30/03/2022 - 2ª - Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojetos de proposições legislativas que modernizem o processo administrativo e tributário.

Horário

Texto com revisão

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A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito bom dia a todos!
Quero cumprimentar todos que estão participando deste evento e também todos que estão nos assistindo e declarar aberta a 2ª Reunião da Comissão de Juristas da Reforma do Processo Administrativo e Tributário, criada pelo Ato Conjunto dos Srs. Presidentes do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal nº 1, de 2022, que institui a Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojetos e de proposições legislativas que dinamizem, unifiquem e modernizem o processo administrativo e tributário nacional.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com a finalidade de receber sugestões da sociedade civil para o aperfeiçoamento dos trabalhos da Comissão.
Como forma de conferirmos mais clareza aos debates, a audiência será dividida em duas partes ao longo do dia: a primeira, das 10h ao meio-dia, tendo como foco o tema Processo Administrativo; e a segunda, das 14h às 16h, que será dedicada ao tema Processo Tributário.
É oportuno destacar que a reunião é realizada de forma remota e transmitida pelo canal da TV Senado no YouTube. Peço inclusive, a propósito disso, para que aqueles que forem se manifestar aqui nesta Comissão não deixem ligado o canal do YouTube porque isso interfere na transmissão do som pela TV Senado. Então, por favor, se estiverem logados no YouTube, saiam para poder, então, entrar na nossa reunião.
Os cidadãos interessados podem enviar suas contribuições, por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidaddania, ou pelo telefone 0800 0612211, que serão recebidas na forma de consulta pública até o dia 6 de maio de 2022. Também as perguntas...
(Falha no áudio.)
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O SR. MARCOS PEREZ - O meu áudio caiu aqui.
O SR. ALEXANDRE AROEIRA SALLES - O meu também.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Então, eu estou, portanto, destacando e enaltecendo a transparência dos trabalhos da Comissão e a importância de recebermos contribuições de toda a sociedade para que o resultado que nós possamos alcançar seja o mais legítimo e democrático possível. Por isso, exorto a todos os interessados a participarem conosco.
Muito bem, nesta audiência pública de hoje, quanto ao uso da palavra, eu primeiramente vou passar a palavra ao Relator da Subcomissão de cada tema por alguns minutos e depois, como todos os senhores já estão cientes, cada especialista terá o tempo máximo de dez minutos para expor as suas ideias.
Eu agradeço a presença de todos os integrantes da Comissão aqui presentes, igualmente das senhoras e dos senhores convidados como painelistas, para esse primeiro módulo dos trabalhos dedicado ao tema do Processo Administrativo.
Feito isso, eu vou então passar a palavra, primeiramente, ao Dr. Valter Shuenquener, que é o Relator da Subcomissão do Processo Administrativo, que é o tema da nossa manhã de hoje.
Então, passo a palavra ao Dr. Valter para aquilo que entender necessário.
Obrigada.
O SR. VALTER SHUENQUENER DE ARAÚJO - Inicialmente, bom dia a todos e a todas.
Muito obrigado, Ministra Regina Helena, Presidente da nossa Comissão de Juristas.
Eu, de maneira muito breve, gostaria de inicialmente cumprimentar todos os integrantes da Comissão de Juristas e, em especial, pela temática que será apresentada na manhã de hoje.
O Relator do Processo Administrativo Tributário é o Prof. Dr. Marcus Lívio Gomes, e os que estão na Subcomissão de Processo Administrativo são: Prof. Alexandre Aroeira Salles, Prof. Gustavo Binenbojm, Profa. Patricia Ferreira Baptista, Prof. Maurício Zockun, Prof. Flávio Amaral Garcia e Prof. Andre Jacques Luciano Uchôa Costa.
Faço também um agradecimento muito especial a todos os professores que aceitaram de imediato o convite para serem painelistas no dia de hoje. Tenho certeza de que a contribuição teórica de todos os senhores, que fazem parte - isso é preciso registrar - da elite intelectual brasileira nos temas do Processo Administrativo e do Processo Administrativo Tributário, será fundamental para o bom desenvolvimento das atividades da Comissão de Juristas criada conjuntamente pelo Senado Federal e pelo Supremo Tribunal Federal.
Todos sabemos que o Processo Administrativo brasileiro precisa urgentemente ser aprimorado. O recebimento de sugestões e o recebimento de propostas em um ambiente democrático e plural, como o desta audiência pública, contribuirá sobremaneira para o incremento da qualidade e legitimidade das propostas a serem apresentadas pela Comissão de Juristas ao Congresso Nacional.
Desejando a todos que o dia de hoje seja muito produtivo e muito enriquecedor, gostaria de devolver a palavra à Presidente da nossa Comissão para a condução dos trabalhos.
Um bom dia a todos.
Muito obrigado.
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A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Dr. Valter. Tenho certeza de que a relatoria da subcomissão está em excelentes mãos.
Vou passar, então, a palavra ao primeiro especialista que vamos ouvir hoje nesta manhã dedicada ao tema Processo Administrativo, Dr. José Roberto Pimenta, que é Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Procurador da República e Presidente do Instituto de Direito Administrativo Sancionador.
Com a palavra o Dr. José Alberto Pimenta, agradecendo a aceitação do convite para participação nesta audiência pública, pelo prazo de dez minutos.
O SR. JOSÉ ROBERTO PIMENTA - Bom dia a todos.
Minhas primeiras palavras são de agradecimento por poder participar desta audiência pública junto a esta Comissão que tem essa relevante função de aprimorar e atualizar as nossas normas gerais do processo administrativo.
Cumprimento todos os membros da Comissão na pessoa da nossa querida Presidente, Ministra do Superior Tribunal de Justiça e Professora Regina Helena, e também do Prof. Valter, nosso Relator da temática.
Cumprimento também todos os palestrantes na pessoa da nossa querida Rita, Profa. Rita, colega de Ministério Público, do Ministério Público da Bahia.
Vou segmentar a minha participação aqui com o tema do processo administrativo sancionador, na medida em que a legislação atual geral, a Lei 9.784, basicamente se dedica a um único dispositivo nessa matéria.
E me parece que, ao longo desses quase 34 anos de estado constitucional, hoje nós já temos maturidade, conhecimento e, inclusive, vivência do tema que nos permitam expandir e aperfeiçoar as normas gerais sobre o processo administrativo sancionador dentro do contexto desse futuro anteprojeto que vai tratar do tema em nível federal.
Então, parto da premissa de que o Direito Administrativo Sancionador, na atualidade, é reconhecidamente um campo relevante para efeito de tutela do interesse público, num contraponto com o Direito Penal, dentro da atividade sancionadora do Estado, de modo que, a meu ver, o anteprojeto pode seguir numa trajetória de estabelecer normas gerais sobre assuntos relevantes em matéria de Direito Administrativo Sancionador na esteira de várias legislações existentes.
Esse tipo de reforma não é uma novidade no próprio Direito brasileiro, porque o Direito brasileiro contém normas de processo administrativo geral, sobretudo em nível de estados, que trazem uma regulamentação maior, mais densa, mais extensa. E aqui eu cito, para homenagear, a legislação de São Paulo, de Pernambuco, do Amazonas, do Rio Grande do Norte, do Rio de Janeiro, da Bahia da Dra. Rita, do Pará, do Paraná do Prof. Egon, que trazem normas mais amplas, mais extensas sobre a matéria e podem inspirar certamente o trabalho da Comissão.
Da mesma forma, em termos de experiência mundial, nós também já temos diversas legislações que podem contribuir para essa reflexão no âmbito desta Comissão, e eu destacaria duas experiências relevantes, ambas do Direito espanhol. A primeira é a lei geral que trata do regime jurídico da instituição pública e do procedimento legislativo comum, e há também a lei específica de uma comunidade autônoma, que é uma lei geral de processo administrativo sancionador e que é muito interessante.
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Também acredito que, no anteprojeto, após, vão ser lançadas as diretrizes gerais sobre dois grandes temas: sejam normas que tratam de direito material, da existência dessas competências produtivas, sejam normas que tratam da relação processual que vai ser estabelecida para a produção desse estado.
Então, acredito que é o momento de se lançar ali o conteúdo mínimo de princípios que todos nós sabemos que estão no plano constitucional, mas nada impede - pelo contrário, tudo recomenda - que, no plano infraconstitucional, essa nossa legislação geral possa trazer na medida em que isso possa encerrar ou contribuir para reduzir incertezas e controvérsias nas matérias que estão relacionadas com esses princípios constitucionais. Então, me parece, sim, que podemos pensar em uma regra geral que traga ao conteúdo desses princípios.
Do ponto de vista material, o princípio da legalidade, o princípio da tipicidade, a delimitação do princípio da culpabilidade - e aí você vê a excepcionalidade da responsabilidade objetiva -, o princípio da irretroatividade, o princípio da retroatividade da norma mais benigna - sabemos que, ao longo desse tempo, inúmeras legislações setoriais foram aprovadas em matéria de Direito Administrativo Sancionador; sabemos que hoje nós temos um problema seriíssimo de retroatividade da Lei de Improbidade Administrativa, mas nós não temos legislação geral que trate desse tema da retroatividade de forma genérica, permitindo uma melhor compreensão do tema -, normas materiais sobre a vedação ao bis in idem, normas materiais sobre a prescritibilidade das funções, tudo isso seria muito bem-vindo para conferir maior segurança jurídica nessa relação sancionadora entre o estado e a pessoa física ou a pessoa jurídica que vão ser sancionadas, como forma de tutelar interesses.
Também acredito que, nessa legislação geral, Exma. Ministra, nós possamos avançar também e deixar meramente aquela experiência de estabelecer um rito comum, como se vê em várias legislações estaduais gerais. Nós podemos avançar e podemos dissecar mais em termos gerais o próprio princípio do devido processo legal, essa procedimentalização, a ampla defesa e o contraditório, a boa-fé, a motivação.
Podemos também tratar do tema mais aprofundado da imparcialidade, do tema da vedação a provas ilícitas, do tema da garantia da presunção de inocência, tão importante, relacionado com o ônus da prova, do tema relacionado à segregação de funções, que é algo que está aí premente, uma demanda presente a se fazer, em termos de instrução e de julgamento desses processos sancionadores que precisam ser dirigidos para órgãos distintos, além de normas gerais sobre recursos e normas gerais, admitindo e procedimentalizando a consensualidade no campo do Direito Administrativo Sancionador.
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Então, nesse tempo que me resta, eu destaco aqui alguns pontos interessantes. Por exemplo, da lei de São Paulo, eu destaco o tema necessário da disciplina de medidas cautelares; da lei de Pernambuco, eu destaco a necessidade de um capítulo para tratar do processo de execução das sanções, e não só um capítulo para a produção das sanções; da lei do Amazonas, eu destaco a participação do assessoramento jurídico de cada entidade no processo administrativo sancionador, acho isso de uma importância fundamental no Estado de direito; do Rio Grande do Norte, eu destaco a necessidade de uma melhor delimitação sobre publicidade e sigilo desse processo, já que não só a acusação, como o próprio ato sancionador produz um efeito importante na esfera jurídica que é sancionada; do Rio de Janeiro, há um capítulo magnífico que existe na lei estadual sobre dosimetria de sanções, Prof. Valter, há um capítulo magnífico da legislação estadual que pode muito bem ser espelhado e aprofundado nessa lei; da Bahia, há um tratamento cuidadoso de causas de unidade do processo administrativo sancionador, seria muito interessante de a gente ter; da lei do Pará, há o tema instigante e muito delicado das denúncias anônimas, que geram o início desse processo; e por último, da lei do Paraná, há um capítulo formidável que a lei do Paraná trouxe sobre o termo de ajustamento de conduta, que é o termo que trata da contextualidade, já que nesse momento nós estamos vivenciando um forte movimento de pragmatismo e de consequencialismo em toda a atividade administrativa, e isso se reproduz no Direito Administrativo Sancionador. Essas normas gerais desse anteprojeto certamente, em alguma medida, imagino que devam tratar desse tema do conceitualismo com muito cuidado.
Então, assim de forma muito clara e objetiva, eu imagino que, nos próximos anos, o Brasil ainda vai viver o fenômeno de despenalização e descriminalização, que ainda não viveu e que outros países já viveram, o que reforçou o Direito Administrativo Sancionador. Eu espero que, para enfrentar esse cenário futuro, nós tenhamos uma lei geral ao alcance dessa missão. E tenho a certeza de que esta Comissão terá êxito completo em cumprir essa tarefa de oferecer à sociedade brasileira um anteprojeto que possa lhe dar (Falha no áudio.)...
Então, eu quero agradecer novamente o convite. Para mim é uma honra poder estar aqui, ao lado de todos esses professores, renomados professores nessa matéria, também estar aqui revendo muitos desses professores e também revendo V. Exa., a quem eu devolvo a palavra, Ministra.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Nós é que agradecemos, Prof. José Roberto, por essas lições e essas chamadas, especialmente à legislação. Esse passeio pela legislação dos vários estados, com as contribuições, com os aspectos positivos, certamente nos será de muita valia. Muito obrigada pela sua participação.
Muito bem, eu vou, então, dar sequência.
E agora eu passo a palavra a Dra. Rita Tourinho, que é Promotora de Justiça do Estado da Bahia e Professora de Direito Administrativo na Universidade Federal do mesmo estado. Está com a palavra, Profa. Rita Tourinho, agradecendo, claro, uma vez mais, a aceitação do convite e relembrando-a do nosso exíguo prazo de dez minutos para manifestação.
Obrigada.
A SRA. RITA TOURINHO - Obrigada, Ministra.
Eu quero cumprimentar a todos e a todas, na pessoa da Ministra Regina Helena, e dizer que é um grande prazer estar aqui, entre grandes administrativistas, muitos amigos, inclusive; e também parabenizar por esse momento que permite uma democracia participativa. Acho que o Brasil caminha em direção a essa democracia participativa, essa democracia substancial. E momentos como este apenas refletem que isso efetivamente vem ocorrendo no nosso país.
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Eu vou até deixar de me ater a alguns pontos que brilhantemente o Prof. Pimenta já colocou, até pela exiguidade do prazo.
Concordo que nós precisamos urgentemente de uma reforma da lei de processo administrativo federal - e quando nós observamos a amplitude das legislações, como elas caminharam e como ficou a lei de processo administrativo federal, isso é mais premente ainda. Eu acho que as legislações estaduais, inclusive, avançaram muito timidamente - talvez pela falta desse carro-chefe da lei de processo administrativo federal à frente dessas alterações.
Eu concordo plenamente com que o Prof. Pimenta falou com relação à necessidade da regulamentação do processo administrativo sancionador, inclusive dentro da própria lei de processo administrativo, no geral. E tenho, assim, algumas observações - eu vou deixar essa do processo administrativo sancionador para o final porque o Prof. Pimenta já fez excelentes observações -, mas algumas contribuições que eu acho importantes, alguns pontos que são de enfrentamento necessário para uma lei de processo administrativo moderna.
Primeiro, a questão da solução consensual de conflitos, que o Prof. Pimenta também traz. A administração pública pode estar à frente de conciliação, inclusive de mediação em processos administrativos. E, no termo de ajustamento de conduta, é importante que haja previsão - acho isso indispensável hoje, inclusive para estar em coerência com o próprio Código de Processo Civil, art. 126 da Lindb, que traz. E inclusive até ponderamos se esse termo de ajustamento de conduta é realmente somente para prevenir ou corrigir legalidades, já que ele pode garantir também, dentro do próprio processo, uma maior eficiência da atuação administrativa e até a retirada de obscuridades - como está em consonância com o art. 26 da Lindb.
Outra coisa é a questão das regras do processo digital. O processo hoje é um processo todo digitalizado. Assim, nós temos que ter muito cuidado. Existe uma lei espanhola recente com relação à digitalização de processo que fala de que, quando se trata de pessoa física, esse processo ainda pode ser proposto em meio físico e digitalizado. E nós temos uma série de preocupações com relação, muitas vezes, à abertura de processo somente através de meios digitais. Então, isso é uma observação que eu gostaria de trazer.
Outra coisa também é a questão do negócio processual administrativo. Nós temos hoje negócios processuais atípicos do art. 190 do CPC, e eu acho que está na hora de nós pensarmos também nos negócios processuais administrativos - o Prof. Egon tem um artigo muito bom sobre isso. Isso também estaria em consonância com o art. 27, §2º, da Lindb.
Quanto à questão das audiências e consultas públicas, nós já temos uma previsão hoje na lei de processo administrativo federal. Eu acho que apenas se deve adaptar para questões digitais, mas eu acredito que, até pela questão da participação popular, poderia ser destacado um capítulo para as audiências e consultas públicas, diante da importância hoje no cenário nacional.
A questão do dever de decidir, o silêncio administrativo: vai existir alguma consequência para o silêncio? A Lei de Liberdade Econômica hoje já traz o silêncio positivo, e nós temos até uma situação interessante, porque, antes, a não decisão de processos administrativos, o não atendimento no prazo, muitas vezes levava até a uma representação de improbidade ou no Ministério Público ou na própria administração pública, o que hoje, inclusive, não é possível, pela reforma da Lei de Improbidade Administrativa.
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Então, não seria o caso de se pensar em um silêncio, em uma consequência positiva, o chamado silêncio positivo, no caso de solicitações referentes a atos vinculados ampliativos de direito - é claro que isso estaria dentro de requisitos de instrução, que teriam de ser observados - e até mesmo na própria possibilidade de suspensão desse prazo em situações anômalas? A Lei de Liberdade Econômica traz situações bem interessantes, que acho que poderiam ser, sim, pensadas para a questão do processo administrativo.
Outra situação também que eu acho interessante é a questão de um capítulo que tem que falar da decisão... Na questão da fundamentação da decisão, a gente tem os arts. 20 e 21 da Lindb, mas eu acho que deve haver um esclarecimento de como devem ser decididos os processos administrativos. Nós temos uma deficiência nessa parte do processo. Eu acho que poderia ser feito um estudo, inclusive, juntamente com o Código de Processo Civil. O art. 489 do CPC, §1º, traz o que não seria uma decisão fundamentada.
No caso do processo administrativo sancionador, Prof. Pimenta, nós temos ainda também a necessidade de individualização das sanções, que é uma prática, inclusive, que há pouco tempo foi realmente observada nos próprios processos administrativos, em processos judiciais, em processos de improbidade, que, efetivamente, até não traziam essa individualização que hoje traz a própria lei.
Também eu queria trazer um ponto aqui, que é o art. 27 da Lindb. O art. 27 fala em prejuízos anormais e em vantagens indevidas de processos, dos processos administrativos. A questão é: como é que a lei de processos administrativos federal chegará e trabalhará com esse art. 27? Simplesmente será omissa quanto a essa situação? Confesso que é um dispositivo com o qual tenho algumas dificuldades de trabalhar, mas eu trago isso aqui como ponderação também.
Com relação ao processo administrativo sancionador, eu concordo com o Prof. Pimenta. Acho que nós temos princípios específicos que devem ser observados, como o princípio da atipicidade, porque o da legalidade já é um princípio genérico. Mas há o princípio da atipicidade, o princípio da norma posterior mais benéfica, do non bis in idem, que também é uma questão muito importante, que é um princípio que tem que ser observado, bem como a forma de instauração, a possibilidade de representação para a instauração do processo administrativo sancionador, com observância dos requisitos. No caso de não observância dos requisitos, poderia ser rejeitado, mas lembrando também que, uma vez preenchidos os requisitos de uma representação no processo administrativo sancionador, necessariamente tem que haver essa apuração.
Há a questão das medidas cautelares. Quanto às medidas cautelares, eu abro até uma discussão mais ampla. As medidas cautelares, ou melhor, as tutelas provisórias administrativas estariam restritas ao processo administrativo sancionador? Ou eu poderia pensar em tutelas provisórias ou medidas cautelares, como queiram, administrativas para o processo administrativo federal de uma forma mais genérica? Eu acho que são pontos que, efetivamente, têm que ser enfrentados, porque, como se falou aqui, nós não podemos perder a oportunidade de enfrentamento de questões que não são tão simples, mas que necessitam efetivamente desse enfrentamento.
No processo administrativo sancionador, quanto à sindicância, no caso a sindicância investigativa, é importante que haja essa previsão. Muitas vezes, nessas representações, mesmo quando de ofício, você não tem elementos suficientes para o processo. Há uma necessidade desse processo.
Há a questão da defesa principalmente no processo administrativo sancionador, mas no processo administrativo como um todo. Nós falamos muito disso, do princípio do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, que são princípios genéricos do Direito Administrativo e do processo administrativo que não podem ser deixados de lado, com certeza.
E há uma situação também... Nós vamos aguardar esta definição se a improbidade administrativa será também apurada pela administração pública, na forma como houve a liminar recente do Supremo Tribunal Federal.
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Entendo que, no caso da improbidade administrativa na forma colocada agora, necessária se fará uma atenção mais específica, mesmo porque nós estamos trabalhando com o elemento dolo no caso, não é? E lembre-se de que, na ação de improbidade, algumas vezes se fala, inclusive, em dolo específico, que não é a mesma coisa do dolo genérico, que se trabalhava anteriormente. Daí a necessidade de, avançando-se nessa situação, utilização da chamada prova emprestada, que também é um enfrentamento que vai ter que ser efetivado, enfim.
Eu trago... Inclusive quero dizer, Ministra, que eu fiz até alguns arrazoados, fiz alguns artigos, contra-arrazoados que eu posso passar, posteriormente, para a Comissão. De início, a pretensão foi trazer mesmo essas inquietações, que eu acho que não são só minhas, são de todas. Este é o momento de enfrentamento dessa questão. No que, efetivamente, nós pudermos crescer no caso do processo administrativo, e crescer até em algum momento de forma mais ousada, eu acho que ganha a administração pública, ganha a coletividade, ganha o Brasil, porque eu acho que a não judicialização, que é uma coisa que nós vimos que é tão importante, dentro dessa guerra de um processo administrativo eficiente, nós também teremos ainda essa vantagem.
Então, eu queria agradecer a todos e devolvo a palavra à Ministra Regina Helena.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Profa. Rita Tourinho. Eu realmente estou impressionada com a quantidade e com a qualidade das ideias que V. Exa. nos trouxe aqui. Realmente é impressionante! Eu acho que essa contribuição vai ser muito, muito importante. Agradeço e espero mesmo que a senhora mande por escrito todo o material que já teria pronto para nos oportunizar. Muito obrigada.
Eu vou dar sequência, então, chamando outra professora, a Profa. Vivian Cristina Lima Lopes Valle, que é Professora Titular de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Agradeço também à Profa. Vivian a participação, a aceitação do convite. Sei que todos estão dispondo do seu tempo, das suas reflexões para poder participar. Agradeço-lhe uma vez mais, ressaltando também o prazo de dez minutos.
Muito obrigada.
A SRA. VIVIAN CRISTINA LIMA LOPEZ VALLE - Inicio aqui, Sra. Ministra, agradecendo a oportunidade de poder colaborar com esta Comissão de Juristas criada para receber contribuições da sociedade civil sobre a reforma de processo. Acredito que é uma oportunidade importante de apontar, como sociedade civil e como interlocutora acadêmica, a necessidade de aperfeiçoamento da normativa federal, pelo que agradeço, em especial, o convite formulado. E, na sua pessoa, cumprimento todos os demais membros da Comissão também. Cumprimento os demais colegas professores, juristas e também todas as senhoras e senhores que nos assistem pela TV Senado.
Tentando ser aqui objetiva e imaginando o máximo aproveitamento deste momento, eu preparei algumas sugestões que são fruto da minha percepção enquanto Professora de Direito Administrativo e advogada, operadora do direito, atuante no processo administrativo em eixos temáticos.
Vou fazer o compartilhamento de tela para que a gente possa... Eu não tenho... Ah, está desativado o compartilhamento. Posso falar diretamente também, sem problemas, se ficar melhor.
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O SR. MARCUS LÍVIO GOMES - Já está na tela.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Já está na tela. Nós estamos vendo.
A SRA. VIVIAN CRISTINA LIMA LOPEZ VALLE - Já está na tela? Ótimo.
A proposta inicial - se puder passar, então, o primeiro eslaide...
