08/02/2022 - 2ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Fala da Presidência.) - Bom dia a todos e a todas.
Queria inicialmente me desculpar pelo atraso e imediatamente dar por aberta a 2ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 7, de 2022, de autoria dos Senadores Paulo Paim e Humberto Costa, para debater a violência contra migrantes e refugiados no Brasil e o caso Moïse.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo, aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, e está sendo realizada de maneira conjunta com a Comissão Especial de Refugiados Políticos, presidida pelo nosso querido companheiro Paulo Paim, que irá comigo coordenar os trabalhos desta reunião.
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Foram convidados e estão aqui presentes, primeiro, o Procurador do Trabalho e Coordenador Regional do Rio Grande do Sul da Coordenadoria Nacional da Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho, Dr. Lucas Santos Fernandes; o Consultor Legislativo Henrique Salles, do Núcleo de Economia da Consultoria Legislativa do Senado Federal; o Dr. Bernardo Laferté, Coordenador-Geral do Comitê Nacional para os Refugiados e representante do Ministério da Justiça e Segurança Pública; o Sr. Alvaro Quintão, Secretário-Geral da OAB/RJ; a Vereadora Tainá de Paula, da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, suponho, arquiteta e urbanista, ativista das lutas urbanas; a Sra. Gaelfie Ngouaka - espero ter pronunciado direito, corretamente -, estudante da República do Congo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul; e o ex-Ministro e Presidente da Comissão Arns, de defesa dos direitos humanos, Sr. José Carlos Dias.
Bem, nós vamos, neste trabalho, dividir a condução das atividades. Durante um período, eu farei a condução, e o nosso Senador Paulo Paim fará a condução de outra parte.
V. Exa. prefere começar ou eu posso começar e depois eu passo para V. Exa.?
O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Não, você começa. Eu estou aqui tranquilo; no momento em que você achar que tem que passar para este Senador, eu estarei à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Agradeço a V. Exa.
Eu queria apenas, antes de iniciar com as falas dos nossos prezados convidados - a quem eu agradeço a presença aqui, hoje -, dizer algumas palavras em nome da Comissão de Direitos Humanos.
Nos últimos anos, milhares de pessoas deixaram suas casas, seu país e migraram para o Brasil, pessoas que, muitas vezes, são perseguidas ou estão em situação de vulnerabilidade extrema e que encontram em nosso país a possibilidade de escapar das condições precárias em que se encontravam. Todavia, um país que, por longos anos, foi sinônimo de acolhimento hoje é palco de recorrentes ações de violência contra imigrantes, sobretudo os negros, os quais se deparam com uma sociedade ainda marcada pelo racismo, pela xenofobia, pela intolerância religiosa e cultural, principalmente no contexto político em que ora vivemos, no qual o próprio Presidente da nação comete estes atos criminosos e desumanos.
No último dia 24, um homem negro congolês foi brutalmente assassinado a pauladas, inclusive com um taco de beisebol, por três homens. O jovem Moïse teria ido ao quiosque em que informalmente trabalhava na orla da Barra da Tijuca, bairro nobre da zona oeste do Rio de Janeiro, para cobrar uma dívida de R$200, referente aos dias trabalhados. Crimes como este, que estão longe de ser isolados, são a manifestação mais cruel e desumana de racismo e xenofobia; trazem em nós os sentimentos mais tristes que possam existir. No entanto, são estes sentimentos que nos dão força para prosseguirmos na luta antirracista no Brasil.
Infelizmente, o Governo que agora está no poder não nos dá apoio nesta luta; pelo contrário: enfraquece todo e qualquer mecanismo que possa ser utilizado no combate aos preconceitos que estão enraizados em nossa sociedade e na luta por uma sociedade mais justa e igualitária.
Na contramão de muitos países mundo afora, o Governo brasileiro está destruindo espaços legítimos que foram construídos para discutir, criar e fiscalizar políticas sociais que visavam, sobretudo, a garantir o direito à vida, à dignidade e à liberdade.
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O que aconteceu com o jovem Moïse e com vários outros imigrantes que se refugiaram em nosso país, buscando uma vida melhor, é o reflexo de uma sociedade que tem se demonstrado cada vez mais intolerante e preconceituosa, um comportamento que encontra respaldo naquele que deveria trabalhar para combater tais ações. O silêncio ensurdecedor do Presidente da República sobre mais este caso nos faz ter certeza de que este Governo não tem qualquer compromisso com as políticas sociais de acolhimento dos refugiados no Brasil ou com qualquer política que vise à manutenção e a garantia dos direitos da pessoa humana.
A brutalidade nas imagens trágicas da morte de Moïse, somadas à quietude abismal de alguns que ali estavam e que pouco fizeram para impedir aquele linchamento em praça pública, o que de alguma maneira está sendo normalizado em nossa sociedade, e ainda à suposta omissão de figuras da segurança pública que, embora acionadas não atenderam àquele chamado, são, assim, o retrato de um Brasil que diz respeito aos migrantes não brancos que se refugiam em nosso país, buscando minimamente ter a sua dignidade preservada.
Racismo, xenofobia, homofobia, intolerância religiosa são crimes que atentam contra a dignidade humana e produzem efeito não apenas nas vítimas, mas também em toda a nossa sociedade. Os migrantes querem encontrar em nosso país uma casa, um lar ou, como o próprio nome nos remete, um refúgio para seus familiares, um recomeço. Infelizmente hoje não estamos oferecendo este recomeço, mas sim estamos oferecendo violência e intolerância.
É nosso papel, aqui neste Senado Federal, aqui nesta Comissão de Direitos Humanos, garantir que o Estado brasileiro proporcione a estas pessoas condições mínimas para que seus direitos sejam garantidos e preservados, inclusive os trabalhistas, uma vez que muitos refugiados são contratados aqui no Brasil sem qualquer garantia trabalhista.
Finalmente, expresso aqui meus sinceros sentimentos à família de Moïse e coloco esta Comissão à disposição de toda a sociedade civil, para que possamos discutir políticas e ações para melhor acolhermos essas pessoas que nos procuram por uma vida melhor.
Muito obrigado.
Eu quero somente informar que, no dia de ontem, nós aprovamos, na reunião ordinária da Comissão de Direitos Humanos, a realização de uma diligência por parte da Comissão, no Rio de Janeiro, junto especificamente à Polícia Civil e ao Ministério Público Estadual, que deve acontecer na próxima semana, em conjunto com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Lá estaremos para cobrar atitudes, cobrar investigação e, acima de tudo, punição dos responsáveis por esse crime tão bárbaro.
Eu queria começar passando a palavra ao Senador Paulo Paim se ele assim o desejar.
Em seguida, passaremos à lista dos nossos convidados, a quem mais uma vez agradeço a presença e a participação.
Senador Paulo Paim.
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O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Para discursar. Por videoconferência.) - Senador Humberto Costa, primeiro cumprimento V. Exa. por termos pactuado esta audiência pública das duas Comissões e pela iniciativa do requerimento de V. Exa. no dia de hoje dessa missão em que eu tenho certeza que a Comissão dos refugiados estará junto no Rio de Janeiro.
Poderíamos encaminhar da seguinte forma, se V. Exa. concordar: V. Exa. fez abertura, dá todo o procedimento que entende adequado, e eu posso falar num outro momento em que estiver coordenando ou mesmo no encerramento eu faço uma fala de agradecimento. Então, vamos de imediato ouvir os nossos convidados, sob a Presidência de V. Exa.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Agradeço a V. Exa.
De imediato, eu passo a palavra ao Dr. Lucas Santos Fernandes, que é Procurador do Trabalho, Coordenador Regional, no Rio Grande do Sul, da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, do Ministério Público do Trabalho. V. Sa. dispõe de dez minutos, mas que terão uma tolerância necessária, a que for necessária.
Muito obrigado.
Com a palavra V. Sa.
O SR. LUCAS SANTOS FERNANDES (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos e todas!
Saúdo, na presença dos Presidentes das Comissões, o Senador Humberto Costa e o Senador Paulo Paim, a todos os presentes, a todas as autoridades, e desde já agradeço o convite feito ao Ministério Público do Trabalho.
De início, gostaria de deixar claro qual o nosso local de fala. O nosso local de fala é de uma instituição com previsão na Constituição da República para combater as discriminações no ambiente do trabalho. E o que teriam os migrantes com o Ministério Público do Trabalho? É uma coisa bastante óbvia, mas vale a pena a gente sempre lembrar: as pessoas migram em busca de oportunidades, em busca de uma nova vida, e essa nova vida, essa nova oportunidade, na maioria das vezes, vem por meio do trabalho, e essa é a preocupação do Ministério Público do Trabalho em monitorar os diversos fluxos migratórios.
De início também gostaria de registrar que, quanto ao caso do jovem Moïse, temos uma investigação no Rio de Janeiro com a minha colega, a Procuradora Guadalupe. Não vou entrar em detalhes sobre a investigação - a discrição é bastante importante neste momento -, mas antecipo aos senhores e às senhoras que certamente, não só conhecendo a minha colega, bastante atuante, a Dra. Guadalupe, mas o histórico do Ministério Público do Trabalho, apresentaremos uma resposta rápida à sociedade. O Ministério Público do Trabalho sempre busca estar à frente nas rápidas respostas à sociedade. A sociedade clama por justiça e isso não se limita à prisão dos assassinos.
Eu entendo que nós não devemos analisar o racismo pelo prisma individualista, achar um culpado. Não são casos isolados; é uma luta por direitos. Então, eu peço licença para abrir um pouco o foco para a questão migratória e já iniciando com dados bastante expressivos da Operação Acolhida, dos venezuelanos.
De 2018 até dezembro de 2021, 66.257 venezuelanos ingressaram no Brasil - mais de 66 mil pessoas de 2018 a dezembro de 2021.
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No meu estado, o Rio Grande do Sul, onde nós fazemos o acompanhamento dos abrigos e das ações de encaminhamento para trabalho e monitoramos as diversas formas de trabalho, desde o trabalho formal até o trabalho de ambulantes, que são pessoas que buscam a sobrevivência e por vezes encontram resistência por normas de urbanismo que não querem que pessoas sobrevivam trabalhando no centro das cidades, onde há perdimento de bens, normalmente essas ações truculentas se destinam aos ambulantes pretos. As autoridades conseguem identificar quem são os ambulantes brasileiros e quem são os migrantes.
Pois bem. E, no meu estado, são 9.490 venezuelanos, porque o Rio Grande do Sul é o terceiro maior estado a receber venezuelanos, perdendo apenas para o Paraná e para Santa Catarina. Mas a estimativa é de que esse número não seja apenas de 9,4 mil, mas seja o triplo.
Nós não temos dados exatos da Operação Acolhida. Não há um acompanhamento feito de forma séria, não há uma política do Governo Federal, e nós verificamos que o Exército passou a ser um intermediador de mão de obra, o que se chama de "vaga sinalizada". Basta uma empresa dizer que tem intenção de contratar e aquelas pessoas chegam. E os órgãos de fiscalização, como os auditores fiscais do trabalho e a assistência social do município que vai receber, raramente são comunicados. Então, é uma corrida para que consigamos monitorar quase em tempo real: está chegando um avião, chega amanhã, 60, 80 pessoas foram para tal município... Então, não há um planejamento, dificultando a fiscalização, dificultando a acolhida. Então, o Brasil recebe, mas não apoia, não se organiza.
E aí eu me permito também um rápido apanhado histórico.
Nós tínhamos, em 2005, o fluxo de bolivianos, que hoje são centenas de milhares em São Paulo, principalmente nas facções de costura; depois os haitianos, quando houve a ação do Ministério Público do Trabalho contra a União em Rio Branco, para que se pudesse haver uma mínima organização de recebimento dos haitianos. Durante a bonança econômica, os tempos de câmbio favorável, o Brasil se tornou, até mesmo pelo mito de que é um país que acolhe bem, um fácil destino. Não é o primeiro, não é o segundo, não é o terceiro destino dos migrantes, mas, certamente, é um destino. E, desde 2013, nós temos, em termos numéricos bastante grandes, a migração dos venezuelanos.
O que nos preocupa são as falsas promessas, falsas promessas de trabalho. Durante a pandemia, mais pessoas foram empurradas para o estado de necessidade, e o que nós verificamos é que aumentou o número de pessoas em condições análogas de escravo, o trabalho escravo contemporâneo, como a gente diz.
O MPT tem uma atuação focada na cadeia produtiva. Não basta observar e punir quem é o mandante, mas sim... É o contrário: não basta observar quem é o capanga, mas sim quem é o mandante, quem é a grande empresa que está se beneficiando daquela exploração de imigrantes, como os venezuelanos, como os bolivianos em São Paulo, que é de conhecimento de todos. Grandes empresas têxteis se valendo do serviço deles por terceirização, quarteirização, quinteirização, e alegavam nada a saber, o que nós chamamos de "a conveniente cegueira deliberada": as empresas se colocam nessa acintosa situação de desconhecer a realidade.
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Agrava-se essa situação com a informalidade no Brasil; o Brasil virou um país de bicos. Moïse, mesmo a partir da reforma trabalhista, que flexibilizou muito os direitos dos trabalhadores, uma lamentável reforma trabalhista, era um trabalhador intermitente; mesmo que ele não fosse todos os dias, ele era um trabalhador. E, a partir da Convenção 190 da OIT, essa violência, esse assassinato do Moïse, verificamos como um acidente de trabalho.
E por que eu contextualizei com os venezuelanos e agora volto para Moïse? Porque Moïse tem a cor da pele que atrai esse ódio, mas era um trabalhador, era um trabalhador intermitente, e a morte dele é um acidente de trabalho. E ele é só um exemplo, ele é um triste exemplo, mas nós não podemos nos fechar para o racismo como um caso isolado, como um caso individual.
Eu, encaminhando-me para o fim, gostaria de ressaltar uma luta perpétua, que é a desmistificação que temos que fazer quando tratamos do tema imigrantes. Primeiro os brasileiros e depois os imigrantes? Temos brasileiros desempregados, temos brasileiros que estão abaixo da linha da pobreza. É um assunto delicado, ele perpassa a solidariedade global. Também devemos lembrar que o fluxo de brasileiros que vai para outros países é maior do que o fluxo, o número de imigrantes que recebemos.
E esse questionamento sobre como distribuir essa escassez, como distribuir essa falta de recursos, de certa forma é uma situação enganosa. Será que faltam recursos? Será que esse 1% da população, como muito se tem dito, está preocupado com isso? Enfim, é um questionamento em que nós, que estamos na luta pela inserção social e laboral dos imigrantes, devemos sempre insistir, para que a maioria da população brasileira, que também está em dificuldades, compreenda que não há uma concorrência. Os imigrantes vêm acrescentar para o Brasil, eles vêm acrescentar esforço, eles vêm desenvolver junto conosco o nosso país. A forma justa não é pensar se há uma concorrência; o que se tem de pensar é sobre o porquê dessa escassez.
