Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 3ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, na qual se realiza o 2º Colóquio Brasil-Alemanha sobre Política e Direito Ambiental. Antes de dar início, na função de Presidente, cabe a mim apresentar alguns detalhes procedimentais. O colóquio será dividido em cinco painéis, além das mesas de abertura e encerramento, com os tempos previamente determinados e intercalados, com sessões de debate. Os painéis serão presididos por colegas da Comissão e contarão com representantes das áreas política, jurídica e de pesquisa ambiental do Brasil e da Alemanha. A reunião ocorre de modo semipresencial. Cientistas e professores alemães participarão pelo sistema de videoconferência do Senado Federal, que, igualmente, estará à disposição dos Senadores ao longo do dia. Tanto no sistema remoto quanto aqui na sala, teremos à disposição o serviço de interpretação simultânea, bastando selecionar o canal do idioma de preferência. As inscrições para uso da palavra podem ser solicitadas por meio do recurso "levantar a mão" ou no chat para os Senadores e debatedores que participam remotamente junto à Secretaria aqui na sala. Finalmente, o colóquio será transmitido ao vivo em português, libras e alemão, além de aberto à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211. O relatório completo com todas as manifestações está disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores. O evento é uma realização desta Comissão de Meio Ambiente com o Fórum Eurobrasileiro sobre Democracia e o Observatório do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas do Poder Judiciário, vinculado ao Conselho Nacional de Justiça. Nesta segunda edição, estará em debate "a função ecológica da propriedade: o regime jurídico do desmatamento e de cadeia de suprimento". É de relevância ao debate público a discussão sobre a sobreposição entre o regime jurídico do desmatamento vigente no Brasil, os impactos dos desdobramentos econômicos dos setores cujas cadeias de suprimento incidem de maneira proeminente no desmatamento, e a função ecológica da propriedade. Ampliar esse debate conhecendo os aspectos comuns e os aprendizados que podem existir na relação Brasil e Alemanha em relação ao tema é fundamental para estreitarmos laços e garantirmos importantes apoios a essa causa no Brasil. |
| R | Assim ficamos honrados em sediar aqui, na Comissão de Meio Ambiente, esse importante debate e contaremos com a participação de nomes bastante expressivos ao longo do dia. Para esta mesa de abertura nos acompanham o Embaixador Heiko Thoms, que é Embaixador da Alemanha no Brasil, a quem eu gostaria de agradecer por todo o esforço da sua equipe técnica e da embaixada e toda a parceria com o nosso Superior Tribunal de Justiça e com esta Casa no sentido da realização deste evento. Também está comigo aqui, nesta mesa, o Embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, Secretário Nacional de Soberania Nacional e Cidadania do Ministério de Relações Exteriores do Brasil, a quem eu também agradeço a presença para abrilhantar esta abertura. Por uma questão de absoluta discrição, não está comigo na mesa, mas eu faço questão de cumprimentar, o nosso querido Ministro Herman Benjamin, do CNJ, que é responsável exatamente por essa área de acompanhamento - do CNJ não: do STJ; me perdoe -, que também é o responsável por essa área ambiental e que é um entusiasta não só deste colóquio, mas também do primeiro, em 2019, de que eu tive a oportunidade de participar. Com a palavra o Embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, Secretário Nacional de Soberania Nacional e Cidadania do Ministério de Relações Exteriores do Brasil. V. Exa. tem a palavra. O SR. PAULINO FRANCO DE CARVALHO NETO (Para expor.) - Obrigado, Sr. Senador Jaques Wagner, Presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal. Cumprimento meu colega, o Embaixador Heiko Thoms, que é Embaixador da Alemanha - na pessoa de quem cumprimento todos os representantes alemães que estão presentes aqui, inclusive a Deputada Anna Cavazzini, membro do Parlamento europeu que engrandece este evento. Um especial cumprimento ao Ministro do Superior Tribunal de Justiça Ministro Antonio Herman Benjamin. É um prazer também estar nesta oportunidade aqui com os senhores e com as senhoras. Sras. Senadoras, Srs. Senadores, eu tenho a grande satisfação de participar, em nome do Ministério das Relações Exteriores, da abertura do 2º Colóquio Brasil-Alemanha sobre Política e Direito Ambiental. Eu gostaria de congratular os organizadores do evento pela iniciativa e pela escolha, para esta segunda edição do colóquio, de tema de importância central para promoção do desenvolvimento sustentável. A noção de função ecológica da propriedade nos faz lembrar, de partida, que a consecução de um modelo de desenvolvimento em bases verdadeiramente sustentáveis no nosso país, no Brasil, constitui um desafio que envolve necessariamente a participação de toda a sociedade brasileira. Não só o Estado e seus três Poderes - Legislativo, Judiciário e Executivo -, todos aqui representados nesta sala, mas também a sociedade civil, o setor privado e as organizações não governamentais são todos partes essenciais dessa equação. |
| R | É sempre útil lembrar que o Brasil possui uma das legislações mais avançadas do mundo no que tange à proteção da vegetação nativa em propriedades privadas. Ao abrigarem mais de 50% de nossas florestas, as propriedades rurais brasileiras depositárias de biomas nativos têm, no Brasil, importância comparável e complementar às unidades de conservação públicas. O Código Florestal brasileiro, ao estabelecer as reservas legais voltadas para a conservação e uso sustentável da vegetação nativa e as áreas de proteção permanente, constitui um instrumento central para a promoção da sustentabilidade em nosso país. No que concerne às cadeias produtivas, vale ter presente que, no plano internacional, países desenvolvidos têm crescentemente buscado impor a seus importadores locais e, em última instância, aos exportadores de países em desenvolvimento o ônus de comprovar que a cadeia produtiva de fornecimento de seus produtos não está associada ao desmatamento de áreas florestais. O Itamaraty tem buscado, em atuação com outros órgãos do governo brasileiro, corrigir essa visão equivocada e esclarecer governos e opinião pública internacional sobre os avanços regulatórios e tecnológicos da produção agropecuária brasileira e das modalidades de proteção e uso sustentável do meio ambiente no país. O Brasil e seu setor produtivo estão evidentemente atentos à preocupação dos consumidores nacionais e estrangeiros com a sustentabilidade. O aumento de produtividade no campo brasileiro tem advindo basicamente da inovação e do uso intensivo de tecnologia no campo e tem se feito acompanhar da estruturação de sistemas produtivos crescentemente sustentáveis e seguros. Como um dos mais importantes exportadores de produtos agrícolas do mundo, o Brasil tem papel fundamental no fortalecimento com responsabilidade da resiliência das cadeias produtivas globais e da segurança alimentar do planeta, fortemente abaladas desde 2020 pela crise sanitária e econômica global e, mais recentemente, pelas consequências econômicas do conflito bélico na Ucrânia. A matriz energética brasileira, preponderantemente baseada em fontes renováveis, encontra-se entre as mais limpas do mundo. Graças a políticas públicas e ao marco jurídico avançado, o desempenho brasileiro em indicadores ambientais muito relevantes, como percentual de áreas protegidas, cobertura vegetal nativa e mudança do uso da terra para agricultura, encontram-se entre os mais elevados do mundo. O desenvolvimento sustentável do Brasil depende da conservação e do uso sustentável de seus ativos ambientais, que deverão crescentemente contribuir para a economia brasileira, para o seu desenvolvimento e especialmente para a inclusão social no país. |
| R | O combate ao desmatamento ilegal para que se possa levar adiante esse objetivo maior de desenvolvimento sustentável tem sido e deve continuar a ser cada vez mais prioridade absoluta deste e de qualquer Governo no Brasil. Os países desenvolvidos têm, por sua vez, desafio igual ou até maior na substituição de energias fósseis por renováveis. Nesse sentido, a experiência alemã deve ser vista com atenção. O Governo brasileiro, em particular o Itamaraty, pelas suas atribuições, tem constantemente lutado para garantir que os esforços brasileiros em prol da sustentabilidade sejam reconhecidos no plano internacional. O Itamaraty também tem atuado no sentido de promover uma visão equilibrada e, sobretudo, integrada do desenvolvimento sustentável em todos os seus três pilares: sua dimensão ambiental, sua dimensão social e sua dimensão econômica. Tem, nesse sentido, criticado visões algumas vezes simplistas por vezes esposadas por alguns países desenvolvidos que buscam sobrevalorizar a dimensão ambiental e meramente conservacionista. A promoção do desenvolvimento sustentável, com tem advogado o Brasil nos foros internacionais, também requer a cooperação entre as nações, a exemplo daquela que o Brasil desenvolve há décadas com a Alemanha, copatrocinadora do presente colóquio. Não só a cooperação técnica e a troca de experiências, mas também a transferência de tecnologia e o financiamento, aí incluídos os mecanismos financeiros inovadores como pagamentos por serviços ecossistêmicos, são instrumentos de cooperação internacional necessários à consecução do desenvolvimento sustentável. No plano internacional, no fim, buscamos garantir que políticas públicas unilaterais de certos países ou conjuntos de países não imponham barreiras ao acesso de produtos brasileiros aos mercados internacionais, sob argumentos de proteção da sustentabilidade da cadeia produtiva e de suprimento, mas que, no final das contas, revelam protecionismo à produção local que não se ampara em regras multilateralmente acordadas. Muito obrigado, Sr. Senador. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Embaixador Paulino, pela sua colocação. Eu passo a palavra agora ao Embaixador Heiko Thoms, Embaixador da Alemanha no Brasil. O SR. HEIKO THOMS (Para expor.) - Eu cumprimento S. Exa. o Presidente da Comissão de Meio Ambiente, Senador Jaques Wagner; o Embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, Secretário de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania; o Sr. Senador Confúcio Moura, a Sra. Deputada Anna Cavazzini e o Ministro Herman Benjamin. Excelências, caros palestrantes e expectadores, é um grande prazer fazer parte deste painel de abertura do 2º Colóquio Brasil-Alemanha sobre Política e Direito Ambiental. Eu gostaria de começar a minha intervenção agradecendo o apoio da Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, do gabinete do Senador Jaques Wagner e o empenho incansável do Ministro Herman Benjamin para a realização deste evento. Nosso colóquio trata de um assunto de altíssima relevância tanto para o Brasil como para a Alemanha e, portanto, também de altíssima relevância para as relações entre nossos países. Eu gostaria de expressar igualmente a minha imensa satisfação com a cooperação frutífera mantida entre a Embaixada da Alemanha em Brasília, o Senado Federal e o Conselho Nacional de Justiça para tornar possível este evento. O Colóquio oferece o espaço de debate sobre a função ecológica da propriedade frente ao desmatamento e às cadeias produtivas. |
| R | A Embaixada da Alemanha em Brasília vem organizando debates com participantes iminentes e um enorme alcance no âmbito do Fórum de Democracia Europa-Brasil desde 2018. Até hoje o fórum realizou mais de 40 eventos, que contaram com mais de 4 milhões de espectadores virtuais. Este evento de hoje, porém, é o primeiro debate no âmbito do fórum que podemos realizar com presença física desde o início da pandemia, e eu gostaria de destacar minha grande satisfação de poder retornar a eventos presenciais justamente no Senado Federal com esta ilustre participação e com a presença da Sra. Anna Cavazzini, Deputada do Parlamento europeu, e do Dr. Christian Ruck, esse membro do parlamento alemão e encarregado do Governo alemão para a parceria pela floresta da Bacia do Congo. São as primeiras visitas da Europa que recebemos em Brasília desde o começo da pandemia. Também agradeço a participação virtual dos Srs. Ernst-Ulrich von Weizsäcker, Maritta Koch-Weser e do Prof. Christian Calliess, que poderão contribuir para este debate com perspectivas da Alemanha e da Europa. Eu gostaria de expor também algumas observações. Seca extrema e inundações catastróficas na Alemanha e no Brasil são realidades que nós e futuras gerações teremos de enfrentar se não agirmos agora. A proteção do clima e dos recursos naturais é uma tarefa da humanidade e por isso é tão importante trabalharmos juntos para encontrar as soluções. Com a Floresta Amazônica, o Brasil tem um papel chave na proteção global do clima. A mudança do clima afeta questões fundamentais da liberdade; por um lado, a liberdade do proprietário de produzir ali nas suas atividades, gerar emissões de gases de efeito estufa e, por outro lado, a liberdade das pessoas mais atingidas pela mudança do clima, notadamente as futuras gerações. Com base nesse entendimento, em junho do ano passado o Parlamento alemão aprovou a emenda à nossa lei de proteção do clima. Com a emenda, nossas metas climáticas tornaram-se ainda mais ambiciosas. Agora, queremos alcançar a neutralidade climática já em 2045. A elevação das nossas metas climáticas foi impulsionada de forma determinante por uma decisão do nosso Supremo Tribunal conquistada graças às reivindicações de cidadãos muito jovens. E com qual justificativa? Com a justificativa de que, sem uma ação rápida, a liberdade dos homens, pós 2030, ficará muito restrita por causa dos efeitos da mudança do clima. Essa decisão mostrou que a política que se escanteia perante o futuro em relação às mudanças climáticas não é uma opção. A política tem a responsabilidade de definir e impor as condições gerais para uma compensação justa dos interesses. O Brasil também tem mostrado que está levando a sério o desafio das mudanças climáticas. Entre 2005 e 2012 as emissões na área de mudanças no uso da terra diminuíram 86%. Importante destacar nesse contexto que, nesse mesmo período, a produção agrícola cresceu. O Código Florestal e outras leis foram criadas para reduzir o desmatamento e havia sistemas de monitoramento, áreas indígenas e de proteção demarcadas encontravam-se sob uma salvaguardada efetiva. O mundo admirava o Brasil por esses progressos. Os compromissos que o Brasil assumiu no Acordo de Paris receberam o respeito internacional. |
| R | Hoje, grande parte da comunidade internacional, incluindo a Alemanha e a União Europeia, espera que o Brasil volte a demonstrar o entendimento da gravidade do problema. O caminho nos parece bem claro: envolve implementar as leis brasileiras que já existem, financiar agências competentes, respeitar as instituições relevantes e repensar aquelas leis que atualmente estão em discussão, incluindo sobre mineração nas áreas indígenas, que, a nosso ver, teria um impacto negativo não somente para a preservação da Floresta Amazônica, mas também para a paz social na região e para a reputação do país. Para nós, não se trata, nesse contexto, de conciliar meio ambiente, economia e questões sociais, mas, sim, de investir nas oportunidades que uma economia verde oferece. Nós deveríamos aproveitar as mudanças climáticas para modernizar nossas economias e torná-las mais sustentáveis e resistentes a crises. A proteção do clima já é um business case hoje que atrai investidores privados. Por exemplo, considerando o setor de energia, o Brasil é abençoado com recursos renováveis. A bioeconomia é outro campo no qual o Brasil poderia desempenhar um papel com a agricultura ecológica alternativa. É nessa corrida por soluções sustentáveis que estão acontecendo no mundo todo que o Governo deveria se engajar. Ela traria enormes benefícios para as pessoas e também ajudaria a manter a floresta em pé. O nosso evento de hoje é um excelente espaço para discutir essas questões fundamentais para a Alemanha e o Brasil e para nossas relações bilaterais. Agradeço mais uma vez a participação de todas e todos e desejo que tenhamos um debate rico e construtivo. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Obrigado, Embaixador Heiko Thoms. Eu quero aproveitar, antes de falar as minhas palavras e passar imediatamente à primeira mesa, e cumprimentar a querida Ministra do nosso Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, e o meu querido Senador Vice-Presidente desta Comissão, Senador Confúcio Moura. Eu queria apenas iniciar minhas palavras me solidarizando com os milhões de homens e mulheres, crianças, adultos e idosos que sofrem uma guerra que se iniciou há 27 dias entre Rússia e Ucrânia. Eu creio que, toda vez que nós vemos uma guerra eclodir, isso significa a vitória da barbárie sobre a civilização, significa a falência do diálogo e o apelo para a força para se resolver - e não se resolverá pela força nenhuma questão, apenas se destruirá. Entendo, sem querer aprofundar no mérito, que os fatos nós não podemos negar: evidentemente a guerra está aí, e a invasão, assim como a pretensão, para que não sejamos ingênuos, de avanço da linha da Otan. Creio que tudo isso deveria ter sido colocado numa mesa de negociação e discutido. Por isso insisto que é a falência do diálogo e da diplomacia que nos empurra para qualquer tipo de guerra, absolutamente indesejável. |
| R | Por isso, eu cito o caso da Ucrânia, porque, nesse caso em que nós vamos ter o colóquio, que é a questão do meio ambiente, Embaixador Paulino e Embaixador Thoms, eu creio que se trata da mesma questão. Nós estamos vendo eclodir uma guerra da mãe natureza contra os humanos que vivem no planeta, por falta absoluta de entendimento de qual é a forma que nós devemos adotar para desenvolvimento que seja longevo e, portanto, que preserve a casa maior, como diz Sua Santidade, o Papa Francisco. Eu creio que esse colóquio tem o condão principalmente de debater o tema, e não de impor opiniões. Eu creio que esse colóquio deve estar presidido pelo combate ao dogma e ao preconceito. Esses dois nos atrapalham muito para ter um entendimento mais claro. Hoje, a solidariedade ambiental é, inevitavelmente, planetária, porque a guerra da Ucrânia acontece na Ucrânia, na Rússia, nós teremos consequências na nossa economia, em função de preço de petróleo, etc., mas, diretamente, nas nossas vidas, nós não sofremos a guerra imediatamente. No caso da guerra ambiental, ela perturba a vida de todos em todo o planeta. Tanto faz onde é o desmatamento - se é aqui, na África, na Ásia -; o mundo inteiro sofrerá com isso, através do aquecimento global, da elevação do nível dos mares, das secas, das enchentes, dos dilúvios. Então, eu creio, como eu citei no caso da guerra da Ucrânia, em que há uma guerra explícita, uma invasão, e há motivos outros não tão visíveis, que é a extensão da linha da Otan, que não nos é dado o direito de desconhecer se quisermos nos debruçar sobre as reais razões e como sairemos desse conflito. Eu creio que aqui é a mesma coisa. Embaixador Paulino, efetivamente, a nossa legislação é muito avançada, mas eu tenho a tristeza de dizer que, nesta Casa, pairam já dois projetos que pretendem um processo de retrocesso em relação a eles, seja o da regularização fundiária, seja o do licenciamento ambiental, e eu concordo com V. Exa.; nós já temos uma legislação que, se houver vontade política, tanto na área do licenciamento quanto na área da regularização, nós temos legislação para fazê-lo. Agora, às vezes, não se abastecem os órgãos para que eles possam cumprir de forma eficiente, e depois se diz que a culpa é da lei, como se eu tivesse que precarizar a lei para que as coisas pudessem funcionar. Nós temos, aprovada já na Câmara dos Deputados, a Lei 191, que permite mineração em terra indígena ou próxima. O próprio Instituto Brasileiro de Mineração, o Ibram, que representa as empresas, se coloca contra essa lei. |
| R | Então, é inevitável reconhecer que nós tivemos um aumento do desmatamento muito grande e, evidentemente, nós, que somos proprietários da Amazônia - e, na verdade, a Amazônia é nossa, não estamos aqui a discutir isso -, temos que ser bons proprietários, temos que saber cuidar, para que, efetivamente, ela continue a nos servir, como responsável pelas chuvas no Brasil inteiro e pela captura de CO2 que serve ao mundo inteiro. Então, eu tenho orgulho de dizer que nós, aqui nesta Comissão, instituímos duas instâncias que vão no sentido do diálogo. A primeira é o Fórum da Geração Ecológica, em que nós reunimos 45 pessoas da sociedade civil, de matizes totalmente diferentes, e, trabalhando desde junho do ano passado, pretendemos em junho deste ano entregar um arcabouço legislativo que possa servir a quem quer que seja o Presidente em 2023, que possa servir de base para uma guinada verde - vou chamá-la assim - no nosso país. Ao mesmo tempo, estamos construindo junto com a Cepal algo que vou chamar até de um colóquio com Parlamentares. A ideia é fazer no mundo inteiro, mas começamos pela América Latina e, na COP26, estamos estendendo, exatamente para fazer o que estamos fazendo aqui, Embaixador: troca de experiências de legislações com outros colegas de outras partes do mundo, na medida em que, repito, a solidariedade ambiental é mundial, ela não está particularizada, restrita a um continente ou a uma região. Eu sou daqueles que refutam com veemência a falsa dicotomia entre desenvolvimento e preservação. Essa é a dicotomia criada por aqueles que querem degradar, porque, na verdade, é possível, e é muito possível, que se tenha desenvolvimento com tecnologia, com emprego verde, com pagamento dos serviços feitos, serviços ambientais. Portanto, eu acho que nós temos que trabalhar com o conceito da sustentabilidade tripartite: econômica, porque a economia precisa ir bem; social, porque, se não resolvermos o social, a economia não vai bem; e ambiental, porque, se não resolvermos o ambiental, a economia não será longeva, será de curta duração. Então, com essas palavras, eu queria mais uma vez agradecer à Embaixada da Alemanha, cumprimentar a Deputada e o ex-membro do Parlamento alemão que nos acompanham, e a outros que nos vão acompanhar virtualmente, ao Embaixador Paulino. Mais uma vez, cumprimento também o nosso Ministro Herman Benjamin, que é um empolgado por esse tema. E convido o Vice-Presidente desta Comissão, Confúcio Moura, para dirigir esta primeira mesa de trabalho. Está encerrada a mesa de abertura. (Pausa.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito bem. Vamos iniciar o primeiro painel desta manhã, dia 21 de março de 2022, em que discutiremos o tema "Da função social à função ecológica da propriedade rural", seguindo uma sessão de debates de até 30 minutos. Ao final, depois de os debatedores, os convidados apresentarem suas proposições, eu farei um breve comentário. Já está à mesa a Exma. Sra. Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, que nos honra muito por estar presente prestigiando este evento. Da mesma forma, cumprimento o Ministro Antonio Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, um especialista que acompanha os debates no Congresso Nacional, há muitos anos, desde que era Procurador do Estado de São Paulo. Aqui, hoje, ele irá dar um brilho especial a este evento. Vamos iniciar nossa conversa, primeiro, passando a palavra à Ministra Cármen Lúcia. Fique bem à vontade, Ministra! A SRA. CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA (Para expor.) - Bom dia, senhoras e senhores! Cumprimento o Senado Federal na pessoa do Senador Confúcio Moura, agradecendo pela acolhida aqui; e também meu queridíssimo amigo Senador Jaques Wagner, na pessoa de quem eu cumprimento cada Senador desta Casa, querendo que se sintam individualmente cumprimentados. Cumprimento o Embaixador Paulino, também querendo que as autoridades do Poder Executivo se sintam cumprimentadas, especialmente o Embaixador da Alemanha e os senhores professores que acorrem para este evento. Um cumprimento muito especial, se o Senador Confúcio me permite, ao meu amigo e companheiro de luta, eu diria, o Ministro Herman Benjamin, que, como o Senador Jaques Wagner já disse e também agora o Senador Confúcio, tem sido pela vida afora um grande sensibilizador do que se tem em termos de Direito Ambiental, de direitos para o meio ambiente, para as pessoas que vivem nesse meio ambiente. Se me permite, Senador Confúcio, eu faria as minhas observações no tempo em que me foi designado, 15 a 20 minutos, sobre "Da função social à função ecológica da propriedade", que é o tema basicamente deste colóquio, em alguns itens que eu gostaria de explicitar, com base na Constituição. E, no momento dos debates, poderemos voltar a isso, se for o caso. Antes de começar, Senador, eu peço licença para fazer minhas as palavras do Senador Jaques Wagner sobre, eu diria, as guerras, tantas são as guerras que temos hoje no mundo. Estamos falando de uma especificamente, mas a ferocidade de tudo que tem acontecido demonstra bem a necessidade da nossa preocupação com os temas da vida. Estamos todos contaminados pelo vírus da violência e dos temas das mortes que nos dominam hoje, com todos os noticiários, todas as notícias, que degradam cada vez mais o homem, o ambiente humano e o ambiente da natureza, na qual nós teríamos que viver em paz. Eu fico me lembrando, Senador Jaques Wagner, e tenho me lembrado muito nos últimos tempos de uma lição do segundo ano de Direito - lá se vão 40 anos, portanto. Eu tive um professor de Filosofia do Direito que foi um grande brasileiro. |
| R | E o Prof. Gerson Boson nos dizia que não temia os animais e não temia a natureza, porque, ele dizia: "O tigre não 'destigresa', a onça não 'desonça', a zebra não 'deszebra', só o humano se desumaniza, ele perde a sua essência, a sua natureza". O Senador Jaques Wagner afirmou, na abertura deste colóquio, no sentido de que nós precisamos ter, para vencer a barbárie, opções pela civilização, que temos civilizações a partir de muitas violências que nós precisávamos já ter superado. E o Direito vem exatamente para a realização dessa justiça nesse sentido. Escutei, a minha vida inteira, em casa, que Deus perdoa tudo; o homem perdoa, às vezes; a natureza não perdoa, nunca! Desbaratam a natureza, matam a natureza, e a natureza reage. E é preciso que a gente aprenda com a natureza, para que nós também não nos percamos na nossa essência humana, nisso que o Professor Boson dizia que é a essência da própria justiça, para a gente viver o justo com o outro, para a gente viver com dignidade. Portanto, nesse sentido, eu não apenas me ponho de acordo - e faço questão desse registro - com o que afirmou o Senador Jaques Wagner na abertura deste colóquio, mas também no sentido de a gente ter cada vez mais sensibilidade para saber que destruir é fácil, construir é que é difícil; destruir coisas, destruir plantas, destruir o outro ser humano é fácil. Nós estamos assistindo agora, da maneira mais dramática, e dramática porque estamos assistindo, mas, como lembro, não há uma guerra só no mundo hoje, e nós sequer tivemos sensibilidade para acompanhar todas elas e fazer com que nós não chegássemos a este momento por isto: porque a destruição, inclusive, muitas vezes, é silenciosa, porque quem teria que ter voz para gritar contra todo tipo de crueldade já não tem mais voz, não tem mais força. Esta é uma Casa que tem o compromisso com o Direito, com a formulação do Direito para um povo da grandeza territorial e humana que nós temos, até mesmo em números. Portanto, eu quero, neste momento, como eu disse, não só me pôr de acordo, se é possível que não fosse assim, com o que afirmou o Senador Jaques Wagner na abertura deste colóquio, mas também afirmar o meu respeito e a minha confiança absoluta no Senado da República, nas Casas do Poder Legislativo, que promovem exatamente, como disse também o Senador Jaques Wagner, um ótimo Direito, uma ótima legislação que nós temos no Brasil. Somos um povo que é capaz de construir ótimas constituições e leis. Nós não temos tido a capacidade de criar a prática e o costume de aplicar as leis que nós temos na intensidade e nas possibilidades que elas apresentam. Com essas observações iniciais, eu queria fazer, então, as minhas observações em três itens. Primeiro, sobre os princípios que regem o Direito brasileiro. E a minha observação inicial, Senador Confúcio, é porque nós estamos num Estado de direito, como afirmado no art. 1º da Constituição. Tudo que for fora do Direito na nossa convivência, portanto, é inválido. Então, queria fazer algumas observações sobre esses princípios que regem a nossa convivência nas Constituições brasileiras, especificamente sobre a existência digna e a dignidade da vida, na qual se inclui a função de respeito e cada vez mais aperfeiçoamento das condições ambientais e a função da propriedade, que é função para a sociedade, na qual se inclui necessariamente, por expressão constitucional, a chamada função ecológica, que está expressa no texto constitucional, no item VI do §1º do art. 225. É expressa; portanto, não é doutrina, não é tese, não é conselho, não é aviso. Assim é, porque a Constituição assim quer, e nós cumprimos o que a Constituição determina, porque somos um Estado em que vivemos sob a Constituição. |
| R | No primeiro item, sobre a questão ambiental brasileira, eu queria, se me permite, fazer uma leitura brevíssima de dois parágrafos de um autor. É um autor que eu não cito normalmente, é um autor polêmico, um autor que gerou pensamentos e influências, eu diria, negativas até para a história brasileira, mas principalmente que não correspondem absolutamente nada do que nós pensamos hoje, mas eu queria fazer a leitura. Este homem foi Ministro do Supremo Tribunal Federal, foi o mais novo Ministro do Supremo Tribunal Federal, tendo ali ingressado com 29 anos de idade, sob a égide da Constituição de 1891, que não previa a idade mínima. Em 1914, ele publicou uma obra, e desta obra eu queria ler o que poderia parecer que era uma observação momentânea e de menor gravidade pelo que nós vivemos 108 anos depois desta publicação. Afirmava o Ministro Alberto Torres, depois autor Alberto Torres: "As coisas que ocorrem nos teatros e nos hospícios [...] são fatos, porém não são realidades. A nossa vida política [às vezes] é um cenário de fatos alheios à realidade social". Aí ele faz observações sobre o que ele via. O escrito começou em 1909, ele ficou dez anos como Ministro do Supremo. Ele fala sobre o meio ambiente e fala que - aspas: "O Brasil é [...] um dos países que apresentam mais sólidos elementos de prosperidade e mostram condições para um mais nobre [ainda] e brilhante destino", se levar em consideração as condições da sua terra. Afirma ele: É em sua geografia e no quadro da sociedade contemporânea que está a base do [...] [nosso destino]. Estudar [...] [essa] geografia [...] não em seu aspecto descritivo, mas em sua natureza dinâmica e funcional [...] [leva-nos a] apreender o caráter das diversas zonas geológicas e mineralógicas, a sua fauna, a sua flora, a sua estrutura orográfica, os seus vasos hidrográficos, para conhecer os elementos e aptidões de sua exploração e cultura e ao mesmo tempo as condições necessárias [...] [à] unidade social e econômica e à solidariedade entre os interesses e tendências divergentes, eis o ponto de partida de [...] [qualquer] política sensata e prática [para o Brasil]. Depois ele afirma que: A civilização humana é produto do sacrifício da Terra ao impulso de cobiças incontidas. Guiado por suas ambições, no atropelo de conquistas e ocupações territoriais, satisfazendo desejos e necessidades com uma brutalidade vizinha [dos mais cruéis] apetites animais, sem espírito de equilíbrio entre as camadas sociais contemporâneas e sem consciência da continuidade da espécie, o homem estabeleceu-se, no reino de sua vitória material sobre os outros seres, como um dominador, para quem os bens da Terra são despojos conferidos ao gozo de cada geração. E, finalmente, eu gostaria de ler a passagem em que ele menciona expressamente a Amazônia. Eu estou falando, portanto, da publicação de 108 anos atrás e de 1909 até agora, mais quase 110 anos do que ele afirmava: Pela Amazônia, há [necessidade] muito que fazer, com respeito à conservação [das matas] dos seringais, [ao verificar as condições de extração da borracha] [...], ao serviço dos trabalhadores, [hoje] explorados como escravos, às vezes, [...] com sacrifício da vida: a especulação, a prodigalidade e o absenteísmo atingem [...] proporções incalculáveis [e inaceitáveis]. Não é possível confiar nas medidas até agora tomadas pelo governo sem espírito prático e defraudadas por graves artifícios econômicos [...]. Na escolha do pessoal [que ali tem que trabalhar; ele falava muito na educação] obedeceu-se provavelmente mais a sugestões políticas do que ao propósito de escolher [as melhores condições para o futuro do país] [...]. Como eu disse, estou falando de alguém que nada tem a ver com os ideais hoje que nós trazemos de democracia, de democracia participativa, mas que, tendo sido Governador do Rio, vivendo no Rio de Janeiro no período em que o Supremo Tribunal, como todos os órgãos de poder, estava instalado no Rio, mencionava a Amazônia e se preocupava com o futuro ambiental. Na proposta final do livro dele sobre a Constituição, há uma proposta específica sobre as questões ambientais. |
| R | Portanto, aquilo a que nós assistimos hoje, também de maneira extremamente sofrida e contaminada por um esfumaçar de propostas para o presente e para o futuro, não é novo no Brasil. Há mais de cem anos, um Ministro do Supremo, o mais jovem deles da história do Supremo, já se preocupava e se ocupava com as questões aí incluídas da Amazônia. Entre as Constituições brasileiras desde 1891, especialmente a de 1891, que tratou da propriedade como direito individual, não mencionou - é bem certo - a função social da propriedade; foi introduzida essa ideia na Constituição de 1934. Mas eu incluo como necessário para a interpretação e a aplicação da Constituição um princípio que vem antes da referência a esse direito que, aqui nesta Casa, nos trabalhos constituintes, que eu tive a honra de poder assessorar por causa do Prof. José Afonso da Silva, que foi assessor do Mário Covas, relator final e um dos redatores da Constituição no processo constituinte... Quando foi discutida para a Constituinte a questão da função social, há uma grande mudança que é pouco lembrada: o princípio mais importante do Direito contemporâneo, o princípio mais importante do Direito Constitucional contemporâneo, o princípio mais importante da Constituição brasileira e do Direito brasileiro está no art. 1º, o princípio da dignidade humana; não há nenhum princípio mais importante do que esse. Nós tínhamos, desde a Constituição de 1934; portanto, passando pela de 1946 e pela Carta de 1967 e chegando aqui... Há outro princípio que antecedia até mesmo o princípio da dignidade humana nas Constituições europeias após a Segunda Guerra Mundial, que é a exigência de garantir a todos existência digna. Nós sabemos hoje que o direito à saúde, que permite a existência digna, é impossível sem condições ambientais não satisfatórias, mas da melhor qualidade. Essa Constituição de 1934, ao erigir a dignidade humana como uma possibilidade que deveria ser garantia pelos direitos sociais, introduz no Brasil uma grande novidade, repetida, como eu disse, em 1946, porque se retoma a Constituição de 1934 depois da deposição de Vargas, e repetida na Constituição de 1967. |
