Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Fala da Presidência.) - Eu declaro aberta a 4ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura. A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 6, de 2022, da Comissão de Direitos Humanos, de autoria do Senador Humberto Costa, para discutir, de forma ampla e democrática, notadamente em função da proximidade do pleito eleitoral de 2022, a temática da violência política no país, que vitima principalmente mulheres, negros e LGBTQIA+, tendo como consequência, além dos potenciais danos físicos e psicológicos às pessoas atingidas, uma ameaça real às instituições democráticas e à regularidade do processo eleitoral. A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211. São nossos convidados e convidadas: Deputado Federal Carlos Veras, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, que já está aqui conosco; Rafa Ella Brites Matoso, representante do Movimento #VoteLGBT; Iêda Leal, representante do Movimento Negro Unificado; Anielle Franco, fundadora do Instituto Marielle Franco; Miguelina Vecchio, Coordenadora Nacional do Fórum Nacional de Mulheres de Instâncias de Partidos Políticos; Gisele Barbieri, Coordenadora de Incidência Política na Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos; e Livia Allen, Gerente de Projetos da ONU Mulheres, aguardando aqui a confirmação. |
| R | Senhoras e senhores, Senadores e Senadoras, Deputados e Deputadas, convidadas e convidados, o caos de violência política no Brasil tem crescido vertiginosamente nos últimos anos. Estudo publicado pelas ONGs Justiça Global e Terra de Direitos, essa que gentilmente aceitou nosso convite para participar da audiência, aponta que, entre janeiro de 2016 e setembro de 2020, nosso país registrou em média um ato de violência política a cada quatro horas, tendo como principais alvos a população negra, as mulheres e a comunidade LGBTQIA+. É a partir desse entendimento que buscamos uma releitura sobre o conceito de violência política admitido pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Muito além de uma violência que tenha como objetivo a exclusão da mulher do espaço político, são ações que buscam silenciar aquelas e aqueles que, após anos de luta, conquistaram um espaço com representação política. São, na sua ampla maioria, Parlamentares que elevaram as vozes de comunidades que, por anos, não foram ouvidas e que, agora, sofrem com ataques sistemáticos, violentos por aqueles que não aceitam a diversidade constitutiva da sociedade brasileira. A desigualdade de gênero e a intolerância contra a comunidade negra e LGBTQIA+ acabam por fomentar a violência política. Isso ocorre a partir do momento em que se estabelece que homens brancos heterossexuais são detentores de todo o poder e que por eles tal poder deve ser emanado. Todos aqueles que não se encaixam nessa descrição são inferiores e, por isso, não devem ocupar espaços de poder. Estamos falando aqui de atos que buscam, acima de tudo, deslegitimar pessoas que foram eleitas ou que estão utilizando os mecanismos da democracia para, acima de tudo, dar voz e vez àqueles que historicamente são silenciados por uma sociedade extremamente preconceituosa. Causa ainda maior espanto imaginar que as ações desses grupos são legitimadas e estimuladas pelo Chefe da nação. Diuturnamente, vemos ações do Presidente da República ou daqueles que estão ali à sua volta que convocam e estimulam as pessoas a cometerem atrocidades contra aqueles que divergem de suas opiniões. Sras. Senadoras, Srs. Senadores, convidadas e convidados, Deputados e Deputadas, a violência política está enraizada na sociedade brasileira, agindo de forma ostensiva com o objetivo de impedir, obstar, sabotar ou frustrar as iniciativas de mulheres, negros, membros da comunidade LGBTQIA+, indígenas e outras minorias, que, no exercício ativo da cidadania, ingressaram no espaço público como legitimados ou legitimadas à representação política. É uma grave ofensa à democracia por que tanto lutamos. Pessoas que foram eleitas são, de alguma maneira, impedidas de exercer a função para a qual foram elevadas. |
| R | A violência política é misógina na medida em que procura desqualificar a mulher como apta a exercer plenamente suas funções, notadamente nos espaços políticos e públicos, conquistados em igualdade de condições com os homens. A violência política é machista e homofóbica, na medida em que reproduz uma linguagem discriminatória e preconceituosa, adotando, inclusive, expressões sexistas e notadamente de cunho moral, que sempre foram usadas, de forma estereotipada, para calar as vozes e oprimir as expressões de liberdade das mulheres e da população LGBTQIA+. A violência política é racista, uma vez que os que a cometem não aceitam conviver com a ideia de que mulheres negras e homens negros possam estar a frequentar e a conquistar os mesmos nichos de poder frequentados e ocupados tradicionalmente por homens brancos. Foi neste sentido que propusemos esta audiência pública: queremos inaugurar um ciclo de debates para discutir com os diversos setores da sociedade a violência política no Brasil, violência esta que é machista, racista e homofóbica. Esta audiência foi requerida também para apresentar um memorial sobre os casos de violência política no Brasil, uma publicação que tem como principais objetivos: conscientizar e alertar para o problema da violência política que assola a nossa sociedade, realidade que foi agravada pelo momento político, econômico, social, negacionista e pandêmico em que vivemos; publicizar os casos de violência política já documentados, o que se faz por meio da nominata do presente memorial, de modo que se tenha divulgação das ações que vulneram as mulheres, negras especialmente, e a comunidade LGBTQIA+, que ocorrem diuturnamente; buscar junto às autoridades do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, além do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e de outras instituições públicas e privadas, ações, providências e iniciativas que possam enfrentar, responsabilizar e punir a violência política no País; suscitar medidas que possam ser adotadas imediatamente nas esferas de poder e na sociedade brasileira para enfrentar a violência política; chamar a atenção para a proximidade do pleito eleitoral que se avizinha e a necessidade de se antecipar na adoção de medidas que impeçam qualquer manifestação de violência política; e estabelecer mecanismos objetivos e céleres de enfrentamento e punição. Por fim, quero informar a todos que esta Comissão de Direitos Humanos abriu um canal específico para o recebimento de denúncias de violência política. Assim, poderemos dar o devido encaminhamento às denúncias que recebermos, assim como fiscalizar e acompanhar o andamento dos casos. O e-mail é violenciapolitica@senado.leg.br - repetindo: violenciapolitica@senado.leg.br. É fundamental que o Congresso Nacional não fique silente diante de tantas atrocidades vividas por importantes lideranças políticas do Brasil afora. |
| R | Antes de encaminhar a palavra para o próximo orador, quero aqui ressaltar que esta audiência pública inaugura um ciclo de debates. Neste momento, devido às limitações impostas pelo sistema remoto, não foi possível garantir a participação de todas as entidades dispostas a debaterem o tema, mas iremos construir outras audiências para que todos os segmentos tenham o seu direito de fala garantida. Quero também propor que nós possamos, em comum acordo com as entidades que ajudaram a estruturar este evento de hoje, diligências da Comissão de Direitos Humanos do Senado - e aqui eu tomo a ousadia de sugerir para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara também diligências - para algumas dessas localidades em que casos simbólicos de violência política tenham ocorrido, exatamente para que nós possamos demonstrar a preocupação e o compromisso do Congresso Nacional com o enfrentamento e a superação dessa violência política. Aqui eu quero agradecer ao Coletivo Nacional LGBT do MST, à Associação Nacional de Travestis e Transexuais, à Articulação Brasileira de Lésbicas, ao Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros, à Rede Gay, à Rede Afro LGBT, à Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos, à Liga Brasileira de Lésbicas, à Articulação Brasileira de Gays, ao Conselho Federal de Psicologia, à União Nacional dos Estudantes, ao Movimento Representa, ao PerifaLAB, ao Politize! e aos delegados e representantes da ONU, que sempre se dispuseram a discutir as pautas fundamentais para a manutenção da democracia em nosso país. As entidades que acabo de citar, dentre inúmeras outras, foram fundamentais para que conseguíssemos realizar esta audiência pública para a elaboração do memorial de vítimas de violência política, que posteriormente será entregue às autoridades competentes, e serão importantes na organização de mais atividades, como outras audiências públicas e diligências desta Comissão. Quero ressaltar também aqui a contribuição produzida pelo PSOL, por meio da Parlamentar Federal Talíria Petrone, para a construção desse memorial. Quero também convidar para participar - e fará uso da palavra dentro de alguns momentos - a Deputada Erika Kokay, que é Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. E, antes de conceder a palavra aos nossos convidados, eu concedo a palavra ao Senador Fabiano Contarato, Vice-Presidente desta Comissão, que, assim como os demais participantes, terá direito a dez minutos para a manifestação da sua opinião e do seu apoio a este evento. Com a palavra o Senador Contarato. (Pausa.) Está ele presente? (Pausa.) |
