13/12/2021 - 28ª - Comissão de Assuntos Econômicos

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN. Fala da Presidência.) - Boa tarde a todos e todas.
Havendo número regimental, declaro aberta a 28ª Reunião da Comissão de Assuntos Econômicos da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com o objetivo de debater o tema Finanças Islâmicas. Esta audiência atende ao Requerimento nº 14, de 2021, aprovado por esta Comissão de Assuntos Econômicos em 30 de novembro.
Esta reunião se realizará em caráter interativo, o que abre a possibilidade de participação popular. Já temos aqui algumas perguntas e comentários, que podem ser enviados pelo Portal e-Cidadania, www.senado.leg.br/ecidadania, ou registradas pelo telefone 0800-612211.
A Presidência adotará as seguintes normas: os convidados farão suas exposições por até dez minutos, haverá um sinal sonoro aos 15 segundos, e, em seguida, abriremos a fase de interpelação pelas Senadoras e Senadores inscritos, respeitada a ordem de inscrição.
Temos pelo sistema remoto - e já os saúdo - os Líderes Izalci Lucas, Senador Angelo Coronel, Senador Antonio Anastasia, Senador Flávio Arns, Senador Vanderlan Cardoso, Senador Wellington Fagundes. Os Parlamentares podem se inscrever junto à Secretaria da Comissão ou usando os mecanismos do acesso remoto.
A inscrição dos Parlamentares que estiverem participando remotamente pode ser solicitada pelo recurso "levantar a mão" do aplicativo.
Os interpelantes irão dispor de cinco minutos, assegurado igual prazo para a resposta do interpelado. (Pausa.)
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Antes de convocar aqui a palavra dos nossos participantes, eu queria contextualizar um pouco o processo que está em curso.
Nós estamos trabalhando desde 2019, pelo Grupo Parlamentar Brasil-Países Árabes, juntamente com os demais grupos parlamentares que envolvem relações bilaterais com países árabes e países islâmicos também - as duas coisas não são necessariamente convergentes, mas às vezes incluem países não árabes e islâmicos.
Portanto, nós temos trabalhado nessa questão das finanças islâmicas, que têm diferenças de concepção. O genérico, na verdade, é justamente que as finanças são encaradas como um meio, e não como um fim. Então há várias diferenciações, inclusive de instrumentos, normas, formas de atuação que são admitidas em vários países, através de adaptações, aprimoramentos das leis locais.
E nós estamos justamente empreendendo um estudo mais completo, mais dedicado à nossa legislação. Estamos trabalhando também - e estive com o Presidente do Banco Central na semana passada, mais uma vez, com quem temos falado várias vezes sobre isso, o Banco Central também está presente nesta audiência - justamente para vasculhar, no bom sentido, todas as nossas normas e encontrar ali, com o auxílio dos nossos especialistas e de todos que puderem acorrer a esse trabalho, lacunas, ou legais ou regulatórias, que impedem ou dificultam o exercício das operações financeiras dentro do contexto islâmico e da sharia. Vamos ouvir mais sobre isso com os palestrantes que se seguem.
Eu queria iniciar. Quero declinar aqui os quatro e depois dar a palavra pela ordem, mas a convidada inicial é a Sra. Ângela Martins, que é a representante chefe para América Latina do First Abu Dhabi Bank; o Sr. Mohamed Hussein El Zoghbi, que é Presidente da Fambras Halal Certificação; o Sr. Cláudio Gonçalves Maes, que é gerente da Superintendência de Desenvolvimento de Mercado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM); e o Sr. Renato Kiyotaka Uema, que é Chefe Adjunto do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central do Brasil.
Então, sem mais delongas, queria saudar a presença da Sra. Ângela e passar a palavra à Sra. Ângela Martins, representante chefe para a América Latina do First Abu Dhabi Bank.
Com a palavra, Ângela, por favor. E obrigado por comparecer aqui e nos ajudar neste trabalho.
A SRA. ÂNGELA MARTINS (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde a todos. Estão me ouvindo perfeitamente? Espero que sim. Estão me ouvindo?
Bom, eu sou Ângela Martins, como já fui apresentada. Eu sou CEO para a América Latina do First Abu Dhabi Bank.
O First Abu Dhabi Bank não é um banco islâmico, é um banco convencional, mas obviamente, como a maioria dos bancos árabes, também tem atividade bastante atuante em finanças islâmicas.
Eu trabalhei por 15 anos numa outra instituição também árabe. Já atuo com esse tipo de instituição há mais de 20 anos. E no começo dos anos 90, no meio, mais ou menos, dos anos 90, fui introduzida às finanças islâmicas e até, em 2004, escrevi o primeiro livro em português sobre o assunto.
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Tenho feito operações islâmicas, mas um dos grandes desafios é exatamente o fato de não ser possível esse tipo de operação dentro do Brasil. Então, a maioria das operações, quando elas ocorrem, têm que acontecer fora do País. E por que isso? Porque existe um detalhe que é muito importante nas operações financeiras islâmicas: é que, na maioria dos casos, existe compra e venda de algum ativo. Essa compra e venda do ativo acontece duas vezes. Por que isso? Para dar uma explicação muito simples, por exemplo, quando você faz um financiamento, numa banca convencional, você simplesmente vai ao banco, pede um financiamento e esse financiamento é concedido. No caso de uma operação financeira islâmica, normalmente, a instituição financeira compra aquele ativo que você precisa à vista e vende, para quem está precisando, a prazo e nessa transação ela faz um lucro. Então, esse lucro é permitido. Porém, você tem duas pernas de compra e venda - e aí é que está o grande problema, o grande desafio, quando essa operação é praticada nos países não islâmicos: não havendo o entendimento da estrutura, acaba havendo uma incidência fiscal dupla, o que mata a operação no seu nascedouro, dado que fica uma operação muito cara.
Então, os países não islâmicos que hoje praticam as finanças islâmicas - e são inúmeros: o Reino Único, obviamente, é sempre o primeiro exemplo que nos vem à cabeça, dado que eles acabaram, inclusive, estabelecendo instituições financeiras islâmicas e são muito atuantes, mas há outros países, também, hoje que já praticam - a primeira coisa que têm que fazer é alguma adaptação na questão fiscal, porque a grande maioria dos países têm essa mesma situação em que você cobra duplamente.
O que nós temos feito até então, até para capturar esses recursos que são tão volumosos e tão importantes, é fazer essas operações ou a maioria delas fora do Brasil, porém ela acaba só privilegiando aquelas instituições brasileiras que têm presença fora do País.
Esse é um bolsão de liquidez muito representativo. Estima-se que hoje mais de US$1 trilhão seja administrado pelas instituições financeiras islâmicas. Então, o grande interesse é exatamente poder fazer com que essas empresas brasileiras, não apenas aquelas produtoras de alimento halal, mas mesmo para questões, por exemplo, para investimentos em infraestrutura ou até outro tipo de investimento que tenha no Brasil, possam acessar esse bolsão de liquidez. Mas, para isso, como já disse, haverá necessidade de conseguirmos endereçar essa questão fiscal, fazendo com que, quando se estiver praticando uma operação islâmica, haja uma possibilidade de se entender que, nessa operação específica, apenas uma perna será taxada.
Existe também uma outra coisa muito importante, que é acessar o mercado de capitais islâmicos. Então, os bondes islâmicos, que são conhecidos como sukuks, normalmente também têm a mesma estrutura. Então, qualquer empresa brasileira que queira acessar o mercado de capitais islâmicos bem provavelmente terá que usar uma estrutura em que uma empresa de propósitos específicos será utilizada, e nessa empresa de propósitos específicos haverá a compra de um ativo que irá para dentro dessa empresa de propósito específico, e esse ativo é que vai gerar algum tipo de renda, que será distribuída para os investidores, mas, no final, esse ativo é passado de volta para o dono do ativo, que seria o emissor daquele bonde. E, mais uma vez, nesse tipo de estrutura, haverá duas pernas, na compra inicial do ativo e na venda subsequente. E aí, mais uma vez, se inviabiliza, pelo fato de não existir uma legislação específica. Então, desde o início dos anos 90, eu tenho tentado envolver outros atores importantes no conhecimento do que sejam as finanças islâmicas para atrair esses investimentos, mas sempre esbarramos nessa questão fiscal.
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A ideia de estarmos aí participando desse estudo é exatamente conseguirmos envolver não apenas o Banco Central do Brasil, como mencionado anteriormente, mas também eu acho que, de uma forma muito importante, a Receita Federal e, obviamente, os Srs. Parlamentares, que são os que podem propor algum tipo de alteração na legislação no que tange às questões fiscais e, com isso, podermos ter algum tipo de aprovação de uma legislação específica que permita e que deixe claro que, quando uma operação islâmica estiver em curso, ela possa sofrer uma incidência de imposto de uma forma diferenciada.
Então, eu entendo que haverá necessidade de se adaptar alguma legislação que já exista e, com isso, podermos, realmente, endereçar a questão e ter a possibilidade de fazer operações financeiras islâmicas no mercado nacional.
Obviamente, existirão perguntas - e a gente vai poder entrar um pouco mais detalhadamente nessas questões -, mas, assim, em linhas gerais, o que eu quero deixar claro é exatamente isto: em 90% das vezes nas operações financeiras islâmicas, haverá a necessidade de se fazer uma compra e venda de um ativo para que não sejam cobrados juros, para que, na verdade, haja lucro nessa operação. Muitas vezes, as pessoas podem entender como "ah, mais ou menos, no frigir dos ovos, temos alguma coisa parecida com a cobrança de juros", mas não é. Na verdade, a estruturação é para que fique muito claro que haverá a geração de valor, será gerado algum valor agregado à sociedade.
Então, esse é o princípio básico das finanças islâmicas. Por isso que é tão importante que haja a compra e a venda de um ativo, porque não existe nenhum tipo de especulação financeira, nem pode haver nenhum tipo de especulação financeira, mas todas as operações são estruturadas de forma que o banco que estiver viabilizando a operação possa fazer o lucro, mas que esse lucro seja compartido entre todos os participantes da operação. E, nesse sentido, a operação só será viável se não houver uma taxação dupla, o que deixaria a operação excessivamente cara.