O Ministério Público do Trabalho - também queria registrar - não tem mais assento como ouvinte no CNIg; depois da reformulação de diversos conselhos mudando as participações, o Ministério Público do Trabalho não tem mais assento, muito embora, como eu destaquei para vocês num breve apanhado, nós tenhamos acompanhado todos os fluxos migratórios, e a questão dos haitianos em Rio Branco foi liderada pelo Ministério Público do Trabalho. Os venezuelanos, nós acompanhamos desde Roraima até os estados, fazemos o que é possível. É isto que preciso deixar claro: fazemos o que é possível, porque não há uma política coordenada pelo Governo Federal, há dificuldade até de se obter dados.
Então eu apresento, em nome do Ministério Público, minhas condolências à família. Não pretendo roubar o tempo aqui de pessoas que podem falar.
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Quero dizer que nós estamos com a investigação, em breve vamos apresentar resultados, e que não será só a esse caso que o Ministério Público do Trabalho vai se dedicar em razão da repercussão da mídia. Nós estamos, de forma constante, atentos, verificando, tentando, junto com os municípios, buscar melhoras na acolhida junto às assistências sociais. Quando temos as informações, verificamos se o local em que há promessa de vagas tem condições dignas de receber esses trabalhadores, indiferentemente da nacionalidade. Mas é uma luta de todos, é uma luta que passa pela organização.
Portanto, eu parabenizo a iniciativa desta audiência pública e me deixo à disposição dos presentes para qualquer indagação, para qualquer explicação da atuação do Ministério Público do Trabalho.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Dr. Lucas Fernandes. Muito importante a sua explanação, trazendo dados aqui extremamente relevantes sobre as características do tipo de trabalho a que essas pessoas estão submetidas aqui no nosso país.
De imediato, eu passo a palavra ao Dr. Henrique Salles, que é consultor legislativo e é do núcleo de economia da Consultoria Legislativa do Senado Federal.
V. Sa. tem dez minutos, com a tolerância necessária.
O SR. HENRIQUE SALLES PINTO (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado, Exmo. Sr. Senador Humberto Costa.
Bom dia a todas e todos. Queria também cumprimentar o Exmo. Sr. Senador Paulo Paim, que, junto com o Senador Humberto Costa, está liderando, presidindo esta reunião. Saúdo também os demais e as demais participantes da mesa.
Eu agradeço o convite para tratarmos de assuntos tão sensíveis para o nosso país, sobretudo para os hipossuficientes, que é a questão da violência contra migrantes e refugiados.
E, como foi falado muito bem pelo procurador que me antecedeu, a questão do trabalho é uma questão muito importante, a sensibilidade para atender a esse público no mercado de trabalho é algo urgente, e eu gostaria de complementar os argumentos trazidos anteriormente com outro argumento que é igualmente importante e sério no Brasil, que é a questão da fome, é a questão da insegurança alimentar e nutricional junto a migrantes e refugiados no nosso Brasil.
Eu tive a honra de, no final do ano passado, ser convidado para realizar uma pesquisa de pós-doutorado pela Universidade Paris-Saclay sobre esse assunto específico em zonas de fronteira, a questão da insegurança alimentar e nutricional em zonas de fronteira, e eu gostaria de compartilhar alguns dados que nós constatamos ao longo desses últimos meses de 2021, que vão trazer a nós uma reflexão um pouco mais abrangente sobre a importância do assunto e como que nós podemos avançar para beneficiar essas pessoas ou minimamente garantir condições de vida mais dignas.
Eu vou compartilhar a minha tela aqui. Eu fiz uma pequena apresentação em PowerPoint. O título do nosso trabalho eu acredito que todos estão vendo.
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Enfim, a gente procurou tratar dos invisíveis e visíveis da fronteira, um estudo de caso de insegurança alimentar e nutricional, e nós tivemos como pano de fundo da nossa pesquisa, do nosso trabalho uma realidade que já havia sido constatada ainda no final de 2020 por uma pesquisa realizada pela Universidade de Berlim, em parceria com pesquisadores da nossa UnB, a Universidade de Brasília, e a Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG, em que se constatou que praticamente 60% dos brasileiros ou dos habitantes do Brasil - aí, sim, também abrangendo refugiados e migrantes - estavam numa situação de insegurança alimentar.
Então, dentro desse contexto, nós entendemos que a situação em zonas de fronteira poderia ser ainda mais sensível, poderia ser ainda mais complexa, uma vez que zonas de fronteira são regiões em que pessoas hipossuficientes transitam com uma certa regularidade, sobretudo nessa perspectiva da migração ou do refúgio.
Dentro desse contexto, nós procuramos analisar a realidade da segurança alimentar e nutricional em zonas de fronteira no contexto da covid-19, fazendo uma análise de estudo de caso de duas realidades específicas: de Santana do Livramento, na nossa fronteira no sul, extremo sul do Brasil, e a cidade de Rivera, no Uruguai; e, no sentido oposto, a cidade do Oiapoque, no Amapá, e a cidade gêmea de São Jorge do Oiapoque, na Guiana Francesa, território ultramarino francês. E os resultados que nós encontramos foram muito preocupantes na perspectiva pré-pandemia e principalmente na perspectiva do contexto da pandemia de covid-19.
Esse primeiro quadro que nós estamos aqui projetando diz respeito aos dados que nós constatamos em uma amostra na cidade de Santana do Livramento, Rio Grande do Sul. A gente percebe que, no período anterior à pandemia, nós já tínhamos em torno de 20... Só um quarto das pessoas entrevistadas estavam numa situação de segurança alimentar e nutricional plena, e os outros três quartos, aproximadamente, antes da pandemia, já estavam numa situação de insegurança alimentar e nutricional, seja ela leve, que é quando a família tem preocupação com a falta de alimentos ou a escolha e qualidade desses alimentos ficava comprometida; seja ela moderada, quando a família tem ou tinha falta ou redução da quantidade de alimentos entre os adultos da casa; ou insegurança alimentar e nutricional grave, que é aquela em que a família tem a falta ou a redução da quantidade de alimentos entre os adultos e as crianças da casa.
No período da pandemia de covid-19, essa situação se agravou a tal ponto que, da amostra coletada na cidade de Santana do Livramento, nós constatamos que 80% das pessoas, no período da pandemia, no período em que nós as entrevistamos, apresentavam algum nível de insegurança alimentar e nutricional, com a predominância da insegurança alimentar e nutricional leve, que é quando família tem falta de alimento, tem preocupação, ou a escolha e a qualidade desses alimentos ficava comprometida.
A realidade no Oiapoque, sempre na perspectiva comparada, para entendermos um pouco essa dinâmica e a complexidade do assunto, é muito mais grave. É uma realidade em que, antes da pandemia de covid-19, tínhamos quase 30%, em torno de 28% das pessoas, em uma situação de segurança alimentar e nutricional, mas, com o período pandêmico, esse número praticamente se reduziu a zero - só 2% dos entrevistados falaram que estavam numa situação de segurança alimentar e nutricional. Ou seja, nós temos aí que, considerando que 2% não responderam, não quiseram responder se estavam numa situação de segurança alimentar ou numa situação de insegurança alimentar, seja ela leve, moderada ou grave, em torno de 96% das pessoas entrevistadas lá no Município do Oiapoque apresentavam algum nível de insegurança alimentar e nutricional, sejam elas brasileiras, migrantes ou locais - porque constatamos muitos migrantes brasileiros de outras regiões ali naquela realidade, tentando oportunidade na Guiana Francesa, atravessando o Oiapoque, sobretudo da Região Nordeste e da Região Norte -, sejam pessoas migrantes e refugiados de outros países.
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A realidade do Oiapoque é muito sensível nesse sentido. Foram constatadas presenças significativas de venezuelanos, de angolanos, de haitianos, peruanos, surinameses... E, na realidade do Rio Grande do Sul, além dos brasileiros migrantes, a gente percebeu venezuelanos, houve a constatação de venezuelanos também numa situação de insegurança alimentar bastante significativa.
Como falamos, além da perspectiva da própria nacionalidade dessas pessoas, a gente também dividiu, com base no perfil apresentado por elas, as pessoas em dois grupos. Um grupo era de pessoas vulneráveis visíveis, que eram aquelas que estavam numa situação de insegurança alimentar nutricional moderada ou grave, que são as formas mais intensas de insegurança alimentar na escala que nós utilizamos, mas que eram, em certa medida, atendidas por algum programa de transferência de renda ou por algum programa mais amplo de assistência social no Estado brasileiro, sobretudo considerando a perspectiva do Cadastro Único para programas sociais do Governo Federal e o nosso Bolsa Família. Essas eram consideradas pessoas visíveis, ou seja, em uma situação um pouco menos sensível de vulnerabilidade. Mas houve também a constatação de um número significativo de pessoas consideradas vulneráveis invisíveis, que eram aquelas que estavam numa situação de insegurança alimentar bastante intensa, ou seja, moderada ou grave, mas que afirmaram não ter recebido qualquer amparo do Estado brasileiro ao longo dos últimos anos, seja na perspectiva da assistência social mais ampla, seja na perspectiva da transferência de renda por programas como Bolsa Família ou até mesmo o questionável Auxílio Brasil, que comprovadamente foi alvo de muitas fraudes pela metodologia, que também é questionável, que não chegou a essas pessoas mais vulneráveis e que, portanto, contribuiu, pela sua pouca eficiência, para manter uma realidade de vulnerabilidade invisível de parcelas significativas de pessoas em zonas de fronteira ou até mesmo nos grandes centros urbanos brasileiros.
Então, aqui, falando especificamente dos migrantes, que é um recorte um pouco mais específico da nossa pesquisa, quando nós perguntamos se as pessoas eram ou não migrantes, fossem brasileiros, fossem estrangeiros, na cidade de Santana do Livramento, a maioria não era migrante. De todos os vulneráveis invisíveis de Santana do Livramento, nós tínhamos aí em torno de 25% desses vulneráveis invisíveis falando que eram migrantes, ou seja, quase 75% não eram migrantes. No total dos entrevistados de Santana do Livramento é que o percentual sobe um pouco: para 30% dos migrantes totais entrevistados, fossem eles vulneráveis, invisíveis ou visíveis, ou não vulneráveis.
Agora, quando a gente fala da cidade do Oiapoque, se a gente considera a população total entrevistada, metade dela, 50%, era considerada migrante - se considerou migrante -, seja nacional, brasileiro ou de outras nacionalidades. E, na perspectiva dos vulneráveis invisíveis, pouco mais de 60% - acho que foram 62% das pessoas - falaram que eram migrantes. Isso serve para vermos como são realidades muito sensíveis para migrantes e refugiados.
E, para concluir esta minha apresentação ou encaminhar a conclusão dela, eu queria apresentar só mais um dado. A pesquisa foi ampla, existem outros dados que depois podemos compartilhar com os gabinetes dos Senadores Paulo Paim, Humberto Costa e dos demais interessados no assunto.
Nós fizemos uma pergunta específica para todos os migrantes especificamente identificados: "O senhor ou a senhora voltaria para a sua cidade de origem ou ficaria em alguma cidade ao longo do caminho migratório se essa cidade lhe garantisse alimentação constante?". A resposta foi bastante significativa.
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Quando nós olhamos, por exemplo, para o total dos vulneráveis invisíveis, migrantes vulneráveis invisíveis, de Santana do Livramento, todos eles falaram que sim. Ou seja, eles só estavam naquela realidade de migração porque não tinham alimentação minimamente garantida, ou nas suas cidades de origem, ou em alguma cidade ao longo do trajeto migratório.
Quando a gente olha para o total do Oiapoque, a realidade também é bastante significativa: mais de 60% dos migrantes falaram que sim, que voltariam para a sua cidade de origem ou ficariam em alguma cidade do caminho migratório, se nessa cidade lhe fosse garantida alimentação constante.
Este é o diagnóstico da nossa pesquisa: a fuga da fome é um fator determinante para motivar deslocamentos de uma parcela significativa de migrantes e refugiados.
A nossa proposta de pesquisa: a organização de um corredor alimentar, que é um conceito que nós estamos propondo no âmbito da academia e que vai ser amadurecido por novos e futuros estudos, ao longo de rotas migratórias. Esse corredor alimentar, ou seja, a garantia de alimentação focada nessas pessoas, pode contribuir para diminuir as vulnerabilidades dessas pessoas, migrantes e refugiados, porque, na verdade, é a vulnerabilidade dessas pessoas que as expõe, de maneira mais significativa, a várias formas de violência, como a que constatamos no caso do nosso irmão congolês.
Outra medida que também pode ser viabilizada com corredores alimentares, como estamos pensando e propondo, é possibilitar, inclusive, o retorno de muitos desses refugiados para as suas casas, para as suas origens, para as suas famílias, diminuindo, portanto, a pressão do fluxo migratório nos grandes eixos de atração desses migrantes e desses refugiados.
Então, eu gostaria de agradecer a oportunidade de compartilharmos brevemente alguns dados, entre outros que constatamos nessa pesquisa. Estamos à disposição, por meio do nosso contato projetado na apresentação e por meio dos trabalhos da Consultoria Legislativa do Senado Federal.
Mais uma vez, gostaríamos de agradecer a oportunidade que nos concedem os Senadores de apresentarmos esses dados e de pensarmos juntos em medidas para beneficiar e aliviar a situação de vulnerabilidade e de sofrimento dos nossos irmãos migrantes e refugiados.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Dr. Henrique Salles. É especialmente interessante a sua abordagem envolvendo a temática da insegurança alimentar, que é uma realidade para essas pessoas e, ao mesmo tempo, a demonstração de quanto a possibilidade de acesso a uma alimentação digna, ainda que seja mínima, é fundamental para definir esses fluxos migratórios, coisas que deveriam estar na pauta permanente do Governo no trato da temática dos imigrantes.
É muito boa também essa demonstração de que há um número muito significativo de pessoas submetidas a uma vulnerabilidade - eu digo de imigrantes -, que é uma vulnerabilidade invisível. Essas pessoas não têm sequer sido ou podem ser consideradas numa condição de efetivamente legalizadas ou registradas como imigrantes.
Devido a um compromisso, eu vou passar a palavra agora ao Dr. José Carlos Dias, que é ex-Ministro da Justiça, que é Presidente da Comissão Arns, de direitos humanos, um dos mais notáveis e renomados militantes dos direitos humanos no nosso país. É com muita alegria e com muita honra que lhe passo a palavra neste momento. (Pausa.)
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O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Seu microfone está fechado.
