar outra coisa que não ampliar a presença da formação de quadro para dar conta dessas novas realidades que estão colocadas. Então, com todos esses fundamentos, é indispensável e inexorável, é quase que inconcebível pensar outra condução que não seja manter essa política. Por fim, a dívida sabida, a indenização não paga e, da mesma maneira, os fundamentos e os pressupostos do que nós pretendemos ser, como Nação, do ponto de vista de república, coisa de todos, democracia, participação de todos e, sobretudo, justiça social e igualdade de oportunidades. E se os desequilíbrios sabidos da escravidão que houve e do racismo que se manteve estão produzindo os danos, nós não temos outra medida a implementar, a garantir e a fortalecer que não sejam essas políticas afirmativas que possam, minimamente, constituir um elemento de tentativa de idealização das oportunidades entre todos os brasileiros. Então, por esses motivos, as cotas não podem ter outros destinos que não sejam a sua prorrogação, e uma prorrogação nos termos que V. Exa. coloca no seu projeto. Enquanto a desigualdade estiver posta por esses pressupostos, a lei tem que ser mantida. No dia em que nós igualizarmos, ela não se faz necessária. Então, por conta disso, essas são as nossas primeiras ponderações e impressões. De novo, primeiro, um cumprimento ao Senador, amigo, parceiro, nosso aliado e um representante extraordinário da nossa comunidade de negros, por ter toda essa preocupação, por ter colocado esse projeto para tratar desse assunto, por ter se associado ao movimento Cotas Sim, para que a gente traga a sociedade civil para nos auxiliar nesse trabalho e, sobretudo, por nos colocar essa oportunidade de debater com todo o País a necessidade, a importância, a inexorabilidade e, sobretudo, a justiça nas cotas raciais no nosso País. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É um dos colaboradores, no campo das ideias - permita que eu diga - na Folha de S.Paulo, o que muito nos orgulha. É tipo um conselheiro. Eu agradeço muito a V. Exa. pela forma introdutiva como colocou o tema e quero também aproveitar o momento para agradecer ao Presidente da Comissão de Educação, o Senador Marcelo Castro, que tem sido um grande parceiro, um homem que olha para a frente, além do horizonte. Posso dizer com segurança: para eu ter conseguido aprovar o relatório de João Cândido, Herói da Pátria, ele foi fundamental. Ele não está aqui, não importa se ele está vendo ou não está vendo; o importante é que eu faço aqui esta homenagem a ele. Como também foi fundamental a Vice-Presidente da Comissão, Senadora Leila Barros. Ambos se somaram na forma que pedimos ao Presidente da Casa. O projeto estava na mesa há muito e muito tempo já, há muitos anos, dá para dizer. |
| R | Ele veio para a Comissão, fizemos um bom debate e aprovamos por unanimidade. Quero também agradecer ao Relator da matéria. O Senador Romário será o Relator desta matéria, por indicação do Presidente da Casa, e ele já se prontificou a estar conosco na construção da vontade do povo que precisa das cotas, daqueles que efetivamente precisam das cotas. Então, registro aqui, na abertura dos trabalhos, que, depois da fala do magnífico Reitor, há o Senador Marcelo Castro, a Senadora Leila Barros e o Senador Romário, que vai ser o Relator desse projeto que nós apresentamos em 2020. O projeto é o 4.656. Claro que, de lá pra cá, muitos foram apensados. Todos serão debatidos. Neste momento, eu passo a palavra à Sra. Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves, que é Presidente da Nação Mestiça e Conselheira Nacional da Igualdade Racial. Só para ficar claro a todos, a D. Helderli foi uma indicação de dois Senadores, e nós indicamos outros. E não houve nenhum obstáculo, a Comissão não vetou ninguém. Todos os indicados foram convidados e estão aqui falando. Agora é a sua vez, Sra. Helderli. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Boa tarde. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Boa tarde! A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES (Por videoconferência.) - Não estou conseguindo colocar para visualizar o áudio. Estou tendo problemas aqui. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, nós vamos fazer como fizemos com os outros. Vamos dar um passo à frente, ou seja, outro convidado fala, e eu peço ao Thiago, da assessoria da Mesa, se puder, fazer contato com você e também com Frei David e com a Luciana, para vocês entrarem na sequência. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Está ótimo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu passaria a palavra neste momento à Bruna Chaves Brelaz, Presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE). Bruna, é com você. A SRA. BRUNA CHAVES BRELAZ (Para expor.) - Muito obrigada, Senador Paulo Paim. Agradeço aqui o convite para que a União Nacional dos Estudantes pudesse falar aqui neste momento. Saúdo também a presença do meu querido Reitor José Vicente, que é um parceiro dos estudantes brasileiros. A gente tem conversado bastante sobre esse tema, como os estudantes podem atuar das melhores formas para que a gente consiga estabelecer a vitória da renovação da Lei de Cotas. Primeiro, para a gente, Senador Paulo, é algo fundamental que o Congresso entenda que as cotas precisam de ser atualizadas, mas precisa ampliar os seus anos de duração, porque nós entendemos que a história do País precisa ser considerada, a história de um Brasil que passou por muito tempo de escravidão e que ainda passa por um período muito duro em que quem sofre no Brasil é principalmente o povo negro, que está nas periferias brasileiras e que ainda não conseguiu avançar na sua ascensão social... (Falha no áudio.) ... para que a gente consiga avançar nesses objetivos. |
| R | Se hoje o Brasil enfrenta um debate muito aprofundado sobre o genocídio da juventude negra, a falta de políticas públicas para a juventude, a falta de saneamento básico, a insegurança alimentar, a fome e o desemprego, a maioria das pessoas que perpassam por todos esses desafios são pessoas negras, principalmente as mulheres negras. Saiu uma última pesquisa em que 92% dos desempregados negros e negras perpassam também pelas mulheres, e essas mulheres geralmente são as chefes de família e têm tentado dar conta do recado nesse período de pandemia - e a gente sabe das dificuldades que nós enfrentamos enquanto mulheres. Então, eu acho que esse debate de cotas vem a calhar também com um debate da estrutura social, exatamente porque o Brasil se localiza nessa estrutura social em que não pode haver nenhum tipo de impeditivo para que haja um... Opa, está voltando aqui o som. Acho que voltou, melhorou. Acreditamos que não pode haver nenhum tipo de impeditivo, para que a gente consiga avançar nas políticas sociais. Eu tenho dito que as cotas têm sido um verdadeiro sucesso para que nós possamos conseguir popularizar a universidade. Inclusive eu faço um parêntese rápido aqui, porque eu estou na universidade do Professor José Vicente. Está havendo uma atividade aqui com os estudantes secundaristas, estou falando de uma sala de aula. Ocupar a universidade, popularizar a universidade é uma missão importante dos estudantes. Se nós entendermos a universidade enquanto uma estrutura de desenvolvimento da Nação, uma estrutura que replica os avanços sociais de um Brasil que busca a sua soberania, nós não podemos pensar essa universidade sem a metade da população brasileira, que são os negros e negras. Então, vejo esse tema, o tema das cotas, como um tema que precisa ser encarado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal como de comum acordo. Nós esperamos que todos os Parlamentares - e por isso ficamos muito gratos que o Senador Paulo Paim seja essa figura de linha de frente, junto com os demais Senadores, que o Senador Paulo colocou aqui - sejam essas figuras de linha de frente, que entendam que as cotas precisam ser um consenso e que não só as cotas sociais, mas as cotas raciais refletem o Brasil que precisa avançar no que tange... Está voltando de novo o som aqui, mas acho que já vai melhorar. É o Brasil que precisa refletir os desafios de um povo que ainda sofre as mazelas aprofundadas desse sistema que nos oprime, nos diferencia da sociedade. Vejo com muita preocupação um debate de uma falsa democracia racial. O Brasil ainda enfrenta um racismo aprofundado. Nós refletimos isso no Congresso Nacional. E este Congresso, como eu disse, vai precisar ter o desafio de procurar esse consenso. Nós temos visto aí atores importantes dentro do Congresso na busca de consensos, para que as cotas consigam ser aprovadas. Nesse aspecto, aqui todos nós concordamos que as cotas precisam ser prorrogadas. Na sua avaliação, nós acreditamos que é preciso refletir, além do acesso ao ensino superior, a garantia da ampliação desse acesso, a oportunidade desses estudantes, a partir de as cotas serem garantidas, nós acreditamos que é preciso debater sobre a permanência estudantil. Nesse contexto que eu falei para vocês, de pandemia, de caos relacionado ao desenvolvimento nacional, relacionado ao desemprego, nós precisamos refletir na questão de que essa parcela da população que conquistou a sua vaga no ensino superior precisa ser amparada a partir de políticas de permanência estudantil. As cotas podem melhorar - a gente tem falado bastante isso. Nós não podemos admitir que um debate sobre cotas seja para que se elimine uma política que está funcionando. Uma política pública que funciona não pode ser eliminada, ela precisa ser aperfeiçoada. E o seu aperfeiçoamento perpassa uma ampliação de debate sobre a garantia da entrada do povo negro e indígena, que também é contemplado a partir das cotas, mas pela permanência estudantil desses estudantes, para que eles conquistem o seu diploma do ensino superior. |
| R | Para a gente, que veio da periferia, que conseguiu ter acesso ao ensino superior, é só mais uma batalha que foi ganha. Nós vamos precisar, dentro da universidade, sempre, ganhar diversas outras batalhas: a de escolher se come no RU ou se paga xérox, a de escolher se paga a conta de luz com a bolsa da assistência estudantil ou se paga os livros que precisam ser comprados. Se nós queremos investir na ciência brasileira, nós não podemos nos permitir achar que é gasto dinheiro com educação - é exatamente esta a palavra: gasto. Investir recurso na educação, investir nesse estudante... É investimento. Um Brasil que procura ser soberano, um Brasil que procura ser desenvolvido precisa investir nesses estudantes negros e negras que dão sucesso, que mostram que produzem na universidade coisas que são fundamentais. O que é um exemplo importante como Jaqueline Góes, que sequenciou os genomas da covid-19, uma estudante negra que virou cientista e sequenciou o genoma da covid-19? Nós precisamos aliar o debate social da equidade dentro da universidade com o investimento na ciência, o investimento em um Brasil em que a universidade aporte a campanha de desenvolvimento de Brasil. Nós da União Nacional dos Estudantes temos muita convicção de que os períodos são muito difíceis, de que o período de ataque aos estudantes, principalmente mais pobres, é muito duro, o ataque ao Prouni, o ataque ao Enem, que são mecanismos também de acesso ao ensino superior que reflete exatamente nesse estudante mais pobre que tem lutado para garantir a sua entrada no ensino superior. Participei aqui, na Faculdade Zumbi dos Palmares, de uma atividade com mais de 200 secundaristas do Brasil inteiro - 200 secundaristas -, que falaram sobre o seu sonho de acessar o ensino superior e que enfrentam exatamente essas dificuldades que a gente colocou aqui. É desses secundaristas que a gente está falando, é desses estudantes que querem colocar o seu diploma na estante de casa, para sua mãe ter o orgulho de dizer: "O meu filho é uma pessoa formada, diplomada". É o que a gente quer falar. Então, fico muito feliz por participar. A UNE está à disposição para que a gente formule, articule com quem for necessário para que as cotas sejam renovadas e a gente consiga mais uma vitória, não só do povo negro, mas do povo brasileiro, um povo que acredita que é preciso derrotar o racismo e garantir mais oportunidades para o nosso povo. |
| R | Peço desculpas, porque eu não vou conseguir ficar, Senador, para a segunda parte. Vou ficar aqui até onde eu consigo. Infelizmente, por conta da volta presencial, agora as agendas são assim: você fala no híbrido, depois você vai para uma agenda presencial, e isso faz parte da nossa dinâmica aqui do movimento estudantil. Então, vou ficar aqui ouvindo com a atenção e me despeço aqui do chat quando eu tiver que sair. Mas agradeço mais uma vez pelo convite. E contem sempre com a União Nacional dos Estudantes - e, é óbvio, a UNE participa da campanha Cotas Sim, que é uma campanha colocada pela Universidade Zumbi dos Palmares, pela Afrobras. Nós temos muito orgulho de levantar essa campanha juntos aí com o Professor José Vicente, para que toda a sociedade se incorpore no debate das cotas e no debate de um Brasil mais igualitário. Um abraço para todo mundo. (Falha no áudio.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Abriu agora. Muito bem, Bruna Chaves Brelaz, liderança nacional, Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Antes que você saia, eu já vou lhe pedir uma ajuda. Posso pedir uma ajuda? - ó, sou eu que peço ajuda! Bruna, nós apresentamos, ainda em 2010, o PLS 214. Aprovei no Senado, e ele cria o auxílio estudantil de um salário mínimo, que pode ser aperfeiçoado, para os alunos carentes. Está na Câmara. Nós temos em torno de uns 14 projetos aprovados no Senado, entre eles está essa bolsa, essa ajuda para os estudantes carentes, correspondente a um salário mínimo. Se a Câmara aprovar, aí é só sancionar. Não sei se é bom aprovar este ano ou no outro ano, na perspectiva de que o Presidente sancione - não é? - e não vete. Se nós conseguirmos até o fim do ano que vem aprovar, pelo menos vamos garantir a sanção, não é? E sabemos que, nesse clima que está aí, é muito difícil. Mas vamos pensar juntos aí. Existem muitos projetos que aprovamos no Senado. Esse das cotas, se aprovarmos, vai também para a Câmara, e aí o debate continua. Mas vamos em frente. Obrigado, viu? Muito obrigado, Bruna. Agora já nos informaram que a nossa querida Dra. Luciana já está apta a fazer a sua exposição. Então, Dra. Luciana de Oliveira Dias, antropóloga, estudiosa do pensamento feminista negro, Professora Associada da Universidade Federal de Goiás (UFG), e Diretora da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). É com a senhora. A SRA. LUCIANA DE OLIVEIRA DIAS - Exatamente: a ABA. Eu vou pedir que seja feita... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Já está na tela. A SRA. LUCIANA DE OLIVEIRA DIAS - Me ouvem? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeitamente. A SRA. LUCIANA DE OLIVEIRA DIAS (Para expor.) - Só um minuto. Eu não estou... Eu deixei de ver vocês.... (Pausa.) Consegui. Vi. Boa tarde. Desculpem o pequeno probleminha. Agora quero falar da minha alegria e da minha honra de estar aqui nesta tarde com o Senador Paulo Paim discutindo uma pauta tão importante; e da minha alegria e honra também de escutar anteriormente o Professor José Vicente e a Bruna, representantes tão importantes nessa pauta no Brasil todo. Pode passar a lâmina. |