Do meu lado, como uma especialista apenas no assunto, eu pararia por aqui e passaria a palavra para o Sr. Zoghbi, que, além do fato de ter interesse nas operações financeiras islâmicas, também já é uma pessoa que apoia grandemente a produção de alimentos halal, e, para essa indústria em particular, o fato de podermos ter também o financiamento islâmico vai agregar muito valor. Vai ser uma coisa muito importante, porque existirá a possibilidade da atração desses recursos também para a produção de alimentos halal para além das operações já existentes de frango e carne, mas outros tipos de produto que hoje também já começam a ser produzidos. E o Brasil, que já é hoje um importante ator nessa indústria, vai poder contar com esses recursos para o financiamento de plantas, expansão de plantas existentes e o início de plantas de outro tipo de produto, como cosméticos ou produtos farmacêuticos e outras coisas dessa natureza. Então, em princípio, é isso que eu gostaria de trazer e fico à disposição para perguntas, para entrar em maiores detalhes sobre como são estruturadas essas operações.
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Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Muito obrigado, Ângela.
Antes de passar ao meu querido amigo Mohamed Zoghbi, quero informar a todos que temos também a participação do Sr. Fabiano Jantalia, que está conosco aqui. Nós temos muito prazer em trazê-lo aqui, porque ele é Consultor Legislativo da Câmara, advogado, doutor e mestre em Direito pela Universidade de Brasília e autor de uma tese de doutorado justamente sobre finanças islâmicas. Muito bem-vindo aqui também, Fabiano, que está aqui presencialmente conosco!
Quero também informar que a Receita Federal recebeu o nosso convite e enviou uma gentil mensagem aqui dizendo, basicamente, que: "Informar, com a devida vênia, que o objeto da referida audiência pública não trata de matéria da competência Receita Federal. Por oportuno, o Brasil possui acordo para evitar a dupla tributação com países árabes em vigor, além de outros dois acordos que se encontram em fase de negociação, destacando-se que o mencionado tema não foi levantado". Aí, nesse caso, eu preciso fazer a ressalva de que, sim, o tema finanças islâmicas engloba justamente a tributação, como a própria Ângela deixou claro aqui na primeira participação. Justamente o grande problema é a tributação e, eventualmente, a dupla tributação, não necessariamente entre países, mas na compra e na venda dos títulos aqui que são comprados e vendidos justamente para cumprir com a regra islâmica, e não necessariamente por obrigação, por querer comprar e vender, pelo que eu entendi.
Então, esse é um tema que faz parte, mas isso justamente mostra como a gente ainda tem uma certa superficialidade ao conhecer esse tema de finanças islâmicas, que é exatamente o tema que nos traz aqui a esta audiência.
Com a palavra o Sr. Mohamed Hussein El Zoghbi, que é Presidente da Fambras Halal Certificação.
Salaam alaikum, meu amigo!
O SR. MOHAMED HUSSEIN EL ZOGHBI (Para expor. Por videoconferência.) - Aleikum essalam! Que a paz de Deus esteja com todos!
É um grande prazer estar aqui com vocês. Primeiramente, queria agradecer, em nome Fambras, à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado pelo honroso convite para abordar um assunto que merece atenção de todos, que são as finanças islâmicas.
Exmo. Senador Jean Paul, queria, na sua pessoa, agradecer ao Grupo Parlamentar Brasil-Países Árabes; agradecer ao Vice-Presidente, aqui presente, da Comissão de Assuntos Econômicos, o Senador Vanderlan Cardoso; à minha querida amiga Ângela Martins. Corroboro tudo aquilo que você colocou e agradeço o seu apoio e a sua contribuição nesse trabalho maravilhoso.
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Sras. e Srs. Parlamentares, ouvintes, de antemão, eu queria apresentar brevemente a Fambras Halal. Trata-se da primeira certificadora halal do Brasil, fundada há 42 anos por meu falecido pai. Ele foi um visionário, porque enxergou esse potencial do Brasil no que tange à exportação de alimentos e à sua capacidade de enquadrar-se no que era exigido conforme a lei islâmica.
Temos muito orgulho de ter aberto esse mercado para o nosso País. E, mesmo ocupando um lugar de destaque entre os maiores exportadores halal do mundo, o Brasil sabemos que temos muito mais a oferecer.
Antes de entrar no tema finanças islâmicas, penso ser importante fazer uma ressalva. Quando falamos no mercado halal, é inestimável pensar, num primeiro momento, que se trata de algo exclusivo aos muçulmanos. Chamamos de halal os produtos e serviços permitidos para o consumo de acordo com a lei islâmica. Mas o certificado halal hoje é muito mais, é um selo mundial de qualidade, valorizado por veganos e todos aqueles que adotam como valor o consumo consciente.
A razão é simples: para conquistar a certificação halal é preciso atestar que esse produto em questão, em todo o seu processo produtivo, contou com matérias-primas, processo, mão de obra, embalagem, armazenamento e até logística que não trazem qualquer prejuízo à saúde e à segurança das pessoas. Existem no mundo aproximadamente 2 bilhões de muçulmanos, que movimentam, aproximadamente, US$5 trilhões por ano e milhares de outras pessoas que querem consumir produtos seguros, por isso procuram o selo halal.
Em tempos como os atuais, os investimentos estrangeiros são uma das melhores opções para contribuir para o desenvolvimento econômico do Brasil, e há fundos trilionários inexplorados pelo Brasil, com enorme potencial para aplicações em áreas como o agronegócio, a infraestrutura, reestruturação de dívida, entre outros. Somente no mundo islâmico, há um montante de mais de US$2 trilhões... Que acreditam que a religião e a economia não se alinham e desconhecem o sistema financeiro muçulmano, que segue rigorosos padrões e princípios éticos aplicados aos aspectos de vida.
Em linhas gerais, as operações financeiras islâmicas são uma forma ética de financiar e investir na qual as partes são parceiras, não concorrentes. São operações que prezam por serem justas para ambas as partes e não podem oferecer riscos desnecessários. Trabalhar na base da incerteza ou conter especulações não é admitido. Precisam ser claras, transparentes e simples. Não é possível cobrar juros, o que significa que não sejam operações lucrativas, porque nem sempre é a questão dos juros nesses casos. Como a base das finanças islâmicas tem outro tipo de patamar, não necessariamente os juros, os ganhos e isso são compartilhados, ou seja, o banco não usa seus recursos por favorecer qualquer movimentação financeira e também precisa fomentar oportunidades e agregar valor à sociedade. Vejam, Sras. e Srs. Parlamentares, que as finanças islâmicas são atraentes para todos, muçulmanos e não muçulmanos, naturalmente ligadas à atividade econômica real e permite otimizar os recursos internos. Há países não muçulmanos, como o Reino Unido, que já foi dito pela minha amiga, no qual existem cinco bancos islâmicos que já emitem obrigações financeiras em conformidade com a Sharia, a lei islâmica. E o volume total dessas obrigações no mundo já ultrapassou os US$120 bilhões. Além do Reino Unido, podemos citar casos de sucesso nos quais existem bancos islâmicos: Luxemburgo, Hong Kong, África do Sul, Nigéria, entre outros exemplos.
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Esse sistema ainda não tem legislação aqui no Brasil, razão pela qual estamos reunidos. O primeiro ponto a ser debatido consiste na construção ou no aprimoramento de tratados internacionais de comércio, de investimentos e de tributação. Por isso, acho que todos que foram convidados poderiam e podem contribuir para este trabalho. E mais: é preciso que os entraves para a aplicação das finanças islâmicas no Brasil, como a dupla tributação sobre produtos como sukuks, sejam superados. Os sukuks são títulos ou bônus muito mais usados por bancos islâmicos. Pensamos ainda numa regulamentação que fosse construída e aplicada aos exportadores e não encontraria qualquer oposição estrutural no direito brasileiro contemporâneo. Entendo como os primeiros passos e que todos compreendam o que são as finanças islâmicas: algo atraente para todos - muçulmanos e não muçulmanos, como já disse -, sob pena de perdermos muitas oportunidades, tanto em se tratando de exportação como atração de investimento, reforçando que as finanças islâmicas podem financiar o setor; primeiro o setor produtivo e, por que não dizer que poderá estar presente, de forma pujante, no setor de infraestrutura, que é tão importante para o futuro do nosso País.
Notem, senhoras e senhores, que o Brasil é um parceiro comercial importante e pode se tornar um eixo estratégico para emissão de produtos islâmicos no âmbito da América Latina, sobretudo pela experiência bem-sucedida no comércio. Vejam que, do ponto de vista econômico, o mercado Halal é de extrema importância para o Brasil. Somos líderes mundiais em exportação de proteína animal e nos destacamos também nas exportações de açúcar, minério de ferro, milho e muitos outros itens. Essa indústria já gera cerca de 1,5 milhões de empregos diretos e indiretos. Na semana passada, em parceria com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, promovemos a primeira edição do Fórum de Negócios Global Halal-Brazil. Dedicamos um painel a este tema, com a participação de convidados - inclusive a Professora Ângela estava presente e muito nos honrou -, que muito agregaram a todos os participantes. Os especialistas defenderam, de forma unânime, que o Brasil - especialistas a que me refiro são especialistas internacionais, pessoas que estavam fora do Brasil, que estão fora do Brasil - é um terreno muito propício para as finanças islâmicas por ser um dos maiores produtores e exportadores de produto halal no mundo, reforçando que, por meio delas, é possível financiar ou apoiar a indústria local, atraindo investimentos de países islâmicos.
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Nas palavras do Diretor-Geral da Cambridge Institute of Islamic Finance, da Inglaterra, Humayon Dar, trouxe a experiência do Reino Unido, que participa há muito tempo da indústria de finanças islâmicas. Nessa região, há, como dito anteriormente, cinco bancos islâmicos, com grande fluxo de capital de países do Conselho de Cooperação do Golfo e Malásia, e o tema "finanças islâmicas" é ensinado em universidades, o que nos levou a concluir que a difusão do conhecimento foi importante para que todos compreendessem esse sistema e que essa é uma necessidade aqui no Brasil.