| R | A Carta de 1967 é expressa ao afirmar a possibilidade de se criarem condições para a existência digna, mas sempre fazendo referência mais ao trabalho, a cada um poder ter, no valor trabalho, um elemento para sua existência com dignidade. A Constituição de 1988 altera substancialmente isso, porque, quando a gente fala de propriedade, que está prevista no art. 5º como direito fundamental - o art. 5º, inciso XXIII, afirma que a propriedade cumprirá sua função social -, isso está na espinha dorsal da Constituição. Porém, no art. 170, que trata da ordem econômica, nós tivemos uma grande mudança feita no constitucionalismo brasileiro, no direito brasileiro, porque está no caput do art. 60, que é o Título VI, que trata da ordem econômica... O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está no Título VIII, Da Ordem Social. No título VII, nós temos esse art. 170, no qual se afirma: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa [opção capitalista, portanto], tem por fim assegurar a todos existência digna...". Os Constituintes mantiveram a existência digna como base da ordem econômica. Nada valerá se for para ter a indignidade na existência de qualquer ser humano no Brasil. Porém, enquanto as Constituições anteriores afirmavam que cada um teria que ter a garantia do direito ao trabalho para ter uma existência digna, essa existência digna passou a ser, por obra do Constituinte de 1987/1988, um objetivo a ser obedecido até mesmo pelos particulares. A ordem econômica tem por fim assegurar a todos a existência digna. É óbvio que quem não tem acesso a condições pessoais, sociais, econômicas, ambientais para ter saúde, educação, existência digna não tem assegurado o que a Constituição estabeleceu, e nós só podemos interpretar a Constituição como um sistema. Quer dizer, a gente interpreta o art. 225, na ordem social, segundo a ordem econômica, que tem esta finalidade buscada, e segundo o art. 1º, que tem, como garantia do fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade humana. E ainda, além disso, estão fixados, também pela primeira vez no constitucionalismo brasileiro, no art. 3º, os objetivos da República Federativa do Brasil. E isso não é de governo de ninguém. Seja lá quem for o governante, quem for o administrador, quem estiver no Supremo, quem estiver nesta Casa Legislativa, a República é obrigada a adotar direitos, legislação e políticas públicas, e os juízes são obrigados a julgar levando em consideração estar-se a atingir ou não a possibilidade de atingimento de um desses objetivos, o primeiro dos quais é "construir uma sociedade livre, justa e solidária", e, depois, erradicar a pobreza, a desigualdade, promover o desenvolvimento nacional. Tudo isso, portanto, com base na busca de uma existência digna para todos. |
| R | Isso tem importância porque, no título subsequente ao da ordem econômica, a Constituinte de 1987/1988 desdobrou... Vinha sempre nas Constituições, desde 1934, "Da Ordem Econômica e Social". Houve um grande debate - eu me lembro aqui de que era o Fernando Gasparian um dos que ficou nessa parte da ordem social - e discutiu-se muito se haveria esse desdobramento no texto constitucional, porque o texto constitucional cria o contexto jurídico no qual legisladores, juízes e os próprios administradores vão atuar. E resolveu-se que seria um título para a ordem econômica, estruturando-se o que era relativo aos bens dos patrimônios público e privado, aos serviços a serem prestados, e um outro título para a ordem social. Educação, cultura, meio ambiente são entronizados, então, nessa Constituição como direito social, à ordem social, nem por isso desligados dos direitos fundamentais. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental de todo ser que esteja no Brasil e de todo mundo, portanto, como obrigação da República brasileira. Nesse art. 225, que é o mais mencionado solto porque traduz expressamente o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, estabelece-se também pela primeira vez de maneira expressa o princípio da solidariedade, que, no caso brasileiro, não é também prerrogativa, não é opção; a solidariedade é princípio constitucional interligado diretamente ao princípio da dignidade humana. Se alguém tivesse dúvida, agora na pandemia teria deixado de ter. Você pode ir até o limite da sua liberdade e da dignidade do outro. O seu exercício se faz garantindo-se a sua liberdade em comunhão com os outros. Ninguém vive isoladamente. O Brasil não produziu uma Constituição para Robinson Crusoé; produziu para uma sociedade de mais de 200 milhões de habitantes com respeito, na parte internacional, também a todos os habitantes do planeta e com respeito ao próprio planeta. Então, a Constituição brasileira de 1988 introduz ali a garantia da função social da propriedade, que vinha desde as Constituições anteriores, no art. 5º, inciso XXIII, e reprisa esse princípio na parte da ordem econômica, mas tendo de se considerar que "a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna" e tem como fundamento (inciso VI) a defesa do meio ambiente. Portanto, ela impõe que o desenvolvimento, que é tão mencionado - o desenvolvimento sustentado há de ser compatível com a garantia e o respeito e a defesa do meio ambiente -, também aqui assim é porque a Constituição assim determina. Favor nenhum de ninguém. A prática econômica que ofenda o meio ambiente é inconstitucional, ponto. Porque a Constituição determinou que a garantia dessa ordem econômica, para assegurar a todos existência digna, tem como fundamento a defesa do meio ambiente. E essa defesa é obrigação do Estado, em primeiro lugar, e da sociedade, por causa do princípio da solidariedade aqui encadeado diretamente. Nesse caso, nós temos a propriedade privada, garantida também no art. 170, a defesa do meio ambiente, no mesmo dispositivo, e no art. 225, expressamente, três princípios ali se esclarecem, vindo, portanto, como fluxo sequente e consequente do que a Constituição afirma desde o art. 1º: o princípio da solidariedade intergeracional. Pela primeira vez diz-se que o meio ambiente ecologicamente equilibrado haverá de ser protegido para as atuais e futuras gerações. |
| R | Isso mudou até mesmo o entendimento do Direito e, principalmente, a interpretação e a aplicação do Direito Constitucional pelo Supremo Tribunal Federal no que se refere à ideia da dignidade que a Constituição estabelece, à dignidade da pessoa humana. Portanto, para ser pessoa, tem que nascer, e os grandes debates se passaram sobre isso em alguns tribunais constitucionais, em algumas cortes constitucionais. No Brasil, nós não passamos por aí, porque, como o art. 225 afirma para as gerações futuras, eu nem sei quem virá depois de mim, que, claro, não tendo nascido, não é pessoa, mas eu tenho a mesma obrigação de solidariedade ambiental. Venha quem vier tem o mesmo direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entendemos, portanto, que, no Brasil, o princípio constitucional da dignidade humana não se refere a uma ou outra pessoa, mas à humanidade. A essência humana faz com que todo mundo tenha esse direito e, portanto, seja obrigação de todo mundo. Nós mudamos e ultrapassamos algo que, em outros tribunais constitucionais, ainda se discute por causa do texto; no nosso caso, não existe pelo que o Constituinte determinou, pelo que a Constituição, portanto, põe. Também naquele mesmo dispositivo, estabelece-se, na sequência também dos outros, o princípio da responsabilidade ecológica da sociedade: é responsável todo mundo pelo meio ambiente saudável. Por isso, várias vezes, o Poder Judiciário, o Supremo Tribunal, ao julgar as ações diretas de inconstitucionalidade sobre o Código Florestal, por exemplo, levou em consideração especificamente a obrigação do particular que destrói: ou tem que indenizar, ou tem que refazer, ou tem que proteger. A tipificação dos crimes ambientais feitas por esta Casa se deu no fluxo dessa responsabilidade. Eu vou reiterar: é dever do Estado. Nós, servidores públicos, temos um dever a mais, porque nós exercemos cargo exatamente... No nosso caso, juízes, nem se fala. Nós cumprimos a Constituição. A Constituição mesmo estabelece que compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, art. 102, a guarda da Constituição, mas guardar, respeitar e aplicar a Constituição, no sistema de constitucionalismo aberto, é dever de todo mundo; ninguém pode praticar inconstitucionalidade. No caso do meio ambiente, isso vem expresso no texto. Portanto, quem se acha dono do céu e da terra, porque "esse pedaço de terra é meu", não entendeu nada. A propriedade obriga - obriga - o proprietário particular e obriga o Estado, responsável por fazer com que se cumpra, mesmo na propriedade particular, o dever que eu tenho com o outro. É assim que se convive, o mais é contracenar. Viver com o outro impõe deveres. A propriedade obriga, como estava lá atrás, nas primeiras Constituições do constitucionalismo social - Constituição mexicana, de 1917, e Constituição de Weimar, de 1919 -, em todas elas já havia o que o ser humano foi construindo e sedimentando ao longo do século XX. A propriedade cria obrigações, e nem é novo isso, como se o meio ambiente, como se a matéria ambiental tivesse erigido alguma coisa. Nenhum de nós que vive num condomínio, num apartamento pode resolver que vai escutar um rock pauleira à meia-noite, na sonoridade que quiser. Não pode porque não pode, porque você vive em um condomínio, porque a sociedade é um grande condomínio, porque é assim que se faz: a pólis é de toda... |
| R | Então, o que foi aqui estabelecido para a propriedade é porque o ser humano, como dizia Alberto Torres, se assenhorou como dominador. Por isso que, quando se afirma sobre a Amazônia, a preocupação com a soberania na Amazônia, eu digo: a Amazônia somos nós. Não é que nós temos a Amazônia, nós somos a Amazônia. Nós somos diretamente, a humanidade tem os reflexos, mas nós somos este país. Nós somos este povo constituído com estas florestas, esses rios, mas não somos proprietários deles, não somos os senhores deles. Acho que até a natureza é muito mais senhora de todos nós do que o contrário. O que nós fazemos é o cuidado que a Constituição estabelece. E, neste caso, estabelece para que ninguém, como diria Rousseau, lá no século XVIIII, cerque um pedaço de terra e diga: "Isso aqui é meu, e eu tenho o direito dos céus aos infernos". Não tem. Não tem. Isso é uma ideia dos que vêm antes de Rousseau, portanto antes de 1761. O que nós temos aqui é um território do qual fazemos parte, no qual convivemos e que nos completamos com a natureza. Por isso, o princípio é da responsabilidade ecológica de toda a sociedade. Ainda uma vez, eu quero insistir: nós servidores públicos temos uma obrigação muito maior, porque a nossa função é de preservar e fazer com que, se alguém desborde, exorbite, abuse do seu direito, isso seja restabelecido e refeito, porque estamos num Estado de direito. E também assim é porque que no art. 1º está que "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]". O estado é de direito, eu obedeço ao direito. É assim que a gente convive. Neste caso, portanto, do meio ambiente ecologicamente equilibrado, de um primeiro estabelecimento, em 1824, a Carta de 25 de março de 1824, outorgada como primeira Constituição brasileira, a Constituição monárquica, trazia só o direito de propriedade, porque aquela era a realidade e o cenário político no mundo. Nós estávamos ainda formando os estados modernos na esteira das revoluções - revolução francesa, revolução norte-americana, revolução britânica. Quase dois séculos depois, de 1824 até agora, 198 anos depois, nós temos uma outra realidade, na qual nós todos somos, com o marco civilizatório que temos, obrigados uns com os outros. E, no caso do meio ambiente, como ninguém é dono da natureza, como ninguém é senhor da natureza, não adianta atuar como dominador exclusivo e tirano da natureza, até porque, no nosso caso, o compromisso do direito, da Constituição brasileira e a obrigação do poder público e da sociedade brasileira é com a vida. O direito vem para que a gente tenha uma vida melhor e para que quem vier depois de nós possa ter uma vida igualmente digna. Quem tem compromissos com a morte da árvore ou da pessoa é contra... É isto que o Prof. Boson dizia: um humano que se desumanizou, porque o impulso de vida é que faz com que a gente, portanto, siga em frente, até mesmo protegendo e principalmente protegendo a realidade que pode nos proteger, que é a realidade ambiental. Portanto, a função social da propriedade é uma função que vem ligada ao trabalho, à dinâmica, à produção de bens para todos. A função ecológica prevista no inciso VI, §2º, do art. 225, é para garantia de todas as condições de dignidade da existência e da vida com o outro. Essa é a dinâmica. |
| R | E aí o Senador Jaques Wagner ainda mencionou os riscos de retrocesso. O princípio da proibição do retrocesso ambiental está estabelecido no Direito Constitucional, na doutrina e na jurisprudência até mesmo do Brasil, porque o Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ações diretas de constitucionalidade sobre o Código Florestal, foi taxativo, reiterando, reafirmando o que já se tinha na jurisprudência. Portanto, não pode ter retrocesso porque não pode. Responde até mesmo criminalmente aquele que atuar contra a Constituição e cuja prática possa ser inserida, subsumida ao tipo do crime ambiental. A quebra, a ruptura, a afronta ao princípio da função social ecológica... E por isto é que eu não vou da função social à função ecológica: eu acho que as duas compõem a essência do que é a função a ser dada à propriedade, como obrigação do Estado proteger e como obrigação de todo ser humano fazer com que prevaleça. Eu vou terminar, peço desculpas, acho que ultrapassei cinco minutos do meu tempo, mas peço desculpas, lembrando - não vou lembrar nenhum jurista nem a Constituição de que tanto falei - que há uma pessoa, um mineiro, um poeta, mas que é do mundo, Paulo Mendes Campos, que, numa das obras mais célebres dele, Poema Didático, dizia que o mundo nasceu das necessidades; e eu diria, parafraseando: o Direito nasceu das necessidades, o Direito vai se formulando, reformulando, reinventando, como o ser humano se reinventa para ter mais possibilidades de ser feliz. E ele diz: "O homem é um gesto que se faz ou não se faz. [...] Doou-nos a terra um fruto. Força é reparti-lo" com todos os seres desta terra. Não há possibilidade, sem cuidados com o meio ambiente, de preservamos o fruto - nem para a nossa geração! - nem cometermos todo tipo de crime contra a Constituição, contra o Direito, mas principalmente contra qualquer ideia de dignidade humana se não preservarmos a natureza que nos dá esse fruto. Portanto, acho que nós temos - como eu disse no início, lembrando - ótimas Constituições e ótimas leis no Brasil, e isso tem sido uma constante na história brasileira, mas nós precisamos - e este colóquio dá bem a ideia de como somos capazes - de nos reunir, de nos unir para evitarmos que o que foi feito de destruição... E o foi, e por isso eu fiz questão de ler um texto que é de mais de um século atrás. Tudo que foi destruído precisa de ser, se possível, construído; e o que não for possível precisa de ter jeito imediatamente, porque a destruição conduz à morte. O nosso compromisso, o compromisso de qualquer humano é com a vida, que é esta garantida por um meio ambiente ecologicamente equilibrado e com a propriedade solidariamente desenvolvida, solidariamente garantida, para que todo mundo tenha as mesmas possibilidades. Mais uma vez, muito obrigada. E peço desculpas pelo avanço no tempo. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito obrigado, Ministra Cármen Lúcia, com uma palestra magistral sobre o Direito Ambiental e o Direito Social da propriedade. Muito obrigado por essa belíssima exposição. Eu passo a palavra a seguir ao Ministro Antonio Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça. Com a palavra V. Exa. O SR. ANTONIO HERMAN BENJAMIN (Para expor.) - Muito obrigado. Bom dia a todas e a todos. Eu queria inicialmente agradecer ao Presidente desta sessão, o Senador Confúcio Moura, e ao Presidente da nossa Comissão de Meio Ambiente, o Senador Jaques Wagner. Para os nossos colegas estrangeiros, nós temos dois Senadores com larguíssima experiência parlamentar, ambos ex-Governadores por dois mandatos - é o máximo que o direito eleitoral, a Constituição permite no nosso país -, um da Amazônia, do Estado de Rondônia, e o outro do Estado da Bahia, ambos extremamente preocupados e dedicados à questão ambiental e à defesa da dignidade da pessoa humana. |
| R | Agradeço à Embaixada da Alemanha e peço permissão ao Embaixador Thoms para transmitir um agradecimento personalizado a dois dos integrantes da sua equipe, o Dr. Emil Richter, que todos já conheceram, imagino, e a Dra. Friederike Sabiel, que também creio que todos já conheceram. Este evento é uma realização da Embaixada junto com o Senado, mas não existiria sem o trabalho, a dedicação desses dois extraordinários e competentes integrantes da Embaixada da Alemanha no Brasil. Agradeço as palavras da Ministra Cármen Lúcia. Certamente ela poderia aqui falar por cinco horas e ainda teria algo mais a dizer, e certamente já me ajudou muito aqui na minha intervenção, porque eu iria falar 20 minutos, mas, por conta do avançado da hora, eu vou reduzir para dez minutos. Certamente, a sua intervenção já me permite reduzir, enxugar aquilo que eu iria dizer, sobretudo no aspecto constitucional. E quero agradecer a presença do Itamaraty. O Embaixador Paulino Franco - eu sempre digo isso para ele, mas ele não concorda - é um cartão de visitas da nossa diplomacia, alguém profundamente dedicado e conhecedor da realidade brasileira, desde a perspectiva dos direitos humanos aos temas políticos, geopolíticos e econômicos mais complexos. O tema função, ou melhor dizendo, da função social à função ecológica nos traz duas perspectivas, e só uma delas será objeto deste nosso debate. A primeira perspectiva é sobre o direito de propriedade dos chamados bens ambientais - bens de natureza intangível, bens que são holísticos e bens que se compõem, mas se sobrepõem aos elementos que compõem o meio ambiente: água, ar, solo, floresta, fauna. Precisamos de outro evento só para discutir a propriedade do meio ambiente em si, como categoria autônoma na Constituição e na legislação brasileira e de outros países. |
| R | A segunda perspectiva - é esta que nos interessa aqui e sobre a qual tanto a Ministra Cármen Lúcia como eu vamos apenas fazer uma introdução para uma discussão mais aprofundada nos painéis que virão em seguida - é sobre a projeção do meio ambiente, projeção na perspectiva ou no enfoque das gerações presentes e das gerações futuras, a projeção, repito, do meio ambiente sobre a propriedade exercida por indivíduos, pessoas físicas e pessoas jurídicas privadas. O Embaixador Paulino mencionou, com muita propriedade - e eu não conhecia o dado -, que mais de 50% das florestas brasileiras estão em terras privadas, e só isso justifica este evento de um dia que nós estamos tendo hoje. Então, o debate é quais os limites ecológicos que a Constituição de 1988, mas também a legislação ambiental anterior à Constituição de 1988 trouxeram para este direito de propriedade tradicional. E, por isso, a ideia do título do evento, da função social à função ecológica da propriedade, porque nós não estamos falando de categorias antagônicas. Na verdade, a função ecológica da propriedade é uma espécie de sofisticação, por assim dizer, nas palavras da Ministra Cármen Lúcia, da função social da propriedade; um revisitar pós-moderno, se quiserem utilizar essa vinculação, um olhar pós-moderno à função social da propriedade. Quais os impactos que esta ideia de função ecológica da propriedade tem no Direito e também na prática? Nós sabemos que o Direito, como teoria, interessa muito a nós, os especialistas do Direito, mas, para o cidadão, o que interessa é a prática do Direito, é como essas categorias jurídicas estão melhorando a vida das pessoas e fortalecendo a solidariedade e a dignidade da pessoa humana. O primeiro ponto que eu queria realçar, neste olhar rápido sobre a função ecológica da propriedade, é o cronológico, porque muitas vezes se diz que a Constituição de 1988 fez uma revolução na concepção do direito de propriedade porque incluiu o elemento ecológico, que não existia nos sistemas constitucionais anteriores. O meio ambiente não era mencionado nas Constituições anteriores; a função social da propriedade, como disse a Ministra Cármen Lúcia, sim, desde 1934 - não muito depois da Constituição de Weimar e da Constituição mexicana -, a origem da função social da propriedade. |
| R | Pois bem, a lei que efetivamente implantou a função ecológica da propriedade e a função ecológica das florestas no Brasil não foi resultado de movimento ambientalista, porque o movimento ambientalista não existia em 1965. O Código Florestal de 1965 - eu tinha oito anos de idade, então, quantas décadas se foram? - implantou no Brasil a função ecológica das florestas, uma lei revolucionária que não foi elaborada por ecologistas, não foi elaborada na perspectiva do meio ambiente como um todo, mas creio, Senadores Confúcio Moura e Jaques Wagner, que essa lei enfrentaria grandes problemas de tramitação hoje no Congresso Nacional, uma lei de 1965. Dificilmente, o Código Florestal de 1965 seria aprovado hoje, infelizmente, no Brasil. E lá estão categorias jurídicas que serão examinadas mais tarde por outros palestrantes que implantam a ideia de que as florestas, mesmo as privadas, preenchem uma função ecológica de proteção da água, de proteção da fauna, de proteção do meio ambiente, embora não se falasse em meio ambiente naquele momento. Uma lei feita por engenheiros florestais, e hoje nós ainda nos beneficiamos desta lei. E há uma série de outras normas de que meus colegas brasileiros vão tratar, uma jurisprudência forte tanto da Justiça Federal como das justiças estaduais e que nem a Ministra Cármen Lúcia nem eu temos aqui tempo de analisar. Em conclusão, o que nós podemos dizer é que o Brasil tem hoje, no coração do seu ordenamento jurídico, a função ecológica da propriedade. Não é uma invenção da doutrina, não é uma invenção da jurisprudência. Quem não enxergar a função ecológica da propriedade não está enxergando a Constituição e a legislação na sua integralidade - de novo palavras da Ministra Cármen Lúcia. Segundo: a função ecológica da propriedade não existe só no Brasil, países vizinhos nossos como a Colômbia têm na sua Constituição, a Constituição da Bolívia, a do Equador, mas nem todos os países da América, ou, melhor dizendo, da Pan-Amazônia. E aí, quando os negociadores brasileiros se preocupam tanto com disparidade de regimes jurídicos no mundo, creio que nós, às vezes, esquecemos de que precisamos, na Pan-Amazônia, ter um regime minimamente harmônico de proteção dos recursos naturais, porque, do contrário, o Brasil ficará com uma legislação muito mais dura que a nossa e a que nós queremos e aceitamos - há um pacto nacional a esse respeito -, mas as cabeceiras dos nossos rios na Amazônia - e o Senador Confúcio Moura sabe muito bem - estão nos Andes, estão fora do Brasil, ao contrário da Bacia do Prata. |
| R | Portanto, creio que é dever da diplomacia brasileira buscar um diálogo no âmbito do tratado amazônico para harmonizar, minimamente que seja, a legislação e, quem sabe, o marco constitucional desses países no que se refere à proteção do meio ambiente. E minha última palavra é que nem o direito, nem o discurso político podem negar os fatos ou esconder os números. Talvez no passado; não mais. E os fatos e os números estão aí. Que difícil é para alguém negar o avanço enorme, inadmissível - inadmissível não é na nossa perspectiva, é na da Constituição e das leis - do desmatamento do nosso país. Não é tarefa fácil negar esses números e esses fatos, e creio que é em eventos como esse, em que nós possamos dialogar com os nossos colegas na perspectiva do direito comparado, que nós temos condições de melhorar a nossa compreensão a respeito desses temas e encontrar uma base comum de solidariedade, de reciprocidade nesse tema que é fundamental, repito: a função ecológica da propriedade. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito bem, ouvimos aí dois ilustres Ministros a fazerem exposições sobre o direito, sobre a Constituição, sobre a evolução da relação entre a propriedade e os aspectos sociais. O meu comentário... Antes, porém, eu queria dizer que aqui nós temos perguntas de internautas, não dá para fazer todas porque são muitas perguntas. Eu vou agradecer ao Haroldo José, lá do Paraná, ao Ryan Cunha, do Rio de Janeiro, ao João Gabriel, de Minas, e vou fazer duas perguntas aqui, as respostas podem ser curtas. De Geovanny Cavalcanti, do Rio Grande do Norte, para a Ministra Cármen Lúcia - se ela quiser anotar aí o nome, é Geovanny Cavalcanti - e também para a Ministra Cármen Lúcia, de Isabelle Alves, do Rio de Janeiro. E para o Ministro Herman Benjamin, uma pergunta de Luiz Carlos, que é de São Paulo, e de Helena Francisca, que é do Estado do Paraná. Muito bem, para a Ministra Cármen Lúcia, eu vou fazer as duas perguntas, para facilitar a resposta dela, já no atacado, para os dois. De Geovanny: "Quais mecanismos, sejam eles jurídicos, ou não, podem ser utilizados para que possamos produzir alimentos e manter a preservação ambiental?". A segunda pergunta para a Ministra é de Isabelle: "Quais são os impactos econômicos que o desmatamento traz?". E já vou deixar as perguntas ao Ministro Benjamin para ele já ir sincronizando as respostas. De Luiz Carlos, de São Paulo: "Que consequências teremos para a natureza com a aprovação da lei que autoriza a mineração em terras indígenas no Brasil?". |
| R | E a segunda, para o Ministro Herman, de Helena: "Quais critérios definem o limite entre o uso de terras visando a produção de alimento (quando há desmatamento) e a preservação ambiental?". Ministra Cármen Lúcia. A SRA. CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA (Para expor.) - Obrigada, Senador. Mais uma vez, quero agradecer especialmente ao Geovanny e à Isabelle. A resposta quanto à questão posta sobre a produção de alimentos. Hoje esse é um problema que até foi grandemente superado pela própria capacidade humana de criar mecanismos que preservem as condições ambientais e melhorem até a qualidade dos alimentos, sem perda da quantidade de alimentos. Nós temos, no mundo, hoje, condições de dizer que até mesmo no deserto se produz alimento de altíssima qualidade, vide estados como Israel, em que nós temos laranjais que frutificam exatamente em áreas que antes eram consideradas apenas areais. Então, as condições ambientais melhoram a produção de alimentos e de frutos. Isso precisa de um dado que eu também aproveito já para responder, Senador, à Isabelle. Qual é o impacto ambiental? Eu diria que é devastador, porque o ser humano é inteligente o bastante para saber que na composição com o meio ambiente ele produz mais e melhor, e há condições hoje, empresariais, industriais, sem nenhuma perda de qualidade - muito ao contrário. Os venenos já se mostraram destrutivos também da quantidade de produção e para a saúde humana, que se reverte lá na frente. Esses impactos, portanto, econômicos, fazem com que, cada vez mais, haja a conjugação da boa qualidade ambiental com a boa qualidade da produção ambiental. Acho que o que se afirma como desenvolvimento sustentável, o que está no art. 3º da Constituição, como eu lembrei, é exatamente no sentido de uma vinculação dos elementos, e não se eliminação de um deles em benefício do outro. A chamada economia verde, que já foi mencionada hoje, na Mesa de abertura dos trabalhos, conjuga-se com o que eu chamo de civismo verde. Nós não fazemos civismo de resultado imediato, mas nós praticamos a nossa condição de cidadãos juntamente com os elementos necessários para que a gente tenha uma boa condição humana nas relações pessoais, nas relações com o nosso corpo, e isso tem tudo a ver com as condições da produção, que é feita sem uma intoxicação do ser humano. Então, não é que não há incompatibilidade; é ao contrário. O que há é, cada vez mais, comprovação da Medicina, da ciência, de que a compatibilidade é que leva a uma mudança de condições propícias, e a economia é devastada junto com as florestas. Não há nenhuma dúvida hoje, por exemplo, em relação às condições de destruição do meio ambiente. Aí eu incluo o nosso quadro, o quadro brasileiro, devastador, muitas vezes, com guerrilhas ambientais, milícias ambientais, como nós temos; isso leva à destruição não apenas daquele lugar ou daquela população, mas as condições econômicas de o Brasil ser capaz de dar cobro às suas obrigações internacionalmente estabelecidas, o que eu acho que foi lembrado, na mesa de abertura, pelo embaixador, exatamente porque nós somos uma solidariedade planetária em termos de meio ambiente. Muito obrigada, mais uma vez, e, mais uma vez, Senador, e àqueles que dirigiram as perguntas para mim, muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Ministro Herman Benjamin. |
| R | O SR. ANTONIO HERMAN BENJAMIN (Para expor.) - Eu agradeço as duas perguntas que me fizeram. Como juiz, eu não posso responder, ou não devo responder, a primeira delas: qual o impacto do projeto de lei, aliás referido pelo Senador Jaques Wagner, que abre a possibilidade de mineração em terras indígenas. Certamente, nos painéis que se sucederão, os palestrantes terão oportunidade de tratar desse tema. Eu, como juiz, eu e a Ministra Carmén Lúcia, nós não opinamos sobre leis que estão em andamento, muito menos sobre leis que ainda não estão diante de nós como juízes. No momento oportuno essa legislação chegará, de uma forma ou de outra, ao Poder Judiciário e, aí, sim, será o momento para nós nos manifestarmos. A segunda pergunta, não, esta eu posso tentar responder, que é o coração mesmo deste evento: acerca dos limites. É muito fácil nós falarmos da função ecológica da propriedade. Na teoria é muito fácil, mas, na prática, como é que isso se manifesta? Aqui, talvez, umas pequenas observações, umas brevíssimas observações, de caráter muito prático. A primeira observação é que, no Brasil, a função ecológica da propriedade não é uma abstração; ela está traduzida na lei com dispositivos legais muito específicos. Portanto, se há um perfil legislativo para a função ecológica da propriedade, a primeira regra é: cumpra-se a legislação. Eu dou alguns exemplos, e só na área florestal: as áreas de preservação permanente previstas no Código Florestal de 1965 e no atual, de 2012, as matas que acompanham os rios e cursos d´água. Eu sou proprietário da terra, mas eu não posso desmatar essas áreas de preservação permanente. Esse é um limite claríssimo, concreto, imposto pela função ecológica da propriedade. Outro exemplo: a reserva legal, um instituto que é criação do legislador brasileiro. Nós temos que festejar a boa produção legislativa do nosso Parlamento, histórica. Aliás, todas essas leis, incluindo a Constituição, não existiriam se não fossem os nossos legisladores. É o ponto de partida de tudo. Pois bem, a reserva legal é uma porcentagem da propriedade que... Fora as áreas de preservação permanente, há uma porcentagem que não pode ser desmatada a corte raso. E basta um voo de drone, daqueles mais baratos que hoje são utilizados nas atividades turísticas, para comprovar se a propriedade tem ou não tem reserva legal. Na Amazônia, 80%; na Bahia, dependendo se é Cerrado ou Mata Atlântica, 20%. Se sobrevoa, com imagem de satélite, não há nada de mata de vegetação nativa, a função ecológica da propriedade não está sendo cumprida. |
| R | Em resumo - eu poderia me estender, mas não é o caso -, no Brasil, mas também em vários outros países, a função ecológica da propriedade é determinada ou o seu conteúdo é determinado por dispositivos expressos na lei. Não é, repito, uma referência teórica dogmática do Direito, mas uma realidade na própria legislação. Eu agradeço mais uma vez e penso que, com esforço, estamos dentro do horário, pois o próximo painel começaria às 11h. O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Perfeitamente. O SR. ANTONIO HERMAN BENJAMIN - Ainda temos 15 minutos. Não sei se o Senador Jaques Wagner... O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Exatamente. O SR. ANTONIO HERMAN BENJAMIN - ... ou algum outro colega gostaria de fazer uso da palavra. O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Deseja fazer alguma observação, Presidente? O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Não, eu vou aguardar, primeiro, V. Exa. fazer sua manifestação... O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - A minha será muito breve. Muito bem. Então, eu quero agradecer ao Dr. Herman Benjamin e à Ministra Carmén Lúcia. Eu sei que... O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - V. Exa. está indo para o encerramento? O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - É. Quer falar? O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Não, então, vou falar. Pensei que V. Exa. ia falar. O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Pode falar. O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Para discursar.) - Eu queria contribuir no debate, só para não sermos prisioneiros de um artifício que é usado nesse processo da Lei de Regulamentação Fundiária. Evidentemente, quando você tem a titulação da terra, você tem como saber a quem se dirigir a fiscalização, a multa ou a cobrança de obrigações. Esse tem sido um argumento, na minha opinião, me permitam, escuso, para dizer que, por isso, tem que se regularizar. O problema é quando não se sabe de quem é... Ora, nós sabemos de quem é! Terra pública não destinada é da sociedade brasileira, e, portanto, cabe ao poder público brasileiro... E concordo que é com toda a dificuldade, fui Ministro da Defesa. Não é fácil, e meu amigo Confúcio sabe melhor que eu, porque foi Governador na Amazônia. Evidentemente, é mais difícil pela natureza e geografia do local, mas, hoje, as leis a que V. Exa. se referiu, Ministro Benjamin, são inequívocas, são taxativas, com quantitativos expressos. O problema passa a ser de fiscalização. Por isso, na minha fala, eu disse que nós temos... Diz-se que, no Brasil, se faz muita lei boa para não ser cumprida. É da obrigação do Executivo, no caso o Ministério do Meio Ambiente e outros, cumprir a determinação. |