O SR. JOSÉ CARLOS DIAS (Para expor. Por videoconferência.) - Sr. Senador Humberto Costa, Sr. Senador Paulo Paim, Senadora, Senadores presentes, demais participantes desta audiência pública, a Comissão de Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns nasceu há mais de três anos, quando o país era tragado pelo despotismo, que ensaiava os primeiros passos após a posse do Presidente Bolsonaro. Um grupo de pessoas se identificou e constituiu uma comissão que lutasse pela restauração dos direitos humanos, que víamos ameaçados e conspurcados. Decidimos celebrar a figura de D. Paulo Evaristo Arns por ter sido incansável defensor dos perseguidos, entre os quais os refugiados políticos do Cone Sul.
Eu integrava a Comissão Justiça e Paz, que estreitou relações com a Acnur, que atua para assegurar e proteger os direitos da pessoa em situação de refúgio. Segundo a Acnur, um refugiado tem direito a buscar refúgio em um lugar seguro e diz além, e diz mais: deve usufruir pelo menos dos mesmos direitos e de qualquer assistência básica que qualquer outro estrangeiro residindo legalmente no país, incluindo liberdade de expressão e movimento e proteção contra a tortura e o tratamento degradante.
Em 1997 foi editada a Lei 9.474 - era Presidente Fernando Henrique Cardoso, do qual fui Ministro da Justiça - em parceria com a Acnur, lei considerada pela ONU como uma das mais modernas e abrangentes para garantir os direitos dos refugiados. De acordo com esta lei, refugiados são todas as pessoas que, por perseguição de raça, religião, nacionalidade, grupo social, opiniões públicas ou generalizadas violações de direitos humanos, são obrigadas a deixar seu país de origem e, ao se encontrarem fora de seu país, não querem ou não podem retornar a ele.
Na prática, no entanto, o Brasil não ter conseguido estabelecer o respeito ao acolhimento dos refugiados e dos imigrantes, o que é lamentável. Um dos mais trágicos exemplos é a morte recente do jovem Moïse. O Brasil é um país violento, extremamente racista. Não é lugar seguro para refugiados, principalmente sendo o refugiado negro. O negro é visto como ameaçador e, portanto, descartável. Fazemos de conta que vivemos numa democracia racial.
Moïse, congolês, refugiado desde seus 13 anos, foi assassinado barbaramente por ser negro, por não ter seus direitos trabalhistas respeitados, por viver num país xenófobo e racista. Sua família veio ao Brasil em busca de segurança e deparou com outra dura batalha: a luta por respeito e oportunidade de uma vida digna.
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Sua família veio ao Brasil em busca de segurança e deparou com outra dura batalha: a luta por respeito e oportunidade de uma vida digna. E o que encontraram? Um país preconceituoso, com um governante que exalta torturadores, pede ao filho que condecore miliciano, persegue os defensores dos direitos humanos, desmonta órgão responsável pelo combate e prevenção da tortura, estimulando assim a tolerância com a violência e com as chacinas. Essa é a realidade brasileira!
Após a morte de Moïse, as autoridades só atuaram depois de manifestação pública da família e forte mobilização da sociedade. Infelizmente, sob o atual Governo, a violência recrudesceu, o poder das milícias aumentou, e estas agem impunemente, com a cobertura dos agentes do Estado. O assassinato de Moïse comprova essa nefasta relação: dois policiais civis foram chamados a intervir, porém ignoraram o chamado.
Como entidade da sociedade civil, a Comissão Arns estima-lhe seu dever cobrar, exigir que as autoridades públicas apurem de forma cabal o crime que horrorizou o mundo. A omissão do Estado e o silêncio daqueles que detêm o poder é tão criminoso como o ato que foi praticado contra o cidadão Moïse, contra Marielle Franco, contra João Alberto Silveira Freitas e tantos outros negros e negras cruelmente executados neste triste Brasil. Esse silêncio compactua com o racismo escancarado que nos envergonha. E racismo é crime previsto na Constituição Federal, que tem que ser respeitada até pelos brancos, principalmente por aqueles que são os espoliadores desses direitos.
Hoje, perante o Senado Federal, perante V. Exa., Senador Humberto Costa, que tem dado tanta bravura no exercício do seu mandato, assim como o Senador Paulo Paim; hoje, perante o Senado Federal, nós reivindicamos uma efetiva resposta à brutalidade e à impunidade que assolam o nosso país. Não nos calaremos!
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, ex-Ministro José Carlos Dias, Presidente da Comissão Arns de Direitos Humanos. V. Sa. faz uma manifestação extremamente contundente, expressando o sentimento da população brasileira, no sentido de que esse crime não fique impune, e sobre a conivência, a falta de uma resposta clara das autoridades em relação a esse caso, inclusive do próprio Governo Federal, pois, na condição de refugiado, o Moïse deveria ter garantida não somente sua integridade física, psicológica, mas o acesso a todos os direitos que a Constituição garante, e, no entanto, nós não vimos isso acontecer. Então, a contribuição de V. Sa. é muito importante no sentido de que nós não nos calemos diante desse verdadeiro absurdo a que assistimos.
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De imediato, eu passo a palavra à Vereadora Tainá de Paula, que está acompanhada do irmão de Moïse, que é o Djodjo Kabagambe, e ambos farão aqui uma manifestação.
Quero registrar aqui a nossa alegria, a nossa honra de receber a Vereadora Tainá de Paula, que tem se caracterizado como uma das mais combativas e atuantes militantes na luta contra o racismo, que fez do seu mandato uma trincheira importante na defesa dos explorados e dos oprimidos no nosso país.
E eu quero, dito isso, passar a ela de imediato a palavra. Ela poderá também nos permitir a oitiva do irmão do Moïse, o Djodjo. Obviamente, ambos terão aí a tolerância necessária para que possamos ouvir as suas palavras.
Com a palavra a Vereadora Tainá de Paula.
A SRA. TAINÁ DE PAULA (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada, Senador Humberto Costa.
Quero saudar aqui a sua figura, mas também estendendo essa saudação ao Senador Paulo Paim, a quem agradeço o convite, a articulação para nós estarmos aqui presentes nesta audiência importante. Quero saudar a todas as representações presentes, principalmente Álvaro Quintão, que vem aqui no Estado do Rio de Janeiro fazendo um trabalho importante de ajuda e suporte nesse momento tão dramático de negação dos direitos humanos, de negação dos direitos fundamentais, não só no Estado do Rio de Janeiro, mas no Brasil.
Reforçar o papel do Senado nesse contexto, Senadores, é, sem dúvida alguma, construirmos o que restou da nossa democracia, entendendo o contexto não só difícil, mas, diria, inimaginável que o Brasil vive hoje.
Eu quero iniciar essa fala aqui, claro, me apresentando não só como Vereadora, como Presidente da Comissão de Assuntos Urbanos aqui da Câmara, mas como representante da Coalizão Negra por Direitos, que vem ocupando espaço de proteção, debate público e garantia dos direitos de negros e negras no Brasil, organizando a sociedade civil, os movimentos de luta antirracista e, claro, as comunidades dos povos da diáspora.
Quero reforçar aqui a presença de representante da família e da comunidade congolesa, a quem passarei a palavra depois de uma explanação.
Quero reforçar a minha fala sobre algumas entranhas duras do debate que nós precisamos fazer nesse contexto de Brasil. E infelizmente Moïse e a família Kabagambe revelaram para nós o buraco profundo da negação dos direitos dos negros e negras da diáspora. É primordial que possamos construir um diálogo e um legado, depois dessa execução, que aprofunde o debate racial brasileiro e aprofunde o debate dos negros da diáspora. E aí eu quero reforçar muito isso na minha fala porque há um desentendimento do papel do Brasil não só com sua comunidade negra, que é majoritária no conjunto da sociedade, mas também a sua responsabilidade pública com vários tratados internacionais assinados por décadas e décadas, que ainda não se fazem presentes nas nossas organizações, nas nossas instituições, inclusive nas nossas políticas públicas. Acho que o Senado é imprescindível, peça chave na articulação do enraizamento dessas políticas públicas que se fazem urgentes. Passamos pela Conferência de Durban, passamos pela Convenção de Genebra e nós temos responsabilidade por todo negro, por toda pessoa negra que venha aqui, integrante da diáspora, ao território brasileiro. Nós temos responsabilidade pública por essas vidas e por esse modo de vida.
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Eu quero começar por isso porque, apesar de o Brasil negligenciar a vida de corpos negros e fechar os olhos para a cultura, o pertencimento, o letramento racial e a discussão do debate racial brasileiro, nós temos responsabilidade e assinamos essa responsabilidade. Nós nos beneficiamos economicamente dos tratados que nós assinamos, de que somos signatários, em várias nações ou várias comunidades internacionais, e temos contrapartidas sobre isso, e uma das contrapartidas é obviamente dar conta dos processos migratórios e principalmente dos povos refugiados. Aí eu quero fazer uma janela aqui sobre a necessidade de nós aprofundarmos muito a política de refugiados que nós temos tocado na última quadra.
É importante frisar que Moïse vem ao Brasil por um arrancamento e por uma impossibilidade de estar no seu território natal. A República Democrática do Congo, tendo uma grande fragilidade na sua democracia, expõe os seus cidadãos, e os cidadãos vêm a partir dos tratados que nós assinamos, escolhem países irmãos e signatários desses tratados. O Brasil é um país signatário, e é por isso que Moïse e familiares, vizinhos, amigos de Moïse estão no Brasil - por isso que Moïse estava no Brasil. Moïse escolhe o Brasil como cidade fim, mas o Brasil se coloca como cidade, a princípio, aberta e responsável com as nações da diáspora. E isso é uma chave, um contexto imprescindível, e é importante que essa chave seja aberta antes da fala da família, porque deveria ser inegociável para nós a nossa responsabilidade e a responsabilização dos nossos órgãos e obviamente dos nossos chefes de Estado sobre o tratamento com que esses cidadãos não só do Congo mas de outros países irmãos são tratados.
Para além das responsabilidades internacionais, para mim está claro na fala do Senador Humberto não só o silêncio absurdo de Jair Messias Bolsonaro, o silêncio do nosso chefe de Estado sobre esse crime bárbaro, sobre esse crime hediondo, mas, para além do silêncio, a negligência da condução e obviamente a ausência de políticas públicas tanto no âmbito estadual quanto no âmbito municipal para se lidar com a situação.
E aí, claro, o crime deve ser investigado, acompanhado pelo MP, acompanhado pelo MPT. Gostei muito da fala do Lucas Fernandes sobre a responsabilidade, inclusive sobre o debate da precarização do trabalho, como o Brasil ainda está na lista internacional de trabalho análogo à escravidão, que é o neoescravismo brasileiro, o trabalhismo escravista brasileiro, que nós nunca discutimos. Diversas CPIs, diversas investigações sobre trabalho escravo e pouquíssimo desdobramento público aqui no Estado do Rio de Janeiro sobre isso, e aí eu falo de capital e eu falo do interior do Estado do Rio de Janeiro, que ainda é recordista de trabalho escravo.
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E, em se tratando de Rio de Janeiro - infelizmente posso contribuir com essa análise, porque sou daqui e estou no epicentro do Estado do Rio de Janeiro, na capital -, nós temos algumas responsabilidades a mais do que outras cidades nesse debate.
Meus companheiros, nós somos a segunda maior cidade em população negra fora de África, fora de África! Há mais preto, aqui no Rio de Janeiro, do que em Burkina Faso. Nós somos a segunda cidade com maior número de imigrantes e refugiados do Brasil e nós não podemos banalizar ou naturalizar um crime bárbaro que acontece à beira-mar, numa cidade que teoricamente é uma cidade cosmopolita, é uma capital do mundo e obviamente berço de processos migratórios e processos de atração de refugiados históricos ao longo dos últimos quatro séculos de Brasil. O porto do Rio de Janeiro foi um dos principais portos de recebimento de negros e negras, de corpos negros do mundo, e nós temos, ainda hoje, o maior número de corpos, de ossadas de negros e negras da diáspora do mundo, inclusive por isso nós somos patrimônio internacional, registrados na Unesco, inclusive respondendo civil e criminalmente, por vários processos, pela negligência dessa história, do cumprimento de cuidado e manutenção desse patrimônio e desse legado.
Ainda nessas entranhas, sem nós nos dedicarmos à família de Moïse, ao legado de problemas que nós teremos inclusive na condução não só da resolução do caso, na resolução do crime, mas nos desdobramentos sociais, nos desdobramentos psicossociais de um crime bárbaro como esse, nós falamos daqui do Estado do Rio de Janeiro das chacinas, dos nove tiros em Marielle Franco, dos 80 tiros em corpos negros de um músico, da perda de crianças. O Rio de Janeiro, o Estado do Rio de Janeiro é o estado que mais mata jovens de 6 a 19 anos do Brasil - e a gente precisa falar disso -, que são corpos majoritariamente negros, que são corpos majoritariamente periféricos.
O Estado do Rio de Janeiro precisa ser uma lente de aumento dos nossos problemas dramáticos e, em que pese essa necessidade, Senador, estão orbitando prioritariamente, na minha opinião, no debate racial e na ausência do debate racial, na construção de políticas públicas para isso, na construção de resposta a esses crimes. Não é a ausência de casos exemplares que o Estado do Rio de Janeiro vive. "Ah, nós não sabemos lidar com crimes hediondos, com recorte xenofóbico e com recorte de racismo"; é equivocado falar isso.
Não há uma exceção à regra no caso de Moïse; esse crime é praticamente banal no cotidiano do Rio de Janeiro. E não há hoje, ainda, no Rio de Janeiro, uma política de Estado, uma política municipal que seja de acolhimento a vítimas de violência de Estado, de acolhimento a vítimas de violência urbana com recorte racial. A família de Moïse viverá de doações? A família de Moïse irá passar por acolhimento psicológico durante quanto tempo? O Prefeito doa a cessão do quiosque como se isso fosse o máximo que um chefe de Estado, que um símbolo do nosso Estado brasileiro pudesse fazer.
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O Governador do Rio de Janeiro fez uma chamada de telefone com a família de Moïse, sem sequer falar das suas responsabilidades públicas não só com a família de Moïse, mas com todos os refugiados e todos os imigrantes que aqui estão.
Não há custeio no Brasil que dê conta do déficit habitacional dos nossos imigrantes, dos nossos refugiados. Os nossos refugiados estão em favelas majoritariamente - isso precisa ser dito -, estão em coabitação, estão em moradia inadequada, estão na base de sustentação da precarização do trabalho. O Sr. Lucas Fernandes tem total razão. Independentemente dos seus saberes adquiridos aqui ou adquiridos nos seus países de origem, muitos dos imigrantes e dos refugiados que aqui estão no Brasil têm nível superior, e isso é totalmente retirado de suas possibilidades de ascensão no mercado de trabalho e de estabelecimento do exercício de suas profissões.