Um amplo movimento educativo deve ser planejado e desenvolvido para o melhor entendimento do conceito básico das finanças islâmicas. O esclarecimento é a medida mais importante a ser tomada de imediato. Deve nortear estratégias de construção de arranjos institucionais que resultem medidas legislativas que atendam às demandas do mercado islâmico. Para que isso aconteça, a Fambras Halal, com o seu conhecimento e experiência, estará sempre à disposição.
Eu agradeço imensamente às V. Exas. a atenção e o convite.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, Mohamed Zoghbi.
Temos, de fato, trabalhado juntos neste período, desde 2019, e juntado esforços através do Grupo Parlamentar Brasil-Países Árabes como também dos demais grupos, das embaixadas, de vocês, da Fambras e da Câmara de Comércio. É um trabalho lento, às vezes, mas consistente. Tivemos a pandemia, que nos deixou um pouco afastados. Espero que retomemos, então, com esta audiência, o ritmo que queríamos desde o início de trabalho, para os nossos resultados ainda nesta Legislatura.
Queria passar ao Claudio Gonçalves Maes, da CVM, Gerente da Superintendência de Desenvolvimento de Mercado. Dou as boas-vindas a você, Claudio. Obrigado por nos ajudar neste trabalho que estamos construindo aos poucos aqui. Obrigado pela sua presença.
O SR. CLAUDIO GONÇALVES MAES (Para expor. Por videoconferência.) - Imagina. É um prazer.
Boa tarde a todos.
Fico muito honrado pelo convite. Sem dúvida, é uma matéria relevante. Tudo o que diz respeito ao desenvolvimento socioeconômico do Brasil é relevante também para CVM. Não tenham dúvidas.
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O mercado de capitais, que é o mercado no qual a poupança pública, os recursos poupados financiam diretamente as atividades produtivas, os empreendimentos das companhias, é uma fonte de fundings importante para a economia brasileira, cada vez mais significativa, e, naturalmente, isso vai conversar com diversas demandas de diversos segmentos econômicos nossos, dentre os quais o que foi relatado aqui, a conexão que existe entre o parque produtivo brasileiro, a necessidade de financiamento dele e demandas de outros países, de outras nações, de outras culturas, no caso mesmo, porque aqui a gente está falando de um pouco mais do que países e nações, estamos falando de cultura.
E eu vou começar as minhas considerações pegando uma carona no que foi dito pela Professora Ângela Martins, porque ela pontua muito claramente que, inicialmente, o desafio que se mostra é uma questão fiscal, um entendimento de como funcionam as particularidades dessas operações e, portanto, uma maneira mais eficiente e correta, por assim dizer, de como o direito tributário deve incidir sobre elas. E aí realmente foge muito da nossa competência, do que a gente faz. No caso, a participação do mercado seria absolutamente incidental no debate.
Mas há outro aspecto que também chama muito a atenção, que foi a estrutura descrita para, hoje em dia, eventualmente, viabilizar determinadas operações nas quais são criadas SPEs, Sociedades de Propósito Específico, porque essa solução, por outro lado, é uma solução tradicionalíssima, muito comum, muito utilizada em diferentes veículos, em diferentes produtos do mercado, notadamente veículos de securitização, veículos nos quais determinado patrimônio tem que ser separado do patrimônio da companhia que efetivamente está conduzindo a operação.
E isso talvez podia ser algo tradicional, que conte com infraestrutura, com expertise técnica no mercado brasileiro, que facilite a adoção de determinadas estruturas que efetivamente observem os valores de quem efetivamente vai financiar a operação, porque aqui...
Na verdade, antes de falar de suitability, ou seja, da aderência de determinadas operações, de produtos, ao perfil das pessoas que delas participam, eu vou pegar um ponto do Sr. Mohamed, que é muito interessante, que é a questão da necessidade de a operação, mais do que gerar lucros ou juros, ou seja, recursos, rendimentos financeiros, ter uma geração de valor para a sociedade, ou seja, o foco na geração de valor para a sociedade, porque isso é muito próximo do movimento que hoje atinge todos os mercados financeiros, que é o movimento ASG, que é o movimento no sentido de que, aos mercados, em geral, financeiros, cabe também a geração de adicionalidades socioambientais positivas, ou seja, em última análise, um bem para toda a coletividade, para toda a humanidade.
E isso daí, quando a gente olha para mercado de capitais, remete imediatamente para dois pontos. O primeiro deles, o que eu já adiantei, o que em inglês se chama, e me perdoem pelo anglicismo, porque é força do hábito, suitability, ou seja, decorrente da palavra suitable, aderente. As operações têm que ser em tal medida... os intermediários que têm que distribuir produtos e vendem produtos do mercado, necessariamente, têm que fazer com que as soluções e produtos do mercado sejam aderentes ao perfil de quem está comprando, de quem está financiando, de quem está participando de alguma maneira daquela operação.
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E, quando a gente fala em perfil, numa primeira leitura, na leitura ordinária mais comum, a gente está pensando em perfil de risco-retorno, quanto o sujeito está disposto a tomar de risco, quanto ele está esperando, qual a expectativa do retorno financeiro para ele em função desse risco adotado. Mas aqui essa questão do perfil adquire uma característica diferente, assim como no investimento em produtos que levam esse selo de sustentabilidade que é a aderência a determinados valores, ideias, crenças, no caso das pessoas que estão participando da operação.
Então, sob a nossa perspectiva de reguladores de mercado, é algo que está incorporado ao modelo. O que os agentes de mercado precisariam, na hora de distribuir esses produtos, é se certificar de que as pessoas que estão comprando finanças islâmicas, por assim dizer, são aderentes àquela cultura, àquela necessidade. E aí, como foi dito, dado esse caráter de ser algo que no fim do dia não diz respeito somente a quem pratica a religião, mas algo que diz respeito ao bem comum, não deve ser muito difícil de estruturar para os outros.
E o outro ponto é a profundidade de mercado. Quando a gente fala em algo efetivamente ocorrendo no mercado financeiro, tem que ser algo que tenha volume, volume em termos de recursos e volume em termos de investidores e agentes participando. Tem que adquirir escala. E profundidade requer determinada comparabilidade. Então, se dentro desse conceito de finanças islâmicas... Aí, uma opinião absolutamente pessoal, pois nada do que eu estou falando aqui reflete a posição da CBN, eu estou falando livremente. Mas, para mim, numa primeira leitura de quem já trabalha com isso há muito tempo, existia uma taxonomia, ou seja, que todo mundo compreenda de maneira igual do que se trata finanças islâmicas para fins do mercado brasileiro, que essas conceituações sejam unânimes e possam ser usadas por diferentes agentes de mercado seria um passo muito, muito importante em nome de comparabilidade, que gera profundidade de mercado. E seria especialmente bom se o primeiro movimento fosse feito por autorreguladores, pelos próprios agentes de mercado que lidam com isso, e não exatamente pelo Estado, que tende a engessar demais a conceituação, a taxonomia.
Então, o que chama a atenção em termos de mercado de capitais seria isto - uma nova fronteira a ser explorada, uma fronteira em que existe interesse em explorar. O mercado brasileiro é sofisticado, profundo o bastante para assimilar essas soluções. Num primeiro momento, a gente não vê muito dever de casa para ser feito no âmbito de regulamentação de mercado. Como foi indicado, as preocupações são eminentemente fiscais. Mas a gente teria especial curiosidade para lidar com as questões de... O.k., quem está dando esse selo? Por que isso aqui está sendo chamado de finanças islâmicas? Esse selo está aderente à operação? E teremos muito interesse também em acompanhar a evolução do perfil do investidor que participa desse mercado.
Então, estou aqui à disposição e eu desejo toda sorte nessa iniciativa. Não tenha a menor dúvida de que nós colaboraremos no que for necessário.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Muito obrigado, Cláudio, mais uma vez, também por participar aqui conosco.
Eu estou acelerando aqui a apresentação de vocês para a gente poder ter tempo depois de fazer um debate. Há algumas perguntas do e-Cidadania chegando aqui.
Por isso é que vou passar logo, sem mais delongas, ao Sr. Renato Kyiotaka Uema, que é Chefe-Adjunto do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central do Brasil.
E, Renato, aproveito para agradecer a você também, ao Presidente Roberto Campos Neto, com quem estivemos na semana passada falando diretamente sobre isso e outros temas, mas particularmente pela preocupação que vocês têm tido em nos ajudar também nessa discussão.
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Obrigado.
Renato, com a palavra.
O SR. RENATO KYIOTAKA UEMA (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde, Exmo. Senador Jean Paul Prates. Boa tarde aos demais membros da Comissão e aos demais participantes desta audiência.
Eu vou procurar ser bastante breve, Senador.
Em primeiro lugar, agradeço, novamente, a oportunidade de estar conversando com vocês sobre o tema. O Diretor Otávio e o Presidente se mostraram bastante atentos em relação à conversa que vocês tiveram previamente sobre o assunto, e ele me pediu para passar alguns recados aqui na Comissão.
O primeiro deles - e talvez seja o mais importante - é que iniciativas que fomentem a competitividade, que fomentem a diminuição do custo do crédito e o maior acesso aos que mais necessitem de crédito, que fomentem a entrada de investimentos diretos no Brasil e também que agreguem valor à sociedade, esse é um ponto muito importante, vide aí que o Sistema Financeiro Brasileiro foi pioneiro em regulamentar uma política de responsabilidade socioambiental para as instituições financeiras. Então, o recado é que iniciativas que fomentem esses valores são sempre bem-vindas e vão ser analisadas com bastante carinho aqui no escopo da competência do Banco Central.
Um outro recado é que esse é um assunto muito novo. Se nós falarmos aqui que, desde a 495, lá em 1964, a gente está falando de bancos tradicionais, a gente falar de finanças islâmicas não deixa de ser uma revolução em termos de sistema financeiro. Então, eu diria, assim, que nós não temos nenhuma vergonha de confessar isto: nenhum tipo de estudo em curso aqui, no Banco Central, em relação ao assunto. Algumas questões em relação a finanças islâmicas já foram objeto principalmente de questões acadêmicas, mas, do ponto de vista da regulação, elas nunca foram objeto de um estudo mais aprofundado de inserção desse tipo de estrutura no Sistema Financeiro Brasileiro.