| R | Por que estou falando que temos que ter cuidado para não cair numa armadilha? O Senador Confúcio Moura sabe muito bem que são muitos os pequenos que foram estimulados a ir para a Amazônia, em um sentido estratégico até, na época ainda dos governos militares, corretamente, de que se não ocuparmos, seremos ocupados, e que, portanto, não há melhor defesa para as nossas fronteiras que a produção no local. Portanto, se estabeleceu um regramento e se convidou muita gente, que veio de outros estados da Federação, para ocupar terras legalmente pelo Incra, à época, ou pelo órgão de terras que havia à época. E, por incrível que pareça, querida Ministra Cármen, esses, às vezes, com 20, 30 anos, ainda não têm o título de terra definitivamente legalizado, ou seja, são pessoas que ficam à margem. Por não terem seu título, não podem tomar financiamento, não podem uma série de coisas. Nós não estamos falando dessas pessoas, porque essas pessoas são credoras em relação ao Governo brasileiro, seja ele qual for. Eu fui Governo por 12, 13 anos, com o Presidente Lula e com a Presidenta Dilma; portanto, sou parte da culpa ou, pelo menos, da responsabilidade - eu não gosto de falar culpa, porque culpa é só para apontar o dedo; eu gosto de saber quem são os responsáveis. Mas nós somos responsáveis não só em Rondônia, como em outros estados, por essa gente. O Relator do Código Florestal foi um homem de profunda sensibilidade social, o ex-Deputado Federal Aldo Rebelo, que foi Presidente da Câmara dos Deputados. E o que ele fez, eu conversei várias vezes com ele, foi ver in loco do que se estava tratando. E ele me disse: "Olha, eu conheço essa história, inclusive na Bahia, de assentamentos de 20, 30 anos que não estão regularizados ainda, mas isso não dá o direito aos que"... Por isso eu disse que é um argumento um pouco canhestro. Como não dá, eu disse: "Então, tudo bem! Vamos fazer o seguinte, aproveitemos a lei atual e vamos, cronologicamente, do menor para o maior. Depois que nós tivermos regularizado fundiariamente todos os pequenos que trabalham com os módulos, aí nós vamos crescendo os módulos que têm que ser regularizados". Senão, Ministro, nós vamos estar dando um presente a grileiros. Por quê? Todo mundo sabe o que é laranja - não os laranjais que V. Exa. citou -, mas está cheio de gente pequena, coitada, com um título de terra que não é seu, que é de um graúdo, que junta 10, 20, 30 para poder... E, aí: "Não, nós precisamos regularizar". Se fizerem nova lei, quem será regularizado serão os graúdos, e os pequenos não o serão. Por isso eu digo que, se nós temos uma lei que permite regularizar tudo que já está aí, por que não vamos regularizando progressivamente, começando do menor e indo para o maior? Eu não sou contra. Agora, eu não posso premiar. Por isso eu me preocupei, por isso eu anotei... Porque a palavra aqui é que precisamos ter o CPF do dono para regularizar. Ora, muitas vezes o CPF do dono é o CPF do desmatador, do que comprou alguém para desmatar para expandir a sua terra, que é o que acontece no Pará, no Amazonas etc. Por isso que eu digo que não nos é dado o direito de desconhecer os fatos. A legislação é excepcional. A lei brasileira consagra o que V. Exa. falou. Agora, eu fico me perguntando: na área urbana, várias são as prefeituras que, quando você detém o terreno e dele nada faz, o IPTU vai subindo com uma velocidade tal que é melhor, então, investir. Por que não se faz isso também em inúmeros latifúndios que, há tempo, nada fazem? Ministro, nós temos um volume de terra degradada de milhões e milhões de hectares que é possível de ser readequado para a produção. O que eu insisto é que nós não precisamos de mais desmatamento para ampliar nossa produção, até porque, como disse V. Exa., hoje a tecnologia em Israel, na Holanda, em inúmeros lugares serve para você, em menos espaço de terra, produzir mais, mas infelizmente, queridos Ministros e Senador Confúcio, eu acho que, às vezes, nós sofremos pela tese da abundância. Quando nós temos demais, as pessoas parece que acham que podem dispor. Aquela coisa do herdeiro que ganha muito bem. Nós somos herdeiros de uma maravilha que Deus colocou aqui, a nossa natureza. Agora, não nos é dado o direito de dormirmos na rede e vermos essa riqueza indo embora. |
| R | Então, eu concordo com V. Exa. Na minha terra, já fiz área de proteção permanente privada, e, às vezes, essa é outra coisa com que o estado tem problema, porque, às vezes, você declara uma área de proteção, e não dá a menor estrutura. Então, não resolve nada, porque infelizmente no Brasil ainda se considera que o público não é de ninguém, quando deveria se considerar que é de todos. Aí, acha-se que não é de ninguém. E, por fim, queria voltar ao tema da sustentabilidade tripartite. Na verdade, os cortadores de madeira ganham diárias muito acima da diária normal das pessoas, por isso se dispõem a fazê-lo. Muitos operadores do tráfico se dispõem a fazê-lo, porque ganham diárias muito acima que vão ganhar num trabalho simples e normal. Então, ou nós combatemos as três coisas juntas, buscando a sustentabilidade econômica, social e ambiental, ou nós não chegaremos, porque hoje, Ministra e Ministro - o Senador é mais conhecedor do que eu, apesar de que minha terra tem muita gente de baixa renda -, nós voltamos a ter 27 milhões de pessoas na extrema pobreza, voltamos a ter 9 milhões no Mapa da Fome. E aí os representantes do povo dessas terras - inclusive eu - ficam: minha obra social é gerar emprego. Esse é o maior programa social que eu tenho para fazer, e, às vezes, cria-se essa mentira desta dicotomia falsa: ou desmata, ou arruma emprego, quando todo mundo sabe que mil bois ocupam um vaqueiro apenas e, portanto, para a produção de empregos, é muito melhor floresta em pé, se a gente souber ter a remuneração de quem preserva, etc. Nesse sentido, eu acho que está correto o que o Embaixador falou, e aí eu quero me dirigir, com muita sinceridade, aos países desenvolvidos - neste caso aqui, à Alemanha: é óbvio que a responsabilidade é nossa, mas, como a solidariedade ambiental é planetária, eu entendo que nós temos que também ter solidariedade social, ou seja, temos que contribuir uns com os outros para que cheguemos a um patamar de drama social menor. Com certeza teremos menos drama ambiental. Então, era só o que eu queria comentar e agradeço também a presença da Ministra e do querido Ministro também. Desculpa! Eu pensei que V. Exa. ia fazer uma intervenção, mas, quando vi que V. Exa. estava indo para o encerramento, eu... |
| R | O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Está bem. Mas vou passar a palavra para a Ministra Cármen Lúcia, porque ela quer fazer um pequeno complemento. A SRA. CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA (Para expor.) - Eu queria apenas, Senador Jaques Wagner, acrescentar um dado, se fosse possível, como cidadã, não como prerrogativa de estar aqui juntamente com os senhores. A Constituição brasileira não é cumprida ainda em alguns itens. Isso é assim mesmo. A Constituição vai sendo... Ela tem que ser cumprida integralmente. Eu acho que tudo isso que V. Exa. expõe, e é tudo verdadeiro... No caso, quando o senhor era Governador da Bahia, eu fui relatora de casos exatamente sobre essa questão específica em área no sul da Bahia. Eu acho que muita coisa do que nós estamos vivendo de maneira mais doída, machucada, ambientalmente - e nós teremos que trabalhar para ter essa transformação ambiental, que é necessária no Brasil, no sentido da preservação e da defesa -, passa pelo cumprimento do inciso VI do §1º do art. 225: promover a educação ambiental. Isso que V. Exa. diz muito bem... A República que eu acho que, nesses mais de 33 anos da vigência da Constituição brasileira, já em grande parte mudou... Vejo nisso um fato. Mas a República acontece primeiro em cada repúblico, em cada ser humano que se sente repúblico. Isto de dizer: "De quem é esse prédio? Isso aí não é de ninguém, não é do governo!", em vez de dizer que é nosso, passa pela educação. A educação ambiental está determinada na Constituição, que é expressa: "Promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente". Esse dispositivo não tem a densidade, a verticalidade, para que um menino da minha terra, do norte de Minas, de Espinosa, saiba que o rio está seco cada vez mais e que a pessoa que mora em Bom Jesus da Lapa, na Bahia, e que vê o Velho Chico, que já foi, na minha memória recriada da infância... Para mim, ele era algo intransponível, mas, hoje, eu o atravesso a pé, com um areal em grande parte. Diz respeito à vida dele o meio ambiente! Mas isso se faz pela educação. Eu acho que a democracia ambiental, o civismo ambiental e a responsabilidade ambiental de cada um... Acrescenta-se aos três itens que V. Exa. acaba de expor o que é essencial para a transformação do ser humano, que é a formação e a transformação pela educação, que, no caso ambiental, é norma constitucional. Era apenas para lembrar esse item que acho da maior importância no Brasil. Muito obrigada. Muito obrigada, Senador Confúcio. O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito obrigado, Ministra. Vamos caminhando para o encerramento deste painel. O Senador Jaques Wagner já me fez economizar também - eu tinha até anotado aqui -, falando sobre os governos militares e sobre toda aquela fase da grande migração, do Eldorado, da Amazônia, de Mato Grosso, de um pedaço de Tocantins, da ponta do Maranhão, na década de 70. Ele falou também sobre reserva legal de propriedades e sobre áreas degradadas de pastagens como um fator que realmente dispensa o desmatamento, justamente porque há áreas degradadas que precisam ser reaproveitadas para verticalizar a produção. Então, com isso, realmente, não há a necessidade de grandes impactos sobre a floresta, sobre o Cerrado ou sobre o Pantanal, porque existem áreas degradadas em largo quantitativo. |
| R | Do outro lado, eu nasci no Tocantins e o atravessei quando era um sertão bruto, o que coincide muito bem com o livro de Guimarães Rosa Grande Sertão: Veredas, que descrevia os ermos gerais, a linguagem do sertanejo. Ele narrou isso muito bem naquele livro, que é até difícil de ler por tanta nomenclatura inusitada que ele coloca nos seus textos. A reserva legal da propriedade hoje está sofrendo um grande impacto mesmo na pequena propriedade onde há uma moita de floresta. Neste momento agora, realmente, houve uma queda das multas pelo Ibama e também da fiscalização e houve assim uma sinalização de que, entre aspas, "agora se pode tudo". Agora se pode tudo e, então, mesmo as reservas de 50% ou 80% da Amazônia estão sendo ameaçadas e muitas delas desmatadas. Isso é verdadeiro. Outro aspecto é a preservação inteira, integral, para manter esses biomas em pé ou mantidos diante dos indicadores sociais, porque realmente essas áreas são as áreas de piores indicadores sociais. Então, é um contrassenso muito grande a gente ter uma abundância ambiental preservada e as condições de vida das pessoas, os indicadores sociais ruins. Muitas vezes, um caboclo amazonense na beira do rio não tem água de qualidade para beber, assim como outros benefícios necessários à vida do cidadão. Dessa forma, eu quero agradecer à Ministra Cármen Lúcia por essa brilhante apresentação, com citações, inclusive a de um colega dela do ano de 1914. Eu lembro essa data 1914, porque é a data em que meu pai nasceu; então, ficou muito fixada aqui na minha cabeça. Parabéns a ela por citar essa história das Constituições brasileiras, as referências ao direito social da propriedade e também os vários direitos que vêm sendo incorporados ao longo do tempo! Assim como fez o Dr. Ministro Herman Benjamin, que é o conhecido meu de longa data e que respeito demais, que também fez uma exposição completando tudo, aproveitando grande parte do que a Ministra apresentou preliminarmente, e que nos enriqueceu bastante com seu conhecimento, que é muito vasto. Quero agradecer também a honrosa indicação do nosso Presidente Jaques Wagner para eu dirigir esse painel. Ao mesmo tempo, agora neste momento, eu já chamo a brilhante, conhecida e mais popular entre os Senadores deste Senado, a nossa querida Leila Barros, para dirigir o próximo painel. Muito obrigado. Está encerrada esta etapa. (Palmas.) |
| R | A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Bom dia a todas e a todos que prestigiam este importante acontecimento, qual seja, este nosso 2º Colóquio Brasil-Alemanha. Cumprimento o Presidente desta Comissão, o nosso querido Senador Jaques Wagner, já agradecendo a ele a indicação do meu nome para conduzir este segundo painel; e também o nosso querido Ministro, superprestigiado na Casa, Herman Benjamin. Muito prazer! Acho que é a primeira vez que nós estamos tendo essa oportunidade nestes anos da minha legislatura, do meu trabalho aqui dentro do Senado. Neste momento eu agradeço também a indicação de V. Exa. para prestigiar este painel. Este painel é sobre gerações futuras e conservação das florestas, que são temas fundamentais para o futuro do nosso planeta. Eu saúdo as Sras. e os Srs. Senadores, assim como os ilustres convidados: a Dra. Brenda Brito, que é pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), com sede no belo Estado do Pará; como também o integrante do Parlamento alemão e ativista nas questões que envolvem o meio ambiente, hoje atuando na Agência de Cooperação Internacional, Dr. Christian Ruck. No final de fevereiro, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU voltou a fazer dramáticas advertências sobre as consequências das mudanças climáticas. O planeta corre riscos, e eles estão cada vez mais se agravando. Ecossistemas e bilhões de pessoas já estão sendo atingidos por essas mudanças. Se medidas urgentes não forem adotadas, os danos todos nós sabemos que serão catastróficos. O tempo corre rapidamente, e ele está contra nós. Já se extrapolou esse tempo, e ele realmente está contra nós. No Brasil, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, que integra o Observatório do Clima, as atividades do uso do solo representaram, em 2020, mais de 73% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa. Essas atividades incluem o desmatamento, as queimadas e o setor agropecuário. A situação tem se agravado nos últimos anos com a colaboração do Governo Federal, que mantém um discurso e adota medidas contrárias à preservação, como o desmonte do aparato de fiscalização, de que nós falamos constantemente não só no Plenário, mas nesta Comissão, Sr. Presidente. É fundamental que esse debate seja travado aqui, no Senado Federal, pois o Congresso Nacional em breve terá de se posicionar sobre diversos temas, diversas proposições que poderão dificultar ainda mais a luta de quem trabalha a favor da preservação ambiental. É o caso do PL 510, de 2021, que facilita que terras públicas desmatadas de modo ilegal se tornem propriedade de quem as está utilizando, ou do PL 2.159, que flexibiliza as normas de licenciamento ambiental. Da mesma forma, cito o PL 490, de 2007, que dificuldade a demarcação, e o PL 191, de 2020, que regulariza a mineração em terras indígenas. No meu ponto de vista, esses projetos não podem ser aprovados nesta Casa - nós precisamos de um debate realmente firme, posicionado, e espero que os Senadores e suas assessorias estejam focados neste evento, porque vai trazer para nós muitos esclarecimentos -, menos ainda neste momento que a gente sabe que é tão crítico para o meio ambiente e para a humanidade, visto que podem provocar grandes danos caso sejam aprovados aqui nesta Casa, Sr. Presidente. Então, eu acho que vale um alerta sobre esses PLs - eu, particularmente, tenho acompanhado e a CMA, sob o seu comando, também tem acompanhado -, que nos preocupam. |
| R | Basta lembrar que, no dia 10 de março, o Inpe divulgou que quase 200 km² da Amazônia Legal estiveram sob alerta de desmatamento em fevereiro deste ano; é o maior indicador para o mês desde 2016 e representa um aumento, em relação a 2021, de 61%. Vejam bem: nós estamos em 2022, e, em relação a 2021, já aumentou 61% para o mês. Então, realmente é muito preocupante. Eu tenho certeza de que, com suas intervenções, a Sra. Brenda Brito e o Sr. Christian Ruck oferecerão importantes contribuições para que possamos caminhar na direção de garantir um futuro viável para as novas gerações. Então, sejam muito bem-vindos a este encontro. Eu vou passar a palavra inicialmente à Sra. Brenda Brito, que é advogada do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Seja bem-vinda, doutora. A SRA. BRENDA BRITO DO CARMO (Para expor.) - Obrigada. Eu gostaria aqui de cumprimentar inicialmente a Senadora Leila, que está presidindo esta mesa. Cumprimento também o Sr. Christian Ruck, que dividirá esta mesa comigo. Quero também saudar o Presidente desta Comissão, o Senador Jaques Wagner, e o Senador Confúcio, que passou por aqui na mesa anterior. Saúdo também todos os representantes da Embaixada alemã, na figura do Embaixador Heiko Thoms. Um agradecimento especial ao Ministro Herman Benjamin, que me convidou para estar aqui neste painel de hoje. E saúdo todos os outros palestrantes que ainda vão nos brindar aqui ao longo do dia com suas falas. Eu sou pesquisadora associada do Imazon, que é um instituto de pesquisa não governamental sediado em Belém, fundado há quase 32 anos, agora, em julho, e que tem como missão promover a conservação e o desenvolvimento sustentável na Amazônia. E o tema da minha fala neste painel - já foi até citado aqui anteriormente por algumas falas - é justamente a contínua flexibilização das leis brasileiras para favorecer a privatização e o desmatamento das florestas públicas na Amazônia. Esse é um tema extremamente relevante, considerando não apenas a importância da Floresta Amazônica, como já foi citado aqui no painel anterior, seja como serviços ambientais, seja por todos os serviços que ela proporciona aos brasileiros, seja pela importância da floresta para a manutenção do nosso ciclo hidrológico, do ciclo de chuvas, que beneficia, inclusive, a nossa produção agropecuária no Brasil, e seja também para o cumprimento dos nossos compromissos climáticos internacionais que dependem, em grande medida, da redução do desmatamento na Amazônia. Também é relevante falar desse tema porque, como já foi mencionado aqui, há dois projetos de lei tramitando no Senado, inclusive aqui nesta Comissão, em conjunto com a Comissão de Agricultura, que pretendem, mais uma vez, flexibilizar a legislação brasileira, trazendo graves riscos na questão fundiária para a manutenção da Floresta Amazônica, como eu vou comentar mais à frente. Sabemos que o Brasil possui a maior área de floresta tropical do mundo e também sabemos que, infelizmente, na última década, o Brasil liderou o ranking dos países que mais desmataram, e a maioria desses desmatamentos está acontecendo justamente na Amazônia, que, nos últimos 30 anos, já perdeu quase 20% da sua cobertura florestal. |
| R | Agora, nós também sabemos, como foi muito bem lembrado pelo Embaixador Heiko, no início da abertura deste evento, que o Brasil pode diminuir o desmatamento, e nós sabemos fazer isso porque nós fizemos isso, de forma exemplar, quando, entre 2004 e 2012, a taxa anual de desmatamento reduziu em mais de 80% com um conjunto de inovações, de políticas públicas que foram direcionadas para atacar justamente as causas do desmatamento, inovações jurídicas também que fortaleceram ainda mais o nosso arcabouço legislativo ambiental. Mas, infelizmente, a partir de 2013, essa queda começa a se reverter, a gente começa a ver o aumento do desmatamento ocorrendo novamente e, desde 2019, a gente acaba entrando num outro patamar porque a gente ultrapassa, pela primeira vez em uma década, mais de 10 mil quilômetros quadrados de desmatamento na Amazônia; no ano passado, a gente já teve uma taxa acima de 13 mil quilômetros quadrados. E, infelizmente, eu devo dizer que a gente avaliou, estimou, no Imazon, que este ano a gente deve ultrapassar uma taxa de 15 mil quilômetros quadrados. Nós temos um projeto chamado PrevisIA, no Imazon, que faz estimativas do desmatamento neste ano vigente com base em inteligência artificial. E, para este ano, a gente está estimando, infelizmente, uma taxa acima de 15 mil quilômetros quadrados. Com isso, eu queria dizer que nós estamos num cenário de absoluto descontrole do desmatamento na Amazônia neste momento e sem ainda sinais evidentes de que vamos reverter no curto prazo essa tendência. A gente sabe também que 40% do desmatamento que ocorreu desde 2013, quando a gente começa a ver aquele aumento de desmatamento, entre 2013 e 2021, está acontecendo em terras públicas que a gente identifica como áreas públicas ainda não destinadas. Essas são áreas que pertencem ou ao Governo Federal ou aos Governos estaduais da Amazônia, mas que ainda não tiveram uma destinação específica, ou seja, elas não são ainda áreas de conservação, elas não são terras indígenas demarcadas, elas não são áreas que foram alocadas, por exemplo, para concessão florestal, para manejo florestal, que é um uso importante. Então, elas são áreas que estão ali aguardando alguma definição sobre qual vai ser esse uso. Infelizmente, essas áreas estão sendo continuamente ocupadas e desmatadas justamente como indício de forçar a privatização desse território. A gente estima, no Imazon, que 29% da Amazônia seria equivalente a essas áreas públicas não destinadas e estão, como eu falei, concentrando 40% desse desmatamento. Então, essa questão da contínua invasão e desmatamento, infelizmente, é um padrão histórico no Brasil, como foi também mencionado em algumas falas anteriores, que está relacionado à forma de obtenção de propriedade privada no país. Então, infelizmente, a gente consegue identificar um ciclo que começa com a ocupação de uma área pública seguida do seu desmatamento, porque acaba sendo o desmatamento que vai sinalizar que aquela área está sendo ocupada por alguém, e, na sequência, esses invasores vão então requerer um título de terra para os órgãos do Governo Federal, estadual. Muitas vezes acabam inscrevendo, cadastrando essas ocupações em cadastros públicos autodeclaratórios, como é o caso do Cadastro Ambiental Rural, que é um cadastro obrigatório para os imóveis rurais no Brasil, mas que, infelizmente, não tem sido analisado e verificado para saber a validade dessas informações. Então, ele acaba sendo um mecanismo de criar uma espécie de indício e prova documental de alguma ocupação. |
| R | E, na sequência, o que a gente vê nesse ciclo que a gente identifica como ciclo de ocupação e desmatamento é justamente o fato de que, se a lei em vigor não permite que essas ocupações sejam regularizadas, sejam tituladas, sejam privatizadas, a gente observa uma pressão sobre o Executivo e o Legislativo para que a legislação seja modificada para favorecer justamente aqueles que estão ocupando essas terras públicas. E, se a lei é modificada para atender esses interesses, o que a gente tem, então, é o início de um novo ciclo porque: se eu acabei de mudar uma lei para favorecer quem está ocupando área recentemente, por que é que eu não posso mudar uma lei depois para favorecer as ocupações que vão continuar ocorrendo? E é nisso que a gente acaba ficando preso, nesse eterno looping aí desse ciclo que a gente chama de um ciclo de grilagem e desmatamento - porque "grilagem" é um termo que a gente utiliza aqui no Brasil justamente para identificar práticas relacionadas a roubos de terras públicas, ou seja, quando eu pratico um ato ilícito, um ato ilegal, visando obter uma propriedade de uma terra pública. Esse ato ilícito pode ser, por exemplo, um desmatamento de florestas públicas, que é um crime previsto na nossa Lei de Crimes Ambientais. Então, se eu estou praticando desmatamento visando formar uma prova para depois obter uma propriedade pública, eu particularmente enquadro todo esse ato como um ato de grilagem de terras. E o que a gente observa é que, quando a gente analisa a legislação brasileira nos últimos 15 anos, a gente consegue identificar sucessivas alterações que já foram feitas justamente para atender essas demandas de legalização de áreas invadidas. E aqui fazendo um parêntese, até ecoando aqui o que já foi dito pelo próprio Senador Jaques Wagner, de fato existe uma demanda e um passivo, digamos assim, que precisa ser atendido de pessoas que foram estimuladas pelos governos da ditadura militar nas décadas de 1970 e 1980, que foram estimuladas para ir à Amazônia sob a promessa de que receberiam um título de terra. E nós sabemos que muitas dessas famílias não receberam até hoje esses títulos de terra, mesmo que em alguns casos tenham, de fato, cumprido a legislação. No entanto, a gente já possui um arcabouço jurídico que reconhece essas ocupações, não é? Então, a gente tem, desde 2009, uma legislação, a Lei 11.952, que justamente atende à demanda dessa titulação de terras públicas que foram ocupadas já há décadas, inclusive trazendo muitas facilidades nesse processo. A legislação permite, por exemplo, a doação de terras de pequenos imóveis de até 100ha, ou seja, pequenos agricultores não precisam pagar por essa terra. Essa lei também prevê a cobrança de valores muito abaixo do mercado para titulação de terras de médios e grandes imóveis. E também a legislação inicial, aquela lá de 2009, já acomodava ocupações que ocorreram após o período da ditadura militar, porque ela permitia, no seu texto original, regularizar áreas ocupadas até 2004. Então, eu acho que isso aqui - porque eu vou falar um pouco dessas datas - é só para deixar marcado que a gente primeiro tem esse marco, digamos, temporal aí de ocupações até 2004 podendo ser regularizadas. Isso por um lado, digamos, atenderia essa demanda mais histórica dessas ocupações. E, por outro lado, a gente tem, desde 2006, uma lei extremamente importante que é a Lei de Gestão de Florestas Públicas, a Lei 11.284, que estabelece o que pode ser feito com florestas públicas. Elas podem ser destinadas para conservação, elas podem ser destinadas para concessões florestais e elas devem ser destinadas para atender demandas territoriais de povos indígenas e comunidades tradicionais. |
| R | A Lei de Gestão de Florestas Públicas não prevê a possibilidade de privatizar florestas públicas, e esse foi o intuito dessa legislação, no sentido de justamente blindar as nossas florestas públicas desse constante ciclo de ocupação e desmatamento. Então, até, digamos aí, 2009, a gente tinha o arcabouço jurídico que minimamente se coordenava para dizer que, bem, o que foi ocupado no passado pode ser regularizado, atendidos os requisitos, e, daqui para a frente, a partir de 2006, florestas públicas não vão ser alvo desse ciclo de grilagem e desmatamento. No entanto, em 2017, foi aprovada uma modificação na Lei 11.952 que, na minha opinião, cria uma grande contradição jurídica, porque o que aconteceu em 2017 é que essa modificação permite agora que áreas que foram ocupadas e desmatadas até 2011 possam ser reconhecidas como privadas. Então, agora a gente tem, na minha visão, uma contradição, porque, por um lado, a gente tem a Lei de Gestão de Florestas Públicas dizendo que, de 2006 para a frente, eu não vou mais privatizar áreas de florestas públicas, mesmo que desmatadas, mas agora, em 2017, há uma nova lei que fala que não, se a área foi ocupada até 2011, eu vou poder regularizar. Então, a gente acaba tendo esse conflito justamente dessas ocupações que ocorreram entre 2005 e 2011, que agora poderiam, digamos assim, ser atendidas com esse novo marco da regularização fundiária. Na minha visão, essa alteração que ocorreu na legislação fundiária em 2017 viola um dos princípios que foi mencionado aqui pela Ministra Cármen Lúcia, que é o princípio da vedação do retrocesso ambiental, porque, se eu tinha uma tutela jurídica para as nossas florestas públicas dizendo que elas não poderiam ser privatizadas e agora eu estou aprovando uma lei fundiária que diz que parte delas vai poder ser privatizada, a gente tem um conflito, e é evidente que a gente tem um retrocesso ambiental nessa legislação. Além disso, eu coordenei um estudo no Imazon em que a gente estima o que acontecerá se uma parte dessas áreas não destinadas for indicada como área para privatização. Então, a gente fez um estudo em cima de 19 milhões de hectares na Amazônia que seriam áreas não destinadas e a gente avalia que, se essas áreas forem efetivamente privatizadas, apenas nessas áreas, a gente tem um potencial de ter um desmatamento adicional até 2027 de até 16 mil quilômetros quadrados, fora o desmatamento que pode acontecer nas outras regiões. Por isso, realmente a gente entende que essa lei de 2017 trouxe um retrocesso na nossa legislação. E há três ações no Supremo Tribunal Federal contestando essa mudança de lei em 2017, mas até o momento não há ainda previsão do seu julgamento. Eu considero que o julgamento dessas ações - são três ações - que eventualmente determine a inconstitucionalidade dessa lei de 2017 seria, de fato, importante para que a gente tenha um alinhamento novamente entre a legislação ambiental e a legislação fundiária. E aqui também entendo que seria muito importante esse julgamento, até mesmo para, digamos, uma avaliação jurídica que possa sinalizar o que pode ser feito em relação a esses projetos de lei que estão tramitando hoje em dia aqui no Senado, como até mesmo ao que a Senadora Leila se referiu, que é o Projeto de Lei 510, de 2021, e também o Projeto de Lei 2.633, que foi aprovado na Câmara e aguarda aqui no Senado. Ambos visam fazer novas alterações na Lei de Regularização Fundiária. Então, aquela mesma lei de 2009, que foi modificada em 2017, agora tem mais uma tentativa de modificação. |
| R | Nós já publicamos pelo Imazon avaliações detalhadas desses projetos. Participei de algumas audiências também aqui no Senado, mostrando que as justificativas para esses projetos não procedem. Inclusive, até foi mencionado aqui pelo Senador Jaques Wagner que uma das justificativas que se coloca muitas vezes é dizer: "Não, precisa emitir um título para punir o desmatamento", e a gente sempre reforça que isso não faz o menor sentido, seja porque hoje em dia a gente já consegue saber nome e CPF de 69% das áreas que estão sendo desmatadas na Amazônia, porque elas estão inscritas no Cadastro Ambiental Rural - então, se quiserem, os órgãos ambientais podem punir a maior parte desses desmatadores ilegais -, seja porque não existe a obrigação de que alguém só pode ser punido se for dono do imóvel. Se ele está praticando o desmatamento, ele pode ser enquadrado. Inclusive, conforme eu mencionei, desmatar floresta pública é um crime previsto na nossa legislação. Então, de forma muito resumida, a gente vê que esses dois projetos, se aprovados, acabarão criando brechas que vão permitir que áreas que venham a ser ocupadas até mesmo no futuro possam ser legalizadas. Existe uma brecha escondidinha no texto não tão evidente, mas que a gente consegue identificar que poderia permitir que áreas ocupadas após o marco temporal definido em lei pudessem vir a ser legalizadas por meio de licitação. E a gente entende que isso é uma ameaça direta às florestas públicas, porque, se elas continuarem sendo ocupadas, eventualmente poderão ser colocadas à venda num processo licitatório. A gente tem também um risco de que a alteração desses projetos pode facilitar a legalização de áreas em conflitos agrários, porque dispensariam para uma área maior de imóveis a obrigação de vistoria prévia nesses imóveis, e a gente entende que a vistoria é um fato importante, principalmente no caso dos médios e grandes imóveis, para identificar se realmente essas áreas não estão sob conflito ou se são áreas que, de fato, são ocupadas por aqueles que estão pedindo títulos ou se são casos, como mencionou aqui também o Senador, de laranjas que estão ali com seu nome escrito no documento e que, de fato, não são aqueles que estão ocupando essas áreas. E a gente também entende que algumas salvaguardas socioambientais são enfraquecidas nesses dois projetos de lei. Existe um grande movimento de oposição à aprovação desses projetos de lei e não só a esses, mas a outros projetos que foram mencionados aqui e que a gente identifica, no Observatório do Clima, que é essa rede de instituições, como "pacote da destruição", porque, de fato, eles vão enfraquecer fortemente as nossas salvaguardas socioambientais, afetando diretamente a conservação das nossas florestas. E aí a gente inclui esses dois projetos de lei fundiários, o Projeto de Lei 191, que ainda está na Câmara e que a gente espera que não avance, porque realmente traz vários retrocessos, com a possibilidade de legalizar garimpos em terras indígenas, que têm crescido fortemente na última década e trazido muitos riscos para as populações indígenas. Então, a gente entende ser fundamental, se a gente como país reduzir desmatamento e cumprir nossas metas climáticas, que as políticas e legislações nacionais estejam alinhadas com esse objetivo de redução de desmatamento, ao invés de incentivarem essas práticas que podem levar a mais perda da cobertura vegetal. Para isso, eu entendo que o primeiro passo que nós, como país, precisamos fazer é, de fato, alinhar a nossa política fundiária com a redução do desmatamento da Amazônia e impedir que a gente tenha continuidade de legalização de desmatamento e privatização das áreas públicas desmatadas. |