Para encerrar, passando para a família, é fundamental que o Ministério Público também se atente às relações dos patrões desses quiosques com a milícia e com os poderes narcomilicianos dos territórios do Rio de Janeiro. Claro que nós queremos que os agressores diretos, aqueles que estão nos vídeos... Vídeo esse que precisa, sim, ser visto pela família, por todos os integrantes dessa investigação na sua íntegra e não editado de forma leviana como vem sendo editado e publicado nas redes sociais e nos veículos de comunicação. Há uma tentativa de desconstrução da imagem e da memória de Moïse que precisa ser investigada a fundo, porque, na verdade, o que querem é proteger e defender os patrões com entranhas e relações diretas com as milícias do Rio de Janeiro.
E, vejam, estamos falando aqui direto da Câmara de Vereadores do Rio, onde nós já perdemos uma Parlamentar executada para esses poderes narcomilicianos, e nós não podemos recuar nesse debate. Os Parlamentares brasileiros não podem recuar e ficar calados frente à milicialização dos territórios, principalmente do Rio de Janeiro, que tem ligação direta com o poder que está colocado e inclusive com o poder que está na Presidência da República. As nossas instituições precisam ser altivas e dar um recado a todos aqueles que se constroem na base dos genocídios da nossa população, dos genocídios dos nossos trabalhadores e da negação e do arrancamento dos nossos direitos.
Moïse não é uma exceção. Moïse faz parte dos 75% de brasileiros pretos e mestiços que trabalham cotidianamente, ganham de zero a seis salários mínimos, estão nas periferias, estão nas favelas, nas quebradas, se organizando, entendendo a importância da comunidade.
Eu quero encerrar a minha fala falando do papel imprescindível da comunidade congolesa, que se levantou, que se organizou num ato importantíssimo aqui na cidade do Rio de Janeiro, que convocou a sua embaixada. Quero reforçar aqui o papel da Embaixada da República Democrática do Congo, com a qual estamos diretamente construindo um diálogo para que não tenhamos mais moïses e que tenhamos finalmente uma política integral - federal, estadual e municipal - de defesa e garantia dos interesses e dos direitos dos refugiados negros e brasileiros.
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Obrigada demais, Senador! Obrigada demais, família! Estaremos aqui atentos às investigações e aos desdobramentos necessários no campo da política pública.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado.
Vamos agora ouvir a palavra do Djodjo Kabagambe.
Eu queria apenas informar que não está presente aqui a representação da Embaixada do Congo. Nós fizemos, inclusive, o convite para que aqui pudessem participar. Não foi, de forma alguma, qualquer tipo de omissão por parte das duas Comissões. Quero registrar aqui, inclusive, que esta audiência só está sendo possível porque o nosso querido Senador Paulo Paim, juntamente com a nossa assessoria aqui da CDH, ele que preside a Comissão dos refugiados, praticamente organizou boa parte deste evento, não é?
Eu queria fazer três registros. O primeiro: a força do discurso da Vereadora Tainá, a denúncia grave que ela reitera, porque já foi feita, de que a narcomilícia - como ela se referiu - tem vinculações diretas não somente com aquele tipo de comércio, com a ocupação daqueles espaços, como, ao que tudo indica, tem participação nesse crime bárbaro que foi cometido.
Queria também registrar aqui que ontem foram comemorados os 113 anos do nascimento de D. Helder Câmara, que foi para todos nós um exemplo muito importante da luta de defesa dos direitos humanos.
E queria também informar, vou depois fazê-lo com mais detalhes, a presença aqui, na semana passada - eu tive a oportunidade de receber na condição de Presidente da Comissão de Direitos Humanos - da subcomissão de prevenção a tortura e maus tratos às pessoas privadas de liberdade, que faz parte da comissão que trata do protocolo opcional contra tortura e maus tratos, enfim, às pessoas privadas de liberdade, da Organização das Nações Unidas. E aqui vieram no sentido de tomar conhecimento de denúncias relevantes que foram feitas em relação ao Governo brasileiro, especialmente pela fragilidade do funcionamento do Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura, que se ressente de um apoio não somente material, mas especialmente político, para cumprir com o seu papel. Mas depois eu poderei dar mais detalhes.
Eu vou passar a palavra ao Djodjo Kabagambe para que ele possa falar na condição de familiar sobre esse episódio.
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E também passo aqui, de imediato, para que a gente possa dividir este trabalho nesta sessão conjunta, a Presidência ao Senador Paulo Paim, e continuarei aqui acompanhando o desenrolar da reunião.
Djodjo Kabagambe, com a palavra.
O SR. DJODJO KABAGAMBE (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos!
Não vou falar muitas coisas, mas nós, a família, estamos pedindo mais é a justiça para o nosso irmão. Sabemos muito que tem muitas coisas escondidas por trás disso e tem mais participantes que não estão presos, que estão sendo protegidos. E a gente está pedindo ajuda de todos, principalmente da polícia, para que possa liberar o vídeo total, todos os vídeos que a gente viu na Delegacia de Homicídios, para que possa ver que tinha mais pessoas que participaram. E queremos todos presos, que todas as pessoas que fizeram isso com o nosso irmão sejam presas por isso.
Eu falo obrigado a todos que estão aí, que estão nos ajudando, e vou passar a palavra para o meu tio também, que quer falar um pouco disso.
O SR. YANNICK KAMANDA (Para expor. Por videoconferência.) - Assim como o Djodjo acabou de falar agora, a gente agradece muito tudo o que está sendo feito, mas o principal, que é a justiça, não está sendo feito.
Eu assisti, sim, ao vídeo dentro da Delegacia de Homicídios, junto ao delegado, mas eu queria saber por que o delegado tinha pedido para deixar isso no sigilo, um ato de tanta barbaridade, tão cruel. Depois que não fiquei no sigilo, editaram o vídeo. Nem o nosso advogado tem direito à integridade do vídeo, porque, vendo a integridade do vídeo, vocês verão, simplesmente, que há, sim, participação de outras pessoas, tanto em qualidade de omissão de socorro e de agressões. Mas esse vídeo aí não está aparecendo e isso não está nos deixando seguros, porque, sem a prisão de todos os envolvidos, a família não se sentirá segura.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - O.k. Muito obrigado a ambos. Esperamos que, na próxima semana, se tudo der certo e as duas Comissões de Direitos Humanos, da Câmara e do Senado, forem ao Rio de Janeiro nessa diligência, possamos encontrar com a família e ouvir esse relato. Esta denúncia é muito grave: a de que pode ter havido uma edição dos vídeos que estão sendo divulgados. E nós poderemos lá in loco trocar algumas ideias importantes, reunir essas denúncias e novamente trazer para o Senado Federal e para a população brasileira.
Meu caro Paim, com a palavra e a direção dos trabalhos para dar seguimento à nossa audiência pública.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Presidente Humberto Costa, nossos queridos convidados e convidadas, é um prazer enorme ouvi-los, prazer e tristeza por tudo o que vem acontecendo no nosso país em relação aos refugiados, imigrantes, negros, negras, LGBTI+; enfim, infelizmente, hoje os setores mais vulneráveis na sociedade.
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Falta uma fiscalização devida quanto ao trabalho escravo. Esse caso é um caso específico de trabalho escravo e, como escravo, ele foi tratado: amordaçado, sufocado, espancado, amarrado e assassinado. Essa é a realidade do nosso Brasil. Por isso esta audiência pública que hoje realizamos teve o apoio fundamental do Movimento Negro brasileiro, que se mobilizou, se articulou. As entidades convidadas, todas, estão aqui. Então, de forma muito carinhosa, eu queria agradecer a todos os convidados que estão aqui, aos que falaram até o momento e aos outros que vão falar na sequência.
É um momento, de fato, cada vez mais difícil. Um dia eu estava presidindo uma sessão no Plenário do Senado sobre, exatamente, o combate ao racismo, ao preconceito, à discriminação, à covardia com que agem neste país em relação às mulheres também - o feminicídio aumenta todos os dias -, e uma cidadã cigana me disse: "Não esqueça, Senador, dos ciganos, invisíveis". A partir daí eu trabalhei também - está quase pronto, vamos votar aqui na CDH - o Estatuto do Cigano. Mas eu guardei muito esta palavra: "invisíveis". Há setores da sociedade que infelizmente são tratados como invisíveis, e alguns acham que eles não têm direito nenhum, por isso esta bela reação.
Cumprimento todos, especialmente você, Humberto Costa, porque a Comissão de Refugiados teve que se socorrer desta articulação com você para podermos realizar esta sessão hoje. Você, de pronto, disse "vamos aprovar e vamos fazer conjunta", e já apresentou requerimento, inclusive, para ir ao Rio de Janeiro. Tenho certeza de que estarei no Sul e não poderei ir, mas um representante da nossa Comissão... Eu a presido ainda, a Bruna Furlan é a Vice-Presidente e o Túlio Gadêlha é o Relator. Naturalmente um membro da Comissão de Refugiados vai acompanhá-lo também no Rio de Janeiro.
Então ficam aqui os meus cumprimentos a todos os funcionários da CDH, da Comissão de Migrações e Refugiados e ao próprio movimento sindical brasileiro. Saibam que o movimento sindical brasileiro chegou aqui para mim agora... São mais moções de apoio a esta luta de todos nós de combate ao preconceito, ao racismo e à questão dos refugiados.
Permitam-me que eu faça aqui cinco minutos do meu pronunciamento em nome da Comissão, mas numa visão humanitária que todos nós temos aqui neste momento. Enfim, farei aqui a minha fala em nome da Comissão de Refugiados de forma muito resumida.
Meus amigos, minhas amigas, meus queridos convidados, familiares que já usaram aqui da palavra, nós temos uma sociedade que caminha para a desumanização quando as consciências se esvaziam. Faço a mim muitas vezes a pergunta que deixa inquietações: o que está acontecendo com o nosso país? Em vez de avançar, está piorando! É o que estamos vendo nos últimos tempos.
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Ao que percebo, estamos num labirinto de intolerâncias, sugados pela verve do ódio, da violência, trancafiados na nossa própria solidão, onde até a vacina é negada. Agimos com um objetivo pouco nobre e de forma vil a nutrir a desesperança da nossa gente. Ora, a esperança é o que dá sustentação à justiça e às mudanças. Permitam que eu cite aqui Santo Agostinho, independentemente da religião de cada um de nós: "A esperança tem duas filhas, a indignação e a coragem", que vocês todos estão demonstrando aqui. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las.
Perdão! Perdão peço aqui neste momento, no Plenário do Senado da República, aos que escolheram o Brasil para viver e não foram acolhidos. Estão sendo machucados, torturados e assassinados.
Amigos, as nossas ignorâncias só destroem a humanidade - a própria humanidade, que devia estar dentro de cada um de nós. Temos que resgatar a nossa compaixão para sentir o sentimento e as dores dos outros. Só quem é negro sabe... E os negros que estão aqui, com todo o carinho e a solidariedade dos brancos... Eu acredito numa outra sociedade onde negros e brancos caminhem juntos, como estamos aqui neste momento. Mas só os negros e negras sabem como dói o racismo - como dói o racismo! -, e que aqui nós temos hoje a aprofundar.
Ah, sim... Não podemos abdicar do amor, pois é tão somente ele que dá significado à vida. Mas as pessoas entenderam que amar é errado e odiar é o certo. É triste que eu diga isso. O ato de abrir os braços e acolher quem precisa de um dos mais belos sentimentos que é o acolhimento... Os refugiados, por exemplo... Há milhares de refugiados e imigrantes no Brasil. A maioria não tem direito algum, nem sequer a documentos. A Comissão tem discutido isso, a Comissão tem viajado pelo país. É triste essa realidade. Não têm emprego e renda, moram na rua ou em sub-habitações, são discriminados, perseguidos, sofrem preconceito e racismo, não têm segurança alguma.
Está aí o fato: o congolês Moïse Kabagambe, que trabalhava em um quiosque na Barra da Tijuca - meu Deus do céu! -, na nossa linda cidade do Rio de Janeiro, foi morto a paulada! Ah, como foi triste ver aquele vídeo! Pode ser montado, mas o que nós vimos já foi de chorar. Muita gente chorou, com certeza. Foi morto a paulada porque cobrava duas diárias do seu trabalho. Olhem só: morto por R$200, R$300, R$150? Mataram-no por causa disso.
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A Embaixada do Congo no Brasil informa a esta Comissão que não é só esse caso, mas são inúmeros os casos - inúmeros, inúmeros os casos - que acontecem com refugiados neste país. Diz o representante do Congo: "Quanto aos compatriotas nossos que foram brutalmente assassinados no Brasil, aguardamos os resultados das investigações policiais", fecho aspas.
Triste a rotina do nosso país, que a cada dia amanhece com uma notícia de assassinato. Se nós fôssemos aqui lembrar, e eu volto sete dias atrás, eu tenho condição e vocês têm condição de lembrar de, no mínimo, um caso por dia - no mínimo, um por dia - de espancamento, de tortura, até quando se entra no supermercado, quando se entra em qualquer lugar para fazer uma compra. Eu não quero entrar no detalhe, mas, um dia, um filho meu entra num shopping e é simplesmente colocado na parede pela segurança. Se não fosse um coleguinha dele, branco, intervir, o que poderia ter acontecido? Triste! Triste a realidade do nosso país! Triste quando a gente tem que dizer para os nossos filhos: se cuidem muito ao andar nas ruas da nossa cidade, seja em qualquer estado do nosso país. Muito triste!
Enfim, nós estamos aqui hoje para fazer este debate. E o debate está sendo feito de uma forma muito qualificada. Por isso, fiquei aqui assistindo com orgulho da gente brasileira que aqui vocês representam, todos vocês - todos vocês -, com equilíbrio, com tranquilidade, com firmeza e com coragem, a situação dos negros, dos refugiados, dos migrantes, dos pobres, dos ciganos, dos LGBTQI+, das mulheres, das crianças.
Olhem o caso do Durval! Não há como nós não ampliarmos um pouquinho, pelo menos. Durval Teófilo Filho, de 38 anos, trabalhador, negro, pai de família, morava num condomínio, o que se subentende que tinha certa proteção, foi morto a tiros na semana passada, ao chegar em casa, em São Gonçalo, também Rio de Janeiro, por um vizinho - e não digo com satisfação, não, porque eu tenho o maior respeito à Marinha, fizemos um grande debate com a Marinha na questão do Almirante Negro, que conseguimos aprovar no Senado para que ele entrasse para o rol dos heróis da pátria -, um sargento da Marinha, que disse que o confundiu com um bandido. Deu um tiro e, com ele já no chão, deu dois e deu três. Essa é a realidade nua e triste.
Temos que dar um basta em tudo isto: nesses crimes e impunidades, descasos. É uma vergonha para o mundo. Estamos aqui, claro, para debater tudo isso. Estamos aqui para defender a vida, o direito de viver em paz - como cantava Victor Jara, o direito de viver em paz.
O Ministério da Justiça, por meio da Coordenação-Geral, diz que, para o Conare, de 2011 a 2020, 53.383 mil pessoas, 54 mil pessoas foram reconhecidas como refugiados no Brasil, dos quais 1.050 eram congoleses.