Então, esse é um primeiro ponto, que eu acho que é o suporte e a base das discussões que vamos colocar aqui. Então, vamos aprender junto com vocês. Esse é um primeiro ponto.
Até porque, quando a gente está falando de bancos tradicionais, a primeira coisa que já vem à cabeça é a cobrança de juros numa operação de crédito e, quando a gente está falando de finanças islâmicas, elas meio que invertem essa lógica de agregar valor e de receber remuneração não pelo juro, mas, sim, pelo compartilhamento daquela agregação de valor que houve na ponta com quem está oferecendo um crédito. Então, isso é um ponto bastante delicado nessa questão do arcabouço legal e regulamentar que trata do assunto.
Nesse ponto, então, é importante a gente colocar que, talvez, do ponto de vista do Banco Central, a questão regulatória seja o último passo nesse processo como um todo. Por que eu digo isso? Como bem colocado pela Sra. Ângela, existem outros entraves aí que me parecem ser mais relevantes em termos de possibilitar esse tipo de estruturação no Sistema Financeiro Brasileiro. Quando eu estou falando de Sistema Financeiro Brasileiro aqui, eu não gostaria de me limitar somente aos bancos ou ao Sistema Financeiro, eu gostaria de ver isso como um ambiente maior, digamos assim, e a fala anterior à minha do representante da CVM foi importante nesse sentido de a gente colocar isso não como uma coisa de banco, mas também como um aspecto importante para o mercado de capitais.
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Então, a gente não estaria falando simplesmente de uma regulação do Banco Central. A gente estaria falando também de uma regulação da CVM em relação a esse tipo de atividade. E acredito que a regulação da CVM também seria neste sentido de que ele seria a última ponta ali, vencidos alguns entraves, do ponto de vista legal. E eu poderia citar vários aí. Então, o primeiro, que a própria Sra. Ângela colocou, são questões de dificuldades na lei tributária. Eu agregaria aqui, talvez, também outras questões a serem vistas, como as questões societárias, da lei societária. Como essas instituições podem ser estruturadas? Ela seria um banco? Poderia ser estruturada como SPE eventualmente? Como um fundo de investimento em direitos creditórios? Então, isso aqui eu estou falando como um brainstorming aqui. Existe necessidade de alteração na Lei 4.595, que trata das competências do Conselho Monetário e do Banco Central naquilo que tange à regulação? E nesse ponto, talvez, um ex-colega aqui do Banco Central que está com vocês aí, o Dr. Fabiano, que já foi Procurador do Banco Central aqui, talvez possa, inclusive, aí no trabalho acadêmico que ele fez, ter analisado essas questões também.
Então, eu diria, assim, que, para que haja um envolvimento mais efetivo do Banco Central em relação a ações regulatórias, superados todos esses entraves legais - caso haja, porque pode ser realmente que não sejam tão insuperáveis assim -, caso eles de fato existam, aí, sim, iriam vir para o escopo do Banco Central as questões regulatórias. Estou falando regulatória como um todo, não é? Podemos falar de questões prudenciais, questões de evidenciação. Como se compara um banco que pratica finanças islâmicas com um banco tradicional? Como é que eu vou comparar o desempenho dessas duas instituições? Questões de supervisão: como um supervisor do Banco Central vai entrar num banco que pratica finanças islâmicas e fiscalizar? Obviamente, caso a lei traga para a competência do Conselho Monetário e do Banco Central a questão da regulamentação e da supervisão... Então, são todos esses pontos aí que a gente teria que analisar, obviamente depois de todas essas discussões de questões legais.
Então, eu não queria me alongar muito, até porque a gente não tem nenhuma solução a oferecer neste momento. A gente está aqui, neste momento, muito mais para escutar e aprender também. Eu diria que esta audiência é um primeiro passo. E um recado que eu queria passar aqui na Comissão: todos os recados que forem colocados aqui e as experiências vão ser levados, primeiramente, para o Diretor Otávio, como Diretor de Regulação, e também para o Presidente Roberto Campos Neto, um feedback do que foi feito e que foi discutido nesta audiência na Comissão.
Dito isso, eu encerro minha participação, agradecendo novamente a possibilidade de estar aqui com o Poder Legislativo, podendo trocar ideias, e me coloco à disposição para posteriores dúvidas e discussões que houver.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado a você, Renato. Exato, o papel nosso aqui é exatamente esse. Temos tentado desde o início.
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O tema é um pouco, sem usar o trocadilho, árido. É árido o tema mais ainda, justamente, pela nossa superficialidade até hoje exercida em relação a esse outro ambiente, que, como vocês todos disseram, mais do que um ambiente de religião, é um ambiente cultural diferente, que precisa ser, digamos assim, recepcionado pela nossa legislação, pela nossa regulação. E, de fato, certamente, isso há de começar por alguma lei ou algum guarda-chuva, alguma coisa mais genérica, principiológica, que pelo menos permita movimentos na área da tributação, da taxonomia, da terminologia, que foi mencionada aqui, com a criação de um ambiente de operações, de princípios e competências. Enfim, há a seara legal, a seara regulatória e também a seara, como você mencionou, Renato, da própria gestão administrativa das entidades e da supervisão, dos índices de desempenho etc.
Eu queria passar a palavra também ao Fabiano Jantalia, que - o currículo, eu já o li rapidamente -, além de ser autor de uma tese de doutorado sobre finanças islâmicas e de estudar o assunto profundamente, também foi Procurador do Banco Central. Eu me esqueci de mencionar isso aqui, mas isso é importante, porque tem conexão com esse processo de vigilância, de monitoramento, de supervisão, de fiscalização das operações que o Banco Central, como agência reguladora do sistema financeiro, acaba exercendo.
Então, você traz a visão de quem estuda o ambiente externo, mas já com um conhecimento profundo do nosso funcionamento. Agora, antes até, Fabiano, permita-me ler... Eu já sei, mais ou menos, que você vai nos dar aqui uma aulinha sobre o assunto também e queria aproveitar para transmitir logo três questões que nos chegaram.
Thais Herneque, de Minas Gerais, pergunta: "Por que, para o Estado islâmico [não é aquele Estado Islâmico, não, mas os países islâmicos], cobrar juros não é uma opção?".
Daniel Viana, de Tocantins, na mesma linha, diz que não está de acordo com que alguns cidadãos não paguem juros, porque isso seria uma discriminação com outros cidadãos.
Na verdade, você vai explicar - outros também estão conversando aqui - que não é exatamente assim. Não é que uns deixam de pagar juros e outros pagam. É um sistema diferente que acaba compensando a questão de cobrar juros.
Lauro Cesar, do Rio Grande do Sul, pergunta: "[...] Como funcionam os bancos nos países muçulmanos se não podem ter lucro com o empréstimo de dinheiro, cobrando juros?". É justamente essa a base da nossa discussão.
Então, eu passo a palavra aqui a Fabiano Jantalia, Consultor Legislativo da Câmara.
O SR. FABIANO JANTALIA BARBOSA (Para expor.) - Sr. Presidente, muito obrigado. Agradeço a gentileza do convite, a honra do convite. Ser ouvido no Senado Federal é, realmente, uma honra para qualquer profissional, para qualquer pessoa.
Eu queria fazer alguns registros aqui. Em primeiro lugar, quero dizer que, apesar de ser membro da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, a minha opinião aqui absolutamente é dada como a de um acadêmico profissional e, portanto, não representa, necessariamente, a opinião da Consultoria ou de qualquer órgão oficial da Câmara dos Deputados que eu integre ou possa vir a integrar.
Em segundo lugar, faço um segundo disclaimer: eu não sou adepto da religião islâmica, e isso me coloca em uma condição muito tranquila inclusive para defender os meus pontos de vista, porque não tenho aquilo que a gente chama de paixão pelo objeto da pesquisa, que, normalmente, os pesquisadores acabam tendo, e, se o fiz, eu o fiz de maneira absolutamente técnica. Então, falo muito à vontade em relação a isso.
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Em terceiro lugar, quero deixar aqui meu agradecimento, porque tudo que sei de finanças islâmicas eu devo, em primeiro lugar, à sociedade brasileira, que financiou, por meio do programa de pesquisa e pós-graduação do Banco Central, e pagou meu salário integralmente durante quase dois anos para que eu pudesse me dedicar a esse tema, agradecendo, em seguida, à diretoria do Banco Central, que, à época, já no ano de 2015, permitiu... Nós tínhamos um programa lá. Eu sempre falo "nós" porque quem foi do Banco Central nunca deixa de ter isso no sangue. Nós tínhamos um programa de pós-graduação de incentivo. Eu me candidatei. Meu primeiro esforço foi para convencer da importância do tema, porque, como o Renato colocou, é um tema bastante novo. Então, eu tive a honra de ser agraciado e fiquei lá esse tempo todo, viajei pelo mundo, por alguns países, para poder pesquisar isso, esse assunto.
Foi muito importante também para os meus estudos não só a Fambras, mas também a querida Ângela Martins, que é a pioneira das pioneiras aqui, sem dúvida nenhuma. Se falou em finanças islâmicas, é obrigatório ler o livrinho dela, e eu cumpri essa missão. Ouviu, Ângela? Você sabe bem disso, a gente já conversou algumas vezes. E a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira foi de uma receptividade impressionante e proveu dados sobre isso.
Feitos estes esclarecimentos e agradecimentos, eu queria contribuir aqui de uma maneira um pouco mais acadêmica, para a gente até tirar algumas dúvidas das pessoas acerca desse assunto.
Primeiro, nós estamos falando sobre finanças islâmicas, operações financeiras islâmicas. Então, eu queria responder, basicamente, a três perguntas nesses dez minutos que tenho: o que são finanças, o que são islâmicas e o que são operações financeiras islâmicas?