| R | A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), em seus comitês e comissões, busca afirmar a importância da continuidade e do aperfeiçoamento das ações afirmativas no Brasil. Desde sua promulgação, a Lei 12.711, de 2012, se tornou um instrumento concreto para a reparação dos danos ocasionados pela negligência estatal e pelo racismo estrutural. O fortalecimento das políticas de reserva de vagas e de ações afins nas instituições de ensino superior é fundamental para a democratização das próprias instituições, tornando a sociedade como um todo mais plural, mais democrática. A partir da compreensão da centralidade das ações afirmativas no debate sobre a promoção da equidade, há que se considerar a avaliação dos resultados alcançados até agora. Pode passar a lâmina. Como resultado das políticas de ações afirmativas, é fundamental a constatação de que a presença de segmentos da sociedade antes excluídos agora compõe as universidades. Conforme a V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos Graduandos e Graduandas das Instituições Federais de Ensino Superior de 2018 e um estudo realizado pela Andifes em 2019, pela primeira vez na história do País a população negra é maioria nas universidades federais brasileiras, alcançando 51,2% desse universo, uma proporção mais representativa da realidade demográfica no País. Segundo essa pesquisa, o número de ingressantes cotistas aumentou consideravelmente a partir de 2013, com a Lei de Cotas já em vigor. Se, em 2005, apenas 3,1% dos ingressos no ensino superior eram por reserva de vagas, em 2010 essa proporção chegou a 25%, como a gente pode ver na próxima lâmina. Em 2014, passou de 38,2%; em 2017, 49,4%; em 2018, o percentual apurado foi de 48,3%. À luz da série histórica, tal incremento mostra como a lei se tornou um mecanismo concreto, efetivo e exitoso para o ingresso na universidade. A Lei 12.711 também impactou consideravelmente o número de estudantes indígenas e quilombolas no ensino superior, promovendo transformações importantes nas universidades e nas vidas desses estudantes, de seus povos, de suas regiões. Segundo pesquisa realizada pela Andifes em 2019, a mesma pesquisa à qual eu me referi anteriormente - pode passar a lâmina -, o número de indígenas aldeados que tinham acedido à universidade era de 2.329 em 2014, chegando a 4.672 no ano de 2018. O número de estudantes quilombolas aumentou cerca de 154% no período. Conforme o Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o Inep, ligado ao Ministério da Educação, entre 2010 e 2016, a população de estudantes indígenas aumentou 512% em todos os modelos de educação superior públicos e privados, subindo de 7 mil para 44 mil estudantes. Com isso, foi alcançada uma proporção de estudantes mais próxima do número da população indígena no País. Esse é mais um indicador de que a lei corrige distorções históricas no ensino superior e para além do ensino superior. Se em 2018, Joênia Wapichana, atualmente Deputada Federal, foi a primeira advogada indígena entre homens e mulheres a realizar uma sustentação oral no Supremo Tribunal Federal, o STF, no caso da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em 2021, no julgamento do STF do caso de repercussão geral do Xokleng, foram quatro sustentações indígenas contrárias à tese do marco temporal realizadas pelos advogados Eloy Terena, Samara Pataxó, Ivo Macuxi, Cristiane Soares Baré. O impacto da ampliação da presença de indígenas no ensino superior brasileiro não se restringe ao universo acadêmico e é absolutamente preponderante nas disputas por direitos. |
| R | Pode passar. Constatados esses avanços, é preciso sinalizar também o longo caminho que a gente tem pela frente. O relatório Education at a Glance, de 2019, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) oferece uma perspectiva comparada dos problemas enfrentados pelo Brasil no acesso à educação e no investimento por discente. Os dados promovidos pelo Inep junto aos dados de outros 46 países mostram que, apesar de a porcentagem de jovens e adultos entre 25 e 34 anos com diploma superior ter dobrado no prazo de uma década, o Brasil ainda mantém taxas de acesso abaixo da média da OCDE e de outros países latino-americanos. Segundo o relatório, em 2018, 11% dos brasileiros entre 25 e 34 anos tinham diploma de nível superior. Em 2018, eram 21%. O dado brasileiro é comparável ao do México, mas está abaixo de outros países latino-americanos, como Chile, Argentina. O Chile conta com 25%, a Argentina com 36%. Essa porcentagem brasileira corresponde à metade da média dos países da OCDE. As diferenças aumentam e os indicadores do Brasil caem drasticamente quando referidos à pós-graduação no contexto dos países da OCDE. Pode passar a lâmina. Aqui no Brasil, como em muitos outros países... Você volta a lâmina, por favor? Volta uma lâmina, por favor. Isso. Aqui no Brasil, como em outros países, é uma minoria que chega a esses níveis, mas no Brasil, a seletividade ainda é muito maior. Segundo o relatório da Education at a Glance de 2019, somente 0,8% dos brasileiros entre 25 e 64 anos tem o título de mestre. Na OCDE, a média é de 13%. A porcentagem dos que chegam até o doutorado é ainda menor: 0,2% da população de 25 a 64 anos tem título de doutorado. Na OCDE essa média é de 1,1%. Aqui vale uma advertência: embora o País conte com algumas bases de dados sobre o ensino superior, ainda se faz necessário estabelecer um sistema de dados integrado. A produção de conhecimento sobre a política de ações afirmativas é fundamental para a sua implementação, para a sua gestão, para a sua avaliação. Embora a política de reserva de vagas tenha se mostrado bem sucedida, permitindo o acesso à educação superior, resta indagar mais ainda sobre as condições necessárias para a permanência dos novos estudantes e sua incorporação no mercado de trabalho. |
| R | Pode passar agora. De fato, a desigualdade racial continua sendo um desafio, posto que, mesmo com a presença mais expressiva de estudantes negros na educação superior, eles se concentram nos cursos menos concorridos e se acham sub-representados nos cursos de maior prestígio, como Direito, Medicina, Odontologia. Esse quadro demonstra contradições que têm se mantido por conta do caráter estrutural do racismo. E o racismo estrutural, infiltrado no cotidiano das instituições, naturaliza e reproduz prejuízos que aviltam, violentam segmentos específicos da sociedade e, concomitantemente, outorga privilégios como se fossem direitos exclusivos de outros segmentos. O que se naturalizou, nesses últimos séculos, é uma hierarquia perversa no âmbito das relações sociais. As ações afirmativas promovem um enfrentamento ao racismo estrutural e aos preconceitos e discriminações históricas. As ações afirmativas são uma resposta inequívoca diante de diversas formas de opressão, de exclusão, de violência cotidiana, possibilitando ao Estado assumir um importante papel reparador, com o estabelecimento de leis e a efetivação de políticas públicas capazes de, gradualmente, restituir dignidades perdidas, promover uma valorização de saberes historicamente discriminados e avançar na realização da justiça social. Enquanto as ações afirmativas continuam sendo uma tarefa incompleta e ainda muito necessária, por fazerem jus à adversidade que constitui a sociedade, um efeito direto da Lei 12.711 é o fato de as instituições de ensino superior passarem a lidar com outros conhecimentos, outras línguas, outras expressões culturais, que estimulam a criação de novos cursos, novos projetos pedagógicos, novas formas de docência, indicando a possibilidade de valorização de saberes que foram historicamente discriminados por meio das construções que passaram a ser feitas por pessoas que estiveram historicamente alijadas dos debates acadêmicos e científicos e que, com as cotas, ingressam nesse espaço. Pode passar a lâmina. Todavia, conforme os dados do Censo da Educação Superior do Inep de 2019, o aproveitamento desses novos profissionais no ensino superior e na pesquisa ainda é tímido. Por exemplo, a proporção de professores negros, pretos e pardos no ensino superior foi de 19,3% em 2010 para 23,6% em 2019. De acordo com o Jornal da USP, em matéria publicada em 2018, a Universidade de São Paulo, a instituição brasileira mais bem colocada nas classificações internacionais, por exemplo, não chega a ter 3% de docentes negros, pretos e pardos. Nesse sentido, enquanto saudamos as conquistas alcançadas nos quase dez anos de vigência da Lei 12.711, chamamos a atenção para o longo caminho que temos pela frente nessa seara e colocamos a expertise de antropólogas e antropólogos associados à disposição de Congressistas. E também reafirmamos aqui o compromisso da ABA com a consolidação de uma política permanente com relação às ações afirmativas. Finalmente, eu gostaria de destacar que a ABA aponta como contribuições - pode passar a lâmina - para a continuidade e aperfeiçoamento das ações afirmativas a necessidade de que os seguintes assuntos sejam contemplados na reedição da Lei de Cotas: atenção às possibilidades de permanência; inclusão de um enfoque na pós-graduação; atenção à realização de concursos públicos com ações afirmativas; atenção à valorização de saberes historicamente discriminados; inclusão das instituições de ensino superior privadas no Programa Nacional de Ações Afirmativas; e, finalmente, o estabelecimento de um sistema integrado de dados sobre ações afirmativas. |
| R | Pode passar. Muito obrigada pelo diálogo, pela interlocução. Colocamo-nos à disposição. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Luciana de Oliveira Dias, antropóloga, estudiosa do pensamento feminista negro, Professora associada da Universidade Federal de Goiás (UFG), Diretora da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Queria agradecer muito pelos dados, números, não é? Prova da importância, e olha o desdobramento das ações afirmativas, não é? Então, a moçada às vezes fala: "Ação afirmativa é importante". Mas a sua explicação ali pontual foi muito nítida e muito clara da importância das ações afirmativas e, claro, com o eixo aí na política de cotas. Muito, muito obrigado. É uma satisfação ouvi-la. Eu aqui, coordenando as reuniões, aprendo muito com os meus convidados. Eu saio falando ali o nome de vocês, viu? "Ah, eu vi lá com a Dra. Luciana", "eu vi lá o Reitor José Vicente", "isso falou o Frei David". Então, muito, muito obrigado. Vamos em frente agora. Pediu a palavra nesse momento, que está pronta para a fala, a Sra. Helderli Fideliz Castro de Sá Leão, conforme está aqui, Presidenta da Nação Mestiça no seu Estado e Conselheira Nacional da Igualdade Racial. Se encontra? A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Sim, sim, eu estou tentando um vídeo aqui, que eles não conseguiram me ajudar, Senador. Estou tentando ativar o vídeo aqui. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você quer ir falando sem vídeo? Pode usar o tempo expressando a sua opinião sobre o tema. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - O senhor poderia me deixar para próxima, enquanto a gente tenta exibir o vídeo, por favor? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Posso, não há problema nenhum aqui. Então, agora, nós vamos passar a palavra para o Frei David, que já está na tela. O SR. DAVID SANTOS - Pronto. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Frei David Santos, Diretor-Executivo da Educafro, a palavra é sua. O SR. DAVID SANTOS (Para expor.) - Parabéns à equipe técnica, deram solução ao problema. Estão me ouvindo? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito. O SR. DAVID SANTOS (Para expor.) - Ótimo, que bom, então, estamos com o problema resolvido. Vamos direto ao assunto. Senador, mais uma vez, Zumbi, Dandara, Nelson Mandela e Luther King estão com você. Esta audiência veio em hora muito oportuna. Por quê? Porque, Senador, antes de ontem a Comissão de Direitos Humanos da Câmara votou, por unanimidade, o Projeto de Cotas, que tramita na Câmara, nº 1.788. Olha que bacana! Lá, então, aprovou, já passou pela comissão de deficientes, foi para a Comissão de Educação, desculpe, foi para a Comissão de Direitos Humanos e, agora, vai para a Comissão de Educação e conclui na CCJ. Segundo estudos que fizemos junto com alguns técnicos, 15 dias após o final do recesso, a gente consegue aprovar lá na Comissão de Constituição e Justiça depois que mudar a Presidência da Comissão. O nosso problema é que a atual Presidente da Comissão não tem sensibilidade para a nossa demanda, não vou citar o nome dela em respeito ao bom relacionamento. A nossa estratégia é que aprovamos já na comissão de deficientes, aprovamos na Comissão de Direitos Humanos, vamos aprovar na Comissão de Educação e vamos concluir na Comissão de Constituição e Justiça. Acontecendo isso, o projeto não precisará passar no Plenário da Câmara porque ele pegou o caráter terminativo, então, se conseguir aprovação unânime nessas instâncias vai direto para a mão do Senado, em outras palavras, para a mão do Senador Paim. Então, eu estou muito feliz com isso, porque esse projeto vai dialogar com o Projeto 4.656, de 2020, do Senador Paim. O projeto da Câmara, que está mais avançado, é o Projeto 1.788, de 2021. A atual Relatora é a Deputada Vivi Reis e o autor é o Deputado Bira do Pindaré, o autor do projeto. Qual foi a estratégia que a gente desenhou juntos lá, com muito diálogo, com muita conversa? A estratégia é: deve-se fazer o mínimo de mudanças para passar com tranquilidade e sem muito alarde. O Bira do Pindaré, em seu projeto, ampliou para 30 anos de vigência. O Relator da primeira comissão de deficientes reduziu para dez anos, ele é de direita e reduziu para de anos. A gente ficou muito feliz, olha que absurdo, ficamos muito felizes porque o nosso medo é que ele tirasse a cota racial de indígena e quilombola e colocasse cota social só. Ele não fez isso, olha que bacana. Ele apenas... Apenas, acho que eu estou doente mental, ele apenas reduziu de 30 para 10 anos. |