| R | Um segundo passo seria instituir processos transparentes, com participação e com consulta pública, para definir qual vai ser a destinação dessas áreas públicas ainda não destinadas. E um terceiro passo é priorizar a destinação dessas áreas para reconhecimento de demandas territoriais de populações indígenas e populações tradicionais; alocar recursos aos órgãos fundiários para que eles possam, de fato, atender a essa demanda mais antiga de titulação de terras e possam fazer justiça a essas famílias que aguardam, mas sem, justamente, fazer esse avanço sobre áreas de florestas públicas. Então, a gente tem, na Imazon, vários estudos que indicam quais são as prioridades de investimento para os órgãos fundiários que incluem melhoria de procedimentos, aumento de transparência, digitalização e organização de processos, adoção de sistemas informatizados. Inclusive até queria ressaltar que o próprio Governo alemão, por meio da GIZ tem um trabalho de pelo menos uma década junto ao Governo brasileiro justamente nessa área de aperfeiçoamento de processos para regularização fundiária, e há muitas lições aprendidas ao longo dos últimos anos. E, finalmente, dizer que, para a gente alinhar esses objetivos de redução do desmatamento no Brasil, a gente precisa, de fato, rejeitar esses projetos de lei que estão hoje em dia no Congresso Nacional e que não trazem nenhum benefício do ponto de vista de conservação florestal, assim como outros PLs que a gente já mencionou aqui também e que fazem parte desse "pacote da destruição". Bem, então eu acho que é essa a minha contribuição para hoje. Fico aqui à disposição para responder a perguntas e comentários. Muito obrigada. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Agradeço a sua participação e sua fala. Vamos aguardar, Dra. Brenda. Vou passar agora a palavra ao Sr. Christian Ruck, que é ex-membro do Parlamento alemão e que nos honra aqui com a sua visita e sua explanação. Seja muito bem-vindo! O SR. CHRISTIAN RUCK (Para expor. Tradução livre.) - Muito obrigado, Sra. Presidente. Minhas Sras. Senadoras e meus Srs. Senadores, meus queridos colegas do Parlamento europeu, queridos Embaixadores e Juízes Federais, caros senhores e caras senhoras, eu estou muito feliz e agradecido pela oportunidade de estar nessa conferência com os senhores e também pelos últimos dias em visita primeiramente à Mata Atlântica e depois aqui a Brasília, além também da ajuda do Juiz Benjamin, a quem estou muito grato, por ele... A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Excuse-me, one minute. Só um minuto. O canal era para ser o 5, mas nós estamos com um problema na tradução. Eu peço desculpas aos que estão nos assistindo. A nossa equipe está resolvendo aqui, um minutinho. (Pausa.) |
| R | O SR. CHRISTIAN RUCK (Para expor. Tradução simultânea.) - Agora nós vamos tentar, espero que todo mundo esteja me ouvindo agora. Estou falando lentamente para nós podermos fazer a interpretação. Após cumprimentar a todos, eu gostaria de confirmar mais uma vez que, de fato, o mundo está olhando para o Brasil com muita atenção, mas, nos últimos dias, e também aqui na minha visita ao Brasil, eu encontrei muitas pessoas, muitos brasileiros que me deram muita esperança de que as decisões que precisam ser tomadas aqui no Brasil vão sair na direção correta. Eu me propus a falar sobre um tema que está um pouco longe do Brasil: vou falar sobre a política florestal alemã e por isso eu vou falar sobre a floresta, sobre bem público internacional, mas primeiramente é sobre a Alemanha. Na Idade Média, dois terços da Alemanha eram cobertos por um tipo de floresta, a floresta nórdica, uma floresta diferente da que há no Brasil. O território da Alemanha era coberto em dois terços por ela. Com o crescimento do desenvolvimento econômico, também o desmatamento na Alemanha cresceu maciçamente para a produção de alimentos, e, com isso, a cobertura vegetal reduziu-se em 50%. |
| R | A necessidade de madeira, por um lado, e a falta de oferta por outro, tornaram a madeira e as florestas um bem escasso, e a consequência disso foi que o acesso a esses bens por proprietários privados e públicos estava sendo cada vez mais restrito. Com base nisso, algumas centenas de anos atrás, gerou-se o princípio da sustentabilidade na silvicultura alemã. Isso significa que só pode ser utilizado na mesma quantidade em que a floresta cresce, porque, assim, as futuras gerações, no futuro, vão ter o mesmo nível de abastecimento de madeira. Isso significa... O tempo de crescimento de uma floresta alemã é de cem anos; então, a perspectiva na plantação de uma árvore é de cem anos. O uso ocorre com base em inventários regulares nas florestas, para evitar um excesso. Ao mesmo tempo, na Alemanha, foi gerada, nesse princípio, uma administração das florestas para todos os proprietários: proprietários públicos, particulares, para todas as florestas estatais também. Nos séculos XX e XXI, na silvicultura alemã, foi gerado o princípio da multifuncionalidade. Isso significa que florestas, com seus bens produzidos, como a madeira, são um fator econômico importante, mas, ao mesmo tempo, é um fator importante para a estabilidade ecológica, a biodiversidade e também um local de lazer para a população. Com isso, também se tornou um bem público, também no caso das florestas que estão em propriedade particular. Bem público é definido a partir da existência de efeitos além do privado. Essa também é a ideia principal na legislação alemã, com base no princípio da lei fundamental, como nós já ouvimos também na discussão sobre a Constituição brasileira, que significa que a propriedade também está obrigada com o bem de todos, o bem comum, ou seja, é importante que a floresta cumpra as três funções: economia, ecologia e também a opção de lazer para o ser humano. Isso significa também que os proprietários das florestas, por lei, são obrigados a manter a floresta saudável, também proteger as florestas vizinhas de danos e, no caso de uso, garantir o rejuvenescimento e a replantação. Isso também se aplica no caso de calamidades naturais, como, por exemplo, queimadas, sendo que os proprietários públicos estão sujeitos a um regime mais rígido do que os proprietários particulares. |
| R | Nos últimos anos houve também um peso crescente na política florestal em relação à proteção da natureza e biodiversidade, por exemplo, com a instituição de parques naturais e reservas de proteção. Em 1970 nós tínhamos um parque de reserva nacional, hoje nós já temos 16, sendo que nós tivemos nesse meio tempo, obviamente, a reunificação e um pouco mais de espaço também. Com base na nossa estrutura federal, a legislação florestal está regulamentada em uma lei florestal de 1975, e as leis florestais dos estados, com as suas medidas, sendo que as leis estaduais só podem tornar a lei federal mais rígida. A administração de propriedades privadas ocorre de acordo com o princípio de subsidiariedade alemão, estão sujeitas a uma hierarquia dos ministérios federais, ministérios estaduais e municipais e as autoridades... Essas autoridades florestais precisam ser consultadas no caso da instituição de medidas de infraestrutura, como estradas. Elas representam a opinião pública, precisam ser ouvidas em todos os processos e, em muitos casos, também têm direito de veto, especialmente quando se trata de florestas importantes para a proteção contra a erosão e de florestas importantes para a bacia hidrográfica. Na área da proteção ambiental cada vez mais devem ser observadas legislações da União Europeia, proteção de pássaros, e isso fez com que a República Federal da Alemanha já tenha sido acionada várias vezes por nossos colegas da União Europeia porque nós não fomos suficientemente rápidos na harmonização da lei. Nós, com nosso sistema federal... Por exemplo, a proteção ambiental muitas vezes é questão dos estados, então na Alemanha demora muito tempo para fazer toda essa harmonização legal entre todos os estados. Mas, em suma, podemos dizer que a política na Alemanha cuida das florestas alemãs em sua legislação junto com a maior parte da população, garantindo o abastecimento de madeira, mas, ao mesmo tempo, a proteção ambiental e o lazer do ser humano, especialmente considerando as futuras gerações. Essa política deve ser implementada e fiscalizada por uma administração. |
| R | É claro que nós também temos problemas, e um dos problemas que nós estamos vendo no horizonte é a mudança climática. Em partes da Alemanha, nós já não temos água suficiente para nosso tipo de floresta. Por isso, nós também já temos a discussão se nós devemos incluir plantas estranhas, por exemplo, plantas dos Estados Unidos, que são mais robustas, dentro da nossa biodiversidade. É uma questão bastante polêmica. Esse é um lado da política florestal, mas temos também um segundo aspecto que é muito importante da política florestal, que é a política em relação a outros países nas questões diplomáticas e na cooperação de desenvolvimento. Nos últimos 40 anos, a política florestal alemã se engajou cada vez numa visão internacional. E aqui nós nos tornamos um dos maiores doadores bilaterais para programas de proteção de florestas tropicais. Um dos maiores picos dessa política foi a Conferência no Rio de Janeiro em 1992. Naquela época, eu era um Parlamentar muito jovem, e nós estávamos muito animados com os resultados no Brasil. E talvez todos conheçam aqui a promessa do Governo Federal da Alemanha, do Parlamento alemão desde 2013 de que 0,5 bilhão de euros por ano será investido na biodiversidade em outros países. E um dos mais importantes parceiros é o Brasil com a Mata Atlântica, a Amazônia... E, mesmo que eu já tenha passado muito tempo na África e seja mais especialista na África que na América Latina, eu visitei quatro vezes a Mata Atlântica e uma vez a Amazônia. E me impressionaram muito a profissionalidade dos nossos parceiros brasileiros e a profissionalidade também dos juízes e dos ministérios públicos. Isso foi algo que raramente eu vi fora da Alemanha, em outros países. É claro que existe uma grande diferença entre uma floresta alemã e uma floresta tropical. Temos 40 tipos de árvores, não por hectare, mas por país. Na Alemanha, nós temos 40 tipos de árvores diferentes. O que vocês têm no Brasil? São 4 mil, 6 mil, sei lá... É uma diversidade enorme. Não se pode comparar a situação da Alemanha. Nós temos muito orgulho das nossas árvores, mas não é a mesma coisa. A floresta alemã é importante, mas ela não é essencial para o clima mundial. No entanto, as florestas tropicais - essas, sim - são essenciais para o clima global, regional também, mas são decisivas... Eu acho que esta é a diferença entre Brasil e Alemanha: as suas florestas são decisivas, as nossas são importantes regionalmente Por isso nós temos também esse engajamento, que é apoiado por uma grande parte da população, e, claro, nós olhamos com muito foco o que acontece na América Latina e no Brasil. |
| R | Eu gostaria também de fazer uma pequena excursão sobre o que eu estou fazendo aqui também em nome do Governo alemão. Eu tenho responsabilidade pela parceria da Bacia do Congo. Nós somos Presidente da iniciativa de florestas africanas e aqui nós estamos organizando a cooperação bilateral internacional. Claro que a Bacia do Congo, politicamente, em muitos aspectos, não pode ser comparada ao Brasil, mas claro que existem também ideias sobre soluções conjuntas e sobre problemas que nos são comuns. A Bacia do Congo é o segundo maior pulmão, ainda importador líquido de CO2, ainda recebe CO2.. Claro que também é uma região que é decisiva para o clima na África. As precipitações na Etiópia dependem da floresta da Bacia do Congo. Então, essas relações interamericanas são muito importantes, mas também o significado global da Bacia do Congo. A taxa de desmatamento da Bacia do Congo ainda é bem baixa, é a mais baixa de todos os 13 pulmões do mundo. Mesmo assim, nós podemos ver que a degradação e a destruição aumentam. A floresta ainda existe, mas não é a floresta que deveria ser. Então, aqui, nós temos também grilagem por pequenos agricultores, mas também há medidas agroindustriais, infraestrutura e também mineração. O grande desafio agora é que, na Bacia do Congo, nós temos estabilidades politicas bem diferentes, guerras civis, guerras, e, em geral, nós temos administrações bastante fracas. Por esse motivo, um dos nossos objetivos é criar... Queremos evitar a exploração econômica e a desestabilização ecológica desse sistema. E como nós podemos evitar isso já foi citado aqui para o Brasil: é importante nós termos, para esse segundo maior pulmão, um desenvolvimento econômico que, ao mesmo tempo, aproveite a função da floresta em pé para a diversidade e a função do pulmão. Isso não é uma tarefa fácil, e as condições para a Bacia do Congo ainda não estão presentes. E aqui, por exemplo, nós temos as questões de propriedade e os direitos de propriedade, porque, ainda nos países da África Central, existem direitos tradicionais pré-colonização e o denominado direito moderno de propriedade. No entanto, esse direito tradicional é um direito que não conhece propriedade individual, e a floresta é sagrada; então, a ideia jurídica deles é muito diferente do que nós temos como modelo. Por outro lado, nós temos o direito nacional moderno, que tolera esses usos tradicionais, mas existe também... E, na África Central, não existe propriedade, a não ser a propriedade pública, ou seja, o governo dá concessões, mas não existe propriedade privada. Essa é a diferença. Essa construção de não propriedade em que esses direitos estão lado a lado também é uma base para a insegurança jurídica bastante grande. Enquanto existir insegurança jurídica, não há proteção e não há desenvolvimento, porque, para o desenvolvimento, eu preciso de um direito proprietário. Claro que as estruturas administrativas enfraquecidas também fazem com a África Central não consiga proteger a propriedade estatal. Muitas áreas são degradadas, porque os governos não têm a facilidade de garantir a proteção. Isso vale também para reservas naturais ou florestais. É bastante sujeita à corrupção, e as grandes leis ambientais que também existem na África, muitas vezes, não são implementadas, são ignoradas. O uso de área existe somente no papel e não existe a possibilidade de implementar. Existe também um fenômeno na África Central, que é a enorme pobreza, muita situação precária, e a proteção ambiental e a proteção das florestas passam por um segundo plano. |
| R | Temos também a discussão dos direitos indígenas. Eu não quero me aprofundar nessa questão, mas essa é também uma questão em aberto ainda. A população indígena precisa ser protegida, especialmente também na Bacia do Congo, mas como fazer isso, como estabelecer as regras para proteger a população indígena não está claro ainda e não está combinado. Para não me alongar muito no assunto, eu só gostaria de atentar para o nosso programa. Nós estamos trabalhando conjuntamente também para tornar a Bacia do Congo mais importante nessa abordagem política. Nós não queremos medidas unitárias, nós queremos uma abordagem política, nós queremos fazer tudo para que os governos não só tenham a vontade, mas tenham também a possibilidade e a faculdade de implementar as suas leis. Que a insegurança jurídica seja resolvida a médio e longo prazo! Que o planejamento do uso fundiário seja feito a longo prazo! E que também, em tempos de insegurança, nós criemos os impulsos corretos para um desenvolvimento sustentável! Eu vou dar um exemplo. Quando há fome nas cidades, quando nós temos a luta pela sobrevivência, não posso oferecer uma política florestal ou uma política de uso, como na Alemanha, para cem anos; as pessoas precisam de ajuda agora. E, para manter a função da floresta, eu preciso de projetos que devem ser elaborados de forma multifuncional, que, de um lado, garantam o funcionamento como um pulmão a longo prazo, mas que, por outro lado, providenciem alimentação rapidamente para a população. É esse o objetivo que nós temos na Bacia do Congo. Nós queremos certificar a utilização, nós queremos certificar madeira, mineração e também as indústrias agrícolas. Isso, claro, exige uma equipe profissional de juristas. Também isso exige - e esta discussão nós vamos ter ainda hoje - que se tentem cadeias de fornecimento livres de desmatamento até o último consumidor. Isso é o que nós fazemos também. Por isso nós cuidamos também... Discutimos também com a República Federal da China e com o Vietnã. Eles têm uma nova legislação agrária e uma legislação florestal que proíbe a importação de madeira ilegal. Então, nós estamos tentando uma cooperação tripartite: Alemanha, na Europa, África Central e China. Isso é importante, porque a China domina realmente o comércio de madeira. Isso é importante também, porque nós temos a nova lei de cadeia de fornecimento sem desmatamento na Europa. |
| R | Por fim, eu gostaria de fazer um pequeno resumo. Eu acredito que os pulmões verdes do mundo e também a Bacia do Congo só podem ser mantidos em funcionamento se nós fizermos uma negociação justa, um fair deal. E uma negociação sempre tem duas partes, nunca é um caminho de via única. Nós iniciamos, a partir da nossa plataforma de múltiplos interessados, uma parceria com a Organização das Nações Unidas categoria 2. Nós temos as ONGs, o setor privado e a academia, não só os governos, mas nós iniciamos uma declaração que foi assinada por todos os países da Bacia do Congo e que abrange uma grande proposta para a melhora dos governos na Bacia do Congo. E, por outro lado, há a expectativa de que o Congo, a Floresta do Congo e os países recebam um percentual justo aos recursos climáticos. Esses recursos podem ser utilizados como base para o desenvolvimento nos seus países. Isso é o que nós fazemos no âmbito da nossa parceria, o que nós chamamos de deal e que, na Inglaterra e em Glasgow, foi assumido, mas isso pode ser também uma solução para os pulmões do mundo, no mundo inteiro. Bom, mas isso é uma grande política a médio e longo prazos e, sobre isso, nós precisamos também incluir, por exemplo, o comércio de créditos de carbono. Para isso, nós precisamos considerar o Acordo de Paris e os acordos de Glasgow e temos que alterar também esses acordos para darem mais espaço a esse tipo de negociação. Temos muito o que fazer, mas eu acredito que isso possa ser algo que traga a todos nós um pouquinho de luz no final do túnel. Muito obrigado pela sua atenção. (Palmas.) |
| R | A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Nós que agradecemos a sua presença, Dr. Christian Ruck, pela fala, pelos esclarecimentos. Eu acho que um dos maiores desafios que nós temos aqui no nosso país é a questão da insegurança jurídica, a tentativa, ano após ano, desse desmonte das políticas ambientais do nosso país, que vem se agravando durante esses últimos anos, e essa preocupação que nós temos também com a fiscalização, que a gente vê que é um compromisso do povo alemão, o político e a política alemã, com a preservação e a consciência das questões ambientais no mundo e que envolve diretamente não só a Alemanha, não só o Brasil, como o senhor falou das diferenças das florestas, mas o mundo inteiro. E isso tem de certa forma atingido a população mundial. Eu tenho algumas perguntas aqui e vou aproveitar a presença da Brenda, que nos brindou aqui também com alguns esclarecimentos sobre as leis de 2009 e, principalmente, de 2017, que realmente fragilizaram muito a questão da nossa legislação. Eu pergunto primeiramente para a Brenda, do João Gabriel, de Minas Gerais: "O uso de terras para produção de um produto e a reparação da área desmatada com a plantação de sementes são formas eficazes de preservação?". Seria apenas necessária a plantação de sementes? Você pode responder, Brenda, porque, na sequência, eu vou perguntar para o Sr. Christian. A SRA. BRENDA BRITO DO CARMO (Para expor.) - O.k. Bem, eu estou entendendo que a pergunta do João Gabriel é talvez no tema de restauração de áreas degradadas, enfim. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Isso. Isso. A SRA. BRENDA BRITO DO CARMO - Bem, então, acho que depende muito do bioma onde a área foi desmatada, depende do tipo de uso que foi feito dessa área que foi desmatada. Na Amazônia, por exemplo, há experiências em que simplesmente retirando fatores de uso intensivo você já começa a ter a floresta se regenerando sem um tipo de intervenção mais específica. E, em alguns casos, como o da Mata Atlântica, de fato você vai precisar ter um uso mais intensivo ali de plantio, de enriquecimento. Então, eu acho que depende muito. |
| R | Um ponto que é importante a gente também lembrar - foi até um levantamento recente que o Imazon fez - é que, se a gente olhar as áreas que foram desmatadas na Amazônia, a gente já teria uma área do tamanho da Irlanda de florestas que já rebrotaram. São as florestas secundárias, como a gente chama. Isso o que significa? Que são áreas que foram desmatadas e que foram abandonadas, muito provavelmente porque não foi um desmatamento para uso produtivo. Era um desmatamento ali para grilagem, para dizer que era dono, e aquelas áreas foram abandonadas. Então, a gente já tem esse mapeamento das áreas que estão sendo recuperadas, digamos assim, mesmo sem uma intervenção humana. E aí a gente acende um outro alerta, que é o da necessidade de preservar não só as áreas que ainda não foram desmatadas, mas também aquelas que estão se regenerando. Muitas vezes são florestas que têm mais de sete anos de regeneração, e a gente acaba nem as incluindo quando a gente fala dessa discussão sobre conservação. A gente vai precisar de todas as florestas em pé, não só as primárias, mas aquelas também que já foram recuperadas. Esse é um ponto. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Interessante aqui a pergunta do Jorge Murillo, do Rio de Janeiro, para você: "Desmatamento e queimadas promovidas pelo setor agropecuário [como foi citado aqui por outros expositores] são a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa. Como coibir [...] [isso]?". Ele pediu para fazer a pergunta a você. A SRA. BRENDA BRITO DO CARMO - Bem, como eu falei na minha apresentação, como país a gente já sabe o que fazer para reduzir esse desmatamento: a gente precisa aplicar a legislação; a gente precisa parar de enfraquecer a legislação e aplicar a legislação; e precisa, obviamente, dar incentivo para a produção sustentável. A gente tem aí, desde 2004, o nosso plano de combate ao desmatamento na Amazônia, o PPCDAm, que infelizmente foi abandonado, mas que de fato traz vários dos eixos que são essenciais para que a gente consiga reduzir desmatamento. Inclusive - a Ministra Cármen Lúcia estava aqui mais cedo -, a gente tem uma expectativa, porque agora no dia 30 o STF marcou o julgamento de sete ações judiciais ambientais, sendo que uma delas está justamente questionando essa questão da necessidade de retomar o PPCDAm, de retomar o funcionamento do Fundo Amazônia. Então, a gente também está nessa expectativa para ver se o Judiciário vai nos ajudar, digamos, a ter um pouco de esperança mais prática de implementar esses instrumentos, que são importantes. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Sr. Christian Ruck, com relação... O senhor falou muito da relação política e da própria população alemã, da consciência da importância da preservação. Eu pergunto aqui - é uma pergunta muito interessante do Ryan Cunha, do Rio de Janeiro: como é que a Alemanha lida com a instrução das próximas gerações para a conservação desses recursos? Como é tratada essa questão do meio ambiente com os jovens alemães? De modo geral, como é essa educação ambiental no seu país? |
| R | O SR. CHRISTIAN RUCK (Para expor. Tradução simultânea.) - A minha experiência é a seguinte: a educação ambiental com efeito tem a ver com as posições políticas diante do meio ambiente. Trata-se de um fenômeno paralelo: a política, a população e a educação ambiental. A educação ambiental é uma matéria curricular em todas as escolas, inclusive nas universidades. Hoje, nós concentramos uma espécie de inflação positiva de cursos superiores especializados em educação ambiental. Então, a educação ambiental se tornou o tema preferido, inclusive no Estado da Baviera. Então, eu posso dizer que os jovens, os adolescentes têm uma consciência ambiental completamente distinta da que nós tivemos quando jovens, mas isso começou nos anos 70 com a televisão, com o crescimento da mídia. É como um efeito pingue-pongue: quando a população deseja preservar o meio ambiente, os políticos também o desejam e assim por diante. Então, eu necessitei de muito tempo para chegar... Eu vou falar dos projetos de desenvolvimento na África. Não faz sentido elaborar os mais interessantes, os mais bonitos programas de desenvolvimento na África quando a população local não os acompanha, razão pela qual os titulares da política do desenvolvimento devem cuidar já nas escolas para que a juventude seja educada, para que as pessoas sejam educadas, porque nós precisamos de medidas de efeito rápido e imediato e de medidas de efeito no médio prazo. A SRA. LEILA BARROS (PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Excelente! Presidente desta Comissão, Senador Jaques Wagner, deseja falar? O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Para interpelar.) - Na verdade, quero parabenizar a Dra. Brenda e agradecer ao Sr. Christian pelas suas duas intervenções. Eu vou perguntar mais ao Sr. Christian, porque a Brenda a gente tem sempre aqui para discutir os nossos temas. Eu tenho uma curiosidade: hoje, quando nós falamos de proteção ambiental, os que querem degradar sempre colocam, como eu já disse, uma dicotomia, um antagonismo entre geração de emprego, desenvolvimento e proteção ambiental. |
| R | O senhor, na sua fala, colocou que a Alemanha, que eu sei que é bem menor do que o Brasil: são trezentos e poucos mil quilômetros quadrados, tinha dois terços de área coberta, e hoje, pelo que eu entendi, possui um terço de área coberta. Quando vocês resolveram colocar um freio e começaram a fazer uma legislação no sentido de diminuir a velocidade de desmatamento, imagino que lá também houve a reação daqueles que achavam que sem desmatar não iriam conseguir continuar desenvolvendo. Eu queria um pouquinho, se... É óbvio que são povos e culturas diferentes, nem sempre o que é bom para um é bom para o outro, mas queria entender um pouco como é que foi esse processo. Como é que se conseguiu, eu diria, não esse consenso, mas essa maioria, na sociedade alemã e no Parlamento alemão, para que se entendesse que era preciso parar a velocidade de desmatamento? O SR. CHRISTIAN RUCK (Para expor. Tradução simultânea.) - A primeira fase desse desenvolvimento diz respeito aos danos econômicos causados pelo uso excessivo. Houve danos advindos de inundações, da erosão, mas houve também danos econômicos que se manifestaram na falta de madeira. Então, os guardas florestais alemães disseram: “Nós não podemos ganhar as nossas riquezas às expensas da geração futura. Nós temos que introduzir um princípio transgeracional”. E esse princípio surgiu na economia. Depois, paulatinamente, verificou-se não apenas para os cientistas o quão importante a preservação das florestas é para o funcionamento da economia como um todo, até porque não se trata apenas de evitar danos que são muito caros para a sociedade. Surgiu também, adicionalmente, uma consciência ambiental, segundo a qual as pessoas sabem que nós precisamos da natureza como algo que nos dá prazer, algo que nos dá alegria. Claro, aqui já a economia nacional alemã já estava num estágio que não estava preocupada mais com a pobreza. Aqui tentou-se juntar a tecnologia moderna com o desejo dos nossos cidadãos em ter uma natureza aprazível. |
| R | Há exemplos clássicos que mostram que justamente medidas pró-ecológicas podem preocupar o desenvolvimento econômico. Eu vou citar o exemplo do meu estado, o Estado Livre da Baviera. Quando eu era menino, havia uma região paupérrima na Baviera. Ela era chamada de o reduto da pobreza na Alemanha, na fronteira com a Cortina de Ferro. Ali havia uma região de natureza intacta que foi transformada no primeiro parque nacional. Foi um marketing tópico e com medidas hábeis para favorecer o turismo naquela região e fez com que essa região ambiental fosse um catalisador com efeito muito além dessa região, e o efeito foi fenomenal. E agora o turismo ecológico dos alemães transformou-se numa espécie de sucesso que sustenta a si mesmo. O parque nacional já não é mais o fator mais importante, mas ele suscitou um processo que agora funciona por si, pelas próprias pernas. Existem muitos exemplos também em outros países que mostram como se pode combinar a proteção ambiental com a economia. Esse é um aspecto. Outro aspecto é que a gente pode usar a natureza e os recursos naturais, mas com tecnologias não ofensivas, porque, no fim do dia, a destruição da natureza produzirá maiores danos econômicos, danos maiores do que os lucros obtidos. Então, nós apostamos também em medidas econômicas nos tópicos que favoreçam e garantam um crescimento sustentável da economia. Foi uma resposta muito longa a uma pergunta muito breve, caro Senador, mas eu espero que tenha sido boa. O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Presidenta, deixe-me só fazer mais uma pergunta? A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Por favor, o senhor não pede, o senhor manda! (Risos.) O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Para interpelar.) - Não, eu queria fazer uma segunda pergunta ao nosso ex-Deputado da Alemanha. Primeiro, uma curiosidade: nos 40 anos do Muro de Berlim houve diferenças, do ponto de vista do trato ambiental, do desmatamento, entre a Alemanha Ocidental e a Alemanha Oriental? E agora não mais uma pergunta, aproveitando o que o senhor falou do Congo. É que, no Brasil, nós temos um problema sério: quem chega em São Paulo, no Rio, em Brasília ou em qualquer capital ou na costa conhece um Brasil rico, mas, quando nós vamos ao interior de muitos estados e do país, nós temos uma desigualdade social e regional muito grande. Eu estou fazendo essa afirmação para reforçar o que eu disse na abertura. Evidentemente, ao se olhar para a África, se consegue entender que a situação institucional e econômica é muito mais fraca do que no Brasil, mas nas regiões de que nós estamos falando, da preservação da Floresta Amazônica e etc. - eu não vou dizer que são situações iguais porque quem tem aquela floresta tem um paraíso -, nós temos muita pobreza, muita pobreza. Por isso, é muito importante que os amigos da Europa, da Alemanha, que sabem da importância da Amazônia para o pulmão mundial, também pensem em fazer isso que o senhor mesmo falou que foi feito na Alemanha. É preciso ter programas de inclusão produtiva e de renda para que a gente possa estancar esse processo de desmatamento. |
| R | O SR. CHRISTIAN RUCK (Para expor. Tradução simultânea.) - Essa região formada pelo Brasil, pela Colômbia e pelo Peru, nessa região limítrofe desses países, houve uma iniciativa... Mas eu gostaria de ser cauteloso antes de fazer recomendações com relação ao Brasil, porque durante muito tempo eu trabalhei em outros lugares. Mas a pergunta é: como preservar os pulmões verdes do planeta? Isso não funciona apenas com proteção radical de tudo; muito pelo contrário, deve ser possível preservar a função pulmonar e, mesmo assim, oferecer uma perspectiva às pessoas, sobretudo quando se trata de habitantes pobres na região. Na maior região da Bacia do Congo, na República Democrática do Congo, que é um continente tomado em si, considerada em sua perspectiva, a pobreza rural é um grande problema, porque ela acabar avançando cada vez mais floresta adentro. Nós temos algumas propostas bem concretas, que podem também ser interessantes para a Amazônia. Um enfoque é o seguinte: tenta-se configurar a atividade econômica na floresta de tal modo que a função popular não seja prejudicada. Então, posso colocar minas para retirar recursos de baixo da terra na floresta, mas isso precisa ser feito com tecnologias adequadas. Eu também posso fazer agricultura na floresta, mas eu preciso usar outras tecnologias agrícolas. E eu posso dizer também... Creio saber bastante bem onde no mundo... a naturalização... regiões em que isso pode dar certo para criar novos empregos. Isso pode ser feito no Brasil, pode ser feito na República Democrática do Congo, pode ser feito na Indonésia. São áreas imensas que podem ser utilizadas economicamente para promover também a ecologia. |
| R | Mas há uma outra razão, a razão que foi para nós importante nos engajarmos na Bacia do Congo. Como podemos combater a pobreza? Como nós podemos fazer com que possamos combater a pobreza com a proteção das florestas? Há basicamente duas possibilidades. Uma é a mais tradicional: eu posso criar muitos empregos, eu posso criar muitas possibilidades de melhoria da renda, mesmo na África, mesmo em regiões assoladas por guerras civis, mediante proteção ambiental, turismo e muitas outras atividades. Eu me doutorei sobre esse tema e poderia citar mil e um exemplos a respeito. No Brasil, isso promete muito porque o turismo doméstico pode ter uma dimensão muito maior do que em qualquer outro país que tenha um território menor. Mas, eu preciso ver com toda a clareza... E agora eu estou falando sobre a Bacia do Congo: é muito importante que se financie o desenvolvimento, solicitando, cobrando remodelações da opinião pública mundial. Quer dizer, para um produto que é necessário para o mundo - a floresta, como um pulmão -, outras sociedades pagam por isso. O negócio aqui é o seguinte: a gente faz um negócio que seja bom para os dois lados, mas faz parte desse objetivo que os recursos monetários doados sejam utilizados para a proteção ambiental e que parte desse dinheiro que se ganha seja usado para fomentar as pessoas pobres no interior da Amazônia e ajudar essas pessoas para que melhorem de vida. Esse é o resumo da declaração sobre a Bacia do Congo que nós apresentamos à opinião pública mundial em Glasgow, na Escócia. Eu acho que, em princípio, a situação é a mesma da Bacia do Congo, mas fiz essas observações com vistas à Bacia do Congo que eu melhor conheço. Essa é a minha resposta à pergunta "como posso financiar a fundação ambiental com recursos internacionais?". Isso funciona só se, em primeiro lugar, houver uma administração pública eficiente que funcione; em segundo lugar, um sistema judicial que também funcione a contento. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Sobre a discussão socioeconômica da Amazônia, a Dra. Brenda gostaria de tecer alguns comentários. |