| R | Bom, não estando presente o Senador Contarato, eu vou ler aqui, eu vou ler aqui algumas perguntas que chegaram por intermédio do nosso e-Cidadania do Senado e que poderão ser abordadas pelos nossos convidados e convidadas, que vão começar a se manifestar daqui a pouco. Primeiro, da Sra. Joice Furtado, do Rio de Janeiro: "As mulheres, mesmo em seus cargos, são tratadas como inferiores, como isso pode ser resolvido dentro dos Poderes Executivo e Legislativo?" Faraildes do Nascimento, do Rio de Janeiro: "Entendendo que muitos destes preconceitos vêm de geração em geração, o que está sendo feito para mitigar seus efeitos no nível educacional?" José Rocha, do Rio de Janeiro: "Existe alguma experiência mundial bem-sucedida de mudança no comportamento social contra as minorias?" Manoel Gomes, do Rio Grande do Norte: "Como qualificar assistência de suporte para inclusão de políticas públicas no estatuto das vítimas?" Samantha Aragão, do Rio de Janeiro: "Qual a perspectiva, a curto ou médio prazo, de termos mais unidades de delegacia da mulher com profissionais capacitados?" Michelle Brasil, do Rio de Janeiro: "Qual o conceito de violência política? De que forma ele vitima mais mulheres, negros e LGBTQIA+?" Ana Beatriz, do Rio de Janeiro: "Como a violência política atinge diretamente as mulheres negras?" José Rocha Moreira Júnior, do Rio de Janeiro: "As políticas públicas de proteção às mulheres vítimas de abuso são suficientes? O Estado brasileiro prepara seus servidores?" Rayane Luca, do Rio de Janeiro: "O que está sendo feito para combater a violência contra a mulher, principalmente neste cenário de pandemia, quando ocorreu grande aumento da violência?". Aqui, alguns comentários. Iuri Pires, do Rio de Janeiro: "Para combater esse tipo de violência, não vejo outro caminho que não seja a educação. A educação transforma a vida das pessoas." Vivian Gonçalves, do Rio de Janeiro: "As leis deveriam ser mais rigorosas e cumpridas com mais agilidade, pois muitos desses crimes passam impunes pela sociedade." Raphael Mattos, do Rio Grande do Sul: "Tal violência é um problema cultural do país. Falta educação, senso e empatia. Leis já existem, o que falta é colocar em prática." Bom, eu agradeço a essas colaborações que nós recebemos e eu quero, de imediato, passar a palavra ao Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, o Deputado Carlos Veras. O SR. CARLOS VERAS (Bloco/PT - PE. Para expor.) - Boa tarde, Senador Humberto Costa. Cumprimento a todas e a todos nesta importante audiência pública e cumprimento de forma muito especial também a nossa Ministra Ideli, uma grande lutadora comprometida com esse tema. Na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, nós acompanhamos todos os casos envolvendo processos de violência política, de atentado contra Vereadores e Vereadoras no pleno exercício do seu mandato, como também de suplentes de Vereadores e Parlamentares que são vítimas dessa violência. Nós acompanhamos pela Comissão de Direitos Humanos e realizamos, inclusive, uma audiência pública no dia 16 de junho de 2021. |
| R | Quero, de pronto, Senador Humberto Costa, dizer que estamos prontos para participar das diligências. Eu acho que, ao final dessa audiência, um dos grandes encaminhamentos será a realização de diligências a municípios nos quais tivemos esse ato de violência política contra os Parlamentares. É importante a visita das duas Comissões, fazermos essa diligência conjunta, como fizemos agora no Rio de Janeiro para acompanhar o caso do jovem Moïse, desse assassinato brutal, cruel, que ocorreu no Rio de Janeiro, e também dialogar sobre outros atentados, como vamos fazer aqui, em Pernambuco, no dia de amanhã, referente ao caso também de um assassinato de uma criança por conta dos conflitos agrários aqui na região da Mata Sul. Então, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal, esta Presidência e todo o corpo diretivo da Comissão estão à disposição para realizar essas diligências, porque não dá para aceitar, admitir de forma alguma que os Parlamentares, no exercício do seu mandato, concedido pelo povo de forma democrática, sejam agredidos, que haja esse grau de violência, uma violência tremenda contra esses Parlamentares, que tiveram o seu mandato concedido pelo povo. Um ato de violência contra eles, contra o exercício do seu mandato, o preconceito do machismo, do racismo, da homofobia, exatamente com esses que lutam em defesa das minorias, em defesa daqueles que precisam de políticas públicas, que precisam de todo um processo de inclusão social. Nós temos dois casos aqui, inclusive em Pernambuco, que vocês acompanharam: o caso da Vereadora Liana, que foi agredida em um dos protestos aqui na capital, em Recife, pela polícia, e estamos acompanhando também um caso em Petrolândia, em que um suplente de Vereador, o Daniel, que, por denunciar aqueles negacionistas, que negam a ciência, que negam a vacina, tem sofrido ataques de Parlamentares, inclusive no exercício do seu mandato no Município de Petrolândia, com ameaça à sua segurança e à de sua família. A gente tem que dar um basta nisso. O país vive um momento de incentivo, por parte do Governo Federal inclusive, do ódio e da intolerância, quando ele se sente à vontade para discriminar, para atacar as nossas lideranças políticas, para atacar as Parlamentares e os Parlamentares que conseguiram, com muita força, com muita luta e com muito sacrifício o exercício do mandato para poder representar o povo, a classe trabalhadora. Por isso, Senador e todos e todas, vamos continuar nessa luta permanente contra qualquer tipo de preconceito, de violência contra as lideranças políticas, contra o povo brasileiro, porque quando há uma Vereadora ou um Vereador agredido não é simplesmente ele como pessoa, é o que ele representa, é o conjunto daquele setor organizado, daquela população que concedeu o seu mandato, então, é uma agressão ao povo. |
| R | Estamos juntos nessa luta e vamos ouvir os demais, as demais companheiras aqui, as organizações. Os encaminhamentos aqui tirados podem contar com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal. Uma boa audiência pública para todos nós. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Deputado Carlos Veras. Eu quero, só para efeito de referência e para que todos possam falar, que o nosso querido Christiano possa proceder à marcação do tempo, aquele aviso de 15 segundos, para que possamos ter um debate mais dinâmico. De imediato, passo a palavra à Rafa Ella Brites Matoso, com dez minutos para sua manifestação. Muito obrigado. A SRA. RAFA ELLA BRITES MATOSO (Para expor.) - Salve, salve! Espero que estejam todos bem. É uma grande honra estar aqui compondo esta iniciativa. Eu sou Rafa Ella, sou membro do VoteLGBT, um coletivo LGBT horizontal, que tem uma base em São Paulo, mas tem pessoas em diversos lugares do Brasil discutindo a pauta LGBT, principalmente no sentido da comunicação, da mobilização dos espaços públicos, inclusive das eleições. É um coletivo que não está vinculado a um partido político; portanto, trabalha com a potencialização de candidaturas LGBTs, independentemente de seu partido. Eu falo não de São Paulo, eu falo daqui do interior do Rio Grande do Sul, de São Borja, onde aconteceu um caso de violência política contra uma Parlamentar trans e negra, a primeira trans da região, a primeira mulher negra a ocupar o Parlamento de São Borja, que passou por uma situação de violência política em maio do ano passado, a Vereadora Lins Robalo, o que inclusive saiu na matéria televisiva que juntou algumas denúncias de ataques e violações de direitos humanos a Parlamentares trans do Brasil. Esse caso não é isolado, como nós sabemos. Outras Vereadoras trans do Brasil, negras também, em sua maioria, vêm sofrendo de maneira sistemática diversas violações, diversos ataques. Outros Vereadores aqui do Rio Grande do Sul, especialmente vindos das minorias sociais, das periferias e de pautas de esquerda vêm passando também por sistemáticas violações, sistemáticas ameaças, como é o caso do Vereador Matheus, de Porto Alegre, e da bancada negra de Porto Alegre, para citar um caso. Nós, enquanto VoteLGBT - e também compomos outras mobilizações e outras organizações -, consideramos urgente que a pauta da diversidade sexual seja levada a sério na hora de pensar a defesa das vítimas de violência política. A lei da violência política no Brasil é para as mulheres, mas essas mulheres precisam ser compreendidas na sua interseccionalidade. As mulheres que têm sofrido principalmente com a violência política no Brasil têm uma cor, têm um gênero, têm uma diversidade do que a gente chama de padrão cis-heteronormativo, do padrão dos grandes centros urbanos. Então, mapear e delimitar o que vem sendo chamado de pautas identitárias é, na verdade, entender que algumas condições de vida são alvo quando essas condições de vida, através de seus representantes, se mobilizam para conquistar espaços e, então, garantir ou brigar por seus direitos. |
| R | A pauta de pessoas trans no Brasil é uma pauta muito sensível. Fala-se aí de uma expectativa de vida de 35 anos para uma pessoa trans, especialmente mulheres trans e travestis, especialmente em condição de prostituição. Quando a gente pensa numa população como a trans ou numa população como a LGBTQIA+, que, no Brasil, passa por sistemáticas violências no seu cotidiano, dentro de sua família, nas instituições, a gente pensa que o cuidado com essas populações deve ser tão ou maior elaborado que a violência que os acomete. E em se tratando de violência política, o mesmo vale, especialmente falando das pessoas que estão na interseção dessas opressões. A gente está evidenciando que as Parlamentares trans e negras estão sofrendo ameaças de morte no Brasil. E isso não se dá por acaso. Penso que considerar a interseccionalidade das mulheres na hora de dispensar a proteção dessas lideranças contra a violência política é algo urgente, é algo que diversos setores dos movimentos sociais e de defesa dos direitos humanos têm pautado historicamente e que nós, enquanto VoteLGBT, não deixamos de bradar por essa pauta, por essa urgência. Afinal, são urgências de vida; não são busca por algum puxadinho dentro de alguns direitos específicos ou qualquer menção à constituição de privilégios a algumas pessoas. Trata-se de defesa da vida dessas pessoas, não só para evitar que se tornem novas marielles, mas para garantir que essa pessoa possa existir. Pessoas estavam saindo do Brasil por conta de sua atuação política marcada por uma bandeira, seja LGBT, seja negra, seja feminista. É muito importante que a gente considere essa interseccionalidade na hora de pensar as políticas de proteção dessas lideranças, não apenas parlamentares, mas lideranças políticas que estejam nos partidos ou nas organizações, mobilizando e fazendo frente. Afinal, são as pessoas que estão na frente que são mais visibilizadas e, portanto, mais vitimadas. Minha fala fica por aqui. Fico disponível para mais contribuições. Nós, enquanto VoteLGBT, temos um pé muito firme nessa construção, e espero que essa mobilização conjunta das Comissões de Direitos Humanos da Câmara e do Senado possa construir algo sólido, que nos conduza adiante, para que possamos erradicar esse problema. Esse problema é extremamente antigo. A gente está falando de uma matriz colonial que ainda é vigente, mas ele precisa ser resolvido pelo poder público, para seu próprio bem, não é? É isso. Axé para quem é de axé. Muito obrigada. Fico à disposição. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Rafa Ella, que representa aqui o movimento VoteLGBT, pela sua contribuição, por trazer não somente a denúncia desses fatos, mas principalmente a interpretação, a leitura que faz e a contribuição que nos traz para que nós possamos, de maneira unificada com os movimentos sociais, trabalhar para a mudança dessa realidade. Muito obrigado. |