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Todos os anos milhares de refugiados imigrantes chegam ao Brasil. São de diversos países: Venezuela, aqui já citada, Síria, Congo, Haiti, entre muitos outros. Eles não vêm porque resolveram abandonar sua pátria; eles vêm devido às guerras em seu solo natal, pandemias, fome, falta de água, perseguições políticas, discriminações religiosas, mudanças climáticas... Quantos brasileiros não estão no mundo? Quantos milhões? E nós não gostaríamos que eles fossem tratados com carinho e com respeito? Não é o que acontece.
Segundo o relatório semestral de 2021 da Acnur - ONU, houve um deslocamento forçado global, ou seja, um aumento acentuado em relação aos 82,4 milhões de pessoas relatadas no final de 2020 - 82,4 milhões de pessoas. O número de solicitantes da condição de refugiado sobe todos os anos. Todos os anos, milhões.
Enfim, meus amigos, eu termino aqui. Sigamos em frente. Esperançar é preciso. Resistir é preciso. As políticas humanitárias precisam avançar no Brasil e no mundo. Um país que respeite a democracia, as diferenças, as adversidades e os direitos humanos. Façamos a boa luta contra as injustiças, a desigualdade e o racismo. Sejamos todos antirracistas, sejam brancos, negros, imigrantes. Para isso precisamos viver e discutir, como disse o Humberto aqui, os nossos silêncios - não de todos nós -, este silêncio, para assim gritarmos e agirmos em defesa das causas justas.
Podem crer: não nos intimidarão! Eu sei que a Vereadora que falou aqui está sendo ameaçada. Vereadora, aceite a solidariedade, mas também a ação por parte das instituições em relação à sua segurança. Jamais conseguirão calar a nossa consciência.
Peço desculpa se falei um pouquinho demais, mas o que acontece no Brasil hoje é de choro, mas é de raiva também, é de indignação, é de firmeza e de coragem. E não vamos nos intimidar. Essa luta há de continuar.
Meus parabéns a todos vocês!
Obrigado, Humberto, pelo tempo que me concedeu para que eu falasse um pouco desse tema. E, seguindo a sua orientação, eu peço, nesse momento, que use a palavra, da mesma forma como Humberto orientou, e muito bem, até o momento, o nosso querido Bernardo Laferté, Coordenador-Geral do Comitê Nacional para Refugiados (Conare) e representante do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O SR. BERNARDO LAFERTÉ (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigado, Sr. Senador.
Gostaria de cumprimentar tanto o Senador Humberto Costa, quanto o nobre Senador Paulo Paim.
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Ademais, aproveito para cumprimentar todos os presentes, tanto os participantes aqui na audiência quanto os ouvintes, na pessoa da nacional congolesa Gaelfie Ngouaka, que aqui, entendo, representa o público migrante refugiado no Brasil perante a audiência.
Na oportunidade, também presto minhas condolências à família do nacional congolês Moïse Kabagamge, na pessoa do seu irmão, aqui também representado, o Djodjo Kabagamge, ou melhor, Kabagambe. Permitam-me a correção. Peço perdão pelo equívoco.
Tenho acompanhado os debates e as apresentações de todos e não só tento trazer parte da minha história. Eu digo que nasci no Brasil, um país de paz, em um tempo de paz. Eu não sei o que é guerra. Eu não sou refugiado, sou brasileiro, mas tenho muito orgulho de estar nesta posição - já estou, há um pouquinho mais de quatro anos, à frente da Coordenação-Geral do Comitê Nacional para os Refugiados - e aqui estou porque o Brasil recebeu minha avó e meu avô, minha avó fugida da Guerra Civil Espanhola e meu avô um então cidadão francês que veio para o Brasil como apátrida e que aqui viveu sem nacionalidade até o final da sua vida. Então, pelo fato de o Brasil ter acolhido os dois, sendo os dois fruto da Convenção de Genebra, de 1951 - a realidade deles foi o que terminou esculpindo a Convenção de 1951 -, eu tenho muita honra em estar nesta posição neste momento. É um momento que não é só do Brasil; eu entendo que é um momento do mundo.
Nós estamos, em mais um ano, batendo recordes de deslocamentos e recordes de conflitos. Se, no começo da década, imaginávamos que teríamos uma década de paz, isso já se provou como um grande engano. Não param de eclodir conflitos. O mais famoso, talvez, o da Síria, não foi o mais mortal ou o mais letal e está longe de ser o pior conflito em termos proporcionais da população, mas, certamente, foi o mais conhecido, com grande impacto sobre a imprensa e sobre o território europeu, o que deu mais potência para esse conflito.
Aqui perto, a gente não pode fechar os olhos para a Venezuela. Temos que entender que hoje o maior contingente de migrantes refugiados do Brasil é de binacionais e irmãos venezuelanos, que encontraram aqui, mesmo com todas as nossas dificuldades, uma oportunidade de reconstruir suas vidas.
Eu fico muito feliz de falar da Operação Acolhida, operação que vai completar agora quatro anos, neste Carnaval. São quatro anos de uma operação em que a gente teve a oportunidade, enquanto sociedade brasileira, de oferecer uma reconstrução para os irmãos venezuelanos, de oferecer um recomeço em vários aspectos da vida deles.
Aqui cito um dos pilares da Operação Acolhida, que é a estratégia de interiorização. O Procurador do Trabalho Dr. Lucas até rememorou a questão da interiorização, que aqui é um dos pilares da Operação Acolhida, que já pôde realocar para o território brasileiro mais de 50 mil venezuelanos. Mas eu recordo: passaram pelo Brasil quase 400 mil, cerca de 400 mil venezuelanos. Nós temos hoje no Brasil cerca de 160 mil, 170 mil venezuelanos com autorização de residência já deferida e 50 mil já com refúgio reconhecido, mostrando que estamos atentos a todo esse movimento. A estratégia de interiorização é um dos aspectos de toda a operação, é uma das saídas para a solução do problema, que hoje se dá majoritariamente em Roraima, mas não só, porque também já atinge o Estado do Amazonas e, principalmente, partes começam a ter mais efeitos sobre o Estado do Pará e alguns outros estados. Mas me parece a solução mais adequada encontrada na gestão de fluxo migratório.
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Eu tenho muita honra em falar também porque este é um dos aspectos que o Brasil serve de luz para o mundo: como fazer a melhor gestão do fluxo migratório, um fluxo massivo, inesperado e em que a gente não tem controle sobre a entrada? Os imigrantes vêm, os venezuelanos vêm, dada a situação ali do país.
Aqui eu quero chamar atenção também para medidas dos anos recentes que ora estão relacionadas apenas ao Conare; ora, a todo aspecto do sistema migratório no país. Eu queria chamar atenção aqui para três categorias de visto, subcategorias do visto humanitário, que nós temos presentes - o mais recente deles é o visto humanitário para nacionais afegãos. Quero também lembrar do visto humanitário para pessoas afetadas pelo conflito sírio, que foi primordialmente editado em 2013 pelo Conare, na época ainda da vigência do Estatuto do Estrangeiro, em 2019, foi transformado, aí sim, no que a Lei de Migração criou: o visto humanitário para pessoas afetadas pelo conflito sírio. O indivíduo já vem beneficiado pelo visto, que, aqui no Brasil, é transformado em autorização de residência, de uma forma prática, descomplicada, segura e, mais importante, rápida. O terceiro visto humanitário que eu gostaria também de lembrar é para os nacionais haitianos. Já temos mais de uma década em que o Brasil oferta tanto visto humanitário quanto autorização de residência humanitária para nacionais haitianos aqui no nosso país, formando o segundo maior contingente migrante dentro do Brasil, com uma grande taxa de sucesso da integração, especialmente, eu diria, nos três estados do Sul - Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul -, com uma migração muito interessante, voltada para o interior e não para as capitais. Então, é uma comunidade que se espalha bem no território e se integra bem às suas localidades, tendo um contingente numérico aqui significativo para o Brasil.
Não paro nos três vistos humanitários, mas eu entendo que é importante ressaltá-los até pela natureza do que são. Tanto o visto quanto a autorização de residência humanitária são completamente revestidos do viés humanitário, seja pelo que já foi aqui lembrado dos critérios de reconhecimento da condição de refugiado, que muito se amoldam ao visto tanto do Afeganistão quanto da Síria, seja por questões de deslocamento por razões naturais, como o que seria mais afeto ao Haiti. O fato é que o visto e a residência humanitária estão muito ligados a um caráter humanitário do tratamento do fluxo migratório.
Além disso, outras medidas dos anos recentes dizem respeito às edições de autorização de residência para grupos coletivos de migrantes que já estejam no Brasil. Aqui, em 2019, foram editadas três portarias dando autorização de residência para nacionais do Senegal, nacionais da República Dominicana e nacionais de Cuba que participaram do Programa Mais Médicos. São todas respostas dentro do sistema migratório, mas que muito auxiliaram o sistema de refúgio brasileiro também.
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Além disso, eu citaria aqui uma resolução conjunta, tanto do Conare quanto do Conselho Nacional de Imigração, que permitiu a autorização de residência para solicitantes de refúgio que estivessem no Brasil por questões laborais, ou seja, que estariam no Brasil por questões não necessariamente ligadas ao refúgio e já estivessem integrados no mercado de trabalho.
Ainda sobre ações no âmbito do Ministério da Justiça, eu gostaria de citar o edital do Migrajus, em que pela primeira vez o Governo Federal disponibilizou R$2 milhões para a sociedade civil. Então, foi uma ação que não foi inédita no sentido de abrir concorrência para a sociedade civil - nós já tínhamos outra experiência, acumulamos experiência nos últimos seis anos, desde a edição do Mrosc (Marco Regulatório da Sociedade Civil) -, mas foi a primeira vez que o valor atingiu R$2 milhões e conseguimos abrir um edital visando selecionar cinco entidades, uma em cada região do Brasil, uma por cada macrorregião. No final, a seleção acabou que não foi possível, não tivemos candidaturas para todas as macrorregiões vencedoras, mas conseguimos indicar cinco entidades da sociedade civil vencedoras do edital. Então, pela primeira vez, reitero, foram R$2 milhões diretamente para estimular projetos da sociedade civil que visam, primordialmente, à integração da população migrante refugiada no Brasil, espalhada pelo território, entendendo que a seleção objetivou pinçar uma entidade em cada macrorregião do Brasil. Então, eu acho que isso é inédito, vale a pena a gente reiterar e fica como um modelo, para os anos futuros, de exemplo de ação de política pública em que a gente pode, enfim, trabalhar com outas modelagens, sem descaracterizar o serviço prestado pela sociedade civil e dando o mérito que eles merecem, que eles precisam nesse primeiro passo da integração.
Acho que aqui vale uma grande reiteração de uma ação coordenada pelo Ministério da Justiça...
Se eu puder ter um acréscimo... Se não, eu já vou me direcionando para o final da fala.
Por fim, eu quero aqui reiterar que desde 2019, em 2019 especialmente, o Comitê Nacional para os Refugiados reconheceu cerca de 20 mil indivíduos com a condição de refugiado. Isso representou praticamente o dobro de todo o histórico dos anos anteriores, de 1997 até 2019, da existência do Conare. Então, em um ano, a gente dobrou o histórico de 21 ou 22 anos de existência do comitê. Em 2020, conseguimos mais cerca de 20 mil reconhecimentos da condição de refugiados, e hoje nós temos aproximadamente 50 mil venezuelanos e 11 mil nacionais de outras nacionalidades, enfim, reconhecidos com a condição de refugiado, indicando que o Conare está, sim, atento não só aos fluxos migratórios que vêm ao Brasil como a todas as condições que cada fluxo tem.
E aqui decisões recentes do comitê que eu trago ao conhecimento de todos: o reconhecimento da grave e generalizada violação de direitos humanos não só na Venezuela - eu entendo que isso seja público e notório -, mas também em outros países, como Síria, Iraque e Afeganistão. O Conare, embora tenha o reconhecimento do inciso III para a Síria, no final de 2020, aproveitou para dispensar a entrevista de elegibilidade, tornando o processo de reconhecimento da condição de refugiado mais simples e, o mais importante, mais célere, com uma resposta mais célere para essa população. Acaba que, enfim, beneficia uma população específica, mas todos que estão na lista do Conare aguardando decisão acabam sendo beneficiados, porque a gente consegue acelerar e simplificar uma outra decisão.
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Considerações que eu trago aqui para todo o debate: todo imigrante e refugiado que chega ao Brasil eu digo que passa por todos os aspectos da vida de qualquer ser humano, seja na parte de educação, cultural, saúde, laboral, melhor idade. Todos os aspectos do ser humano o migrante, o refugiado também vai ter, com duas principais diferenças: a principal delas é cultural, nem sempre vai nos entender enquanto sociedade, teremos algumas diferenças culturais e da forma de pensar; a segunda delas pode ser o idioma - eu digo pode ser porque existem alguns países que têm o português como primeira língua -, e aí acaba sendo uma barreira adicional na integração dos migrantes e dos refugiados. E o que me parece o grande desafio é a gente pensar em política pública de forma transversal. Eu não posso falar de saúde exclusivamente para brasileiros, eu preciso entender que há um público migrante e refugiado. E aqui eu falo isto para todas as políticas públicas, seja cultural, laboral, educacional: a gente tem que integrar, no âmbito de cada política, o migrante e o refugiado que aqui vivem, esse é um desafio. O primeiro que eu diria é que hoje, talvez em termos proporcionais, há pouca visibilidade do migrante e do refugiado: 0,45% da população que vive no Brasil; cem anos atrás, eles representavam 20% da nossa população. Então, de 20% da população que eram migrantes e refugiados, passamos a 0,45%, o que percentualmente é muito pouco. Apesar de ser aproximadamente 1 milhão numa população de 212 milhões, pode passar com pouca percepção, mas cumpre a nós, enquanto operadores da política migratória, explicar isso para todos os órgãos entidades, atores que trabalham com a política migratória. E aqui, quando eu digo todos, são absolutamente todos: prefeituras, estados, Governo Federal, Defensoria Pública, Ministério Público, sociedade civil. Quem opera, quem está na ponta operando qualquer política pública precisa entender que o "público" não é restrito aos brasileiros. Isso torna a nossa missão um pouco mais complexa, mas não faz dela uma missão impossível. Acho que essa é uma conclamação aqui para todos nós, seja no momento de pensar ou no momento de executar uma política pública específica.