| R | A SRA. BRENDA BRITO DO CARMO (Para expor.) - Bem, rapidamente - acho que este é um ponto bem relevante -, de fato, na Amazônia, quando a gente compara os indicadores socioeconômicos, seja o IDH, sejam outras medidas como o IPS, que é o Índice de Progresso Social, a média da Amazônia é abaixo da média brasileira, o que já indica que a gente tem graves problemas, não é? E muito disso está relacionado ao padrão econômico das atividades da Amazônia, que seguem uma lógica que a gente chama de boom-colapso, onde você tem a chegada de atividades econômicas que estão baseadas fortemente no uso irracional, enfim, predatório, dos recursos naturais. À medida que você tem o avanço dessa economia local baseada nessa indústria predatória, você pode até, momentaneamente, ter aumento de alguns indicadores econômicos e sociais, mas, no momento em que esses recursos naturais são exauridos, você começa a ver de novo a redução desses indicadores. A gente tem estudos na Imazon justamente mostrando este padrão: à medida que o desmatamento avança em cidades amazônicas, você pode até ver, no início, uma subida de IDH, mas, no momento em que a floresta começa a ser de fato exaurida, o IDH começa a cair de novo, o que mostra que quem está lucrando com isso, de fato, não é a população amazônica em geral, é justamente quem está controlando essa questão das fazendas improdutivas, de indústria de madeireira predatória... Então, esse modelo que historicamente foi aplicado na Amazônia, especialmente a partir da década de 70, de fato, não deixa um legado sustentável de desenvolvimento para a população local. E a gente tem vários indicadores que mostram os desafios que a gente enfrenta. A gente tem, por exemplo, estatísticas de que mais de 50% dos jovens da Amazônia, de 18 a 24 anos, estão fora do mercado de trabalho. Isso inclui não só aquele desempregados, mas aqueles que desistiram de procurar emprego, porque eles não têm expectativa de que vão conseguir achar. A gente está falando de uma população na Amazônia que é mais jovem do que a população brasileira. E os jovens, que deveriam estar ali sendo incentivados no início da sua carreira, estão desistindo de ter emprego formal porque eles não têm opção: ou eles vão acabar caindo numa cultura de ilegalidade, porque, em muitas vezes, é isso que está sendo oferecido... A gente, então, tem uma situação bastante complicada, e eu diria que um primeiro passo, para a gente começar a virar essa chave, é o país deixar de subsidiar o desmatamento, porque muitas atividades econômicas que ocorrem na região só ocorrem porque têm algum tipo de subsídio, seja porque você não está cobrando pela terra o valor que deveria cobrar, seja porque você não está multando as pessoas que estão infringindo a lei ambiental. E tudo isso a gente pode somar como benefícios que estão indo para uma atividade degradadora, quando o que a gente precisa é de investir numa outra lógica de economia que, de fato, mantenha a floresta em pé, como seriam as questões de turismo, como foi colocado aqui. Muito se tem falado de bioeconomia, acho que há vastos campos aí para serem explorados, mas só trazer esse contexto que, de fato, existe e está atrelado justamente a essa economia insustentável que opera em grande parte da Amazônia hoje em dia. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT/CIDADANIA/REDE/CIDADANIA - DF) - Perfeito. Obrigada pela sua colaboração, Dra. Brenda. Pergunto aos nossos cicerones aqui se podemos encerrar esse segundo painel. Então, eu agradeço a presença da Sra. Brenda Brito, que é advogada do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), agradecer mesmo a sua presença. E ao Sr. Christian Ruck, que é ex-membro do Parlamento alemão e que hoje atua na Agência Alemã de Cooperação Internacional. Thank you, thank you very much. Bom, eu agradeço e declaro encerrado esse segundo painel. Faremos agora um pequeno intervalo até às 14h30, e convido a todos os convidados aqui para estarem no restaurante-escola do Senac que temos aqui no Senado Federal. Além de um espaço de formação e capacitação de mão de obra especializada, a parceria nos possibilita conhecer diversas culinárias aqui do nosso país. E, para hoje, o restaurante oferecerá um prato típico da Amazônia e um típico também da culinária alemã em homenagem a esse colóquio. |
| R | Grata a todos, e nos vemos daqui a pouco, às 14h30. Obrigada. (Suspensa às 12 horas e 36 minutos, a reunião é reaberta às 14 horas e 48 minutos.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Boa tarde a todos e todas. Dando início ao nosso 2º Colóquio Brasil-Alemanha sobre Política e Direito Ambiental - função ecológica da propriedade: o regime jurídico do desmatamento e de cadeia produtiva -, é uma grande honra, como Professor de Direito, presidir esta terceira sessão de debates que vai discutir "Florestas, biodiversidade e mudanças climáticas: a perspectiva alemã sob o prisma da ética, direito, política e comércio". Ouviremos professores e pesquisadores de várias instituições alemãs, que estarão conosco de modo remoto: Prof. Ernst-Ulrich von Weizsäcker, cientista, Presidente-Honorário do Clube de Roma e ex-membro do Parlamento alemão; Sra. Maritta R. von Bieberstein Koch-Weser , fundadora e Presidente da organização não governamental Earth 3000; Sr. Christian Calliess, Professor da Faculdade de Direito da Freie Universität Berlin, a quem eu dou as boas-vindas e sempre me coloco à disposição nesse debate na defesa intransigente do meio ambiente como um direito humano essencial, como um direito constitucional, previsto na nossa Carta Constitucional, no art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil. Meu muito boa tarde a todas e todos. Dando sequência às atividades desse 2º Colóquio Brasil-Alemanha sobre Política e Direito Ambiental, debateremos nesta primeira sessão da tarde o tema "Florestas, biodiversidade e mudanças climáticas: a perspectiva alemã sob o prisma da ética, direito, política e comércio". Desta mesa de debates participam como palestrantes as pessoas que já nominei. Aos três palestrantes que participam desta sessão à distância as nossas boas-vindas e o nosso muito obrigado. Quero aqui também registrar que, logo no primeiro ano de mandato, a convite do Governo alemão, eu estive na Alemanha e fui extremamente bem acolhido e recebido por esse país, pelo qual eu nutro uma admiração, um carinho e um respeito muito grande. |
| R | Agradeço também a participação de todos os que assistem a esta sessão, bem como à organização do evento, particularmente ao Fórum Euro-Brasileiro sobre Democracia e ao Observatório do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas do Poder Judiciário. Senhoras e senhores, nesta 2ª edição do Colóquio Brasil-Alemanha sobre Política e Direito Ambiental, estamos discutindo a função ecológica da propriedade e a relação entre a legislação sobre desmatamento e as cadeias produtivas. O debate é urgente. E aqui faço, antes de iniciarmos o painel, um alerta, um chamado. Platão falava que a sabedoria está na repetição. Enquanto Deus me der vida, voz e saúde, eu vou estar aqui alertando e tentando impedir as atrocidades deste Governo, que queria acabar com o Ministério do Meio Ambiente antes mesmo de ser eleito. Ele não conseguiu fazer de direito, mas ele está fazendo de fato. E eu falo por quê? Porque ele acabou com a Secretaria de Mudanças Climáticas; ele acabou com o Plano de Combate ao Desmatamento; ele acabou com o Departamento de Educação Ambiental; ele enfraqueceu os órgãos de fiscalização Ibama e ICMBio; criminaliza ONGs; reduz a participação da sociedade civil afeta ao meio ambiente e às demais áreas. Este Governo arma grileiro, incentiva a usurpação de terra pública, violando o direito humano essencial: o direito ao meio ambiente, o direito à vida. Recentemente, eu fui Relator de um projeto que queria tirar, acabar com o porte de arma dos funcionários do Ibama e do ICMBio, que estão lá jogados à própria sorte no desempenho de suas atividades. E aqui eu quero render o meu agradecimento ao Ibama e ao ICMBio pela forma como vêm agindo, com altivez, o que muito dignifica tanto o Ibama como o ICMBio. Este Governo já autorizou a liberação de 1,2 mil agrotóxicos, como atrazina, acefato, o herbicida da água brasileira, 300 vezes mais nocivo à saúde do que o permitido na União Europeia e no Reino Unido. Um dia de funcionamento da Floresta Amazônica equivale à produção de 20 bilhões de toneladas de chuvas, que vão fazer chover no Norte, no Sul, no Centro-Oeste, no Sudeste, para controlar a salinidade dos mares. Para fazer o que a Floresta Amazônica faz num só dia, nós precisaríamos de 50 mil Itaipus, que levaríamos 150 anos para construir. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é uma garantia constitucional prevista no art. 225, e este Senado precisa dar uma resposta àqueles que querem destruir, aniquilar o meio ambiente e, por consequência, às gerações futuras. No Congresso Nacional, especialmente nesta Casa, tramitam pelo menos cinco projetos de leis que afetam direta e negativamente as políticas de preservação e conservação ambiental que levamos décadas para construir: o PL 2.159, que flexibiliza regras para o licenciamento ambiental; os PLs 2.633 e 510, que regularizam a ocupação indevida de terras públicas e favorecem a impunidade de crimes ambientais; o PL 490, que cria entraves para a demarcação de terras indígenas; o PL 191, que regulariza o garimpo em terras indígenas; e o PL 2.699, que libera o uso massivo de agrotóxicos. É uma verdadeira catástrofe! |
| R | Caso seja aprovado esse pacote da destruição, representará o maior retrocesso ambiental da história recente do Brasil e se somará a toda essa necropolítica de devastação, de desmatamento, de destruição que caracteriza a atual gestão do Governo Federal. O Governo brasileiro fecha os olhos para o bloqueio econômico que está acontecendo mundo afora como quem não se importa com os impactos ambientais de seus métodos produtivos, com o agravamento da crise climática e com questões de natureza geopolítica e humanitária. Se não formos capazes de deter esse desatino, esse disparate, essa insensatez ambiental, sofreremos todos - sofreremos todos -: a cobertura florestal, os rios, a biodiversidade, o clima, a saúde dos brasileiros. Se não mudarmos já o paradigma de ocupação e de utilização do solo, o Brasil não verá o amanhã. Nesta luta em favor da dignidade dos povos e comunidades tradicionais, luta em favor da preservação das matas e florestas deste país, luta em favor de práticas ecologicamente responsáveis, nesta luta contra a irresponsabilidade ambiental, a experiência alemã é de fundamental importância. Não se pode ignorar que a preservação da Amazônia é fundamental para o agronegócio, para a produção de alimentos e para gerar energia no Brasil. A Alemanha é, hoje, reconhecidamente, um dos países industrializados mais sustentáveis do mundo. Sua experiência em proteção ambiental, construída pela via democrática e combinada com um amplo sistema de seguridade social, a credencia como exemplo e como inspiração para todos os que buscamos o desenvolvimento sustentável. Temos muito a ouvir e a conhecer sobre a perspectiva alemã das florestas, da biodiversidade e das mudanças climáticas! E é esta a proposta deste colóquio: que todos nós proponhamos, hoje, esta escuta e este diálogo, que parte da articulação necessária e absolutamente inadiável entre ética, política, direito e comércio internacional, em benefício de um planeta em que todos possamos continuar a respirar e a viver. Agradeço, novamente, a participação a todos e a todas e daremos início, agora, às apresentações. |
| R | Quero mais uma vez aqui firmar o meu comprometimento: enquanto eu for Senador da República, enquanto eu for membro desta Comissão do Meio Ambiente, membro da Comissão de Constituição e Justiça, da Comissão de Assuntos Sociais, Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos, podem ter certeza de que terão em mim um brasileiro aguerrido na defesa intransigente desse meio ambiente ecologicamente equilibrado, porque eu não tenho dúvida de que defender o meio ambiente é defender toda e qualquer forma de vida que está por vir. Muito obrigado. Agora, com a palavra o Prof. Ernst von Weizsäcker, que foi Copresidente do Clube de Roma, entre 2012 e 2018. No início de sua carreira Ernst foi professor e diretor de várias universidades e institutos, como o Centro de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento da ONU. Em 1991, tornou-se Presidente fundador do Instituto Wuppertal, que se tornou um importante grupo de reflexão sobre eficiência energética, fluxos de materiais e política climática. De 1998 a 2005, ele foi membro da Bundestag Alemã, presidindo os comitês sobre globalização e meio ambiente. Muito obrigado, Prof. Ernst. Com a palavra V. Exa. O SR. ERNST-ULRICH VON WEIZSÄCKER (Para expor. Tradução simultânea.) - Muito obrigado, caro Senador. Estou profundamente impressionado com a profundidade com a qual o senhor trata da temática. Eu preciso, infelizmente, acrescentar que não posso fazer um comentário sobre a legislação brasileira. Dentre as duas melhores semanas da minha vida, eu menciono a participação na ECO 92, quando duas convenções internacionais, convenções das Nações Unidas, extremamente importantes, foram discutidas e deliberadas, a Convenção sobre o Clima e a discussão sobre a biodiversidade. O Brasil pode se orgulhar desse feito. Na maioria dos países, as pessoas sabem o quão complexo e desafiador é o problema. Há o aumento das queimadas sobretudo no Cerrado, mas também na Região Amazônica, mas, correspondentemente também na Alemanha, na Europa, na Austrália, na Califórnia, na República Popular da China, onde quer que olhemos, estamos presenciando queimadas, mas muito mais ameaçador é o aumento do nível do mar. Somente na Ásia há 50 cidades com 1 a 20 bilhões de habitantes que estão localizadas diretamente no mar. |
| R | Imaginem o seguinte: a água do mar sobe em apenas três metros. Então, nós teremos, em consequência disso, um problema de refugiados que ultrapassará em grandeza todos os problemas de refugiados que tivemos nos últimos cem anos. Nós precisamos de soluções urgentes. A Convenção da Biodiversidade é amplamente desconhecida da opinião pública, mas não é menos importante do que a Convenção sobre o Clima e talvez seja mais importante para o encaminhamento correto da legislação ecológica no Brasil. O IPCC publicou um relatório, o último relatório em 2019. Esse relatório é a expressão de um drama absoluto sobre a civilização, sobre a destruição acelerada de espécies animais e vegetais. Alguns anos antes, em Nagoia, no Japão, tinham sido deliberadas as fórmulas... (o intérprete não compreendeu o termo). O relatório em questão mostra que essas fórmulas encontradas em Nagoia não foram implementadas. Eis uma catástrofe! No relatório, afirma-se que um milhão de espécies animais e vegetais está prestes a ser exterminada. Quais são as causas? Perdão, nós somos as causas, nós, homens, somos as causas. No mesmo relatório, afirma-se que o dano mais importante é a modificação da utilização do solo. E isso significa, na realidade, a expansão da agricultura de grande porte, que hoje é o maior inimigo da natureza. Só que ninguém quer saber essa verdade, ninguém quer ouvir essa verdade, mas ela é uma realidade. Duas palavras sobre o clima. A última conferência, em Glasgow, na Escócia, transcorreu sem nenhum resultado sério, digno de menção. Na última hora dessa conferência, a Índia cuidou de evitar que houvesse deliberações, decisões juridicamente vinculantes. De resto, Glasgow foi inundada por milhares de representantes do setor privado. O que interessou a essa gente? A única coisa que interessou foram as assim chamadas medidas de compensação pagas para evitar, impedir emissões de CO2 em excesso. As pessoas amam o conceito da solução baseada no vizinho para fins de pagamentos compensatórios. Faça de conta que isso é bom para a natureza, mas exatamente o contrário é verdade. |
| R | Na verdade, trata-se de uma violência, de um estupro da natureza, apenas com o objetivo de permitir à indústria que ela se queixe de que a sua destruição do meio ambiente seria compensada pela criação de áreas de preservação do meio ambiente. Não posso falar agora dos detalhes, mas é muito importante, sobretudo para o Brasil, saber que a solução baseada na natureza... O intérprete se corrige: não, o vizinho na natureza é, essencialmente, um castelo, não de cartas, mas de mentiras. Sobre os efeitos da guerra na Ucrânia, podemos esperar que haja menos fornecimento de trigo e aqui há um novo lema "More food less feed". Em última instância, isso significa que a gente deve compensar os efeitos plantando mais soja. Isso acontecerá também, isso deverá ter repercussões no Brasil. A estabilização da demanda europeia para a soja e porcos talvez diminua. Isso não é uma solução do problema e hoje solos envenenados pelos agrotóxicos são uma catástrofe para a biodiversidade. Precisamos cuidar para que os proprietários de terras sejam razoavelmente remunerados por um tipo de agricultura que é boa, que tem consequências boas para o clima bem como para a biodiversidade. Se solos saudáveis, por hectare, consomem mais CO2 do que a floresta... Todos pensam que só a floresta faz isso. Não, os solos saudáveis providenciam isso, emitem mais CO2, mas, com glifosato e biocidas que ainda destroem mais os solos, isso é um grande problema. Esses são os inimigos da biodiversidade, esses... Novas plantações de árvores ecologicamente não produzirão quase nenhum efeito. Há exceções, mas uma das piores coisas são as plantações de eucaliptos, que têm a qualidade bioquímica de envenenar, pelo solo, todas as outras plantações e, de resto, depois de 25 anos, essas outras plantas simplesmente estarão exterminadas. Nós necessitamos de um reflorestamento. Se precisamos de um reflorestamento, então, deve ser um reflorestamento em pequeno estilo. |
| R | Preservar as florestas existentes é, ecologicamente, o mais importante. Quem faz reflorestamento em pequenas proporções deveria optar por uma floresta de espécies mistas, não por monoculturas. O problema - e o lobby agrário do Brasil sabe isso muito bem, o Presidente Bolsonaro sabe isso muito bem - é que essa receita que eu acabo de formular vai render pouco dinheiro para os proprietários delas, razão pela qual nós precisamos tomar as providências políticas para que as regras sejam reformuladas no sentido de que os proprietários de terras ganhem mais se fizerem o que é bom para o clima e bom para a biodiversidade. Hoje, o contrário é o caso, mas nós precisamos corrigir esse erro político. Isso importa em uma virada radical na política, mas é factível. Esses recursos financeiros necessários para tal fim deveriam vir do Hemisfério Norte. Há 12 anos, um conselho consultivo na Alemanha formulou o assim chamado enfoque orçamentário, que diz que todos os países do mundo têm um direito igual, per capita, à utilização da atmosfera contra o efeito estufa, mas os velhos países emitentes já consumiram o seu orçamento per capita e deveriam, agora, ir aos países em desenvolvimento, emergentes, e mendigar pela concessão de licenças adicionais. Isso vai enriquecer mais ainda os agricultores brasileiros, em Bangladesh ou nos Camarões, se eles fizerem as coisas certas. Então, eu vejo na cooperação entre a Alemanha e o Brasil oportunidades para que os agricultores do Brasil também se deem melhor se as leis forem aperfeiçoadas. Muito obrigado pela atenção que me foi dispensada. O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Obrigado, Professor Ernst Ulrich von Weiszäcker. Neste momento, transfiro, imediatamente, a palavra à Sra. Maritta R. Von Bieberstein Koch-Weser. (Pausa.) A SRA. MARITTA R. VON BIEBERSTEIN KOCH-WESER (Para expor. Por videoconferência. Tradução simultânea.) - Muito obrigada. Estou tentando agora desligar a interpretação quando estou falando. (Pausa.) O.k. Todos podem ver minha apresentação? O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Fora do microfone.) - Perfeitamente. |
| R | A SRA. MARITTA R. VON BIEBERSTEIN KOCH-WESER (Por videoconferência.) - Obrigada. Então, eu vou falar português. Peço desculpas pela duplicidade: os eslaides em alemão e minha fala em português. Agora temos um problema técnico. Eu não devo escutar a tradução para o alemão... (Interrupção do som.) A SRA. MARITTA R. VON BIEBERSTEIN KOCH-WESER (Por videoconferência.) - Desculpem-me, eu estou com um leve problema: eu preciso desligar a interpretação, senão eu me ouço em alemão. (Pausa.) Eu não estou conseguindo achar... (Pausa.) Nesse caso, eu acho que vou falar alemão e vamos ter a tradução para o português. (Pausa.) O.k., então agora vou falar em alemão e a tradução vai ser realizada para o português e não vamos ter esse problema. Eu gostaria de agradecer aos organizadores pela oportunidade de participar deste fórum onde nós podemos falar sobre os desafios legais e institucionais. E aqui nós podemos falar também sobre a chance da bioeconomia da floresta em pé. Bioeconomia da floresta em pé, isso realmente é uma grande esperança para preservar a floresta. Importante aqui é que a floresta em pé precisa ter um valor sustentável, assim a floresta pode ser preservada, a floresta tem valor e agrega valor às populações locais. Aqui nós temos que dizer, como nós ouvimos já na introdução... Neste momento nós estamos... |
| R | Essa política da floresta em pé está concorrendo com uma política que está destruindo os recursos naturais. Este é o aspecto negativo: nós temos essa concorrência. Mas ao mesmo tempo, nós temos que ver isso como uma chance, porque bioeconomia, cada vez mais, está sendo profissionalizada tecnicamente e cientificamente. Não se fala simplesmente de sustentabilidade, mas aqui nós falamos claramente quais são os produtos, quais produtos podem ser comercializados, qual é o valor, qual é a sustentabilidade. Isso aqui é um mercado de até 450 produtos. Eu nem vou querer me estender muito. Isso já está descrito, com muita propriedade, nesse relatório "Amazon Assessment Report 2021". Esse relatório foi apresentado na COP 26, em Glasgow. Vocês podem encontrar isso na internet. Isso aqui é uma análise científica excelente das funções ecológicas do Amazonas e também dos novos caminhos para essa ecologia única e quais são as chances de desenvolvimento sustentável. Quando nós falamos sobre a bioeconomia da floresta em pé, isso significa que a floresta precisa ser competitiva, ou seja, a floresta em pé precisa ter mais valor - e precisa oferecer valores sustentáveis - do que quaisquer lucros gerados através do desmatamento. E quando nós falamos dessa bioeconomia, não estamos só falando da floresta, estamos falando de recursos hídricos, por exemplo. Vinte por cento da água doce é proveniente do Amazonas, que flui para o mar. Nós temos muita água, nós temos biodiversidades também: nós pensamos em peixes, como o pirarucu, que crescem rapidamente, com um tamanho de 1 ou 2m, e que são alimentos para os mercados na região. Aqui nós temos muitas chances. Ao mesmo tempo, quando nós olhamos para a riqueza biológica, climática, hídrica, nós temos que pensar também em todas as propriedades intelectuais, na herança intelectual, em todos os conhecimentos indígenas de milhares de anos. Temos que pensar também em todos os conhecimentos tradicionais dos caboclos. Isso é um aspecto muito importante quando nós queremos precificar a floresta em pé. |
| R | A bioeconomia da floresta em pé existe - não é algo que nós estamos fantasiando; isso já existe e já funciona -, mas até o momento esse potencial não está sendo suficientemente explorado. Aqui na Alemanha, por exemplo - eu tirei uma foto -, existe um pacotinho com 100g de açaí em pó, no supermercado Rewe, custa 19,95 euros. Eu acredito que desses 20 euros talvez 5% vão para os bolsos dos produtores locais do açaí, do produtor primário. Eu acredito que não será diferente com o guaraná, cupuaçu e outros produtos, como as castanhas, os óleos. Então, o que nós temos que pensar do ponto de vista social e local? Temos que ver o valor agregado para os produtores no local. De fato, nós podemos ter alternativas para essa população. Quais são os grandes desafios? Aqui são os desafios ecológicos e econômicos. A Amazônia é a região com maior biodiversidade e recursos hídricos do mundo, com um potencial inestimável para a formação de uma riqueza local, mas também para garantir o clima mundial e a biodiversidade. Nós sabemos disso. E sabemos também que 20% da Amazônia foram desmatados, desde os anos 70. Esse desmatamento não é distribuído, é um desmatamento que se concentra mais tarde no sul do Amazonas. Aqui, nós corremos o risco de um tipping point, de um ponto sem retorno, no qual as secas são maiores, no qual o nível de água está diminuindo. Aqui, nós podemos imaginar que essa parte do Amazonas vai, em algum momento, se tornar um cerrado. Ao mesmo tempo, nós sabemos que o mercado está aumentando. Nós temos muita pesquisa no setor de saúde, nós temos muitos produtos bastante distintos, além dos óleos e das castanhas. Nós temos excelentes progressos na micro e na nanobiologia. Há interesses de alta tecnologia que querem aprender com a biodiversidade da Amazônia. É importante nós termos, nós podermos avançar com esses progressos enquanto ainda existe o biossistema intacto da Amazônia. Depois, nós temos também desafios sociais. Ouvimos, agora, que a Amazônia é rica, no entanto, essa riqueza não se reflete na situação atual da população da Amazônia, e vai ser muito difícil alcançar os ODS das Nações Unidas até 2030. Por exemplo, no Estado do Amazonas, vivem, aproximadamente, 50% da população abaixo da linha de pobreza internacionalmente reconhecida e num país tão rico, numa região tão rica. Então, o investimento no desenvolvimento econômico da região é, desproporcionalmente, pouco. As populações tradicionais indígenas vivem longe, numa região enorme, e têm enormes problemas de transporte, energia e infraestrutura. |
| R | Assim, nós podemos entender que a floresta em pé, do ponto de vista das pessoas que vivem nessas condições, muitas vezes, não é algo associado à renda e possibilidades de renda, mas isso nós temos que mudar. Nós, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, sabemos disso e podemos mudar isso. E nós temos chances institucionais. Então, não se trata somente da parte técnica ou científica, mas existe uma grande pressão, como nós ouvimos, na COP 26. Bioeconomia, reflorestamento e sustentabilidade precisam ser acompanhados de, originalmente, condições legais, ou seja, essas condições legais, essas leis existentes no Brasil precisam ser implementadas e precisam ser financiadas. Por exemplo, há necessidade de financiamento. O Brasil, desde os anos 90, tem uma excelente legislação para a proteção ambiental e para a proteção de populações indígenas e já foram criadas as respectivas instituições para sua implementação. Aqui nós podemos falar da Lei da Biodiversidade de 2015 e podemos falar também do Protocolo de Nagoia. Aproximadamente, 50% da Região Amazônica - isso é enorme! - são áreas ambientais ou áreas de proteção indígenas, e essa seria uma grande contribuição para proteger a biodiversidade e os recursos hídricos. Como nós já ouvimos do Senador, isso se tornou cada vez mais difícil e a situação do Ibama, do Ministério do Meio Ambiente (MAPA), da Marinha ou também dos próprios estados... Nós podemos ver que há um retrocesso na implementação dessas leis existentes que já são excelentes. Então, as chances para uma bioeconomia ambiciosa existem, as condições para isso existem. Gostaria de citar também as reservas extrativistas que existem aqui, que, nos anos 90, foram criadas e que já mostraram que a bioeconomia, que o extrativismo pode ser incentivado. Esse é o objetivo dessas reservas extrativistas. |
| R | Mais complicados são os desafios na área de pesquisa e nos direitos de propriedade intelectual. Aqui, nós temos grandes desafios na área de pesquisa. É muito importante que, no futuro, nós foquemos... Quando nós falamos de uma bioeconomia tecnologicamente moderna, não só estamos falando de frutas e castanhas; nós precisamos de pesquisa científica aplicada ao desenvolvimento de produtos. Essa é uma das principais bases na ampliação de uma nova economia. E, aqui, nós temos que ver as questões do uso do material genético, e essa propriedade intelectual precisa ser protegida. Essa área, no Brasil, está sujeita ao Conselho de Gestão de Patrimônio Genético (CGen), e, aqui - eu não sou especialista nessa área -, parece-me que ainda existe um grande potencial de melhorias. Seria muito bom iniciar aqui um processo de discussão, porque, aqui, os processos administrativos na implementação da legislação existente precisam ser reduzidos, com todas as instituições que participam. Um estudo de 2021, do Instituto Escolhas, em São Paulo, sobre como destravar a agenda da bioeconomia, eu acho bastante importante. E, aqui, é descrito o caminho com todos os empecilhos para os pesquisadores. Aqui, esse estudo descreve 20 passos que um pesquisador precisa percorrer; e, para cada etapa, ele precisa aguardar, precisa ter a resposta para passar para a próxima etapa, só para conseguir realizar todas as normas jurídicas. A questão aqui seria: como é que esses processos de pesquisa e de desenvolvimento, desenvolvimento de novos produtos, podem ser reduzidos? E, agora, o meu último eslaide. Aqui é a questão de como a coordenação nacional pode ser implementada para a bioeconomia da floresta em pé. Aqui precisaria ser um centro de coordenação que entenda o que significa essa floresta com milhares de espécies. Eu tenho um colega na Universidade de São Paulo, Hermes Nobre, que mostrou que, em 1ha de floresta tropical dentro da Amazônia, existem mais tipos de árvores do que nós temos em toda a Europa. Então, nós precisamos de uma coordenação especializada. É mais que uma metáfora. |
| R | Se existe um instituto nacional para a bioeconomia da floresta em pé, se esse instituto existisse, o que que esse instituto teria que fazer? E aqui eu anotei dez pontos que eu acho que esse instituto teria que fazer para avançar com o processo da bioeconomia. O primeiro ponto é a proteção da propriedade intelectual. É enormemente importante, porque o Brasil tem esse tesouro que precisa ser preservado. É um tesouro das populações indígenas. O segundo ponto: a observação das leis de proteção sociais e ambientais. Nós temos que monitorar isso. Temos que evitar a exploração. Temos que verificar também as informações de rastreamento em todas as cadeias de fornecimento. Nós precisamos de informações corretas para a comercialização. Na União Europeia está sendo preparada a legislação das cadeias de fornecimento. Isso vai ser relevante. O quarto ponto: nós precisamos acelerar os processos de licenças. E outro ponto importante: conhecimento, educação, formação. Formação de capacidades. Nós precisamos construir um currículo acadêmico rent in forest business. Esse é um campo enorme também sobre questões jurídicas, econômicas, comerciais e, claro, todas as questões científicas e sociais. Eu acho que isso poderia ser um curso mesmo, uma disciplina, e isso precisa ser feito em um instituto. A consultoria técnica... O sétimo ponto: consultoria jurídica também. Temos que ter um maketing em network de empresas, investidores, e isso pode também avançar as coisas. Então, se a gente não deixa tudo à mercê do mercado, mas se a gente incentiva os negócios com as ONGs... As ONGs já fazem essas iniciativas, mas eu acho que isso é um ponto importante que nós temos que considerar. Algumas pessoas falam inclusive que nós precisamos de uma bolsa de produtos da floresta tropical. Uma bolsa. Como nós temos a bolsa de trigo, bolsa de futuros, assim nós teríamos que ter uma bolsa de produtos para todos os produtos da floresta tropical. E nós temos que pensar também nas condições quadro, a coordenação energética e de outras infraestruturas para o mercado da bioeconomia. |
| R | Nesse momento, o Brasil faz algum transporte em caminhos hídrico e depende de diesel, o transporte com óleo diesel está tão caro que está basicamente já comendo os lucros na fonte. E aqui nós temos opções muito mais modernas já. Existe a energia solar; embarcações, veículos com bateria, isso vale para o transporte, para a refrigeração. Aqui, é importante fazermos as inovações do mercado energético e trazemos essas inovações para a nossa bioeconomia. Bom, eu poderia continuar falando aqui por horas ainda, não é o que eu vou fazer. Então, eu agradeço pela sua atenção. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Obrigado Profa. Maritta Koch-Weser, que é coordenadora do Grupo de Pesquisa Amazônia em Transformação: História e Perspectivas do IEA/USP. Possui experiência de longa data em programas ambientais no Brasil e internacionalmente. Foi diretora para o Meio Ambiente/América Latina no Banco Mundial e Diretora Geral da UICN. É Presidenta da ONG Earth3000, aconselhando programas ambientais e de empresas sociais - da sociedade civil e/ou dos setores público e privado. Atualmente, é também Global Fellow do Woodrow Wilson Institute, Washington (EUA). PhD das Universidades de Bonn e Cologne (Alemanha). Muito obrigado por suas contribuições. Eu, particularmente, fico muito feliz quando ouço falar, fazendo essa análise da precificação da floresta em pé, mas levando em consideração, acima de tudo, o conhecimento dos povos tradicionais, das comunidades quilombolas, que eu reputo da maior importância. Nós devemos estar sempre atentos a essa questão. E também quando faz essa reflexão a respeito da região Amazônica, que é rica, mas 50% da população está, infelizmente, abaixo da linha da pobreza. Ou seja, temos que investir mesmo em desenvolvimento e na economia da região, no transporte, na energia e na cultura. Eu fico também muito contente quando a senhora faz essa avaliação dos dez pontos para a implementação do instituto. Acho que a Comissão do Meio Ambiente está de parabéns, e aqui eu quero parabenizar o meu querido Presidente, Senador Jacques Wagner, de quem registro a presença aqui e a quem cedo a Presidência, caso S. Exa. queira. E quero também agradecer por todo o apoio da Secretaria. Muito obrigado... O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Eu sou... O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Pois não, Senador. O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA) - Querido Senador, eu sou contra a grilagem. (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Obrigado. Saiba que V. Exa. é uma inspiração para mim, e isso não é da boca para fora. Neste momento, eu transfiro a palavra ao Sr. Christian Calliess. O Sr. Christian Calliess é professor titular de Direito Público e Direito Europeu da Universidade Livre de Berlim. Suas principais áreas de pesquisa são Direito Europeu, Direito Constitucional e Ambiental. De 2008 a 2020, foi membro do Conselho de Especialistas em Questões Ambientais do Governo Federal Alemão. |
| R | No Fórum de Democracia, o Prof. Calliess falará sobre a questão dos limites da liberdade de propriedade, assegurada pela Constituição Alemã, no contexto da proteção do clima e do meio ambiente. Com o a palavra o Prof. Christian. O SR. CHRISTIAN CALLIESS (Para expor. Por videoconferência. Tradução simultânea.) - Muito obrigado. Prezadas senhoras, prezados senhores, agradeço de coração pelo convite e lamento muito não poder estar in loco, em Brasília. O Ministro Benjamim me permitiu que falasse sobre a função ecológica do direito de propriedade. Eu, primeiro, falo em termos muito genéricos. Eu pediria que iniciassem com o primeiro quadro com a primeira transparência. Agora, a próxima transparência. Pois não. Muito obrigado. Eu gostaria de dizer que a garantia da propriedade é um direito fundamental central que está estreitamente em contato com a liberdade pessoal. Essa é a decisão sobre um valor ao qual o Tribunal Constitucional Federal dá uma especial importância. Mas a propriedade distingue-se de outros direitos fundamentais, pois ele precisa ser criado, pois a liberdade da pessoa ou a liberdade de opinião poderiam ser pensadas também sem um ordenamento jurídico. Já a propriedade pressupõe a existência de normas, de leis. Em outras palavras, o legislador cria, por meio da sua legislação, a propriedade. Ele está vinculado pela instituição, que deve proteger a propriedade como um instituto jurídico. É a garantia do instituto que ele deve dar. Em segundo lugar, ele deve respeitar a utilidade privada da propriedade. Com isso, o solo e também as florestas que estão numa área fazem parte da propriedade tutelada pelo art. 14 da Lei Fundamental Alemã. Ao mesmo tempo, a proteção da propriedade enquanto direito fundamental, em conformidade com o §14 da Lei Fundamental, não reivindica a validade absoluta. O legislador tem o direito de restringir esse direito, pois a nossa Constituição tipifica que a propriedade está sujeita a uma vinculação social específica. Se eu entendi bem, isso foi dito hoje de manhã, no primeiro painel. Essa vinculação social da propriedade também existe no Direito Constitucional brasileiro. |