O primeiro eixo é a administração pública digital.
Vejo como muito importante a necessidade de previsão e regulação dos processos administrativos digitais e da utilização de meios eletrônicos e de tecnologia, especialmente considerando regras de garantia de acesso universal, transparência e devido processo legal. É importante que a normativa federal olhe para as demais legislações que estão tratando, regulando tomada de decisão artificial, regulando processos eletrônicos. Essa é uma realidade que se coloca, e nós precisamos olhar com atenção a questão do acesso em especial.
Entendo ser importante que a lei trate dos processos de tomada de decisão assistidos por inteligência artificial, especialmente estabelecendo um regime jurídico que possa regrar o uso indevido da tecnologia, eventuais preconceitos e desvios.
O próximo eixo seria o da segurança jurídica.
Aqui me parece importante, assim como a Profa. Rita e o Prof. José Roberto mencionaram, a incorporação de regras de segurança jurídica previstas na Lei 13.655, de 2018, e trago também como exemplo a lei paranaense de processo administrativo. E aqui, em especial, destaquei dois pontos que me parecem importantes: a consideração das circunstâncias práticas que levam à tomada de decisão; e também a importância de a revisão, quanto à validade de ato, contrato, processo, respeitar orientações vigentes à época - isso também está na fala da Profa. Rita e do Prof. José Roberto.
Entendo ser importante a nova normativa tratar da possibilidade de edição de ato administrativo normativo com efeitos vinculantes para aplicação de decisão judicial definitiva com efeitos erga omnes.
E ainda há necessidade de uma previsão de dever, e não de faculdade de convalidação dos atos, quando estamos tratando do regime de nulidades, lá no art. 55.
O próximo eixo é o do regime disciplinar.
Entendo como sendo bastante relevante uma... Assim com o Prof. José Roberto detalhou e fez uma explanação de toda a legislação brasileira e nos diferentes estados, entendo ser importante uma disciplina específica e diferenciadora do regime de sindicância do processo administrativo disciplinar - hoje isso não existe -, com uma definição de rito específico, com uma definição da composição dos membros da comissão processante, os requisitos e quais são suas atribuições.
Acho importante uma reflexão sobre a reformatio in pejus, prevista no art. 64 da lei, e as consequências aqui para o devido processo legal, entendendo que deveríamos retirar esse dispositivo da norma.
Acho importante também haver uma previsão de prazo para efeitos das consequências restritivas decorrentes da instauração de um PAD - há uma grande judicialização em relação a isso -, porque há efeitos em relação a férias, promoções, exoneração, aposentadoria. A regulação do prazo máximo em que esses efeitos podem estar vigendo é importante, e a disciplina de prazos máximos gerais dentro de um processo administrativo disciplinar.
E parece-me importante um melhor detalhamento do regime de sanções, com graduação e dosimetria definida.
O próximo eixo que me parece importante de ser pensado é o de controle e apuração de responsabilidade do gestor.
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Aí, entendo importante um regramento sobre apuração de responsabilidades que traga os avanços que a Lei 13.655 pontuou no ordenamento jurídico e também que olhe um pouquinho para a normativa da improbidade, mais ou menos na esteira do que a Profa. Rita colocou. Também considero importante uma disciplina específica sobre tomada de contas especial junto ao Tribunal de Contas da União para normatizar as questões que envolvem o devido processo legal.
O eixo seguinte... No total são sete eixos, então eu estou quase... Ou eixo seguinte seria o eixo dos meios consensuais de resolução de conflitos, em que entendo importante uma disciplina, assim como a Profa. Rita pontuou, geral de celebração de termos de ajustamento de conduta, com definição de critérios mínimos para que isso aconteça. Hoje, nós temos ali diferentes normativas administrativas - e, em alguma medida, normativas que são, inclusive, conflitantes. Então, há necessidade de normas gerais estabelecendo aqui as hipóteses de consensualismo e de ajustamento de conduta. Aqui também me parece importante uma regulação dos processos administrativos envolvendo mediação e autocomposição administrativa, trazendo um pouquinho da Lei 13.140, de 2015, numa perspectiva, inclusive, de regulação no ambiente regulatório, dos processos administrativos regulatórios.
E o último eixo seria o eixo do rito processual. Aqui, a minha sugestão, a minha contribuição seria: uma revisão do modelo de contagem de prazos para o estabelecimento de contagem de prazos em dias úteis; uma melhor disciplina da preclusão administrativa; uma previsão de comunicação de atos por meios digitais - e-mails, aplicativos de mensagens - com garantias mínimas, com o estabelecimento de formalidades, de modo a respeitar o devido processo legal. Há hoje uma utilização já em escala desses meios, com muito pouco regramento e certa fragilidade dos meios de defesa dentro desses processos.
Sugiro também uma alteração do art. 49 da lei para incluir responsabilidade em caso de omissão ao dever legal de decidir - a Profa. Rita apontou isso na sua fala também. Entendo importante a regulação dos efeitos da omissão na tomada de decisão administrativa, especialmente quando as decisões são benéficas - e aqui eu me alinho à Profa. Rita -, mas também nas situações em que há eventual prejuízo para os cidadãos; entendo importante um incremento no capítulo da motivação para a inclusão expressa da teoria dos motivos determinantes no regime de motivação previsto no art. 50; e considero, ainda, relevante a inclusão de uma disciplina para o incidente de falsidade documental, que já está prevista também na Lei de Processo e é relevante para o contexto da administração pública no ambiente processual.
Essas são, então, as minhas considerações gerais - e aqui poderia ser interrompido o compartilhamento da tela.
Eu procurei sistematizar em sete eixos, Ministra, com uma abordagem mais ampla, não apenas focando um determinado aspecto. O meu lugar de fala é de professora, há 25 anos, de Direito Administrativo e de advogada. Então, o meu olhar é um olhar daquele que litiga com a Fazenda Pública e encontra dificuldades no cotidiano dessa atuação.
É interessante que a Comissão é muito plural: nós temos o Ministério Público aqui representado, o Judiciário representado, a advocacia representada, a sociedade civil de maneira geral. Então, esses diferentes olhares vão, com certeza, produzir um resultado muito satisfatório.
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Eu quero mais uma vez agradecer a oportunidade de estar aqui, como advogada e como professora, ao lado de colegas tão renomados, aprendendo também um pouco e escutando aquilo que está sendo proposto, e procurando contribuir aqui para o aperfeiçoamento da lei, parabenizando a Doutora e todos da Comissão.
Eu devolvo a palavra, então, e agradeço mais uma vez.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Profa. Vivian. É um prazer tê-la aqui na Comissão e a sua visão abalizada certamente irá acrescentar muito aos trabalhos da Comissão. Todos já estão percebendo que não faltam pontos sobre os quais nós teremos que refletir, no intuito de propor aperfeiçoamento a toda essa legislação.
Muito obrigada.
Eu passo então adiante e chamo mais uma professora, agora, Dra. Cristiana Fortini, que é Professora de Direito Administrativo da Universidade Federal de Minas Gerais e também Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA), agradecendo a aceitação do convite, agradecendo sua colaboração, já de antemão, e recordando do prazo de dez minutos para manifestação.
Muito obrigada.
A SRA. CRISTIANA FORTINI - Obrigada, Ministra. Fico muito feliz de vê-la nos conduzindo, nos liderando, especialmente no mês da mulher. Fico realmente muito honrada de poder ser conduzida por V. Exa.
Quero também cumprimentar o Dr. Valter e meus colegas que me antecederam e que já apontaram uma série de sugestões que facilitam, obviamente, a minha exposição.
Eu quero focar em alguns pontos e ser extremamente objetiva. Quando nós falamos de processo administrativo, especialmente considerando o texto da Constituição, nós estamos falando não só em processos administrativos os quais podem gerar punições, e aí há uma necessidade óbvia de se reformular a Lei de Processo Administrativo, para que sejam incorporados todos os princípios do direito sancionador, como já expuseram os professores que me antecederam, mas nós também estamos falando em processos administrativos que são instaurados a pedido dos próprios cidadãos ou das pessoas jurídicas, que esperam um pronunciamento da administração pública. E uma das grandes mazelas que a gente percebe hoje no funcionamento da administração pública reside substancialmente nessa ausência de capacidade decisória de uma devolutiva àquilo que o cidadão postula junto à administração pública, ainda que a devolutiva seja uma rejeição ao pedido que foi formatado.
Nós precisamos avançar muito nessa matéria do dever de decidir, que foi tratada de maneira muito simplista pela Lei nº 9.784, entendendo-se também que àquela época a lei foi até onde era possível ir. Nós estávamos em 1999 e já evoluímos demais de lá para cá. Então, falar do dever de decidir, que uma vez descumprido gera uma responsabilização dos agentes públicos, é insuficiente, porque o que interessa, ao fim e ao cabo, para aquele que postula algo perante a administração pública, é uma resposta.
Nós tivemos um avanço importante na Lei de Liberdade Econômica, não só na lei, mas no decreto que a regulamenta, que tentou preservar obviamente um espaço para que a administração pública, a posteriori, continue a fiscalizar o comportamento do particular, faça recomendações e até determine que o particular cumpra determinadas condições para o funcionamento da atividade econômica, já que é a isso que a lei se refere, e poderíamos, a partir daí, expandir esse olhar para uma regra geral de processo administrativo.
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Portanto, eu acho que a gente precisaria focar neste artigo, no art.48, e no art. 49 como artigos que condensam essa matéria do dever decisório e também considerar o que diz o art. 42.
O art. 42, quando fala de pareceres vinculantes, pareceres não vinculantes, ou melhor dizendo, pareceres obrigatórios de natureza vinculante ou de natureza não vinculante, faz uma opção de paralisar o processo administrativo, o fluxo do processo administrativo no caso em que um parecer obrigatório e vinculante não seja emitido no tempo fixado para a sua deliberação. Então, o particular, que nada tem a ver com a letargia administrativa, que nada tem a ver com as dificuldades administrativas, fica à mercê de uma vontade ou fica à mercê dessas deficiências de composição administrativa porque o processo dele não vai caminhar considerando o que a lei hoje preconiza. Ela preconiza que, nesse caso do parecer obrigatório e vinculante, simplesmente se pare o processo administrativo e faz uma opção diversa para casos de pareceres obrigatórios e não vinculantes.
Ora, se os pareceres são obrigatórios, em tese, a gente poderia até cogitar que, de fato, não seria possível avançar no processo administrativo pela falta desse documento essencial, mas, se o legislador - e me parece correto - fez uma opção de que o processo vai avançar, sim, mesmo faltante o parecer obrigatório quando ele é não vinculante, o que justificaria que esse processo não avançasse no caso de pareceres obrigatórios vinculantes? O maior problema, o maior desafio não estaria na natureza vinculante ou não vinculante do parecer. Na minha avaliação, o maior desafio estaria na natureza de que o parecer é obrigatório, mas, se o legislador já avança quando é obrigatório e não vinculante, ele deveria também propor que o processo avançasse na hipótese de um parecer obrigatório e vinculante.
No que diz respeito aos acordos, que também já foram mencionados aqui pelos professores que me antecederam, nós temos que considerá-los, sejam acordos substitutivos de sanção, sejam acordos com outro viés, como institutos gerais do processo administrativo. Nós temos os acordos tratados em leis esparsas, temos os acordos inclusive referidos na Lindb, mas a Lindb fala de uma maneira geral e não avança, até porque houve veto específico no que diz respeito à questão da sanção, de maneira cristalina e de maneira textual para falar para os gestores, induzir os gestores, estimular os gestores a considerarem no seu dia a dia os acordos como uma alternativa de gestão.
É preciso municiar o administrador público de instrumentos, de ferramentas as mais diversas com as quais ele possa salvaguardar o interesse público, e o interesse público está na solução do problema, não necessariamente na aplicação de medidas unilaterais. E os problemas são das mais diversas naturezas; são sancionatórios, mas não são só sancionatórios. Pensarmos nos acordos como instrumentos gerais do processo administrativo significaria dizer para os gestores, do Oiapoque ao Chuí, que eles têm também esse ferramentão na prateleira de instrumentos a seu dispor. Isso geraria um conforto maior. As pessoas ainda têm muito receio de fazer acordos, porque ou eles estão em leis específicas ou eles residem lá na Lindb, e a Lindb soa - embora não devesse soar, embora tecnicamente não o seja - insuficiente para gerar esse ambiente de maior confiabilidade no uso.
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No que toca a outros artigos específicos, eu seria até um pouco mais crítica com relação à redação de uns e outros que hoje a gente tem oferecida pela lei, a redação oferecida pela lei, e vou pontuar especificamente.
No que diz respeito ao 64, quando o 64 admite uma reformatio in pejus, assinalando que, na hipótese de a administração pública, diante de um recurso que a ela foi oferecido, vislumbrar que a situação pode se agravar, ela deve comunicar ao particular, no fundo, no fundo, essa comunicação já sinaliza que a administração pública vai agravar. Sabemos todos que a administração pública não emite sinais sonoros senão os já pendentes a materializar aquela decisão. E qual é o sinal? Qual é o significado disso? Um desestímulo ao recurso. O particular vai cogitar duas vezes se recorre ou não. E, se ele se sente ameaçado, de alguma forma, desestimulado a recorrer, a gente tem um problema gravíssimo, que é o de causar uma certa blindagem, um certo repúdio à participação desse cidadão na formulação, na formatação das decisões administrativas. Portanto, essa parte do 64, que, apesar de não fazer referência expressa, está, sim, consagrando a inconstitucional ideia da reformatio in pejus, precisaria ser decotada da lei.
A Profa. Vivian falou da questão do dever de convalidar como uma obrigação do gestor, obviamente, presentes as situações que permitem a convalidação. Portanto, alterar o 55 seria, sim, necessário - e eu diria que a alteração do 55 não pode ser sozinha, porque ela precisa casar com uma alteração do 53, porque o 53 é aquele que fala em dever de anular. Bom, evoluímos também muitíssimo para compreender que nem sempre anular é algo que acautela o interesse público. A anulação pode ser absolutamente danosa ao interesse público. E, se eu vou modificar o 55 para dizer do dever de convalidar, eu teria que também modificar o 53, para trazer tudo aquilo que a doutrina brasileira tão maravilhosamente construiu e que a jurisprudência também fala no que diz respeito a esse dever relativo de anular.
Finalmente, apenas a título de conclusão e já agradecendo a minha participação, alterar o art. 50 para tirar a palavra "quando", porque sugere que o dever de motivar só existe naquelas hipóteses que estariam ali taxativamente apresentadas.
Muito obrigada a todos; muito obrigada, Ministra, pela oportunidade.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Agradeço, Profa. Cristiana, a contribuição. Tenho certeza de que todas essas ideias estão somando imensamente aqui às nossas reflexões. Muito obrigada.
Eu passo, então, a palavra ao Prof. Marcos Perez, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, também líder do grupo de projetos de pesquisa: Direito Administrativo da Infraestrutura e Impactos das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação no Direito Público, na mesma faculdade.
Agradeço ao Prof. Marcos Perez, a quem eu não via há muito tempo. Estou tendo o prazer de revê-lo aqui e tenho certeza de que o senhor está dispondo aí do seu tempo para nos ajudar muito.
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Muito obrigada.
O SR. MARCOS PEREZ - Bem, primeiramente é um prazer, Ministra Regina, amiga, colega de muitos anos - não vou falar quantos, porque seria uma descortesia. É muito agradável, é um prazer imenso estar rodeado aqui de professores, de colegas professores e professoras, e de poder expor um pouco a respeito das minhas, digamos assim, angústias a respeito do processo administrativo, notadamente em função desse projeto de lei que se pretende redigir. Então, é uma honra, é um prazer estar aqui.
Bem, processo administrativo, sem querer reiterar o que os meus colegas e as minhas colegas disseram, é um dos pontos principais da agenda do Direito Administrativo não só no Brasil, mas no mundo. O processo tem relação direta com a segurança jurídica na perspectiva da racionalidade e da impessoalidade das decisões administrativas, como também tem relação com a agenda da qualidade da decisão administrativa incorporada àquilo que hoje se denomina boa administração ou direito à boa administração, o que nos ordenamentos europeus é um direito fundamental atualmente, o direito à boa administração.
A lei mais antiga a tratar de processo administrativo é uma lei espanhola, a Lei Azcarate, do final do século XIX, mas a lei que realmente influenciou a adoção do processo administrativo como instrumento é uma lei norte-americana, a lei de 1946, o APA (The Administrative Procedure Act) - desculpem a pronúncia.
Bem, a nossa lei, a Lei 9.784, de 1999, a se comparar com a lei americana, ela já chega com um atraso de mais de 50 anos, e, a se comparar com as primeiras leis europeias, ela já chega com um atraso de mais de 20 anos.
Enfim, há recentemente um surto, digamos assim, ou uma tendência a se editar novas leis de processo administrativo, há uma recomendação nesse sentido da OCDE, já de algum tempo, e tanto países europeus quanto a grande maioria dos nossos vizinhos na América Latina têm editado novas leis de processo administrativo.
A nossa lei, apesar de atrasada, apesar de que já ter tantos anos, é vista como uma lei que pegou pouco, mas é uma lei boa, não é uma lei ruim, a Lei 9.784 é uma boa lei. E talvez ela não tenha pegado como esperássemos que ela pegasse não pelos seus defeitos, mas por suas virtudes e pelo apego, na verdade, cultural, histórico da administração pública brasileira ao autoritarismo puro e simples.
Eu entendo que a edição de uma nova lei é bem-vinda. O aperfeiçoamento de uma lei que foi editada em 1999 é bem-vindo. Há muita novidade por aí que acho que essa nova lei pode incorporar, a atender um duplo movimento necessário: um movimento relacionado à globalização econômica... O capital global necessita de maior segurança jurídica, de maior previsibilidade nas decisões da administração, e o processo ajuda nisso. Não é por menos que a OCDE preconiza o processo administrativo como algo a ser editado pelas leis mundo afora, a ser criado e obedecido. Mas também o processo administrativo tem uma relação com uma outra globalização, que é a globalização dos direitos fundamentais, direitos fundamentais esses que necessitam de políticas públicas para a sua observância, políticas públicas que são editadas ao cabo ou em meio a decisões administrativas de alta complexidade, decisões administrativas essas que precisam de processo administrativo para serem bem tomadas.
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A 9.784 tem defeitos? O que nós poderíamos dizer, além de tudo que já foi dito - e tenho grande concordância com o que as professoras e os professores disseram antes de mim; acho que foi só um professor, o Pimenta -, é que ela tem alguns defeitos. O primeiro delas, o grande defeito dela é não ser uma lei nacional. Então, nós precisamos de uma lei nacional.
Está bem, houve razões, a comissão de juristas que, na época, discutiu o anteprojeto da 9.784 tinha lá algumas visões, algumas disputas mesmo de concepção no seio daquela comissão que levaram a lei a ser uma lei somente aplicável à administração federal. Nós precisamos de uma lei nacional. Ainda que existam leis locais hoje nos estados, em alguns municípios... São quase 6 mil municípios no Brasil, e ninguém, percentualmente, segue regras mínimas de processo administrativo. Na verdade, estamos ainda na época do "fi-lo porque qui-lo" na grande maioria dos municípios brasileiros.
Então, a lei precisa ser nacional.
Em segundo lugar, ela precisa marcar com clareza a essencialidade do processo, de forma antecedente às decisões administrativas. O processo é essencial, é fundamental, é obrigatório. Ponto. Mas tem que ficar claro isso. É possível interpretar essa 9.784 nesse sentido, mas ela é quase que um poema, muito abstrata nesse ponto. É necessário marcar isso com clareza.
As normas quanto à instrução do processo e participação no processo - participação dos interessados - devem ser mais claras, mais claras, especialmente em relação aos processos mais complexos, como os processos normativos das agências reguladoras ou não, mas processos normativos, os processos de nomogênese, de criação de norma, e os de elaboração, execução e controle de políticas públicas, no seio dos quais há decisões muito complexas sendo tomadas, e não só complexas, mas de grande impacto social e econômico.
É necessário então, em meio a essa reforma, incorporarem-se novas técnicas, como os estudos de impacto, os estudos de custo-benefício, isso no meio ali da instrução processual. A 9.784 não é atenta a isso, não é claro isso, embora possa também ser interpretada no sentido de que ela exija esse tipo de instrução processual, essa instrução mais precisa. Mas, já que queremos reformar a lei, seriam muito bem-vindas normas mais claras a respeito da instrução e a respeito da participação. Essa ideia de que a participação é facultativa, que de vez em quando há participação, de vez em quando não há, é obtusa, é anacrônica; não dá para pensar uma administração pública correta, atenta à boa administração, sem participação. Vai ser maior ou menor, a depender do caso, mas tem que haver participação, tem que haver abertura, tem que haver transparência. As normas sobre motivação da lei são boas, mas também podem ser mais detalhadas, no meu modo de ver, de modo a ligar as disposições dessa lei com as disposições da Lindb, já mencionada aqui pela Profa. Cristiana, e com a grande evolução havida mundo afora na chamada Teoria dos Motivos Determinantes, antiga teoria lá do Direito Administrativo francês a especificar o que é erro, quando o administrador incide em erro, quando isso torna a decisão ilegal e que tipo de responsabilidade deriva disso, se há alguma responsabilidade a derivar.
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As normas devem seguir - parto já para a conclusão - o modelo, no meu modo de ver, de norma quadro, as normas dessa nova lei, com relativa generalidade, permitindo, por exemplo, a adaptação de prazos e procedimentos às realidades locais. "Flexibilidade" me parece ser a palavra, dentro, porém, de um espectro de normas fundamentais das quais não se pode abrir mão: transparência, participação, instrução do processo baseada na ciência, na melhor técnica, instrução imparcial do processo e na oitiva da pluralidade dos interesses econômicos e sociais.
Eu sei que faltam alguns segundos - 15 segundos. São essas as minhas observações, Ministra Regina, meus caros e minhas caras colegas, reiterando a honra de estar junto a vocês.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Prof. Marcos Perez. Realmente nós nos conhecemos há muito tempo, mas, para não fazer prova contra nós mesmos, é melhor não dizer quanto. Então, realmente agradeço a sua percuciente participação, muito pontual, muito interessante. Vamos ter muita coisa sobre o que refletir, muita coisa boa sobre o que refletir pelo que estamos vendo. Muito obrigada.
Eu vou, então, passar a palavra a outro Professor de Direito Administrativo, no caso o Prof. Paulo Modesto, que também não vejo há muito tempo. É um prazer tê-lo aqui. Muito obrigada por ter aceitado o nosso convite.
Passo a palavra ao Prof. Paulo Modesto, professor de Direito Administrativo, também da Universidade Federal da Bahia.
O SR. PAULO MODESTO - Muito obrigado, Ministra. É uma enorme alegria participar desta sessão. Agradeço o convite também ao Dr. Valter Shuenquener, que coordena os trabalhos nesta área.
É também um prazer, óbvio, reencontrar tantos amigos.
Eu tenho uma lista enorme também de coisas a falar, mas preferi focar num único tópico porque o tempo realmente é limitado. Fiz uma brevíssima apresentação aqui para focar num tópico que fosse útil e que já, de algum modo, tramita no Congresso Nacional. Eu vou focar no tema do silêncio - vi que hoje é interesse da Comissão - e esperar que isso possa atender a todos.
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Bom, acho que agora finalmente entrou. Vamos lá.
Os agradecimentos já fiz.
Eu quero dizer que esse tema para mim é particularmente importante, porque eu tive a honra de participar da velha Comissão Caio Tácito, que elaborou a Lei 9.784; há, portanto, até um componente de envolvimento pessoal nisso.
O processo administrativo também é um tema de estudo constante e relevante por incluir múltiplas fontes, como todos sabem, múltiplas funções, não só de defesa, de garantia, de direção, de controle, de legitimação democrática, mas também de organização da própria estruturação da administração pública. Através dele é definido se a decisão vai ser colegiada, se a decisão vai ser mais ou menos acelerada.