Primeiro, eu vou pegar um gancho aqui. Não sei se foi o Renato ou o nosso colega representante da CVM que falou, mas eu acho que os dois tocaram nesse assunto. Primeiro, quando nós estamos falando de operações financeiras, nós não estamos falando só de bancos. Aliás, nem o sistema financeiro está restrito a bancos; há várias outras instituições financeiras que não são bancos, como a sociedade de arrendamento mercantil, por exemplo. Então, quando a gente fala em finanças, nós estamos falando aqui em operações dos mercados financeiros de capitais e também, como todos poderão ver em seguida, de seguros. Nós temos um modelo específico que emula uma espécie de seguro, que é o Takaful, que é um tipo de contrato específico, que é muito utilizado no mundo islâmico, por assim dizer.
Então, a primeira coisa é que a gente precisa entender isso com uma visão ampla. Muitas vezes, aquilo que a gente chama de finanças islâmicas vai englobar o uso de contratos e de instrumentos contratuais também do Direito Civil, que servem como se fossem anteparos, como se fossem uma estrutura de alvenaria que sustenta todo o sistema financeiro islâmico, assim como nós temos, no Brasil, os contratos, as notas promissórias, os commercial papers, enfim, que são objetos de negociação com instituições financeiras.
Respondida a primeira pergunta sobre o que são finanças, vamos ao que é islâmico. Primeiro, é importante, e faço questão aqui... Peço licença ao Professor Mohamed Zoghbi, porque ele é o nosso catedrático e grande especialista no assunto. Nós precisamos separar o que é islâmico do que é árabe. Árabe é aquilo que está na Península Arábica, em uma região geográfica específica do país; islã é um grupo, no sentido weberiano do termo, é um grande grupo religioso que tem um conceito de preceitos próprios e que tem, basicamente, entre outras tantas, duas principais fontes, as chamadas fontes primárias, que são o Corão, o livro sagrado... Todo mundo fala Alcorão, mas Alcorão, na verdade, é uma corruptela, como a gente chama, que é al-Qur'an. Al, em árabe, é um artigo definido, que é "o" ou "a". Mas, então, a tradução correta seria o Corão, e não o Alcorão. O Corão é um livro em que Deus teria ditado, o Anjo Gabriel teria ditado uma série de preceitos, e Muhammad, ou Maomé, como chamamos no Brasil, então, teria colocado... Isso foi sendo, ao longo do tempo, compilado e deu origem ao Corão. Digo isso em uma síntese muito, muito apertada. Peço desculpas ao Professor Mohamed Zoghbi se cometo alguma impropriedade aqui.
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Já a Suna é o conjunto de práticas do profeta; na verdade, são práticas ou questões a que o profeta respondia. O profeta Muhammad respondia sempre que era perguntado, e alguns então o buscavam: "Se não há no Corão uma fonte, se não há no Corão uma regra, qual seria, então, a regra aplicável aqui? Como é que o profeta Muhammad poderia nos orientar nesse sentido?". Então, a Suna foi sendo compilada ao longo de vários séculos.
Essas são as duas principais fontes.
Aí nós temos um problema, um problema que, na verdade, o Ocidente tem muita dificuldade de resolver, mas que a religião islâmica, com toda a sua teologia vasta e muito aprofundada, consegue resolver de uma maneira bastante simples ou, melhor dizendo, com um esforço de muitos séculos, mas que acabou hoje se tornando aparentemente simples, que é justamente este: como fazer para adequar uma fonte ou fontes que são estáticas, ou seja, que foram escritas e posicionadas em determinado momento da história, a tempos modernos, quando se fala em internet, bitcoin etc?
Aí há toda uma ciência jurídica, e essa ciência jurídica, esse conjunto de regras é a Sharia. A Sharia, apesar de a gente chamar de lei islâmica, não é uma lei específica, com artigo, com número. Não! A Sharia é um sistema jurídico que tem no Corão e na Suna as suas duas principais fontes, além de várias outras. Pela exiguidade do tempo e até pelo foco da nossa observação, da nossa intervenção aqui, não convém que entremos em muitos detalhes.
Aí nós entramos em uma questão que foi abordada aqui - eu acho que foi o nosso colega representante da CVM que colocou isso -, que é a questão da taxonomia. Não existe um islã; existem vários islãs. Na verdade, é como os adeptos da religião islâmica falam: é a unidade na diversidade.
Como o Corão e a Suna, apesar de serem documentos produzidos e consolidados de certa maneira, se aplicam a pessoas localizadas em regiões geográficas muito diferentes e com culturas estruturalmente diferentes, nós temos, ao longo dos séculos, pelo menos, cinco grandes escolas de interpretação. Então, um mesmo dispositivo, um mesmo versículo, por assim dizer, do Corão - a gente chama de sura -, uma mesma sura do Corão pode ser interpretada na Arábia Saudita de uma maneira e, na Malásia, de outra. É claro que há uma grande convergência e um grande esforço para a convergência entre essas escolas jurídicas diferentes, mas esse desafio, no âmbito das finanças islâmicas, é superado por algumas entidades que foram concebidas ao longo do tempo e que, especificamente na área de finanças islâmicas, ajudam muito na uniformização e no estabelecimento de preceitos. Então, assim como nós temos, digamos, a ISO, que é uma organização internacional que padroniza vários procedimentos em vários campos do conhecimento, nós temos algumas no mundo islâmico, por assim dizer, que também consolidam isso.
Então, eu respondi o que eram finanças, o que são islâmicas e, agora, vou dizer o que são operações financeiras islâmicas. Esse é o terço final da minha observação inicial aqui.
A primeira coisa é que nós temos basicamente dois elementos, Sr. Presidente, que definem e, ao mesmo tempo, distinguem as finanças islâmicas das operações financeiras tradicionais. O primeiro deles é que elas precisam se adequar aos preceitos da fé islâmica. É muito fácil, mas, por outro lado, muito reducionista e chega até a ser um tanto quanto ofensivo dizer que as finanças islâmicas são apenas um conjunto de operações e que não se cobram juros. Há toda uma teologia por trás disso de séculos e séculos. Eu levei, como pesquisador, quase seis meses para poder entender minimamente sobre isso, Sr. Presidente.
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Basicamente, o que a gente encontra aqui são três princípios que a gente chama de os três princípios fundamentais das finanças islâmicas. O primeiro deles é a proibição, a riba, que a gente chama de riba, e há o gharar - escreve-se com "g", mas a pronúncia correta é com "r". Então, a gente tem a proibição do ganho excessivo, a proibição da riba, que é o segundo grande preceito.
Basicamente, há muita coisa para falar aqui, mas o que eu poderia dizer é que o dinheiro na fé islâmica cumpre uma funcionalidade, ele é um instrumento, o que, aliás, não é muito distante daquilo que autores como Arthur Nussbaum, que é um grande autor de Direito Monetário, falam: a moeda cumpre uma função instrumental. Só que, no Ocidente, essa função instrumental acabou ficando, digamos assim, diminuta, porque o que vale é o dinheiro pelo dinheiro, e não vai aqui nenhuma consideração, vamos dizer assim, filosófica. Mas, na fé islâmica, isso tem uma centralidade muito grande.
Então, quando nós falamos aqui de proibição à vedação excessiva, de permissão, de proibição ao risco elevado, como eu chamei... Há a vantagem excessiva, que é a riba, a proibição da incerteza excessiva, que é o gharar, que é a especulação, como a gente costuma dizer, e a proibição do maizir, e esta, sim, é a especulação propriamente dita. Então, esses três princípios vão nos dizer o seguinte: "Olha, o dinheiro existe". Há uma frase muito conhecida no Islã: "O dinheiro existe para o desenvolvimento do mundo". Então, o que a fé islâmica na verdade não concebe é a ideia de que seja o dinheiro pelo dinheiro e a frutificação do dinheiro pela frutificação do dinheiro. Então, os juros são apenas uma parte muito pequena de toda essa discussão. Certo?
Eu dizia, então, que temos duas características. A primeira é a adequação aos princípios da fé islâmica, e eu acabei de declinar, de uma maneira muito resumida aqui, os três grandes princípios fundamentais e a visão diferente do dinheiro. E a segunda característica é a visão, dentro dessa lógica, que nós temos diferenciada sobre os intermediários financeiros. Os intermediários financeiros no Islã não são apenas provedores de recursos. Eles são, por força de aplicação de todos esses princípios, partícipes do negócio. Eles participam e tomam o risco do negócio. De maneira muito simples, eu poderia dizer que, enquanto um banco ocidental, um banco tradicional apenas provê o risco e, se a operação for a pique, se a operação quebrar, se o negócio quebrar, enfim, continua como credor, dentro da lógica de operação financeira islâmica isso não acontece, pois o banco toma prejuízo na proporção dos recursos que colocou naquele negócio. Então, nós temos aqui uma diferença substancial.
Essas são as duas grandes diferenças, Sr. Presidente, em relação a isso. Agora, nós temos tipos contratuais específicos. Eu vou fazer um convite a quem nos está assistindo. Eu vou colocar aqui, disponibilizar o link. A minha tese de doutorado tem mais de 340 páginas, com vários capítulos, inclusive, sobre todas essas questões que eu estou colocando aqui. Então, para aqueles que quiserem olhar, é gratuito. Está no repositório institucional da Universidade de Brasília. Então, todo mundo pode acessar, inclusive, agora, se quiser.
Mas o que nós temos aqui são grandes tipos contratuais. Então, nós temos aqui tipos contratuais que vão considerar não só contratos baseados em venda, contratos baseados em arrendamento, contratos baseados em parceria, contratos baseados em depósitos e outras espécies contratuais, e, como eu falei, o seguro Takaful é uma delas.
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Conjugando tudo isso, a gente tem os chamados bondes islâmicos, que são, digamos, espécies de títulos de dívida islâmicos, que, na verdade, são o grande veículo e, na minha visão, representam uma grande oportunidade para um primeiro approach, para uma primeira oportunidade no Brasil sobre essa matéria.