| R | Bem, na Comissão de Direitos Humanos, nós mantivemos a decisão do cara de direita. Por quê? Para ganhar o voto da direita. E aí deu certo: conseguimos por unanimidade a aprovação na Comissão de Direitos Humanos. A mesma estratégia vamos adotar na Comissão de Educação. E a mesma estratégia também vamos adotar na Comissão de Constituição e Justiça. Bem, então, Senador, aqui agora eu faço um apelo para V. Exa. colocar sua assessoria para pegar o Projeto 1.788, de 2021, da Câmara e fazer diálogos. A Educafro está propondo carinhosamente ao Senador Paim para fazer emendas nesse projeto do Senado para que, quando chegar o da Câmara, tendo as emendas aí realizadas, os dois projetos comunguem e não precisem mais passar um na Casa do outro. O Senado não precisa ir para a Câmara, e a Câmara não precisa ir para o Senado - bom, o Senador vai me corrigir depois na fala dele - e, com isso, uma vez havendo um entrelaçamento, esse projeto vai direto para o Presidente da República para ele sancionar. Senador Paim e equipe técnica do Senador Paim, o que esse projeto da Câmara está definindo? Depois de muito diálogo entre nós, a nossa estratégia foi mexer o mínimo possível com o projeto - o mínimo possível. Então, o primeiro ponto em que mexemos: confirmar que o art. 7º da Lei 12.711 não se refere à vigência - não se refere à vigência -, refere-se apenas à revisão. Uma coisa é vigência, outra coisa é revisão. Bom, eu vou fazer uma revisão para melhorar. Ninguém faz revisão para piorar. Então, os Consultores da Câmara concluíram que estamos certos, que o art. 7º do Projeto 12.711 não se refere à vigência, refere-se unicamente à revisão. Bom, esse é o primeiro ponto. O segundo ponto, Senador. No projeto há três palavras que precisam ser bem digeridas, positivamente bem digeridas: palavra "acompanhamento", palavra "avaliação" e palavra "revisão". Isso está no art. 6º e no art. 7º da Lei 12.711. Nós, lá na Câmara, trabalhamos para que essas três palavras não gerassem mal-entendido, e gerassem uma sincronia e uma eficiência de tramitação. E deu certo. O terceiro ponto. Olha só, Senador, que fantástico: os assessores da Educafro e da Câmara descobriram - olha só - a Emenda Constitucional nº 109. Vou repetir: Emenda Constitucional 109, de 2021, já aprovada. O que fala essa emenda? Ela acrescentou o §16 ao art. 37 da nossa Constituição Federal. Volto a repetir: essa emenda acrescentou o §16 ao art. 37 da Constituição Federal, onde se diz que realizar avaliação das políticas pública é premissa básica e obrigatória para garantir a eficiência de uma política pública e a eficiência de uma administração pública. Ou seja, volto a dizer: o §16 do art. 37 da Constituição, que é um parágrafo novo, que foi incluído na Constituição só agora, fala o seguinte: que realizar avaliação da política pública é premissa básica para qualquer governante e para qualquer... Logo, a ideia de que teria que fazer uma mudança na lei agora, de que a lei acabaria agora, em 2022, é totalmente equivocada. Estamos apenas fazendo uma revisão, e não discutindo vigência. |
| R | Então, Senador, estamos num momento muito bacana, muito positivo, e entendemos que, se o Senado, através de sua assessoria, fizer esse acréscimo e nos permitir... Se for necessário, a Educafro escreve. Eu sei que não é necessário, mas, se for necessário, a Educafro escreve esse pedido oficialmente, se bem que a audiência pública já oficializa, não é? Quando a gente pede, já está oficializado o pedido. Então, estamos lhe pedindo que faça esse acréscimo através de sua assessoria. Também, Senador, lá na Câmara, se criou o parágrafo único no art. 7º, que fala o seguinte: que o Poder Executivo, a cada dois anos, vai fazer uma avaliação do acesso e sucesso. Volto a dizer: criou, lá no art. 7º, um novo parágrafo, um parágrafo único, que diz que, a cada dois anos, o Poder Executivo vai fazer uma avaliação do acesso e sucesso. Bem, o senhor já está percebendo que essa fala "acesso e sucesso" é uma dobradinha que o frei esta inventando, não é? Lá, a linguagem é um pouco diferente, mas no fundo é isso: acesso e sucesso. Então, eles não vão fazer uma pesquisa; vão fazer uma análise do acesso dos estudantes cotistas e do sucesso deles. No entanto, nesse parágrafo único do art. 7º, também se incluiu que, a cada cinco anos - aí, sim, a cada cinco anos -, vai haver uma pesquisa para analisar os resultados positivos ou negativos da política de cotas. Por exemplo: um resultado negativo que se prevê é a metodologia da heteroidentificação. Outro resultado que deverá ser visto é o alto grau de pessoas quase brancas se dizendo pretas. Por exemplo: anteontem, tivemos reunião, em off, com setores da Universidade Federal de Rondonópolis, alguns dias atrás. E, antes de ontem, tivemos reunião com o Procurador da República de Rondonópolis. Por quê? Porque, na estimativa da Educafro, de cada cem vagas para negro em Medicina na Federal de Rondonópolis - volto a dizer: na estimativa da Educafro, não é pesquisa, não, gente; na estimativa da Educafro, de cada cem vagas para negro em Medicina -, naquela universidade federal, 80 foram ocupadas por pessoas que se dizem negras, mas nenhum irmão meu negro... Por exemplo: se eu pego minhas irmãzinhas empregadas domésticas, se eu pego qualquer um de meus irmãozinhos simples e falo: "Chame aquele negro lá", ele não vai achar esse tal negro, porque as pessoas não têm aparência de negras. |
| R | Então, aí vem à tona a ADPF 186, do STF (Supremo Tribunal Federal), em que o Ministro Lewandowski diz o seguinte - ele fala do jeito dele, eu vou falar do meu jeito popular: "Olha, cota para preto não tem problema, vai ser supertranquilo definir quem não é preto; o problema vai ser cota para pardo". E esta não é a fala do frei, é fala do Ministro Lewandowski: "A solução é a seguinte: as instituições federais dividirem os pardos em três grupos". E aí eu gostaria de ouvir a opinião dos demais irmãos e do Senador. Então, o Ministro Lewandowski fala - o Ministro Lewandowski fala -: "A solução é dividir os pardos em três grupos: os pardos pretos, os pardos pardos e os pardos brancos". Para o Ministro, o pardo preto tem direito às cotas sem discussão nenhuma; para os pardos pardos, se houver vaga sobrando - fazer o quê? -, deixem o cara ir; os pardos brancos em hipótese nenhuma podem ter vaga; mesmo sobrando vaga, tem que ir para a disputa universal. Então, Senador, nós, comunidade negra, com certa tristeza, não conseguimos resolver isso ainda, o que eu até acho bom, na verdade, porque é um debate longo. Nós da comunidade negra não temos clareza sobre até onde vai o pertencimento dentro dessa situação do pardo. Então, para o Ministro Lewandowski, o pardo preto tem total direito; o pardo pardo, se há vaga, deixe entrar; o pardo branco nunca, nunca deixem, porque seria disputa desonesta. A Educafro entrou com um processo com o Procurador da República de Rondonópolis. De cada cem, 80, para nós, estão fraudando consciente ou inconscientemente. Então, desses 80, nós pegamos 11 fotos, com o link das redes sociais, com tudo documentado, e entregamos ao Procurador. O Procurador falou para mim: "Frei David, eu não tenho nem um pouco de dúvida: todos esses 11 são brancos, e pegar cota seria uma ofensa ao meu trabalho de guardião da lei. Frei David, se esses brancos permanecerem na universidade, eles estarão me ofendendo, porque eu sou guardião da lei. No entanto, Frei, há outro problema. Eu tive reunião, antes de me procurar a Educafro e toda a assessoria da Educafro...". E aí na assessoria estava o Professor Adilson Moreira, estava o Ivair, a gente pegou assessores de altíssimo nível para fazer a discussão com a universidade e com o Procurador da República. Então, ele falou assim: "Frei David, eu tive reunião com a reitora da universidade e ela falou o seguinte: 'Olha, o que a Educafro quer nós queremos e o que nós queremos a Procuradoria da República quer, que é limpar a área, tirar os não negros da vaga"". No entanto, falou a reitora para o Procurador, que disse: "Eu falei para o Frei David também isso", que, de cada dez ações que, no Brasil, as universidades fazem, desculpe, de cada dez processos administrativos que as universidades fazem tirando os caras brancos das vagas de negros na Medicina, Direito... Gozado, Senador Paim: você não vê um fraudador em Pedagogia, em Matemática; nos cursos baratinhos não se vê um fraudador, mas nos cursos que têm muito dinheiro, Medicina, Odonto, Direito, está lotado de fraudador. Então, o que falou a Reitora? Olha, de cada dez pessoas brancas que fraudam e a universidade do Brasil inteiro abre processo expulsando, esses fraudadores brancos têm dinheiro, são bem articulados, eles entram com processo contra a universidade, e de cada dez que entram com processo, em nove o juiz branco obriga a botar o branco de volta na vaga de negro. Então, abrir processo administrativo e tirar o branco não é a solução porque o juiz, usando do seu racismo estrutural, bota de volta o branco na vaga de negro. |
| R | A universidade, a Educafro, outras instituições e o Procurador da República estamos desenhando, Senador Paim, uma coisa chamada TAC, termo de ajuste de conduta, que é o seguinte: em vez de a universidade abrir processo contra o branco fraudador, a universidade fica em sintonia com a Procuradoria. A Procuradoria pega da universidade todos os dados de denúncia e chama - a Procuradoria da República - o fraudador para uma reunião com a presença da Educafro e outros movimentos negros, e lá, cara a cara, a gente convence o cara de que ele está equivocado e dá a ele uma chance. A chance é a seguinte: o Brasil precisa de pessoas formadas, então, você vai assinar esse TAC, vai devolver esse dinheiro público que você usou, vamos permitir que a universidade lhe dê seu diploma, e você devolve esse dinheiro público para um caixa comum aqui do Ministério Público Federal. E esse dinheiro que vem desse TAC, que vai ficar em um caixa comum, já vai ser predefinido que vai ser todo ele aplicado em Bolsa Permanência de negros que estão na própria Universidade Federal de Rondonópolis. Então, Senador Paim, esse é um desenho que a gente está rezando muito para dar certo e ser uma solução, porque os juízes... Senador Paim, é uma vergonha! Esses juízes brasileiros são irresponsáveis, eles não compreendem o que é racismo estrutural. Estão botando de volta todos os brancos que reclamam, e ponto final. E não querem nem saber, não querem nenhum argumento. Está uma baixaria na Justiça brasileira o desrespeito à Lei de Cotas. De modo, Senador, que aí no parágrafo único, que é um parágrafo novo do art. 7º, definiu-se, então, a cada dois anos avaliar o acesso e o sucesso e, a cada cinco anos, fazer pesquisa sobre o que está dando certo e o que está dando errado. Por exemplo, a fraude tem que ser enfrentada. Agora, por que a gente preferiu jogar para daqui a cinco anos? Porque se mexermos nisso agora, a Justiça não está preparada. Nós, comunidade negra, temos que nos reunir e fazer um trabalho nacional, um mutirão nacional com todos os tribunais de justiça. Nós, comunidade negra, precisamos fazer um mutirão nacional com todos os tribunais de justiça. Bom, o Senador Paim, Parlamentar do Legislativo, e o pessoal da Câmara, que está também com essa demanda, em sintonia, vão dar solução e vão dar agilidade para a aprovar. |
| R | Pelo que eu li, o Projeto 4.656, de 2020, do Senador Paim, que é anterior ao da Câmara, também pegou o caráter terminativo, ou seja, com a articulação poderosa do Senador Paim, ele vai conseguir fazer passar nas duas Comissões. Aí no Senado só são duas Comissões. Passando nas Comissões, ele ganha caráter terminativo e não precisa ir para o Plenário do Senado. Então, caráter terminativo aqui no Senado, caráter terminativo lá na Câmara, o Senador Paim vai conseguir o milagre de, em março, a gente já ter a celebração da lei de cotas resolvida. Concluindo. O art. 6º pegou a seguinte redação. Então, Senador Paim, a sua assessoria pode pegar lá o projeto que foi enviado ontem para a Comissão de Educação. O projeto é o Projeto 1.877? Deixe-me ver aqui o número dele. É o Projeto 1.788. Ele já foi. Então, lá nesse Projeto 1.788 - e o que nós pedimos que o senhor também coloque aí no seu projeto - fala o seguinte no art. 7º. A nova redação é a seguinte: "O Poder Executivo, por meio de seus órgãos da administração direta e entidades da administração indireta, será responsável pelo acompanhamento do programa de que trata esta lei". Ou seja, tirou a Seppir porque a Seppir não existe mais, e tirou o MEC, porque o MEC está totalmente irresponsável, cortou toda verba para fazer o levantamento necessário que a lei pedia. O MEC cortou toda a verba que era para ser aplicada para fazer o levantamento sobre as cotas para agora, em 2022, votar. Então, quando os assessores da Câmara definem que devem tirar o MEC, tirar a Seppir e botar apenas o Poder Executivo, eles falam o seguinte: "qualquer problema é no STF, direto contra o Presidente da República, e o STF está habilitado para enfrentar (Pausa.) ...caso haja problema". E aí, Senador, no art. 7º, a nova redação ficou a seguinte: "No prazo de 20 anos...". Por que fala 20 anos? Porque ele parte de 2012. Na verdade, só serão mais dez anos, mas, como ele parte de 2012, ele fala: "No prazo de 20 anos, a contar da data da primeira publicação desta lei, o Poder Executivo promoverá a avaliação do programa especial para o acesso às universidades". Bem, eu teria mais coisa a dizer. Como o horário está bem estourado, eu só digo o seguinte: é grande o número de pessoas que estão pedindo que agora nesse projeto a gente já defina um caráter do que é heteroidentificação. Eu acho que é um perigo mexer com isso agora, porque tanto na Câmara quanto no Senado a maioria é conservadora e eles não aceitam esse debate de heteroidentificação. Eles querem tirar a questão racial e botar a questão social. Então, o pedido que a Educafro faz ao Senador Paim é que não mexa com o tema da heteroidentificação agora, neste exato momento. Deixe isso para a regulamentação. Estamos resolvendo isso de universidade para universidade, ou seja, estamos conseguindo outros caminhos. O tema da fraude é um tema que também deixa a direita totalmente transtornada. Eles até são incentivadores das fraudes. Portanto, a gente prefere seguir o voto do Lewandowski, que fala que se deve refletir sobre o pardo-preto, o pardo-pardo e o pardo-branco. |