| R | Nessa medida, podemos dizer o seguinte, se o legislador regulamenta a propriedade, vale a seguinte fórmula: a disposição sobre o uso e a utilização da propriedade é tanto maior quanto mais intensa for a referência a terceiros ou à coletividade; e é tanto mais elementar quanto mais elementares forem os interesses de terceiros coafetados. Essa - dito em outros termos - responsabilidade, essa referência social da propriedade é tratada em outro artigo da Constituição, o art. 20-A, que enfatiza essa insistência na propriedade, considerando a necessidade de o Estado proteger o meio ambiente. O legislador tem, portanto, maior liberdade de configuração para leis ordinárias. Nesse sentido, o princípio da proporcionalidade se vê limitado. Se, por exemplo, uma regulamentação do legislador leva a uma restrição ampla da utilização da propriedade, se por exemplo, um agricultor, um camponês se vê privado em função da proteção do meio ambiente de utilizar, de gerir a sua propriedade, se ele não pode mais auferir nenhum lucro do seu solo, do solo de sua propriedade, então, uma compensação financeira pode tornar a intervenção no direito de propriedade algo proporcional. Mas isso só acontece quando as restrições feitas pelo Estado são muito amplas. No mais, a vinculação social da propriedade está em primeiro plano, à luz do art. 20-A da Lei Fundamental. Próxima transparência. Por essa razão, a tarefa do legislador está em concretizar a propriedade. Com relação à propriedade privada, temos, aqui, mandamentos de otimização que devem ser ponderados com outros direcionamentos da Constituição. Essa ponderação pode, em tese, ser feita e examinada pelo Tribunal Constitucional Federal. Mas, quando se trata de proteção ambiental, justamente de proteção ambiental, o Tribunal Constitucional Federal restringe-se a ver se o legislador tem consciência dos problemas em jogo, se o legislador não levou em conta o objetivo último da proteção ambiental. Uma decisão importante é que o legislador desenvolva uma concepção de proteção da natureza que possa ser implementada. |
| R | No caso do Brasil, um exemplo seria desenvolver, criar uma área de preservação que se preste a atingir, em ampla escala, a proteção ambiental com o direito à propriedade. Pela primeira vez, o Tribunal Constitucional Federal deliberou sobre isso, no ano passado. Eu passo agora à próxima transparência. O enfoque básico no objetivo do Estado de proteção ambiental é a referência às legislações vindouras. De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, temos o dever de evitar deteriorações insanáveis, irrecuperáveis. Daí a importância do princípio de prevenção. Disso pode-se derivar a tese... O art. 20 da Constituição, da lei fundamental, no fundo, prescreve que a natureza, o meio ambiente, não pode experimentar uma deterioração irrecuperável. Então, áreas de preservação ambiental devem ser preservadas, devem ser mantidas, em ponderação com outros objetivos da Constituição, por exemplo, o direito à propriedade. A proteção do meio ambiente é tanto maior quanto maiores forem as desvantagens. Na sua decisão sobre o clima do ano passado, o Tribunal Constitucional Federal disse que, na proteção ambiental, deve-se levar em conta o conhecimento atualmente acessível à ciência. Disse o tribunal que o legislador ordinário deve levar em conta o que a ciência hoje sabe. Aqui ele fez um uma ligação com os limites planetários. Esse é um conceito que aparece na próxima transparência, que eu pediria que fosse mostrada agora, conceito que já foi desenvolvido e levado em consideração no Tribunal Constitucional Federal. Agora a próxima transparência, essa exatamente. Aqui a gente pode ver os limites planetários. Todos conhecem: 1,5º e 2º. Mas o que está em vermelho aqui, as setas em vermelho assinalam a diversidade planetária, a biodiversidade planetária. Sobre isso já se falou, sobre as florestas tropicais úmidas e sobre a biodiversidade nas duas palestras precedentes. Na próxima transparência, que eu peço para mostrar agora, podemos ver qual é a importância dos limites planetários. Muitos significados também na legislação ordinária, pois nos limites planetários está em jogo o limite ecológico suportável pelo planeta. |
| R | Superado esse limite, transposto esse limite, nós temos aqui um dano irreversível causado ao meio ambiente. Nessa apresentação que eu estou mostrando, isso é mostrado pelo fato de que o gelo, como se pode ver aqui, o chão debaixo dos nossos pés se torna cada vez mais fraco, em algum momento a camada de gelo começa a rachar, e pessoa que está em cima dessa camada de gelo cai na água. Então, esse é o problema dos limites planetários. Nós temos uma evolução cujas consequências são danos ambientais irreversíveis. Então, isso sempre foi levado em conta pelas decisões do Tribunal Constitucional Federal, tanto nas decisões sobre a mudança de clima quanto nas decisões sobre a biodiversidade. Então, o Tribunal Constitucional Federal determinou aqui que os conhecimentos científicos atingíveis, acessíveis hoje devem, obrigatoriamente, ser levados em conta. A concepção da tutela deve nesse sentido ser coerente e universalmente vinculante. Retorno ao conceito da propriedade. O legislador deve incluir isso na sua lei. A próxima transparência, por favor. Aqui eu gostaria de mostrar-lhes que a propriedade cumpre funções muito distintas. A propriedade, como vimos primeiro, é um direito de resistência ao estado. Ele exige do legislador que respeite a propriedade ao formular um projeto de lei, mas a propriedade também cumpre uma função de tutela, uma função protetiva, pois a propriedade a rigor supõe fundamentos ecológicos. De que me adianta, de que me vale a propriedade se o solo, no fim das contas, fica envenenado e imprestável? Então, o legislador deve levar em conta essa função de tutela da propriedade. A propriedade deve ser tutelada ecologicamente com vista a muitas propriedades. Nesse sentido, é do interesse objetivo do próprio proprietário cuidar bem do meio ambiente, como o agricultor, como o pecuarista, para que a economia como um todo seja sustentável. Em outras palavras, o proprietário não coloca em risco apenas o meio ambiente, mas ele mesmo é uma vítima dos riscos de um meio ambiente deteriorado; ele é uma vítima da mudança climática. Se examinarmos a mudança climática com vista ao conceito de propriedade, nós poderemos ver que muitos proprietários, em última instância, serão prejudicados na fruição da sua propriedade pela destruição da mesma. De resto, bens ambientais, florestas, por exemplo, podem ser negativamente prejudicados. |
| R | Então, o Tribunal Constitucional, na sua decisão sobre o clima do ano passado enfatizou a função tutelar da propriedade, sobretudo com vistas às gerações futuras. Na Alemanha, há um debate que foi retomado pelo Tribunal Constitucional Federal. Eu me refiro ao debate sobre o lençol freático. A natureza intacta podia ser retirada da proteção da propriedade. Então, o tribunal votou que o proprietário não pode fazer o que ele quiser com o meio ambiente. Ou será que o ônus, a destruição do meio ambiente já está excluída da proteção ambiental? Claro, por decisão do legislador. Assim, o Tribunal Constitucional Federal decidiu em favor da preservação do lençol freático. Com a fundamentação nessa segunda célebre decisão sobre o meio molhado, no caso, a água, o lençol freático foi submetido a um ordenamento de gestão de direito público. A doutrina vai mais longe ainda, diz que o direito à propriedade não pode incluir um direito ao ônus, a um prejuízo ao meio ambiente. Haveria uma espécie de compatibilidade mental inerente à propriedade. Assim, a argumentação do tribunal sobre qualquer comportamento que prejudica o meio ambiente é que prejudica também a propriedade. O Tribunal Constitucional já não vai tão longe. Eu pessoalmente também não iria tão longe. Eu diria: em casos excepcionais, em casos extremados, não existe uma proteção da propriedade. Em todas as outras medidas o legislador pode atender o princípio da proporcionalidade e restringir o uso da propriedade no interesse da coletividade. A quem importa se alguma coisa ainda está abrangida pela proteção da propriedade? O Tribunal Constitucional Federal disse que o lençol freático não goza de uma proteção de propriedade. Podemos dizer também que isso vale para áreas de preservação quando se trata de proteger a biodiversidade, com vistas aos limites planetários. Então, o legislador, evidentemente, tem amplíssima liberdade para estatuir as suas regulamentações. E eu não posso, nesse caso, dizer que a regulamentação feita pelo legislador ordinário é desproporcional, não atende o princípio da proporcionalidade. |
| R | É um caso extremo, e isso é consensual no direito alemão, existe no caso de infrações penais quanto ao direito ambiental. Aqui isso é extraído, isso é eliminado do direito à propriedade, aqui não existe proteção da propriedade. Quando eu incorro em ilícito penal por violar um artigo importante do direito ambiental, o direito de propriedade não vale mais nada. Então, o ilícito penal não é abrangido pelo direito à propriedade. De resto, o uso do meio ambiente no Estado democrático de direito é um elemento necessário da propriedade. O uso do meio ambiente deve ser ponderado com o imperativo da proteção do meio ambiente, conforme eu mostrei no início da minha exposição. Não obstante, não existe um direito fundamental a causar danos ao meio ambiente. Importa efetuar uma ponderação entre os valores da propriedade e da proteção ambiental. Chego ao último tópico deste exame de proporcionalidade. Este exame de proporcionalidade é muito importante no debate alemão. Eu estou falando das camadas ecológicas fundamentais, dos deveres ecológicos fundamentais da propriedade. Há um debate na Alemanha em saber se isso sirva também, em saber se haja um dever fundamental da propriedade de configurar o uso da propriedade de tal modo que o meio ambiente seja onerado tão pouco quanto possível. Um exemplo disso seria, por exemplo, restringir a velocidade máxima dos automóveis nas autoestradas alemãs a 100km/h, para reduzir a emissão de CO2. Um outro exemplo seria uma preservação ambiental voluntária do proprietário de uma terra com vistas à proteção de uma região ou um biótopo. Na ciência jurídica alemã, fala-se de deveres ecológicos fundamentais da propriedade derivados do art. 20a da lei fundamental alemã. Aqui se estatui que o legislador pode estatuir regras e tem até o dever, a competência para estatuir regras e isso é importante no exame de proporcionalidade. Se um dever fundamental ecológico não foi atendido pelo proprietário, se o proprietário lida mal com a sua propriedade, danificando a propriedade enquanto danifica o meio ambiente, então, o legislador tem, formalmente, rigorosamente, o dever de intervir para que a proteção das florestas e da biodiversidade possa ser atingida. |
| R | Se o indivíduo está lidando de forma irresponsável com a sua propriedade, não cumprindo com seus deveres ecológicos, então, no Estado democrático de direito, isso acarreta consequências penais. Afinal de contas, uma expectativa foi frustrada, e tal frustração o legislador ordinário pode regulamentar por uma lei específica. E, nesse caso, ele impõe a proteção ambiental. O legislador ordinário tem aqui o dever ecológico fundamental de impor o uso ecológico da propriedade, e o proprietário, no marco, no âmbito do exame de proporcionalidade, frustrou a expectativa de usar com responsabilidade essa sua propriedade. Senhoras e senhores, com isso, cheguei ao fim das minhas reflexões sobre o debate na Alemanha. Faço votos de que a minha exposição seja interessante também para a discussão entre os juristas brasileiros. Muito obrigado pela atenção que me foi dispensada. O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Muito obrigado, Professor Calliess, pela explanação de forma clara, didática e bem fundamentada. Ouvidas as palestras, vamos à sessão de debates. Consulto se o Presidente desta Comissão, Senador Jaques Wagner, deseja fazer uso da palavra, ao passo em que faço o mesmo com o meu querido Senador Confúcio Moura e com o Ministro do STJ, Herman Benjamin. Agradecendo o comparecimento, mais uma vez, do sempre aguerrido, aqui nesta Casa e em todos os espaços por onde tem transitado na defesa intransigente por esse direito constitucional, direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, Ministro Herman Benjamin. Então, Senador Jaques Wagner com a palavra. O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Para discursar.) - Prezado Senador Fabiano Contarato, em primeiro lugar, quero lhe lembrar que o primeiro colóquio foi sob sua presidência. Foi em 2019. Tive o prazer de ser seu vice, mas era V. Exa. que comandava esta Comissão quando fizemos, também com o suporte da Embaixada da Alemanha no Brasil e também sempre com a participação entusiasmada do nosso querido Ministro Herman Benjamin, o primeiro colóquio, em 2019. Em função da covid, nós, na verdade, atrasamos o segundo colóquio, que ocorre agora. Eu lhe agradeço, e me orgulha muito que V. Exa. esteja assumindo a presidência nesta Mesa. Eu estava, com o Ministro Herman Benjamin, atendendo à TV Senado e, por isso, infelizmente, não pude estar aqui quando do primeiro orador. Peguei a segunda oradora já no curso. Eu achei a fala desses dois que eu ouvi extremamente interessante. Mas eu queria chamar a atenção de V. Exa., que é um defensor dos direitos humanos, dos povos originais, como eu, para esse conceito que acaba de ser emitido pelo professor que acabou de nos brindar com sua palestra, de que o direito à propriedade, que é garantido também no Brasil, não é absoluto, como não é absoluto - citava hoje a Ministra Cármen Lúcia - o direito à propriedade quando um de nós moramos num condomínio, ou de casas, ou num edifício. O apartamento é seu, mas você não pode tudo. Há regras de convivência. |
| R | Eu acho muito interessante, porque é preciso que o trabalho - V. Exa. conhece o meu estilo - seja de sensibilização, Senador Confúcio, dos nossos. Ninguém está tirando o direito à propriedade, o direito a produzir. Só estamos dizendo bom senso, limites. Repito, como numa estrada há limite de velocidade. O carro é seu, mas você não anda como você quiser, não anda na contramão, não ultrapassa pela direita e por aí vai. Então, nas propriedades de produção agrícola, qualquer uma que seja, ou, repito, mesmo na área urbana, como dizia também o Ministro Hermann Benjamin, há o código de edificação da cidade. O terreno é seu, mas você não pode avançar no recuo, você não pode edificar acima do limite da altura. Talvez você quisesse fazer um prédio de 30 andares, mas só pode seis. Então eu acho que nós precisamos, até com os colegas aqui desta Comissão, cada vez implementar isso, que é o Direito moderno. O direito de cada um cessa quando invade o direito coletivo. Quando alguém, dentro da sua propriedade, esbulha de um povo originário, quando alguém, dentro da sua propriedade, contamina o lençol freático, acaba com a floresta, que é necessária, ou com a reserva legal, como disse há pouco o professor, eu não sou... V. Exa. muito mais pode falar que eu, porque eu não sou advogado, e se fosse, não teria o brilhantismo de V. Exa., mas é como ele disse: que o legislador original pode invadir, por assim dizer, o direito da propriedade quando o proprietário invade aquilo que é direito coletivo. É por esse conceito que eu fico lutando para abrir a cabeça dos nossos. Não está aqui ninguém querendo esbulhar os outros, porque não aceitamos que os outros nos esbulhem. Nós estamos querendo estabelecer o modus vivendi de como produzir sem degradar. Porque senão, me permitam, será uma produção imediatista. Permitam-me até dizer, uma produção burra, porque ela não será longeva. E o próprio negócio do cidadão vai por água abaixo. Quantos milhões de hectares nós temos de terra degradada, que poderiam ser recuperados, para não se continuar com a cantilena de que precisa desmatar, desmatar e desmatar? Então eu só quero dizer que me orgulha muito estar participando aqui, ter ajudado a organizar. E mais uma vez, agradeço a participação dos especialistas alemães nesse tema. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Obrigado, querido Senador Jaques Wagner. Eu acho que essa é a nossa missão mesmo, é diuturnamente tentar trabalhar essa pauta ambiental. Nesse conceito, ela é apartidária. Nós temos que ter essa percepção. E isso é muito fácil, didaticamente, de compreensão, na hora em que você avalia uma contraposição entre um direito individual e um direito coletivo. Essas limitações que nós temos ali. Eu acho que esse trabalho, Senador Confúcio, é nosso trabalho aqui também. É de chegar e conversar com cada Senador e Senadora e explicar, olha, esse é o direito coletivo, aquilo que o professor bem falou. Aquela pessoa que está contribuindo, por exemplo, para uma degradação ambiental, vai ser vítima daquela degradação. Não tenham dúvida disso. |
| R | Então, é um comportamento extremamente equivocado, quando você não tem essa percepção e essa relativização do direito à propriedade. Não, de forma alguma, como uma forma de esbulho, mas de consciência ambiental de que aquele direito coletivo deve se sobrepor, em determinada circunstância, a qualquer pseudo direito individual. Muito obrigado, Presidente, meu querido Senador Jaques Wagner. Consulto o Senador Confúcio sobre se queria fazer uso da palavra. Então, meu querido Ministro Herman Benjamin. Satisfeito? Perfeitamente. Quero agradecer a todos os palestrantes, ao Professor Ernst-Ulrich von Weizsäcker, à Senhora Maritta R. Von Bieberstein Koch-Weser e ao Sr. Christian Calliess, pela forma didática, brilhante, consciente, equilibrada com que nos presentearam nesta tarde. Agradecemos aos convidados que participaram remotamente. Declaro encerrado o terceiro painel. O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Imediatamente, vamos ao quarto momento do nosso evento. Mais uma vez, quero registrar e agradecer o apoio da secretaria desta Comissão, da técnica, da filmagem, dos funcionários terceirizados que aqui estão nos auxiliando, dos fotógrafos, enfim, de todos aqueles que direta e indiretamente fazem parte essencial para o funcionamento desta tão conceituada e atuante Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal. Neste quarto painel, ouviremos sobre "A função ecológica da propriedade: a experiência brasileira", sendo as apresentações seguidas de uma breve sessão de debates. Convido, para compor a nossa mesa, o Professor Andreas Krell, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Alagoas. Convido também o Sr. Marco Túlio Reis Magalhães, Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. (Pausa.) Professor Andreas, obrigado pelo comparecimento. Sr. Marco Túlio, muito obrigado. Concedo imediatamente a palavra ao Professor Andreas Krell para a sua exposição. Muito obrigado. O SR. ANDREAS KRELL (Para expor.) - Boa tarde! Eu quero agradecer o convite que me foi feito pelo eminente Ministro Antonio Herman Benjamin. Cumprimento o ilustre Senador Presidente desta mesa, Fabiano Contarato, e também os Senadores Jaques Wagner, Confúcio Moura, os colegas apresentadores brasileiros e alemães, os representantes da Embaixada alemã e todos os que estão nos assistindo via internet. |
| R | A minha apresentação eu vou começar de forma diferente. Eu sou alemão, vivo no Brasil há 25 anos, no Nordeste. Eu sou professor, desde 1995, de Direito Ambiental, da Universidade Federal de Alagoas. Também colaboro em Pernambuco lá nos cursos de pós-graduação e entendo alguma coisa do direito alemão, como do brasileiro, com o tempo, e, por isso, eu faço essa proposta aqui de tecer algumas linhas de comparação entre o sistema alemão e o brasileiro, não de forma mais aberta em relação às normas constitucionais, como fez o Professor Calliess, mas um pouco mais concreto na área das florestas. Nós sabemos que tanto o Brasil quanto a Alemanha estão perseguindo uma gestão administrativa mais eficiente de suas florestas, não somente por motivos morais, políticos, mas porque há deveres consagrados nas Constituições dos dois países e também compromissos internacionais assumidos. Essa análise comparativa, logicamente, vai ter que considerar, sempre, as diferenças entre os dois países de ordem histórica, cultural, socioeconômica. E, também, essa proposta minha, hoje, em 20 minutos, dá um destaque ao tribunal que no Brasil com mais veemência, nos últimos 20 anos, tem defendido a pauta pró-ecológica, que é o Superior Tribunal de Justiça, sem diminuir o mérito de outros tribunais, juízes, juízas. Primeiro - talvez isso seja bem conhecido por alguns, mas muita gente não deve estar tão bem localizada nessa situação - o que são as áreas que o Código Florestal no Brasil protege? A famosa Área de Preservação Permanente (APP) é coberta de uma vegetação nativa que tem a função de preservar águas, paisagem, biodiversidade, fauna, flora, mas também proteger o solo e o bem-estar da população, e essa deve ser mantida pelo proprietário, possuidor do terreno. Nós conhecemos todas as denominadas APPs. As mais conhecidas são as APPs ao longo das margens dos cursos de água e o tamanho depende da largura do corpo de água, mas existem outras em torno de lagos e lagoas, restingas e manguezais, encostas em declividade, em declividades maiores de 45 graus, topos de morro acima de 100 metros e toda a área acima de 1,8 mil metros. As regras do art. 4º sobre essa proteção são autoaplicáveis em todo o país e não dependem de um ato concretizador específico. Já o art. 6º, logo depois, o Código Florestal, também prevê APPs instituídas pelo Executivo por ato administrativo. Aí é preciso enquadrar a área em uma das hipóteses legais: conter a erosão, proteger restingas, várzeas, fixar dunas etc. Pode haver a supressão, excepcionalmente, da vegetação em APP nas hipóteses da utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental, baixo impacto. E um grande avanço do novo Código Florestal, de 2012 - não é mais tão novo, 10 anos -, é que ele define exaustivamente essas hipóteses no seu art. 3°. |
| R | Outra unidade conhecida, a segunda famosa unidade protegida pelo Código Florestal, é a reserva legal. Nela deve ser mantida a vegetação nativa em imóveis rurais, e a definição dos limites, aí sim, depende de um ato administrativo. Os percentuais da reserva legal variam dependendo da região do país. A regra, no Brasil, é de 20%, mas pode chegar a 80% na Amazônia Legal, em áreas de florestas, e a 35% no Cerrado. O tamanho concreto depende também da existência do zoneamento ecológico-econômico de cada estado. Uma área florestal, além dessas duas hipóteses, também pode ser enquadrada em um dos tipos da Lei das Unidades de Conservação, a famosa Lei nº 9.985, de 2000, cujo melhor exemplo e mais conhecido é a APA (área de proteção ambiental), - que não pode ser confundida com a APP -, ou ser composta por vegetação da Mata Atlântica, com a vegetação típica dessa mata, que tem proteção especial garantida por lei própria. O que fez, então, o Judiciário? A ampliação interpretativa da função social da propriedade, na doutrina e na jurisprudência do Brasil, foi insuficiente, durante muito tempo, para mudar todo esse paradigma de exploração não sustentável dos recursos naturais no Brasil, como afirma e repete sempre nas suas contribuições o Prof. Ministro Benjamin. Mas esse aprofundamento existiu, começou a existir a partir de diversas decisões do STJ - eu somente estou pincelando algumas, as historicamente mais importantes nas áreas de floresta: em 2001, há a decisão de que, pelo Código Florestal, as APPs legais, do art. 4º - na época, ainda era outro artigo -, não são indenizáveis por serem insuscetíveis de exploração econômica; logo depois, em 2002, importantíssima decisão: a responsabilidade do proprietário pela recomposição do terreno degradado não depende da culpa pessoal, mas constitui obrigação civil objetiva propter rem, posição depois adotada pelo Código Florestal - episódio em que o STJ criou a linha e, depois, o legislador assumiu e a positivou no art. 2°; em 2010, inversão do ônus da prova na ação civil pública ambiental; em 2014, mínimo existencial ambiental existe na área do saneamento básico; e a última, recente, de 2021, o dever de respeitar a faixa não edificável nas APPs de qualquer curso d'água em áreas urbanas consolidadas - o que sempre foi questionado, mas sobre o que, agora, não há mais discussão. A função ambiental, como já foi exposto aqui pelo próprio Ministro, pela manhã, ou também chamada de ecológica, é um plus em relação à função social da propriedade. A base é o art. 225, que atribui o dever de proteger o ambiente não somente ao Estado, mas aos próprios particulares, o que outras constituições, por exemplo, não fazem de forma tão explícita. |
| R | Outro passo fundamental, há 20 anos: o novo Código Civil, em seu famoso art. 1.228, relativizou o domínio do proprietário pela função ambiental, obrigando-o a preservar a fauna, a flora, o equilíbrio ecológico e a evitar a poluição do ar e das águas - explicitamente, mas, claro, impossível! Esse dever integra o conteúdo da própria propriedade, abrindo espaços para definir os seus limites nos imóveis, tanto urbanos quanto rurais. A função ambiental condiciona a propriedade pública também, não somente a privada, que era a mais influenciada pela teoria da função social da propriedade. Não há, então, desapropriação na esfera dos limites internos da propriedade florestal. Não existe um direito que poderia sofrer restrições; ele já nasce, por assim dizer, limitado pela função ambiental. Indenizações. Os tribunais brasileiros, todos aqui sabem, têm condenado o poder público a pagar valores exorbitantes de indenizações por imóveis muitas vezes em áreas protegidas e muitas vezes transformando os atos que fixam simplesmente conteúdo e limites da propriedade em desapropriações indiretas, o que inviabilizou inúmeras medidas locais ou estaduais. As limitações à propriedade criam, sim, obrigações, mas, normalmente, sem o dever de indenizar. Há casos, porém, claro, em que limitações tornam a propriedade inteiramente inutilizável para os fins econômicos, justificando a indenização. Para ser indenizado, deve-se, acima de tudo, comprovar que as limitações são mais extensas do que as de caráter geral que vinculam o conteúdo da propriedade. Por isso temos, por exemplo, as APPs, do art. 4º, criadas pela lei, que normalmente não permitem nenhuma indenização; aquelas criadas por ato administrativo já permitem; e, nas reservas legais, há a tendência de não caber indenização, mas em alguns casos excepcionais existe. Alemanha. Na Alemanha - vimos agora a apresentação do Prof. Calliess -, o sistema trabalha com a desapropriação, mas, ao mesmo tempo, com a determinação de conteúdo e limites, figura essa que ficou tão importante para o Brasil, pois, por meio dela, concretiza-se a função social da propriedade, fixando possibilidades de uso e disposição. Nela, em regra, não há indenizações. A base da chamada Ökologiepflichtigkeit, vinculação ecológica, é o art. 20a da Lei Fundamental, que foi uma emenda de 1994 inserida no texto da Lei Fundamental. Essa chamada "norma-fim de Estado" não é um direito fundamental, como no Brasil, mas tem efeitos jurídicos objetivos, obrigando todos os poderes e órgãos estatais à sua consideração e observância. A função ambiental da floresta alemã. Como já vimos repetidas vezes, um terço do território alemão é coberto por florestas, cuja propriedade é distribuída - bem parecido com o Brasil... - entre: particulares, 48%, somando 2 milhões de propriedades; estados federados, 29%; União, somente 4%; e outros entes públicos, tais como, municípios, fundações e consórcios, que lá se chamam Körperschaft - entidades públicas. A Lei das Florestas, Bundeswaldgesetz, destaca três funções básicas: de uso econômico, que sempre é importante; recreativo, que cresceu a partir dos anos 70, como vimos na apresentação do Sr. Deputado Ruck; e protetivo, que só ganha mais peso nos últimos tempos ou nas últimas duas décadas. Também há áreas florestais protegidas pela Lei de Proteção da Natureza e pelas Leis de Gerenciamento de Recursos Hídricos ou de Proteção do Solo. |
| R | Doutrina e jurisprudência. E agora vem a primeira observação crítica: doutrina e jurisprudência na Alemanha não trabalharam ainda adequadamente a função ambiental ecológica da propriedade florestal. Sua interpretação não considera ainda suficientemente a proteção da natureza e a imposição de limites diretos ao uso das florestas. De vez em quando, a gente imagina que lá tudo está melhor, funcionando uma beleza, mas os próprios especialistas na área, como o Prof. Detlef Sibulca, um dos autores que mais profundamente trabalha nessa área no Direito alemão, fazem essa crítica justificando e dando vários exemplos. A definição mais concreta dessa vinculação ecológica da propriedade alemã nas florestas é necessária por causa dos compromissos internacionais, como vimos na fala do Prof. Calliess sobre a decisão, no ano passado, que diz respeito ao clima. E aqui temos também essa obrigação na área das florestas: convenções da biodiversidade, da Rio 92, e mudanças climáticas. Além disso, do mesmo ano, temos uma diretiva da União Europeia que exige, cria várias obrigações de criação de áreas protegidas, chamada "Flora-Fauna-Habitat". O conceito de gerenciamento florestal sustentável, na BWaldG, necessita de uma melhor concretização pelas leis estaduais, o que não tem acontecido ainda. O mesmo vale para a expressão "boa prática florestal", Lei de Proteção da Natureza. Prevalecem - isto é interessante ver - na Alemanha normas sobre metas e fins, e faltam regras concretas sobre a biodiversidade das florestas. Exemplos: o corte raso de áreas maiores, plantações de espécies não típicas, entre vários outros. Durante muito tempo - isto também é importante para ver a diferença em relação ao Brasil -, a Alemanha não seguiu, durante muito tempo, o modelo da criação de reservas e unidades para proteger certas áreas, como é o caso e sempre foi do Brasil, regulamentando as intervenções específicas, para garantir um padrão mínimo geral em todos os imóveis com florestas. Recentemente houve uma mudança, como nos foi aqui também comunicado de manhã, após a diretiva de 1992 da União Europeia. Hoje já há mais parques e áreas protegidas, nos últimos 30 anos. Antes essa não era a linha alemã. Compensações por medidas de efeito desapropriatório. É um tema tão importante no Brasil como na Alemanha, porque toda a disposição de um governo de proteger mais o meio ambiente, seja federal, seja estadual, seja até local, vai sofrer e se inviabilizar se houver a necessidade do pagamento de altíssimos valores. O sistema alemão reconhece que pode haver desapropriação indireta onde as medidas inviabilizam o uso agroflorestal da área, que foi anteriormente exercido de forma lícita. Para essas medidas de efeito desapropriatório, as leis preveem a indenização. Também - e agora vem uma figura meio estranha - existe a compensação de equidade (Billigkeitsausgleich) para casos aquém do grau de desapropriação, mas em que os beneficiados, que podem ser públicos ou privados, pelas limitações do uso dos imóveis devem pagar uma justa compensação aos proprietários. |
| R | Kloepfer, um dos professores mais respeitados no Direito alemão do meio ambiente, critica que essa compensação de desvantagens, abaixo o nível de desapropriação, é uma quebra do princípio do usuário-pagador, capaz de reduzir a disposição do poder público de criar áreas de proteção dos recursos naturais. Na prática, na Alemanha, observaram-se grandes dificuldades de fixação das possíveis perdas de proteção florestal e agrícola, devido às alternativas que sempre existem de aproveitar o solo apesar das restrições de uso. Critério, diz Cybulka, com razão, para compensações financeiras pela restrição do uso do solo deve ser a lícita utilização anterior, pagando apenas em casos de evidentes distorções da concorrência dos produtores da mesma região. Então, já há uma restrição muito grande em relação àquela compensação de equidade. Aspecto comparativo - esta é a minha contribuição; pode-se até pensar diferentemente, mas é o que eu entendo: se a figura alemã das compensações por equidade fosse introduzida no Brasil, levaria a uma confusão ainda maior no emprego dos instrumentos legais; provavelmente, serviria acima de tudo para justificar indenizações no caso de meras delimitações da propriedade na base da função ambiental. Talvez eu esteja enganado. Conclusões. O poder público brasileiro deveria, sim, definir melhor os critérios para o pagamento de compensações de particulares por medidas em favor do meio ambiente na área florestal. Uma possível indenização não deve depender apenas do enquadramento do imóvel em uma das áreas conhecidas - APP, RL, Mata Atlântica ou até APA ou outra unidade de conservação. Isso não pode ser o ponto decisivo para o pagamento de indenização. Há necessidade de critérios mais nítidos para a divisão racional entre limitações da propriedade, não indenizáveis normalmente, e medidas de efeito desapropriatório - essas, sim, indenizáveis. E aí, também, a minha contribuição pessoal, pelo que eu observo, analisando decisões judiciais: apesar dos méritos dos tribunais brasileiros, STJ e outros, na aplicação dos conceitos de proteção ambiental no Brasil, não se pode deixar ao critério subjetivo de cada juiz decidir sozinho se haverá indenização ou não e qual deve ser o seu valor, somente na base de princípios como o da razoabilidade e da proporcionalidade, porque você vai precisar de sorte. Se o ministro ou o desembargador tiver consciência ambiental, ele vai dar indenização ou fixar o valor da indenização baixo para poupar as contas públicas. E se não tiver? Aí, até hoje, temos uma boa parte do Judiciário que não tem toda essa convicção e consciência ambiental. E, no final, o legislador alemão, por sua vez, deve também fixar melhor as prioridades e definir os deveres do proprietário na gestão econômica das florestas, além de fixar medidas nos casos do não cumprimento. Isso, muitas vezes, não fica claro - o que se tem que fazer - com agricultores, por exemplo, que não cumprem as regras, sem aplicar imediatamente altos valores de multa. Na Alemanha, a proteção das florestas depende, sobretudo, de atos específicos dos órgãos administrativos. No Brasil, prevalecem as áreas protegidas diretamente por lei, o que é adequado face a seu tamanho, que dificulta o controle de inúmeros terrenos rurais, no interior do Brasil, pelos órgãos ambientais de muitos estados que, como sabemos, têm grandes dificuldades técnicas e também políticas. O sucesso de combate ao desmatamento, tema central deste evento, na Amazônia ou em qualquer outra região do Brasil, certamente dependerá da correta compreensão e utilização dos instrumentos jurídicos de proteção florestal. Tanto no Brasil quanto na Alemanha, a função ambiental - esse novo conceito base, título deste evento -, é um conceito que vai além da função social e deverá levar à reformulação de várias leis, às mudanças de aplicação e, quem sabe, a intervenções do Judiciário nas omissões do Executivo. |