Algumas lacunas do processo - e aqui vários que me antecederam já anteciparam questões que eu aqui abordo - permanecem até hoje: o tema do silêncio, que é o tema que eu pretendo aqui discutir; medidas cautelares e administrativas; regulação e emissão dos atos administrativos normativos - a lei silencia fortemente sobre isso -; o tema da simplificação; e o tema mais contemporâneo, da experimentação administrativa controlada, sobre a qual têm saído algumas decisões e algumas normas, geralmente regulamentares, mas falta uma disciplina geral em lei sobre ela - sandboxes regulatórios.
Essa temática do silêncio, curiosamente, tem sido sempre uma espécie de resposta preventiva à inatividade formal da administração pública, que silencia, deixa de atender aos prazos fixados, e há pouca consequência - a verdade é essa -, e fica o cidadão desprevenido e sem resposta, como aqui já foi colocado corretamente.
A resposta tradicional da ficção do silêncio negativo e positivo é uma resposta insuficiente e problemática muitas vezes, porque nem sempre é possível trabalhar com a ficção. É preciso, muitas vezes, que se faça a avaliação concreta do contexto fático e das consequências do agente administrativo. A presunção pode até, muitas vezes, ser um álibi do gestor para deixar de assumir responsabilidades, de fazer uma avaliação concreta da situação a decidir.
Eu tenho proposto, nos últimos anos, a ampliação dessa técnica para incluir o que eu chamo de silêncio translativo e também ablativo, em que você tem não uma ficção pura de natureza material, mas especialmente uma técnica substitutiva processual. O agente perde o poder e perde, portanto, a possibilidade de editar um ato, e outro agente terá que editar o ato, sem, entretanto, deixar de responsabilizar o agente causador da demora, e, em alguns casos, é possível até suprimir a necessidade de manifestação daquela administração.
Como aqui foi destacado pela própria Cristiana, a norma atual da lei faz uma distinção, no caso dos pareceres, em obrigatórios vinculantes e não vinculantes; no vinculante, ela paralisa. No meu entender, não deveria paralisar, mas deveria, sim, usar a técnica do silêncio translativo, transferindo para a autoridade superior imediata a decisão da matéria administrativa. E, curiosamente, a própria lei já trata, no art. 42, §2º, de uma técnica do silêncio ablativo, porque o parecer obrigatório que não é vinculante, se é vencido o prazo, deixa de ser emitido, deixa de ser obrigatório portanto, e a administração perde a oportunidade de se manifestar.
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Esse tema e essas duas novas espécies eu apresentei em dois artigos: um, em 2016, especialmente dedicado ao tema do silêncio translativo; e, depois, em 2022, agora, recentemente, no Conjur, eu apresentei uma ampliação do texto de 2016. O texto de 2016, entretanto, inspirou já um projeto de lei do Senado, o PLS 129, de 2017, de autoria do Senador Antonio Anastasia, que foi aprovado já no Senado e seguiu para a Câmara, está lá desde outubro de 2019. Atualmente é o PL 5.473, que aguarda parecer. Há dois outros projetos que também tiveram curso no Congresso: o 267 e o 4.554, que basicamente fixam um prazo global para a decisão administrativa e um para a instrução. E me parece que essas normas, que já têm uma certa aceitação no Congresso Nacional, receberam já manifestação favorável pelo menos no Senado Federal, deveriam ser aproveitadas. E eu apresento aqui como sugestão minha, mas, na verdade, são texto do projeto do Dr. Anastasia, do Senador Anastasia, agora Ministro do TCU, e acrescento mais uma norma final para estabelecer um prazo para instrução, porque a Lei de Processo Administrativo da União fixa um prazo para a decisão final - 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias -, mas ela não fixou um prazo para a conclusão da instrução. Tendo em vista essa omissão... É um paradoxo: nós temos um prazo para decidir, mas não temos um prazo para concluir a avaliação para a decisão, para deixar um processo na mesa para decisão, e é isso também que cria um incentivo ao silêncio.
Como foi aqui também dito, é preciso mudar o art. 42. Se um parecer obrigatório e vinculante deixa de ser emitido no prazo fixado, em vez de paralisar simplesmente o processo, vai-se proceder à aplicação do §1º do art. 49, que eu sugiro a seguir, que é uma translação na verdade da competência de decidir:
§1º Nos processos iniciados mediante requerimento do interessado, o silêncio após o decurso do prazo previsto no caput transferirá a competência [não é menos exercício; transfere a competência no concreto] para a autoridade imediatamente superior, que decidirá o processo, sempre que a lei não previr efeitos diversos, sem prejuízo da responsabilidade de quem deu causa ao atraso.
§2º No caso do §1º, a autoridade que deveria ter decidido o processo poderá, a qualquer tempo, antes da decisão da autoridade superior, suprir a omissão. [E fica de fato evidenciada aí a omissão, porque a autoridade recebe a sinalização de que ganhou um processo novo por omissão da autoridade inferior].
§3º A transferência de competência de que trata o §1º não afasta a necessidade de o processo ser adequadamente instruído com a realização de todas as etapas técnicas, previstas na legislação específica, anteriores à decisão [...]. [O que se fixa, entretanto, é a necessidade de se concluir isso, e isso vem em seguida depois].
§4º Compete à autoridade superior providenciar a redação das etapas técnicas pendentes de que trata o §3º anteriormente à sua decisão final, responsabilizando-se pelo cumprimento dos prazos fixados na legislação específica e pelos efeitos que decorrem de sua decisão.
§5º Quando a decisão depender de manifestação de vontade de dois ou mais órgãos, entidades ou autoridades, o processo seguirá para a próxima fase, sem prejuízo do disposto no §1º, mas o ato final só será considerado praticado após todas as declarações de vontade exigidas em lei.
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E, por fim, nós temos a fixação de que, inexistindo disposição específica, o prazo para instrução do processo será de 60 dias, prorrogável uma vez, por igual período, por ato motivado da autoridade competente.
Esses preceitos muito singelos são um avanço. É preciso perceber que, na lei proposta, a Lei 9.784, havia uma diretriz muito clara (Falha no áudio.)... uma norma raiz, não uma norma código, uma norma dos conceitos básicos. E, para ser uma norma dos conceitos básicos, ela precisava ser sintética e não descer a detalhes que outras leis poderiam desdobrar.
Agradeço muito pela participação e devolvo a palavra à eminente Ministra. Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Prof. Paulo Modesto, agradeço imensamente. Esse tema do silêncio administrativo, que já tinha sido aventado por outros que o antecederam, é extremamente importante, e a Comissão tem ciência de que precisa apresentar proposta no sentido de aperfeiçoar essa disciplina. Muito obrigada!
Eu passo então, na sequência, a palavra ao Prof. Floriano de Azevedo Marques Neto, também Professor de Direito Administrativo da Universidade de São Paulo.
Muito obrigada, Prof. Floriano. Também faz tempo que não nos encontramos - não é? -, já que eu não fico mais em São Paulo; há alguns anos, eu fico só de passagem, só estou de passagem em São Paulo. Então, agradeço a aceitação do convite e a sua presença aqui conosco. Muito obrigada.
O SR. FLORIANO MARQUES - Ministra Regina Helena Costa - me permita chamá-la por Professora -, em sua pessoa, eu cumprimento todos aqui - só a nominata tomaria meus dez minutos. Eu fico só lamentando que essa audiência não seja presencial, porque me permitiria rever presencialmente tantos amigos e amigas que estão aqui hoje.
Eu trouxe dez pontos para serem postos como sugestão, mas falar depois de vários especialistas é, na verdade, o mesmo que tentar jogar o jogo de batalha naval com o formulário, com o papel já usado, quer dizer, não há muitos destroyers a derrubar, porque, para minha felicidade, muitos dos pontos que eu trouxe já foram abordados aqui e, também para minha felicidade, já foram abordados num sentido consonante com o que eu trouxe. Mas, de qualquer forma, a ponto de contribuir e reforçar alguns pontos, eu vou passar por eles, alguns talvez ainda não tenham sido ventilados, outros já foram, e eu só trago a minha concordância.
Primeiro ponto, Ministra e Profa. Regina, é que eu acho fundamental a Comissão refletir sobre a necessidade de dar à Lei de Processo Administrativo da União o caráter de uma lei nacional. Esse é um tema que ainda não foi enfrentado de maneira central pelo Supremo, foi enfrentado só de maneira tangencial, e eu acho que é hora de nós pensarmos em ter uma lei de processo administrativo nacional, que valha, nas suas normas gerais, para todos os entes da Federação. Eu vejo isso não só como útil e necessário, mas constitucionalmente adequado, porque a Constituição, no art. 22, prevê a competência da União para legislar sobre processo, e não só sobre processo civil ou processo penal, e não só sobre processo jurisdicional. Portanto, a competência que está na Constituição, a competência normativa da União, é para mim suficiente para que uma lei de processo administrativo, que é um ramo do tronco processo, seja disciplinada em lei nacional, até para resolver um problema, que é você ter mais de 5 mil entes federados e, se cada um tiver o seu regime de processo administrativo, a operação pelo administrado, a funcionalidade pelo administrado, é bastante mais limitada.
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Eu faria essa prescrição de maneira objetiva no art. 1º, mudando, portanto, o conteúdo do regime do art. 1º da lei vigente, para que essa lei seja tratada como lei nacional, à semelhança de outras leis. Trago aqui o exemplo que é vivo na nossa mente - porque estamos acostumados - da Lei de Licitações, em que o que residirá para os entes subnacionais é apenas a competência subsidiária; ou disciplinar temas específicos desde que a lei contenha um dispositivo de que, na inexistência de lei estadual, distrital ou municipal, prevalece, na integralidade, a lei nacional. Primeiro ponto.
O segundo ponto, que é, na verdade, uma sugestão de atualização que já vivemos, é trazer mais amiudado, mais claro o regime de amicus curiae no processo administrativo. É verdade, ele já está contemplado, de certa maneira, no art. 9º, inciso II, da lei vigente, mas, desde a edição da lei, nós avançamos muito no regime de amici curiae ou de amicus curiae, e, em alguns processos administrativos, essa figura passa a ser bastante importante. Eu, então, como sugestão traria para a reflexão da Comissão o trazimento, ainda que com adaptações, da regra que me parece bem posta no art. 138 do Código de Processo Civil - no código já não mais novo, mas o código hoje vigente.
O terceiro ponto é concernente ao dever de decidir. Já foi tocado aqui pelos que me antecederam, mas eu retorno a ele para dizer, primeiro, que, no ponto três, é importante que você tenha fixado prazos para adoção de atos que estejam no bojo, no âmbito de um processo administrativo. E aí o paradigma que eu trago é o da lei paulista, da Lei Estadual 10.177, que é quase concomitante à lei nacional - um pouquinho antes, não é? A lei nacional é de 1999, no início, e esta lei é do final de 1998 -, prescrevendo prazos que podem ser variados conforme a vicissitude da administração, mas para a prática de atos específicos, o que já vem sendo uma tendência nas últimas leis, nas leis mais recentes. Eu acho que aqui o modelo ou a inspiração estaria no art. 32 da lei paulista, a Lei Estadual 10.177.
O quarto ponto é esse artigo que traz prazos para autuação, expedição de notificação, elaboração de informes, pareceres, decisões interlocutórias, decisões finais, etc. O quarto ponto - é difícil falar depois do Paulo Modesto, com essa belíssima exposição - é com relação aos efeitos da inação. Eu acho que é para mim muito claro que a administração pública não pode seguir sendo senhora do tempo. O administrado depende do provimento administrativo, seja aquele diretamente interessado, seja a comunidade que tem interesses reflexos atingidos pelo provimento, e a inação do poder público é muito - muito, muito! - pior do que se atribuírem efeitos positivos a esse silêncio.
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O tema já foi superado, parece-me, na jurisprudência de forma definitiva, na decisão do Supremo que julgou a inconstitucionalidade ou constitucionalidade da Lei do Petróleo. E o Supremo decide, em relação ao artigo da Lei do Petróleo que prevê o silêncio positivo da ANP na omissão de analisar o pedido de autorização, pela constitucionalidade do silêncio positivo. Esse tema foi tateado pelo art. 3º, inciso IX, da Lei de Liberdade Econômica, ainda que de forma tíbia, e isso acabou esvaziado pelo modo com que o legislador o tratou.
Parece-me que atribuir efeitos positivos ao silêncio é algo fundamental para que o administrado tenha alguma previsibilidade e alguma estabilidade, no que tange, inclusive, ao princípio da celeridade constitucional no processo administrativo. Quanto mais não se chegar a um silêncio positivo, eu acho que pelo menos a regra do art. 33, de novo, da lei paulista, que diz que, não havendo provimento dentro do prazo máximo fixado, o particular pode presumir o requerimento, quando for um requerimento em que ele é interessado, como tendo sido tacitamente negado... Isso permite pelo menos o acionamento da via jurisdicional, que é o que não se quer. É o que não se quer!
Nesse sentido, o Prof. Paulo Modesto fez menção a dispositivo de projeto que tramita no Congresso e que traz solução bastante inteligente, dando efeitos positivos ao silêncio, mas permitindo que a administração postule, até judicialmente, pela ampliação de prazo em casos em que isso se justifique, mas aí com o ônus da prova de que o silêncio é justificado.
O quinto ponto que eu trago é relativo a um tema - achei que o Paulo Modesto ia falar dele - que acho importante, que é o tema da decisão coordenada. O art. 49-A foi incluído na lei processual para permitir algo que é fundamental no sistema de múltiplas competências, como é o nosso, que é a decisão coordenada. Tratou já do tema, o que é um avanço, mas eu iria além, eu traria um regime semelhante ao que existe na Itália, o da conferenza di servizi.
Inclusive, Paulo Modesto, faço menção a um artigo que estava no anteprojeto da nova Lei Orgânica da Administração Pública há mais de dez anos e que acabou não prosseguindo, artigo esse que era de sugestão do Prof. Paulo Modesto, que compunha a comissão, e que traz um regime extremamente interessante, pelo qual, havendo multiplicidade de órgãos que têm que atuar no provimento, o órgão inicialmente provocado convoca os outros, que, se não vierem participar de um processo administrativo coordenado, passam a aceitar a decisão do órgão demandado. É uma solução existente em outros ordenamentos jurídicos, que é muito engenhosa e que permite avançar, para que o particular tenha uma decisão, e não uma miríade de decisões colidentes, o que é um problema do "caoticismo" do nosso sistema de múltiplas competências.
O sexto tema a Profa. Cristiana já trouxe, que é o tema da invalidação. Esse capítulo da lei de processo precisa ser atualizado. O art. 53 e seguintes tratam disso, mas tratam disso com uma visão de século XX. Nós precisamos trazê-la para o século XXI. Aí eu acho que o art. 21 da nova Lindb ou da Lei de Introdução atualizada pela Lei 13.655 tem que ser incorporado à lei de processo. Já seria vigente, é claro! A Lindb prevalece, é lei posterior. Mas acho que tratar disso na lei de processo tem um caráter pedagógico. E, de novo, acho que tem um tratamento melhor do que o da lei vigente atual, o que é feito pelos arts. 8 a 11 da lei paulista de processo administrativo.
O sétimo ponto diz respeito ao art. 65. Já foi falado de se revisitar o tema da reformatio in pejus.
Trago também uma sugestão para que, no art. 67, parágrafo único, os prazos sejam contados em dias úteis, como no Código de Processo Civil.
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E faço duas menções: no art. 68, disciplinar o bis in idem sancionatório na esteira do que é dito pela nova Lei de Improbidade e pelo art. 22 da Lindb; e repensar o art. 69, para unificar um regime geral, porque é muito ruim essa abertura que, ao mesmo tempo que diz que existe uma lei de processo administrativo, abre margem para leis específicas que implodem o sistema de legislação processual única.
Era o que eu tinha para trazer, Profa. Regina Helena.
Muito obrigado pela oportunidade.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Eu que agradeço, Prof. Floriano. Muito obrigada aqui pelas considerações.
Eu aproveito esta minha manifestação para dizer aos professores, para reiterar que, se assim desejarem, encaminhem por escrito essas propostas para nós, se quiserem refinar um pouco mais, especificar um pouco mais. Também àqueles que apresentaram os eslaides aqui nesta audiência, se quiserem nos enviar, que enviem ao Prof. Valter mais especificamente. Isso seria de grande valia para nós. Quer dizer, toda colaboração, toda ajuda é muito bem-vinda, porque o trabalho é grande e o tempo é curto. Então, se puderem disponibilizar textos, eslaides, todo material que tenham feito para essa manifestação, nós ficaremos agradecidos também. Muito obrigada.
Agora vou chamar o Prof. Egon Bockmann Moreira, Professor de Direito Administrativo da Universidade Federal do Paraná, cumprimentando-o e agradecendo a aceitação do convite e a sua participação aqui. Muito obrigada.
O SR. EGON BOCKMANN MOREIRA - Muito bom dia a todas e todos.
Eu agradeço imensamente o convite feito pela Ministra Regina Helena. Eu gostaria também cumprimentar o meu querido Secretário, o Prof. Valter Araújo. Para mim é uma satisfação revê-lo e participar desta Comissão.
Eu serei bastante breve. Eu vou falar rapidamente, na minha percepção ao menos, da alta qualidade da Lei 9.784 e da eventual necessidade, com o devido respeito, de serem feitas modificações pontuais nela e não uma nova lei que talvez não voe; da questão relativa ao impacto sofrido na 9.784 pelo novo Código de Processo Civil - nem tão novo, como disse o Floriano - e pela Lindb; e, ao final, eu vou trazer quatro sugestões bastante pontuais.
Parece-me, para dar início, que a Lei 9.784, de 1999, é uma lei que possui alta qualidade legislativa e dogmática; é uma lei cuja comissão... E aqui revelo um fato: havia duas comissões - uma no Ministério da Justiça, com o Ministro Nelson Jobim, e uma no Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, com o Ministro Bresser Pereira -, e foi pelas mãos do Paulo Modesto que essas duas comissões foram unidas. Juntaram alguns dos principais administrativistas brasileiros de então e fizeram uma lei que é uma lei, salvo informação equivocada da minha parte, que passou por Câmara e Senado sem sequer alteração de uma vírgula, tamanha a qualidade técnica do documento legislativo, que obedece, à larga, à Lei Complementar 9.598. Ela é muito bem estruturada. Isso se deve também ao trabalho do Sr. Secretário, o nosso querido Paulo Eduardo Garrido Modesto.
Quais são as lacunas que eu consigo enxergar na lei? Nós temos uma solução que foi posta pelo art. 15 do Código de Processo Civil de 2015. Ele é expresso ao consignar aplicação supletiva e subsidiária do Código de Processo Civil na ausência de normas que regulem processo administrativo. É uma previsão expressa do Código de Processo Civil, ou seja, tanto para as lacunas normativas, na hipótese de novas incidências, como para as lacunas axiológicas, no caso de novas compreensões.
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Então, nós já temos esse preenchimento normativo, por exemplo, no que respeita a precedentes, a decisão surpresa, a normas fundamentais, eventualmente a amicus curiae, ordem cronológica dos julgamentos. Isso - e aqui eu estou falando de princípio da legalidade - já está no processo administrativo brasileiro.
Em segundo lugar, eu gostaria de ressaltar aquilo que eu tenho com a incidência - que aqui não é nem supletiva nem imediata nem subsidiária -, a incidência imediata da Lindb, especialmente os arts. de 20 a 30, que foram incluídos pela Lei 13.655, de lavra originária do nosso querido Carlos Ari Sundfeld e de Floriano Marques Neto. Nós temos aqui critérios de aferição de validade de decisões administrativas em face de suas consequências e alternativas, como preceituado nos arts. 20 e 21; critérios de interpretação do ato administrativo, nos arts. 22, 23 e 24 da Lindb; competência - vou retornar a isso - discricionária negocial, no art. 26. Isso é muito importante e já foi tratado anteriormente aqui pelos professores que me antecederam. Porque é o seguinte: nós já temos esse arcabouço da 9.784, completado e expandido tanto pelo Código de Processo Civil, pela Lindb e por previsões legais expressas.
Quais seriam, nesse quadro, as minhas quatro sugestões pontuais?
À moda do art. 5º da 14.133, de 2021, a nova lei de processo administrativo, que fecha a enumeração de princípios com uma remessa expressa à Lindb, que parametriza, por conseguinte, a aplicação desses princípios, eu sugeriria, primeiro - tomando emprestado uma expressão que o meu querido José Vicente Santos de Mendonça já citou em mais de um artigo, ou seja, como no Brasil tem que ser tudo tim-tim por tim-tim, não basta haver a menção -, a inserção de um §2º no art. 2º da 9.784, transformando-se, por conseguinte, o parágrafo único em §1º, com esse §2º indicando que a ela se aplica imediatamente a Lindb e, de forma supletiva e subsidiária, o Código de Processo Civil.
Estamos reiterando previsões normativas, portanto? Sim, estamos deixando mais claro para o aplicador da lei que aquilo se aplica. Isso talvez seja mais preciso, mais específico e mais rápido do que pretender fazer um translado das previsões que podem ou não se aproveitar ao processo administrativo. Portanto, aqui nós teríamos a incorporação ainda mais expressa de um consequencialismo responsável, de normas processuais básicas, de respeito aos precedentes, de ordem cronológica dos julgamentos, de amicus curiae. Reitero, já existe essa previsão no art. 15 do Código de Processo Civil. Porém, ela nem sempre é lembrada. Esse é o problema. Talvez, organizando-se, por conseguinte, o art. 2º, que traz os princípios ali em parágrafo único, com um §2º, quem sabe essa questão fique mais fácil?
O que me parece também - e isso foi tratado por mais de uma fala antes da minha - é que é importante dar melhores contornos e garantias àquilo que eu denomino de competência discricionária negocial, a discricionariedade administrativa em negócios jurídico-administrativos. E, como a Lei 9.784 é uma lei que trata, como todos nós sabemos, não só de temas processuais em sentido em estrito, mas também de temas materiais - como, por exemplo, sanções administrativas; como, por exemplo, invalidade; como, por exemplo, motivação -, esses são temas de direito material que estão incorporados à lei de processo administrativo.
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Eu creio que seria interessante, se me permite, com a devida licença, fazer um dispositivo, pode ser incluído um capítulo 11-A, com um só artigo, o 50-A, com dois parágrafos e incisos, que regule, que discipline os negócios jurídicos materiais, os negócios jurídicos administrativos materiais - contratos, sanções, atos negociais, etc. - e os negócios jurídicos processuais, à luz do 190 do Código de Processo Civil, que já se aplica, porém seria interessante que fosse disciplinado no processo administrativo como isso funcionaria, inclusive por meio de uma blindagem da competência do agente que faz o negócio jurídico processual, imunizando-o quanto ao controle do mérito do negócio jurídico processual. Quem já fez negociações, quem já trabalhou em negociações sabe a diferença entre fazer um negócio e controlar um negócio. E mais: se um terceiro se imiscuir em um negócio feito, haverá um problema de agent and principal aqui, ou seja, a parte que negocia sabe que não está negociando com a pessoa certa, que tem que negociar com terceiro, porque a negociação feita, o dinheiro e a energia gasta aqui não servem para nada, porque há um terceiro que pode rever esse negócio.
Por conseguinte, parece-me ser de todo interessante um artigo ao menos - que pode ser aberto num capítulo 11-A, como eu já disse - que discipline a questão pertinente aos negócios jurídicos administrativos materiais e processuais.
Em terceiro lugar - isto já foi dito pela Profa. Vivian, pela Profa. Cristiana, pelo Prof. Paulo Modesto, pelo Prof. Marcos Perez, pelo Prof. Floriano, mais mares houvesse - é a questão do aperfeiçoamento ao dever de decidir. Isso, sim, daria máxima eficácia ao direito fundamental de petição. O direito de petição é o direito de protocolar petições, mas é o direito de ver o seu pedido decidido pela administração pública. Quem sabe... Eu ia falar alguma coisa, ia mencionar até o estudo do meu querido Paulo Modesto, mas ele já veio com o menu completo de dispositivos, inclusive já aprovados no Senado, então eu só enfatizo a necessidade de ser reforçada a questão do sistema de incentivos decorrente da transferência decisória. A transferência decisória, na verdade, impacta um estímulo para o agente para que ele decida o tempo certo; caso contrário, ele passará por uma situação vexatória de ser transferida a competência dele a um terceiro e, eventualmente, ser responsabilizado por isso.