| R | Eu queria chamar Iêda Leal, que é representante do Movimento Negro Unificado, para que ela possa, também, fazer a sua manifestação nos 10 minutos regimentais. A SRA. IÊDA LEAL (Para expor.) - Boa tarde! Eu fico muito grata e feliz por poder participar, neste momento, desta nossa reunião de forças para continuarmos lutando contra o racismo. São 522 anos vivendo neste País. Nós dormimos ontem, Humberto - Humberto, Carlos, Mara, Fabiano, Rose, Paulo, Zenaide e todos os outros Parlamentares aqui presentes... Eu os chamo pelo primeiro nome porque vocês são nossos Senadores e nossos Deputados, do Brasil. Nós precisamos compreender a capacidade histórica que vocês reúnem para nos ajudar a lutar contra o racismo, contra o machismo, contra o feminicídio, contra a LGTBfobia. Vocês dão conta de nos entender e, para além do entendimento, de abrir portas para as nossas vozes, entendendo que nós estamos lutando contra a violência política que quer nos eliminar desses espaços de poder. Quero, aqui, abraçar Rafa e Miguelina, que são parceiras, companheiras de luta. Eu vou depois, aqui, Miguelina...Existem mais outros representantes da sociedade civil, os estudantes, a Gisele, as pessoas que estão aqui na técnica, nos ajudando, as pessoas que estão nos ouvindo. Nós sabemos o que é lutar o tempo todo para termos espaço e para que a gente possa exercer o nosso direito de viver. Então, hoje, quinta, é mais um dia de resistência. Obrigada. O Movimento Negro Unificado do Brasil, todo, agradece o convite e estamos aqui. Quero, aqui, dizer a vocês que nós, do centro do Brasil, aqui do Centro-Oeste, de Goiânia, mais uma vez, precisamos ter ajuda para acabar, de vez, com a escravidão imposta por essas pessoas que acham que são donas das nossas vidas. Aquele médico irresponsável usou a escravidão, o escárnio, para poder fazer mais uma vítima do racismo. E ele dizer que é brincadeira! Escravidão, para nós, não é brincadeira. Escravidão, para nós, sempre foi um motivo de muita dor. Então, punição para os violadores dos direitos humanos, punição para uma pessoa que jurou, quando foi receber o diploma, que iria cuidar de vidas. E aí a gente amanhece vendo essas cenas... Então, a nossa solidariedade a todas as famílias das vítimas da eliminação física do povo negro neste País. Nós não vamos nos esquecer de que esse povo negro tem sexo, tem pertencimento racial, que são mulheres, homens, juventude, são crianças, e que sofrem danos irreversíveis e a tirada da vida. Então, quero aqui dizer que, antes de crescermos, querem nos matar, mas a gente pula essa violência; somos jovens e querem nos silenciar e, quando mais velhos, querem tirar os nossos direitos políticos de viver e sobreviver. Querem interromper o nosso ciclo de vida. |
| R | Ganhamos do mundo, da cidade a resposta violenta, porque, quando nós somos integrados a algum partido e quando a gente consegue vencer as dificuldades de sermos candidatos, vem a dificuldade de nós negros e negras tomarmos posse do mandato, porque querem tirar as nossas vidas. É um ciclo de horror! E a gente precisa aqui brigar, em todos os sentidos, Humberto, todos os sentidos, pela nossa existência. Então, neste momento, esta Comissão tem o dever, tem a obrigação, tem a nossa esperança de que vocês possam realizar, de fato, uma escuta em todas as cidades do país onde há vítimas, para evitar que em outros lugares haja vítimas. Nós não queremos eleger os nossos negros e negras, representantes dos quilombolas, dos jovens, LGBTQIA+, toda a diversidade e chorar a morte deles antes mesmo de assumirem os cargos. Nós precisamos acabar com essa perversidade. A primeira coisa é acabar com esse Governo bolsonarista, com esses bolsonaros no poder, porque eles impedem a nossa sobrevivência e eles ativam o fascismo, o rancor, o ódio. Eles põem isso na primeira ordem do dia e isso é ruim para a gente. Nós precisamos de um governo que equilibre as nossas forças e que dê conta de continuar respeitando a nossa Constituição, porque racismo é crime inafiançável. A punição é a cadeia. Nós temos o direito de viver. As ameaças, agressões físicas, verbais, as ofensas dão em morte, e esse Governo fascista facilita essa ação. Esses que estão brotando por aí sempre estiveram aqui. Eles não têm agora é controle. Nós precisamos controlar e precisamos punir, inibir essa violência. O crescimento dessas ideias nazistas escancara o lado terrível desse Governo fascista. O aumento do número de denúncias é a coragem que nós aprendemos com Zumbi e com Dandara. Nós não esqueceremos. Nós sabemos que nós precisamos continuar denunciando. E vamos denunciar. A gente acredita que a Comissão precisa ter esses números, porque ela precisa fiscalizar, porque ela precisa ajudar o Ministério Público, a polícia organizada, séria deste país a punir esses criminosos. A elaboração de uma publicação é fundamental, porque nós vamos achar lá os dados de que a gente precisa para dar robusteza àquilo de que a gente fala há muito tempo. Há muito tempo a gente vem falando: "Querem nos matar, querem nos eliminar". Esse autoritarismo dessas forças, dessas pequenas patentes, que saem, todos os dias, da Polícia Militar, caçando o nosso povo neste país, precisa parar! Nós não aguentamos mais sermos mortos dentro dos supermercados, ou nas ruas, ou nas esquinas, quando não há essa violência da natureza nos tirando as vidas por conta dessas questões ambientais, dos crimes organizados, das grandes empresas quando não constroem os locais de trabalho com rigor na questão da proteção à vida. |
| R | Fascismo, racismo, machismo impedem o desenvolvimento. A gente solicita o compromisso de vocês contra todos os tipos de violência. Nós estamos aqui, negros, população LGBTQIA+, mulheres negras, brancas, indígenas, estudantes, jovens, crianças, povo de matriz africana, quilombolas, as pessoas que vivem neste país, que gostam deste país, que merecemos a dedicação de vocês, Senadores da República. Nós precisamos que vocês continuem existindo e que redobrem a nossa participação aí. Que o Senado possa ter mulheres, homens, negros, negras, jovens, indígenas, quilombolas; que tenha mulheres brancas, não brancas! Nós precisamos oxigenar a nossa política, mas nós precisamos de vocês. Fiscalizar, punir e exigir o cumprimento de toda a nossa legislação é, no mínimo, o que o Brasil, de verdade, precisa ter. Racismo é crime! E a gente está aqui hoje - eu, como Movimento Negro Unificado - para convidar, para dizer a vocês que reagir à violência racial é também o que vocês fazem do alto da sabedoria e do lugar que vocês representam. É fundamental para nós termos a condição de dizer o quanto nós estamos sofrendo hoje neste país pela violência do negativismo, pela violência de pessoas que foram eleitas e que não nos representam e só querem a nossa morte. Nós estamos aqui dizendo: nós precisamos falar, denunciar, punir; nós precisamos eleger alguém que dê conta de ter o perfil e a coragem que vocês têm de abrir as portas do Senado para nós podermos dizer que nós não aguentamos mais! Nós queremos o nosso país de volta! Nós estamos aqui para lutar junto com vocês. Humberto, você disse que iria avisar quando estivesse faltando alguns minutos. Eu estou vendo você aqui atentamente. Mas quero aqui aproveitar este momento e chamar vocês à responsabilidade de fazer uma nota repudiando a ação do médico violador dos direitos humanos de um cidadão da cidade de Goiás, que foi absolutamente violado nos seus direitos. Senzalas, porões e prisões nós não aceitaremos. Nós queremos que o Brasil todo possa escrever para a cidade de Goiás, para o Estado de Goiás e cobre do Governo, das autoridades uma punição para esses racistas que gostam de manter os negros nas senzalas das suas fazendas. Fora, racistas! Chega de tanta humilhação! Racismo é crime! E, aí, uma das palavras: fora Bolsonaro genocida e toda a sua turma! Movimento Negro Unificado, na luta contra o racismo sempre. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Obrigado, Iêda Leal, que representa aqui o Movimento Negro Unificado. Quero agradecer a força das suas palavras e, ao mesmo tempo, também reforçar essa grave denúncia que você reproduz aqui. Todos nós ficamos altamente impactados por aquela publicação que mostra uma pessoa acorrentada como se fosse um escravo. |