| R | Então, Senador, proponho que o senhor chame alguma reunião dos assessores, dos Deputados que estão nesse Projeto 1.788, na Câmara, mais o movimento negro e mais os seus assessores, para a gente fazer um trabalho para a redação e fazer a coisa pegar um ritmo fantástico, que só você, com os seus - deixa eu ver, de 88 para 92 - 33 anos de Congresso Nacional, sabe fazer muito bem. Obrigado e um abraço. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - De Congresso, são 35 anos. Com o fim deste mandato, de oito anos, eu vou completar 40 anos de Congresso. E, como eu sempre falo que eu tenho mais de 50, o pessoal: "Então, tu chegaste lá com 10!". (Risos.) Deixa eu descontrair. Só para explicar um pouquinho para a Helderli quanto à técnica legislativa. Tanto na Câmara quanto no Senado, quando você aprova numa Comissão, embora terminativo, se houver recurso, vai para o Plenário. Então, ambos os projetos, tanto na Câmara quanto no Senado, poderão ir ainda para o Plenário. Mas essa, para mim, não é a preocupação. Como é que nós estamos vendo o quadro? Na linha que o senhor coloca também. O nosso projeto é de 2020; o outro é de 2021. Isso também não interessa para mim. Interessa a Casa que aprova primeiro. Se a Câmara aprovar primeiro, vem para o Senado. O que nós temos que fazer no Senado? Fazer de tudo para aprovar o projeto que veio da Câmara. Se, porventura, o do Senado for aprovado, vai para a Câmara. O que a Câmara tem que fazer? Aprovar o projeto que veio do Senado. Por isso, o longo da sua conversa, que não falou dez minutos, não; falou 18 minutos... (Risos.) Mas tudo bem! Foi boa a explicação! O que a gente quer é o seguinte: tentar sair o mais perfeito possível de uma das Casas e da outra Casa. A gente acerta a relatoria. Digamos, se vier para o Senado, o projeto da Câmara, já será ajustado entre nós. Digamos que seja eu ou o Romário o Relator, e vai para a sanção. Eu tenho muita preocupação de que vá à sanção ainda no ano que vem. Eu preferia que fosse, talvez, no outro ano, mas é uma outra discussão política de que não vamos falar agora. Agora, se o do Senado for aprovado, vai para a Câmara, a Câmara aprova o do Senado, porque, no Senado, as Comissões são de um tempo menor. Está já na de Educação, depois vai para a CCJ, e, dali, ou vai para o Plenário, ou vai direto para a Câmara. O próprio Bira pode pegar como Relator, Bira, Bené, para mim o que importa é a causa, e não quem é o primeiro signatário numa Casa ou na outra. Então, nós temos que fazer um acordo com todos nós e sem nenhuma correria: a Casa que aprova primeiro vai fazer um movimento coletivo para que ele seja aprovado, sem emendas, de preferência, na outra Casa, que daí vai para a sanção. Senão, vai dar o tal do efeito pingue-pongue: aprova aqui, vota lá, altera tudo lá, volta para cá, aqui vão querer derrubar - eu digo aqui, a Casa de origem vai querer derrubar um monte de emenda que houve. Então, a melhor concertação é de acordo. No tempo de pandemia, nós conseguimos aprovar no Senado, se eu não me engano, 12 projetos - 12 -, tudo para combater o racismo estrutural. Mas não há ressonância na Câmara. Eu estou dizendo com toda tranquilidade, e a Câmara pode me provar o contrário e aprovar então - aprove 12, aprove 5, aprove 3, aprove 2 -, inclusive a abordagem policial, um dos maiores crimes que temos hoje neste País, e todos nós sabemos. Então, esse é o imbróglio em que nós estamos hoje. |
| R | Nós precisamos fazer que as duas Casas não tentem ser mais realistas do que a outra. Aprovar o melhor possível em uma Casa e, quando for para outra, lá se bate o martelo. As duas politicamente capitalizam. Um dia, quando os anos passarem e nós estivermos falando com netos e bisnetos, nós vamos poder dizer: "Nós estávamos lá, nós aprovamos a política de cotas, numa ampla costura, articulação com brancos, negros e índios para fazer essa realidade". Isso é o que hoje - e que eu possa dizer - disse antes o Reitor, que falava com um jovem estudante nos Estados Unidos: "Olha, o meu bisavô se formou aqui também". Quem sabe um dia a gente possa dizer isso. São tão poucos negros hoje no nível superior, o que aqui a Dra. Luciana mostrou muito bem. Vamos agora para a próxima convidada, senão ela vai dizer: "Não me botam para falar!". Vamos passar a palavra para a Sra. Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves, que é da Nação Mestiça e Conselheira Nacional da Igualdade Racial, Ela está aí? Ela estava com problemas antes. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Boa tarde. Dá para ouvir agora? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Estamos te ouvindo, mas não estamos te vendo. Mas pode falar. Você tem direito aos seus dez minutos. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Não conseguimos resolver o problema com a sua assessoria. Vamos usar o áudio. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode falar. Fique à vontade. Os dez minutos são seus. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES (Para expor.) - O.k. Boa tarde! Nós também estamos no Conselho Estadual da Igualdade Racial do Amazonas. Eu queria cumprimentar a todos na pessoa do Senador e fazer as seguintes colocações. Antes de haver negros no Brasil, já havia os pardos. O povo mestiço é nativo, e os primeiros pardos se originaram no Brasil da miscigenação entre índios e brancos portugueses, por volta de 1510, ou seja, anterior à chegada dos primeiros africanos no Brasil, em cerca de 1549. A escravidão dos pardos se iniciou antes e foi a mais longa do que dos negros. Classificação como pardos, como população negra, implica classificar como negra a população mestiça sequer descendente de negros, o que significa assimilação forçada, incompatível com os direitos humanos e em perigosa aproximação com o genocídio e a crença racista de ser raça superior a mestiço. Pardos e pretos nunca constaram como uma mesma categoria nos censos nacionais desde o primeiro censo de 1872, tendo a categoria censitária parda inclusive sido substituída por mestiça no censo de 1890. A palavra "negro" nunca constou como categoria cor-raça do IBGE nem dos órgãos responsáveis pelos censos nacionais que o precederam. |
| R | Classificar pardo como negro vai contra a classificação cor-raça do IBGE, que define pardo como mestiço e o distingue de preto, conforme o órgão informa sobre o significado das opções cor ou raça na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. As características são declaradas pelas pessoas com base nas seguintes opções: branca, preta, amarela - pessoas de origem japonesa, chinesa, coreana, etc. -, parda - mulata, cabocla, cafuza, mameluca ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça - ou indígena - indígena ou índia. O Anuário Estatístico do Brasil é de 2016. Também vai com (Falha no áudio.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, não está boa. Não está... A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - ... documento da Conferência Mundial contra o Racismo... (Interrupção do som.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora melhorou, agora melhorou. Estava cortando. (Pausa.) Agora ficou mudo totalmente. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Está conseguindo? Oi? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora melhorou. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - E agora? E agora, Senador, melhorou? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Melhorou, pode tocar. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Continuando. Também vai contra a Declaração de Durban, no item 56, Questões Gerais, documento de direitos humano do qual o Brasil é signatário, adotado na Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em 2001, o qual também distingue pardos de negros e condena a discriminação dos mestiços - abro aspas: Reconhecemos, em muitos países, a existência de uma população mestiça, de origens étnicas e raciais diversas, e sua valiosa contribuição para a promoção da tolerância e respeito nestas sociedades e condenamos a discriminação de que são vítimas, especialmente porque a natureza sutil desta discriminação pode fazer com que seja negada a sua existência; Isso é de Durban. Também a gente coloca que classificar pardos como negros também viola a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, que possui força de emenda constitucional, em que afirma, em seu artigo 9, que: Os Estados Partes comprometem-se a garantir que seus sistemas políticos e jurídicos reflitam adequadamente a diversidade de suas sociedades, a fim de atender às necessidades legítimas de todos os setores da população, de acordo com o alcance desta Convenção. E a gente destaca também o item 8, dificultar a implantação de políticas de igualdade racial, pois conflita com leis estaduais e municipais, que reconhecem o povo mestiço como distinto de negros, a exemplo do Estado do Amazonas, Roraima, Mato Grosso e Paraíba. |
| R | Também provoca efeito inverso ao que pretende, especialmente em Estados com grande percentual de pardos, onde a grande maioria desses não possui fenótipo, aparentemente, de pretos, mas de índios, a exemplo do Estado do Amazonas, Acre, Amapá e Tocantins, prejudicando a classificação deles em concursos e seu acesso a políticas de ação afirmativa. Também expõe pardos a constrangimentos, humilhações públicas, expulsão de universidades ou de cursos em vagas reservadas para fins de ações afirmativas, a processos administrativos e judiciais e a acusação de fraudes em concursos e pleitos eleitorais por não terem a aparência de negros. Aí a gente coloca também as duas propostas para que se possa melhorar a questão dessa nova atualização do Estatuto. A gente faz a seguinte colocação, Senador e demais participantes: a gente sugere que a cota dos pardos deva ser separada das cotas reservadas a pretos, porque o próprio IBGE já diferencia pretos e pardos. Segunda proposta: para a heteroidentificação, devem ser adotados para os pardos critérios similares aos adotados para os índios, critérios de pertencimento étnico e não de aparência; instituições específicas de pardos devem decidir quem é ou não pardo, e não o movimento negro - quem decide quem é pardo atualmente são os movimentos negros, porque não chamam os movimentos pardos para fazerem essa identificação -; e deve ser vedado agrupar pretos e pardos nos processos de concorrência ou acrescentar qualquer regra não prevista em lei nem no IBGE sob a alegação de autonomia universitária, entre outras, ou seja, eu acho que, na questão, deve ser levado em conta o IBGE. Como ele classifica pardos separados de pretos, a gente quer que seja observada a questão do IBGE. O que acontece hoje é que, devido a, no Estatuto, ter ocorrido um erro, a nosso ver, pois, na classificação, pegam os pardos, somam com os pretos e viram os negros no Brasil, isso é prejudicial à nós, que somos mestiços e pardos, porque a gente não consegue ter acesso, já que nosso fenótipo é a mistura do índio com o branco, logo, nos chamam de fraudadores. No caso da Universidade de Brasília, tiraram, inclusive, os créditos dos pardos por não terem o fenótipo. Então, nós devemos seguir o que dizem as leis internacionais, as leis brasileiras e o IBGE. Por isso a gente solicita que haja a separação entre pardos e pretos, tendo em vista que, como foi falado, alguns Estados os diferenciam. Devem ser revogadas todas as disposições dos pardos e findos todos os processos realizados sob a alegação de não terem se declarado pardos, por não terem a aparência de pretos. Como eu coloquei agora há pouco, nesses dez anos de estatuto, nós fomos discriminados por não termos a aparência de afrodescendentes, não sendo respeitado o IBGE, que separa pretos e pardos. Aqui eu deixo a minha fala e também... Inclusive, já temos até um modelo de emenda para o Estatuto da Igualdade Racial. E a gente já agradece também o espaço que foi cedido para o Movimento Pardo-Mestiço brasileiro. Muito obrigada. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu agradeço à Sra. Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves, que é Presidente da Nação Mestiça e Conselheira Nacional da Igualdade Racial, que democraticamente foi indicada pelo Senador Plínio Valério e deixou aqui as suas contribuições. Eu só explico a todos, para que não tenham dúvidas, que todos os painelistas foram aprovados por requerimentos de Senadores na Comissão de Educação. O Senador indica, vota-se, e democraticamente todos têm direito de dar a sua opinião, como fez aqui agora a Sra. Helderli. O Relator Romário, naturalmente, vai estar de posse de todo o material, para ver aonde vamos com a construção definitiva da proposta. É com enorme satisfação que eu passo a palavra agora à Dra. Lívia Sant'Anna Vaz, Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia, doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, nomeada uma das pessoas de descendência africana mais influentes do mundo, na edição Lei e Justiça. É com a senhora, doutora. A SRA. LÍVIA SANT'ANNA VAZ (Para expor.) - Muito boa tarde a todas as pessoas. Quero agradecer ao Senador Paulo Paim pelo convite para estar aqui nesta audiência pública. Espero poder contribuir minimamente. São poucos minutos, e eu não quero me exceder, mas quero começar com a contribuição sobre a diferença entre a Lei 12.711, de 2012, e a Lei 12.990, de 2014, porque eu percebo que ainda há uma certa confusão no que diz respeito à revogação ou não da política pública. Vejam, a Lei 12.711, que é a lei que estamos aqui discutindo sobre o que são cotas raciais para as instituições de ensino superior e institutos federais de ensino, ela não prevê a revogação automática em dez anos. O art. 7º diz que, no prazo de dez anos, a contar da data publicação da lei, será promovida a revisão do programa especial para acesso às instituições de educação superior de estudantes pretos, pardos e indígenas e de pessoas com deficiência. Então vai haver uma revisão da política pública, não há uma revogação automática - ao contrário do que diz o art. 6º da Lei 12.990, que diz que esta lei entra em vigor na data de sua publicação e terá vigência pelo prazo de dez anos. Então, a Lei 12.990, em 2024, terá uma revogação automática, o que não vai acontecer o ano que vem com a Lei 12.711, embora nós tenhamos a necessidade da revisão da política pública. Esse é o primeiro ponto importante. O segundo ponto é dizer que temos que ter uma preocupação na fundamentação e em toda tramitação, por óbvio, em relação à métrica, Senador. A métrica não pode ser a quantidade de pessoas negras que ingressaram nas universidades pelas cotas raciais. Por quê? Porque essas pessoas, em grande medida, não estão conseguindo sair formadas das universidades neste País, por conta justamente da ausência de uma política efetiva de permanência, não é? Daí a necessidade que nós temos de aprovação do PLS 214, de 2010, que já foi aprovado no Senado e está aguardando tramitação na Câmara dos Deputados. É muito importante pensar, para além do ingresso, a permanência e a saída dessas pessoas formadas, porque nós sabemos que os gargalos de desigualdade racial, de racismo institucional, eles não estão somente na entrada na universidade: estão na saída, estão na permanência e na saída, e depois também na entrada no mercado de trabalho de uma maneira geral, não é? Então é muito importante que a gente pense isso. |