| R | Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Muito obrigado, Prof. Andreas Krell. Eu particularmente fico muito feliz com a didática com que apresentou na comparação do Brasil e Alemanha, ainda dando as contribuições com as sugestões. Muito obrigado. Eu particularmente me sinto extremamente contemplado. Neste momento, eu passo a palavra ao Sr. Marco Túlio Reis Magalhães. Antes de conceder-lhe a palavra, eu quero aqui fazer um registro, Dr. Marco. Esse reforço positivo, para mim é de extrema importância falar. Como eu falei no início da minha fala, no início desta sessão, quando eu falo do Platão, da sabedoria na repetição, nós temos que entender que governos passam, mas que o Estado é superior. Eu quero deixar claro para a Advocacia-Geral da União a minha admiração, o meu respeito e a minha defesa intransigente para o fortalecimento das instituições, porque a democracia é o melhor terreno para plantar e colher direitos. E somente podemos ter democracia com instituições como a Advocacia-Geral da União, como o Ministério Público Federal, como a Defensoria Pública e como o próprio Poder Judiciário fortalecidos, para que possam atuar de forma isenta, imparcial, com equidade, fazendo uma análise com o direito comparado, fazendo uma interpretação histórica, sociológica. Acho que é isso que me motiva e por isso que eu lancei meu nome, Prof. Andreas, nessa empreitada, quando fui eleito Senador pelo Estado do Espírito Santo. Costumo dizer que eu tenho duas missões na minha vida que é ser servidor público e ser professor. Eu estou como Senador, mas estarei sempre aqui, junto com meus colegas, na defesa daquilo que eu chamo que é a espinha dorsal do Estado democrático de direito e que se chama a Constituição da República Federativa do Brasil. Muito obrigado. Eu transmito o meu agradecimento a todos os advogados e advogadas da Advocacia-Geral da União. Podem sempre contar comigo! Com a palavra o Dr. Marco Túlio Reis Magalhães. O SR. MARCO TÚLIO REIS MAGALHÃES (Para expor.) - Boa tarde a todos. Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer o convite que me foi formulado para participar desse importante evento de debate entre Brasil-Alemanha, um debate de ideias produtivo, profícuo, em que se busca uma construção em prol da proteção do meio ambiente. Quero inicialmente agradecer ao Presidente da Comissão de Meio Ambiente, o Exmo. Sr. Senador Jaques Wagner, que se ausentou rapidamente. Eu o cumprimento. |
| R | Cumprimento também o Exmo. Sr. Senador Confúcio Moura. Cumprimento o Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin, na pessoa de quem peço licença para cumprimentar os demais participantes de forma geral. Quero cumprimentar, em especial, o Exmo. Sr. Senador Fabiano Contarato, e registrar que recebo com bastante alegria essa sua manifestação. Na minha atuação como Procurador Federal - e acho que toda a carreira - trabalhai sempre com a ideia de uma carreira de Estado, que busca sempre a afirmação e o cumprimento da legislação e da Constituição brasileira. Quero também cumprimentar - e o faço na pessoa do Prof. Christian Calliess - todos os participantes estrangeiros. Faço-o porque não só ele é uma referência e bem didaticamente expôs as questões aqui, mas é uma referência pessoal para mim, como meu professor que foi, um sempre incentivador e orientador dos meus estudos quando estive na Alemanha. O que eu pretendo, rapidamente, expor aqui e que, de certa forma, as palestras anteriores já o fizeram em certa medida, da Ministra Cármen Lúcia, do Ministro Herman Benjamin, do Prof. Calliess e também, agora, do Professor Andreas Krell, é, de certa forma e também buscando inspiração na fala recente do Senador Fabiano Contarato, reiterar aquilo que nós devemos afirmar com bastante certeza, no caso a compreensão do que seja a função ecológica, a função de equilíbrio ecológico do meio ambiente. Então, o foco que quero dar, rapidamente, dentro do tempo estipulado, é percebermos ou refletirmos um pouco mais sobre o sentido do equilíbrio ecológico na Constituição como conceito político e jurídico normativo. Pretendo, então, fazer um rápido olhar sobre os dispositivos constitucionais e, em seguida, discutir, em rápida medida, o que seja a função ecológica em termos normativos, como podemos entendê-la em termos normativos, e trazer alguns elementos de entendimentos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que nos ajudam a compreendermos a dimensão que é dada a esse conceito. De forma geral, não vou me estender neste aspecto - a Ministra Cármen Lúcia já o fez pela manhã -, o que interessa ressaltar é que a Constituição de 1988, sem prejuízo da proteção anterior que tínhamos na legislação infraconstitucional, trouxe um arcabouço importante, um conjunto de normas ambientais, tendo o art. 225 como o cerne, o centro, o vértice dessas normas constitucionais, mas também outros dispositivos da Constituição Federal também trazem consigo a exigência do equilíbrio ecológico do meio ambiente. Há uma correlação entre outros campos temáticos em que a Constituição assim buscou estipular. Esse aspecto é importante porque temos, no art. 225, a afirmação de um direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, um dever geral de proteção, que é dirigido ao poder púbico e à coletividade, um objetivo geral de sustentabilidade ambiental no longo prazo, que é a referência às presentes e futuras gerações, e uma série de deveres específicos dirigidos ao Estado, que concretizam, em melhor medida, qual é o sentido desse equilíbrio ecológico. |
| R | É interessante, faço aqui um breve parêntese, me lembrando até do questionamento que o Exmo. Sr. Senador Jaques Wagner fez mais cedo ao Dr. Christian Ruck a respeito de como a Alemanha caminhava para definir esse difícil equacionamento de quanto desmatar, em que medida, chegar a que ponto, e de como lida com a questão da sustentabilidade. Lembrei-me de uma referência interessante, que a sustentabilidade ambiental é uma referência tanto na Constituição alemã, quanto na Constituição brasileira e, em termos históricos, há, já em 1713, uma obra de um alemão chamado Hans Carl von Carlowitz, que é conhecido na Alemanha como um precursor da ideia de sustentabilidade, não por ser um ambientalista à época, mas porque ele lidava com a exploração de minas de prata, na região da Saxônia - que, salvo engano, é origem da Dra. Anna Cavazzini, que está aqui presente nos prestigiando -, lidava, então, comercialmente e economicamente, com a exploração de minas de prata e também com a exploração de recursos florestais. E a ele é dada essa alcunha de fundador da ideia de uso sustentado, ou seja, a preocupação, que acho que o Prof. Christian Ruck falou mais cedo, sobre a concepção de uma racionalidade no uso do recurso florestal. Ainda que não se tenha, de imediato, àquela época, uma visão ecológica, tem-se a visão econômica de não exaurimento, que acaba coincidindo, para nós, na nossa compreensão de hoje, à ideia de sustentabilidade no uso dos recursos florestais. Mais interessante, em termos históricos, é perceber que, quase cem anos depois, quem visita a região e estuda nas escolas de mineralogia da época, na Alemanha, na Saxônia, em Freiberg, é não menos que José Bonifácio de Andrada e Silva, o nosso patriarca da independência. E é interessante notar que ele, em publicações posteriores, quando retorna e atua na administração do Governo português, preocupa-se em estabelecer regras de sustentabilidade, compreendidas na sua dimensão histórica, para o replantio de bosques em Portugal, discutindo exatamente medidas concretas que trariam o mínimo de equilíbrio e manutenção do que se estava a explorar. Então é interessante percebermos como esses diálogos, voltando no passado, ajudam a perceber a dimensão do presente. Mas, voltando ao tema em si, passada essa pequena digressão histórica, o que precisamos ressaltar, para entender o equilíbrio ecológico, a partir da constituição das normas constitucionais, de forma geral, além de olhar o quadro normativo como um todo, é interpretar o art. 225 em conjunto com o art. 186, II, da Constituição, ou seja, a exigência de equilíbrio ecológico do art. 225, com a função social, em sentido constitucional, estabelecida na Constituição. Também o art. 5º, caput, incisos XXII e XXIII, porque tratam do direito à vida, às vezes esquecido quando se discute esse debate, e também o direito de propriedade. Ou seja, é do conjunto interpretativo dessas normas que, a partir da Constituição, temos o substrato para o equilíbrio ecológico. O equilíbrio ecológico - quero aqui então fazer o estresse dessa ideia - parece-me o ponto chave para se entender função ecológica da propriedade. Trago três exemplos. Em primeiro lugar, nós não temos um direito, ou melhor, lembrando do art. 225, da Constituição, todos não têm direito a um meio ambiente pura e simplesmente. Todos também não têm direito ao meio ambiente poluído ou degradado. O que temos é direito ao meio ambiente qualificado, caracterizado. E que qualificação é essa? É ser ecologicamente equilibrado. Então, não apenas a partir dos incisos, como lembrou a Ministra Cármen Lúcia, mas sobretudo a partir do caput do art. 225, está a inteligência dada pelo legislador constituinte em qualificar o ambiente. A ideia de equilíbrio ecológico ou ecologicamente equilibrado é um critério científico antes de tudo, é um critério que se apura a partir das ciências naturais. Mas o que há de importante e decisivo feito pela nossa Constituição é acoplar esse critério científico à norma constitucional e alçá-lo a um critério normativo. Esse é o grande trunfo, a meu ver, que a Constituição traz, porque une a ciência ecológica à ciência jurídica, cria uma ponte necessária para viabilizar ao longo do tempo, ao longo do desenvolvimento humano a possibilidade de alcançar uma qualidade de vida em um meio ambiente equilibrado. Por isso o equilíbrio ecológico passa a ser também finalidade constitucional a ser assegurada e garantida não só em sentido normativo, jurídico, mas em sentido político, pela atuação efetiva do Parlamento. Deve-se sempre ressaltar esse aspecto porque o nosso colóquio não é apenas de direito, mas de política ambiental. Por vezes nós confundimos, sobretudo nós, da área do Direito, fechamos nosso pensamento a pensar que a discussão da Constituição é meramente normativa. Ela é, antes de tudo, política. Esse é um elemento importante. |
| R | A ideia de equilíbrio ecológico também deve ter uma perspectiva dinâmica do meio ambiente. Por que dinâmica? Porque há um conjunto de funcionalidade, de ciclos, de sistemas que operam independente da nossa compreensão e eles, em certa medida, trazem benefícios para nós. Então, essa ideia de funcionalidade e estabilidade é para nós extremamente importante. Um outro aspecto importante que acho válido mencionar é que há uma vantagem do uso do conceito de equilíbrio ecológico na Constituição, porque, embora ele seja inicialmente indeterminado, porque depende do preenchimento, dos conhecimentos científicos na prática, isso combina com a semântica das normas constitucionais, permite esse dinamismo de contínuo desenvolvimento, de contínua adaptação, leva à ideia justificada de contínuas revisões e avaliações periódicas que são dirigidas em boa medida ao legislador, para que leis que possam eventualmente serem estabelecidas ao longo do tempo com conhecimento científico possam ser revisadas. Exemplo no nosso caso brasileiro de discussão diz respeito ao caso do uso do amianto nas atividades econômicas. É um exemplo em que o conhecimento científico e a conjugação do elemento do equilíbrio ecológico permitem pouco a pouco que nós mudemos a nossa plataforma econômica em prol do equilíbrio ecológico. Um outro equilíbrio importante e que de certa forma foi bem exposto pelo Ministro Herman Benjamin, em painel anterior, é perceber que hoje a ideia de função ecológica ou equilíbrio ecológico não se resume a um estoque de bens naturais ali dispostos para mero uso e exploração. Há a dinâmica ou a ideia de funcionalidade e é essa a ideia que a gente quer a todo momento estabelecer quando fala em função ecológica. Há um aspecto de funcionalidade a ser protegido, independentemente do bem enquanto recurso explorado. Há uma abertura temporal na relação de equilíbrio ecológico porque se preocupa com os ciclos da vida, com os funcionamentos dos sistemas ao longo do tempo. |
| R | Há uma abertura também semântica em se discutir aberta e democraticamente qual é o sentido que se dá na Constituição, se é um sentido antropocêntrico, ecocêntrico, zoocêntrico, ou seja, qual é a medida que se dá de proteção voltada mais ao ser humano, voltada aos animais, voltada ao sistema ecológico como um todo. Nossa Constituição, de certa forma, preocupa-se com esses três elementos, dosando isso no próprio art. 225 da Constituição, a exemplo do debate que tivemos, há pouco tempo no Brasil, relacionado à situação de atividades esportivas como a vaquejada e um debate legítimo ocorrido no Parlamento que levou ao aperfeiçoamento da legislação brasileira. Ainda como uma caracterização da ideia de equilíbrio ecológico enquanto conceito normativo é que ele deve ser considerado também numa visão integrada ou integrativa, ou seja, ele deve ser considerado em todas as atividades e políticas públicas realizadas no país, sejam atividades públicas, sejam atividades privadas. É uma ideia de integração que existe também no direito da União Europeia, por exemplo, no art.11 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, de se levar em consideração o equilíbrio ecológico em todas as legislações e campos temáticos. Não significa que ela tem uma prevalência a priori, mas ela deve ser um critério a se considerar. A jurisprudência do Supremo, de certa forma, traz, na discussão sobre essa conjugação da função social e da função ecológica, um conceito interessante, salvo engano do Ministro Edson Fachin, ao dizer que há aqui uma amálgama inexorável entre a função ecológica e a função social. Elas coexistem e isso foi bem ressaltado também pelo Ministro Herman Benjamin. Em síntese, o importante, a partir desta visão geral, é percebermos que a Constituição traz essa preocupação com o equilíbrio ecológico como novidade, quando comparada com o ordenamento constitucional anterior, que previa a função social, mas não previa, expressamente no plano constitucional, esse conjunto de critérios normativos materiais ligados à proteção ambiental. O que há de novo na Constituição é isso, então, o mínimo que se exige, seja da atuação legislativa, mas, sobretudo, da aplicação prática, é levar em conta esse equilíbrio entre função social e função ecológica. Mais cedo, o Exmo. Sr. Senador Jaques Wagner bem pontuou que o Brasil tem uma legislação exuberante - já que estamos aqui na área ambiental, em certa medida, o adjetivo é pertinente - em termos de legislação ambiental, sobretudo no plano federal, ou seja, temos uma série de dispositivos legais em diferentes áreas temáticas que dão conta de uma atuação possível e efetiva da administração. O que falta? Em muitos casos, é a dificuldade de se operacionalizar isso em termos institucionais - e, aqui, dois Parlamentares que já exerceram a função de Governador sabem bem das dificuldades que existem em transpor isso à realidade, em conjugar interesses que existem no âmbito dos estados, com as suas próprias dificuldades. O que é importante perceber? Olhando para esse conjunto de leis que trago aqui, de forma ilustrativa, é que há um papel fundamental para a atuação do Parlamento, ou seja, ele deve criar legislação para cumprir os parâmetros constitucionais e assim o tem feito, sobretudo a partir dos anos 2000, mas ele também deve, em função desse critério de equilíbrio ecológico, considerar que é preciso sempre revisitar e avaliar periodicamente a suficiência da legislação, exatamente porque nós estamos a lidar com um conceito eminentemente científico. A ideia do equilíbrio ecológico demanda, muitas das vezes, o aperfeiçoamento técnico-científico ao longo do tempo. |
| R | Então, é interessante perceber que há um papel contínuo de aperfeiçoamento dirigido ao legislador pela disposição constitucional. Todas essas leis - e não vou aqui, claro, descer a detalhes no momento - mostram dois trunfos, duas questões que merecem aplauso em relação à atuação do legislador brasileiro. Em primeiro lugar, a inserção, na legislação infraconstitucional, do conceito de equilíbrio ecológico nos diversos campos com a preocupação de que ele seja um critério de controle, independentemente do fato de que, na prática, caberá ao administrador avaliar, num processo de licenciamento, num processo de avaliação de impacto ambiental, a questão em si. Mas há a preocupação do legislador em expor o equilíbrio ecológico nos diversos dispositivos dessas leis, não apenas leis de políticas ambientais, mas leis de outras áreas. Então, por exemplo, na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, há a preocupação explícita, como princípio, de uma ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, disposição expressa. Como objetivo também, a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida. Perceba que é um critério que vai, reiteradamente, aparecer na legislação. Eles ressaltam o aspecto funcional. E o Código Florestal Brasileiro, parece-me, é o que mais claramente evidencia essa questão quando conceitua - foi exposto no eslaide do Prof. Andreas Krell - que a definição da APP e da reserva legal, por si só, mostra o critério de funcionalidade, porque diz que é uma área que deve ser protegida em função ou com a função de... E aí diz quais são essas funções. Então, é interessante porque, às vezes, isso passa batido na nossa leitura da Constituição, mas o aspecto de funcionalidade é essencial para se compreender a função ecológica da propriedade. A legislação fundiária também é interessante porque traz essa dimensão. A Lei 8.629, de 1993, por exemplo, expressamente, ao definir "preservação ambiental", traz a preocupação de preservar o meio natural na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade. Então, são apenas alguns exemplos que trago a vocês para perceberem. O Estatuto da Terra também: para dimensionar o tamanho da propriedade rural, deve-se levar em conta as condições ecológicas da região. Então, o critério, em si, vai sendo absorvido, um critério cientifico como critério normativo, para ser aplicado nas situações diversas. A Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima amplia essa dimensão porque pensa o equilíbrio ecológico em nível planetário. E aí, o Prof. Calliess, mais cedo, por exemplo, falou da questão das fronteiras planetárias, que é uma outra forma de absorver essa discussão do equilíbrio ecológico. Também o Estatuto da Cidade, que absorve importante discussão em áreas consolidadas ou áreas de choque, de urbanização com áreas de proteção ambiental, prevê essa preocupação. São apenas alguns exemplos. Não vou dar muita continuidade a isso para que a gente possa seguir ao debate. Com relação à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é interessante percebermos que ela também acolhe essa interpretação alargada da função social da propriedade em sentido ou em perspectiva ecológica, tenta fazer essa conexão possível entre as duas funções. Fiz um recorte de alguns campos em que nós podemos perceber isso de forma mais abrangente. |
| R | Na legislação fundiária que trata da desapropriação sanção, ou seja, resultado do descumprimento da função social da Constituição, há em diversos precedentes essa firme conexão entre função social e função ecológica da propriedade. Num sentido metafórico nós poderíamos até dizer aqui que a preservação ambiental ou a função ecológica é um dos quatro cavalos que conduzem a quadrilha da função social da propriedade rural. Também nos biomas considerados patrimônio nacional o Supremo faz a interpretação de que a função social absorve, acompanha a função ambiental. E, mesmo em situações de APP que eventualmente interfiram em propriedades rurais, isso não impede a eventual desapropriação, sendo que o futuro assentamento ou projeto agrário que se venha a estabelecer pode criar conciliação com a proteção do meio ambiente. Digo isso porque são muitos casos em que às vezes os desapropriados, donos de propriedades improdutivas, usam o argumento de que, como há uma área de proteção próxima, ele não pode ser desapropriado porque o assentamento vai prejudicar o meio ambiente, ou seja, ele tenta usar um subterfúgio para se afastar do descumprimento da função social. Um segundo campo que nós podemos discutir em que há muita jurisprudência do Supremo sedimentada é a ideia de criação, alteração e supressão de espaços territoriais especialmente protegidos, ou seja, áreas em geral que são protegidas pela sua funcionalidade ecológica: unidades de conservação, APPs, reservas florestais. O que há de importante é que a Constituição já traz as balizas, os limites materiais concretos de fomentar o administrador a criar as unidades, por ato do poder público, ou seja, não depende de lei, mas a supressão e a alteração dos limites dessas áreas dependem de lei, porque se prestigia o papel do Parlamento, se prestigia a discussão democrática em relação a um valor, a um bem que é essencial à sociedade brasileira. Outro aspecto muito discutido que o Prof. Andreas Krell trouxe, em certa medida, é que o Supremo entende que essas áreas protegidas em imóveis rurais cumprem a função ecológica, mas, se houver um comprometimento a ponto de inviabilizar a exploração econômica da área, deve-se indenizar o proprietário, por duas razões: uma razão de justiça em relação a quem é titular da propriedade e uma razão de que aquela área protegida tem uma dimensão ou uma expressão ecológica, uma expressão econômica, às vezes uma expressão turística, ou seja, ela tem valor, e, nesse sentido, deve ser preservada. Outro elemento importante que garante o papel importante do legislador do Parlamento é proibir que se alterem unidades de conservação, áreas protegidas por medidas provisórias, para evitar o uso abusivo da discricionariedade do Poder Executivo e prestigiar o papel do Parlamento nesse tipo de questão. Por outro lado, quando há alteração para aumentar o grau de proteção ou eventualmente para aumentar os limites da área, se prestigia a celeridade, a flexibilidade, não necessitando então de legislação. São alguns aprendizados que há a partir da jurisprudência do Supremo, que ajuda a nossa compreensão. O caso mais firme e mais claro que vale a pena destacar para nós hoje é a discussão sobre área de reserva legal e APPs, considerando o julgamento que o Supremo fez do Código Florestal de 2012, certamente um dos mais complexos e completos julgamentos em Direito Florestal em que o Supremo se debruçou, num acórdão de quase 700 páginas, com muitos votos divergentes, muitos dispositivos impugnados, mas interessa a nós aqui pontuar alguns aspectos. |
| R | Primeiro, esse acórdão auxiliou a compreensão dos limites de controle do Supremo Tribunal Federal em relação à atividade do legislador, ou seja, de forma geral, disse que há uma deferência à legitimidade democrática do Parlamento em definir a política pública, mas que há um controle excepcional possível, levando-se em conta os critérios, os limites estabelecidos na Constituição. A discussão sobre o critério da funcionalidade ecológica é um deles, bem permeado na decisão, juntamente com a função social. Vou trazer pequenos exemplos que mostram a importância dessa baliza, ou seja, que há um ônus, há uma liberdade do legislador em fixar a política, em fixar os parâmetros, mas há um ônus argumentativo no sentido de manter um quadro normativo suficiente em relação à política ambiental, pensando a funcionalidade de processos ecológicos, de condições ecológicas, da funcionalidade ecológica como um todo. Um exemplo interessante é que o Supremo declarou inconstitucional o uso de áreas de APP para atividades de gestão de resíduos sólidos ou obras de infraestrutura para competições desportivas. Por quê? Na relação da gestão de resíduos sólidos, há uma potencial capacidade de dano da área contrária à sua finalidade, que pode ser exercida em outra localidade. No caso da atividade esportiva, você pode ter alternativas locacionais, ou seja, colocá-las em outro lugar, garantindo a máxima eficácia dessa atividade, sem prejuízo da área. Por isso, essa importância de se garantir a funcionalidade da área. Um segundo exemplo interessante é uma interpretação de que - por vezes, sabemos nós que o legislador, pelo debate intenso no Congresso, não consegue abarcar com precisão todas as situações - havia uma dúvida sobre a proteção de nascedouros e olhos d'água intermitentes, quando o código falava apenas de um regime jurídico protetivo da APP para as situações perenes. O Supremo fez uma interpretação de maximizar o valor constitucional de proteção, trazendo também interpretação à proteção para olhos d'água e nascentes de caráter intermitente. Um outro critério, para mim muito interessante, a ser destacado, que vai demonstrando a correção do legislador constituinte e do Parlamento Federal em adotar esse tipo de critério, o critério do equilíbrio ecológico, é a discussão sobre a recomposição de áreas desmatadas, ou seja, havia um entendimento, uma previsão de que você poderia fazer a compensação de área desmatada em reserva legal apenas considerando a identidade do bioma, quando nós sabemos - e aqui os dois Senadores, ex-Governadores de estados extremamente biodiversos sabem - que, por exemplo, a Amazônia é um mundo em si só e alberga uma diversidade de ecossistemas e uma diversidade ecológica. Daí porque o Supremo entendeu que só o critério de identidade de biomas não é suficiente para garantir o equilíbrio ecológico. Deve haver identidade ecológica das áreas a serem compensadas. Percebamos o quão relevante é o critério em si. Um outro debate muito interessante e que, de certa forma, lembra a discussão que o Prof. Christian Ruck fez mais cedo sobre a Alemanha, se eles deveriam ou não usar plantas exóticas - nas palavras dele, "aliens" - para recompor a área ambiental desmatada, o código também fez a previsão da possibilidade de recomposição de área com plantas exóticas, ou seja, não nativas, mas num percentual de até 50% e observada uma série de requisitos e critérios técnicos, ou seja, a gradação feita pelo legislador foi respeitada pelo Supremo, porque é uma opção legítima do Parlamento. |
| R | Também, uma última questão importante desse julgamento foi a permissão de atividades de aquicultura próximas a áreas de entorno de rios e lagos, buscando conciliar a função social ligada àquilo que nós temos discutido desde a manhã, a preocupação de dar o equilíbrio econômico, o equilíbrio social às pessoas que moram naquela localidade, considerando que o prejuízo ambiental, se existente, é menor ou compensável em alguma medida, ou seja, o Supremo legitimou a opção do legislador em permitir atividades de aquicultura, desde que observados determinados critérios. O grande trunfo que se vê a partir dessa decisão é, de um lado, a adoção, pelo legislador, do equilíbrio ecológico como parâmetro de controle. O segundo trunfo é perceber que o legislador atua de forma a revisitar a legislação e que o Supremo guarda uma deferência, buscando maximizar esse diálogo institucional. Um último aspecto que eu gostaria de trazer rapidamente, porque sei que já passei do meu tempo, é a utilização ou que critérios o Supremo Tribunal utiliza para esse controle, seja da atuação do legislador seja da atuação da administração como um todo. A Ministra Cármen Lúcia já trouxe, de forma geral, essa discussão. E nós percebemos, aqui nesse diálogo, uma certa semelhança com a discussão feia pelo Prof. Christian Calliess porque, na nossa jurisprudência constitucional, fazemos usos de princípios como o princípio da proibição de um excesso legislativo ou da ação da administração, mas também um princípio de proibição de atuação insuficiente, ou seja, quando ele não atua ou quando ele atua de forma insuficiente ao que se espera. O princípio da função social ou socioambiental, como a jurisprudência muito usa, também é um critério decisivo nesse aspecto. Em termos de controle, o Supremo entende que pode controlar a atuação do legislador de forma excepcional desde que ele deixe de observar esses critérios ou esses limites estabelecidos na Constituição - no caso do art. 225, é muito positivo, porque ele é bem delimitado nos deveres estabelecidos no §1º do art. 225. Um último exemplo de controle, que diz respeito ao Executivo, são decisões do Supremo recentes, agora do final do ano, que julgam inconstitucionais resoluções do Conama, esse órgão federal que estabelece padrões nacionais de proteção ambiental. Ele julgou inconstitucional uma resolução que simplesmente eliminava todo um ordenamento, um quadro normativo ligado à atividade de licenciamento em área de irrigação, mas não colocava nada no lugar, não definia um substitutivo. Isso, na visão do Supremo Tribunal Federal, cria um estado de anomia, cria um estado de vácuo legislativo que torna preocupante a proteção do meio ambiente. Daí porque entendeu que tanto o legislador, mas também e sobretudo o Executivo, no seu papel de função normativa pelo Conama, têm que observar a criação de quadros mínimos de proteção ambiental, porque, segundo o próprio Supremo diz, o ímpeto de desregulamentação da legislação ambiental, por vezes legítimo, na ideia de racionalização, não pode levar a um quadro de retrocesso ou à ausência mínima de um quadro normativo. E, por último, fazendo conexão com uma situação que vivemos ainda, de certa forma, ou seja, a pandemia da covid-19 e a questão das terras indígenas, percebemos que a nossa Constituição também foi muito feliz em conciliar a função ecológica e social com a função protetiva das terras indígenas, porque o art. 231 prevê que há a possibilidade de conciliação de preservação do meio ambiente no usufruto das terras que os índios tradicionalmente ocupam. Isso está legitimado, por exemplo, no julgamento do caso da Raposa Serra do Sol. |
| R | Isso também veio à tona, recentemente, nos julgamentos que o Supremo tem feito, na ADPF 709, relacionados a esse problema da pandemia e ao impacto causado nas terras indígenas. Há grande preocupação do Supremo em relação à extração de madeira e outras atividades que têm ocorrido e a busca de impedir que isso aconteça. Esses são os pontos centrais que eu busquei trazer para iluminar a questão da função ecológica no plano político, jurídico, constitucional, mostrar a relevância do papel do Parlamento, porque, por vezes, quando sobre isso se discute, a visão do Supremo Tribunal Federal é sempre no sentido corretivo. Ao meu ver, não é assim, é num sentido sempre de diálogo, e aqui se deve, merecidamente, registrar o papel positivo que o Parlamento brasileiro tem feito em termos de esforço para garantir a função ecológica da propriedade. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Obrigado aos queridos palestrantes Professor Andreas Krell e Sr. Marco Túlio Reis Magalhães. E, apenas para esclarecer, em 2021, esta Comissão de Meio Ambiente aprovou o PL 5.174, de 2019, de autoria do Senador Confúcio, relatado pelo Senador Jaques Wagner. Esse PL trata de regular as mudanças em unidades de conservação, foi apresentado à época da avaliação da PNMC, no qual eu fui o Relator. Então, faço questão aqui de fazer esse registro, porque os três Senadores estão aqui e fico feliz. Tendo em vista o adiantado da hora, eu agradeço aos nossos convidados. Declaro encerrado o quarto painel e convido o Senador Confúcio Moura para reassumir a condução dos trabalhos do quinto painel "Desmatamento e Cadeia Produtiva: Modelos Legislativos". Muito obrigado a todos. (Pausa.) O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Caminhamos para a conclusão do nosso evento, que está prevista para as 18 horas e alguns minutos. Neste último painel, o debate se dará sobre "Desmatamento e Cadeia Produtiva: Modelos Legislativos". Eu convido, para compor a mesa, a Deputada Anna Cavazzini, membro do Parlamento Europeu e Especialista em Comércio Internacional. Eu convido a Sra. Marina Piatto, Diretora-Executiva do Imaflora. Muito bem, então, vamos iniciar. Com a palavra a Deputada Anna Cavazzini, pelo tempo de até 25 minutos. Fique bem à vontade. |
| R | A SRA. ANNA CAVAZZINI (Para expor. Tradução simultânea.) - Boa tarde. Boa tarde a todos! Muito obrigada, Ministro Benjamin, em nome da Embaixada Alemã, por esse convite. Eu fiquei muito feliz com o convite, porque eu acho muito importante que, depois de dois anos de pandemia, quase sem qualquer intercâmbio internacional, nós tenhamos agora a oportunidade de nos encontrarmos fisicamente, presencialmente, para conversar sobre os objetivos que nós todos temos: combater a mudança climática e frear o desmatamento. Claro que, com a minha função como Parlamentar da Europa, eu vou mostrar um pouquinho a perspectiva da Europa, vou apresentar quais são as leis que nós estamos discutindo na Europa e, claro, ficaria feliz se houvesse comentários, perguntas e dúvidas, tanto aqui como também por escrito, porque a minha tarefa é também receber a perspectiva brasileira. Eu quero saber como é que as questões são discutidas aqui no Brasil. O âmbito no qual nós nos movimentamos na Alemanha é o green deal europeu. Em 2018, após a última... Eu sou do Partido Verde da Alemanha; e, em 2019, com todo o movimento climático Fridays for Future, a Comissão Europeia se motivou a deliberar sobre a transformação da economia europeia para uma economia neutra em CO2. E nós estamos agora trabalhando para colocar em prática esse new green deal. Nós temos muitos projetos de lei para eficiência energética, energias renováveis, e isso é muito atual agora com essa guerra russa. Está cada vez mais importante, porque, aqui, nós temos que proteger o clima, mas, por outro lado, nós temos que ser independentes das importações de combustíveis fósseis, e o meu país, a Alemanha, depende em 50% das importações de combustíveis fósseis da Rússia, e esse é um tiro que está saindo pela culatra, porque... E nós vemos que essa guerra na Ucrânia vai, provavelmente, acelerar a mudança energética. Esse é um dos poucos, por assim dizer, elementos talvez positivos, porque nós falamos tanto hoje que, a cada momento, a cada segundo, pessoas morrem, crianças morrem. Isso é algo que nos movimenta muito na União Europeia, mas, claro, esse não é o tema do dia de hoje. Um dos elementos centrais do green deal na Europa é a dimensão externa. E, aqui, nós temos três projetos de lei importantes: um é o Carbon Border Adjustment Mechanism; temos diferentes leis também sobre cadeias de fornecimento e também a política comercial. E, para mim, como Parlamentar, um dos principais objetivos é que o green deal europeu não é somente para mudar as leis na Europa; nós queremos mudar a nossa política externa, a nossa política econômica externa nesse green deal. |