| R | E o que chama a atenção é o fato de o autor dessa perversidade ser um médico. Há algum tempo no Brasil - e, aliás, no mundo, não é? - a profissão de médico representava, por si só, alguém que estava preocupado com o bem alheio, que devolvia a vida, devolvia a saúde. E hoje nós vimos aí na pandemia a quantidade de médicos negacionistas, negando a própria ciência, que foi a base para a sua formação, e também alguns praticando esses atos criminosos. Com certeza, nós vamos tomar medidas sérias em relação àquele cidadão que praticou essa violência, esse ato racista. Mas eu queria, de imediato, chamar a nossa querida companheira Anielle Franco, irmã da Marielle Franco, que é fundadora do Instituto Marielle Franco. Nós estamos em vias de termos de registrar os quatro anos do falecimento, do assassinato brutal de Marielle Franco e os quatro anos de impunidade. Se é verdade que os assassinos materiais já tiveram, de certa forma, um início de uma apuração mais adequada, até agora nós não sabemos quem são os autores intelectuais desse crime bárbaro, que chocou o mundo inteiro. Certamente, nós precisaremos neste ano, no momento em que esses quatro anos se completarem, dar mais uma resposta forte à sociedade brasileira, na exigência e na cobrança de que os autores todos, materiais e intelectuais, sejam efetivamente punidos. Então, dez minutos para a Anielle Franco e, logo em seguida, eu vou dar a palavra a Deputada Kokay, para que ela possa também se manifestar pela Comissão de Direitos Humanos. Temos alguns Senadores aqui presentes: o Fabiano Contarato já voltou; a Senadora do Rio Grande do Norte, Zenaide Maia, também voltou. Eles daqui a pouco vão usar a palavra. Anielle, com a palavra por 10 minutos. A SRA. ANIELLE FRANCO (Para expor.) - Boa tarde. Boa tarde a todos e todas. Quero saudar tantas companheiras e companheiros. Entrei de cara com a Iêda, fico feliz, porque é uma companheira de luta. Senador Humberto Costa, obrigada pelo convite. É uma honra estar aqui com todos vocês, com todas as Senadoras, Deputados e Deputadas também. Bem, antes de fazer totalmente uso da minha fala, quero agradecer e dizer da importância de estarmos ocupando espaços como este em que a gente possa não só falar, mas também trazer o trabalho que tem sido feito dentro do Instituto Marielle Franco desde 2019, após esse terrível crime arquitetado - ainda não foi descoberto o mandante - de minha irmã. Quando eu recebi o convite para falar ... (Falha no áudio.) ... violência política é tema que tem atravessado muito, não só porque temos agora, desde 2020, incidido com a agenda Marielle Franco, trazendo o trabalho que a Mari fez com um ano e três meses de "mandata", mas também pautando tudo o que veio acontecendo a partir desse crime, que também é um episódio claro de extrema violência política. |
| R | A gente tem trabalhado dentro do instituto... A Gisele está aqui, e agora também consegui ver. Gi, é um prazer também estar aqui dividindo com você. A Gi também sabe, tem sido nossa parceira, como a gente tem feito e tem falado sobre violência política, violência essa que atravessa majoritariamente os corpos negros, violência essa que existe e tem atingido mulheres que, agora, quando a gente pergunta se vão se candidatar em 2022, são mulheres que dizem que não, por temerem suas vidas; violência que assassina Marielle e também escancara o quanto a democracia brasileira é frágil. Eu sempre digo que não quero colocar minha irmã num pedestal, quando a gente fala de violência política, porque milhares de pessoas, infelizmente, no país têm sido assassinadas, são assassinadas. Mas a Mari estava ali, no exercício do seu mandato, voltando para casa, de um trabalho. Infelizmente, não possuía carro blindado, nenhum tipo de segurança, como hoje já vemos na maior parte dos estados. Então, é uma violência que atravessou minha família e pode vir a atravessar outras. Hoje há inúmeras Vereadoras, como a própria Vereadora Ana, lá de Joinville; a Benny Briolly, que tem saído e voltado daqui do Rio; a Deputada Talíria; e tantas outras que têm sido ameaçadas, mas seguem corajosamente, no exercício de suas funções; e há outras que não entram. A gente criou o instituto com o objetivo de manter o legado da Mari e defender a memória dela, mas também de combater tudo aquilo que vai em sentido contrário ao que acreditamos. Eu sou agora mestre em Relações Étnico-Raciais, me formei no final do ano passado. Desde então, tenho tentado trazer para dentro do instituto majoritariamente mulheres negras para estarem comigo, para que a gente tenha, cada vez mais, protagonismo na nossa história. Eu sempre digo que infelizmente minha irmã teve que ser assassinada para ganhar o mundo. Já era ali uma política, e fazia uma política diferenciada, uma política de afeto, cuidando, chegando de peito aberto, criando projetos que muitas pessoas que estão aí, há mais de 20 anos de política, não fizeram e chegam a cargos jamais imagináveis, como ela iria muito além. Então, o que aconteceu com a Mari, o que tem acontecido no país no geral, com diversas outras mulheres, é inadmissível. Eu espero muito que a gente continue seguindo, junto com os nossos parceiros, junto com todo mundo que soma com a gente e segura as mãos, e possa pautar e incidir para que a violência política especialmente e principalmente contra as mulheres acabe; eu digo isso de modo geral Quando a Mari foi assassinada, e a gente fez toda essa incidência, a gente fez uma comunicação sobre aquilo, muitas pessoas perguntavam e falavam assim: "Ah, só porque foi a Marielle, só porque...". Não, nenhuma mulher merece ser assassinada ou violentada apenas por decidir colocar seu corpo à disposição de uma disputada política eleitoral. E é o que a gente tem feito. Nós fizemos uma pesquisa, em 2020. A gente lançou, relançou a segunda capa da pesquisa em 2021; nós estivemos na ONU, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos; nós sentamos com o Ministro Barroso, para falar sobre a pesquisa; e seguimos sendo convidadas a pautar e a trazer o que nós descobrimos. Quando tivemos uma eleição pautada, majoritariamente, no âmbito virtual, em 2020, nós tivemos dados alarmantes tanto de violência virtual, violência racial, e essas mulheres passaram e ainda hoje, não só passaram na campanha, mas ainda hoje vivem isso, vivenciam isso na sua função. Então, hoje o recado que eu queria dar é que o instituto segue, juntamente com diversos parceiros, como a coalizão, como o MNU também, que está aí diante da luta, a Terra de Direitos, a Justiça Global, fazendo, e pautando, e tentando mostrar que, enquanto a gente não conseguir dar segurança e ter políticas públicas eficazes para combater essa violência política, a gente vai continuar tendo mulheres que se recusam a estar nesse lugar, que também é nosso por direito. Então, eu acho que é isso: é dizer que o instituto segue à disposição, a família da Marielle também. A gente está a poucos dias, como muito bem lembrou o Senador Humberto Costa, de esse crime completar quatro anos, mas, enquanto a gente tiver força para lutar e sangue correndo nas veias, a gente vai seguir pedindo por justiça. É isso. |
| R | Muito obrigada. (Pausa.) O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - (Falha no áudio.) ... até o presente momento, a justiça sendo feita nesse caso que comoveu o mundo inteiro. Quero dizer que a nossa Comissão de Direitos Humanos irá participar com vocês de todos os eventos que forem feitos agora, quando serão decorridos os quatros anos do assassinato de Marielle Franco, porque esse assassinato foi simbólico para essa luta contra a violência política que existe no nosso Brasil e que, ao invés de diminuir, diante de tantos protestos, de tantas manifestações públicas, inclusive internacionais, vêm, inclusive, aumentando. Então, eu queria reafirmar aí que nós vamos, à frente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, durante este ano que nos resta neste mandato, nos colocar à frente de uma luta importante como esta, por meio das diligências, das audiências públicas, da ida a esses municípios, onde Vereadores, Deputados e Deputadas principalmente estão sendo ameaçados e sofrendo violência. Eu vou passar a palavra à Deputada Erika Kokay - ela é Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados -, para, por dez minutos, fazer a sua manifestação e, logo em seguida, nós vamos ouvir a Miguelina Vecchio. Erika. (Pausa.) Está bem. Então, vamos com Miguelina. E, assim que ela entrar, vocês me avisam que eu convoco a Erika Kokay. Miguelina Vecchio, que é Coordenadora Nacional do Fórum Nacional de Mulheres de Instâncias de Partidos Políticos. Com a palavra, por dez minutos. A SRA. MIGUELINA VECCHIO (Para expor.) - (Falha no áudio.) ... Humberto Costa. Boa tarde às mulheres que estão aqui nesta mesa e aos homens também que estão aqui nesta audiência pública. Eu queria, Senador, em primeiro lugar, retomar, porque as minhas antecessoras colocaram a violência política dentro de uma ótica que, na nossa compreensão, perpassa muito a questão do mandato eletivo. As mulheres não sofrem violência política apenas porque são Vereadoras ou porque detêm mandato, mas começam a sofrer violência política dentro dos próprios partidos, porque todas nós, mesmo aquelas que não concordavam que deveria haver um aparelho específico dentro do partido para as mulheres, principalmente no nosso campo de esquerda... E eu sou Vice-Presidente nacional do PDT e, pela primeira vez, em 40 anos, uma mulher chega à Vice-Presidência Nacional do partido. E - quando me diziam: "Parabéns!" -, eu dizia: "Deveria ser meus pêsames, porque levou 40 anos para uma mulher ser Vice-Presidente de um partido". Por quê? As mulheres não têm condições de dar direção política para o coletivo do partido? Têm. Agora, é muito difícil ascenderem dentro do partido, porque a maior parte de quem ascende aos extratos nacionais, por exemplo, de partido são os homens. E você ainda tem o problema de o detentor de mandato querer aparelhar o partido, que também são homens. E aí a gente não pode contar com todos. Quando algumas dizem, agradecem ao Senado, agradecem à Câmara... Eu realmente lamento muito o Senado e a Câmara que nós temos no país, hoje; lamento, profundamente! Até porque eu fui treinada por um guerrilheiro da VAR-Palmares. Eu comecei minha militância política com o Deputado Carlos Araújo, que tinha uma visão sobre dominação e sobre dominado muito radicalizada, e eu, felizmente ou não, adquiri essa característica. E eu vejo que combater a violência política também passa por um marco legal em que o Brasil perde para quase todos os países latino-americanos. Eu fui Vice-Presidente da Internacional Socialista de Mulheres para a América Latina Sul, por oito anos, que era o que me permitia o estatuto, e observei que a Bolívia nos surra em matéria de marco legal. E nenhum demérito aos bolivianos, muito antes pelo contrário, é uma maravilha saber que um país tão menor que o nosso consegue ter um marco legal que nos coloca numa situação mais difícil ainda, porque, se a gente for observar a legislação brasileira a respeito de partido político, de como acessar as instâncias de partido, toda hora nós temos que recorrer ao TSE, para legislar, praticamente, em nosso favor, porque o Senado... O Senado não tanto, vamos fazer justiça aqui ao Senado, para não ser injusta, mas a Câmara Federal é uma vergonha nacional. É uma vergonha, porque mais de dois terços da Câmara fazem a nossa luta andar para trás! |