| R | Depois, acho que é uma preocupação fundamental da legislação não permitir que o mínimo vire o máximo, porque a cota é uma ação afirmativa que quer garantir uma presença mínima de pessoas negras nos espaços de decisão e de poder. Então se diz "20% de vagas", mas, nas instituições, o racismo institucional faz com que esses 20%, esse mínimo, virem o máximo. A própria forma de computar as pessoas nas listas tem feito com que se aprovem apenas aqueles 20%. Não é esta a finalidade da lei: garantir o máximo de 20%. É a garantia mínima de presença negra. Então, é importante que a gente pense em um mecanismo legal para que esse mínimo exigido pela lei não se torne o máximo e que a gente pense em uma adequação realmente aos Estados da Federação e na composição étnico-racial desses Estados da Federação. Embora a lei diga isso, isso não tem sido, na prática, atendido pelas universidades, pelas instituições de ensino. Depois a gente tem que pensar também, já partindo quase para o final - não quero me estender, como eu disse -, em como resolver o passivo. Professora Luciana, Senador Paulo Paim, Frei David, nós temos um passivo de descumprimento da lei. A lei não chegou ao seu objetivo nesses dez anos tanto em relação à entrada, ao ingresso de estudantes, de discentes, como em relação ao ingresso de docentes. Nós temos um grande gargalho em relação aos docentes. Os concursos para docentes das universidades federais sofrem uma fragmentação das vagas, o que não nos permite ter o mínimo de três professores, de três vagas, para que uma dessas vagas seja para cotista. Então essa fragmentação está impedindo o cumprimento da lei. Então há um passivo, e a gente tem que fazer esta conta de quanto é que as universidades deixaram de cumprir em relação ao percentual de pessoas negras discentes e docentes nos seus quadros, na sua composição. Dessa maneira, a gente pode pensar isso em termos percentuais de incremento da presença negra nas universidades neste País, nas instituições de ensino de um modo geral e nos concursos públicos também. Para finalizar, nós temos que garantir que não haja mais desvio de finalidade da política pública. Quando pessoas não negras ingressam nessas vagas reservadas a pessoas negras, nós temos um grande desvio de finalidade da política pública. Isso é fundamental que se pense. Nós precisamos evoluir para não apenas garantir a reserva de vagas no papel, na lei, no edital, mas para preencher essas vagas. Nós temos tido vários concursos no Ministério Público, por exemplo, no Poder Judiciário - isto também se aplica às universidades -, nos quais as turmas de nomeados são inteiramente brancas, e aí há sempre a justificativa de que as pessoas negras não conseguiram passar no concurso, de que não há cadastro reserva para pessoas negras. Isso se dá porque há várias cláusulas de barreira previstas nos editais de concursos, nos editais de universidades, nos processos seletivos, que são filtros raciais, que são verdadeiros filtros raciais. Eu tenho que mencionar aqui, como bom exemplo, o Instituto Rio Branco, que, ao longo da sua política de ação afirmativa, foi retirando exigências que eram filtros raciais para fornecer esse conhecimento posteriormente ao candidato já aprovado no seu curso preparatório para a diplomacia, tanto que, neste ano, nós tivemos, pela primeira vez na história, três diplomatas negros, dois homens e uma mulher, pela primeira vez, em Washington D.C., capital dos Estados Unidos, justamente porque houve um compromisso da instituição com a abertura para a diversidade, retirando essa filtragem racial dos processos seletivos. Espero que eu tenha conseguido contribuir minimamente neste pouco tempo. Fico à disposição. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bom! Muito obrigado, Dra. Lívia Sant'Anna Vaz. Repito: ela é Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia, doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, nomeada como uma das pessoas de descendência africana mais influentes do mundo, na edição Lei e Justiça. Ela deixou aqui belas contribuições, indo direto ao problema, de como nós temos que avançar, e não numa linha, digamos, de retroceder. Inclusive, há o saldo de que você fala, o que nos devem, que ficou para trás ainda, o passivo - é o termo que a doutora usou de forma muito correta. |
| R | Neste momento do debate chegaram para mim muitas perguntas do e-Cidadania. Então, eu vou, neste momento, aos convidados, fazer as perguntas que chegaram. Vocês, se puderem, anotem, e depois terão cinco minutos para as considerações finais e para responder à pergunta que entenderem adequada para o momento. Eu digo cinco, mas, se precisarem de dez, é só sinalizar para mim pedindo mais cinco. Então, vamos lá. Daniella Carvalho, de Goiás. Diz ela: "A lei de quotas é extremamente necessária, é uma primeira medida que deve ser complementada com a melhora do sistema público de ensino." Deu pra pegar o eixo? Hilton Luís Lemos, Rio de Janeiro: "Esse sistema de cotas é injusto e tem sido responsável por uma das causas mais importantes de baixo índice de qualidade no ensino brasileiro." Tomaram nota? Claro, aqui tem a favor e contra. Vocês é que vão responder. Giuseppe D'Agostino, de São Paulo: "Cota se constitui em um paliativo para dar a sensação de justiça e inclusão. A correção deve ser feita na base do fundamental e primeiro grau." Surei Assad, do Paraná: "As leis de cotas deveriam ser medidas pela classe social, ou seja, direto para os menos favorecidos." Marinaldo Jesus, de Santa Catarina: "Sou contra a cota, pois a mesma denota racismo. Somos seres humanos e não uma raça e ponto final." Aí continua. Eu leio tudo que chega aqui pra mim, viu? Ninguém faz pente fino aqui. É para que os senhores possam advogar o que nós pensamos. Eu digo "nós" já, porque inclusive eu sou autor do projeto da lei de cotas. Elinadja do Nascimento, de Alagoas: "Qual a perspectiva para mudança de cotas independente de cor, mas por merecimento?" Anselmo Ribeiro de São Paulo: "Se a maioria necessitada é pardo, negro ou índio, caucasiano e outras raças, por que cota para a cor da pele e não para os pobres?" Josemar Júnior, de Santa Catarina: "Como conscientizar a população de que as cotas raciais são necessárias?" Fabiana Pulcineli, de Goiás: "As cotas unicamente sociais reduzem a inclusão de negros no ensino superior, diz o estudo comprovado e divulgado semana passada pela Folha". Aqui ela está já respondendo quase que em parte para as outras perguntas, mas quer a opinião de vocês. Mas ela foi muito afirmativa. Outro que veio aqui neste momento: "Como as senhoras e senhores acreditam que podemos liquidar esse racismo conhecido por muitos como estrutural e institucional que há séculos assombra e dizima a nossa sociedade pobre e negra?" Está dizendo que o racismo existe a há séculos, infelizmente. E a cota pode ser um caminho para combater o racismo. Há um grande pensador que disse: "Só a educação liberta". E, por isso, todos têm que ter acesso à universidade. |
| R | "Estamos vivendo uma pandemia, que externou cada vez mais o racismo e as desigualdades existentes em nosso País e ceifou quase 617 mil vidas. Pesquisas e estudos informam que as populações pobre e negra são as mais afetadas. Por quê?" - essa é a pergunta que fica. Se vocês puderem resumir... "Nesses dois anos de pandemia, juntos os movimentos negros do Brasil propusemos mais de 24 matérias raciais, e, daquelas que aprovamos, a maioria o Senado, a Câmara não aprovou". É alguém que colaborou na construção dessas 24 propostas no Senado, que nós conseguimos aprovar. Eu sempre digo: eu não invento projeto de lei; o projeto já vem de algum lugar, e é a demanda que vem do movimento negro, de pessoas preparadas, como a Lívia, como a Luciana, como o Frei Davi, como o José Vicente e tantos outros e tantas entidades que atuam nessa área. Só vou dar um exemplo bem rápido: a proposta sobre a abordagem policial veio do movimento negro. A Coalizão Negra por Direitos foi uma das primeiras a me provocar, e eu apresentei uma construção que os consultores do Senado também ajudaram a fazer. Casualmente, entra isso aqui mesmo: "Falem da importância da abordagem policial". E aí eu dei alguns exemplos na iniciativa, inclusive o daquele jovem que foi algemado a uma moto e foi arrastado, a bem dizer, pelas ruas de São Paulo. Essas são as perguntas. Se alguém tiver alguma dúvida e entender que eu devo repetir... Claro, há outras - são muitas -, mas não mudam muito. É um pouco para lá, um pouco para lá, mas eu diria que a maioria aqui defende a política de cotas. Vamos começar com quem? Faz tempo que ele não fala, porque foi o primeiro, então vou começar por ele: Dr. José Vicente, Reitor e Diretor Geral e Acadêmico da Universidade Zumbi dos Palmares, agora conselheiro da Folha de S.Paulo. São cinco minutos, mas, se precisar falar cinco ou sete, fique bem à vontade. Eu estou gostando muito de ouvi-los. O SR. JOSÉ VICENTE (Para expor.) - Muito bem, Senador querido. As perguntas são ao mesmo tempo desafiadoras e, da mesma maneira, esclarecedoras. E eu poderia usar o tema que nós estamos debatendo para dizer que, em grande medida, tudo o que nós precisamos para continuar nessa trajetória de aprimoramento, de aperfeiçoamento e de consolidação dessa igualização de oportunidades e dessa igualização de direitos no nosso País passa justamente pela nossa capacidade de produzir as mudanças e as transformações que essa agenda exige. E a mudança, a ação e a transformação que a meu ver é mais destacada é justamente a da política de cotas, sejam elas nas universidades públicas federais, sejam elas sobretudo nos concursos públicos da administração federal do nosso País. Junto com as ações que têm sido desenvolvidas também em alguns Estados e em alguns Municípios, e agora em grande medida chegando até ao ambiente corporativo, eu penso que elas, traduzidas como a política de ações afirmativas, são a mais importante inovação política e social do nosso País. Por quê? Porque elas são, nós dizemos sempre, instrumento de combate à discriminação racial ou ao racismo estrutural na veia, não é? É, sim, construção de teoria; é, sim, construção de consensos acadêmicos e até de jurisprudências, mas, sobretudo, é ação objetiva - pedra, cimento e areia. |
| R | Aí, eu trago, inclusive, Senador Paim, em rápidas palavras, talvez uma das mais reluzentes ocorrências para dentro dessa questão na atualidade. Veja: nós, há cinco anos, não tínhamos um posicionamento das empresas sobre essa agenda. Falar de negros, de racismo, de discriminação ou de branquitude era um tabu, era imponderado. E, passados cinco anos, nós temos a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial, que congrega cem das maiores empresas dentro dessa agenda. Depois dessa iniciativa, veio, então, o Mover - Movimento de Equidade Racial e Empresarial, mais 150 empresas dentro dessa agenda. E mesmo agora criou-se o Parceiros pela Equidade Racial, que é um grupo de empresas e instituições para dentro dessa agenda. Já se constituiu o primeiro índice de equidade racial e empresarial do nosso País, que já chegou à sua terceira edição. E as empresas deram um salto quântico - saíram da discussão de negros no estágio, vieram para inclusão de negros nos cargos de direção através dos grupos de trainees, colocaram os grupos de atividades, produziram políticas de comunicação incluindo a estética negra e, ao final, criaram dois fundos. O Mover criou um fundo de 50 milhões, e a Unilever criou um fundo de 20 milhões para investir na educação de negros. Então, veja: o subterrâneo do País está se movimentando no sentido de construir essas pontes que nos liguem ao futuro. E, por conta disso, a ação afirmativa no seu conjunto tem essa capacidade, primeiro, de fazer uma operação objetiva de incluir negros nos espaços do ensino superior e, sobretudo, no ambiente empresarial e em espaços sociais importantes. O segundo é justamente, com isso, permitir que esse grupo seja qualificado - qualificado no sentido de fazer a imersão, de fazer a introdução, de ter essa interação e essa participação, que ao final permita que eles acessem essas expertises que são necessárias na vida social e no ambiente empresarial e coisas que o façam. Terceiro é que, na medida em que eles cheguem do ponto de vista numérico, eles conseguem, então, constituir não só uma comunidade de profissionais, mas também uma classe média, senão econômica ainda, mas já uma classe média intelectual que depois tem capacidade de fazer pontuação da agenda da diversidade, da igualdade, da justiça, de combate ao racismo. É mais do que o Senador Paim, mais do que o José Vicente, nós precisamos de um exército de pessoas qualificadas para defender essa agenda. E essas pessoas já constituem essa classe média intelectual. Com as cotas, nós temos as condições, primeiro, além de acessar e de mantê-los na universidade, de constituir, então, essa classe média intelectual. Com essa classe média intelectual, nós temos como pressionar as estruturas para, ao final, fazer com que essa agenda se alavanque e, essa agenda se alavancando, a gente consegue fazer uma transformação muito intensa sobretudo nos ambientes. |