Em quarto lugar, para encerrar, um tema que foi tratado aqui mais de uma vez: o tema da preclusão administrativa e, mais ainda, da coisa julgada administrativa. Eu acho muito importante, se me permite, um capítulo específico que trate da autovinculação processual e material da administração pública aos seus próprios atos, porque senão se esvazia a razão do processo. A preclusão administrativa, como o Profs. Sergio Ferraz e Adilson Dallari consignam no seu Processo Administrativo, um belíssimo livro: a ausência de preclusão implica a la donna è mobile qual piuma al vento - decide-se de um jeito num dia e de outro jeito no dia seguinte. É preciso, portanto, reforçar a autovinculação processual e material da administração pública aos seus próprios atos.
Muitíssimo obrigado pela atenção. Agradeço mais uma vez imensamente o convite que me foi formulado e passo a palavra à Ministra Regina Helena.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Prof. Egon, que tratou de vários temas relevantíssimos.
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Alguns temas, estamos percebendo, são recorrentes, o que demonstra que realmente precisam ser tratados, urge que sejam tratados, que haja reflexões sobre esses assuntos, e esse ponto da coisa julgada administrativa parece essencial - e V. Exa. mencionou -, é essencial; acho que nós não poderemos deixar de oferecer alguma contribuição nesse aspecto.
Muito obrigada.
Eu, então, prossigo passando a palavra agora ao Prof. José Vicente Santos de Mendonça, que é Professor de Direito Administrativo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e membro do Laboratório de Regulação Econômica da mesma universidade.
Agradeço ao Prof. José Vicente pelo tempo e pela disponibilidade de participar conosco no intuito de colaborar com os nossos trabalhos.
Muito obrigada.
O SR. JOSÉ VICENTE SANTOS DE MENDONÇA - Agradeço o convite ao Senado e aos integrantes da Comissão, na figura de sua Presidente, a Ministra Regina Helena Costa.
Vou aqui fazer uma apresentação bastante breve.
Parece que a lei atual, fruto de uma comissão de notáveis juristas, é boa. Ela segue uma filosofia de ser uma lei-quadro, mas, como produto de seu tempo, ela pode e deve ser atualizada. Em todo caso, senhores e senhoras, sugiro que a filosofia minimalista seja mantida. É importante resistir à tentação de criar um código de processo administrativo. Teríamos aqui um monstrengo. A lei é boa, e não podemos baixar uma lei. Tudo bem. O Marcos Perez falou de um poema. Ela também não deve ser um regulamento, sob pena de ser alterada e de durar muito pouco. Então, parece-me que a Comissão... Minha sugestão geral, "metassugestão", é manter a filosofia minimalista.
Acho, inclusive, que os problemas do processo administrativo não são tanto de redação legal quanto de governança das entidades e dos órgãos; acho que é um problema de prática. Acho que a gente poderia dizer que - perdoe-nos Otto Mayer - o processo administrativo passa, mas a prática do balcão permanece. Então, as alterações legais importam, mas são partes e resolvem apenas parte do problema.
Vou fazer aqui cinco sugestões de alterações bem pontuais dentro dessa filosofia minimalista.
Primeira sugestão: uma flexibilização de formalidades. A tônica do formalismo processual contemporâneo é um equilíbrio entre forma-garantia e forma-função. A lei fala, no art., 2º, inciso VIII, de exigir formalidades essenciais, mas, em outros legares, ainda expressa, ainda demonstra uma certa inflexibilidade. Além disso - e isso já foi falado -, as convenções dos negócios processuais são realidades na administração e vêm sendo celebradas com base em várias leis até para os processos judiciais. Sua admissibilidade no processo administrativo é pacífica, mas a lei não prevê expressamente a possibilidade. Sugestão: para deixar mais claro, puxar uma vírgula no art. 2º, inciso VIII, acrescentando: "permitidas flexibilizações casuísticas com respeito ao contraditório ou alterações operadas por convenções das partes". Essa é minha primeira sugestão.
Segunda sugestão: trânsito de técnicas processuais. Hoje há um trânsito das técnicas processuais previstas em leis de diversos procedimentos. Isso se dá entre o processo judicial e o processo administrativo; está lá, no art. 15, do CPC. Não faz sentido que as técnicas do processo administrativo não possam ser aplicadas, quando cabíveis, no processo judicial.
Terceira sugestão - essa é uma sugestão evolutiva -: processos repetitivos. Assim como no Judiciário, existem diversos processos administrativos que tratam de assuntos repetitivos, questões idênticas, pretensões similares, que podem se beneficiar de uma tramitação concentrada. A Lei 9.784 já se preocupa com isso nos arts. 7º e 8º, mas o tratamento pode ser um pouco refinado. Proposta: no art. 8º, a redação seria a seguinte. "Quando os pedidos de uma pluralidade de interessados tiverem conteúdo e fundamentos idênticos, poderão ser formulados em um único requerimento, e a administração poderá instruí-los e decidi-los em bloco, aplicáveis as regras do Código de Processo Civil para a solução de casos repetitivos e de centralização de processo". Portanto, eu estou jogando as regras do CPC para o processo administrativo, porque acho que são regras boas, são uma evolução, uma construção jurisprudencial muito importante.
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Quarta sugestão sobre coordenação de competências - essa eu não ouvi ninguém falando -: a coordenação de competências é hoje admitida pelo art. 49-A e seguintes, a decisão coordenada. Esses dispositivos, no entanto, parecem estar em relativa tensão com os arts. 11 a 17 da lei, que tratam de delegação e avocação de competências. Também não parecem fazer sentido algumas limitações na transferência das competências, como para atos normativos - uma coisa que já é feita no Judiciário, e já existem no Executivo, por exemplo, regulamentos conjuntos das agências reguladoras -, e também da competência recursal, o que pode mudar até por interações cooperativas entre as instâncias recursais.
Proposta: "Art. 11. A competência é irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos de delegação, avocação e coordenação legalmente admitidos".
Segunda proposta: revogação dos incisos I e II do art. 13, que fala da impossibilidade de se delegar competência normativa e de decisão de recurso administrativo. Já acontece. Precisa a lei acolher a realidade.
Processos normativos, minha última sugestão. A lei não prevê o conceito de processo administrativo, não foi uma preocupação da lei diferenciar processo administrativo em, no mínimo, duas espécies: processo subjetivo e processo, digamos, normativo objetivo, de construção de normas. Não existem ali, claramente, interessados ou sujeitos. A ausência dessa distinção poderia fazer sentido no momento da elaboração da Lei 9.784, de 1999, em que era outro o momento do poder normativo do Executivo - o momento atual é bastante distinto, senhoras e senhores. Normas recentes, como a Lei da Liberdade Econômica, as alterações da Lindb, o decreto da Análise de Impacto Regulatório, o decreto da Avaliação de Resultado Regulatório, vêm tratando de etapas desse processo administrativo normativo, buscando seu aprimoramento. É relevante que a lei mãe, vamos chamar assim, restrinja explicitamente sua aplicação nos processos de natureza objetiva e normativa, com a finalidade de deixar claro que a sua aplicação a esses processos é apenas no que for com eles compatível. Pode dar problema. Esses processos normativos têm uma dinâmica, uma lógica muito própria, de construção de regulamento, enfim, processos objetivos.
Proposta de inclusão no art. 1º da lei de um §3º: "Os preceitos desta lei se aplicam, no que couber, aos processos administrativos de natureza objetiva e normativa".
São propostas bem pontuais. Talvez a minha maior sugestão seja... Veja, muitas das sugestões que foram tratadas aqui já constam de outras normas. Acho que, talvez, exista um elemento simbólico de repeti-las numa lei de processo administrativo, mas a minha sensação é a de que menos é mais, de que a gente pode ajustar, alterar, fazer pequenas alterações que terão um impacto significativo.
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A Lei do Processo Administrativo Federal é uma lei, como o Egon falou - aliás, Egon, esse tim-tim por tim-tim é do Seabra Fagundes, num artigo que comentava a Constituição de 88. Infelizmente não é frase minha -, que sofreu poucas alterações. Eu tenho um artigo com uma doutoranda em que a gente mostra isto, a Dr. Ana Calil: sofreu pouquíssimas alterações, uma alteração desde 1999. Teve uma alteração para colocar a prioridade do idoso, teve uma outra de que eu não me lembro e teve essa agora da decisão administrativa coordenada. Então, assim, a lei vem seguindo incólume. Ela foi aprovada com quase nenhuma alteração, nenhuma alteração - o Egon mencionou - e também foi objeto de poucas alterações até hoje. É uma lei, então, que vem resistindo ao teste do tempo.
As minhas sugestões são de alterações pontuais para incorporar negócio processual, remeter ao CPC, falar sobre resolver algumas inconsistências internas, mas não ousaria elaborar um código de processo administrativo incorporando muita coisa além do que já consta. Acho que realmente não é para ser um poema, mas também acho que não é para ser um regulamento, porque vai ter a dignidade normativa de um regulamento, vai ter que ser alterada daqui a um, dois anos. Não vai durar de 1999 a 2022 com duas ou três alterações.
Muito obrigado pela oportunidade. Saúdo aí os integrantes e devolvo a palavra a nossa ilustre Presidente.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Prof. José Vicente. Agradeço. Suas ideias se contrapõem em parte a ideias que foram anteriormente apresentadas, é disso que nós precisamos, nós precisamos dessa pluralidade, dessa diversidade de ideias, porque isso só enriquece o debate e a reflexão. Muito obrigada.
Agora, então, passo a palavra ao Prof. Jacintho Arruda Câmara, também meu colega da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professor de Direito Administrativo, líder do Grupo de Regulação na mesma universidade.
Professor Jacintho, muito obrigada, seja bem-vindo aqui a nossa audiência. Agradeço a sua participação.
O SR. JACINTHO ARRUDA CÂMARA - Obrigado, Ministra Regina Helena Costa, pelo convite. Gostaria também de agradecer aos membros da Comissão e compartilhar uma certa angústia que foi me gerando o passar do tempo, porque acho que depois de mim só há o Prof. Alexandre Aragão, e praticamente todos os assuntos foram abordados, e ainda mais falar para uma Comissão tão qualificada quanto esta, a impressão que dá é que a gente vai ficar falando chovendo no molhado.
Eu selecionei dois assuntos apenas. Vou até divergir um pouco do meu amigo e colega José Vicente de Mendonça, embora o diagnóstico seja o mesmo, em relação ao tema do processo administrativo de caráter normativo. Esse é um assunto que realmente discrepa do atual roteiro da Lei do Processo Administrativo Federal, mas é um tema comum na legislação de processo administrativo de outros países. E é um assunto, como o Prof. José Vicente de Mendonça ressaltou, com suas particularidades, é um assunto relevantíssimo, é assunto que toca também interesses legítimos. A lei atual, na parte de instrução, menciona instrumentos que têm sido adotados para auxiliar na procedimentalização da criação de normas pela administração pública - a questão da consulta pública e da audiência pública como faculdade.
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O Prof. Marcos Perez mencionou que deveria haver essa mudança para deixar de ser uma faculdade e passar a ser um dever. Aí eu compartilho da preocupação que o Prof. José Vicente de Mendonça levantou, de ser difícil tratar desse tema, talvez para o nível mais geral, com uma decisão só. Então, a minha sugestão é, no sentido contrário ao dele, não de deixar de lado e dizer que não se aplica, mas de trazer para a Lei de Processo Administrativo um capítulo sobre procedimento normativo, disciplinando, com aquilo que lhe for próprio, o interesse, por exemplo, de agir, de atuar nesse processo. Eu também sou um defensor do minimalismo legal, mas aqui nesse tema, especificamente, eu acho que vale a pena gastar tinta legislativa para padronizar essa produção normativa da administração pública.
Lembrando que, no nível federal, já existem regras relevantíssimas aplicáveis para as agências reguladoras, falando do estudo de impacto regulatório... Talvez seja possível, com esta Comissão, aperfeiçoar o tratamento que foi dado à matéria, dando um pouco mais de teor normativo e a previsibilidade para a administração, para saber quando será necessária ou não a elaboração desse estudo de impacto regulatório, porque a produção normativa, como bem acentuado também aqui há pouco, não está concentrada nas agências reguladoras; ela está concentrada no Chefe do Executivo. Ela está dispersa para várias entidades da administração de nível federal, enfim, e, se a lei tiver a pretensão de ser uma lei nacional, isso pode gerar efeitos muito positivos para toda a administração pública.
Então, a minha sugestão é a de que se reflita a respeito desse assunto do procedimento de produção de normas. Ele é maltratado na atual legislação, ele é omitido da atual legislação. Só com um certo esforço de interpretação é possível puxar alguma coisa da lei atual para tornar exigíveis algumas garantias de manifestação, de processo, o devido processo legal no campo da produção normativa, que hoje em dia é muito relevante no âmbito da administração pública. Em termos de número, é infinitamente superior à produção normativa do Congresso Nacional e dos Poderes Legislativos. Eu ousaria dizer que, em termos de efetividade, tende a ser também amplamente superior. E acredito que um capítulo que venha a tratar desse assunto, com base nas boas referências que hoje existem no direito positivo inclusive, em regulamentos de agências reguladoras, em normas que foram lembradas aqui, leis inclusive, lei da liberdade econômica, projeto de lei que está em tramitação no Congresso Nacional que, de alguma forma, aborda esse assunto. Acredito que isso seria um ganho para o produto final.
Um outro tema para o qual eu gostaria de chamar a atenção está relacionado à segurança jurídica e está relacionado à estabilização das decisões da administração pública, e nas leis, de um modo geral, costuma ser tratado de maneira muito breve, que é o tema da fixação de prazo para a estabilização das decisões administrativas. E a lei atual tem um dispositivo que trata do tema como decadência de cinco anos para os atos que sejam ampliativos de direito, se houver boa-fé. Existe, vamos dizer assim, uma omissão talvez deliberada do legislador para as outras situações, situações em que não sejam necessariamente ampliativas de direito. E aí há uma dificuldade interpretativa, porque as decisões administrativas não são maniqueístas; elas às vezes ampliam o direito de um, prejudicam o direito de outro, enfim, há uma dificuldade de interpretação. Acho que o tema precisaria ser tratado com mais detalhamento, situações inclusive relacionadas a processo sancionador, e aí acredito que a Comissão terá certamente essa incumbência. Se for adotada ideia de incluir regras de processo sancionador, é importante trazer para a lei do processo a previsão de que há uma lei específica sobre prescrição do poder punitivo da administração pública federal. Isso também deve ser casado com uma eventual nacionalização dessas regras.
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Eu chamaria a atenção também para um aspecto que é importante levar em conta: o direito comparado. Aqui no Brasil, cria-se um discurso, cultiva-se um discurso de que a fixação de regras de prescrição é a fixação de regras que inibem poderes da administração pública ou que inibem o controle da administração pública; como se, na inexistência de prazo, a possibilidade de revisibilidade fosse algo tolerável em sociedades minimamente civilizadas. A sugestão que eu faço é que se compare com países que tratam dessa matéria para saber se há a possibilidade jurídica de assuntos já sedimentados por decisões administrativas há décadas serem objetos de revisão pela própria administração pública.
Nós agora estamos vivendo ciclos. Esse ciclo do final dos anos 90 iniciou várias etapas novas, que agora estão sendo postas em teste. Uma delas são os contratos de longo prazo, os contratos de concessão. É impressionante que o número... Tenho certeza de que todo mundo aqui que tem atuação prática, seja na advocacia pública, seja na advocacia privada, deve estar com vários casos de reinterpretação e releitura de contratos assinados há 20, 25 anos, pela própria administração. Isso dá espaço para que o contratado também deixe de respeitar o que foi pactuado. Enfim, como se trata de ato jurídico que tem vigência muito prolongada no tempo, essa revisibilidade constante é muito prejudicial para o clima de segurança jurídica. Aquilo que foi interpretado na hora de assinar o contrato não vale mais na hora de concluir o contrato e de se fazer uma conta de chegada.
Acho que seria bastante relevante meditar sobre esse assunto e gastar também a habilidade de todo mundo para ver qual é a melhor decisão para o interesse público, de estabilização daquilo que foi pactuado, daquilo que foi decidido. Deem uma olhada, por exemplo, no sistema jurídico francês e quanto tempo se dispõe para questionar uma norma contratual. Não passa de seis meses. E isso não é porque o pessoal lá... É porque não é bom para o interesse público esse clima de instabilidade. Muito obrigado. Para mim, foi uma alegria imensa ouvi-los e rever vários amigos que há muito tempo eu não via.
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A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Prof. Jacintho, pela sua contribuição muito, muito valiosa para todos nós.
Eu passo, então, a palavra agora ao Prof. Alexandre Santos de Aragão, que é professor de Direito Administrativo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, enaltecendo o privilégio de tê-lo aqui conosco, a sua participação e a sua disponibilidade.
Muito obrigada.
O SR. ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO - Muito obrigado, Ministra Regina Helena.
Quero agradecer à senhora, agradecer ao Prof. Valter Shuenquener pelo convite, e fazer aqui algumas breves considerações. Alguns temas naturalmente já foram tratados, mas sobre alguns outros eu vou tentar trazer uma perspectiva de algumas cautelas que eu acho que podem ser tomadas e algumas reflexões para serem feitas não necessariamente já como opinião minha preconcebida, mas apenas como reflexões.
Primeiro, eu acho que sobre a lei do processo administrativo federal atual realmente seria bom ela se tornar expressamente uma lei nacional e ela também apreciar até que ponto ela seria uma consolidação de outras leis, até que ponto ela poderia trazer para o seu conteúdo leis esparsas, leis específicas - refletir sobre isso.
Dependendo do nível de exigências procedimentais que se coloque nessa reforma, eu acho que também pode se refletir sobre algum experimentalismo dessas novas normas, como, por exemplo, elas se destinando apenas a entes maiores, como algumas leis já fazem; por exemplo, na PPP, os municípios pequenos não estão sujeitos a determinadas regras. Há algumas leis nesse sentido.
Muitas vezes, nós imaginamos, nós estamos pensando na lei pensando na União e nos nossos estados, só que há municípios muito pequenos, muito desestruturados, há estados mesmo da Federação pequenos e desestruturados. Então, talvez ela pudesse ter algum mecanismo de experimentalismo só para os grandes entes em algumas matérias. Por exemplo, eu concordo plenamente com o Jacintho no sentido de que, na matéria de processo administrativo normativo, deve se colocar um capítulo minimalista sobre o tema, mas colocar um capítulo sobre o tema. E aqui vai ser um grande desafio não só para os entes menores como para colocar esse limite ao chefe do Executivo, que, por enquanto, ao contrário das agências reguladoras, os ministros e todos os entes da Federação estão completamente livres para editar os decretos que quiserem, sem maiores procedimentos a seguir.
Eu queria também tratar de alguns temas que eu acho que merecem uma disciplina, como as medidas cautelares administrativas, reforçar isso. Por exemplo, é espantoso que a intervenção em concessões de serviços públicos não demande nenhum prévio - pelo menos, pela jurisprudência - contraditório. Uma medida tão interventiva assim ser tomada sem nenhum contraditório é realmente espantoso.
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A contagem do prazo de consolidação, por exemplo, de um termo aditivo apenas após o fim do prazo do contrato principal - vai começar a contar a partir dali, não a partir do termo aditivo - é uma questão que pode também ser resolvida.
Aqui eu queria colocar duas cautelas. As primeiras considerações que eu fiz foram do ponto de vista mais da proteção do administrado, e agora eu queria colocar aqui duas considerações de proteção não necessariamente do administrado. Coloco aqui um pouco uma outra visão, talvez usando o meu lado do cérebro de Procurador do estado. É o seguinte. Muitas vezes a gente conversando, às vezes até a imprensa, quando fala da administração, fala do gestor. Eu vejo muito isso em responsabilidade civil do Estado. "Não, então o Estado vai pagar. E esse gestor aí que fez a besteira também vai ver agora". Na verdade, no pagamento dessa sentença que está condenando o Estado, provavelmente esse gestor ainda vai estar até morto ou aposentado, ou o Governador já vai ter deixado de ser Governador há décadas. Então, quem vai pagar não é o gestor. Quanto a isso, em silêncio administrativo, eu sinto muito, eu acho que a intervenção no Paulo Modesto foi muito feliz.
E aqui eu trago uma visão de Direito Administrativo multipolar - o Floriano aí é professor de todos nós -, junto com a doutrina portuguesa, alemã. O silêncio administrativo não é assim: "Ah, o Estado não se pronunciou, então também agora é silêncio positivo, particular. Coitado daquele particular, vai ter o seu ato deferido", como se o problema fosse entre aquele particular pormenorizadamente considerado e o Estado e o gestor, mas não é, ainda mais num Direito Administrativo multipolar, que tem toda a sociedade envolvida, tem o vizinho, tem o bairro. Então, por exemplo, uma licença urbanística deferida por silêncio administrativo pode afetar a vida do bairro, pode afetar a vida dos vizinhos. Então, algum procedimento de chamamento ao processo talvez de possíveis interessados naquele silêncio administrativo poderia ser uma medida que acautelaria isso, porque realmente os riscos de decisões administrativas por silêncio administrativo são gigantescos, e eu acho que a gente tem que tirar um pouco da cabeça essa questão de: "Ah, o Estado não falou, então também vamos nos vingar do Estado. Vamos dar o silêncio administrativo". Se o problema fosse só para o Estado, para o agente público, seria ótimo, mas muitos atos administrativos não dizem respeito só ao Estado e ao particular requerente; diz respeito à sociedade como um todo.
Eu diria a mesma coisa em relação à consensualização, como se a consensualização fosse uma matéria apenas entre o Estado e o particular, e muitas vezes esse ato consensual vai afetar toda a sociedade. Então, no ponto de vista do Direito Administrativo multipolar, o silêncio administrativo e a consensualização têm que estar considerados também. E aqui, trazendo o princípio da realidade, do Prof. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a gente tem que ver que, muitas vezes, a administração não está equipada para atuar com tanta rapidez. Pode haver matérias técnicas em que ela tenha que contratar alguém, por dispensa, por urgência, para dar um laudo para ela. Toda grande organização - até organizações empresariais privadas, mas de tamanho gigantesco - tem dificuldade nos seus trâmites internos, ainda mais a administração, que está sujeita a tantos limites procedimentais, contratuais, licitatórios, de concursos públicos, etc. Outra questão, aqui dentro do princípio da realidade, é que, da mesma forma que nós não podemos pressupor patologias no uso de consensualização, de silêncio administrativo, nós também não podemos pressupor que só agentes públicos probos e agentes empresariais éticos, bem-intencionados vão estar interessados nesses silêncios administrativos e nessas consensualizações administrativas. A história brasileira mostra o quão perversa e mal-intencionada, de parte à parte, é... Muitas vezes, atos administrativos consensuais, inclusive como termos aditivos, foram praticados por agentes privados e por agentes públicos. Então, nós estamos num país em que o nível de malversação do interesse público é elevado; nós também não podemos abstrair essa realidade.
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Então, cautelas têm que ser feitas, eu acho, diante desses dois fatos, tanto de um Direito Administrativo multipolar - em que a consensualização e o silêncio administrativo estão longe de implicar apenas os administradores públicos e os particulares, individualmente considerados, que requereram determinada atitude -, como de uma administração que, muitas vezes, estruturalmente, juridicamente, não tem condições de agir tão rapidamente quanto se desejaria. E também, como afirma um relatório que o Departamento do Estado norte-americano, ainda da época do Governo Bill Clinton, fez sobre o Brasil, o Brasil tem uma corrupção endêmica. Então, nós devemos estar cientes dessas realidades ao tratar desses novos e alvissareiros institutos do Direito Administrativo, que têm que lidar talvez, infelizmente, com essa realidade.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Prof. Alexandre, pelas suas pontuais observações e também por trazer essa visão do outro lado, como se diz, a visão do Estado, dos bastidores do Estado. Eu também fui Procuradora de Estado por muitos anos, e acho importante que essa visão seja colocada também, como as demais. Muito obrigada pela sua participação.