| R | Eu, por exemplo, não comungo da tese das brancas, porque eu sou socióloga de formação e eu não acredito que o Brasil tenha gente branca. O Brasil tem negros e não negros. Agora, branco mesmo, essa necessidade de branquear as pessoas é bem nazista, do me ponto de vista, e deve ser combatida. Nós não temos brancos na sociedade brasileira. Nós temos dominadores, heterossexuais, jovens e talvez, aí, sim, no conjunto, não negros, que fazem com que a política do Brasil também seja tão reacionária como ela é hoje. Quando dizem que o Bolsonaro é um fascista, eu digo: "Gente, não façam um upgrade na carreira do Bolsonaro. Comparar o Bolsonaro com o Mussolini é dar um patamar intelectual para ele que ele não tem. Ele não é fascista. Ele é um bocó, com uma Câmara corrupta, que o ajuda a avançar e a fazer as barbaridades que ele faz neste país. Para a gente mudar a realidade, Senador Humberto, das mulheres e da violência política, nós teríamos que ter uma legislação muito mais efetiva ao controle interno dos partidos, porque nós temos partidos no Brasil em que não há nenhuma mulher na direção nacional, nós temos partidos no Brasil em que a divisão do tempo de televisão, e eu tive a oportunidade, junto com as mulheres... E aqui eu quero aproveitar, Senador, para dizer que a Dirigente Nacional de Mulheres do PT é uma mulher muito competente, que tem, junto comigo, na Executiva do Fórum, feito um trabalho muito bacana. |
| R | E uma outra forma de ver a violência política é ver quando os partidos chegam ao poder. E todos no Brasil, sem exceção, quando chegaram ao poder não colocaram a Secretaria Nacional para Mulheres para ser a secretária especial de políticas para a mulher. Então, ela serve para fazer militância, mas ela não serve para fazer gestão de políticas públicas para as mulheres. Isso também é violência política contra as mulheres. Quando a gente seleciona, dentro do partido, aquela que serve para militar e aquela que serve para dirigir, elas nem sempre encontram o mesmo caminho. Então, nós teríamos que tratar aqui com muito mais tempo, que eu não tenho aqui nesse painel, para discutir a política interna, porque ninguém entra num partido para ser candidato. Aliás, um grupo muito pequeno pode até entrar num partido, ser candidato e se eleger. Mas, sem militância política, no nosso campo político, isso é muito difícil. E a violência política não começa no exercício do mandato. Ela começa no exercício da militância, quando a cúpula do partido te reserva um lugar dentro do partido, em que tu vais poder fazer militância e ao lugar em que tu nunca vais chegar, tanto que, no meu, eu sou a primeira mulher, em 40 anos, a ser Vice. Será que não houve nenhuma mulher capaz ou até mais capaz que pudesse ser Vice antes? Ou será que o enfrentamento não era o suficiente para colocar os homens do partido no lugar deles? Até porque nós somos mais da metade da população, mais da metade das eleitas e nós não temos sequer um marco legal, porque coisa de mulher não é muito de interesse do Parlamento brasileiro. E, às vezes, Senador, não adianta muito ter aumentado o número de mulheres representantes. A Câmara mesmo tinha 44, foi para 77, mas onde cresceu mais cresceu no campo que não é o nosso campo político. Então, o que nós precisamos... Eu acho que, para combater essa violência política que chega à Parlamentar, sim, como chegou à Marielle, porque os não negros do país se revoltam com o fato de haver uma mulher negra que tem características de defender o povo da favela. Essa mulher não pode chegar ao poder. Ela chegaria muito mais longe do que a um mandato de Vereadora. Disso eu não tenho a menor dúvida. Mas é estranho a esse povo pequeno, a esse grupo pequeno das elites brasileiras e das elites políticas do Brasil conseguirem conviver com uma pessoa com aquela personalidade e com aquela visão de mundo. E aí como é que tu fazes para combater isso? Elimina a pessoa. Porque nós estamos vivendo um período de absoluta barbárie. Quando que foi neste país que foi bacana tu fazeres arminha, gesto de arma? Quando é que foi tu dizeres que os negros não têm direito a determinadas coisas e que isso tinha eco como tem hoje? O Bolsonaro não foi eleito por marcianos. Ele foi eleito por uma fatia antipetista, completamente idiota, que achava que tirar o PT do poder resolveria tudo, e uma segunda fatia que encontrou um líder, que é exatamente como ele, homofóbico, racista, machista, que é contra o povo e que encontrou um líder. E agora se permitem a fazer essas barbaridades, essa barbárie que eles fazem em público, lá no cercadinho e um cercadinho um pouco ampliado. E uma outra fatia que achava que ele era liberal e que, no segundo dia de Governo, já viram que de liberal ele não tem nada e nem sabe o que é liberalismo econômico. Agora, para nós, mulheres, para as mulheres negras, para as mulheres trans... E eu fico feliz de saber que a Rafa Ella é do mesmo estado que eu. Agora, nesse momento, eu estou na Bahia, de férias. Mas eu sou gaúcha, moro no Rio Grande do Sul e fico feliz de saber que há uma mulher com as condições dela para fazer o enfrentamento, na fronteira Oeste, que é sem dúvida o espaço mais machista e homofóbico do Estado do Rio Grande do Sul, do grande latifúndio, onde fazer militância e botar a cara para bater é muito complexo. Então, acho que nós precisamos, Senador, sem nenhuma sombra de dúvida, mudar um pouco. Eu acho que se a gente tivesse voto em lista, se tivesse facilitado o acesso das mulheres negras, das mulheres trans, das mulheres, de forma geral, mas também do povo de axé e todos esses, numa lista ordenada... Os países que têm votação em lista têm uma representação muito superior à representação do Brasil. |
| R | Nós não conseguimos sequer fazer reserva de cadeiras de 15%, porque a maioria dos Deputados homens não vai votar sob o risco de abrir esse precedente e ficar sem o mandato. Alguns diziam para nós: "Não, se reservar 15% de cadeiras, pode ser que eu fique fora." Tinha que ser uma Constituinte para tratar dessa legislação que altera a vida de todos, e, dentro dos partidos, tem que haver mais rigor! Não pode haver partido sem mulher na direção! Não pode haver tempo de televisão em que as mulheres apareçam no horário do almoço, em que ninguém vê propaganda política, e os homens apareçam de noite, no intervalo da novela, quando todo mundo está olhando. Eles não querem olhar os políticos, o povo quer olhar a novela, mas não vai apagar a TV, porque vai nos ver de qualquer jeito. Agora, por que é que nós aparecemos sempre na primeira semana de campanha na televisão e os homens aparecem na última, quando fazem a escolha dos candidatos? Então, enquanto nós precisarmos do TSE para fazer o papel que a Câmara Federal não faz em matéria de legislar para o conjunto da população, nós não vamos mudar a realidade da violência política, e eu acho que fazer um marco legal para combater a violência política no país é a única forma de alterar esta situação que nós vivemos hoje. Obrigada pelo espaço. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Eu queria aqui agradecer muito a participação da Miguelina Vecchio, que é Coordenadora do Fórum Nacional de Mulheres de Instâncias de Partidos Políticos, especialmente pela mensagem que ela nos trouxe, a opinião, a sua visão crítica diante daquilo que, ao longo do tempo, vem sofrendo algumas mudanças, algumas medidas, mas que são em doses homeopáticas, não é? Hoje, muitos países que ainda não alcançaram o desenvolvimento econômico, político e cultural que o Brasil tem, já avançaram muito mais em uma representação social dos Parlamentos que, realmente, reflita o que é a sociedade de cada um desses países. Os avanços que aqui foram feitos estão todos na ordem do número de candidaturas, do financiamento dessas candidaturas, quando há países que estabeleceram inclusive a paridade, no mínimo, em termos de representação dos eleitos e das eleitas. Então, é uma discussão que temos que fazer. Assim que - se Deus quiser - nós pudermos retirar este Governo e estas forças políticas que estão infelicitando o Brasil e funcionando como a fala do obscurantismo, nós talvez não... nós devemos fazer uma reforma política que leve em consideração todos esses aspectos que foram levantados pela Miguelina. Eu quero passar agora a palavra à nossa querida Gisele Barbieri para que ela, em dez minutos, possa fazer a sua manifestação. Em seguida, eu chamo a Senadora Zenaide Maia, que está aqui conosco. Então, Gisele, dez minutos. |
| R | A SRA. GISELE BARBIERI (Para expor.) - Obrigada, Senador. Gostaria de saudar o Senador Humberto Costa e, em seu nome, saudar também todos os Parlamentares que compõem a Comissão de Direitos Humanos do Senado, também o Deputado Carlos Veras e, em seu nome, saudar também todos os Parlamentares da Câmara, os funcionários, e, saudando também a combativa companheira Iêda Leal, saudar todas as companheiras que me acompanham neste debate. Eu sou Gisele Barbieri, da Terra de Direitos, sou uma organização de advocacia popular para coletividades na área de direitos humanos. Em 2020, a Terra de Direitos elaborou e publicou uma pesquisa sobre violência política, como o próprio Senador Humberto Costa colocou na sua fala inicial, juntamente com a organização Justiça Global, na qual nós procuramos trazer algumas leituras sobre como essa violência ocorre no país e, a partir daí também, formular algumas articulações junto com outras organizações, como a própria Anielle trouxe aqui, o Instituto Marielle Franco, a Justiça Global, a Criola, para entender um pouco como é possível tratar desses desafios que esse fenômeno traz para a sociedade brasileira, porque nós entendemos que, principalmente num ano eleitoral, a violência política se torna um desafio para toda a sociedade brasileira, porque uma das leituras que a gente trouxe nessas pesquisas é que essa violência interfere diretamente na democracia. Então, a partir daí também se coloca um grande desafio para os partidos políticos e para o Congresso Nacional, porque tanto os partidos políticos como o Congresso têm uma responsabilidade muito grande nesse debate, porque essa violência também vai explicar porque essas estruturas e espaços hoje estão totalmente... são majoritariamente compostos por homens brancos e deixam afastados grupos que a gente pode dizer como minorizados nesses espaços de poder. Aí a gente entra também na questão dos partidos políticos, porque essas estruturas tradicionais, dos partidos políticos, criam barreiras cotidianas para esses