Encerrando aqui, eu diria o seguinte: é possível entender ou ver proveito ou algum tipo de benefício que a gente poderia ter em um país em que a grande maioria das pessoas professam uma fé que não é a fé islâmica? Hoje nós devemos ter, talvez... No último levantamento que eu fiz, eram 35 mil muçulmanos ou declaradamente muçulmanos, no Censo de 2010. Como nós não tivemos o Censo de 2020 ainda, eu estimo alguma coisa na faixa de uns 50 mil declaradamente muçulmanos, isso numa população de, sei lá, 200 milhões de habitantes que temos hoje. Será que teremos essa possibilidade?
Bom, em primeiro lugar, o Professor Mohamed colocou um detalhe muito importante: o Brasil tem um histórico, sobretudo mais recente, de boas relações comerciais, boas relações de comércio internacional, principalmente na área de proteína e na de alimentação, com os países árabes. Nós temos alguns bons bilhões aí todos os anos em comércio internacional, e isso pode nos ajudar bastante.
Nós encontramos, basicamente, três modelos de países no mundo: modelos de islamização integral do sistema financeiro, ou seja, o sistema financeiro todo roda dentro de uma lógica de sistema islâmico - são poucos casos, como o Sudão e o Irã -; nós temos o modelo que eu chamo de islamização dual, que é aquele em que você tem nos países a legislação bancária que aceita e compatibiliza com a sharia, mas, ao mesmo tempo, mantém as suas regras específicas - nós temos a Arábia Saudita e vários outros países assim, a Malásia um deles, é um exemplo -; e os modelos de atuação marginal, em que nós temos apenas algumas disposições específicas que podem ser aplicadas ao segmento islâmico - e aí está o setor tradicional que queira enveredar por essa área de operações financeiras islâmicas.
Eu cito o caso do Reino Unido, Sr. Presidente. Pouca gente sabe, mas a Vila Olímpica das Olimpíadas de Londres foi construída com recursos oriundos das finanças islâmicas, recursos captados por meio de bondes islâmicos, os sukuks. Várias estações do metrô de Londres foram reformadas ou construídas com recursos oriundos desses bondes. Ora, por que não ver o Reino Unido? Muito embora o Reino Unido seja a nossa meca, vamos dizer assim, a nossa praça de maior avanço em termos de estruturação de produtos financeiros, está sempre na vanguarda, mas eu acho que é um país... E veja: nós temos 2,5 milhões de professantes da fé islâmica no Reino Unido.
Então, nós temos aqui várias possibilidades.
Para concluir, o que eu devo, então, dizer? Nós temos oportunidades e desafios, e as oportunidades, sobretudo por meio de... Se desenvolvermos um sistema jurídico e, principalmente, tributário mais amigável, quero dizer, mais compatível ou que permita uma maior fluidez no curso dessas operações financeiras islâmicas, nós vamos ter, nos fundos soberanos, que hoje já têm uma estratégia de diversificação - eles não estão focados só mais em petróleo, eles querem outras fontes -, uma fonte de financiamento da nossa dívida pública em potencial.
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Segundo lugar: agronegócio. Nós temos uma potencial fonte gigantesca de financiamento da atividade empresarial. E aí a nossa querida Ângela Martins pode até falar um pouco mais sobre isso; estruturas que viabilizem, sobretudo no agronegócio. Por que no agronegócio? Porque a gente tem ativos reais que podem ser utilizados como garantia de operações e que dão curso a essas operações. E, por fim, seguros. Nós temos modelos e arranjos alternativos de seguros que podem ser desenvolvidos.
E os desafios? Temos alguns desafios, e não vou entrar em detalhes aqui porque a minha observação inicial, embora já um pouco longa, se propunha a ser panorâmica. Temos alguns desafios de adaptação da legislação comercial, pequenas coisinhas em relação a títulos de crédito, e temos desafios na legislação do sistema financeiro. E aí, Renato, permita-me, se a gente avança nessa questão da legislação do sistema financeiro, nós precisamos ter muito cuidado sobretudo com questões relacionadas à contabilidade bancária, porque nós temos questões relacionadas aos ativos e às constituições de garantia, etc., etc., que precisarão ser revisadas ou revisitadas ou adaptadas de alguma maneira.
Nós precisamos também rever ou pelo menos discutir a adaptação de padrões contábeis. Nós temos o CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis), ligado ao Conselho Federal de Contabilidade, que precisará entrar nessa discussão.
E, por fim, mas não menos importante, aliás eu diria até mais importante, há a questão da legislação tributária. Temos dois estudos muito interessantes feitos pela Consultoria Legislativa aqui do Senado em que vale a pena depois dar uma analisada. Eles tratam justamente dessa questão tributária. Por quê? Usando o linguajar do mercado financeiro, as operações financeiras islâmicas são muito asset-based, quer dizer, são muito baseadas em ativos e em real asset, em ativos reais. Então, essa translação de recursos, essa compra e venda, às vezes, pode se tornar muito burocrática e muito onerosa. Portanto, acho que é preciso desenvolver, sim, mecanismos nessa área.
Sr. Presidente, desculpe-me se extrapolei o tempo, mas o tema é vasto, é gigantesco. Eu tentei aqui apenas colocar alguns pilares sob uma perspectiva um pouco mais acadêmica para que a gente possa avançar nessa discussão.
Mais uma vez, muito obrigado a V. Exa. e a sua assessoria pelo honroso convite. Eu me coloco à disposição para aquilo que for necessário.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Perfeitamente, Fabiano. Nós é que temos que agradecer a você pela sua disponibilidade e parabenizá-lo pelo interesse nesse tema. De certa forma, isso é visionário, porque nós estamos aqui todos buscando justamente conhecimento sobre essa área. Desde já fica aqui o convite para que você se junte ao nosso grupo de trabalho sobre finanças islâmicas.
Quero render homenagem aqui também ao seu companheiro, nosso Consultor Legislativo no Senado, o Cesar van der Laan, que é quem tem feito algumas notas para nós a respeito desse assunto e também tem se debruçado sobre essa questão.
De minha parte, como não tenho problemas profissionalmente com isso, embora entenda os do Fabiano, particularmente tenho de fato o que você chamou de paixão pelo instrumento de pesquisa e de trabalho. De fato, eu tenho bastante paixão pela cultura islâmica, pelo processo e pelas operações, inclusive essas do mundo financeiro, por ter vivido por algum tempo nesses países e ter compreendido e, enfim, convivido aí com essas práticas. E procuro, sempre que posso - todos os membros do grupo parlamentar são testemunhas disso -, trazer essa experiência para nós aqui do Brasil.
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Nós, de fato, temos, apesar de termos uma ligação de migrações de países situados no Oriente Médio, muitos também não são islâmicos necessariamente, principalmente os grupos, e, portanto, temos uma pequena exposição à questão do islamismo como cultura em geral. E, por isso, sempre é bem-vinda qualquer inserção dessas, ainda mais de alguém que se debruça, em nível de doutorado, sobre esse tema. Portanto, parabéns, e vamos continuar trabalhando juntos!
São bem-vindos esses princípios islâmicos de solidariedade, de acolhimento em tudo para nós - Mohamed é um dos grandes bastiões, uma grande referência para nós nisso -, porque nós temos países clientes, bastantes já, mas temos a perspectiva de ter países investidores, com muito mais vigor aí, e até - por que não? - países fornecedores também para o Brasil. Mas o contingente dessas nações islâmicas investidoras ou das trocas que é possível fazer dentro do mundo financeiro é muito importante para nós.
E aí é como se a gente falasse uma língua, e o outro não falasse aquela nossa língua, porque os instrumentos, os procedimentos, os princípios não são bem conhecidos, então você fica com aquele receio de não ter fluência para acolher ou, eventualmente, até ser acolhido em determinados ambientes. E aí acaba que não se faz aquela integração, não é?
Eu queria fazer a minha fala rapidamente aqui, com base justamente na nota - e aí deixo aqui já abertas as inscrições para quem queira comentar as falas. Quero dizer que, de partida, é preciso reconhecer a relevância e a inovação dessa matéria. Ela, nesta audiência pública, vem a ser discutida pela primeira vez aqui no Senado Federal, mas nós temos trabalhado, como eu disse, desde 2019, no Grupo Parlamentar Brasil-Países Árabes, sobre esse tema. Eu tenho reconhecido muito essa importância de mantermos um arcabouço regulatório sólido, capaz de proporcionar, ao mesmo tempo, segurança jurídica e flexibilidade para nos preparar para os futuros desafios dos brasileiros e brasileiras no Estado, na iniciativa privada. E, ao debatermos com profundidade o sistema financeiro islâmico e as relações comerciais com o Brasil, nós acabamos atraindo investimento e modernização para o nosso sistema.
A lei islâmica, ou a sharia, que sabidamente e não suficientemente, como você bem salientou, Fabiano, proíbe a cobrança e o pagamento de juros, não considera o dinheiro como uma mercadoria a ser transacionada como um bem entre os praticantes do islamismo. Além disso, o Islã proíbe o investimento em empresas que são consideradas ilegais ou contrárias aos ensinamentos e valores islâmicos.
Além da ausência de taxas de juros, o conceito-chave das finanças islâmicas é o compartilhamento de riscos entre as partes em todas as operações. Caso essa adequação seja comprovada, emite-se um certificado de observância, o chamado Certificate of Sharia Compliance. E, dentro dessa perspectiva, em 2018, a emissão de sukuks globais atingiu US$32,9 bilhões, tendo um recorde de US$37,64 bilhões sido registrado em 2017, segundo dados consolidados pela International Islamic Financial Market, em seu último relatório anual de 2019 - provavelmente já há um de 2020; isso veio da nota que nós solicitamos em 2019. Só quero assinalar que o sukuk é um meio usual de captação de recursos islâmicos por países não islâmicos. É o modelo mais utilizado, desde 2015, e responsável por mais de 75% das emissões hoje. A tipo de exemplo, esse tipo de negócio islâmico se consubstancia em criar uma empresa com patrimônio específico ou propósito específico, a SPE (special purpose company ou special purpose enterprise), para, em seguida, vender o ativo para o investidor islâmico e já o alugar de volta em um modelo comum de sukuk e constituir operação de arrendamento mercantil, o chamado lease-back.