Eu, então, agora passarei a palavra ao último dos nossos palestrantes aqui, se é que se pode dizer que dez minutos é uma palestra, mas, enfim. Nos dias de hoje, em que a velocidade é respeitada e há limites de velocidade para tudo - aqui também -; então, nós vamos passar a palavra agora ao Dr. Adler Anaximandro de Cruz e Alves, que é Advogado-Geral da União Substituto, agradecendo a sua presença e a possibilidade de participação na contribuição aqui para os nossos trabalhos. Muito obrigada.
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O SR. ADLER ANAXIMANDRO DE CRUZ E ALVES - Boa tarde a todos.
Eu queria saudar a Ministra Regina Helena Costa, agradecer pelo convite, e agradecer ao Secretário Valter Shuenquener por ter sensibilizado a Advocacia-Geral da União a poder contribuir com esse debate. Eu costumo dizer, Ministra, que a Advocacia-Geral da União - e eu disse isso na semana passada no Fórum Permanente de Processualistas Civis - tem a felicidade de ser um importante laboratório para processo civil e para processo administrativo, não é? Aqui, por conta da nossa competência constitucional, nós atuamos, tanto na assessoria e na consultoria jurídica das entidades, ministérios, autarquias no que pertine ao processo administrativo, como atuamos também na representação judicial - quando, muitas das vezes, falhas nesses processos administrativos são levadas ao conhecimento do Poder Judiciário. Então, nós conseguimos aqui, de certa forma, ter uma visão privilegiada sobre o que, no processo administrativo, pode funcionar e o que não pode funcionar.
Então, eu queria saudar a senhora, agradecer o convite e saudar todos os palestrantes. Foi extremamente enriquecedor aprender com cada um de vocês. E cumprimento todos os palestrantes, na pessoa da minha querida Profa. Cristiana Fortini, que me deu aula no início da carreira lá na Universidade Federal de Minas Gerais.
Eu queria começar minha exposição fazendo esta menção de que o olhar que eu trago aqui à Comissão é a prática que a AGU tem em relação a esse tema. Eu gostei muito da forma como os painelistas colocaram a realidade dual, de tratar o processo administrativo pela ótica normativa e pela ótica subjetiva. Mas aí eu vou pedir todas as vênias possíveis à academia: nós aqui na AGU tratamos o processo administrativo com uma outra taxonomia, não é? Nós aqui costumamos dividir os processos administrativos em sancionadores, em processos administrativos regulatórios, em processos administrativos de supervisão e em processos administrativos de solicitação. Estes, de solicitação, são aqueles processos basicamente em que o administrado vem, perante a administração, requerer algum tipo de benefício ou algum nível de licença, e esse é um processo que, dentro da nossa experiência, é o que mais leva a conflitos judiciais. Então, para cada um desses pontos desses processos - pedindo novamente vênia à academia pela forma como nós aqui na AGU resolvemos catalogar esses processos, para dar certa fluidez de interpretação a cada um desses ramos -, eu gostaria de chamar a atenção para como foram classificados aqui pela própria Advocacia-Geral da União.
Especialmente em relação ao processo administrativo regulador - e aqui eu faço um parêntese só para diferenciá-lo de por que não o chamamos de processo administrativo normativo, não é? -, nós chamamos aqui na administração pública federal o processo administrativo normativo de "processo comum de confecção de atos", sejam portarias, minutas de decretos, minutas de projeto de lei. Então, esses atos podem ou não ter um caráter regulador. Por isso, a gente o chama especificamente de processo administrativo regulador.
E aí, nesse aspecto específico, Ministra, eu chamo atenção para - assim como a banca que já chamou a atenção - a existência da Lei 13.874, que é a Lei da Liberdade Econômica, que, em seus arts. 4º e 5º, já faz algum nível de dimensão a procedimentos que devem ser observados e adotados pela administração pública quando da sua atividade regulatória.
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Esse é um ponto extremamente importante, eu acho que qualquer evolução do texto da lei do processo administrativo precisa trazer em si uma consonância com o que já está na Lei de Liberdade Econômica, seja ressalvando a aplicabilidade dessa lei que se tornaria especial, seja tratando a matéria de uma forma mais ampla para que não haja nenhum tipo de antinomia entre uma novel legislação e a Lei de Liberdade Econômica, não é?
Na questão propriamente do poder do processo administrativo de supervisão, eu faço coro aqui com os demais professores no sentido de que é importante tratarmos de questões cautelares e medidas que possam ser tomadas de antemão, uma vez que a administração tenha que agir na supervisão de hábitos. E isso é muito comum no Banco Central do Brasil, na Comissão de Valores Mobiliários. A supervisão demanda que, muitas das vezes, para que haja uma proteção de todo o sistema, medidas cautelares precisem ser tomadas em prol do interesse público. A supervisão tem essa especificidade.
Então, a Lei de Processo Administrativo... Quando esta Comissão aqui se debruçar sobre eventualmente a tratativa de medidas cautelares, é importante a gente ter atenção focada na questão do processo administrativo de supervisão, porque é um processo com algum grau de especificidade, e ele requer, muitas das vezes, atuações cautelares em detrimento do particular, para a manutenção da higidez de um sistema, não é? Isso é muito comum no sistema financeiro, isso é muito comum na questão relacionada a valores mobiliários, em que a atuação rápida da administração pública precisa ser feita e eventualmente homologada por outra instância colegiada, como é próprio desses setores, não é?
Especificamente na questão do processo administrativo sancionador, eu peço licença aqui para chamar a atenção para dois pontos bastante específicos. Eu já tive a oportunidade de presidir a Câmara de Recursos da Previdência Complementar, onde nós fazíamos o julgamento em grau recursal das sanções aplicadas aos gestores de previdência complementar, que são autuados pela Previc, a Superintendência de Previdência Complementar brasileira. E um tema que nós reiteradamente tratávamos nas nossas decisões era a discussão sobre a suficiência probatória.
Ninguém aqui questiona a importância da dilação probatória, a questão da ampla defesa, da possibilidade de o autuado usar todos os mecanismos lícitos de defesa, mas, em determinado momento, a suficiência probatória tem que ser entendida, porque, sem ela, a administração não consegue julgar. Então, invariavelmente, nas instâncias decisórias da administração pública, principalmente no que se refere ao direito sancionador, há uma invariável alegação de cerceamento de defesa.
Então, ali, naquele caso concreto, há sempre um pedido de uma perícia, há sempre um pedido de um depoimento pessoal, e a gente tem que entender que, em determinados momentos, a administração, enquanto órgão judicante, tem que formar a convicção sobre a suficiência probatória. Então, eu chamo a atenção para isso, porque talvez isso precise ser tratado... Quando a administração fundamentadamente entende que já há elementos para a tomada de decisão, ela pode, a bem da celeridade processual, a bem do tempo razoável de duração do processo, tomar na sua decisão a fundamentação de entender que há suficiência probatória para tomada de decisão.
Um outro ponto que nos chama muita atenção na questão do direito administrativo sancionador é a questão de que, a partir do momento em que há o trânsito em julgado administrativo desse direito sancionador, abre-se um segundo processo administrativo de constituição do crédito.
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E aqui, como nós estamos numa Comissão paralela, tratando também do processo administrativo tributário, eu chamo a atenção para o processo administrativo relativo a créditos não tributários, que, em sua grande maioria, surgem do Direito administrativo sancionador, mas também surgem por atos ilícitos, por fraudes, por questões contratuais. E é muito importante que talvez a lei faça menção a um regulamento que, de forma única, uniforme, consiga tratar, num ato regulamentar - obviamente isso não precisa estar na Lei 9.784 ou na lei que venha a substituí-la -, de uma maneira única, toda a forma de constituição de créditos administrativos decorrentes de créditos não tributários. Isso aí é algo de muito bom tom.
Entro agora, e já encaminhando para o final, na questão do processo de solicitação. É o processo para o qual eu chamei a atenção no início, em que o administrado busca, da administração pública, o requerimento de um benefício. E aí, o exemplo mais claro que nós temos aqui são os processos de requerimento de benefícios previdenciários.
Só para que todos tenham uma ideia, o INSS recebe mensalmente 1,8 milhão de requerimentos administrativos, e para que nós tenhamos uma adequada prestação de serviço, a questão do tempo de tomada de decisão tem que ser ponderada e tem que ser graduada, porque nós não podemos imaginar que uma autarquia que tenha pouquíssimas solicitações tenha que dar a decisão no mesmo tempo do INSS, que tem 1,8 milhão de processos a serem processados.
Então a questão da tomada de tempo, o tempo necessário para tomada de decisão precisa ser ponderado diante da enormidade de casos que nós poderemos ter.
Então eu finalizo aqui a minha fala, novamente agradecendo a atenção, o convite. E vamos, Ministra, encaminhar algumas sugestões formalmente, por escrito. Agradeço novamente o convite.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Dr. Adler. Nós esperaremos a contribuição da AGU, que é um órgão tão atuante, tão importante para o país. Então agradeço muito a sua disponibilidade e disposição para participar.
Muito bem, eu agora vou suspender a reunião de audiência pública, terminada essa primeira parte, não sem antes agradecer a todos que aqui se manifestaram hoje, pela sua valiosíssima contribuição, pelos diversos pontos de vista, pelas críticas, pelas sugestões. Eu tenho certeza de que todos que estão acompanhando a audiência pública ficaram impressionados e satisfeitos com o altíssimo nível das ideias que foram aqui colocadas, das exposições que foram efetuadas, não obstante o exíguo prazo de dez minutos, porque nós discutimos muito qual seria o prazo, e dez minutos foi o prazo possível. Agradeço imensamente a participação de todos.
E também agradeço, porque vejo aqui a presença de alguns membros da Comissão, membros da Comissão que vai estudar todas essas propostas, que vai debater. Então agradeço aos membros que estão aqui acompanhando, vários deles, inclusive ao Prof. Gustavo Binenbojm, que já esteve em trânsito, já saiu do lugar, já andou de carro, já voltou, então é uma disposição total aqui para participar. Agradeço imensamente a sua presença.
Com isso...
O SR. GUSTAVO BINENBOJM - Ministra. Se me permite, Presidente.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Pois não.
O SR. GUSTAVO BINENBOJM - Só para me justificar. Eu tive essa viagem a Brasília, do Rio de Janeiro, já marcada há algum tempo. De forma nenhuma, gostaria de soar indelicado com os nossos brilhantes expositores e expositoras, que nos brindaram com sugestões, comentários e insights muito valiosos para o trabalho da Comissão.
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Então, eu queria cumprimentar V. Exa. e também ao Dr. Valter Shuenquener pela ideia dessa audiência inicial. Certamente foi a audiência pública mais qualificada da qual eu tive a honra de participar, na condição de expectador. Acho que a Comissão fará muito bom proveito de todos os comentários, sugestões, críticas, cada um com seu lugar de fala, cada um com a sua experiência, agregando a sua experiência e os seus conhecimentos valiosos para que os trabalhos da Comissão sigam em frente.
Peço desculpas por esse mau jeito do trâmite. O trânsito aqui pelo Santos Dumont - estou indo para Brasília...
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - De maneira alguma. Estou elogiando V. Exa....
O SR. GUSTAVO BINENBOJM - Agradeço.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Estou elogiando V. Exa. porque nada foi capaz de detê-lo para participar, nada mesmo.
O SR. GUSTAVO BINENBOJM - Felizmente, pude ouvir todos.
Obrigada, Ministra. E parabéns pela condução.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada. Agradeço a participação de todos.
Então, declaro suspensa esta audiência pública cujos trabalhos retornarão às 14h.
Muito obrigada e boa tarde a todos!
(Suspensa às 12 horas e 21 minutos, a reunião é reaberta às 14 horas.)
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A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Eu peço a gentileza da TV Senado para iniciar a transmissão em 20 segundos, por favor. (Pausa.)
Boa tarde a todos.
Eu declaro reaberta a 2ª Reunião da Comissão de Juristas da Reforma do Processo Administrativo e Tributário, criada pelo Ato Conjunto dos Srs. Presidentes do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal nº 1, de 2022, que institui a Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojetos e de proposições legislativas que dinamizem, unifiquem e modernizem o processo administrativo e tributário nacional.
Eu reitero que a presente reunião destina-se à realização de audiência pública com a finalidade de receber sugestões da sociedade civil para o aperfeiçoamento dos trabalhos da Comissão.
Como forma de conferirmos mais clareza e dinamismo aos debates, a audiência foi dividida em duas partes. Na parte da manhã, nós já tivemos como foco o processo administrativo. Foi uma audiência pública excelente, com muitas manifestações interessantes, com muitas colaborações e, agora, a partir das 14 horas, nós teremos esta segunda parte da audiência pública dedicada ao tema processo tributário.
Eu quero agradecer a presença dos integrantes da Comissão que estão aqui, bem como a dos senhores e senhoras convidados para se manifestarem na audiência pública como painelistas desta segunda parte dos trabalhos.
Eu também gostaria de destacar que esta reunião é realizada de forma remota e transmitida pelo canal da TV Senado no YouTube. Os cidadãos interessados podem enviar suas contribuições por meio do Portal e-Cidadania, endereço www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211. As perguntas serão encaminhadas a esta Presidência e ao conhecimento dos Srs. Relatores.
Também gostaria de esclarecer, quanto ao uso da palavra, que vou, inicialmente, passá-la ao Dr. Marcus Lívio Gomes, magistrado federal, Professor de Direito Tributário e, nesta Comissão, atuando como Relator da Subcomissão do Processo Tributário para essa introdução, e, depois, na ordem em que chamarei, cada especialista terá o prazo máximo de dez minutos para expor suas ideias. De todo modo, é claro, os exortamos a que, desde que o queiram, enviem para nós o material relativo às suas falas, quer sejam textos, quer sejam eslaides. Toda contribuição é muito valiosa para nós.
Dito isso, eu, agradecendo pelas contribuições que já foram enviadas, então, dou início a este segundo painel, passando, imediatamente, a palavra ao Dr. Marcus Lívio Gomes.
Obrigada.
O SR. MARCUS LÍVIO GOMES - Boa tarde a todos e a todas.
É uma imensa honra estar participando deste painel sobre a reforma do processo tributário.
Agradeço imensamente a confiança depositada pela Ministra Regina Helena Costa, Presidente da Comissão de Juristas.
Agradeço ao meu amigo e dileto colega de departamento, Dr. Valter Shuenquener, que é o Relator da Subcomissão de Processos Administrativos.
Tivemos debates muito interessantes pela manhã no processo administrativo. Com certeza, várias questões ali levantadas serão trazidas para o bojo do processo administrativo e do tributário.
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Eu tenho absoluta certeza de que os painelistas aqui convidados, todos brilhantes e especialistas no tema, Profa. Betina, Profa. Tathiane, Prof. Heleno, Prof. Luís Eduardo Schoueri, Prof. Cassio Scarpinella Bueno, Prof. Renato Lopes Becho, Prof. André Mendes Moreira, Profa. Isabela Bonfá de Jesus, Prof. Paulo Roberto Lyrio Pimenta, Prof. Sérgio André, Prof. Lucas Bevilacqua e Prof. Ricardo Almeida, farão participações bastante assertivas e bastante colaborativas para o sucesso dos trabalhos.
Eu tenho absoluta certeza de que teremos êxito, sucesso e que daqui sairão propostas concretas que, com certeza, contribuirão para melhorar o processo tributário, o processo administrativo tributário.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Obrigada, Dr. Marcus.
Então, eu vou, imediatamente, passar a palavra ao primeiro dos nossos expositores, o Prof. Heleno Torres, Professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo e Diretor Presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF).
Quero agradecer a sua presença, a sua disponibilidade para contribuir conosco, e tenho certeza de que só engrandecerá os trabalhos da Comissão.
Muito obrigada.
O SR. HELENO TORRES - Muito obrigado, Exma. Sra. Ministra Regina Helena Costa. É uma satisfação muito grande contribuir com esta Comissão. Parabéns! E cumprimento, em seu nome, todos os membros desta Comissão, sobre a qual depositamos as maiores expectativas para os avanços necessários no processo. Eu queria saudar a todas as integrantes desta Comissão, as que estão aqui, igualmente aos integrantes, e o faço justamente para dizer da minha satisfação e honra de estar ao lado de todos e todas que estão aqui presentes. Também quero saudar a audiência.
Esse é um grande tema. Eu diria que, hoje, é um dos maiores e mais importantes temas da grande reforma tributária de que o Brasil precisa. A reforma tributária brasileira não está focada apenas em mudar o ICMS, trocar rótulos de impostos ou de contribuições. Não; a grande reforma tributária está na simplificação de processos e de procedimentos, e é exatamente este, Ministra Regina Helena Costa, o conteúdo central desta Comissão importante que V. Exa. preside. Então, este é o momento que eu acho da maior elevação em termos de reforma tributária.
Sobre essa vertente, eu tenho debatido ao longo de muitos anos e, primeiramente, eu gostaria de estabelecer aqui alguns pontos centrais, porque o tempo é muito curto, sobre os quais eu acredito que a Comissão poderia dar uma enorme contribuição.
O primeiro deles diz respeito ao formato. Eu gostaria de ver, como resultado desses trabalhos, um processo de codificação. Logicamente, compete à União legislar em matéria de processo civil; e, tratando-se de processo judicial, é essa competência exclusiva do Congresso Nacional, vinculante para todos os entes da Federação, independentemente de ser em matéria tributária.
É lógico que aqueles conteúdos que, eventualmente, possam ter alguma relação com o crédito tributário poderão ser objeto de alguma reforma do Código Tributário Nacional, mas a matéria processual esta é exclusivamente de competência da União.
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E, nesse sentido, a meu ver, quer dizer, na linha do próprio Código de Processo Civil, nós poderíamos ter uma codificação especial para a matéria tributária que consolidasse não apenas toda a legislação atinente a mandado de segurança e suas especificidades em matéria tributária, ações anulatórias e tantos outros procedimentos especiais, juntamente com a própria execução fiscal e uma parte geral que permita o trânsito do processo administrativo para o processo judicial que simplifique, facilite e reduza a litigiosidade.
Hoje, nós temos uma enorme litigiosidade decorrente do próprio processo. Veja, por exemplo, o caso das garantias. A meu ver, nós teríamos que, ao extinguir a Lei 6.830 - isso é um dever cívico nacional -, revogar a Lei 6.830, de 1980, que não tem hoje nenhuma eficácia em termos de efetividade em matéria de execuções fiscais - e, ao mesmo tempo, digo isso com ênfase na questão de garantias. São justamente essas exigências de garantias que hoje retiram do Poder Judiciário a discussão sobre grandes temas, grandes conteúdos, questões jurídicas importantes ou retardam essa discussão.
E por que retardam? Porque justamente a discussão sobre garantia assume um subcontencioso muitas vezes até mais demorado do que a própria discussão de fundo da questão tributária. Quanto mais simplificarmos o procedimento melhor será o resultado no aproveitamento da solução jurídica da matéria tributária de fundo. Então, essa é a questão das execuções, a meu ver.
Quando em 2009, em um enorme esforço do em um enorme esforço do Procurador-Geral da Fazenda Nacional do Ministério da Fazenda, Luís Inácio Adams, foram propostos dois projetos: um de reforma da Lei 6.830 e outro que introduzia a Lei Geral de Transação. E ali, nesses dois projetos, já havia essa preocupação de acabar com essa exigência de garantias, salvo para casos obviamente onde as circunstâncias o exijam, a exemplo daquilo que acontece, por exemplo, na cautelar fiscal, situações excepcionais que, logicamente, exijam essa cautela por parte do Poder Judiciário.
Excetuado isso, creio que poderíamos resolver esse problema, porque hoje, Ministra, acredito eu que somente algo em torno de 2% dos processos em curso do Poder Judiciário estão garantidos efetivamente de modo total ou parcial. E total, salve engano, são 5% de todo o volume das execuções fiscais, que somam mais do que 37% de todos os 75 milhões de processos que estão em tramitação na esfera federal. No Estado de São Paulo, no Tribunal de Justiça, são 60% de todos os processos em curso no Tribunal de Justiça. Então, é lógico que isso precisa passar por uma grande reforma.
O outro aspecto diz respeito a, uma vez pensada essa codificação... Eu comparo sempre o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux ao nosso Teixeira de Freitas do século XXI: fez a codificação do processo civil geral, e eu acredito que a gestão dele poderia ficar marcada por essa nova proposta de um Código Tributário, que foi pensado lá atrás junto com o nosso Código Tributário - desculpem, um Código de Processo Tributário -, mas que, à luz da nossa Constituição de 1988, vejo que não precisaria vir por meio de lei complementar; poderia ser feito por lei ordinária, independentemente de alguns ajustes eventuais no próprio CTN.
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Agora, ao lado dessas recomendações, eu gostaria de lembrar do trabalho que foi feito no Conselho Nacional de Justiça por uma comissão de juristas da qual eu tive a honra de participar ao lado de outros colegas que estão aqui presentes, a convite do meu querido amigo e irmão Marcus Lívio, que tem feito um trabalho magnífico, ao lado do Ministro Luiz Fux nesse sentido e, ao seu lado, Ministra Regina Helena Costa, que, com o seu brilhantismo, soube construir e arquitetar a Recomendação nº 120, de 28 de outubro de 2021.
Essa recomendação o que faz? Ela agrega todas as demais sugestões necessárias para o uso de medidas alternativas de soluções de conflitos. E nós precisamos implementar a conciliação em matéria tributária, implementar medidas que já estão no próprio Código de Processo Civil e ampliar o acesso à Lei Geral de Transação para os contribuintes, e, ao mesmo tempo também, pensar em novas medidas e em novas alternativas, como é o caso da arbitragem tributária.
Nós temos um projeto em tramitação no Senado Federal, de autoria da Senadora Daniella Ribeiro, ao lado também de outro também do então Senador Anastasia. Eu acredito que esse material possa também contribuir muito para que a Comissão se preocupe fortemente em incluir, nesse Código de Processo Tributário, esta parte relativa às medidas especiais de conciliação em matéria tributária, de arbitragem em matéria tributária, de questões atinentes à transação e à mediação, tema tão caro ao Ricardo Almeida e a outros colegas, como à Tathiane Piscitelli, na Fundação Getúlio Vargas, que tem falado muito sobre esses grandes temas. E, ao longo dos últimos 20 anos, creio, tenho insistido muito em superarmos essas limitações de formalismos exagerados no âmbito do processo tributário.
Para concluir, eu diria que é exatamente nesta linha de pensarmos o processo tributário do futuro que, sem dúvida alguma, esta Comissão tem um espaço e, mais do que tudo, tem uma oportunidade extremamente relevante para fazer esta reforma tributária tão necessária em termos de simplificação, que não só atenda ao contribuinte, mas também a arrecadação tributária. Essa conjugação de esforços é fundamental e necessária, especialmente porque, com a solução dos conflitos, nós poderemos ter, obviamente, um melhor resultado fiscal e, lógico, com a redução da conflitividade em matéria tributária, a melhoria do ambiente de negócios, mais trabalho, mais emprego e mais oportunidades para todos.
Muito obrigado, Ministra.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Prof. Heleno.
Agradeço imensamente a sua participação e por ter se disponibilizado, apesar de estar fora do Brasil, a participar aqui da nossa audiência pública.
Muito obrigada.
O SR. HELENO TORRES - É uma honra.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada.
Eu então passo a palavra imediatamente à Profa. Betina Treiger Grupenmacher, que todos conhecem também, que é Professora e agora titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Agradecendo também a sua participação, Profa. Betina, que também abrilhantará aqui os nossos trabalhos.
Tem a palavra por dez minutos.
A SRA. BETINA TREIGER GRUPENMACHER - Muito obrigada, Ministra Regina e Dr. Marcus Lívio. É uma alegria muito grande participar dessa audiência.
Na verdade, mais do que tudo, eu fiquei muito envaidecida com o convite, porque a oportunidade é muito relevante. É o momento em que a gente pode compartilhar experiências que a gente tem. Embora eu tenha uma atividade acadêmica intensa, eu sou advogada, e a gente identifica, no dia a dia da gente, algumas situações que poderiam diminuir o nível de litigância, que poderiam trazer maior segurança jurídica para os contribuintes, enfim, para todos os envolvidos no processo tributário.