grupos. Por isso, é necessário que cada vez mais se qualifiquem essas estruturas para entender esse debate, para receber essas denúncias; e aí eu vou saudar também essa iniciativa da Comissão de Direitos Humanos em colocar esse disque denúncia, de propor diligências sobre esse tema, porque é preciso cada vez mais que esses partidos, o Congresso e os órgãos públicos recebam essas denúncias, mas também tenham instâncias muito claras que vão encaminhar essas denúncias, porque não é somente resolver as denúncias, a gente precisa dar encaminhamento a essas denúncias, a gente precisa punir esses agressores, a gente precisa educar esses agressores, como veio um pouco nas perguntas também, pois a educação também faz parte da violência política, com certeza. E as pesquisas nos trouxeram essa leitura de que a violência política é uma prática disseminada para representantes de diversas siglas em todas as regiões do país. Então, ela não está só concentrada em partidos de direita ou de esquerda, ocorre com todos os partidos, e ela também não vai ocorrer só em anos eleitorais, embora a gente perceba uma intensificação desses atos de violência nos períodos eleitorais. Outra coisa que as pesquisas nos trouxeram nessas análises é que essa violência possui especificidades quando a gente está falando de mulheres, quando a gente está falando de transexuais, quando a gente está falando da população negra. Então, é preciso atenção redobrada do estado para essas especificidades, porque quando nós falamos, por exemplo, de Parlamentares negros e transexuais, essa violência já está presente na vida dessas pessoas antes de eles almejarem um cargo eletivo. |
| R | Eles já sofrem o racismo, já sofrem a transfobia. Quando eles chegam, fazem uma tentativa de disputar espaços nessas instâncias de poder, essa violência vai se intensificar como uma forma inclusive de impedir que eles consigam ocupar cargos nesses espaços. E, se essas pessoas são eleitas, essa violência vai ser cotidiana, e nós temos vários exemplos disso que já foram trazidos aqui pelas minhas companheiras que me antecederam, como aquele ataque em massa com e-mails e xingamentos, no final de 2020, a Parlamentares negras e trans; como a prisão de um Vereador negro em Curitiba, e isso foi só um começo de um processo de criminalização constante por que esse Vereador está passando; como uma Vereadora no Maranhão que teve o microfone arrancado durante uma fala numa sessão da Câmara de Vereadores. A Rafa Ella também trouxe essa questão da bancada negra de Porto Alegre, no final do ano passado, que também começou a receber ameaças de morte, e a gente vê que há um perfil nessas ameaças: todos eles são negros, são de partidos diversos, mas trazem essas condições desses grupos em que não há interesse que cheguem aos espaços de poder. Então, nós reforçamos que o desafio é muito maior que apenas garantir a participação, mas também garantir um espaço seguro para que essas pessoas exerçam seus direitos políticos; caso contrário, isso se configura uma grave violação de direitos humanos. Então, é muito importante, eu reforço aqui, que a gente monitore essa violência e que sejam punidos os agressores. Pensando um pouco também nessa atribuição do Congresso no que se refere a legislar, nós tivemos importantes avanços. Nós temos que reconhecer que a lei aprovada no final do ano passado, acho que é a 14.192, a lei que propõe ações para prevenir, combater a violência política, é uma lei muito importante, mas nós precisamos avançar, porque é uma lei que ainda não deixa evidente quais são essas instâncias que vão na ponta dessas denúncias, para onde as pessoas devem correr quando sofrem um caso de violência política e também deixa muitas lacunas - isso foi algo que eu lembro que a Rafa Ella trouxe - com relação a essa questão da interseccionalidade, porque é uma legislação que, na última hora, retirou o termo de orientação sexual, deixando apenas o termo "sexo feminino". Essa lei, quando foi debatida na Câmara dos Deputados, a retirada dessa expressão foi feita por meio de emenda de um Parlamentar e foi acatada pela Relatora. Então, a gente precisa realmente avançar porque isso vai na contramão dessa especificidade da violência que a gente está trazendo aqui. Outra lei que também propôs um artigo sobre violência política foi a Lei de Segurança Nacional. Aí eu gostaria de ressaltar que talvez não seja uma Lei de Segurança Nacional, que tem um caráter extremamente punitivista, uma lei adequada para nós inserirmos um artigo referente à violência política, mas ele está lá. E lá também não se fala em orientação sexual, e sim em sexo feminino. Então, nós precisamos prestar atenção nessas questões e tentar avançar nessas legislações, porque é muito importante que essas legislações sobre o tema sejam autônomas, que elas dialoguem com a nossa realidade de Brasil e que também reconheçam - e isso é uma questão que também já foi trazida aqui - que essa violência está relacionada diretamente à luta por paridade. |
| R | Então, à medida que as mulheres, as mulheres negras, transexuais, que a população negra avança na conquista de espaços dentro das instâncias de poder, essa violência também vai aumentar. Então é importante que essas legislações priorizem mecanismos de garantia de participação também paritária das mulheres, e principalmente na sua formulação. E aí nós temos um debate que é muito recente também. E, inclusive, eu vi uma manifestação da plataforma dos movimentos sociais pela reforma política sobre a PEC 18, que está entrando em debate na Câmara - foi formada uma Comissão. Uma PEC que é composta por 32 Deputados tem apenas 6 mulheres, e que vai tratar do fim das sanções para partidos políticos que não cumprem a cota de gênero. Então isso é violência política também. Então é preciso que a gente também faça essa reflexão dentro do Parlamento, para saber como essas questões estão sendo encaminhadas, de violência política, dentro desses espaços, nos conselhos de ética. Na nossa pesquisa, procuramos trazer um pouco dos casos que foram encaminhados sobre violência política no conselho de ética, e a maioria deles é arquivada. Então eu gostaria de finalizar por aqui a minha fala, ficando à disposição para questionamentos, mas agradecendo este espaço, que é extremamente importante. E lembrando que neste ano eleitoral, mais do que nunca, a gente vai precisar monitorar e denunciar se essa legislação em vigor sobre violência política está sendo observada e cumprida, porque nós não podemos compactuar com um sistema político, em uma democracia, que se utiliza de violência para afastar determinados corpos dos espaços de poder. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Bem, eu queria agradecer à Gisele Barbieri, Coordenadora de Incidência Política na organização de direitos humanos Terra de Direitos, a contribuição muito importante que nos chama a atenção para o fato de que a proximidade das eleições cria as condições para o crescimento da violência política. Eu acredito, inclusive, que a extrema direita brasileira vai atuar utilizando a violência política como um instrumento de intimidação dos adversários e de coerção aos eleitores, não é? Nós temos que estar muito alertas a esse quadro, ao que vai acontecer. Precisamos ter uma rede importante de denúncia dessas agressões e violências, porque elas vão acontecer, especialmente porque, na iminência da perda do poder político pela extrema direita, é possível que uma de suas principais armas seja exatamente essa que eu falei, a violência política. A outra questão importante que você traz é que é interessante que alguém, quando galga uma posição do exercício parlamentar, adquire, em praticamente todas as instâncias, a imunidade parlamentar. Em tese, ali não está tão somente uma pessoa; ali está uma pessoa que exerce, alguém que exerce uma função pública relevante e que tem como algo inerente à sua função e ao seu cargo a imunidade. Então, em tese, essas pessoas deveriam estar mais protegidas ainda contra essa violência. E o que nós vemos é que há uma tentativa de calá-las, não somente porque existe o preconceito, a discriminação, mas porque as pessoas querem, por meio disso, impedir que outras pessoas que defendam as mesmas ideias, que representem os mesmos segmentos possam construir-se como uma parcela organizada e influente da sociedade. Então, eu vejo como muito importante. Nós vamos ter o Senado como o espaço onde essas denúncias poderão ser feitas. |
| R | Eu vou passar a palavra à Senadora Zenaide Maia, do PROS, do Rio Grande do Norte, nossa companheira que tem uma importante militância na luta pelos direitos humanos e na nossa Comissão. Transfiro a palavra por dez minutos. A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN. Para discursar.) - Boa tarde a todos e a todas. Quero aqui parabenizar o Presidente, o Senador Humberto Costa, pela importância de uma audiência pública desta. A gente está conseguindo dar visibilidade a tudo o que o povo tem conhecimento. Esses nossos convidados nos enriqueceram com muito conhecimento - o Deputado Federal Carlos Veras, Rafa Ella Brites Matoso, Iêda Leal, Anielle Franco, Miguelina e Gisele. Vocês mostraram o outro lado da violência. É claro que a gente tem o assassinato de Marielle como referência, porque ali foi o extremo da violência política. Era uma mulher negra, de periferia, que conseguiu alcançar um lugar no Parlamento. Além de ser assassinada, as que a seguiram, que conseguiram chegar ao mesmo patamar, Sr. Presidente e todos os que estão nos ouvindo... Eles destroem aquilo, como o nome da rua, o Memorial Marielle Franco. Mas me chamou a atenção algo que foi falado sobre a violência, o racismo, contra as mulheres. A gente vê, mesmo, três séculos de racismo legalizado. Com muita luta, negros, mulheres... E a gente também. A gente conseguiu ter direito a voto... Nem a estudar a gente tinha direito, todas as mulheres. E as negras acompanhando também. Foi falado aqui e eu concordo: não tem ninguém totalmente branco, a gente tem uma miscigenação. Essa questão de ser uma raça ariana ninguém vai conseguir neste país. Eu queria chamar a atenção aqui, Humberto, para a importância do desmonte daquilo que a gente já havia conseguido, que está sendo feito, de todas as políticas públicas e da tentativa de inclusão de negros, de índios, da comunidade LGBTQIA+. Eles estão desmontando. Eu queria lembrar aqui a todas vocês e ao povo brasileiro... No desmonte da CLT, na precarização do trabalho - eu era Deputada -, a coisa que me doía era porque eu sabia que, no desmonte da CLT, as mulheres e as mulheres negras iam sofrer mais. Eu não estou falando nem dos sete anos que acrescentaram, de trabalho, na aposentadoria das mulheres. Eu estou falando aqui... Eu estava olhando aqui, o trabalhador negociar direto com o patrão: isso é uma covardia na relação de forças. E o que me chamava a atenção era que a maioria das pessoas que trabalham e que as chamam de secretárias do lar ou empregadas domésticas, neste País, são negras. Qual a relação delas com o patrão, gente? É o feudalismo, porque a mulher - não estou dizendo que o homem não tem essa sensibilidade -, a mãe, para botar o feijão e o arroz e um copo de café com leite para o seu filho, assina qualquer coisa. |