| R | O senhor sabe que nós temos ouvido os reitores, sobretudo das universidades federais, dizendo: "Olha como foram boas as cotas, elas não melhoraram só para os negros, não mudaram só para os negros, mudaram minha instituição, porque agora eu vejo com clareza que tenho problemas profundos e que eu preciso fazer modificações, mas a presença do negro, além de aumentar ou manter o nível da universidade, está desafiando todos a fazerem mudanças". Inclusive, Senador, o Reitor da Universidade de São Paulo foi eleito agora na semana que passou e tomou posse ontem. Ele tomou posse e já assumiu o compromisso de que, depois dos negros nos bancos escolares, agora ele vai encaminhar cotas para negros no corpo docente da USP. Eu não sei se o senhor sabe, mas a USP, sendo a maior universidade da América Latina, tem quase 6 mil professores e só 3% são negros, quer dizer, se não fosse por outro motivo, só por isso as cotas já estariam justificadas, mas, enfim, ele já entrou dizendo que a ação dele é nesse sentido. Então, seja do ponto de vista social, do ponto de vista econômico, do ponto de vista político, do ponto de vista do compromisso republicano da democracia, do Estado democrático de direito, da igualização das oportunidades entre as pessoas e, sobretudo, na produção de talentos e recursos humanos para ajudar o desenvolvimento e o crescimento do País, as cotas são medidas que são não só imperativas, mas são indispensáveis. Por todos esses motivos, por toda essa capacidade de repercussão e também pela possibilidade de ela impactar outros ambientes, como está sendo no ambiente corporativo, inclusive o ambiente de comunicação social - como eu bem disse, a Folha de S.Paulo está com dez negros ali escrevendo, falando e debatendo -, ela é a mais importante, a mais competente e a mais assertiva medida para a gente não só combater o racismo e a discriminação, mas, sobretudo, valorizar a inclusão, a igualização e a realização pessoal, profissional e espiritual dos brasileiros como um todo, mas, sobretudo, dos negros brasileiros. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. João Vicente, é Reitor afinal, não é? Por que estou dizendo isso? Como houve algumas pessoas que tinham uma visão equivocada das cotas, depois da sua fala eu tenho certeza de que eles também já mudaram de opinião. Você mostrou que o empresariado está abrindo as portas. Eu sei que há movimento nos próprios bancos, que estão também abrindo as portas, a mídia está abrindo as portas, como esse exemplo da Folha, ou alguém acha que não houve uma mudança no cenário nacional, inclusive na mídia, em relação a esse tema? Só quem não quer não vê que a possibilidade de avançarmos está aí. Eu digo sempre o seguinte: é pouco? Claro que é pouco, mas fizemos muito e temos muito por fazer. Parabéns, José Vicente. As informações que você trouxe aqui, dos espaços que haverão de se abrir... Eu aprovei aqui, durante a pandemia - vou dar esse dado para quem tem dúvida -, doze projetos de combate ao racismo. Vocês estão falando com alguém que vai para 40 anos de Congresso, e nunca aprovei mais de um ou dois por ano. Esse mesmo do auxílio permanência de um salário mínimo, eu aprovei lá em 2014, está lá na Câmara parado. Nós temos um probleminha na Câmara, pessoal, vamos ser francos aqui para ajudar a reflexão. O que há de projetos empilhados na Câmara de combate ao racismo não é pouca coisa. Estou falando aqui não é de nenhuma forma ofensiva, mas de uma forma coletiva de nós trabalharmos mais também na Câmara. |
| R | Que vamos aprovar a política de cotas, eu, sinceramente, não tenho nenhuma dúvida. Eu não tenho nenhuma dúvida de que nós vamos aprovar. Não importa, seja vindo da Câmara ou vindo do Senado, quem vai aprovar primeiro. Mas muito obrigado, então, Reitor. Foi muito bom. Eu sempre digo: "Poxa, me dão tanta notícia ruim; tragam uma notícia boa". E você me trouxe aqui uma meia dúzia de notícias boas! Agora eu fiquei muito animado para continuar fazendo o bom combate. Mas vamos em frente. Agora eu passo a palavra, porque faz tempo que não fala também, à Dra. Luciana. O pessoal está dizendo: "Bota a Luciana aí". Dra. Luciana de Oliveira Dias, antropóloga, estudiosa do pensamento feminista negro, Professora Associada da Universidade Federal de Goiás (UFG) e Diretora da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). O tempo é seu, sete minutos. A SRA. LUCIANA DE OLIVEIRA DIAS (Para expor.) - Muito obrigada e obrigada também por esses comentários tecidos antes dessas respostas e dessas considerações finais que a gente está fazendo. É uma alegria escutar o Professor José Vicente, que traz para a gente dados robustos que demonstram que o racismo é um sistema de opressão absolutamente eficaz, que tem se sofisticado ao longo de décadas e que tem uma capacidade de reprodução incrível assim. Quando a gente fala de racismo, a gente não está falando de mi-mi-mi. A gente está falando de um sistema de opressão, que tem sobrevivido e que tem sido responsável não somente pela exclusão de pessoas racializadas de ambiente de tomada de decisão e de poder, mas que também tem sido responsável pelo extermínio de uma população. Não são poucas as pessoas que estão perdendo suas vidas por conta de um racismo estrutural e estruturante na sociedade brasileira, institucional e que é reproduzido por essas instituições de maneira quase que inabalável e inquestionável. Ele é absolutamente eficaz. Ele é gestado no seio de uma sociedade de domínio colonial, é herança de um passado escravista, de dominação colonial, e ele vem sobrevivendo. Essa forma de interagir socialmente vem sobrevivendo ao longo dos séculos, racializando as pessoas, oprimindo. Muitas pessoas falam assim: "O racismo é um sistema de opressão". É, sim, um sistema de opressão, mas é também um sistema de manutenção de privilégios para um segmento específico dessa sociedade. Por isso é tão difícil para uma pessoa não racializada ou para uma pessoa branca reconhecer a crueldade do racismo, porque ela não vive uma situação de direitos como deveria ser, mas uma situação de privilégios. Para que a gente alcance qualquer tipo de equidade social, essas pessoas precisam rever a sua condição de privilégios. A gente vive em uma sociedade brasileira absolutamente desigual. É uma desigualdade estrutural e estruturante das relações. Temos um problema de classe absolutamente sério, mas essas desigualdades, se combinadas, se tornam ainda mais cruéis. Uma pessoa pobre sofre um processo de discriminação e precisa de políticas reparatórias, precisa de ações afirmativas; mas, se essa pessoa pobre for negra, nesse sistema de desigualdades e de racismo estrutural, dificilmente ela vai conseguir acessar uma política, porque a estrutura é muito desigual e, na base dessa estrutura, estão as pessoas negras. |
| R | Os bens são escassos - bens materiais, simbólicos, direitos... Quando esses bens são distribuídos antes de chegarem à base, eles já estarão escassos, já terão se findado. A gente precisa de políticas que alcancem a base. Então, a gente precisa chegar até a base, porque, senão, nenhuma política alcançará essa base. Como é que a gente faz isso? Com políticas pontuais, específicas, direcionadas para pessoas negras, para pessoas indígenas, para mulheres negras... A gente precisa de políticas específicas, senão a gente não rompe com essa base, com essa sustentação da sociedade brasileira que está no racismo estrutural. Então, cotas sociais são absolutamente necessárias, mas muito insuficientes para promover a justiça social que a gente deseja, porque esses preconceitos e essas discriminações acontecem de maneira combinada, interseccionada e se acumulam em determinados sujeitos, a depender de seus pertencimentos e das suas especificidades. Eu gostaria de fazer uma chamada política para um engajamento consciente, coletivo, ampliado, dialogado, como está acontecendo aqui nesta audiência pública, com a fundamental necessidade de reedição da Lei de Cotas. A ABA, com seus comitês e comissões, chama a atenção para o fato de que a continuidade e aperfeiçoamento da Lei de Cotas é absolutamente fundamental para a efetivação da democracia neste País. O que a gente está falando é que não há democracia possível sem políticas de ações afirmativas e, principalmente, "afrorreparatórias", para que a gente alcance essa situação de equidade e igualdade. Um País que tem, em sua base de formação, cruéis processos discriminatórios, sendo que essa base tem se mantido pouco abalada ao longo desses séculos, precisa experimentar essa mudança. Em contextos como estes, de recrudescimento das discriminações estruturais, as ações afirmativas se apresentam como uma possibilidade efetiva de abalo dessas estruturas, estruturas perversas, e uma possibilidade efetiva de construção de uma sociedade caracterizada pela justiça social, pela efetivação dos direitos humanos, pela constituição de um Estado reparador, pela realização efetiva da democracia. Sem esse Estado reparador, não há democracia possível. A luta com a qual devemos estar comprometidos é para que não experimentemos retrocessos, para que não tenhamos perdas de direitos. A gente sabe que, em tempos de crise, e estamos vivendo hoje crises acumuladas das mais diversas ordens, desde a crise epidemiológica até a crise política, em momentos de crise as pessoas perdem seus direitos. Até direitos que a gente achava que estavam constituídos e assegurados correm risco nesse momento, e nenhum direito pode ser perdido a nenhum segmento historicamente discriminado nesse momento tão decisivo para o futuro da democracia do País. O que queremos é a reedição, o aprimoramento da Lei de Cotas. Eu quero só reafirmar mais uma vez que a ABA coloca toda a sua expertise com o tema dessa matéria à disposição e reafirma seu compromisso com a consolidação de uma política permanente com relação às ações afirmativas e agradece, Senador Paulo Paim, pela interlocução com o objetivo de instruir esse projeto de lei, qualificando esse projeto de lei para assim seguirmos juntos e juntas na construção de uma sociedade democrática, radicalmente antidiscriminatória. Muito obrigada. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Luciana de Oliveira Dias, antropóloga. Eu já dei uma pequena lida aqui no seu currículo já por duas vezes. Estou com ele quase de cor, viu? Dra. Luciana de Oliveira Dias, antropóloga, estudiosa do pensamento feminista negro, Professora associada da Universidade Federal de Goiás, Diretora da Associação Brasileira de Antropologia. Você foi muito feliz também. Ninguém pode entender: um país com uma estrutura como a nossa, com um racismo como o nosso, não é um país democrático. Como diz: não há democracia com racismo. Isso não há. E todos têm que entender: brancos, negros, índios, pardos - todos têm que entender. O racismo no Brasil é cruel. Eu sempre digo que qualquer negro, se você pedir para ele: "Conte a sua história desde o jardim de infância, se é que você conseguiu entrar no jardim de infância [para começar] até hoje. Se você não foi agredido pelo racismo, você faltou com a verdade", seja ele de centro, de esquerda e de direita. Se quiser mentir, que minta. Às vezes, eu sei que alguns não querem mexer na ferida de tanto que dói. Eles não querem porque sabem que dói muito recordar esse passado. Por isso, nós temos obrigação de combater esse racismo estrutural que está aí há séculos e séculos e séculos. E haveremos de conseguir. Eu sou a favor do verbo esperançar. Tenho esperança, mas luto para fazer acontecer. Muito obrigado, Dra. Luciana. Eu vou agora passar, embora não esteja na tela, para a Sra. Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves. Está na tela? Ela estava com dificuldade desde o início. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Bem, Senador, dá para ouvir, não é? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Estou ouvindo bem. Você tem o mesmo tempo dos outros convidados. Sra. Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves, Presidenta da Nação Negra - é uma entidade - e Conselheira Nacional de Igualdade Racial. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Só fazendo uma correção: eu sou Presidente do Movimento Nação Mestiça. Por favor. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Muito bem. Eu quis ampliar mais, mas a senhora corrigiu de forma pontual no campo em que a senhora está atuando. Presidenta da Nação Mestiça. A palavra é sua, viu? A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Isso. Conhecido também como Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sem problema. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES (Para expor.) - Então, assim, a gente quer fazer as colocações após ouvir tantos comentários. Nós somos favoráveis, sim, à questão de um aperfeiçoamento do estatuto, da questão das cotas, inclusive a Lei da Cota já separa a questão do preto e do pardo, são separados. E aí o estatuto precisa também ir no mesmo direcionamento da Lei de Cotas, que separa a questão dos pardos e dos pretos, tendo em vista que, no último Pnad de 2019, aqui no Amazonas, nós representamos, os mestiços, 78,7%; enquanto os pretos aqui, pelo que a gente também pode observar, representam quase 4% - ficam 3,3% de pretos. E aí também a gente viu em nível nacional, segundo o IBGE, os pretos representam 14,517 milhões; enquanto nós, os pardos, que somos os mestiços, representamos 82 milhões. |