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Como nós temos um tempo bastante exíguo, e eu, pessoalmente, tenho autoconsciência de que eu não sou confiável, resolvi fazer uma apresentação em PowerPoint para organizar o meu raciocínio e poder aproveitar bem estes dez minutos.
Então, eu vou tomar a liberdade de compartilhar a minha tela, para que a gente possa falar um pouco sobre isso.
A minha ideia foi, na verdade, dividir a minha fala em três blocos: sugestões de alterações no Código de Processo Civil; sugestões de alterações na Lei de Execução Fiscal; e sugestões de alterações no Código Tributário Nacional, todas elas voltadas ao processo tributário, a alterações no processo tributário.
Inicialmente, a primeira sugestão que eu daria, em relação uma possível alteração no Código de Processo Civil, diz respeito à questão do consequencialismo que nós temos observado hoje nas decisões judiciais em matéria tributária e que tem se mostrado um forte elemento de insegurança jurídica para os contribuintes não só em primeiro grau de jurisdição, mas também em segundo grau de jurisdição. A sugestão que eu daria seria para afastar esse consequencialismo que se manifesta, na verdade, quando as decisões invocam a proteção ao orçamento do Estado, o risco ao orçamento do Estado em determinadas decisões.
Esse argumento do risco orçamentário não é efetivamente um argumento jurídico e não é adequado, portanto, ao que está previsto no art. 11 do Código de Processo Civil, que diz que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentados sob pena de nulidade. Eu acresceria ou sugeriria um acréscimo de que essa fundamentação deve apontar argumentos de natureza jurídica, porque os argumentos de natureza orçamentária, definitivamente, não têm amparo jurídico.
Essa seria uma possível alteração no art. 11 ou, eventualmente, no art. 20 da Lindb.
Outra sugestão seria uma alteração no art. 927, §3º, do Código de Processo Civil, e no art. 27 da Lei 9.868, no que diz respeito à modulação dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal que invocam o interesse social e que, nessa medida, apontam como interesse social também os riscos ao orçamento público. Parece-me que necessário seria uma alteração no sentido de que o magistrado indicasse qual o interesse social protegido ou qual o excepcional interesse social também referido nas decisões do Supremo Tribunal Federal.
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Enfim, a ideia é mitigar ou diminuir esse consequencialismo das decisões, porque, pessoalmente, o que eu observo, inclusive no dia a dia da advocacia, é que esse tipo de decisão incentiva os maus pagadores no Brasil. O que o contribuinte pensa? "Como eu não tenho segurança de que eu vou receber de volta aquilo que eu paguei indevidamente, eu vou deixar de pagar, vou aguardar o julgamento dos tribunais superiores e vou fazer esse pagamento no futuro." Então, isso é muito comum, é corriqueira no dia a dia a ideia do contribuinte de que não vale a pena pagar e de que o melhor é esperar, em razão dessas decisões que são consequencialistas. Essa seria uma primeira sugestão de alteração no Código de Processo Civil.
Ainda, acho necessário que se estabeleça uma previsão de que as decisões do Supremo Tribunal Federal vinculem mais pela sua ratio e não pela tese. O que eu quero dizer com isso? Em decisões como a do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, por exemplo, essas decisões poderiam ser estendidas a todos os demais casos em que se estivesse discutindo a inclusão de um tributo na base de cálculo de outro, sem a necessidade de que isso fosse totalmente novamente enfrentado pelos tribunais superiores. Então, acho que este também é um tema de extrema relevância: o reconhecimento de que o que vincula nas decisões dos recursos extraordinários é a ratio e não a tese.
Em relação às alterações na Lei de Execução Fiscal, são várias. Por isso, eu vou fazer brevemente algumas referências. Tenho certeza de que os colegas também enfrentarão alguns desses pontos.
Em primeiro lugar, o que eu sugiro é uma alteração para incluir a possibilidade de admissão, com efeito suspensivo automático, dos embargos, como ocorre no Código de Processo Civil, com uma alteração no art. 32, §1º, da LEF; e ainda a previsão de uma cautelar de antecipação de penhora. Acho importante que a gente tenha... A gente hoje tem essa previsão em alguns âmbitos fazendários, mas seria importante que a gente tivesse uma cautelar específica, que autorizasse essa antecipação de penhora, que, hoje, inclusive, é aceita, mas em razão de decisão em recurso repetitivo.
A possibilidade de liquidação de garantias apenas após o trânsito em julgado da decisão de embargos, liquidação de garantias como o seguro-garantia, a fiança bancária, etc.
Ainda acho necessária a alteração do art. 16, §1º, para prever a possibilidade da compensação realizada previamente aos embargos. Esse é outro problema que a gente encontra com frequência no dia a dia da advocacia tributária.
Penso também que seria interessante uma previsão no sentido de que a Fazenda, quando fosse, enfim, sucumbente, vamos assim dizer, no processo, devolvesse as despesas realizadas com a fiança bancária e também com o prêmio pelo seguro-garantia.
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Ainda acho importante a alteração da Lei de Execução Fiscal para incluir os requisitos relativos à possibilidade da aceitação do seguro-garantia.
Essas seriam as alterações em relação à Lei de Execução Fiscal.
E, finamente, no que diz respeito às alterações que me parecem importantes no que concerne ao processo tributário, vamos assim dizer, de maneira genérica, é uma alteração no art. 151 para prever que o seguro-garantia e a carta de fiança sejam causas suspensivas da elegibilidade do crédito tributário. Essa seria a alteração no art. 151. Já em relação ao art. 206, acho importante uma alteração no sentido de inserir uma previsão de que a ação de antecipação de garantia levaria à obtenção da CND para evitar esses problemas que usualmente ocorrem e que as empresas têm enfrentado. Enfim, essas são fundamentalmente as sugestões que eu faria em relação ao processo tributário.
Eu me ponho à disposição para reduzir isso a termo, enviar o material escrito se for necessário.
Ministra Regina, Dr. Marcus Lívio, obrigada pela oportunidade.
Eu estou à disposição para eventuais esclarecimentos.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Profa. Betina. Sua contribuição denota esse trânsito que V. Exa. tem entre academia e prática processual tributária, porque foi muito pontual em relação aos problemas que nós verificamos no dia a dia daqueles que lidam com o contencioso judicial, tributário. Agradeço imensamente a sua participação. Evidentemente, essas propostas serão muito debatidas e muito analisadas. Muito obrigada.
Eu vou dar sequência à nossa audiência pública.
Agora eu vou chamar aqui - deixem-me só localizar aqui o meu papel, que não é um papel, é digital - a Profa. Tathiane Piscitelli, que é também Professora de Direito Tributário, Professora da Fundação Getúlio Vargas, especialista em soluções de composição extrajudicial. Então, eu gostaria também igualmente de agradecê-la por sua disponibilidade e sua participação aqui e dizer que certamente estamos envaidecidos com a colaboração que será prestada. Muito obrigada.
A SRA. TATHIANE PISCITELLI - Muito obrigada, Ministra Regina Helena Costa.
Boa tarde a todos e a todas!
Agradeço muitíssimo o convite e estou muito honrada de estar aqui nesta primeira audiência pública destinada à discussão de temas que são muitíssimos relevantes para a evolução institucional do direito tributário. Eu me sinto absolutamente envaidecida de estar aqui com tantos colegas igualmente competentes.
Dando início imediatamente à minha fala, eu gostaria de reforçar alguns pontos que foram já trazidos pelo Prof. Heleno Torres no que se refere à necessidade de se cogitar alterações processuais como forma de trazer mais racionalidade para o direito tributário em vez de nós só ficarmos discutindo intensamente a reforma tributária e a reforma tributária estrutural que certamente é muito mais difícil e dificultosa da perspectiva política e também da perspectiva normativa. Então, a minha ideia aqui, para além de reverberar essa fala de que, sem dúvida nenhuma, esta Comissão tem um papel muito importante, porque o foco dela está nisso, está numa racionalização do processo tributário, é que eu vou concentrar as minhas considerações exatamente na adoção ou na ampliação de métodos adequados de resolução de disputa em matéria tributária, na medida em que, como a Ministra Regina Helena mencionou, esse tem sido um tema objeto de pesquisa já há alguns anos no contexto da Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas. E aí eu gostaria de trazer algumas contribuições exatamente nesse sentido.
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Eu vou pedir a autorização aqui para compartilhar a minha tela, para que eu possa, então, também... (Pausa.)
Agora, eu não estou conseguindo fazer o compartilhamento da tela. Vocês certamente não estão vendo ainda a minha tela. De todo modo - eu não gostaria de perder tempo com isso -, eu vou seguir sem o compartilhamento e depois eu... (Pausa.)
Ah, obrigada, Anderson, mas acho que a gente tem que voltar para o primeiro eslaide. Você consegue? (Pausa.)
Isso, perfeito. Se a gente pudesse voltar ao primeiro, estaria ótimo, ao primeiro de conteúdo.
Como eu mencionei, o meu foco seria tratar exatamente dos métodos adequados de resolução de disputa. Fazendo uma análise muito rápida, nós temos classicamente dois grandes instrumentos disponíveis: as medidas autocompositivas e as medidas heterocompositivas.
No contexto das medidas autocompositivas, naturalmente nós estamos falando de mediação e conciliação, e a transação tributária tem um papel central na realização dessas medidas autocompositivas e na implementação efetiva. Na minha perspectiva, a transação tributária, que foi criada, em 2020, pela Lei 13.988, pode ser objeto tanto de uma mediação quanto de uma conciliação e, nesse sentido, já está disponível para tornar o processo tributário mais racional e tornar o processo tributário mais efetivo em termos de acesso à jurisdição. Acho que esse deve ser o ponto central.
Quando a gente olha para as medidas heterocompositivas, naturalmente eu gostaria de focar a atenção na arbitragem. Em relação à arbitragem tributária, nós temos dois projetos de lei em andamento no Senado Federal, um de 2020 e outro de 2019, e agora um projeto recente, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei Complementar 17, de 2022.
A premissa fundamental para a gente tratar desses instrumentos e para entender como eles podem ser melhorados e o acesso a eles ampliado deve ser, da minha perspectiva, não a necessidade de combater a morosidade no Poder Judiciário, nem muito menos a necessidade de se trazer mais especialistas ou conter o crescimento da dívida tributária ou mesmo uma medida de arrecadação; o ponto central na adoção desses instrumentos é a ampliação do acesso à jurisdição. Nós não estamos falando aqui de uma medida cuja solução é contingencial; ao contrário, a solução é estrutural. Ela é estrutural, porque ela visa a realização de uma garantia fundamental do Estado social e democrático de direito no qual nós nos inserimos, que é, exatamente, a ampliação do acesso à jurisdição. Então, é a partir dessa chave que eu gostaria de fazer a análise dessas medidas e, especialmente, da grande medida existente que nós temos hoje que é a transação tributária.
Se a gente pudesse mudar de tela, por favor, eu agradeceria.
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Quando a gente olha para a transação tributária, o que nós temos? Todos sabemos que a transação tributária é um método autocompositivo que pressupõe concessões mútuas entre Fisco e contribuinte. E a Lei 13.988, de 2020, quando disciplina finalmente, depois de muitas décadas, a transação tributária em matéria federal, prevê dois grandes modelos de transação: a transação por adesão e a transação individual. Em tese, essa transação poderia alcançar todo tipo de débito, débito inscrito em dívida ativa ou débito perante a Secretaria da Receita Federal, ainda, portanto, não sob a competência da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Aqui começam os nossos problemas, exatamente nesse modelo. E por quê? Porque, quando nós olhamos a fundo para a Lei 13.988 e para a disciplina normativa posterior e, portanto, regulamentar dessa lei, o que nós temos?
Se a gente pudesse mudar a tela, eu agradeceria.
Nós temos que um olhar para a transação individual - no próximo eslaide, por favor - nos mostra que a transação individual só pode ser utilizada na hipótese de débitos inscritos em dívida ativa, o que já é uma limitação importante, e, em segundo lugar, existe um piso de R$15 milhões para que eu possa acessar a transação individual. Como a gente pode ver no próximo eslaide, isso é um problema considerável em termos de acesso à jurisdição, porque eu crio uma determinada casta de contribuintes. Então, só os grandes contribuintes ou pelo menos os grandes devedores têm acesso a essa forma de resolução de conflito em que efetivamente eu tenho concessões mútuas entre Fisco e contribuinte na medida em que eu tenho a possibilidade de estabelecer uma negociação com o Fisco em relação à minha capacidade de pagamento, em relação à possibilidade de quitação daquela dívida tributária. Da minha perspectiva, isso ofende diretamente o princípio da isonomia, porque não há justificativa existente para esse discrime, e o mesmo se diga em relação apenas aos débitos inscritos em dívida ativa. Esse modelo de transação deveria ser possível, em primeiro lugar, para todo e qualquer débito inscrito em dívida ativa ou não, independentemente deste piso de R$15 milhões, porque também é importante a gente considerar que existe uma diferença regional importante no Brasil. O nosso país é um país de dimensões continentais em que, naturalmente, as dívidas tributárias assumem proporções diferentes nas diversas regiões do país. Então, esse é um ponto muito importante que precisa ser revisto.
Ao lado disso - e aí a gente pode ir para o próximo eslaide -, um olhar para a transação por adesão mostra o quê? Mostra que, na verdade, esse modelo de transação por adesão, que é essa transação por edital - a gente pode ir para o próximo -, acaba resultando na ausência da transação como instituto pensado para viabilizar a concessão mútua entre Fisco e contribuinte para viabilizar a negociação. Na verdade, sendo por adesão, não há qualquer possibilidade de o contribuinte negociar com o Fisco, nem realizar concessões. Os instrumentos e, portanto, as condições e requisitos já são condições e requisitos dados, não existe possibilidade de negociação, os débitos são apenas débitos inscritos em dívida ativa. E, novamente, quando a gente pensa nas transações que estão efetivamente em curso e que foram implementadas, no final das contas, na minha perspectiva, o que nós temos aqui é a criação de parcelamento sem previsão legal, porque o que nós temos são portarias da Procuradoria da Fazenda Nacional criando essa modalidade de, entre aspas, "transação". E há um risco gigantesco nisso, porque a gente pode ter a replicação desse modelo que não é transação tributária e, sim, um parcelamento qualificado, um parcelamento que se aplica diante de algumas condições que estão ali estabelecidas, independentemente de as condições serem boas ou ruins. E esse tipo de modelo pode se espraiar pelo resto do Brasil como se transação fosse. Não se trata de transação. A bem da verdade, o que se pretendeu com essa transação por adesão foi combater as sucessivas renovações dos programas de parcelamento, que atingiam todos indiscriminadamente, sem que houvesse uma avaliação efetiva da necessidade ou da capacidade de pagamento dos contribuintes, mas a verdade é que essa substituição também esbarra em questões, primeiro, constitucionais, na medida em que eu tenho parcelamentos criados sem previsão legal, que evidentemente afrontam o Código Tributário Nacional, e, de outro lado, eu tenho também um modelo que não é transação tributária. Então, esses são pontos importantes.
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A partir disso, a gente pode ir para o próximo eslaide, eu teria algumas propostas de aprimoramento, e muitas eu já mencionei aqui. Então, a revisão do piso de 15 milhões, a possibilidade de transação individual para todo tipo de débito, efetivação do princípio da publicidade com transparência quanto aos critérios e aos acordos, e a transação por adesão não pode ser regra.
E, apenas para finalizar, nestes últimos segundos que eu tenho, a gente pode ir para o próximo eslaide: a arbitragem tributária. A arbitragem tributária é um método que precisa ser discutido, em relação ao qual a gente já teve uma evolução institucional significativa, haja vista a existência dos projetos de lei. Em relação a ela, é importante que a gente reforce que não há renúncia ao crédito tributário; ela representaria uma possibilidade efetiva de implementação de um modelo multiportas diante de uma determinada celeridade e especialização. E, nesse aspecto, apenas para terminar, a gente pode até encerrar o compartilhamento de tela, é importante mencionar que a arbitragem também não deve ser vista como um método apenas para os grandes contribuintes. Se nós estamos cogitando uma ampliação de métodos adequados para resolução de disputa em matéria tributária, a chave para isso deve ser a ampliação do acesso à jurisdição. Então, esse tipo de debate, essa discussão pública com a academia e com profissionais da advocacia é absolutamente fundamental para que a gente possa avançar nesse sentido e agregar mais racionalidade ao sistema tributário.
Muito obrigada novamente. Fico absolutamente à disposição para outras colaborações.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Agradeço, Profa. Tathiane. Sei que o tempo foi muito rápido e muito curto para falar tanta coisa, mas ficou muito clara a sua mensagem e certamente todas as suas ideias serão consideradas no nosso trabalho. Muito obrigada.
Imediatamente eu passo a palavra ao próximo especialista, que é o Prof. Luís Eduardo Schoueri, da Universidade de São Paulo, Professor de Direito Tributário da universidade e Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).
Prof. Schoueri, nós que nos conhecemos de tanto tempo, é um prazer revê-lo. Gostaria que fosse presencialmente, mas, por ora, ainda não foi possível. Então, agradeço imensamente a disposição e a disponibilidade de colaborar com os nossos trabalhos. Seja bem-vindo! O prazo é de dez minutos também. Muito obrigada.
O SR. LUÍS EDUARDO SCHOUERI - Muito obrigado, Ministra e Profa. Regina Helena Costa, Prof. Marcus Lívio, Prof. Valter Lobato e todos os professores e companheiros aqui.
Eu vou tentar aproveitar ao máximo os meus 600 segundos. Então, para tanto, se me autorizarem, eu gostaria de compartilhar a tela. Estou tentando isso, parece que não pode; então estou esperando o favor de descontar os segundos, que são muito valiosos. Ainda não consegui, Ministra.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Está bem. Como eu já fiz isso, vou fazer essa concessão.
O SR. LUÍS EDUARDO SCHOUERI - É a quarta vez que tentei aqui e não consegui.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Só vou disparar o relógio depois que o senhor...
O SR. LUÍS EDUARDO SCHOUERI - Quinta vez, Ministra, e não consegui.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Não está conseguindo?
O SR. LUÍS EDUARDO SCHOUERI - Não estão autorizando. Vou tentar de novo.
Agora sim, viu, Ministra, basta pedir um pouquinho que a gente consegue as coisas.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Pois não.
O SR. LUÍS EDUARDO SCHOUERI - Agora eu acredito que todos estão vendo uma tela que eu propus aqui. Ministra, com 600 segundos, eu acabei relacionando quatro temas que eu acredito que possam ser examinados, em temas que podem ser examinados da prática da advocacia. Claro, outros tantos poderiam, mas com esse tempo eu vou tratar desses cinco assuntos que me incomodam bastante, bem práticos.
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O primeiro tema, Ministra, que deve ser enfrentado por esta Comissão é a questão da retroatividade. Por conta de uma decisão do então Ministro do STJ Luiz Fux, acabou se fazendo um chamado diálogo das fontes, de tal modo que se admitiu que a prescrição seja interrompida não como diz o Código Tributário Nacional, no momento do despacho do juiz, mas, sim, esse despacho retroage à propositura da execução, o que dá uma grande insegurança para o contribuinte com relação a quando, afinal de contas, ocorre a prescrição.
Ministra, o tema é de lei complementar. E a lei complementar, é bom lembrar, não é o Código Tributário Nacional original. Nós tivemos aqui a Lei Complementar 118, que tratou do tema da prescrição, a Constituição disse que cabe a lei complementar, e a lei complementar foi explícita dizendo que com o despacho do juiz é que se interrompe a prescrição. No entanto, acabou se fixando essa jurisprudência no STJ, com todo o respeito, me parece até contrariando o que diz a lei complementar.
Então, seria importante que a Comissão enfrentasse esse tema e determinasse agora, por lei, obediência àquilo que diz o CTN, fixando um prazo para dar segurança. Não é possível, Ministra, que a procuradoria proponha no último dia uma execução e o contribuinte, depois, venha a saber que não havia ocorrido a prescrição do caso dele, e aparece uma surpresa como essa. Em nome da segurança jurídica, é necessário que o contribuinte conte com esse prazo. Como diz o CTN, somente no momento do despacho do juiz é que se interrompe a inscrição.
O segundo tema que parece interessante aqui é com relação... Falamos tanto já de garantia, Ministra, veja como todos nos preparamos para o mesmo tema. É muito difícil essa questão. Veja que, embora o STJ já admita que, com uma penhora parcial, você possa ter esse embargo de execução, o Tribunal de São Paulo, por exemplo... E aqui é que o IRDR equivale ao recurso impeditivo no STJ. No caso do Tribunal de São Paulo, se diz que somente com a garantia total é que é possível propositura de embargos de execução.
Precisamos regular isso, Ministra, dizer em que momento eu posso propor os embargos, sob pena de, se o contribuinte não tiver condições de oferecer garantia total, e muitas vezes os débitos são enormes, aparecem multas impossíveis de se pagarem, o contribuinte não ter como oferecer a garantia total - oferece o que ele tem, e não consegue oferecer embargos. Aqui é negativa de jurisdição! Então, é importante que aquele entendimento que o STJ teve seja positivado em lei, assegurando que, oferecida garantia, mesmo que parcial, já se possa falar embargo de execução, já se possa começar a discutir o mérito da execução fiscal.
O terceiro tema é justamente com relação à garantia, é perguntar: o que é garantia parcial, o que é garantia total? E, no fundo, a grande pergunta que eu faria é: quem é que está sendo garantido? É o juízo ou é o credor? Ou seja, o juiz não pode no seu poder de cautela dizer: "Olha, olhando as circunstâncias, me parece que esse valor já é razoável". Essa visão de que a garantia é do juízo e não do credor, o credor não precisa ser ouvido, é o juiz que precisa ficar tranquilo com a garantia, poderia mudar muitas situações.
Eu insisto: têm sido da prática da advocacia aquelas situações em que o contribuinte não tem condições de oferecer garantia maior, mas ele tem que ter a possibilidade de discutir e dizer "eu tenho razão, quero discutir o mérito do meu débito". Então, uma outra proposta seria essa de se falar que é o juízo que quer garantia, que estará refutando a competência do juízo de dar-se por satisfeito e dizer "basta, para mim essa garantia já é suficiente, vamos ao que interessa, vamos discutir se existe ou não existe a dívida tributária". Seria uma terceira proposta que eu traria aqui.
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A quarta questão já foi enfrentada pela Profa. Betina, mas é o que nós chamamos, na prática da advocacia, o limbo, Ministra. O limbo é a situação mais terrível. É a situação em que o contribuinte já terminou o processo administrativo, mas ainda não começou a execução. Então ele fica no limbo. Ele fica num período em que ele não consegue tirar nenhuma certidão. Ele fica torcendo, tomara que comece a execução, porque durante esse período, ele não tem muito o que fazer, ou seja, ele poderia entrar com uma anulatória, mas a anulatória exigiria um depósito do montante. Agora, o contribuinte, para os seus negócios, para o seu dia a dia, precisa conseguir uma certidão negativa.
Então esse período do limbo entre o fim do processo administrativo e o início da execução deve ser regulado. Eu devo modificar, portanto, o 206 do CTN para assegurar que eu consiga uma CND de outro modo. A Profa. Betina sugeriu que fosse com uma cautelar. Enfim, algum modo regulado para que o contribuinte possa oferecer as garantias que sejam no que tiver, no que puder, porque muitas vezes, ele não tem condições.
Eu quero insistir com esse ponto. A prática da advocacia tem mostrado que créditos tributários são enormes; muitas vezes, maiores do que a própria possibilidade de a empresa pagar ou não pagar. Mas eu não posso dizer, olha, só porque eu não consigo pagar tudo, eu não vou nem discutir? Então eu fico numa situação em que me é negada a jurisdição, pela minha incapacidade de pagar.
Nós temos que entrar nesse mérito e falar, discutir o quanto eu posso exigir de garantia e o que é que deve prevalecer aqui. Será que prevalece a tal da garantia do fisco, ou o que prevalece seria, e parece também importante aqui, o direito de defesa do contribuinte, de levar a sua questão ao Judiciário, o acesso ao Judiciário. Eu não posso, como estão fazendo hoje, negar acesso ao Judiciário a milhares de contribuintes.