| R | Na verdade, aquele desmonte da CLT fez a gente voltar ao feudalismo. Trabalhadoras e trabalhadores contratados como se fossem trator e retroescavadeira: duas horas hoje, três amanhã. E, mais, o Brasil precisa saber que essas trabalhadoras e esses trabalhadores podem receber menos do que um salário mínimo. A gente sabe disso e isso mostra essa relação covarde entre patrão e empregado, como aquele caso do Moïse, que são milhares neste país. Então, eu não poderia deixar de lembrar como o desmonte da CLT foi covarde. Nós precisamos voltar isto, voltar com os direitos dos trabalhadores. Nós temos uma epidemia de desemprego e de trabalho precarizado neste país, e os negros estão pagando um preço caro. E eu não acredito em democracia com racismo. Não existe isso. A gente tem que lutar sim. Eu digo que esta Casa pode um bocado de coisa, mas, como se falou aqui - eu acho que foi Miguelina que falou -, mesmo avançando o número de mulheres, a gente vê uma tendência de os partidos quererem ficar contra as políticas. Aqui no Senado para a gente conseguir essa cadeira no Colégio de Líderes... O Senado conseguiu. Hoje, as mulheres têm uma cadeira no Colégio de Líderes, e é uma luta para que as mulheres votem contra as propostas desse Governo. Não há propostas, não há medidas provisórias do Governo Bolsonaro que sejam para ajudar o povo. O que era para ajudar o povo nós já aprovamos aqui, mas eles massacram a agricultora e o agricultor familiar, eles massacram as pessoas com deficiência, esse Governo massacra! E sabem o que choca todos nós? "Foi Deus que quis" - você ouve isso. "Deus quis que eu estivesse aqui." Dizem que defendem as famílias, mas as massacram, são racistas. Racismo... Ninguém venha me dizer que é racista e é cristão. Não combina. Defendem a família, mas não defendem um teto para essa família. Acabam com o Minha Casa, Minha Vida. Defendem a família, mas não defendem uma educação pública para os filhos dessas famílias. Defendem a família, mas não defendem um SUS fortalecido para atender a essas famílias, para incluir, inclusive, essa população negra, que, hoje, eu tive vontade... Eu sempre peço assim, eu digo: "Eu dou graças a Deus de não perder a capacidade de me indignar", quando eu vejo uma violência contra os negros, quando eu vejo um colega médico - e Humberto sabe, porque é médico e eu sou também... Mas, não se iludam, são capazes sim... A violência que eles estão praticando, até hoje, contra os seres humanos, deixando pessoas morrerem de mortes evitáveis continua, gente! Continua. Eu digo que uma coisa me encheu de orgulho aqui de vocês hoje foi o entusiasmo. Podem querer nos massacrar - mulheres, negros, comunidades LGBTQIA+, qualquer opção sexual -, mas nós não vamos abaixar a cabeça. |
| R | Sabem esta aqui, nordestina? Quando querem me pressionar, eu digo: "Gente, eu não sobrevivi à mortalidade infantil do Sertão nordestino há mais de 60 anos para estar aqui sendo servil". Nós temos que nos levantar e vamos nesta luta! E o Congresso pode, sim. Por isso, nós temos que dar visibilidade às pessoas. Mesmo tirando este Presidente, que não respeita a vida de nada, não só do ser humano, nem da natureza e muito menos dos animais - esse é o cara que a gente tem que abolir -, também temos que ajudar quem for governar, porque, com este Congresso que está aí, como foi falado, fica difícil, mas eu lembro: não vamos perder a esperança. Sabe por quê, Humberto? Porque não vindo do Poder Executivo coisas cruéis e esmagadoras para negros e trabalhadores já é uma grande coisa para a gente! É ou não é? Quando vier... Porque vai ter que criar dentro do Plenário. Então, se Deus quiser... E nós vamos lutar! Outra coisa: você discriminar alguém por ser negro?! Ouçam a música de Chico Buarque. Há alguém de raça ariana aqui neste país? Agora, eu concordo também que Mussolini é muito mais... A inteligência é maior, mas ele tenta imitar. Aqui no meu Sertão, dizem assim: "É Mussolini depois da gripe". E é isto aí: o massacre sobre os negros, sobre as mulheres, sobre as pessoas com deficiência neste país! Há 2 milhões de pessoas na fila da Previdência tentando conseguir um benefício a que têm direito por lei! E nós vamos estar juntos. Todas essas mulheres que falaram aqui, o Humberto, o Senador Paulo Paim e o Contarato têm esse eco aqui. E, mesmo a gente sendo em um número com que muitas vezes a gente perde, a gente mostra à população o que é necessário. Muitas vezes, é no seu vizinho, e, por falta de conhecimento ou por falta de darmos visibilidade, ele não percebe. Essas audiências públicas fazem com que se dê visibilidade. Muitas vezes, a gente tem dificuldade de aprovar audiências públicas - não é, Humberto? -, porque não querem que a gente dê visibilidade. Informação é poder! O maior libertador, o maior empoderamento dos negros, das comunidades LGBTQIA+ e das mulheres deste país é informação. E nisso nós temos obrigação aqui, no Congresso Nacional, de ir em frente. "Não esmorecer para não desmerecer", Oswaldo Cruz. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Zenaide, sempre muito inspirada, muito firme, uma mulher que, neste Senado Federal, orgulha todos nós e honra a atuação política de todas as mulheres, não somente nos temas diretamente vinculados à questão dos direitos humanos, mas na sua participação em nossa CPI, a CPI que investigou as ações do Governo em relação à covid, no debate sobre os temas vinculados às questões trabalhistas, no seu posicionamento em relação aos temas educacionais... Sem dúvida, o Rio Grande do Norte tem em você, realmente, um motivo de muito orgulho pela sua coragem política, pelo seu preparo intelectual e pelo seu compromisso com as mudanças que nós todos queremos promover no nosso país. |
| R | Eu vou passar a palavra para a Livia Allen, que é Gerente de Projetos da ONU Mulheres, para que ela possa falar, e, logo depois, para o Senador Fabiano Contarato. (Pausa.) Ela está aí? (Pausa.) Está bom. Falta mais alguma pessoa entre os convidados? (Pausa.) Todos já falaram. Então, vamos ouvir o Fabiano Contarato, para que a gente possa concluir aqui o nosso trabalho. O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Para discursar.) - Obrigado, Sr. Presidente. Quero parabenizá-lo pela iniciativa, meu querido Senador Humberto Costa. Saúdo o Deputado Federal Carlos Veras; a Rafa Ella Brites, representante do Movimento #VoteLGBT; a Iêda Leal, minha querida Iêda, representante do Movimento Negro Unificado; a Anielle Franco, fundadora do Instituto Marielle Franco; a Miguelina Vecchio, Coordenadora Nacional do Fórum Nacional de Mulheres de Instâncias de Partidos Políticos; e a Gisele Barbieri, Coordenadora de Incidência Política na organização de direitos humanos Terra de Direitos. Sr. Presidente, eu queria apenas fazer uma reflexão aqui. Tudo, para mim, parte da Constituição Federal. A Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, é clara quando diz que todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, mas será que, efetivamente, no Brasil, essa isonomia tem vida? Eu tenho certeza de que não. Nós Parlamentares - e a minha querida Senadora Zenaide Maia muito bem abordou este tema -, por vezes, no Congresso Nacional... E, aí, faço uma reflexão sobre a representatividade do Parlamento: será que o Parlamento efetivamente representa a população brasileira? Eu tenho a plena convicção de que não. O Parlamento representa castas, camadas sociais. A grande massa da população brasileira, de pobres, pretos, mulheres, índios, quilombolas, população LGBTQIA+, pessoas com deficiência, pessoas que vivem com HIV, essas não têm representatividade. É muito cômodo nós vermos que, dos três Poderes, o único que nunca foi presidido por uma mulher é justamente o Poder Legislativo. Eu estive, antes da pandemia, em Mato Grosso do Sul: dos 24 Deputados, todos homens, nenhuma mulher. Isso tem que nos dizer alguma coisa. Eu estive em Salvador antes da pandemia: mais de 85% da população de Salvador é composta de pretos e pardos, e Salvador nunca elegeu um Prefeito preto ou pardo. Então, qual é a representatividade que nós estamos dando para dar efetividade a essa premissa constitucional de que todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza? Eu lembro aos colegas que, em 2019, eu havia recém-assumido no Senado e estava na CCJ, quando fui designado para ser o Relator de um projeto de lei que queria acabar com as cotas de participação das mulheres no processo eleitoral. Até nisso nós somos preconceituosos. Gente, eu vi lá Parlamentares falando em "30% de mulheres", quando, na verdade, a lei fala em 70% de um gênero e 30% do outro. Então, eu fiz o parecer pela rejeição do projeto. Para minha surpresa, esse projeto ainda teve dois votos favoráveis. Nós conseguimos derrubar o projeto, mas ele teve dois votos favoráveis: o do autor e o de uma Senadora mulher. Isso me tocou, me chamou a atenção. E aí eu não só fiz o relatório pela rejeição, mas apresentei um para determinar a paridade: 50% para um gênero e 50% para o outro. Mas por que essas pautas não andam no Congresso Nacional? Porque, infelizmente, o Congresso Nacional também é preconceituoso, é sexista, é homofóbico, é racista, é misógino, é xenofóbico. Não há como nós não entendermos que essa é uma violência política. Eu falo aqui pela população LGBTQIA+. Todos os direitos da população LGBTQIA+ não se deram pela via do Poder Legislativo, todos: direito ao casamento, direito à adoção, direito à redesignação sexual, nome social, direito ao recebimento de pensão em virtude de morte, direito à pensão, criminalização da homofobia, direito de doar sangue. Todos esses direitos se deram pela via do Poder Judiciário. Por quê? Porque o Poder Judiciário não pode se eximir de dizer o direito. |