| R | Então, a questão que tem que ser colocada e que nós estamos defendendo é a questão das cotas separadas dos pardos, que são os mestiços, das dos pretos, tendo em vista que nós sofremos por dez anos essa discriminação, porque querem nos transformar na marra em negros, e nós não somos. Nós somos essa mistura do índio, do negro, do branco, então, por que vamos discriminar os nossos irmãos? De maneira nenhuma. A gente tem que trabalhar em harmonia, mas nós não podemos aceitar essa questão de nos impor uma identidade negra que nós não temos. Com todo o respeito ao movimento negro e às entidades aí representadas, nós queremos que a nossa cota dos pardos, que são os mestiços no Brasil, seja separada da dos pretos. Isso é que nós queremos. Nós aqui não estamos falando pelo movimento negro, nós falamos pelo Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro, é a questão dos pardos, porque nós somos discriminados, nosso povo é discriminado quando chega nas cotas nas universidades e nos concursos públicos, quando dizem que você não é pretinho o suficiente para ter acesso às cotas. E nós realmente não temos, porque nossa ancestralidade é branca com indígena, nosso olho é puxado porque é o olho puxado do indígena. Então, a gente tem sofrido muita discriminação quando a gente chega, o povo mestiço, para ter acesso à questão das cotas. Se for reparada essa questão no Estatuto da Igualdade Racial, colocando as cotas dos pretos separadas das dos pardos, com certeza o nosso povo mestiço, pobre, muitas vezes miserável... Aqui no nosso Estado, nossas estradas, para vocês terem uma ideia, são os nossos rios, em que às vezes o povo anda de canoa para chegar às escolas. Ter acesso a uma universidade é difícil para o nosso povo no interior. Então, nós somos muito sofridos no nosso Estado. E também há a questão nos outros Estados que têm a representação do Movimento Pardo-Mestiço. Então, precisa, sim, ser acolhida. Eu espero que o Senador, enquanto autor desse projeto, possa fazer essa separação, não nos classificar como hoje está no estatuto, que a soma dos pretos com os pardos forma os negros no Brasil. Conforme o IBGE... Inclusive, a gente já fez essa consulta ao IBGE e ele disse que não, esse pardo... Tanto é que é separado preto de pardo, sendo que esses pardos chama-se de mestiços, são os mestiços no Brasil. A gente quer dar a nossa contribuição. Gostaria também de agradecer ao nosso Senador, caboclo de Eirunepé, Senador Plínio Valério, que, quando o contactamos, se dispôs a entrar em contato com o Senador Paim, com o Presidente da Comissão, que abriu esse espaço. A gente queria deixar o agradecimento ao Presidente e também ao Senador Paim e principalmente ao nosso Senador, caboclo do Amazonas, Plínio Valério. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E realmente o Plínio Valério, Senador, fez contato com o Presidente Marcelo e fez também comigo. E eu digo: olha, todos têm direito a dar a sua opinião. Isso é democracia, gostem alguns ou não gostem. É por isso que você ocupou o seu espaço aqui, naquilo que a gente fala tanto, democracia. Eu tive posições aqui, das perguntas e comentários, que eu posso até não ter gostado, mas eu li. Eu li porque é o meu papel como Presidente aqui dos trabalhos, ouvindo a opinião de todos. E quero dizer que, em matéria do estatuto... É claro, o estatuto foi uma luta - eu fui o autor - de mais de 15 anos para aprovarmos o estatuto. A primeira versão eu te digo que foi baseada na carta da liberdade que me foi entregue em mãos pela Winnie Mandela, quando estivemos lá, numa missão dos Constituintes. Vou lembrar aqui: Edmilson; grande Caó, já falecido; João Hermann, falecido; Domingos Leonelli, que é da Bahia - o pessoal da Bahia deve ter conhecido o Domingos Leonelli - e Benedita da Silva. |
| R | Com essa carta da liberdade que nós trouxemos para o Brasil e com o movimento negro - e Frei David sabe - houve uma ampla discussão, até que chegamos a um acordo do estatuto. E como alguém me mandou aqui... Mandaram três vezes já, eu sou obrigado a ler também então. "Paim, fale aí que o Estatuto da Igualdade Racial é a maior norma para a promoção da igualdade racial e o que ele precisa é ser implantado. É uma bússola orientadora". Claro que eu sempre digo e não vou deixar de dizer agora: lei perfeita para mim não existe, não é? Tudo pode ser aperfeiçoado, mas para melhorar, não para retroceder. Nós queremos avançar numa redação cada vez mais atualizada, moderna, que seja um instrumento cada vez mais forte no combate a todo racismo e preconceito. Mas obrigado, Sra. Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves, Presidenta - não vou errar aqui, agora, senão vai ficar chateada comigo - da Nação Mestiça e Conselheira Nacional da Igualdade Racial. Vamos em frente. Agora eu passo a fala para o Frei David. Frei David Santos, Diretor Executivo da Educafro e uma liderança atuante, permanente. Quantas vezes no Congresso, hein, Frei David? Desde correntes em frente à CCJ, no dia em que se estavam discutindo as cotas, para pressionar. "Só vamos sair depois de aprovar aqui". Ou corrente lá em frente ao Palácio e tantos outros momentos que a gente acompanhou, uma luta bonita não somente, eu diria, do Frei David, mas toda luta que ele representa: estudantes, jovens. Desses estudantes da Educafro, dois trabalharam comigo muito tempo, viu, Frei? A Isabel, que continua comigo até hoje, e o Thiago, que ganhou recentemente o prêmio Raça Negra e já está numa outra esfera, por opção. Mas, Frei, é com o senhor. O SR. DAVID SANTOS - É verdade sim. Eu lembro quando, com 50 jovens, estivemos também... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Cabelinhos pretos, todos nós. Agora é tudo cabelo branco. O SR. DAVID SANTOS - Pois é, em frente ao Palácio Planalto, exigindo da Dilma que desengavetasse o projeto de cotas do serviço público para poder votar. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E saiu. Saiu. O SR. DAVID SANTOS - Pois é. Só foi depois daquele ato que saiu. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Foi, foi. Saiu. O SR. DAVID SANTOS (Para expor.) - Bem, parabéns, então, a todos e todas que lutaram e lutam até hoje. Senador e demais companheiras, Lívia, Luciana, Helderli, antes de dar a resposta às várias perguntas, eu queria botar três informações muito boas para nós. A primeira informação é dizer para vocês que, por causa daquela foto que circulou o Brasil e o mundo, da XP e da Ável, só de brancos, jovens, discriminando idosos, discriminando mulheres, discriminando negros e discriminando deficientes, a Educafro abriu uma ação coletiva, uma ação por danos coletivos, e, para a nossa surpresa - criamos uma tese nova que em nenhum lugar do Brasil, da América Latina, a gente achou algo nem próximo a essa tese -, para a nossa alegria, o juiz aceitou a tese. |
| R | Então, no momento, a Ável e a XP estão respondendo um processo. Na primeira audiência, que foi presencial, aí, em Porto Alegre, eu fiquei com pena dos caros advogados - caros em nível de dinheiro - da XP. Ela contratou o escritório Mattos Filho, que é o escritório mais caro da América Latina, e eles apanharam de oito a dois, em nível de embate com os advogados da Educafro. Eu estou muito feliz, quero parabenizar aqui os advogados voluntários da Educafro que deram um show na XP e na Ável. Bom, esse é o primeiro ponto de partilha. O segundo ponto de partilha é dizer para vocês que, após três anos de luta ferrenha, abrimos processo no Conselho Nacional de Justiça, contra todos os presidentes dos tribunais de cada Estado do Brasil, porque esses malandros, irresponsáveis, presidentes dos tribunais, não permitiram cota para negro no concurso público de cartório. Nós, depois de muito embate, três anos de briga com 27 presidentes de tribunais, ganhamos de sete a zero. Então, a partir de maio desse ano, todos os concursos para cartório, para ser administrador de cartório, já têm cota para negro. E é isso, Senador Paim. Qual é a minha tristeza? Rodando o Brasil inteiro, eu espero que ninguém esteja ouvindo o que eu vou falar agora, não: rodando o Brasil inteiro, eu não conheço dez negros que estão se preparando, estudando para concurso de cartório. O primeiro concurso foi em Goiás, depois dessa conquista do Conselho Nacional de Justiça. A Educafro mandou cinco jovens da Educafro prestarem o concurso em Goiás, dos cinco, quatro passaram, ou seja, eu espero que não seja ofensivo, não me interprete mal. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, pelo contrário: são notícias boas que o senhor está dando. O SR. DAVID SANTOS - Em terra de cego, quem tem um olho é rei - em terra de cego, quem tem um olho é rei. Aqui, agora, é o despertar. No momento, o próximo concurso para cartório é de São Paulo. São 28 vagas para negros - só para negros. Senador Paim, fizemos um levantamento com o tribunal; o tribunal é obrigado a botar no site esses dados. Desses 28 cartórios, em 15 a renda líquida - renda líquida - dele é de 100 mil por mês. A renda líquida dele é de 100 mil por mês. Em dois desses cartórios, que serão administrados por negros, a renda líquida ultrapassa 1 milhão por mês - por mês. Então, negras e negros do Brasil inteiro, por amor a São Francisco, ou melhor - aqui é todo mundo afro -, por amor a Luther King, por amor a Marielle, negras e negros do Brasil, até também liguem para o promotor de justiça e demais defensores, todos vocês, façam o concurso de transferência para cartório, porque os juízes estão fazendo. Olha, o número de juízes, de procuradores da República que estão fazendo concurso para cartório, porque ganham dez vezes mais, é grande. Então, nossos irmãos negros e negras que já passaram para concursos de defensor, de procurador, eu sugiro que vocês façam para serem administradores de cartório, e desse dinheiro que você vai ganhar, 100 mil por mês, bote aí uns 30 mil para investir em outras formações de líderes negros. Precisamos de negros investindo em negros. Essa é a boa notícia, ou seja, temos agora cotas para negros disputarem vaga de cartório. |
| R | A outra boa notícia, Senador Paim... O senhor comentou agora mesmo na sua fala. Aquela cena horrorosa, monstruosa, do policial arrastando nosso irmão negro na moto porque ele cometeu um delito, algemou na moto e arrastou. Olhe só, quantos brancos empresários cometem delitos? Quantos deles o policial amarrou na moto e arrastou pelo meio da rua? Então, é essa a baixaria que a gente quer combater. Então, Senador, quero dizer a você que a Educafro abriu uma ação coletiva contra o Governador Doria e o juiz aceitou. Então, neste momento o Governo Doria está respondendo ao processo porque um funcionário dele, policial, arrastou um irmão nosso, algemado, na moto. Então, é a primeira ação coletiva nessa dimensão, ou seja, nós, da advocacia negra, estamos inovando o Direito no Brasil, estamos inovando a luta por direitos no Brasil. Então, eu conclamo os negros do Brasil inteiro a investirem mais na advocacia como um instrumento de solidificação e agilização de conquistas de direitos. Bem, agora respondendo às perguntas. Olha só, para ser bem breve. Quero orientar, partilhar, para todos aqueles que estão desavisados, que a Lei de Cotas que atualmente está em vigor, a 12.711, ela tem cota... É maldade dizer que é cota para negro. É mentira. Essa lei, a 12.711, tem cota para deficiente, tem cota social - um mundo de cota social -, tem cota para indígena, que é o mestiço, tem cota para quilombola, que muitas vezes é mestiço e até branco, e tem cota para negro, um pouquinho de nada, 12,5%. É uma migalha. Eu protesto e quero, um dia, poder mudar a Lei de Cota, porque a Lei de Cota, para o negro, é injusta. Eu não queria falar aqui, mas já que me provocaram, quero dizer que em estudos que vão ser divulgados brevemente estão provando que a famosa Lei de Cotas, 12.711, beneficiou mais brancos do que negros, mais brancos entraram na universidade, com essa lei, do que negros. Essa é uma polêmica que vai pegar fogo brevemente, assim que sair a pesquisa. Vai gerar um auê danado. Portanto, gente, irmãs, irmãos, essa lei não é de negros, essa lei é dos excluídos em geral. E nós, negros, só temos 12,5% de cota. É pouco demais! O segundo ponto é dizer que o nosso foco, agora, é aprovar a revisão dessa Lei de Cotas - é nosso foco total enquanto entidade, enquanto Educafro, e acho que de todo mundo também. Depois de aprovada, Senador, temos 500 outras propostas para poder fazer a coisa pegar para combater fraude, para melhorar... Nós queremos, por exemplo, prender um reitor, um reitor que está deixando solta, por improbidade administrativa. Prendendo o reitor, os demais vão ser mais responsáveis, vão ser sérios. Então, assim que a lei for aprovada, nosso próximo passo é prender o reitor, um reitor que está deixando a Lei de Cotas solta, sem averiguação, sem acompanhamento, sem monitoria. |
| R | Eu termino dizendo que vivemos um momento muito especial no Brasil. Por mais que a gente esteja sofrendo aí tremendos horrores, mas uma especial é: dos negros que conseguiram entrar na universidade, grande parte está colocando o seu saber a serviço do empoderamento de seus irmãos. Então, todos vocês, beneficiados pelo Prouni, pelo Fies, pelas cotas de universidade públicas, por favor, venham, lutem, doem seu tempo, doem sua vida e, por exemplo, Senador, lá na Educafro, neste exato momento, existem cinco mulheres e cinco homens negros que trancaram a faculdade, abandonaram o emprego, vão ficar um ano inteirinho na Escola de Líderes, se preparando para serem líderes e já lutando, dia a dia, pelo bem do povo negro. Então, parabéns aos dez jovens que são membros da Escola de Líderes da Educafro! Brevemente, vamos abrir a inscrição para novas pessoas que querem ser membros da Escola de Líderes da Educafro. Um abraço. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bem, Frei David, parabéns! Veio, também, na linha de trazer boas notícias. Eu gostei. Trouxe uma série de boas notícias e, no final, apontou outros caminhos. Estamos juntos. Parabéns pela sua história, sua vida e seu trabalho! Chegou aqui, antes de eu passar para a Dra. Lívia encerrar, chegou o seguinte aqui: "A chamada, popularmente, Lei de Cotas, Lei nº 12.711, prevê o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio para aqueles autodeclarados pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo - um salário mínimo e meio, essa é a nossa gente e nós estamos abrindo a possibilidade para que eles cheguem à universidade -, 1,5 salário mínimo per capita e alunos oriundos de escola pública". Eu acho que alguém mandou, como contribuição, para que não fique nenhuma dúvida de quem são os beneficiados pela Lei de Cotas. Dra. Lívia Sant'anna Vaz, Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Dra. Lívia Sant'anna Vaz é doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, nomeada uma das pessoas de descendência africana mais influentes do mundo da edição Lei e Justiça. V. Exa. vai fechar aqui o nosso painel de hoje sobre o debate sobre cotas, mas voltaremos. Teremos muitos e muitos debates ainda sobre cotas e outras formas de combater o racismo estrutural. (Pausa.) Tem que... Eu acho que... Quem é que abre? Pronto. A SRA. LÍVIA SANT'ANNA VAZ (Para expor.) - Agora eu consegui. Pronto. Agora eu consegui abrir. Primeiro, Senador, eu vou responder, rapidamente, a duas perguntas aqui, que são respostas breves. Depois, vou fazer uma breve análise, complementando o que já foi aqui muito bem dito pelos outros participantes e outras participantes, que me deixam num lugar confortável de complementá-los apenas. Mas veja, há uma afirmação aqui, de que são uma injustiça histórica as cotas raciais, porque somos todos seres humanos. Talvez, as pessoas estejam esquecendo que pessoas negras no Brasil, por mais de 350 anos, tiveram sua humanidade negada. Disso existem consequências evidentes até os dias de hoje. Não é à toa que nós estamos há 133 anos da Lei Áurea. E, se nós falarmos em mortalidade infantil, crianças negras são as que mais morrem. Mortalidade materna, violência obstétrica, violência doméstica familiar, feminicídios, mulheres negras, encarceramento em massa, violência policial letal, abordagem de suspeitos, homens negros, jovens negros. |