Enfim, fico à disposição aqui. Em nome do Ministério da Justiça, agradeço a oportunidade de poder trazer elementos para os debates. Mais uma vez, reitero toda a consternação que a situação do Moïse nos trouxe, realmente o vídeo é muito bárbaro. Acho que temos que apreender o que o caso nos possibilita apreender para que a sociedade brasileira não repita isso. Mais uma vez, foi um incidente da sociedade brasileira, uma falha da sociedade brasileira que, enquanto sociedade, tem que aprender a corrigir e a frear esse tipo de ato. É uma responsabilidade social que cabe a todos nós independentemente da nossa posição, seja nos aparatos de Governo, na sociedade civil, nos órgãos de fiscalização, na imprensa... Não importa a nossa sociedade. Cabe a nós criar medidas de refração e de mitigação desse tipo de ação. Muito obrigado, desejo uma boa semana a todos e devolvo a palavra ao nobre Senador Paulo Paim.
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Obrigado e bom dia.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Obrigado ao Sr. Bernardo Laferté, Coordenador do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare).
Não vou fazer grandes comentários, só dizer que a realidade nua e crua é esse caso de ontem ou, se quiserem, o de hoje. Essa é a realidade dos negros e negras no Brasil, dos refugiados e imigrantes.
Com certeza, temos que fazer muito, muito, muito mais, porque senão os casos vão continuar se repetindo, seja em qualquer estado - no meu, por exemplo. Quem não lembra o caso aqui de Porto Alegre, quem não lembra o caso de Pernambuco, quem não lembra os casos da Bahia, quem não lembra os casos de São Paulo?
Vamos em frente. Eu passo a palavra agora à nossa querida Gaelfie Ngouaka, estudante da República do Congo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
O tempo é seu.
A SRA. GAELFIE NGOUAKA (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde a todos, bom dia a todos. Não sei se vocês estão me ouvindo.
Então, eu sou a Gaelfie Ngouaka, tenho 23 anos, sou estudante na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no curso de Saúde Coletiva, e atualmente sou estagiária na Secretaria de Saúde de Guaíba, uma cidade vizinha de Porto Alegre, na parte da vigilância sanitária.
No momento eu estou representando eu acho que dois grupos: o Bará, que é um núcleo de acolhimento de dissidentes, imigrantes e refugiados da UFRGS; e o grupo de pesquisa Intervires, em que a gente trabalha especificamente com uma outra pesquisa que é ligada à saúde mental da mulher imigrante no Brasil.
Primeiro, eu gostaria de dar um minuto de silêncio dado o motivo do Moïse, que é um assunto muito forte.
Então, vamos lá com um minuto.
(Faz-se um minuto de silêncio.)
A SRA. GAELFIE NGOUAKA (Por videoconferência.) - Está bom. Então, eu vou trazer, primeiro, um olhar bem psicológico como estrangeira e imigrante. Infelizmente, ao longo do tempo, percebemos que ainda a saúde mental do imigrante não é muito acessível.
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Então, bastantes imigrantes ainda não têm acesso à saúde mental por inúmeras razões, como questões financeiras, porque eles não têm como pagar um psicólogo, e sabemos que um psicólogo é muito caro, um atendimento psicológico é bastante caro e, muitas vezes, não têm como pagar; questões linguísticas entre o profissional e o paciente, porque, muitas vezes, eles não falam português, logo, não vão conseguir discutir entre eles; outra questão é a de não saberem que têm direito a um atendimento psiquiátrico ou psicológico, porque desconhecem totalmente o Sistema Único de Saúde e não sabem talvez que no SUS conseguem chegar e marcar com a saúde mental ou ainda solicitar um atendimento em saúde mental com psicólogo do posto de saúde; e há uma questão bem importante que é a relacionada ao trabalho, que é o trabalho escravo - muitas vezes, os imigrantes negros africanos e haitianos são submetidos a trabalho escravo na maior parte do tempo.
Eu vou focar na questão do trabalho, porque há um dos casos que nos trouxeram aqui, mais uma vez, que é a morte do Moïse. Eu tenho um relato da época ainda em que trabalhava como estagiária na Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, na Ouvidoria do SUS, em que recebi uma mulher de nacionalidade venezuelana, e ela me contou uma coisa que me tocou muito que acho importante trazer aqui. Apesar de ela estar trabalhando, na época, com carteira assinada, foi vítima totalmente de um trabalho, vamos dizer, escravo, mesmo tendo a carteira assinada, porque, durante a pandemia, trabalhou ela sozinha, numa padaria - ela sozinha, numa padaria! Uma mulher venezuelana trabalhou sozinha e ficou doente, psicologicamente falando e fisicamente, porque perdeu, inclusive, a possibilidade de poder usar suas mãos, porque não conseguia mais pelo tanto que trabalhou. Os outros que pegavam covid ficavam em casa, e o patrão achou interessante deixá-la largada, lá, sozinha, cuidando de uma padaria.
Ela chegou à ouvidoria chorando, porque, primeiro, não sabia onde ir e, segundo, queria ver realmente a questão das consultas dela, onde que estavam e tal. Aí, eu comecei a orientá-la, e ela me contou toda a história dela. E eu fiquei parada, porque fiquei assim: "Meu Deus, como que eu consigo ajudar essa mulher?". Bom, a minha ajuda foi simplesmente pegar e dizer: "Olha, há um sistema de saúde, ele funciona de tal forma. Que bom que você foi a um posto de saúde, mas aí continua. Você tem que fazer fisioterapia e, por favor, procure um acompanhamento psicológico, procure um acompanhamento psicológico, e é no posto de saúde!".
Esse é o relato de uma pessoa a que tive acesso pessoalmente, porque a atendi. Existem inúmeros outros e outros casos, infelizmente, de imigrantes que trabalham ainda em situação de trabalho escravo cuja saúde mental é afetada, e é afetada de forma muito forte, porque muitos entram em depressão, outros desenvolvem ansiedade, muitos desenvolvem crises de pânico, não conseguem mais conviver.
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E, além disso, temos que nos lembrar também da preocupação dos outros pais que estão do outro lado do mar, porque os pais lá também ficam preocupados. Eles não sabem como está o estado dos filhos deles, eles não sabem como eles conseguem se virar aqui, eles estão sempre, em todo momento, preocupados.
Eu vou lincar isso com a morte do Moïse. A morte do Moïse trouxe para a gente hoje o medo - o medo. E hoje eu, como mulher negra e imigrante, quando vejo um carro da PM, não vou do outro lado mais, eu troco de rua, eu faço a volta, porque eu não sei o que vai passar na cabeça dele. Vai que ele dá um tiro na minha cabeça também do nada! Hoje a gente vive com medo no Brasil.
O medo traz um travamento psicológico, mas também físico, porque hoje por medo eu não vou poder me expressar, hoje por medo eu não vou poder realizar minhas coisas, hoje por medo eu não vou poder viajar no Brasil como eu quero, porque vai que eu pare em São Paulo e mais uma vez me parem: "Por que você está ali? Por que você está assim? Mostre os teus papéis, faça isso, faça aquilo". O medo hoje te trava no local. O medo hoje faz que tu não consigas avançar, porque a sociedade brasileira é racista e está sendo cada vez mais cruel com os africanos e com os imigrantes aqui.
O Moïse foi um caso que foi filmado e foi mostrado, mas quantos foram mortos e não foram filmados? Eu demorei para raciocinar sobre isso. Eu levei tempo para poder falar. Aqui nas minhas redes sociais, eu não conseguia falar a respeito, eu não conseguia me expressar, porque era muito difícil para mim entender aquilo.
Eu saí do meu país para poder estudar e eu me deparo com uma realidade dessa, me deparo com uma realidade tão forte, em que, como imigrante, eu estou sendo ameaçada. E, infelizmente, o Governo brasileiro ainda está fechando os olhos a respeito. Infelizmente, temos um Presidente da República que deveria se pronunciar, que deveria falar a respeito e ficou quieto, não é? Cadê o Governo brasileiro frente ao caso do Moïse? Mas não é só frente ao caso do Moïse, é frente a outros casos que aconteceram com outros imigrantes, com outras mulheres imigrantes que hoje trabalham de forma escrava. A legislação brasileira protege, sim, o trabalhador, mas cadê essa legislação na frente do trabalho imigrante? Onde ela atua? Como ela atua com a população imigrante? Porque a gente ainda não está vendo isso. E são muitos casos, muitos casos e muitos, muitos casos.
O acompanhamento psicológico ainda é cada vez mais presente, porque a gente morre de saudade, a gente morre de tudo. A gente está ali, sai na rua e se depara com uma realidade e, psicologicamente, está abalada. A discriminação racial afeta, sim, o psicológico da gente, afeta, sim, a nossa história, afeta, sim, o nosso convívio na sociedade, porque a gente não consegue conviver. Tu sais para trabalhar, tu estás dentro do ônibus, tu estás reprimida. Tu chegas ao trabalho, tu tentas um pouco se sentir feliz, mas tu sais de novo na rua, tu estás de novo reprimida. E, quando tu chegas em casa, tu estás totalmente abalada, porque tu te perguntas: vai que um dia alguém decide do nada me dar um tiro?
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Como foi falado pelo Senador Paulo, ele foi confundido com um bandido. Gente, a gente sempre é confundida com bandido! Sempre! Sempre é o bandido ou sempre é... Sempre é o bandido, porque, se fosse um homem negro, de cabelo branco ou azul, será que ele seria confundido com o bandido? Ou, se o Moïse fosse um francês de cabelo loiro, será que pagariam para ele esse valor de dois dias de trabalho?
Então, eu acho muito importante, mais uma vez, que o caso do Moïse seja bem esclarecido frente a toda população imigrante, frente a toda população brasileira e, além disso, que essa família tenha um acompanhamento psicológico bem presente. E que não seja só o caso do Moïse que seja resolvido, mas que seja o caso de outros congoleses que morreram, haitianos que morreram, venezuelanos que morreram, e que as políticas públicas de saúde sejam estabelecidas para a população imigrante, incluindo o haitiano, o venezuelano, o sírio, todos, porque isso falta aqui no Brasil. Eu senti falta disso, eu senti falta de um acompanhamento. Eu senti falta, ao chegar na Polícia Federal, e não vir ninguém me atender em francês, por exemplo; chegar lá e não ter isso. Então, que isso seja estabelecido, sim.
Eu acho que é isso. Eu deixo as minhas palavras aqui.
Obrigada pelo convite. Obrigada pelo local, pelo espaço. E, mais uma vez, seguimos em frente com essa luta diária.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, querida Gaelfie Ngouaka, estudante da República do Congo aqui no meu Rio Grande do Sul, da universidade federal. (Pausa.)
Que a tua emoção - por isso me segurei um minutinho -, com as lágrimas que daqui eu vi rolando, consiga mexer em grande parte das autoridades do nosso país. Guardem algumas palavras que você usou, que eu vou só repetir aqui: fiscalização para combater o trabalho escravo. Por que reduziram os investimentos? Os auditores-fiscais do trabalho sabem o que eu estou dizendo. Praticamente eliminaram a força dos auditores-fiscais do trabalho.
Você falou muito a palavra medo. Corretíssimo! É isso mesmo, é medo. Quem não tem medo quando vê que tantos e tantos estão sendo assassinados, roubados, presos, colocados não sei onde? A palavra é medo. Sim, é triste a gente dizer que tem medo de falar, medo de sair. Tem que orientar os filhos a ter medo. Infelizmente, é isso.
Você falou no trabalho. Tem que ter o direito de trabalhar, viver, ter onde morar, poder estudar, fazer deste país a sua pátria também. Por que não? Nós todos, de uma forma ou outra, viemos de outras partes do mundo. A verdadeira tortura que acabam sofrendo e o racismo, não é? Porque, quando se fala na questão do refugiado, do imigrante, se vocês olharem, como você falou, um tratamento é dado para o negro e para o não negro é outro. Você tem colegas que vieram de outros países: vamos ver se eles sofrem aqui no Brasil o mesmo tratamento que é dado aos negros.
Mas vamos em frente. Parabéns, parabéns, parabéns, parabéns! Se eu estivesse ao vivo, eu iria bater palma de pé pela sua fala e a de todos aqueles que foram na mesma linha em que você foi.
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Como nossa última painelista, vamos passar a palavra à nossa querida OAB. Eu sou muito fã da OAB, sempre fui. Eu farei 72 anos agora em março, o que significa que, quando se deu o golpe militar, eu tinha 14 anos. E, com 16 anos, eu já era secretário-geral de movimento sindical - 16 para 17. Eu fui encarregado de levar documentos para o exterior para verem lá o que estava acontecendo aqui e fui preso em São Paulo. Sabem quem me libertou? Dois estudantes, dois advogados, carteirinha da OAB na mão, advogados recém-formados: "Não, vão ter que soltá-lo. Não tem nada a ver". Deixei lá o dossiê, mas o dossiê ficou na cabeça, e eu fui para a Europa falar o que estava acontecendo no Brasil. Então, muito carinho sempre para a OAB.
E, com satisfação, eu passo a palavra ao Dr. Álvaro Quintão, Secretário-Geral da OAB do Rio de Janeiro, a qual vem estudando e acompanhando esse caso e outros, com certeza. O tempo é seu.
O SR. ÁLVARO QUINTÃO (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos, bom dia a todas!
Obrigado, Senador Paulo Paim, pela oportunidade de poder trazer um pouco de reflexão e um pouco do que vem acontecendo de fato no Rio de Janeiro não apenas no caso do Moïse, mas no de tantos outros.
Além de Secretário-Geral, eu sou o Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB do Rio de Janeiro. E, através da comissão, a gente vem acompanhando toda essa tragédia que se abateu sobre o nosso Rio de Janeiro.
O caso Moïse - infelizmente, é necessário falar isto - só teve a repercussão e só está tendo o desfecho que todos nós esperamos, com a identificação dos responsáveis - e não apenas daqueles que já estão presos, mas de todos os envolvidos -, depois que a sociedade de fato se mobilizou. O espancamento físico do Moïse, que o levou à morte, aconteceu no dia 24 à noite. Somente no sábado seguinte, depois de a família e membros da comunidade congolesa se manifestarem, organizarem manifestações na praia, ou seja, entre outras palavras, incomodarem os banhistas, é que a polícia de fato passou a se mobilizar. No dia seguinte ao espancamento do Moïse, um familiar do Moïse - esse que estava aqui com a Vereadora Tainá de Paula, o Yannick, não o irmão Djodjo - já tinha visto as imagens na delegacia, já tinha identificado algumas pessoas, e nada foi feito. Somente após a mobilização da sociedade é que, de fato, a investigação, o inquérito passou a ter outro destino.
Na segunda-feira, dia 31, a família nos procurou na Ordem dos Advogados, e, a partir dali, nós começamos a patrocinar, a representar a família não apenas no inquérito, mas em outras instâncias. Fomos à delegacia entender como o inquérito estava sendo conduzido, o que pretendiam conduzir e nos deparamos com o sigilo do inquérito. Nós como advogados, é óbvio, não queremos que o inquérito seja feito em praça pública - não é essa a intenção. Nós achamos que, no inquérito, para ser um bom inquérito, para que tenha uma boa investigação, algum sigilo ou algum rito precisa ser observado, mas nos deparamos com uma situação muito estranha: o delegado só nos atendeu depois que parte do vídeo já havia sido liberada para a imprensa.