| R | E aí muitos Parlamentares falam: "Ah, o Supremo está legislando". Não é que ele está legislando; ele está empurrando a história para o rumo certo, porque, se nós Legisladores nos acovardamos, nos omitimos, nos intimidamos, alguém tem que dizer esse direito, para dar direito a essa população, que eu nem chamo de minoria; eu chamo de maioria minorizada, porque 52% da população são de mulheres; a maioria da população brasileira é composta por pretos e pardos; nós temos aí um universo de população LGBTQIA+. Então, falar que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é promover o bem-estar de todos e abolir toda e qualquer forma de discriminação - toda e qualquer forma de discriminação! - ainda está longe de ser uma realidade. É um trabalho que tem que ser hercúleo, tem que ser diuturno. Platão falava que a sabedoria está na repetição. A gente tem que estar falando o tempo todo: "Olha, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Olha, você tem que me respeitar não é em virtude da minha orientação sexual ou do meu gênero; é pelo simples fato de eu ser um ser humano". Então, a orientação não define o caráter, a cor da pele não define o caráter, o gênero não define o caráter; o que vai definir o caráter vai ser o seu comportamento ético e moral. Agora, infelizmente, nós vivemos em um país que tem uma digital. E isso está muito mais aceso agora, com o atual Presidente da República, porque uma grande parcela da população brasileira se vê legitimada a reproduzir o que ele faz, o que ele tem como objetivo, quando ele tem um comportamento sexista, homofóbico, racista, misógino e assim sucessivamente. Agora, o que nós, enquanto Parlamentares, estamos fazendo para mudar isso? É isso o que eu fico sempre repetindo. Eu lembro que quando eu recebi aquele ataque lá na CPI da covid, um ataque homofóbico, vários colegas Senadores se solidarizaram comigo - vários! -, mas a solidariedade não pode ser apenas por palavras. Não existe solidariedade só da boca para fora; ela tem que ser por ação. Eu lembro que, na reunião de Líderes do Senado, eu fiz uma provocação aos colegas Senadores; todos voltaram a se solidarizar comigo. Eu falei: "Muito obrigado. Então, vamos fazer uma coisa? Eu não vou pedir nada de mais, eu quero só que todos os direitos que o Supremo reconheceu pela via precarizada, vamos botar isso num projeto de lei - todos! - e aprovar?". Isso é ato de solidariedade, porque solidariedade sem ação é palavra jogada ao vento, é como o pedido de perdão. O pedido de perdão é um ato nobre? É, mas o que você está fazendo quando você reconhece que cometeu um ato errado, criminoso e pede perdão? Não basta pedir perdão; é necessário mudar o comportamento: "A partir de hoje, eu reconheço que errei, reconheço. A partir de hoje, não vou ser mais homofóbico, não ser mais racista, não ser mais misógino, não vou ser mais sexista". Aí, sim, esse pedido de perdão tem validade. Aí, sim, a demonstração de solidariedade tem validade, porque, do contrário, nós vamos continuar sendo um Brasil onde uns são mais iguais que outros; 338 anos de escravidão, e nós ainda vivemos com esse racismo estrutural, até hoje temos que tê-lo. Perdoem-me o desabafo: não pensem que para mim é fácil. Eu tenho dois filhos, com muito orgulho, dois filhos negros, mas eu tenho que explicar para a escola dos meus filhos para que eles tenham atenção de que os meus filhos são frutos de uma relação homoafetiva; esse é um desafio. Eu tenho que explicar para a escola dos meus filhos que meus filhos podem ocupar qualquer lugar, que ninguém vai dizer para eles onde eles podem e o que eles podem, porque a cor da pele deles não deve ser um fator preponderante para absolutamente nada, porque o respeito é inerente ao ser humano. Isso está na Declaração Universal dos Direitos Humanos. |
| R | Então, o que nós Parlamentares, meu querido Senador Humberto e minha querida Senadora Zenaide, estamos fazendo, porque essa nossa omissão, quando não somos proativos, é relevante? Eu aprendi que todo poder emana do povo, mas passou da hora de nós, políticos, derrubarmos os muros do Parlamento e interagirmos com o principal destinatário. Eu lembro que, antes da pandemia, quando eu era Presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, eu fui visitar os índios gurarini-kaiowá, em Mato Grosso do Sul. Eles estão sendo dizimados com esse Governo, e lá os caciques olharam para mim, depois de caminhar por quilômetros de estrada de chão, e falaram: "Nunca nenhum Senador esteve aqui". Aquilo me tocou e, imediatamente, aqui, no Espírito Santo, fui a uma comunidade indígena também. Por quê? Porque eu fui eleito, meus amigos - Parlamentar para defender banqueiro e grandes empresários já há demais no Senado -, para defender os pobres, pretos, pardos, índios, quilombolas, mulheres, pessoas com deficiência, população LGBTQIA+, pessoas que vivem com HIV, para tentar diminuir esse abismo existente entre milhões de pobres e a concentração de riqueza nas mãos de tão poucos. Nós, políticos, queremos dar saúde pública e educação pública com qualidade à população? Queremos. Mas o que nós estamos fazendo para instituir imposto sobre grandes fortunas, que está lá no art. 192 da Constituição Federal, desde o dia 5 de outubro de 1988? A nossa querida Senadora Zenaide falou muito bem da reforma trabalhista, em 2017: "Vamos alavancar a economia e gerar emprego e renda" e precarizou a relação trabalhista, e, mais uma vez, quem pagou foi o trabalhador, o pobre e, principalmente, as mulheres. Eu lembro que, historicamente, quando as mulheres tiveram direito à licença-maternidade, todo mundo comemorou. Sabe o que as empresas começaram a fazer? Não contratarem mulher ou exigirem atestado de esterilidade. Isso é muito grave! Aí, depois, veio a reforma da previdência. Ficávamos lá debatendo, e, mais uma vez, quem vai pagar a conta é o trabalhador. Hoje se tornou uma missão impossível para um trabalhador brasileiro se aposentar, porque 40 anos de contribuição... Quando um senhor, uma pessoa de meia idade, com 50, 55 anos, for mandada embora, ela não vai voltar para o mercado de trabalho. Então, nós precarizamos a relação trabalhista em 2017, atentamos contra a previdência, principalmente das pensionistas. As mulheres que recebem pensão por morte, mais de 80% são de mulheres, porque deixam a sua atividade laborativa para cuidar de casa. Nós vivemos num país patriarcal, sexista, preconceituoso, e agora não vão ter mais direito. Então, é necessário que nós Parlamentares - e eu faço a minha autoanálise - diuturnamente nos perguntemos: o que eu estou fazendo para colocar uma digital, para reduzir a desigualdade, para dar efetividade àquela premissa constitucional de que todos somos iguais perante a lei, independentemente de raça, cor, etnia, religião, origem, orientação sexual, gênero ou pessoa com deficiência, mas que todos devemos ser tratados de forma igualitária? Eu lembro que, uma vez, eu falei no Senado: "Mais uma vez, estamos nós aqui, homens, brancos, na grande maioria ricos e engravatados, decidindo a vida de milhões de pobres". Eu queria muito que entrassem pela porta do Senado mais representantes das mulheres, dos pretos, dos pobres, da população LGBTQIA+, dos índios, dos quilombolas. Infelizmente, esse dia não chegou, mas eu vou estar lutando incansavelmente, enquanto Deus me der vida e saúde, para exercer um mandato para reduzir a desigualdade e para dar efetividade a essa premissa de que todos somos iguais perante a lei. |
| R | Podem contar sempre comigo na defesa intransigente daquilo que eu chamo (Falha no áudio.) ... brasileiro, que é a Constituição da República Federativa do Brasil. Um beijo carinhoso em todos e todas, e contem sempre comigo. Muito bom ver você, Iêda, a Rafa Ella, o Senador Humberto, a Senadora Zenaide, a Gisele; enfim, todos vocês me fazem acreditar que nós podemos, sim, não só sonhar, mas concretizar o sonho de um Brasil mais justo, fraterno, igualitário, inclusivo e plural. Beijão! O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Eu quero agradecer a todos e a todas que participaram desta audiência pública. Eu creio que todos e todas já fizeram uso da palavra; também os Senadores e as Senadoras que assim demandaram tiveram essa oportunidade. Eu quero agradecer à Lívia Alen - ela não compareceu, mas ainda assim lhe agradeço -; à Gisele Barbieri, Coordenadora de Incidência Política na Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos; à Miguelina Vecchio, Coordenadora Nacional do Fórum Nacional de Mulheres de Instâncias de Partidos Políticos; à Anielle Franco, fundadora do Instituto Marielle Franco; à Iêda Leal, representante do Movimento Negro Unificado; à Rafa Ella Brites Matoso, representante do Movimento #Vote LGBT; e ao nosso companheiro, Deputado Federal Carlos Veras, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Nós vamos encaminhar aqui algumas sugestões: uma delas é uma manifestação de repúdio em face da conduta do médico goianiense que fez aquela postagem ignominiosa e também reafirmo aqui o nosso compromisso de que vamos fazer diligências aos estados e municípios onde os casos mais gritantes de violência política estão acontecendo. Então, vamos procurar as instituições que nos ajudaram na elaboração desta audiência pública para que nós possamos sentar, acertar uma agenda dessas diligências e também para que nós possamos ver e debater in loco esse tipo de coisa, particularmente num ano como este, que será um ano eleitoral. |
| R | Quero repetir aqui o telefone da nossa ouvidoria: 0800 0612211. Estou aqui sendo chamado para falar do nosso e-mail, que vai receber denúncias de violência política - vou repeti-lo: violenciapolitica@senado.leg.br. Então, eu quero agradecer a presença de todos e de todas. E, nada mais havendo a tratar, eu declaro encerrada esta audiência pública, agradecendo, inclusive, o acompanhamento feito pelas pessoas que participaram acompanhando pelas redes sociais do Senado e dos integrantes desta audiência. Muito obrigado. (Iniciada às 14 horas e 18 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 08 minutos.) |