| R | E, em todos os Estados do Brasil, nós temos que pessoas negras vivem menos que pessoas brancas. O que é isso senão a raça como elemento central da nossa não democracia, da nossa desigualdade? É um fator determinante das desigualdades no Brasil. O problema é que nós não tivemos acesso e não temos acesso, em grande medida, nas escolas a essas informações e, aí, desconsideramos o elemento racial como um elemento determinante mesmo dessas desigualdades. E, aí, uma outra pergunta que foi feita aqui, uma afirmação, na verdade, é que a cota racial vai reduzir a qualidade do ensino superior. Olha, há muitas pesquisas já que concluem que o desempenho de alunos cotistas é, inclusive, superior ao desempenho de alunos não cotistas. Então, essa não é uma realidade. Nós precisamos conhecer as pesquisas e os dados disponíveis para realmente falar com justiça sobre as cotas raciais. Cota racial é reparação histórica. E, aí, eu vou falar um pouco dessa história para a gente entender. Pessoas negras, no Brasil, foram proibidas de frequentar a educação formal por décadas. A Constituição do Império, de 1824, no 2º Ato Oficial Complementar, proibia que negros e leprosos frequentassem as escolas. Trinta anos depois desse Ato Oficial Complementar, o Decreto n° 1.331-A, de 1854, proibia meninos não vacinados, meninos portadores de moléstias contagiosas e escravos de frequentarem as escolas. Como nós podemos falar em meritocracia pura neste País? Essa tal corrida pela meritocracia já começa muito desigual, a começar por quem determina o que é o mérito neste País. Aí eu vou querer dar exemplos, porque a gente acaba naturalizando a ausência de corpos negros em espaços de poder, por exemplo, naturalizando a presença negra no cárcere, nos números e nos dados sobre mortes letais no Brasil e naturalizando também a presença hegemônica de pessoas brancas e homens, em especial, homens brancos, nos espaços de poder. Mas eu tenho dados aqui que confirmam, por exemplo, que um quinto da Magistratura brasileira tem familiares na carreira - um quinto! - e que 51% têm familiares em outras carreiras do Direito. Será que isso é mérito realmente? Será que isso é fruto do mérito realmente? Não; isso é fruto de privilégios historicamente acumulados, como bem disse a Professora Luciana aqui. Não é só uma questão de exclusão e marginalização de pessoas negras; é uma questão também de manutenção dos privilégios da branquitude neste País. Por isso, é preciso discutir o mérito, é preciso rediscutir o mérito. E, aí, essa forma de determinar quem merece e quem não merece é também monopólio das pessoas brancas no Brasil, é também monopólio da branquitude. E, aí, é que nós temos que rever também os nossos concursos públicos. Quando eu determino, por exemplo, que, num concurso para a Magistratura, para o sistema de Justiça, para o Ministério Público, o candidato tem que ter três anos de atividade exclusiva de bacharel em Direito, eu estou com um filtro racial, Frei David, porque pessoas negras não acessaram essa atividade, não conseguem acessar, com igualdade de oportunidades, esse pré-requisito. Isso é um filtro racial. Quando eu determino, num concurso público, que a prova de títulos vai considerar como título mestrado, pós-graduação, doutorado, eu tenho um filtro racial aí também, porque pessoas negras não acessaram ainda esses lugares. Inclusive, não há cotas raciais obrigatórias para pós-graduação do nosso País. Portanto, há vários filtros raciais na determinação de quem merece e de quem não merece, do que é o mérito e do que não é o mérito. |
| R | Na verdade, o que está acontecendo neste País é que o princípio meritocrático ou o chamado princípio meritocrático, da maneira como ele é aplicado, tem servido ao contrário do que ele deveria servir, porque ele surge para impedir privilégios de classe e privilégios de família, privilégios de nobreza, mas está servindo, na verdade, para a manutenção desses privilégios brancos e masculinos neste País. Então, é preciso que a gente conheça um pouco mais da história para entender que a política, a ação estimativa, a cota racial é política de reparação no Brasil, e não injustiça, e não privilégio. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Parabéns Dra. Lívia Santana Vaz, Promotora de Justiça do Estado da Bahia, doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, que ficou como destaque, sendo considerada uma das pessoas com descendência africana mais influentes do mundo na edição Lei e Justiça. Parabéns a todos vocês, que têm um currículo belíssimo. Se eu fosse ler o currículo do Frei David, eu iria contar parte da minha vida, viu? Desde a primeira vez que eu ouvi falar em política de cotas - Cpers, Porto Alegre; eu, sindicalista -, disseram que o Frei David estava vindo fazer uma palestra sobre cotas e lá fui eu, e ali eu recebi uma aula da importância das cotas. Até ali, Frei David, era quase proibido de falar cotas, inclusive no movimento sindical. A partir daquele dia, Frei David, quando você deu aquela aula, todos nós saímos de lá convencidos da importância da política de costas. Eu vou ter que terminar, mas vocês me dão três minutinhos para eu encerrar? Posso usar três minutos? (Pausa.) Então, vou usar. Primeiro, quero agradecer muito a todos os convidados. Sei que um ou dois tiveram que sair um pouco mais cedo, mas todos, para mim, aqui são homenageados com este debate, que é um debate que vai continuar. Na abertura, eu falei que hoje é o Dia Internacional dos Direitos Humanos e que falar em política de cotas é falar em direitos humanos. Por isso, assim eu iniciei e vou dar alguns dados para mostrar para aqueles que têm dúvida o quanto que racismo estrutural machucou a nossa gente, o nosso povo. Somos o país mais desigual do mundo. Somos o último país do mundo a abolir da escravatura. Como aqui já foram dados alguns números, temos hoje 15 milhões de desempregados, 60 milhões na pobreza, 19 milhões passam fome todos os dias, gente que não possui sequer água potável para beber. E vou dizer aqui, mas eu não digo com alegria, digo com tristeza: a maioria são negros, sim. Mas eu não queria que nem negros nem brancos estivessem nessa situação, mas a ampla maioria é de negros. Neste País, hoje, no Dia Internacional dos Direitos Humanos, idosos pedem socorro; miseráveis sentem a dor do frio; mães choram, pois não têm alimentos para dar aos filhos, choram porque seus filhos são mortos pelas ditas balas perdidas, choram porque os seus companheiros foram mortos por serem negros. O jovem Beto, aqui no meu Rio Grande, foi morto sufocado por seguranças de um supermercado aqui em Porto Alegre e por quê? Porque era negro. E esse dado para mim... Eu falei na tribuna do Senado, e vou falar aqui novamente, aproveitando aqui a TV Senado: nesta semana as Vereadoras da Bancada Negra de Porto Alegre - Laura Sito, PT; Daiana Santos, PCdoB; e Karen Santos, PSol - foram agredidas nas redes sociais e ameaçadas de morte. A Polícia pesquisa e diz que a ameaça vem do Rio de Janeiro. O cidadão disse - e eu tive acesso - que vai comprar uma arma poderosa e virá a Porto Alegre para matar as Vereadoras e todos aqueles que atravessarem na sua frente. E olhem o que ele diz: "Nem que depois eu tenha que botar uma bala na cabeça". Estou relatando os fatos. Mas aqui quero lembrar que as três Vereadoras são negras. E aí vem a história do jovem algemado, que eu comentei e vocês comentaram também, pelas ruas de São Paulo, numa moto, com o policial andando: andando, e ele correndo. Ou ele corria ou seria arrastado. Como era esse jovem? Era negro. |
| R | O trabalho escravo é uma realidade. Eu presido a comissão de refugiados aqui no Congresso. O trabalho escravo é uma realidade. Refugiados e migrantes são discriminados. Garimpeiros matam indígenas. Nós temos assistido agora, todos vocês, crianças indígenas morrem por desnutrição. O Estado se omite. Isso tudo é inaceitável. O Brasil apresenta um cenário de discriminação estrutural contra pessoas afrodescendentes em comunidades quilombolas. Ah, como sofrem os nossos quilombolas! Eu tenho visto. Não tenho tempo para falar de tudo isso aqui, de camponeses, trabalhadores rurais, pessoas com deficiência, pessoas em situação de rua. Estamos entre os países que mais matam. Matam quem? Mulheres e pessoas LGBTQIA+. Também aí a maioria são negros. De cada dez jovens assassinados, oito são negros neste País. Discursos de ódio produzem vítimas, produzem exclusão, que se faz sentir sobretudo na negação dos direitos e garantias fundamentais, dos direitos humanos. Estamos vendo aí o desmanche das instituições e dos órgãos de proteção dos direitos humanos na negação da Constituição e da democracia. Direitos humanos são as portas de entrada da transformação de que tanto precisamos. Por isso, hoje, neste debate sobre cotas, que para mim é direitos humanos, eu falo tanto dessa exclusão do nosso povo e da nossa gente, temos que crescer humanamente e coletivamente e buscar a dignidade, a solidariedade, a fraternidade e a justiça social. Tudo está guardado na memória. Como canta o grande León Gieco, que falou do engano e a cumplicidade dos genocidas que estão soltos, os sonhos, a história e a memória despertam os povos. E nós haveremos de vencer e um dia seremos livres, livres, livres como o vento. Não posso encerrar esta minha fala, me permitam, sem tocar em um problema seriíssimo, e espero o apoio de todos vocês que estão nos assistindo neste momento: o Congresso tem a obrigação de votar e derrubar o Veto 48, de quebra de patentes de vacinas e medicamentos contra a covid-19. Isso é direitos humanos. Precisamos de vacina para todos. No Continente Africano, não chegam a 10% os vacinados. Os países ricos têm mais de 800 milhões de vacinas que nem usam e não têm mais necessidade. Aqui no Senado nós vamos votar o veto. Nós vamos decretar, entre terra antecipada dos que serão sepultados sem o ritual do velório e aqueles vacinados, que poderão passar muitos natais - o Natal está aqui - ao lado de amigos, familiares, pais, filhos, avós e avôs e — por que não? —, pensando até nos bisnetos, aqui há de se perguntar, neste dia dez, Dia Internacional dos Direitos Humanos: quantos de nós viu as filas nos hospitais, as UTIs lotadas, com intubação sem anestesia, que poderão estar a qualquer momento no ritual da morte, da cremação ou com os corpos jogados nas calçadas, em contêineres, ou nas valas comuns, esperando na fila do cemitério? Aqui lembro agora, e faço uma homenagem aos Médicos sem Fronteira, a todos os profissionais da saúde e aos familiares que perderam vidas - hoje já ultrapassam 617 mil vidas. Eles todos imploram ao Senado, ao Congresso, Câmara e Senado... Não é porque eu fui autor do projeto. O Nelsinho Trad foi o Relator aqui e o Aécio Neves, na Câmara. Não havia um debate ideológico. Aprovamos! Mas, infelizmente, a parte principal, o Governo vetou. Eles imploram pela derrubada desse veto, junto com milhares de entidades, de associações, de abaixo-assinados, autoridades do Legislativo e do Executivo do mundo todo. Nós queremos vacina para todos, para todos, de verdade. A OMS e a OMC, a mesma coisa. Tenho listas aqui, no meu gabinete, dos ganhadores de Oscar, ganhadores de Prêmio Nobel da Paz, centenas de celebridades, entre desportistas, artistas, religiosos, Frei David, do mundo todo, num verdadeiro gesto ecumênico, também pedem a derrubada desse veto. |
| R | Aproveito aqui para pedir isso. Temos obrigação de derrubar esse veto, que vai garantir que o Brasil possa produzir vacina; que vai permitir que lá, em Joanesburgo, na África do Sul, onde há uma impotência - eu falo de Joanesburgo porque eu estive lá para a Libertação do Mandela -, ou lá em Pretória, que eles possam também produzir vacina lá para a nossa gente. E a pergunta que fica: se todos querem a vacina, como eu disse aqui, que poder invisível é esse que não quer a vacina para quem não pode pagar? Esse é o fato. Eles ganham mais de mil dólares, por segundo, de lucro líquido. Que força é essa que manipula até a morte? É disso que estamos falando. Tom Jobim, e aqui eu termino, eu sei que está pesada a minha fala, Tom Jobim disse um dia, para aqueles que acham que o dinheiro é tudo: "O dinheiro não é tudo, não. Não se esqueçam do ouro, dos diamantes, da platina e de todas as suas propriedades, mas lembrem também que, quando fizermos a viagem eterna, nada disso levarão" - nada disso levarão. Nós, que somos militantes dos direitos humanos, levaremos na alma o que fizemos em políticas humanitárias. E aí, Frei, teremos um encontro anual. |
| R | Termino minha fala com a seguinte mensagem de Paulo Freire, que tem tudo a ver com as cotas e com direitos humanos: "Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas mudam o mundo". Educação liberta. Sim, educação liberta e nós queremos liberdade para todos e por isso queremos o acesso à educação, que tanto nos foi negada. Termino com uma frase que eu improvisei aqui agora: se eu pudesse, eu declararia em alto e bom som que o dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, fosse também o dia de homenagear as políticas de cotas. Cotas são direitos humanos. Muito obrigado a todos vocês pelo carinho, pelo tempo que ficaram aqui conosco. Permitam que eu me dirija agora à Luciana, à Lívia, ao Frei, à Presidente da UNE, que saiu, ao Reitor, que saiu, e à outra senhora, que não está mais conosco aqui. Eu queria só dizer que para mim é sempre um grande aprendizado ouvir a todos. Vocês aqui deram uma aula, uma aula que vai ficar tramitando nas redes sociais, milhares e milhares de pessoas verão, e, com certeza, logo ali na frente, todos nós estaremos festejando. Frei David, permita-me dizer que vou orar em todas as religiões para que isso aconteça e as cotas sejam aprovadas - oxalá! oxalá! - por unanimidade, mais uma vez, no Congresso Nacional. Obrigado a todos. Uma salva de palmas para o trabalho de vocês. (Palmas.) Está encerrada a nossa audiência pública de hoje sobre as cotas. Voltaremos. Beijo no coração de cada um de vocês. (Iniciada às 14 horas e 30 minutos, a reunião é encerrada às 17 horas e 27 minutos.) |