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Parte do vídeo, editada, já havia sido liberada para a imprensa, pequenas pílulas de vídeo que mostravam, em alguns casos, o Moïse chateado, revoltado, cobrando a remuneração pelo seu trabalho. Essas foram as primeiras imagens a aparecer. Logo em seguida, começaram vazamentos seletivos de peças do inquérito em que tentavam, depois de terem espancado fisicamente o Moïse, espancar sua honram, em que tentavam espancar a sua história.
Quando nós nos insurgimos contra mais essa barbárie, não apenas contra o Moïse, mas contra a sua história, contra a sua família, fomos chamados e fomos "repreendidos" - aspas - pela polícia: por que nós estávamos indignados por não saber o que estava acontecendo, sendo que o inquérito seria sigiloso? Sigiloso para quem? O que é sigiloso?
Nós acabamos de assistir, no Brasil, em anos recentes e agora muito recentemente, a operações midiáticas que levaram o Brasil ao momento que estamos vivendo, que fizeram com que um Presidente... Apesar de todos aqui pedirem para que o Governo se manifeste, eu acho que, se ele ficar calado, ele vai nos ajudar mais, porque, se ele se manifestar agora, nós sabemos qual será a manifestação deste Governo. Então, eu prefiro que ele não se envolva nesse processo. Então, foi isto que aconteceu: operações policiais midiáticas, reputações e histórias sendo espancadas midiaticamente para que se obtivesse uma situação que se desejava. E é isso que está acontecendo especificamente no caso do Moïse.
A Vereadora Tainá nos cumprimentou, mas eu queria estender aqui os cumprimentos da Vereadora a toda a Comissão de Direitos Humanos da OAB do Rio, que está, de forma incansável, trabalhando nesse caso, em especial ao Dr. Rodrigo Mondego, que tem sido incansável nessa atuação.
Nós temos acompanhado a família, o inquérito e, na semana passada, aqui lembrando as palavras do Procurador Lucas Fernandes, nós acompanhamos a família no depoimento no Ministério Público do Trabalho, que também não está tendo acesso a peças importantes do inquérito que poderiam ajudar na investigação sobre vínculos empregatícios, sobre a situação de trabalho não apenas do Moïse, mas de centenas de trabalhadores que trabalham em situações análogas à escravidão nas praias do Rio de Janeiro. São pessoas que trabalham 14, 15 horas sob o sol carioca, que todos conhecem, sem nenhum tipo de proteção, sem nenhum tipo de vínculo, recebendo uma remuneração proporcional às suas vendas, uma comissão referente às suas vendas. Eles têm que ficar anotando num caderninho o que venderam e o que não venderam; se eles venderem uma caipirinha, vão ganhar 5%; se venderem um salgadinho, vão ganhar 10%; e, se o cliente pagar no cartão de crédito, eles não receberão naquele dia e vão ter que esperar a compensação do cartão para receber. Essa é a situação que estamos vivendo no Rio de Janeiro, e o Ministério Público... E rendo aqui as minhas profundas homenagens à Dra. Guadalupe, que vem fazendo um trabalho fantástico. E existem, sim, outros inquéritos que já vêm analisando e investigando trabalhos nessa situação não apenas na orla do Rio de Janeiro, mas em outros locais.
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Senador Paulo Paim, aqui fica um pedido, um pedido de quem está acompanhando de perto esse processo e está vendo uma tentativa clara de matarem a honra, matarem a história do Moïse.
Nós já estivemos ontem na Defensoria Pública. Esta semana, também estaremos reunidos com o Ministério Público, mas é fundamental, primeiro, que a polícia pare de vazar seletivamente... A polícia diz que não sai do inquérito, que são advogados que vazam, que é isso... Enfim, que se investigue quem está vazando isso! Que liberem efetivamente o vídeo na íntegra, porque as partes dos vídeos a que nós já tivemos acesso mostram que existem outras pessoas envolvidas, outras pessoas assistindo ao espancamento. Alguns saíam do espancamento e ligavam para alguém, não sei quem, para relatar o que estava acontecendo e voltavam. É fundamental que as testemunhas que disseram que a Guarda Municipal, após ser comunicada, entrou no seu carro e foi embora... É fundamental que essas investigações aconteçam.
A Vereadora Tainá levantou uma discussão que é, sim, muito importante: quem são os donos daqueles quiosques? O quiosque onde tudo aconteceu é algo surreal. O dono comprou, mas passou para o nome do sogro; o sogro não vai; quem vai é uma mulher; quem vai... É assim que a coisa funciona nos quiosques do Rio de Janeiro! O quiosque do lado diz que é de um militar, o militar diz que não é dele, mas ele assina documentos com a prefeitura mostrando que ele é o representante do quiosque... E não se sabe quem são os donos efetivos desses quiosques, quem são os donos dessas concessões que estão efetivamente trabalhando.
É fundamental que essas lacunas existentes no inquérito sejam preenchidas! É fundamental que o caso Moïse, por mais triste que ele seja, impeça que outras pessoas passem pelo mesmo que ele passou, porque continuam dezenas de congoleses, de imigrantes e, inclusive, de nacionais brasileiros trabalhando nessas condições! É fundamental que esse racismo estrutural tenha um combate efetivo e que o caso do Moïse possa nos mostrar essa realidade que a gente já presencia!
O caso do Moïse, Senador Paim, é apenas mais um. A Comissão de Direitos Humanos, nos últimos três, quatro anos, acumula casos de negros, pobres, moradores da favela mortos ou espancados, ou com um tiro, ou, como foi o caso do Durval esta semana, confundido com um bandido... Por que confundido? Confundido apenas pela sua cor? O que fazia o Durval para ser confundido com um bandido? Era apenas a sua cor ou ele mexia na bolsa para pegar a chave para entrar em casa? Ou um negro não poderia morar naquele condomínio em que o militar da Marinha morava? Quem é um negro para achar que poderia morar naquele condomínio? Por que ele era suspeito? Por que dezenas de negros jovens são presos no Rio de Janeiro por conta de apenas um reconhecimento fotográfico, em que quase 80% da população que é confundida são negros?
Recentemente, nós tivemos um caso que seria cômico se não fosse trágico, em que um ator americano foi incluído, no Ceará, num álbum de fotografia como possível criminoso de um crime que ocorreu no Ceará. Como esses álbuns são formados? Por que nesses álbuns a grande maioria é de negros?
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O Senador Humberto Costa mencionou que, na próxima semana, a Comissão de Direitos Humanos do Senado, junto com a Câmara, estará no Rio de Janeiro. Desde já, eu coloco a Ordem dos Advogados à disposição para o que for preciso. Será um imenso prazer receber ambas as Comissões e ajudar, auxiliar naquilo que for necessário.
É fundamental que essas Comissões, ao virem ao Rio de Janeiro, cobrem também do Ministério Público uma efetiva investigação do cumprimento da ação direta que tramita no STF em que se proíbem determinadas incursões em favelas, operações policiais sem aviso prévio ao Ministério Público, porque pessoas continuam morrendo. Essa ADPF surgiu a partir da morte de um garoto de 14 anos na favela do Salgueiro. Depois da morte do João Pedro, tantas outras vidas foram perdidas na mesma favela do Salgueiro! Tantas outras operações aconteceram! Nós assistimos agora, aqui, no Rio de Janeiro, ao caso recente da Kathlen, que também foi de grande repercussão, e até agora o Ministério Público não se pronunciou. O Ministério Público responsável pela auditoria militar já denunciou, mas denunciou dentro da auditoria militar, com penas específicas, etc. Até agora, o Ministério Público, que é quem acompanha todo o inquérito, não se manifesta; e, quando se manifesta, o faz dizendo que vai pedir novas diligências. No caso da menina Ágatha, que faleceu no Complexo do Alemão há quase quatro anos, só esta semana, se não for adiada mais uma vez, teremos a primeira audiência. Então, Senador, eu peço que as Comissões, quando estiverem no Rio...
Por mais que o caso do Moïse seja impactante, eles foram abraçados pela sociedade. A sociedade vem dando a essa família o conforto que o Estado não deu, que o Estado brasileiro não deu. Nós tivemos infinitas manifestações de apoio à família, mas essa família não pode viver apenas de caridade e de apoio. É necessário um projeto efetivo de acolhimento das pessoas que o Brasil recebe. É necessário que tenhamos um acolhimento profissional, educacional, residencial. O Ministério Público do Trabalho, os auditores fiscais do Ministério do Trabalho vêm descobrindo a cada dia pessoas que vêm para o nosso país sendo tratadas como escravas - é a escravidão moderna. Então, é fundamental que essas pessoas não se tornem um novo João Pedro, uma nova Ágatha, um novo Durval, uma nova Kathlen, um novo Moïse.
Eu agradeço profundamente a oportunidade.
E a Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro - não apenas a sua Comissão de Direitos Humanos, mas toda a direção da Ordem - está à disposição do Senado e da Câmara para aquilo que for preciso, de todos os nossos colegas aqui de painel e dos que estão nos ouvindo. A Ordem dos Advogados está à disposição de todos.
Muito obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, Dr. Álvaro Quintão, Secretário-Geral da OAB, que fez um relato, aqui, minucioso do que está acontecendo, deixando muito claro que não é só esse caso. Esse é um dos tantos casos que estão sendo debatidos no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Rio Grande do Sul, em Pernambuco, no Ceará, onde quiserem - onde quiserem -, em Fortaleza... Todos os estados, com certeza, têm problemas dessa ordem com negros, negras, refugiados, migrantes, LGBTQI+ e por aí vai. Então, meus cumprimentos pelo belo trabalho que está fazendo.
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O que for solicitado nesta audiência pública será encaminhado pela Secretaria da Comissão - todas as propostas que aqui foram colocadas com muita competência por quem conhece esse mundo.
Eu confesso que eu sou Relator do novo estatuto do mundo do trabalho, e lá nós vamos botar um capítulo específico tanto da questão racial como da questão de refugiados, para que a lei trate disso com profundidade.
Eu já deixo aqui um pedido que quero fazer à Câmara dos Deputados. No tempo de pandemia, nós aprovamos no Senado mais de dez projetos de combate ao racismo e preconceito - mais de dez. Todos vão na linha de proteção para negros e negras e refugiados. A Câmara não aprovou nenhum dos que nós encaminhamos para lá até o momento. Estou fazendo esta fala não com agressão à Câmara, mas com carinho à Câmara dos Deputados; eu sei que foi muito trabalho, tempo de pandemia... Eles vão desde a abordagem policial, por exemplo - todos nós sabemos -, auto de resistência, questão da injúria... Enfim, são projetos que ajudariam muito no dia a dia do nosso povo tão sofrido. Então, fica um apelo aqui à Câmara dos Deputados: vamos fazer uma reunião conjunta, a Câmara e o Senado, vamos ver o que a gente pode aprovar. O que aprovarem lá nós aprovamos aqui, e vice-versa, com a devida adequação que pode uma Casa revisora fazer em relação a outra. Agora, não dá para nós aprovarmos uma lei a cada dez anos que vá na linha do combate ao racismo e ao preconceito. Fica aqui um pedido carinhoso e respeitoso à Câmara dos Deputados.
Se vocês concordarem, eu daria agora três minutos para as considerações finais de vocês, sabendo que a reunião foi muito, muito produtiva. O secretariado que está acompanhando tomou nota, detalhe por detalhe, e dará os devidos encaminhamentos. E o primeiro será já a reunião que vai acontecer no Rio de Janeiro, onde a Comissão ou as Comissões estarão lá presentes.
Eu começo, para as suas considerações finais de três minutos, com o Lucas Santos Fernandes, Procurador do Trabalho e Coordenador Regional no Rio Grande do Sul da Coordenaria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho. A palavra é sua para suas considerações finais. Fique bem à vontade para, inclusive, encaminhar alguma proposta se assim entender. (Pausa.)
Tem que abrir o microfone.
O SR. LUCAS SANTOS FERNANDES (Para expor. Por videoconferência.) - Vamos lá.
Mais uma vez, eu agradeço as menções ao trabalho do MPT.
Como o Senador Paulo Paim referiu, de fato, a fiscalização do trabalho escravo no Brasil encontra muitas dificuldades. Mesmo assim, nós conseguimos: durante a pandemia - é uma atividade essencial -, mantivemos as operações de fiscalização, aumentamos os números, mas com bastante dificuldade.
E, quanto à questão migratória, realmente, como disse a Vereadora, muitos migrantes chegam com uma alta qualificação, uma alta instrução, e provavelmente - eu não tenho medo de dizer - é a cor da pele deles que barra esse currículo. São pessoas qualificadas, que poderiam agregar de diversas formas e que ficam com empregos que não exigem qualificação.
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Na Operação Acolhida - como eu disse, o Rio Grande do Sul é o terceiro estado que mais recebe -, nós observamos que os empregos que são oferecidos são os empregos que os brasileiros não querem mais. O exemplo mais claro são os frigoríficos, que adoecem as pessoas, com um trabalho repetitivo, em condições penosas: frio, pessoas em pé, barulhos. São essas as oportunidades que estão sendo oferecidas na maioria dos casos para os venezuelanos. Então, o Ministério Público do Trabalho tem feito uma articulação com a rede de assistência social não só no monitoramento, mas também no engajamento de novas ações, para que esses migrantes que chegam possam ter o apoio dessas grandes empresas que estão oferecendo empregos não só porque são generosas, mas porque nem os brasileiros querem mais aquele emprego penoso, ações para que seja fornecido um aluguel digno nos primeiros meses, para que haja uma socialização.
Embora estejamos aqui hoje em razão de um caso que foi televisionado - como bem disseram, se não fosse essa repercussão, não teríamos esse olhar, talvez -, os números exigem que a gente observe todos os migrantes, não só os das comunidades africanas e do Haiti, os latinos e venezuelanos...
A Operação Acolhida, hoje, é conduzida... Como eu falei, o Exército é o intermediador de mão de obra, e essa não é a função do Exército. Eu respeito muito o Exército, mas essa não é a função dele. Então, nós precisamos articular melhor com outros órgãos, com a fiscalização do trabalho. Não adianta nós sermos comunicados depois que a tragédia já aconteceu. Então, nós temos que ter uma atuação mais preventiva. A minha sugestão, como uma proposição final, considerando os números da Operação Acolhida, é o encaminhamento preventivo. Para onde estão sendo direcionadas essas pessoas? Não basta uma vaga sinalizada, se vai de qualquer jeito, e depois se resolve lá no local. Isso não está dando certo. Outras tragédias... Nós vamos ver outras tragédias, talvez algumas televisionadas, outras não.