| R | O primeiro instrumento, o Carbon Border Adjustment Mechanism, quer dizer que se nós, por exemplo, colocarmos preços altos para o CO2 na área de aço, mineração, nós temos que tomar cuidado para as empresas não irem para outros países onde não há essa precificação do CO2. Então, nós vamos começar com aço, alumínio e cimento e, se esses produtos não foram produzidos nos padrões climáticos e foram importados pela União Europeia, é necessário pagar uma taxa alfandegária adicional. A segunda lei é a lei de fornecimento, que é essa que eu vou explicar um pouco mais: a cadeia de fornecimento livre de desmatamento. Nós, na União Europeia, contribuímos muito com o desmatamento porque, obviamente, a União Europeia, nos últimos 20 anos, importou aproximadamente um terço dos produtos que causaram desmatamento: a produção de carne e a soja produzida que serve basicamente como ração para os animais na Europa. Então, a Europa é responsável, a Europa precisa também assumir esse papel para combater o desmatamento. Existem estimativas de que 10% do desmatamento global têm a ver com o consumo europeu e, por isso, a ideia é que com o poder que nós temos no mercado europeu, das importações nas relações com os nossos países parceiros, cadeias de fornecimento, esse poder, essa influência nós queremos utilizar para que as nossas cadeias de fornecimento sejam livres de desmatamento. Essa é uma sugestão bastante interessante. As empresas europeias ou operadores, como consta na lei, que importam produtos e isso, no momento, são seis produtos, que é a cadeia de produção da carne, cacau, café, óleo de palma, soja e madeira, então, se esses produtos foram importados, as empresas precisam fazer uma avaliação de diligência e precisam comprovar que esses produtos não são provenientes de áreas desmatadas e isso é bastante inovador, não houve até o momento no passado. Então, uma empresa que não consegue provar isso não pode vender o produto no mercado interno europeu. A ideia é que, com essa influência das cadeias de fornecimento, nós poderemos contribuir para uma política agrária sustentável sem desmatamento e isso não é somente para o Brasil, isso é para todos os países no mundo onde nós temos problemas de desmatamento e também exportações da União Europeia, ou seja, nós estamos regulamentando também a produção dentro da União Europeia. Todos os detalhes, eu acho que é meio tedioso explicar tudo isso, mas as empresas precisam localizar os produtos geograficamente, precisam provar de onde esse produto vem e aqui precisam provar que nessa área não houve desmatamento. A data-base é final de 2020. |
| R | Todas as áreas desmatadas antes, segundo essa definição, ainda seriam legais; todas as áreas onde houve desmatamento após 2020 são ilegais. A Comissão ainda realiza uma divisão entre risco normal, risco global e risco alto. Então, quanto mais o país está mais alto nessa categoria de risco, maiores são os controles. Vou falar um pouquinho sobre os dados dessa lei - algumas pessoas já me perguntaram, no intervalo. Na União Europeia, a Comissão sugere os projetos de lei no Parlamento, e, no Conselho, isso é negociado, e nós estamos realmente negociando no Parlamento. Três comissões participam: Comissão Ambiental, Comissão do Mercado Interno e Comissão do Mercado Internacional, e eu sou também Relatora para essa lei. Ou seja, se vocês têm algum feedback, podem me passar. Eu acho muito importante isso. Politicamente, eu posso dizer que, na União Europeia, nós vemos que essa abordagem é muito apoiada pela população. As pessoas não querem comprar produtos que têm a ver com desmatamento. As pessoas atentam para isso, muitos supermercados já tiraram produtos das suas prateleiras, e existe muita pressão da população. Isso fez com que nós no Parlamento Europeu que já trabalhamos há muito tempo nessa sugestão fizéssemos várias resoluções, que não são ainda leis, e nós tivemos uma boa maioria de Parlamentares de todos os partidos - direita, esquerda... Então, na Europa existe um desejo de combater o desmatamento. Isso é muito importante. E a ideia é que, com essa lei, existam incentivos para os nossos parceiros melhorarem as suas leis florestais. E, com esse aperfeiçoamento das leis florestais dos nossos países parceiros, o incentivo para a importação ou a exportação para a União Europeia é bem maior. E, se nós virmos as discussões aqui no Brasil, em que existem projetos de lei que estão enfraquecendo... Mas eu acho muito importante, eu já falei isso na entrevista que nós fizemos anteriormente: claro que os países parceiros precisam receber ajuda financeira, isso está claro já, e eu acho que essa lei vai ser aprovada. É uma lei que tem uma grande maioria na União Europeia. E um último ponto... Eu acho que não vou precisar de 25 minutos, mas o terceiro ponto... Eu mencionei a política de comércio, o green deal. Nós já tivemos muitas discussões sobre o acordo do Mercosul. Eu, no Parlamento Europeu, sou uma das pessoas que aumentou, que fortaleceu esse tema, e eu falei assim: a gente não tem como assinar um acordo que vai provocar mais desmatamento. Aí, a Comissão também falou assim: "não, vamos colocar isso na geladeira". |
| R | Mas claro que eu não quero dizer "vamos parar de cooperar com o Brasil", ou "vamos parar com o comércio com o Brasil". Não queremos isso. Nós queremos um acordo União Europeia/Mercosul, mas queremos um acordo sustentável, e eu não estou vendo sustentabilidade. Por isso, é bom esse texto ainda estar um pouquinho aguardando. Eu acho que o Brasil e a Alemanha ainda precisam trabalhar um pouquinho para fortalecer os padrões de sustentabilidade dentro desse acordo, e essa é a terceira e última mensagem da minha palestra hoje. Eu acho importante termos... conversarmos sobre isso, ainda termos um debate e eu quero levar a ideia brasileira para Bruxelas, e acho que essa dimensão é muito importante para que nós tenhamos a proteção climática e também tenhamos a proteção florestal. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito obrigado à Deputada Anna Cavazzini pela sua explanação e, a seguir, eu já passo a palavra para Marina Piatto. A SRA. MARINA PIATTO (Para expor.) - Boa tarde a todos. Eu gostaria de agradecer, primeiramente, ao Ministro Herman Benjamin: obrigada pelo convite, é muita satisfação estar aqui; também ao Senador Jaques Wagner: obrigada; ao Embaixador da Alemanha, Heiko Thoms: tenho muita admiração pela Alemanha, eu estudei lá quatro anos, fiz meu mestrado lá, tenho muita admiração; e também ao Senador Confúcio Moura: obrigada; e à Deputada Anna Cavazzini: parabéns pelo seu trabalho também. Eu nome é Marina Piatto, eu sou engenheira agrônoma. Estudei, fiz meu mestrado na Alemanha com agricultura tropical e trabalho na Imaflora, que é uma ONG brasileira, de 27 anos, que atua em todo o Brasil na área agrícola e florestal. Imaflora significa Instituto de Manejo e Certificação Agrícola e Florestal, e nós trabalhamos por um manejo sustentável, tanto de produtos madeireiros, não madeireiros, e uma agricultura moderna, sustentável, de baixo carbono. Bom, eu vou falar um pouco sobre os acordos que existem hoje para a produção de commodities no Brasil, e devido à ausência de leis e regulamentações que complementem o Código Florestal, formaram-se, ao longo dos últimos dez, 15 anos, vários acordos no setor privado, com a participação da sociedade civil, o varejo, frigoríficos e também com o Ministério Público Federal. Eu serei bem breve. Vou contar um pouco, assim, para complementar, inclusive, a fala anterior, que faz essa provocação de trazer um pouco a legislação europeia da due diligence, que vai nos provocar a aprimorar as nossas legislações para a produção, não só ao atendimento ao Código Florestal, o que nós estamos vendo que não está sendo suficiente para conter o desmatamento e promover uma agricultura mais moderna. Bom, a indústria da carne bovina, os produtores de gado assim como os produtores de soja e seus compradores vêm sendo chamados a agir há mais de uma década por sua parcela de responsabilidade no desmatamento da Amazônia e do Cerrado; não só pelo desmatamento, mas também trabalho análogo ao escravo e a invasão de terras públicas. As tensões e polarizações, ao invés do diálogo, por muito tempo dominaram as interações entre as partes envolvidas. |
| R | No entanto, esforços conjuntos possibilitam que compromissos fossem firmados. A gente tem a moratória da soja, que já teve, por um momento, a participação do Governo - mas o Governo se retirou desse acordo da moratória da soja, então ficaram as traders de soja e as ONGs -, e também o TAC da Carne, que foi firmado há mais de dez anos junto ao Ministério Público Federal. Com menor ou maior grau de implementação, os acordos estabelecem uma governança para essas cadeias, novas regras, sistemas e procedimentos. Então aí é mais um vínculo. Como faltam regras e leis adicionais ao código, então o próprio movimento multistakeholder acabou definindo novos procedimentos e uma governança autônoma. Mas ainda as falhas persistem e a articulação é necessária constantemente para renovar esses pactos e encontrar soluções mais efetivas. Na cadeia da pecuária de corte, os quatro grandes frigoríficos brasileiros, em 2009, assinaram acordo com o Greenpeace pelo desmatamento zero. Desde 2019, esses procedimentos de controle de desmatamento na cadeia vêm sendo aprimorados. E também, em 2009, o Ministério Público do Estado do Pará elaborou o primeiro acordo público da pecuária, que foi aplicado apenas aos frigoríficos do Pará naquela época. Logo após, veio o TAC do Mato Grosso, em 2013, e o TAC da Carne Legal para toda a Amazônia. Então, esses são os instrumentos efetivos de controle do desmatamento nessas duas cadeias, com vínculo, vamos dizer, seguindo o Código Florestal, mas um pouco acima da legislação. Na cadeia da soja, esse acordo se deu dentro da Abiove e da Anec, que são a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais e Associação Nacional dos Exportadores de Cereais, que assinaram então a moratória da soja 2006. Então, nós já temos aí mais de 15 anos de moratória da soja, que ainda está só na Amazônia. Existe essa provocação de ela se expandir para o Cerrado, onde o desmatamento está avançando, mas, ao mesmo tempo, a governança precisa ser revista a todo tempo. Então, com o enfraquecimento do PPCDAm, com o enfraquecimento do PPCerrado, sistemas de monitoramento, existe uma dificuldade no monitoramento do desmatamento, obtenção de dados e, por consequência, do controle da produção de commodities nessas áreas. No que diz respeito à pecuária, não há dúvidas de que esses acordos tiveram um efeito de frear o desmatamento, embora não tenham sido os únicos responsáveis por esse resultado. Para cumprir essas cláusulas, os frigoríficos e as grandes redes de varejo estabeleceram protocolos individuais de fornecimento de gado. E foi um avanço na agenda, no controle da cadeia. Então, se a gente segue só o Código Florestal e o monitoramento anual, existem várias dúvidas. Por exemplo: onde são as terras indígenas? Elas são demarcadas ou não são? Os rios acabam invadindo as propriedades, mudando os shapes. Então o controle, pelo CAR, é muito complicado, da origem do gado, e também há a questão de a cadeia do gado ser uma cadeia longa: desde a criação do bezerro até o abate do gado, o gado passa por várias propriedades, dificultando essa rastreabilidade. Porém, tanto os frigoríficos quanto o varejo começaram a detalhar esse sistema de monitoramento, cada um do seu jeito. Então, o que aconteceu com o tempo? Foi necessário mudar dois processos para avançar nesse cumprimento desses compromissos voluntários. |
| R | Primeiro, houve a harmonização das regras de monitoramento, de monitoramento do desmatamento e da compra de gado. Então, houve uma necessidade de alinhamento e padronização das três grandes indústrias de carne, principalmente a JBS, a Marfrig e a Minerva, junto com os três grandes varejistas, o Pão de Açúcar, o Walmart (atualmente Big) e o Carrefour. Todos eles se sentaram para harmonizar as regras de monitoramento do desmatamento. Em 2019, o Imaflora criou o programa Boi na Linha - programa que soma esforços com o Ministério Público Federal, a quem interessava haver regras oficiais únicas e aplicá-las em todas as indústrias -, que harmoniza todas essas regras de monitoramento. E, em maio, as regras foram lançadas. Então, todas as indústrias signatárias do TAC têm que seguir essas regras de monitoramento a partir de 1º de julho. O segundo ponto de melhoria foi a construção do protocolo de auditoria, porque as empresas monitoram; com esse monitoramento do desmatamento, elas decidem pela compra ou não desse gado; e, aí, vem a empresa de auditoria e vê se, nessa compra, os limites foram respeitados. Então, agora, nós temos os dois protocolos unificados. Esses protocolos serão alinhados, por exemplo, com o Selo Verde do Pará; eles têm um certo alinhamento com a Moratória da Soja; e busca-se também um alinhamento com a legislação europeia, para facilitar o monitoramento do controle do desmatamento dessa cadeia tão complexa que é a pecuária no Brasil. Outro ponto importante é que, hoje, mesmo com o TAC, que é a maior ferramenta que a gente tem, com o enfraquecimento do Ibama, do ICMBio e com todo esse aparato do Executivo enfraquecido, é fundamental o papel do Ministério Público. Mesmo assim, com o TAC, a gente ainda tem poucos frigoríficos nesse mecanismo. O TAC da Carne já tem mais de dez anos, e 30 unidades frigoríficas nunca haviam sido auditadas. Este ano, com o programa Boi na Linha, foi o primeiro ano de auditoria. Há um desafio enorme, então, de integrar todos os frigoríficos no sistema de monitoramento de compra de gado direto. Aí a gente ainda tem que alavancar o sistema de compra de gado indireto, que são os bezerros, em que está o maior problema do desmatamento. Nesse setor, então, o nó principal continua sendo incluir os fornecedores indiretos nesse sistema, que são os produtores de bezerro. O obstáculo atual é a falta de acesso público a documentos como a GTA, que a Guia de Transporte Animal, e de validação do CAR, Cadastro Ambiental Rural, das propriedades. Esses dois documentos, então, permitiriam a rastreabilidade total da cadeia produtiva e do desmatamento. Hoje, nós não temos acesso integral a esse banco de dados, dificultando muito o controle total desde o nascimento do bezerro até o abate. O poder público, tanto no âmbito dos estados como federal, é uma peça chave para que esses avanços possam acontecer. Um arranjo de múltiplas partes, que possibilite a unificação das informações, com acordos para proteção de dados pessoais e comerciais sensíveis dos fornecedores indiretos, é fundamental para que se possa dar maior escala ao monitoramento. Outro passo é atingir o desmatamento zero, essencial para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Para chegar a esse impacto positivo, os incentivos econômicos e financeiros adequados precisam estar alinhados, como os pagamentos pelos serviços ambientais. A gente precisa avançar também nessa agenda. |
| R | Na soja, a moratória continua sendo um compromisso e um sinal de mercado, fundamental para conter o desmatamento da Amazônia, e poderia ser expandido para o cerrado. Nesse caso o monitoramento do desmatamento é centralizado, agregando pontos de checagem ao longo do processo de controle. Então, na pecuária, cada frigorífico faz o seu monitoramento individualmente, e já, na soja, através da Anec e da Abiove, eles fazem um monitoramento centralizado. No entanto, também são necessários aperfeiçoamentos para a conversão de florestas na área total. Hoje só é monitorada a área em que foi plantada a soja, e não toda a área de desmatamento dentro da propriedade, e também não são monitorados os fornecedores indiretos. Bom, para finalizar, em ambas as cadeias, a importância da coordenação entre os atores públicos e privados é essencial para desatar esses nós. Na moratória, a não participação dos atores governamentais empobrece a negociação e a construção de novas soluções. Especialmente, na pecuária de corte, é necessário colocar em marcha uma articulação público-privada renovada, no intuito de fazer avançar um sistema de controle unificado para o monitoramento, a auditoria e a transparência dos resultados, sem o qual o progresso concreto para a redução do desmatamento, eliminação das ilegalidades e mitigação das mudanças climáticas não será alcançado. Eu queria só finalizar, falando que o lema do Imaflora é: produzir e conservar são os dois lados da mesma moeda. Como foi falado hoje, ao longo do dia, eu conto com a colaboração de todos para nós promovermos uma agricultura sustentável e preservarmos os nossos tão valiosos recursos naturais. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Obrigado, Marina. Terminada essa fase, vamos à fase dos debates. Eu convido a fazer o uso da palavra o Senador Jaques Wagner, caso queira se pronunciar... O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Para discursar.) - Apenas quero agradecer as duas intervenções e dizer à Deputada Anna Cavazzini que, apesar do reclamo de alguns sobre restrições no recebimento de produtos brasileiros que, eventualmente, advenham de áreas de desmatamento, eu considero absolutamente correto, porque eu entendo que, se há uma cadeia produtiva criminosa, seja da madeira, seja da criação de gado - criminosa no sentido de que feita em áreas de desmatamento ilegal -, aqueles que receberem esses produtos, está tipificado no Código Penal brasileiro, serão receptadores. Se alguém compra um roubo, participou do roubo. Eu não estou chamando de roubo, eu estou dizendo, evidentemente, que, se há uma ilegalidade na cadeia, ou seja, porque ela foi feita com desmatamento ilegal ou com uso de eventuais agrotóxicos que não sejam autorizados, ou que sejam autorizados, mas que não sejam autorizados em outras regiões do mundo, eu entendo que é razoável que os países digam "não" a esse tipo de produto. Até porque, para nós, esse é um problema. Ninguém cortaria madeira ilegal se não tivesse um destino; ninguém produziria cocaína, se não tivesse consumidor - e se não chegassem a algum ponto de consumo esses produtos. |
| R | Portanto, peço vênia para não confundirem o que eu estou dizendo, para chamarem que é a agricultura que eu estou dizendo. Mas se há uma ilegalidade na cadeia, quem receber está recebendo algo ilegal e, portanto, fomentando a ilegalidade. É nesse sentido que eu digo que entendo a postura e acho até que ela está correta. Eu não quero participar de algo que contém uma ilegalidade no caminho. O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - O Herman gostaria de fazer algum comentário? O SR. ANTONIO HERMAN BENJAMIN (Para expor.) - Estou muito mais para ouvir e aprender do que propriamente para falar. Esse é um tema muito importante, e dez anos atrás nós não discutíamos a questão da agricultura sustentável e da proteção florestal sob essa perspectiva de produção até o consumo, tampouco discutíamos na perspectiva de integrar o controle estatal com o controle dos atores privados - aqui a cadeia de produção e a cadeia de consumo. Mas é importante realçar, para os nossos colegas alemães e em especial para a Deputada Anna Cavazzini, que essas práticas ilegais prejudicam antes de tudo os produtores rurais brasileiros de uma maneira geral. Há grandes e pequenos produtores rurais que dependem das exportações, que estão cumprindo o Código Florestal - em alguns casos indo além do Código Florestal - e que têm os seus esforços dinamitados, por assim dizer, por uma minoria para quem a lei nada significa, como bem disse o Senador Jaques Wagner e também o Senador Confúcio Moura em outras oportunidades. Portanto, aqui nós estamos falando de proteção não só das florestas brasileiras, mas da pauta de exportação do nosso país. As commodities agrícolas hoje representam um percentual enorme na nossa pauta de exportação. Eu digo para os juízes e os membros do Ministério Público - e eles ficam um pouco surpresos - que os nossos salários dependem hoje do comércio exterior de commodities, porque, se examinarmos as outras áreas de exportação ou de comércio internacional, vamos ver que o Brasil tem um déficit comercial. E o superávit da balança comercial vem da pauta de exportação das commodities agrícolas. Daí a responsabilidade, o carinho com que nós devemos tratar essa galinha dos ovos de ouro. |
| R | O último ponto que eu queria mencionar é que, no campo e especialmente na esmagadora maioria dos exportadores, existe compreensão clara de que é necessário coibir essas atividades criminosas. Então, não há antagonismo, a meu ver, entre esses esforços todos de proteção da floresta e a garantia da pauta de exportação do Brasil. Aliás, nós queremos duplicar, triplicar a pauta de exportação do agronegócio no Brasil, porque nós temos milhões e milhões de hectares - isso foi dito hoje pela manhã pelo Senador, que já foi Deputado tantas vezes também e Governador, Confúcio Moura -, nós temos milhões e milhões de hectares de terra desmatada e não explorada. A Senadora Kátia Abreu, que infelizmente não pôde estar hoje conosco aqui, que é uma das líderes do agronegócio moderno e sustentável, e o ex-Senador Blairo Maggi sempre disseram isto: hoje, no Brasil, não há necessidade de se desmatar 1ha para garantir a pauta de exportação do país, que gera tanta riqueza para todos nós. Então, eu felicito tanto a expositora brasileira como a expositora alemã por trazerem essa perspectiva de que, com muito equilíbrio, muita responsabilidade, é importante que nós trabalhemos juntos para, no caso dos brasileiros, garantir a pauta de exportação do agronegócio e ampliar, multiplicar várias vezes esta pauta. E não me refiro apenas ao grande exportador, eu me refiro à agricultura familiar, aos produtos orgânicos, a tudo aquilo que ainda falta aproveitar, em termos de conquista de mercado, por este país gigante. Não é bem uma intervenção, Senador Confúcio Moura, jurídica, mas tem um componente jurídico, porque o Código Florestal, como lei, acaba sendo apenas uma ferramenta em um conjunto maior de iniciativas, tanto comerciais como tecnológicas e científicas. Parabéns às duas. O SR. PRESIDENTE (Confúcio Moura. Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB - RO) - Muito obrigado, Dr. Herman Benjamin. Entramos agora na chamada da participação dos cidadãos sobre a fala das duas conferencistas, mas, analisando aqui as perguntas feitas por Júlio Chagas, do Rio Grande do Sul; Mateus Oliveira, de São Paulo; Iasmin Kelly, de Sergipe; e Ana Clara, do Distrito Federal, o que eles perguntam não tem nada a ver aqui com o assunto abordado pelas duas conferencistas, e muitas dessas perguntas foram respondidas durante as exposições anteriores. Então, eu quero pedir desculpas a todos e considerem as perguntas já respondidas anteriormente. Desde a Ministra Cármen Lúcia cedo ao Ministro Herman Benjamin já trataram delas todas. |
| R | Eu entro agora numa pequena consideração da minha parte sobre esse tema abordado pelas duas conferencistas ilustres. Primeiro, é uma concepção que há no subconsciente ou no consciente dos produtores rurais brasileiros, de uma parte deles, de que o desmatamento é um fator de desenvolvimento: "vamos desmatar para crescer", "vamos desmatar para prosperar"... E isso não é verdadeiro. E o segundo é de que os fiscais, as pessoas que fiscalizam, as organizações da sociedade civil, enfim, os cidadãos, o Ministério Público, os Parlamentares que defendem o meio ambiente são considerados encrenqueiros, são considerados perturbadores do desenvolvimento, defensores do atraso, conspiradores... Essas palavras são muito ditas. Eu me lembro bem, durante a discussão do Código Florestal, do tanto que a Ministra Marina Silva foi atacada. Eu participei de muitas audiências públicas. Ela era incrivelmente atacada, de uma maneira humilhante até, e ela, com aquela paciência de monge tibetano, conseguia ir atravessando tudo aquilo. O segundo é que os Governadores foram chamados, há mais de dez anos, por uma organização americana chamada GCF, Governadores para o Clima e Florestas, justamente para conscientizar os estados subnacionais, os estados, tanto da Amazônia peruana, da Amazônia equatoriana, como da Amazônia brasileira, e também os outros países que mantêm grandes extensões de florestas, como a Indonésia e outros países, como nós tivemos nessas reuniões, no México e em outras localidades, justamente procurando a participação e a integração de Governadores e Prefeitos na defesa das teses de manutenção da floresta em pé. Posteriormente, mais ou menos, há uns sete anos, os Governadores, aqui, até inspirados pelo Mangabeira Unger, criaram os consórcios de Governadores. E os consórcios de Governadores passaram a discutir, pelo menos os da Amazônia e do Brasil central, os temas ambientais com maior força. Logicamente, mudam os governos, e aí muitos vêm de outras linhas ideológicas e terminam não dando seguimento a esses acordos já firmados internacionalmente. De outro lado, aqui, a nossa palestrante Marina Piatto falou da questão da certificação do boi e da soja, mas eu queria dizer para vocês que há fazendeiros que não têm boi, fazendeiros ricos que não têm fazenda e nem terra. São, posso dizer, entre aspas, "falsos fazendeiros" vendedores de Guia de Trânsito Animal (GTA). Se você precisa vender um boi de uma terra em que é proibida a comercialização, você acha quem lhe forneça a guia. Ele te vende por um preço e consegue legalizar o boi. E há muito - e há muito - fazendeiro sem boi, vendedor de GTA. Da mesma forma, o CAR, o Cadastro Ambiental Rural, hoje está... Nós vimos aqui um debate recente, dirigido pelo nosso Presidente Jaques Wagner, justamente mostrando que o Cadastro Ambiental Rural hoje aceita terras de unidades de conservação nele. Então, como é que a gente pode acreditar na idoneidade do Cadastro Ambiental Rural se o sistema aceita o cadastro falso de terras protegidas? |
| R | Os discursos de governos nas conferências internacionais é uma coisa e a prática é outra. Na ONU, na COP ou numa dessas conferências internacionais é muito fácil ir e falar que o Brasil é exemplar, mas aqui na prática normalmente determinados governos conseguem falar e aqui agir de maneira completamente diferente do que foi falado lá. Há acordos firmados por outros Presidentes no passado que realmente não estão sendo cumpridos. Eu acredito muito no que a Deputada Anna Cavazzini falou aqui: o bloqueio econômico é um fator de controle do desmatamento. Isso não é ruim. Já há aqui no Brasil muitos produtores fiscalizando, protegendo, não é nem o Governo, são os próprios proprietários empresariais que estão já fazendo a coisa certa, já não estão comprando boi de terras compromissadas, erradas, já estão cuidando da rastreabilidade e buscando a certificação que vocês fazem no instituto em que a senhora trabalha. Então, eu acredito que isso vai caminhar para um acesso muito bom, no médio prazo isso vai acontecer. Esses eram os meus comentários. Quero agradecer à ilustre Deputada Anna Cavazzini, do Parlamento Europeu. Eu vi pelas palavras dela que ela realmente pega pesado; ela não brinca em serviço. Está engavetando realmente o acordo com o Mercosul. De certa forma é até necessário enquanto não vir coisas reais acontecendo, fica na geladeira isso esperando uma temporada a mais. Não é hora de votar isso. Ela está fazendo isso lá realmente no Parlamento Europeu. Assim sendo, não tendo mais nada a falar e a comentar, esta mesa se desfaz agradecendo a todos os palestrantes ilustres e convidando o Jaques Wagner, nosso Presidente, para fazer o último painel de encerramento. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Jaques Wagner. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Fala da Presidência.) - Boa noite a todos. Eu quero apenas, nesta mesa de encerramento, mais uma vez, agradecer a todos que se empenharam, agradecer à Embaixada da Alemanha, na figura do Embaixador, e a todos seus funcionários que estão aqui contribuindo; agradecer ao Ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, que é um dos organizadores e participa, no Poder Judiciário, de comissões que dizem respeito ao tema. E agradecer aqui a todos os funcionários, colaboradores, tanto do meu gabinete, quanto daqui da Comissão de Meio Ambiente, sempre muito trabalhadores e muito eficientes no esforço para que nós tenhamos sucesso nas nossas missões. |
| R | Agradeço a todos os palestrantes que aqui ainda estão entre nós, desde a manhã. Foi uma jornada que eu considero muito boa, muito positiva. Quero reafirmar aqui que eu, como democrata, entendo que a civilização precisa vencer a barbárie. E, portanto, eu entendo que a arma da democracia é o diálogo, o bom combate de ideias, o bom combate de argumentos, para que a gente possa chegar ao melhor caminho. Eu repito aqui que, na democracia, ninguém sai com 100%, porque se sair com 100%, alguém saiu com zero, então não é democracia. Não há uma verdade na democracia que esteja na cabeça de um só. A democracia é o que se constrói nos parlamentos, na relação harmônica, respeitosa entre os Poderes, na relação com a sociedade civil, as organizações não governamentais, com empresários, com trabalhadores, com as populações originárias. E é essa a pregação que eu tento fazer cotidianamente aqui na Comissão de Meio Ambiente. Alegro-me muito, eu quero, mais uma vez, agradecer também ao Senador Confúcio Moura, que assim como o Senador Contarato, são duas figuras humanas destacadas, na minha opinião, porque estão na política por convicções e por desejo de fazer o melhor para a comunidade em que vivemos, ou do nosso estado, ou da nossa nação, ou do planeta. E portanto, não fecham os olhos para a realidade. Ele aqui agora, ao final, me revelou algo que eu não sabia. Eu conhecia a certificação ou guia de transporte regular de madeira, porque você pode transportar madeira quando a floresta é uma floresta plantada. E houve uma grande operação no meu estado, quando eu era Governador do Estado da Bahia, porque se vendia guia de transporte de madeira. Alguém artificialmente dizia que tinha uma área de plantio, tirava uma guia, e essa guia ia e voltava. Ia com um caminhão, voltava com outro, ia com um caminhão, voltava com outro. Semelhante ao que V. Exa. colocou aqui sobre a guia de transporte de animais, semelhante. E por isso, eu quero fazer uma audiência pública sobre o Cadastro Ambiental Rural, porque é inimaginável, inconcebível que algo que deveria ser regulador exatamente dessa questão da posse da terra e da questão ambiental, que esteja acolhendo uma ilegalidade, um absurdo provado. Porque como disse o Ministro Herman Benjamin, com a evolução da tecnologia, nós hoje temos ferramentas de sobra para saber onde há fumaça, onde há fogo, onde há devastação. |
| R | Hoje me entregaram aqui os números. Ministro Herman, o desmatamento, de 2019 a 2021, foi 56,6% maior do que o desmatamento entre 2016 e 2018, ou seja, num biênio nós aumentamos em 56,6% o desmatamento. Isso não é retórica, não é teoria, não é o Direito, são fatos que são medidos através de satélites. As terras públicas concentraram 51% do desmatamento do último triênio, sendo 83% delas propriedade, ou melhor, domínio federal; floretas públicas não destinadas somam quase um terço do total desmatado entre 2019 e 2021; a derrubada em áreas protegidas subiu 80%; em terras indígenas tiveram o maior aumento, de 153%; em unidades de conservação 63,7%. Isso, infelizmente, eu sou obrigado a colocar - não se trata aqui de palanque -, é o sinal emitido pelo atual Governo Federal, desde o primeiro dia na cadeira de Presidente da República etc. Porque o Executivo pesa, é ele que vai executar as leis que nós aqui promulgamos. Então, temos um arcabouço jurídico maravilhoso que não é respeitado, que não é cumprido, que não é cobrado. Infelizmente... Eu me lembro de que uma vez, na Alemanha, fui fazer um diálogo, quando eu era Parlamentar, e disse: "Ah, mais aqui a cultura de vocês é outra, por isso vocês são respeitadores". E o meu interlocutor, um Parlamentar alemão, disse: "Isso pode ser uma parte, mas, na verdade, todo mundo cumpre porque dói no bolso descumprir". Então, ou nós temos instrumentos de fiscalização e de cobrança, de punição do que é feito errado, ou fica barato trabalhar na ilegalidade, se nada me é cobrado. Nós temos hoje, no Brasil, 69 milhões de hectares de áreas degradadas, para reafirmar que ninguém precisa mais desmatar para ampliar, basta recuperar áreas degradadas. Com a melhoria da tecnologia, nós podemos fazer demais isso. Então eu queria, mais uma vez, agradecer a todos que se deslocaram de seus Estados ou de seus países de origem, da Alemanha, para contribuir. Eu espero que esse diálogo continue acontecendo para aprimorar a nossa lei. O Brasil é soberano, mas eu acho que o que nós estamos fazendo aqui é intercâmbio de legislação, é intercâmbio de práticas que possamos levar. Por isso, eu digo, não talvez com a mesma contundência, mas repito: eu acho que a Comunidade Europeia também tem o direito de dizer o que quer comer e também tem o direito de dizer que não quer comer produtos advindos da ilegalidade. Não se trata nem de bloqueio, trata-se de dizer: "Isso eu não recebo". Como a gente não comeria carne estragada vinda de um lugar em que você não confia. Isso é educativo, porque, como disse aqui o Senador Confúcio, não vamos generalizar, porque toda generalização é leviana. Nós temos muitos homens e mulheres do agronegócio brasileiro que já estão atualizados em seu pensamento, que sabem que têm que produzir com sustentabilidade. No fórum que eu tenho na Comissão de Meio Ambiente, são vários representantes do agronegócio, só que entenderam que, para terem longevidade nos seus negócios, precisam respeitar regras que hoje estão cada vez mais universalizadas. |
| R | Então, eu queria agradecer a todos. Todo esse material ficará, evidentemente, disponível aqui no site da Comissão para quem quiser a ele assistir ou fazer consultas e eu tenho certeza de que nós, com a colaboração de vocês, demos mais um passo para contribuir para que a gente tenha um ambiente melhor de negócios no Brasil. Muito obrigado. Boa noite a todos. (Iniciada às 9 horas e 13 minutos, a reunião é encerrada às 18 horas e 13 minutos.) |