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Além disso, outro modelo de negócios essenciais são os bondes islâmicos, que diferem desses títulos por não serem representativos de um mero direito de crédito, mas sim da fração de domínio de ativos subjacentes que podem ser bens móveis, como ações ou commodities, ou imóveis, como casas, apartamentos, prédios etc.
Dentre os países não islâmicos, além do Reino Unido e da Turquia, Luxemburgo e Hong Kong também se destacam na emissão de sukuks. Uma das primeiras emissões ocorreu justamente - o Fabiano mencionou - em outubro de 2014, quando o Reino Unido captou recursos em uma operação de US$200 milhões. Foi seguido, no mesmo ano, por Luxemburgo e pelo banco norte-americano Goldman Sachs, e captaram US$500 milhões em outra emissão de sukuk. No Oriente Médio, a Jordânia entrou nesse mercado, em 2016, com duas emissões. Hong Kong emitiu, em setembro de 2014, também, seus primeiros sukuks soberanos, que resultaram na captação de US$1 bilhão a um prazo de cinco anos. Em maio de 2015, foi feita a segunda emissão, pelo Governo local, capitando outro bilhão de dólares também pelo prazo de cinco anos.
Nós entendemos que esta audiência pública pode elucidar o debate e o aprofundamento quanto aos desafios que a questão tributária do ITBI, que foi levantada também aqui, envolve na concepção desse foco regulatório orientado para se adaptar ao sistema financeiro islâmico. Um dos caminhos seria a imprescindibilidade de avaliar a criação da figura da venda temporária de propriedade atrelada ao sukuk, por exemplo com um parágrafo adicional no art. 156 da Constituição Federal, justamente para prever esse caso.
No curto prazo, o agronegócio pode ser uma porta de entrada para o dinheiro islâmico, sobretudo nas atividades ligadas à exportação. Os bancos e grandes empresas nacionais podem captar diretamente do exterior, dependendo de sua inserção internacional. Nesse sentido, visualiza-se uma abertura e consolidação de mercado no âmbito da produção halal, alimentos permitidos pela lei islâmica, já que os recursos captados são direcionados para a compra de commodities ou de outros ativos móveis de fornecedores, sendo, posteriormente, vendidos a um preço que inclui a remuneração pela intermediação.
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Assim, por trabalhar com commodities e ativos reais com exportação certificada, por exemplo, de proteínas para o Oriente Médio, empresários do setor podem contar com bancos muçulmanos no exterior para financiar a atividade comercial com países do Oriente Médio a partir da relação direta com o importador estrangeiro. Um dos exemplos de como o Brasil pode se beneficiar consiste no seguinte modelo negocial em que o dinheiro islâmico também já teria sido aportado ao Brasil por meio de uma corretora registrada nas Ilhas Cayman, em 2014, que financiou US$25 milhões para a criação de gado em fazendas de Goiás e São Paulo.
Outro exemplo de sucesso é que há notícias de que uma corretora do Banco do Brasil em Singapura, em parceria com o Islamic Bank of Asia, na certificação dos papéis negociados, já teria aberto um fundo de investimento islâmico específico, voltado para investimento em ações de empresas brasileiras de commodities, energia, petróleo e gás, mineração e varejo, listadas na Bolsa de Valores brasileira para captar US$500 milhões em mercados da Ásia e Oriente Médio. O total de 20 companhias brasileiras já teriam sido aprovadas para terem suas ações negociadas pelo Fundo Islâmico. Para o Oriente Médio, os países teriam sido vendidos pela BB Securities de Londres.
Sob esse prisma, referenda-se a importância de debatermos conjuntamente o foco regulatório ilegal para os investimentos e relações comerciais do setor, reafirmando a proeminência deste Senado Federal enquanto Casa Legislativa, que acompanha as mutações e avanços tanto sociais, quanto comerciais no âmbito do Direito Cambial doméstico. Portanto, vamos dar continuidade a esse trabalho regularmente - esse é um trabalho contínuo, uma construção coletiva -, no sentido de recepcionar tanto os princípios, a visão, quanto os instrumentos, eles mesmos, do mundo islâmico das finanças.
Eu queria checar aqui se há ainda alguma intervenção, alguma pergunta ou alguma participação aqui do e-Cidadania.
Do e-Cidadania, já tivemos três aqui. Acho que não chegou mais nada.
Perfeitamente. (Pausa.)
Se houver alguma inscrição... (Pausa.)
Se não, eu queria conceder a palavra aqui para cada um de vocês fechar em três minutos. Acho que é possível a gente fazer aqui um wrap up de toda a situação e, é claro, manter aqui o nosso grupo de trabalho unido para que a gente consiga, tão cedo quanto possível, apresentar uma lista.
O que eu sugeriria era uma lista distribuída, Fabiano, em três grandes grupos de possíveis sugestões ou providências: uma, no nível legal, legislativo, portanto, da Casa, na proposição de uma lei genérica, principiológica e alterações, eventualmente, à Constituição; um segundo grupo no nível regulatório, que o Banco Central e as entidades poderão desenvolver, mas apenas as indicações do que sobra do processo legislativo; e, por fim, alguma coisa em relação a procedimentos administrativos que aí também se juntam a essa seara regulatória de menor papel para o Senado, mas a gente já adiantaria ou já passaria... Ao fazer uma lei genérica, é isso que se faz. Vai-se jogando coisas para a regulação, mas já vai anotando, porque, se não, o pessoal pode levar mais tempo do que o necessário para atacar aquele problema.
Então, eu acho que essa é uma primeira ideia aqui de árvore, de árvore lógica de trabalho, mas gostaria de voltar aqui à Ângela, ao Mohamed e aos demais que já se pronunciaram: o Claudio, o Renato, se estiverem por aí, e o Fabiano.
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Ângela, por favor, as suas palavras finais e a sua ponte aí para a continuidade do trabalho.
A SRA. ÂNGELA MARTINS (Para expor. Por videoconferência.) - Bom, muito obrigada, Senador. Adorei ouvir as considerações dos meus colegas. Eu acho que nós temos aqui um início muito importante para discussões, assim, de forma mais efetiva.
Eu quero dizer que, em alguns momentos, me pareceu que há o entendimento de que a gente precise apenas dos investidores islâmicos, mas não. A experiência mostra que, nas emissões, por exemplo, de sukuk, existe um grande contingente de investidores do mundo inteiro. Hoje, há um interesse pela questão ética de todas as formas; então, o fato de, eventualmente, amanhã, termos uma entidade brasileira emitindo não significa que essa emissão em sukuks atrairá apenas investidores dos bancos. Então, ela se viabiliza por si só - a primeira coisa.
A segunda coisa é que já existe operação islâmica envolvendo contrapartes brasileiras - eu mesma já fiz muitas -, mas a grande diferença de agora para o que era feito no passado é o fato de ser feito tudo fora do Brasil. O que a gente pretende fazer são operações que possam ser feitas dentro do Brasil. Então, contratos murabaha mesmo eu tive a felicidade de fazer inúmeros lá no começo dos anos 2000; fiz, inclusive, quando passei por um outro banco médio brasileiro e, inclusive, ajudei nas operações do Banco do Brasil. Mas eram todas operações feitas fora do Brasil.
Então, é extremamente importante uma discussão como esta, onde se passem a buscar formas de se praticarem operações financeiras islâmicas dentro do Brasil, o que não necessariamente está correlacionado com a população islâmica no País. O que acho que a gente está querendo fazer é atrair investimentos islâmicos de investidores que estão fora do País para dentro do País.
Então, eu estou totalmente em linha com o senhor quando se diz que as questões legais, regulatórias e os procedimentos administrativos são preponderantes. Eu acho que o que deveria acontecer é haver um grupo de trabalho - inclusive, Fabiano, queria lembrá-lo do Ahmed El Khatib, que é uma pessoa que tem as suas teses de doutorado com relação à questão contábil e que eu acho que também poderia ser convidada para se juntar a esse grupo de trabalho - para onde se pudessem endereçar todas essas questões.
Então, eu entendo que, realmente, o próximo passo poderia ser um grupo de trabalho, onde se colocassem de forma mais prática essas questões, para que se pudesse evoluir nas discussões e eventuais aprovações e assessoramento aí aos senhores, no Senado, para que se pudesse realmente construir a base sobre a qual poderemos realmente seguir.
Então, eu acho que in a nutshell é mais ou menos isso.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Muito obrigado, Ângela, mais uma vez. Você já tem sido uma parceira regular aqui dos trabalhos do grupo do Senado. Então, eu lhe agradeço muito pelo tempo, pela disponibilidade, pela paciência também, porque quem entende muito do assunto, às vezes, quando confronta quem não entende, tem que ter muita paciência. Mas nós todos aqui estamos aprendendo com vocês.
Mohamed Zoghbi, meu companheiro querido, por favor, suas palavras.
O SR. MOHAMED HUSSEIN EL ZOGHBI (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigado, Senador. Muito obrigado aos participantes.
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Queria salientar que a palavra do Sr. Claudio foi extremamente positiva; a do Sr. Renato, da mesma forma; a do Professor Fabiano, então, sem comentários. Eu fiquei muito surpreso e acho que a gente tem que juntar essas vontades positivas que todos têm de criar e formatar alguma coisa sustentável no Brasil.
Nós sabemos que, hoje, a palavra de ordem em qualquer fundo soberano ou em países islâmicos é a segurança alimentar. Então, uma das pontes que nós temos que explorar é que eles têm interesse, têm fundos prontos, como a Professora Ângela acabou de citar, não necessariamente esse investimento seria feito no setor produtivo, o que não esbarra com as questões islâmicas, quer dizer, aquilo que... Quando você produz alimento de forma sustentável, sem risco... É lógico que isso não existe, mas é um investimento em algo real, e não em algo que não é palpável. Essa é a grande diferença.