Eu não tenho dúvida de que o caso que nós estamos vendo hoje é de racismo estrutural. E precisamos evoluir não só na questão do racismo estrutural. Como o Senador Paulo Paim também disse, uma pessoa trans no Brasil vive trinta e poucos anos. Que país é este? Que mito é este de que somos um país de alegria se nós matamos as pessoas trans como nenhum outro país? Que miscigenação é esta que é considerada bonita se uma trabalhadora que aqui nos brindou com o seu relato, a Gaelfie, nos diz que sai para a rua com medo? Então, que país é este?
A minha sugestão é uma maior articulação da Operação Acolhida, uma maior transparência nesses dados, um maior empenho na socialização dos migrantes.
O Ministério Público do Trabalho fica à disposição para prestar maiores informações depois sobre as nossas operações de combate ao trabalho escravo, envolvendo migrantes e outros grupos vulneráveis.
Mais uma vez, obrigado pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Obrigado, Procurador do Trabalho e Coordenador Regional no Rio Grande do Sul da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo. As suas considerações e solicitações serão encaminhadas devidamente pelas duas Comissões. Sua fala foi muito importante, deu uma grande contribuição. Nós temos que investir muito, muito, muito! Eu gosto muito do trabalho de vocês, como gosto do da Defensoria Pública. Vocês têm um papel fundamental no combate ao racismo e ao preconceito e no combate, é claro, ao trabalho escravo.
Vamos em frente.
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Agora eu passo a palavra ao Henrique Salles, consultor legislativo, Núcleo de Economia da Consultoria Legislativa do Senado Federal.
Por favor, Dr. Henrique Salles.
O SR. HENRIQUE SALLES PINTO (Para expor. Por videoconferência.) - Agradeço, nobre Senador Paulo Paim, pela oportunidade, pelo convite, por nos liderar neste trabalho da Comissão tão importante e tão premente, urgente não só para brasileiros, mas para migrantes, refugiados. Indiferentemente da raça, da cor, do credo, eu acho que é um trabalho extremamente importante de conscientização. Agradeço a todos os palestrantes.
Eu acredito que a oportunidade que nós tivemos foi estratégica para pensarmos que muito do que migrantes e refugiados vivem no Brasil - vulnerabilidade, subemprego, trabalho escravo - é, muitas vezes, a necessidade desses refugiados, desses imigrantes ou mesmo nacionais, negros, indígenas, de ter o mínimo social, o mínimo de alimentação de que eles não dispõem. Então, eu acredito, nobre Senador Paulo Paim e demais participantes desta mesa, que, se nós olharmos para a questão da alimentação como uma questão estratégica para viabilizar esses mínimos sociais dessas pessoas, muitas delas nem se submeteriam a essas formas degradantes de trabalho, porque não teriam necessidade para adquirir o mínimo de subsistência.
Essa proposta que nós fazemos de corredor alimentar nesse trabalho é uma proposta que eu acredito que possa ser amadurecida por especialistas. Estamos à disposição para conversar a respeito. Se demandados, podemos participar também, como servidores do Senado Federal, do relatório da Comissão, com algumas propostas estratégicas nesse sentido do corredor, para que de fato a gente atenda esse mínimo social dessas pessoas e, consequentemente, viabilize uma situação de menos vulnerabilidade para elas e de melhor inserção na nossa sociedade.
Aqui fica o nosso agradecimento, fica a nossa satisfação, apesar da tristeza de escutar tanta realidade difícil. Inclusive eu, como negro, também vivo muitas delas, mas nós continuaremos a fazer o que nos é possível e nos colocamos à disposição para avançarmos nessas estratégias tão importantes para os nossos mais vulneráveis.
Senador Paulo Paim, mais uma vez, o nosso muito obrigado.
Estamos à disposição.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, Dr. Henrique Salles, consultor legislativo, Núcleo de Economia da Consultoria Legislativa do Senado Federal, que tratou deste tema alimentação, que acho que é fundamental mesmo - a fome, a miséria. Agora aí se apresentaram - nem todos receberam - cerca de 100 milhões de pessoas no Brasil que não têm alimentação decente, resumindo. Cerca de 100 milhões! E desses 100 milhões nós sabemos que menos da metade conseguiu uma pequena ajuda, seja num primeiro momento R$600; seja num outro, R$300; seja agora, R$400. O Brasil é o maior exportador de alimentos do mundo, e nós, passando fome aqui! Por isso, parabéns pela sua pesquisa, pelo seu trabalho. Com certeza, vamos trabalhar juntos quando a gente aprofundar mais a renda básica de cidadania - aí eu me lembro do grande Senador e sempre Senador Eduardo Suplicy. A gente há de avançar na linha do que se está propondo aqui: investir no combate à fome e à miséria do nosso povo como uma forma de mostrar que realmente isso, sim, são políticas humanitárias. Um abraço. Meus cumprimentos.
Passo a palavra agora ao Dr. Bernardo Laferté, Coordenador-Geral do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), que aqui representou o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O SR. BERNARDO LAFERTÉ (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigado, Sr. Senador.
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Trago breves palavras, para encerrar, no espírito de que o Ministério da Justiça sempre defende a igualdade de direitos, a igualdade de condições.
Muitas vezes, a gente tem o questionamento: "um imigrante, um refugiado vem aqui; vem tomar o emprego de um brasileiro". Na nossa visão, isso está longe de ser verdade. Um imigrante, um refugiado vem contribuir para a nossa sociedade, assim como muitos de nós, independentemente da origem, tiveram ascendentes migrantes, que vieram e transformaram nossa sociedade. Sempre reitero as comunidades, enfim, às vezes mais famosas, às vezes mais numerosas: tivemos no Rio Grande do Sul muitos alemães e italianos; tivemos os libaneses espalhados no território inteiro. Isso foi para citar aqui três pequenos exemplos. Eu não quero ser injusto com outras ondas migratórias, mas o Brasil é rico em ondas migratórias. Do jeito com que no nosso passado vieram várias e contribuíram e ajudaram a construir nossa sociedade, na última década também. O perfil mudou, mas nem por isso os imigrantes e refugiados deixaram de construir e colaborar conosco. Voltando para o exemplo do emprego, é fácil a gente ver, perceber em São Paulo muitas vezes algum imigrante - acaba sendo visível - no ramo alimentício, em que ele não só traz uma culinária nova como ele contrata brasileiros. E, assim, faz nossa economia girar.
A nossa defesa é pela igualdade de direitos, igualdade de condições, entendendo que há uma troca muito salutar para a nossa sociedade e para eles, em todos os aspectos do indivíduo: cultural, gastronômico, sociológico, musical, na forma de pensar e de produzir no trabalho. Enfim, é rico, é riqueza para todo mundo. Então, esta é a nossa forma de pensar e a nossa forma de defender: sempre igualdade de posições entre brasileiros e não brasileiros para todos os aspectos da vida de um indivíduo.
Encerro por aqui.
E, mais uma vez, desejo bom trabalho a todos nesta semana.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Meus cumprimentos ao Dr. Bernardo Laferté, Coordenador-Geral do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), que, dentro do seu ponto de vista, colocou aqui o que pensa como representante do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Vamos de imediato, agora, ao Dr. Álvaro Quintão, Secretário-Geral da OAB do Rio de Janeiro, para suas considerações finais - estamos dando três minutos para cada um.
O SR. ÁLVARO QUINTÃO (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado, Senador.
Em breves palavras, eu queria mais uma vez agradecer o convite e parabenizar a Comissão de Direitos Humanos do Senado na pessoa do Senador Paulo Paim e do Senador Humberto Costa por esta oportunidade de a gente levar um pouquinho mais de luz ao problema que a gente vive, um problema que é estrutural.
Apesar das dezenas, centenas de projetos de lei, etc., que existem, de alguma maneira, de combate ao racismo, de acolhimento de imigrantes, de refugiados, nós precisamos ainda trabalhar muito para que isso se torne efetivo. Nós precisamos tirar todos esses projetos, esses belos projetos e torná-los efetivos.
Reitero aqui que estamos à disposição no Rio de Janeiro.
Cumprimentando aqui também todos os nossos colegas deste painel, eu me despeço e mais uma vez parabenizo o Senado pelo belo trabalho que tem feito.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, Dr. Álvaro Quintão. Meus parabéns pelo seu trabalho e parabéns também à nossa OAB - OAB, eu diria, não só do Rio de Janeiro; quero cumprimentar a OAB em todo o país.
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Eu me lembro de que um ex-Presidente da OAB - acho que foi o que foi antes deste que é agora... Quando eu era metalúrgico e ainda sindicalista, fui convidado pelos formandos da OAB - um peão metalúrgico - para ser paraninfo, e ele me disse: "Eu estava lá. Eu era um menino ainda. Eu ouvi aquela tua fala, Paim". Então, eu me lembro disso com alegria. Minhas lembranças da OAB sempre são as melhores, de todo papel da OAB ao longo da nossa história.
Eu passo a palavra agora à nossa querida Vereadora... (Pausa.)
Já não está mais - teve outro compromisso - a Vereadora Tainá de Paula, que esteve conosco e fez uma bela fala aqui, muito firme e muito corajosa.
Eu passo a palavra agora à estudante da República do Congo, lá no meu Rio Grande, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Gaelfie Ngouaka. O tempo é seu.
A SRA. GAELFIE NGOUAKA (Para expor. Por videoconferência.) - Nas minhas considerações finais, eu acho que eu vou mais uma vez insistir no encaminhamento psicológico dos novos imigrantes que acabam chegando aqui, principalmente onde eles são recebidos, para que tenham sempre uma assistente social, um psicólogo, alguém para poder apoiá-los nesse lado psicológico, apesar de o Brasil ofertar a parte de um trabalho. Então, é uma falha ainda muito presente que a gente acaba percebendo ao longo do tempo. Como também - eu gosto destas palavras - políticas públicas adequadas realmente à população imigrante... Quando falo de políticas públicas, são políticas públicas de saúde, políticas públicas de trabalho, políticas públicas culturais, todas as políticas públicas realmente que atendam a população imigrante, não só a população imigrante negra, mas a população imigrante branca também, que acaba chegando aqui ao Brasil.
E, mais uma vez, eu digo obrigada a todos pelo convite, pelo espaço e pelo momento da fala.
Eu acho que vou ter que sair também, porque eu tenho estágio para ir depois. Então, tchau e muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, querida Gaelfie Ngouaka. Você foi a última a falar. Estamos encerrando neste momento.
Eu só queria agradecer a todos, todos que estiveram aqui. Agradeço ao Dr. Lucas Santos Fernandes, ao Dr. Henrique Salles, ao Dr. Bernardo Laferté, ao Dr. Álvaro Quintão, à Vereadora Tainá de Paula, a você, Gaelfie Ngouaka, pela brilhante exposição que aqui fez, como todos fizeram, e também ao Dr. José Carlos Dias, que é Presidente da Comissão Arns de Direitos Humanos.
Eu só encerro dizendo para vocês que foram muitas as perguntas - vieram para mim as perguntas aqui. Se eu fosse fazer todas as perguntas, questionamentos e encaminhamentos que aqui chegaram para mim, nós íamos ter que passar a tarde aqui. E nós temos que... A intenção é encerrar agora ao meio-dia, porque 2h nós temos já a sessão do Congresso em que vamos discutir muitos vetos.
Inclusive, vamos discutir o veto que foi aposto pelo Presidente da República em relação às vacinas, à quebra da patente das vacinas. É um projeto de minha autoria, aprovado nas duas Casas, que tem o apoio de grande parte do mundo, da Organização Mundial da Saúde, da Organização Mundial do Comércio, de ex-Presidente da República, daquela comissão muito importante que é o Mais Médicos, enfim... E nós vamos tratar desse veto hoje à tarde, como vamos tratar de outros vetos, como o da pobreza menstrual, cuja importância vocês sabem muito bem, como também o do lúpus e tantos outros que vão ser debatidos agora à tarde. E teremos reuniões preparatórias logo que sairmos daqui.
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Faço já um apelo a todos os Senadores e Deputados neste momento, quando eu agradeço também à TV Senado, aos funcionários todos aqui do Congresso Nacional que trabalharam pela articulação deste momento por esta audiência pública de uma enorme audiência, com cobertura direta pela TV Senado/Agência Senado, no sentido de que a gente possa apreciar os vetos. Eu dou um destaque especial ao da vacina. Nós estamos vendo o número de crianças que estão morrendo agora.
Olhem, quando eu falo aqui e dou alguns exemplos próprios, não pensem que eu dou porque quero eu falar de mim. Tenho uma netinha com um ano e meio - um ano e meio - que está num momento muito difícil, tendo uma pequena melhora agora. Claro que a vacina é acima de cinco anos, mas vejam, se a gente puder vacinar acima de cinco anos, por que não vacinar em massa? Na minha família, já uns dez pegaram - falando de sobrinhos, irmãos, uns dez pegaram. E quais tiveram mais problema? É só ver nos hospitais: aqueles que não vacinaram. Pelo menos todos tinham sido vacinados, tiveram menos problema. Claro que essa menina de um ano e meio não podia ter sido vacinada, mas o casal pegou. O pai e a mãe dela pegaram, mas tinham sido vacinados.
Faço um apelo: vacina, vacina para todos. Vamos derrubar esse veto hoje à tarde, para assegurar que o Brasil fique na linha de frente em relação ao mundo na linha da produção de vacinas aqui dentro. Com essa aprovação desse projeto, derrubando o veto, nós poderemos produzir vacina aqui e, inclusive, mandar para os nossos irmãos dos países mais pobres do mundo todo, sejam quais forem. Então, vamos trabalhar nesse sentido.
Dizendo obrigado a todos, a todas, aos funcionários da Casa, das Comissões, todos que trabalham junto com a gente para este momento, ao Senador Humberto Costa, ao Senador Contarato, que é o Vice, à Deputada Bruna Furlan, que é Vice da outra Comissão, ao próprio Relator, quero só dizer que vamos continuar cada vez mais com este trabalho.
Termino só com uma frase da escritora e ativista Conceição Evaristo. Escreveu ela um dia, e esta frase girou o mundo: "A noite não adormece em nossos olhos enquanto o racismo não morre".
De Martin Luther King, para concluir, eu gosto muito do discurso, na caminhada sobre Washington, "Eu tenho um sonho", em que ele disse: "O meu sonho é ver meus filhos julgados por sua personalidade, não pela cor de sua pele".
Aqui eu termino.
Axé à humanidade! Liberdade, igualdade, justiça para todos nós! Vida longa a todos aqueles que têm compromisso com as políticas humanitárias.
Moïse: o seu exemplo está sendo da sua história, da sua vida bonita, debatida e contada em todo o mundo, e a forma como você foi assassinado.
Muito obrigado a todos.
Axé! Um abraço a vocês todos. Vocês merecem.
Encerramos aqui.
(Iniciada às 9 horas e 18 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 56 minutos.)