Fica um jogo muito interessante para o Fisco. Quanto mais alto for o débito, maior a possibilidade de que não se discuta em juízo, já que o contribuinte não vai nem ter condições de discutir em juízo. É negativa de acesso ao Judiciário.
Então, Ministra, eu peço aos doutos integrantes dessa Comissão que enfrentem o tema da garantia diante do acesso ao Judiciário. É importante que o contribuinte tenha direito ao acesso ao Judiciário.
O quinto ponto que eu separei aqui é uma questão mais, agora, de processo administrativo tributário, que nós temos verificado situações, aqui também citei o TIT de São Paulo, veja que situação: nós sabemos que já foi decidido, pelo próprio STJ, que não constitui fato gerador de ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento. Isso é tema do 259, resolvido, súmula do STJ. No entanto, quando chegamos ao processo administrativo, aprendemos, no TIT, um entendimento diverso, permitindo essa tributação. Esse entendimento já foi adotado na Câmara Superior desse TIT: "Ademais, a jurisprudência citada pela recorrente, dos tribunais do Poder Judiciário, não possui efeito vinculante perante este colendo Tribunal de Impostos e Taxas", ou seja, os tribunais administrativos pelo país entendem que eles não se dobram à jurisprudência do STJ. O contribuinte fica dependendo de cada tribunal administrativo, se vai ou não vai tratar dessa matéria.
E aqui é um ponto importante, Ministra, que deve ser enfrentado, e me permita dizer, eu penso que é matéria de lei complementar. Eu penso que a Constituição, no art. 146, quando fala de normas gerais em matéria de legislação tributária, tirou aquela polêmica entre as correntes dicotômica e tricotômica. E eu vejo lá "especialmente sobre". E dentro do "especialmente", encontra-se inclusive prescrição e decadência, a denotar que o Constituinte entendeu que as normas gerais podem ir além das questões de conflito de competência, podem ir além das limitações do poder tributário.
E uma norma geral que trate do processo administrativo como um todo, para pelo menos exigir que todos os tribunais administrativos respeitem a jurisprudência dos tribunais superiores, parece-me mandatória.
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Esses foram os temas que eu trouxe como apresentação. Mas não vou resistir à tentação, depois de ouvir os doutos, de falar um pouco, no tempo que me sobra, sobre a questão da arbitragem. Quero endossar a importância da arbitragem, dizer que seria um tema importante. A minha sugestão, apenas, que já publiquei num trabalho coordenado pela Profa. Tatiane, é que a arbitragem se faça no âmbito do Processo Administrativo, ou seja, o próprio Tribunal Administrativo que hoje tem o poder de tomar uma decisão e anular um auto de infração poderia ter câmaras arbitrais. Ou seja, a natureza da decisão arbitral seria a natureza de uma decisão administrativa. O mesmo Carf que hoje toma a decisão de um modo teria câmaras arbitrais e a decisão seria do Carf. Eu não vejo a arbitragem como algo feito por particulares, mas a arbitragem como algo feito no âmbito dos Tribunais Administrativos.
Por isso, dentro dos meus 600 segundos, agradeço a atenção de toda esta Comissão e também me coloco à disposição para qualquer discussão.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Prof. Shoueri. O Prof. Shoueri já é conhecido por falar rapidamente. Então, aqui, essa qualidade, essa habilidade, foi fundamental na exposição, extremamente proficiente e precisa, pontual. Muito obrigada, Prof. Shoueri. Certamente vai nos provocar muita reflexão; todas essas ideais vão ser analisadas pela Comissão.
Passo, então, ao próximo especialista, que é o Prof. Cassio Scarpinella Bueno, meu colega da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professor de Direito Processual Civil e especialista no tema Poder Público em Juízo.
Muito obrigada, Prof. Cassio, por ter aceito o nosso convite para estar aqui se dispondo a nos ajudar.
O SR. CASSIO SCARPINELLA BUENO - Agradeço, Ministra Regina Helena Costa, meu muitíssimo obrigado pelo honroso convite que me foi dirigido e pela oportunidade de trazer algumas reflexões aos eminentes colegas desta Comissão. Também cumprimento o Dr. Marcus Lívio Gomes, que é o Relator desta Subcomissão de Processo Tributário. É uma honra muito grande para mim.
Sempre digo à Ministra e aos eminentes colegas da PUC, Prof. Renato Becho, Profa. Isabela Bonfá, que são colegas ao vivo e em cores da nossa PUC-SP, que eu sempre me sinto o patinho feito do Processo Tributário, porque eu realmente venho do Processo Civil, mas, por "n" razões, dou-me bem com o Direito Tributário. Como um bom filho da PUC desde a graduação, graças a Deus tive o privilégio de conviver com grandes tributaristas lá, inclusive com a Profa. Regina, em aulas, nas mais diversas circunstâncias. E eu acho que esse diálogo realmente é fundamental.
Então, trazendo aquilo que o Prof. Heleno já falou, Ministra, acho que essa iniciativa de V. Exa., do Presidente do Senado e do Presidente e Ministro Luiz Fux, de fazer uma Comissão pensando num Processo Tributário Jurisdicional - e estamos aqui, na parte da tarde - é absolutamente essencial. Eu digo isso como um processualista civil que convive diariamente com exemplos do Direito Privado, em situações de Direito Privado, mas o grande problema é: se eu tirar aqui o contrato e puser uma relação tributária, como é que fica a coisa julgada, por exemplo? Esse, talvez, seja um dos grandes desafios.
Como premissa, Excelências, depois eu me comprometo a passar a V. Exa. e a todos da Comissão as minhas anotações que eu não coloquei em power point, senão para mim daria o efeito contrário, eu demoraria muito mais do que 600 segundos, como disse o Prof. Shoueri. Só acho que precisamos, com a devida vênia, e falei isso na Comissão de Processo Civil, ter um cuidadinho grande aqui.
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Vejam, se me permitem - e isso, inclusive, para o Processo Administrativo, e é uma questão muito clara para os colegas do Direito Tributário, é questão de competência legislativa -, a Constituição de 1988 inova em relação às outras constituições, falando que a competência da União é para processo e para procedimentos em matéria processual, jurisdicionalmente falando. Essa competência é estadual e distrital. Então, eventualmente, isso pode nos levar a alguma reflexão no desenvolver dos trabalhos etc. e tal. Apenas faço esse alerta. E, o que talvez seja muito importante aqui para o processo administrativo, isso, evidentemente, vai ter que ser observado, o papel de uma lei federal em relação aos estados, aos municípios. Essa é uma grande verdade, é algo inerente à República Federativa.
Um detalhe do Direito Tributário: o que exatamente no CTN só pode ser modificado por lei complementar. E os senhores sabem muito melhor do que eu que isso é um tema complexo. Falar que é norma geral tributária, o.k., mas, por exemplo, isso já foi dito e eu engrosso o eco, o coro: suspensão de exigibilidade do crédito tributário é lei complementar mesmo ou é circunstancialmente lei complementar? Porque a Lei Complementar nº 104 é lei complementar e foi ela que, atualmente, inovou no 151, dizendo de liminar, de tutela antecipada.
Então, estamos de acordo aqui com o que já foi dito. Precisamos melhorar as hipóteses de suspensão da exigibilidade. Mas eu pergunto: tem que ser lei complementar ou pode ser lei ordinária? E, enfim, em time que se ganha, não se mexe. Talvez, precise ser lei complementar, porque, se for lei ordinária, os eminentes colegas da advocacia pública provavelmente vão questionar isso, a forma etc. e tal, e farão, ao meu ver, algo muito coerente. E, enfim, dentro da proposta, Ministra, da Comissão, quer dizer, não é exatamente, obrigatoriamente - pelo que eu entendi, posso estar errado -, um código de processo tributário.
Então, a meu ver, aqui há muitos caminhos importantes a serem seguidos, como uma lei complementar, um projeto de lei ordinária, um anteprojeto de código propriamente. Por isso que eu digo o seguinte: eu, é lógico, como processualista civil raiz, não veria problema nenhum de a gente modificar o CPC e colocar lá umas regrinhas a mais, como a Profa. Betina sugeriu, especificando situações do Direito Tributário. Eu acho até ótimo. A questão é só saber se isso será o suficiente ou se é o caso de se consolidar essas propostas num corpo avulso, certamente, mais didático, mais fácil de se manusear, além do CPC.
Eu digo isso, porque o art. 15 do CPC fala da subsidiariedade e da supletividade do CPC no âmbito do processo administrativo, porque, para nós brasileiros, e todos nós sabemos disso, processo tributário é processo civil, com aquelas regrinhas diferenciadas da Fazenda Pública em juízo - remessa necessária, prazo em dobro, tal - e o resto, a nossa criatividade e as nossas dificuldades.
Então, acho que isso é algo bastante interessante. E, é lógico, certo ou errado, temos hoje duas grandes leis do dia a dia, todos falarão e todos já falaram, da LEF, de um lado, e da Lei do Mandado de Segurança, de outro. Talvez algum projeto de lei, enquanto a nova LEF não vem, até porque isso é um tema à parte - e eu me sinto aqui muito bem representado pelo que se falou e, certamente, pelo que será falado pelo Prof. Renato - mas, na minha opinião, é um caso muito mais complexo. A mim não me desagradaria que a gente inserisse uma ou outra modificação dentro da própria LEF, de 1980, apesar de outras considerações que já foram feitas.
Então, eu me contentaria, repito, olhando aquilo que nós temos, talvez, algo menos complexo de se fazer do que um código de processo tributário é introduzir lá modificações pontuais nas leis extravagantes, tendo em conta as especificidades do Direito Tributário material, inclusive no CPC.
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E aí, algo que me ocorreu também, olhando a prática, eu sou um processualista que gosta de olhar a teoria na perspectiva da prática - acho que faz muito sentido para um processualista se preocupar com a prática forense efetivamente, buscando melhores resultados -, poderia haver uma disciplina, específica para o Direito Tributário, da tutela provisória antecedente, seja porque, com a devida venda, a tutela provisória antecedente no CPC, na minha humilde opinião, é certamente um desastre, é uma das piores partes do CPC, porque ou o juiz amplia o prazo, ou não funciona, e pode ser que o juiz não queira ampliar o prazo; seja porque, no âmbito do processo tributário, nós temos isso que o Prof. Shoueri colocou muito bem e que a Profa. Betina já havia falado, o limbo... E não fecha a conta na lógica do CPC, porque eu obtenho a liminar do juiz, eu tenho 30 dias para entrar com a minha ação principal, meu pedido principal, mas isso não funciona no Direito Tributário nessa transição, bem destacada pelos eminentes colegas, de processo administrativo para processo jurisdicional.
Então, talvez aí precise haver uma regra. Eu só vou apresentar o meu pedido principal, garantir o juízo tal, em um momento futuro e não em 30 dias, porque, vejam, simplesmente não dialoga com a atuação administrativa.
Diria, olhando a tutela provisória, que é um clássico do acesso à Justiça, outras hipóteses mais específicas de tutela provisória da evidência, que é o art. 311, ou seja, independentemente de periculum in mora. Precisar melhor dessas situações, certas posturas administrativas, decisões do Carf, decisões do TIT etc., que possam permitir ao magistrado jurisdicional definir uma tutela provisória, independentemente da pressa, independentemente do periculum in mora e, enfim, aqueles argumentos que, lógico, os bons advogados fazem, mas as provas, às vezes, são complicadas.
Do ponto de vista do CTN, engrosso aqui as considerações ou, melhor dizendo, adiro às considerações dos eminentes colegas que me antecederam. Na minha humilde opinião, temos que mexer no 151 para que ele seja mais realista. Na minha humilde opinião, valeria a pena mexer no 151 por lei complementar. A Comissão pode indicar que é uma lei complementar - lógico, o quorum etc., mas não vejo problema nenhum -, para dizer que não é só o depósito, é também a garantia, é também o seguro-garantia, é também a fiança e outras realidades que a prática forense vê e que, muitas vezes, os eminentes magistrados estaduais e/ou federais aceitam, mas que, todos nós sabemos e por razões absolutamente sustentáveis, no âmbito da advocacia pública, existe evidentemente uma grande desistência.
Então, a meu ver, a lei poderia flexibilizar o 151 no sentido de que, em última análise, fica todo mundo feliz: o contribuinte litiga com tranquilidade e o Fisco tem garantias efetivas de pagamento. Porque o grande problema, na minha humilde opinião, é você ter execução sem nenhum tipo de garantia, que é o problema da exceção de pré-executividade, que é na louca. O problema não...
Então, vamos melhorar o 151 e, aí, ao mesmo tempo... Não é a mesma coisa, mas entendam aonde a gente pode chegar com isso: se o 151 amplia a suspensão da exigibilidade fora da psicologia atual, nessa conversa com o Judiciário, com o administrativo, no limbo e tal, a gente automaticamente resolve o problema muito bem-posto, inclusive, pelo Prof. Shoueri, de garantia parcial, integral na execução fiscal. Porque, aí, não é só um problema de paralisar a execução, de suspender a execução; é um problema de não haver razão para a exigibilidade. É uma questão mais de ordem material do que de ordem processual. Então, a meu ver, isso resolveria muitas e muitas discussões importantes.
Nossa! Passa rápido mesmo, não é?
E outra questão - permitam-me nesses segundinhos que passam - é racionalizar. A palavra de ordem aqui, Sra. Ministra Regina Helena Costa, é racionalizar aquilo que a gente chama doutrinariamente, simpaticamente falando, de ações exacionais antiexacionais.
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Veja, eu gosto do art. 38 da LEF, I love mandado de segurança, os colegas sabem que eu repito isso enfaticamente. Mas veja: a gente precisa talvez racionalizar os mecanismos de ingresso e os seus respectivos tempos de ingresso no Judiciário, otimizando, quase que unificando os momentos de questionamento. É como se falasse: "O contribuinte quer questionar? É um tiro só, tem que questionar tudo agora". E isso vai valer para tudo. Ou ganha ou perde, essa é a vida, toca para frente. Isso me parece muito relevante.
Também aperfeiçoar o sistema de prevenção jurisdicional, a se manter o que nós temos entre anulatórias, embargos, execução, etc. e tal - sabemos da luta que é isso dentro dos tribunais e tal -, mas também me parece bastante importante para que haja - também aqui a palavra de ordem - racionalização das intervenções jurisdicionais, sempre naquela perspectiva, Ministra Regina Helena Costa, de se obter um resultado de forma mais eficiente e de forma mais coerente.
Nesses 600 segundos ou dez minutos, eram esses os pontos que eu queria trazer.
Então, antes de acabar oficialmente, já que a máquina me deu mais quinze segundos, eu só agradeço mais uma vez pela atenção, pelo privilégio de participar dessa audiência pública, Ministra, e saiba que eu vou tomar a liberdade de formalizar essas minhas contribuições e mandar a V. Exa., ao Prof. Marcus Lívio Gomes e aos eventuais mais interessados, para contribuir ativamente com o debate.
O meu muito obrigado, agradecendo e devolvendo-lhe a palavra, Ministra.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Obrigada, Prof. Cassio.
Como sempre, com seu espírito crítico afiadíssimo. Era o que todos nós esperávamos ouvir.
Muito obrigada.
Eu vou, então, passar a palavra ao próximo especialista, que é também meu colega da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Prof. Renato Lopes Becho, Professor de Direito Tributário e conhecido especialista em processo tributário.
Então, agradeço também, Prof. Renato, pela disposição e pela disponibilidade para estar aqui conosco na tarde de hoje, e assim podermos ouvir as suas lições.
Muito obrigada.
O SR. RENATO LOPES BECHO - Boa tarde a todas e a todos.
Ministra e Professora Regina Helena Costa, não há o que agradecer; eu é que agradeço. É uma honra muito grande poder participar desta audiência pública. Como o tempo é escasso, cumprimento todos os colegas aqui desta banca virtual, desta mesa virtual na pessoa, e cumprimento também o estimado amigo Marcos Lívio Gomes, nosso colega, pedindo à assessoria para já colocar o PowerPoint no ar.
Isso. Senão, eu vou tentar aqui.
Eu vou ser muito rápido, mas me comprometo a oferecer à Comissão detalhamento do que eu vou falar aqui.
O primeiro eslaide, por favor.
O primeiro é a gente focar em execuções fiscais viáveis, um tema tão relevante e que foi mencionado aqui por diversas vezes. O primeiro ponto seria a extensão do Regime Diferenciado de Cobrança de Crédito (RDCC) da PGFN, que, desde 2016, revolucionou a cobrança das execuções fiscais e para muito melhor, porque reduziu o número de processos e aumentou o valor da arrecadação, como uma ordem legislativa para todos os exequentes. O segundo ponto, que eu acho que legislativamente é muito simples, mas com imensa repercussão fática, é a elevação do valor de alçada, o art. 34 da Lei de Execução Fiscal, que hoje está em R$327, ou seja, não se aplica mais o art. 34, e elevar esse valor em 60 salários mínimos, porque com isso desafogaria enormemente os tribunais de apelação - TJs e os TRFs. E terceiro, nessa ordem, uma expressa autorização legal para não ajuizamento de execução fiscal de baixo valor, em que a cobrança deveria ser feita ou deve ser feita exclusivamente por protesto de CDA.
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O próximo eslaide.
Bom, aqui, também legislativamente é simples. É apenas tirar a proibição fiscal na Lei dos Juizados para estender os juizados especiais também para as execuções fiscais. E a ideia é separar as execuções: as causas simples ficariam nos juizados, e causas complexas ficariam no Poder Judiciário. A grande vantagem de juizados é que não precisa ampliar o quadro da magistratura. Existem Turmas de Unificação Regionais e a Turma Nacional de Unificação de Jurisprudência, que retirariam essas causas mais simples, sem valor relevante e sem complexidade, do Poder Judiciário.
O próximo eslaide, por favor.
Ministra, V. Exa. logo falou da unificação do processo administrativo e do processo judicial, e a minha contribuição é aplicar o art. 513, §1º, do CPC, para o processo tributário, ou seja, que a execução fiscal passe a ocorrer nos autos do processo administrativo ou ao menos que ele seja juntado na execução fiscal.
Eu imagino o efeito. Se a petição inicial, na execução fiscal, acabar vindo não às primeiras páginas do processo, mas às páginas 700 do processo, e o juiz da execução fiscal vir que houve todo um andamento processual com julgamento de primeiro grau administrativo, julgamentos de segundo grau administrativo, eu acho que isso já vai mudar toda a sistemática de o Poder Judiciário verificar o que aconteceu no processo administrativo e manter muitas dessas decisões.
O próximo eslaide, por favor.
Execução fiscal boa é execução fiscal nova. Dizem que tributo bom é tributo velho, não é? Execução boa é execução nova. Mas o que é uma execução nova? É aquela que está próxima da caracterização da mora. Aqui o legislador sabia disso e colocou um prazo para que a Receita Federal do Brasil mande o processo administrativo, depois da mora, para a PGFN, que são 90 dias. O prazo, em 1967, era de 30 dias. Aqui, Ministra e Marcus Lívio, acho que o legislador precisa colocar uma punição para o desrespeito à aplicação dessa regra legal.
Há um trabalho fantástico da Controladoria-Geral da União, que eu vou passar para V. Exa. oportunamente, dizendo que o grau de aplicação dessa legislação por parte da Receita Federal é muito pequeno. E o legislador precisa colocar esse mesmo prazo e essa mesma punição, eventual punição, para a PGFN e para todos os demais exequentes, de forma, Ministra Regina, que as execuções fiscais que forem necessárias serem ajuizadas o sejam muito mais próximas da caracterização da mora do que a verificação da eventual prescrição. E com isso grandes problemas nossos deixariam de existir: problemas de prescrição - vejam a fala do Prof. Shoueri - e as questões de responsabilidade tributária, um dos meus temas de predileção, praticamente só ocorrem porque o processo é levado ao Poder Judiciário muito tardiamente.
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Nessa mesma linha, a outra proposta é uma paulatina redução dos prazos prescricionais, que poderiam ir, paulatinamente, até dois anos apenas, com uma compensação importante: ampliação das hipóteses de dolo, fraude e simulação.
V. Exas. sabem que eu acabo lecionando sobre o sistema tributário britânico, e, lá, nos casos de dolo, fraude e simulação, o prazo de prescrição passa a ser de 20 anos. Eu acho que isso é uma medida importante a ser adotada aqui no Brasil.
Próximo eslaide, por favor.
Assim como o Prof. Marcus Lívio conhece muito o Carf, eu conheço um pouquinho e peço licença para o meu olhar sobre o Carf. Primeiro, reorganização das turmas. Hoje, são oito julgadores, por conta da paridade. Eu proponho, assim como no Poder Judiciário, que as turmas tenham cinco julgadores e que a paridade vá para a escolha dos candidatos; e os da sociedade civil, que o façam por concurso público. E os membros do comitê de seleção e acompanhamento poderiam ser os membros dessa comissão de concurso, em que a sociedade civil estaria representada. Ali, também se ampliariam as prerrogativas da magistratura para os membros do Carf, com remuneração compatível.
Ministra, imagina que os julgadores do Carf, os Conselheiros, ficam dois anos, podendo ser reconduzidos por dois anos. Então, quando eles estão muito aquecidos como magistrados, eles acabam se retirando do Carf. Então, a minha proposta é fazer com que esses julgadores tenham mais esse perfil de juiz e possam ficar, talvez, 30 anos dentro do Carf.
Próximo eslaide, por favor.
Aí, há um conjunto de mudanças profundas, que eu reconheço que são, muitas delas, de difícil aplicação, mas não é por serem difíceis que nós não deveríamos tentar.
A primeira: admissibilidade de apelação, recurso especial e recurso extraordinário apenas quando houver efetiva citação e defesa em execução fiscal. Os meus 25 anos de execução fiscal me comprovam: é muito grande o número de apelações, recurso especial e recurso extraordinário em que não há as duas partes do processo. Naturalmente, os julgadores não têm condição de verificar toda a dimensão do problema jurídico que lhes foi apresentado.
Fico muito satisfeito em ouvir o Prof. Heleno Torres, o Prof. Shoueri, o Prof. Cassio, assim como eu, pedindo a revogação da Lei de Execução Fiscal. Eu só não substituiria por um Código de Processo Tributário porque não precisa. Na minha opinião, basta a aplicação do CPC.
Vejam: o Justiça em Números, do CNJ, comprova: execução não fiscal anda mais rápido do que a execução fiscal. Por quê? Porque a LEF acabou sendo muito leniente com a administração tributária. Então, se nós cancelamos, revogamos a LEF e vamos aplicar o CTC, vamos ter ganhos para todos nós.
Em terceiro lugar, expressa autorização legislativa para ações coletivas em matéria tributária. Se nós queremos reduzir, drasticamente, os 75 milhões de processos judiciais no Brasil, que nos colocam em primeiro lugar em litigiosidade do mundo - a Índia está em segundo lugar, com 45% do número de nossos processos, mas com três ou quatro vezes a nossa população -, nós temos que acolher as ações coletivas em matéria tributária.
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E, por fim - e eu já escrevi -, é a criação do Conselho Nacional de Advocacia Pública para atuar, assim como o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, em benefício de toda a sociedade.
O próximo eslaide é o meu agradecimento. Fico contente de ter cumprido o tema. Então, próximo eslaide, por favor.
E, Ministra, agradeço enormemente este convite.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigado, Prof. Renato, por trazer sua visão e sua experiência, já de muito tempo, sobre o processo tributário, especialmente a execução fiscal. Eu penso que esse seja um dos temas sobre os quais a Comissão vai se dedicar dos mais urgentes no que tange à necessidade de aperfeiçoamento. Eu acho que realmente é um dos temas mais preocupantes hoje em dia, em matéria de processo tributário. Agradeço imensamente sua participação.
Eu passo agora a palavra ao próximo especialista, que é o Prof. André Mendes Moreira, que é Professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Minas Gerais. Agradeço ao Prof. André também por ter aceito vir nos ajudar aqui nesta reflexão coletiva e plural que estamos fazendo acerca dos temas que foram propostos. Então, V. Exa. também tem dez minutos para a sua manifestação. Obrigada.