Então, eu vejo com muito bons olhos a gente aproveitar esse ensejo, tentar fazer esse trabalho tanto no marco legal, regulatório, na questão dos procedimentos administrativos, criarmos uma comissão de trabalho... Quer dizer, já existe, mas eu acho que cada um fazendo o seu trabalho... Nós criamos recentemente uma academia halal, e essa academia tem o propósito de dar suporte ao conhecimento, exatamente aquilo que a gente precisa fazer, que é mostrar o que são as finanças islâmicas, através de um setor de educação, de formação, seja lá como nós vamos chamar isso, mas através do setor educacional a gente vai poder fazer com que os brasileiros conheçam um pouco mais desse trabalho importante, que são as finanças de islâmicas.
Obrigado, Senador.
Estou à inteira disposição - continuo -, sempre que precisarem estou pronto.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, meu amigo. Sei que você está sempre aí, bem disposto e animado para os nossos trabalhos aqui, não só nessa área, como em tudo que fazem as relações de países árabes como o Brasil.
Claudio Gonçalves Maes, nosso querido amigo e companheiro da CVM, obrigado por, mais uma vez, estar conosco. Suas palavras finais, Claudio.
Obrigado.
O SR. CLAUDIO GONÇALVES MAES (Para expor. Por videoconferência.) - Na verdade, eu é que agradeço. Agradeço e me permito cometer a impertinência de parabenizar essa iniciativa parlamentar, uma iniciativa voltada para algo que claramente tem um objeto próprio, material, que possui méritos e quero agradecer também aos meus colegas. Foi muito instrutivo, foi muito agradável aprender mais sobre esse assunto, notadamente com o Dr. Fabiano, um especialista, trazendo alguns aspectos que são bastante interessantes, especialmente para quem, como meu, trabalha com desenvolvimento de mercado.
Fica claro para nós que a gente tem desafios a serem enfrentados. Parecem-me desafios muito mais formais do que materiais, ou seja, algo que pode ser enfrentado por articulação política, por convencimento. E certamente estaremos à disposição, caso se identifique algum ponto de atenção aí que a regulamentação de mercado deva dedicar à matéria.
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Muito obrigado.
Novamente, parabéns a todos.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, Claudio.
Renato Uema, do Banco Central, por favor, se puder aí nos brindar com as suas palavras finais.
Não sei se ele ainda está aí.
O SR. RENATO KYIOTAKA UEMA - Estou aqui.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Ah, está aí. O.k.
Perfeito, Renato.
Obrigado, mais uma vez.
O SR. RENATO KYIOTAKA UEMA (Para expor. Por videoconferência.) - Nós aqui é que agradecemos em nome do Banco Central, da diretoria colegiada, principalmente do Presidente Roberto Campos, poder discutir sobre uma iniciativa tão diferente, digamos assim, mas com objetivos muito nobres para o sistema financeiro, em particular, e para o País como um todo.
Eu só gostaria de pontuar uma coisa que foi colocada pelo Professor Doutor Fabiano, nosso ex-colega aqui do banco, quando ele colocou a questão de mudanças na contabilidade. Interessante que o único contato que eu tive com um curso específico de finanças islâmicas foi em um evento de contabilidade lá na Basileia, exatamente discutindo essa questão de como as finanças islâmicas estariam circunscritas aí nas normas internacionais de contabilidade. Então, isso é um ponto. E eu gostaria de chamar atenção primeiramente para a gente não confundir, nessa discussão, contabilidade com tributação, porque, muitas vezes, quando nós estamos falando de contabilidade, a gente coloca isso para um viés tributário, ou seja, a maneira como está contabilizada definindo a maneira como vai haver a tributação. Então, esse é um ponto aí que eu gostaria que fosse colocado quando os estudos começassem a ser realizados aí por parte do Legislativo. Mas é só uma chamada de atenção para esse ponto específico. De fato, é um ponto sensível, porque toda a cadeia de ativos e passivos é alterada, toda cadeia de receitas e despesas é alterada e, de fato, é um ponto sensível.
Uma última coisa que eu queria colocar é que finalizamos agora, no final deste ano, a nossa convergência das normas de contabilidade das instituições financeiras para o padrão internacional. Então, estamos plenamente, digamos assim, em compliance com as normas internacionais. E essa questão das finanças islâmicas, quando vierem aqui para a questão do regulador, a questão contábil também será avaliada do ponto de vista da contabilidade, não do ponto de vista de uma coisa um pouco maior que seria da tributação.
Então, mais uma vez, muito obrigado. Imaginamos que isso é um primeiro passo de um caminho que esperamos não seja tão longo, em termos temporais, para que a gente possa introduzir essa filosofia aí dentro do arcabouço financeiro brasileiro.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, Renato. Mais uma vez, nossas felicitações ao trabalho de vocês. E um abraço aí ao Presidente Roberto.
Obrigado também ao Fabiano, ao Dr. Fabiano, que está conosco. Também para as suas palavras finais e a disponibilidade com que eu sei que você nos brindará para trabalharmos juntos aí no futuro.
O SR. FABIANO JANTALIA BARBOSA (Para expor.) - Presidente, mais uma vez, obrigado. Foi uma honra poder participar aqui desse debate, dessa discussão. Agradecemos as perguntas. Eu espero ter respondido às perguntas que V. Exa. colocou. Não foi de uma maneira analítica, biunívoca, aquela coisa de: pergunta "a", resposta "a", mas procurei enfrentar essas questões.
Agradeço pela oportunidade de trocar aqui impressões e reflexões com os representantes do Banco Central, CVM; com a Ângela, que, eu repito, é a nossa pioneira do tema de finanças islâmicas aqui; com o Professor Mohamed El Zoghbi, que é o nosso pioneiro, o nosso grande líder aqui da comunidade muçulmana aqui no Brasil, um dos grandes expoentes dessa questão, enfim...
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Queria dizer a todos, como mensagem final, que as finanças islâmicas não são só uma forma disfarçada de fazer a mesma coisa. Só uma forma disfarçada, como eu já ouvi: "Isso é cobrança de juros disfarçada". Não. Isso é muita superficialidade.
As finanças islâmicas bebem de uma teoria que embasa a própria interpretação da Sharia, que eu convido todos que leiam. Existe uma teoria chamada Maqasid Al-Sharia, que é como se fossem os objetivos da Sharia, uma teoria que busca construir elementos para interpretação da Sharia e da sua aplicação aos tempos modernos. É uma teoria que tem alguma coisa em torno de 15 séculos, considerando o nascimento do Profeta Muhammad, que foi acho que em 570 d.c. Então, nós estamos falando de alguma que foi desenvolvida ao longo de 15 séculos. Então, 15 séculos impõem algum tipo de respeito. É um cabelo branco, que impõe algum respeito.
Eu convido todos, principalmente aqueles que estudam a matéria do sistema financeiro, os profissionais, os advogados, os estudantes, enfim... Nós precisamos de gente para dialogar, precisamos de gente para conversar. Talvez hoje, se a gente fosse falar em especialistas neste assunto no Brasil, a gente não conseguiria encher uma sala de 30 pessoas. Então, é muito difícil. A gente, às vezes, se sente muito solitário. Imagino a solidão da Ângela lá no início, lá atrás, quando ela começou a falar sobre isso. Eu também me sinto assim às vezes, sei lá, tendo chegado dez anos depois dela.
E felicito, por fim, justamente por todo este contexto de informações, V. Exa. pela iniciativa de capitanear este debate, de trazer este debate para a pauta política, para a pauta do Senado, de sinalizar, com a importância da representação política que lhe foi investida, a relevância deste assunto não apenas para a economia, mas também para o desenvolvimento social, porque investimento traz geração de emprego, que traz desenvolvimento social para o País.
Então, ao mesmo tempo em que o parabenizo, agradeço a V. Exa. por esta iniciativa e iluminar este tema, que acaba ficando um pouco de lado, porque as pessoas acabam ficando dentro de um contexto de discussão religiosa.
Muito obrigado e me coloco à disposição para as próximas oportunidades, se necessário e se assim entenderem cabível e adequado.
O SR. PRESIDENTE (Jean Paul Prates. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RN) - Obrigado, Fabiano. Mais uma vez, é muito bom para nós poder contar com você, que trouxe aqui uma visão realmente importante, inclusive atendendo às perguntas dos nossos internautas, que são perguntas aparentemente superficiais, mas de pessoas a quem o assunto intriga. Mas não cobra juros? Como faz?
Na verdade, é todo um processo cultural. Além da própria religião, é um processo cultural. E nós, lembro - para alguns não preciso lembrar isso -, que nós temos, nossos portugueses e espanhóis, ibéricos, oito séculos de ocupação árabe. Então, mesmo que não tenhamos hoje tanta proximidade em termos de emigrantes do mundo árabe em si, temos toda essa questão, por que não dizer, no sangue.
Então, temos que estudar e abraçar realmente todas as perspectivas, as possibilidades e os aprimoramentos que o sistema de finanças islâmicas traz até hoje, modernamente, inclusive.
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Eu queria, finalmente, propor, como resultado desta audiência que nós oficializássemos, pelo Grupo Parlamentar - vou fazer isso na qualidade de Presidente -, a formação desses dois grupos de trabalho que nós já tínhamos alinhavado em 2019, antes da questão da pandemia, em 2020, que são o grupo de trabalho, entre os Parlamentares, e também o grupo auxiliar, que seria o grupo de consultoria, o grupo consultivo, de pessoas que poderão nos ajudar, as quais, cada um de vocês, receberão esse convite formal para participar das discussões e nos ajudar nessa concepção, digamos assim, da parte legislativa, eventualmente, do guarda-chuva e de adaptações legais e constitucionais e, a seguir, então, uma espécie de sandbox regulatório, que a gente pode gerar e passar para as pessoas, para as entidades, como o Banco Central, CVM e outros, que poderão, então, fazer uso dessa contribuição nossa.
É isso.
Acho que, não havendo mais ninguém inscrito aqui e mais nenhum assunto a tratar nesta primeira etapa, declaro encerrada a presente reunião, agradecendo a todos e a todas pela participação, e lembrando que tivemos aqui, na sessão remota, os Senadores Izalci Lucas, Angelo Coronel, Antonio Anastasia, Flávio Arns, Vanderlan Cardoso e Wellington Fagundes.
Muito obrigado e boa tarde.
(Iniciada às 15 horas e 26 minutos, a reunião é encerrada às 17 horas e 06 minutos.)