O SR. ANDRÉ MENDES MOREIRA - Cara Ministra e Profa. Regina Helena Costa, caro magistrado e Prof. Marcus Lívio Gomes, ilustres professores que me antecederam, é para mim uma elevada honra estar aqui no dia de hoje por inúmeras razões, dentre as quais também o fato de que, há mais de duas décadas, exerço a advocacia tributária contenciosa no Brasil. Já advoguei em todos os estados da Federação e advogo ainda. E, para além disso, há uma década, que se completou este ano, leciono como disciplina optativa, na Faculdade de Direito da UFMG, Direito Processual Tributário, que para mim deveria ser obrigatória. Portanto, essas duas razões me trazem algum conforto para compartilhar apenas dois pontos de vista que selecionei para trazer perante este colegiado, desde já adiantando que ambos os pontos já foram, para a minha satisfação e também tranquilidade, tratados pelos ilustres professores que me antecederam, em maior ou menor grau.
Primeiro problema de dois que tratarei é o problema quantitativo das execuções fiscais. Sabe-se que quase 40% dos processos em curso no Poder Judiciário referem-se a execuções fiscais e que o índice de recuperação de créditos tributários em execuções fiscais é, em um cenário otimista, de 3%. Portanto, é preciso de duas uma: ou tornar eficaz o mecanismo ou reduzi-lo, mas a redução do número de execuções fiscais, por si só, colaborará para o aumento da sua eficácia. Com menos execuções a serem geridas - e essa é a palavra, porque, quando se trata de 20 mil, 30 mil processos numa Vara de Execuções Fiscais, fica difícil falar em julgamento de cada caso e, sim, em gestão de passivo, que me parece a palavra mais adequada -, eliminando todo esse passivo ou 90% dele, é possível ganhar qualidade, é possível ganhar celeridade.
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E qual é a saída que eu trago aqui perante esta ilustre Comissão para reduzir o passivo? A saída já foi dada pelo Supremo Tribunal Federal quando legitimou o protesto extrajudicial das certidões de dívida ativa.
O protesto extrajudicial foi adotado em Minas Gerais, em um projeto piloto, há pouco mais de cinco anos, e o índice de recuperação de créditos tributários protestados foi sete vezes superior ao índice de recuperação de créditos tributários ajuizados, com um detalhe: enquanto a execução fiscal tem um custo elevado para o Erário, o protesto extrajudicial, pelo menos em Minas Gerais, foi feito com custo zero, porque há interesse dos cartórios em protestar sem cobrar do estado, já que, para dar baixa, quando o débito é pago, consegue-se cobrar emolumentos daquele devedor que pagou o que devia. Portanto, é um mecanismo que se revelou gratuito e sete vezes mais eficaz que as execuções fiscais.
Dentro desse quadro, eu proponho aqui uma pequena alteração no Código Tributário Nacional, que está no item 1 deste quadro. Como reduzir o número de execuções fiscais? O art. 174 do CTN, que hoje tem um parágrafo único, passaria a contar como §1º, e esse §1º diria que a prescrição se interrompe, inciso II, pelo protesto judicial ou extrajudicial, porque, apesar de o protesto ser um mecanismo validado pelo STF, ele não é interruptivo da prescrição, pelo menos no CTN. E acresceríamos um §2º que diria ser vedado o aforamento de execução fiscal para cobrança de débitos cujo valor seja inferior a 60 salários mínimos. Norma geral vinculante dos três entes federados com valor de alçada extraído dos juizados especiais da Fazenda Pública. Portanto, essa modificação permite por si só que se elimine futuramente algo na ordem de 80% a quiçá 90% de novas execuções fiscais que seriam propostas.
O segundo tema que abordarei, segundo e derradeiro, é um tema de importância que me parece fundamental para o desenvolvimento do nosso país, porque para o desenvolvimento de qualquer nação é preciso que haja boa-fé no tratamento do cidadão e é preciso que haja segurança jurídica, já que hoje o capital é líquido, para usar uma expressão que não é minha, e, portanto, escolhe com muita facilidade se vai industrializar o Brasil ou o Paraguai, que muitas vezes tem ganhado essa queda de braço por novos investimentos com a nossa nação, que é um colosso. Portanto, há uma questão essencial que a meu ver deve ser endereçada: é a questão relativa a cartas de fiança e seguros-garantia, que são mecanismos de garantia das execuções fiscais.
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As empresas têm custos elevados, seja com a instituição bancária, seja com a seguradora, para contratar essas cartas de fiança. O que tem ocorrido em muitos casos: julgado o processo em segunda instância desfavoravelmente, mas sem trânsito em julgado, e apesar da impossibilidade de se levantar a fiança antes do trânsito em julgado - é irreversível esse levantamento -, tem sido pedido algo que parece muito singelo que é o levantamento da fiança ou do seguro-garantia para que o valor seja mantido depositado judicialmente.
Isso tem dois problemas. Primeiro, trata-se de execução antecipada, porque todos sabemos que, no âmbito federal, o depósito é direcionado à Conta Única do Tesouro, e, nos âmbitos estaduais, já existem leis que permitem aos estados se apropriarem de até 70% dos depósitos judiciais. Então, o depósito não fica necessariamente à disposição do juízo, ele é utilizado pelo ente público, pelo Poder Executivo, para as suas despesas correntes. Isso é um fato decorrente da legislação. E o segundo problema: quando uma empresa é chamada a arcar com os custos do levantamento de uma fiança ou de um seguro-garantia, muitas vezes, ela tem que realizar um desembolso naquele valor, porque as condições de contratação, seja da fiança, seja do seguro-garantia, são condições que não geram nenhum tipo de prejuízo para os bancos nem para as seguradoras, são condições que protegem os bancos e as seguradoras, e, no limite do acionamento da fiança ou do seguro, recai sobre o contribuinte o dever de depositar, para o banco ou para a seguradora, aquele valor. Quando muito, ao menos, o custo da fiança e da garantia aumenta, dada essa prática, sem falar no fato de que, em muitos casos, tem havido persecução penal contra administradores de empresas que pode ser suspensa com depósito do montante integral, mas que deveria sê-lo também por oferta de seguro-garantia ou de carta de fiança, já que a Lei de Execução Fiscal os trata, de algum modo, como equivalentes.
Por isso, a segunda e última proposta, nos 31 segundos que me restam, é a proposta de alteração do art. 151 do CTN. Suspenderão a exibilidade do crédito tributário o depósito em dinheiro, a fiança bancária ou o seguro-garantia equivalentes entre si para todos os fins de direito desde que suficientes para garantir a totalidade do crédito tributário.
Com essas considerações, eu agradeço penhoradamente a oportunidade de me manifestar e reitero a minha honra e a minha satisfação em estar aqui perante esta ilustre Comissão.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Prof. André, pela sua valiosa contribuição, também com esses pontos específicos. Isto nos ajuda muito: que as propostas sejam bem pontuais e diagnostiquem o problema e proponham a solução. Isso nos ajuda imensamente. Muito obrigada, Prof. André. Eu, então, agora, passo a palavra à Prof. Isabela Bonfá de Jesus, igualmente minha colega na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, advogada e professora especializada em processo tributário.
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Muito obrigada por estar aqui conosco e se disponibilizar a nos auxiliar nessa tarefa tão difícil que é propor sugestões de aperfeiçoamento e aprimoramento do processo tributário.
Muito obrigada, Prof. Isabela.
A SRA. ISABELA BONFÁ DE JESUS - Boa tarde a todos e a todas, cumprimento, na pessoa da Ministra, e me permita chamá-la de Prof. Regina Helena Costa, e do Prof. Marcus Lívio.
Eu preciso dizer que os meus estudos mais recentes foram dedicados à solução dos meios alternativos adequados para a solução dos conflitos tributários.
Depois de ouvir os meus antecessores aqui, eu tenho uma sensação muito reconfortante porque alguns já passaram e já tocaram neste tema e é reconfortante. Eu faço questão de trazer isso, porque cada um no seu núcleo, cada um dentro do seu universo, da sua faculdade, então, a gente ouviu professores da USP, da FGV, eu na PUC de São Paulo, estudando esse mesmo tema e eu acho que o marco aqui é para que nos tornemos uma voz única no sentido de entender a importância e o momento agora de se implementarem esses meios alternativos.
Como a Tathiane bem falou, não é talvez para tentar dar vazão a essa quantidade de processos que nos assusta, a quem atua, mas é para abrir mesmo outras portas.
Eu não quero ser repetitiva, eu quero ser pontual aqui também.
Elegi aqui falar de transação, arbitragem tributária e mediação. A transação eu vou deixar de lado, porque já foi exposta pela Prof. Tathiane, e eu quero me concentrar, num primeiro momento, na arbitragem.
Quero realmente ser pontual, então, vou começar a falar sobre as sugestões de propostas que devem ser alteradas para que a arbitragem tributária seja realmente implementada e de uma maneira satisfatória, que haja menos questionamentos possíveis acerca do instituto.
Então, a primeira previsão é que realmente haja, no art. 151 do CTN, a previsão de suspensão da exigibilidade em face do processo arbitral. Eu concordo com o Prof. Cássio, acho que, se estamos nesse momento aqui tratando de propostas de projetos, é bom que seja por lei complementar, para evitar questionamentos, se possível for.
Da mesma maneira que o 151 teria que prever essa possibilidade de suspensão da exigibilidade em face do processo arbitral, o 156 do CTN também, no sentido de ter a previsão da sentença arbitral como forma de extinção do crédito tributário. Ainda que, a meu ver, fosse desnecessário por equiparação à sentença judicial, mas eu acho que, nesse momento, até por ser um instituto novo no campo do Direito Tributário, seria relevante que houvesse essa expressa consignação no nosso CTN. E, mais especificamente, eu acho que caberia ou uma lei específica, uma lei própria ou juntamente com os outros meios, enfim, mas para tratar especificamente da arbitragem tributária.
Nós temos dois projetos de lei, um de 2019 e outro de 2020: o Projeto 4.257, de 2019; e o Projeto 4.468. Eles não são excludentes, são projetos que conversam entre si, porque são previsões de arbitragem tributária em momentos distintos da cobrança do crédito tributário. Um, na fase de pré-lançamento e, outro, numa fase onde a execução já foi proposta, já foi garantida e aí, por concordância das partes, se estabelece a arbitragem tributária.
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A meu ver, esses projetos ainda são tímidos, quando se fala em arbitragem tributária, porque dá a sensação de que eles estavam preocupados por não ter a previsão do CTN de suspensão da exigibilidade e da extinção do crédito, eles ainda tentaram procurar fases da instituição da arbitragem e fases da cobrança do crédito tributário que não exigissem isso como pré-lançamento. Mas eu acho que a gente solucionando a inclusão do 151 e do 156, o projeto pode ser mais abrangente. Ele pode, a meu ver, sim, abranger todas as fases da cobrança do crédito tributário para se instituir a arbitragem.
E, mais do que isso, eu acho que aí, sim, nessa lei específica para tratar desse instituto, há alguns pontos que eu queria realmente ressaltar aqui que podem ser abordados, aliás, devem ser abordados. Então, definição de um prazo para se instituir arbitragem tributária, para a gente não ficar com a sensação da morosidade de demorar anos até vir uma solução; como será firmado o compromisso arbitral, o compromisso arbitral é o marco inicial em que as partes demonstram a vontade de ir para a arbitragem; a renúncia ou discussão judicial que aquela decisão vincula, não só a administração ao sujeito passivo, e não é passível de recurso para o Poder Judiciário, obviamente, salvo se existir alguma ambiguidade; que arbitragem é sim vinculada ao sistema de precedentes, nos termos do 927 do CPC; trazer previsão de efeitos, de garantias, se necessárias forem; definição de como serão os árbitros; as despesas, os honorários; os requisitos que têm que ser a motivação dessa sentença arbitral. Enfim, eu acho que todos esses pontos são preocupantes, geram dúvida e deveriam ser especificados.
Em relação à mediação tributária, a gente também já tem uma lei que trata da mediação tributária, apesar de que eu acho que existe um grande problema no art. 32 da Lei 13.140, de 2015, que autoriza a instituição de câmaras de resolução administrativa de conflitos, mas, logo após, no art. 38, veda a mediação para os tributos administrados pela Receita Federal. Eu acho que isso precisaria ser corrigido.
Nós temos já a primeira capital a estabelecer mediação tributária, o Município de Porto Alegre, na Lei 13.028, de 2022 - faz semanas que essa lei foi aprovada. Foi um esforço conjunto do município com a ABDF, com a Abrasf. É muito interessante, eu acho que é um projeto que pode servir de inspiração, mas também acho que tem que ser uma lei específica para tratar desse assunto. Seguindo a linha do Prof. Renato, eu entendo que a mediação também pode ser uma oportunidade para uma solução de conflitos em massa, esse é o histórico da mediação para relações de consumo dissidentes, por exemplo. Eu acho que no tributário pode existir uma mediação coletiva, desde que representada por órgãos de classe, por associações, mas acho que é viável. E, obviamente, com a concordância das partes, indo por esse caminho, acho que também pode abranger todas as fases do crédito tributário com vínculo aos precedentes, pedidos de adesão, por exemplo, que eu acho extremamente relevantes quando a gente trata de matéria tributária. O interessado que acha que lhe cabe aquela decisão apresenta prova do seu atendimento, os requisitos, as condições, ainda que parcialmente, ainda que seja uma parte da condição dele. Então, acho que também no quesito da mediação tem que haver essa previsão.
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Deixo consignado aqui na minha fala que não haveria necessidade, diferente da arbitragem, de uma previsão, de uma alteração do 151 do CTN para prever suspensão e extinção. Na mediação não precisa, porque - a Profa. Tathiane já falou isso - ela cabe muito dentro da transação. Então, eu acho que essa preocupação não seria algo efetivo. Eu só acho que a gente pode também ter a previsão da combinação desses métodos, não é? É muito comum, antes que haja arbitragem, haver também uma mediação em que as partes sentam, pelo menos fazem o recorte e solucionam o que já pode ser ajustado. E aí parte-se para a arbitragem.
Muito bem. Eu vou usar aqui meu tempo final para agora encerrar esse assunto da solução de conflito e fazer coro com os professores que também me antecederam em relação à Lei de Execuções Fiscais. Eu acho importante fazer esse coro para demonstrar que temos aqui diversos professores e especialistas que estão repetindo alguns artigos, repetindo alguns problemas. Então, eu faço coro para a gente tentar realmente solucionar, não é?
Eu marquei aqui a questão da antecipação das garantias que o Prof. André, que recentemente foi o professor anterior, minuciosamente já expôs, mas eu acho importante essa liquidação antecipada das garantias. Fiança bancária, seguro garantia sem o trânsito em julgado para mim é algo muito complicado de atuar e, depois, de explicar em sala de aula. É o §2º do art. 32 da LEF.
Eu concordo com o Prof. Renato, eu acho que a LEF deveria ser revogada, mas a gente não sabe que caminho vai haver dentro dessa reforma do processo tributário. Então, não sendo revogada, eu acho alguns artigos têm que ser corrigidos.
Outro a que eu faço menção aqui é o art. 38 da LEF, o famoso artigo conhecido da discussão judicial via ação anulatória - vírgula -, esta precedida de depósito judicial. Eu acho que é uma boa oportunidade de se permitir a inclusão de outras formas de garantia, tal como descreve o próprio art. 9º da LEF. Tudo bem que o STJ já tem um entendimento firmado que autoriza a garantia no pedido da tutela, mas eu acho que, neste momento, é bom que se estabeleça isso.
Para finalizar, também, não sendo revogada a LEF, eu acho que a gente podia adequar a LEF ao que já está previsto no CPC. Então, alterar o art. 16 no sentido de ficar de acordo com o CPC para permitir a oposição de embargos independentemente de garantia, cabendo ao juiz depois analisar a atribuição dos efeitos suspensivos ou não.
Então, eu finalizo a minha fala agradecendo novamente o convite e a oportunidade de estar presente.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Obrigada, Profa. Isabela, que compartilha conosco essa sua experiência, essa sua visão prática dos problemas do processo tributário. Muito obrigada pela participação, pela contribuição. Muito obrigada.
Muito bem, vamos passar agora a palavra ao Prof. Paulo Roberto Lyrio Pimenta, que, como eu, também é magistrado federal, assim como o Prof. Renato Becho, que falou anteriormente. E é também o Professor de Direito Tributário da Universidade Federal da Bahia. Prazer revê-lo, Prof. Pimenta, ainda que remotamente. Faz muito tempo que não nos encontramos. Eu gostaria de agradecer uma vez mais a sua disposição de participar conosco aqui. Muito obrigada.
O SR. PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA - Boa tarde a todos. Exma. Sra. Ministra Regina Helena Costa, Presidente desta Comissão, Dr. Marcus Lívio, Relator... (Falha no áudio.)
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Estamos com um pouquinho de dificuldade de ouvi-lo, Prof. Pimenta... O áudio está ruim.
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O áudio está meio truncado e está muito baixo. Nós não estamos conseguindo ouvir. Não sei se a Secretaria pode dar alguma ajuda ao professor.
O SR. PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA - Melhorou agora?
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Parece que sim, parece que sim.
O SR. PAULO ROBERTO LYRIO PIMENTA - Pronto. Aumentei aqui.
Então, quero cumprimentar todos, em nome da Professora e Ministra Regina Helena Costa. Quero agradecer pelo convite que me foi direcionado para participar desta Comissão, que me deixou duplamente honrado, primeiro, pelo encargo que nos foi atribuído e, segundo, por estar aqui ladeado por grandes professores e especialistas de Direito Tributário e de Processo Civil. Quero parabenizar meus antecessores pelas falas, pelas importantes e interessantes sugestões, todas no intuito de melhorar o processo tributário em nosso país.
Eu penso que, quando se fala em reforma do processo jurisdicional tributário, o primeiro ponto que nós temos que definir é a finalidade que se deve buscar alcançar. Isso está muito claro no ato que instituiu esta Comissão, que é a modernização do processo tributário. Modernizar em que sentido? - e aí eu creio que os colegas que me antecederam, todos, estejam de acordo com um ponto: racionalizar esse sistema que tem se revelado, sem sombra de dúvidas, ineficiente. Os dados estão aí para comprovar essa minha assertiva.
No meu entendimento, para que isso seja alcançado, eu acho que nós podemos trabalhar com dois eixos de propostas que não se excluem. O primeiro eixo eu chamo de mudanças na estrutura judiciária da gestão dos processos de execução fiscal. Isso é muito importante, não é?
O que é que nós temos atualmente? Um sistema de duplicidade relacionado à competência para apreciar as ações tributárias exacionais e antiexacionais, segundo aí essa famosíssima classificação do grande Prof. Arruda Alvim, não é? Então, nós temos hoje as varas cíveis com competência para processar essas ações exacionais, ordinárias, mandados de segurança etc., e as varas de execução fiscal para processar os feitos de execução de créditos tributários, de créditos não tributários e ainda das execuções extrajudiciais.
Essa duplicidade gera alguns problemas, porque em muitas situações o feito no âmbito do processo de execução tem que ser suspenso por causa de uma ação anulatória que foi eventualmente ajuizada perante uma vara cível, em face da presença da conexão. Isso acaba, portanto, tumultuando o andamento de alguns processos de execução fiscal.
E outro problema: o juiz de execução fiscal não é um juiz com competência exclusivamente tributária, porque processa feitos de natureza não tributária, execução do crédito não tributário, da dívida ativa não tributária, que são basicamente as multas de natureza administrativa, e ainda as execuções extrajudiciais, nas quais se discute matéria de Direito Civil e de Direito do Consumidor. Há muitas dessas situações.
A minha proposta é eliminar esse sistema de duplicidade tributária para processar e julgar tanto as ações exacionais, portanto, ação de execução, quanto as ações antiexacionais. E, além disso, retirar dessas varas atuais de execução fiscal as execuções extrajudiciais, que deverão migrar para o seu o habitat natural, que são as varas cíveis, e também afastar das varas de execução fiscal a execução do crédito não tributário, a dívida ativa não tributária.
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Esse modelo é um modelo parecido com o que existe hoje no TRF da 4ª Região. Eu acho que essa especialização, dentro de uma especialização que hoje já existe, facilitaria muito a gestão desses processos tributários em nosso país.
Então esse primeiro leque de sugestões que eu proponho vai nesse sentido de alterações na gestão, na condução desses processos jurisdicionais tributários.
O segundo eixo de sugestões que eu gostaria humildemente de apresentar diz respeito a mudanças nas regras do procedimento. Os colegas que me antecederam já mencionaram aí vários aspectos, e eu estou de acordo com muito do que foi defendido.
Então nós temos a possibilidade de modificação na Lei de Execução Fiscal (LEF), de 1980. Obviamente é uma lei desatualizada, mais de 42 anos de vigência, e, portanto, está ultrapassada com as situações modernas que surgiram posteriormente a esse período.
Então, alguns pontos aqui a gente pode tentar sugerir. O primeiro é a adaptação dessa cobrança ao novo Código de Processo Civil. Não sei se seria o caso de revogação ou de derrogação da LEF, mas ela precisa ser modernizada, isso é fato. Então, algumas novidades trazidas pelo processo civil poderão ser aplicadas ao processo tributário se nós atualizarmos essa legislação que atualmente regula a execução do crédito tributário em nosso país.
O professor... (Falha no áudio.)
... tratou do problema da tutela provisória, algo que não tem regulamentação. Nessa hipótese de regulamentar esses institutos, isso facilita a operação de execução fiscal.
Outro ponto que me parece interessante - do qual muitos colegas trataram e por ele demonstraram preocupação que me parece muito justa - é o problema da garantia nos embargos de execução. Isso acaba dificultando e até mesmo impossibilitando o executado de se defender no processo de execução fiscal.
Há uma saída para isso, que é regulamentar a exceção de pré-executividade, essa forma, essa modalidade de defesa que nos foi legada pelo gênio Pontes de Miranda, não é? A exceção de pré-executividade hoje tem cabimento basicamente com base numa súmula do Superior Tribunal de Justiça que diz que é admissível quando se tratar de matéria de ordem pública.
E o que é matéria de ordem pública? Várias matérias, várias questões têm sido já especificadas pela jurisprudência do STJ, mas me parece que, se nós pudéssemos regulamentar a admissibilidade, os efeitos da exceção de pré-executividade, o procedimento a ser adotado, eu acho que isso facilitaria muito a defesa do executado e acabaria com essa discussão quanto ao cabimento ou não cabimento da exceção de pré-executividade em muitas dessas situações.
Esse é um ponto sobre o qual eu acho importante a gente pensar, a modificação da cautelar fiscal, não é? Essa ação, surgida em 1990, também precisa ser melhor regulamentada. E por que eu digo isso? Porque a operacionalização dela é muito difícil na prática, na visão de quem está atuando como órgão jurisdicional, porque quando se defere, por exemplo, a indisponibilidade de bens, operacionalizar isso na prática do cartório com a secretaria é de um grau de dificuldade enorme, enorme. Isso acaba, portanto, dificultando a utilização e a efetividade dessa medida cautelar fiscal.
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Um outro ponto em que eu gostaria de tocar, a Profa. Betina já mencionou, são as questões ligadas ao caso recente da inclusão ou não do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. Eu penso que existem algumas especificidades da norma tributária, principalmente relacionadas aos efeitos que elas produzem - as normas tributárias e constitucionais -, que precisam ser consideradas na regulamentação da legislação que trata da matéria. Sendo assim, isso exigiria uma modificação tanto da Lei 9.868, de 1999, que regula o processo de julgamento de ADI e ADC, quanto da Lei 9.882, de 99, que regula a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Então, essas questões precisam ser mais bem equacionadas, principalmente para evitar os debates que têm surgido, tendo em vista as recentes situações em que a modulação dos efeitos da decisão de constitucionalidade foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal.
Outro ponto que me parece importante ser assinalado é a utilização da penhora eletrônica, da penhora on-line, que se transformou em um instrumento utilizado de forma, muitas vezes, sem critério, de maneira abusiva. Então, a penhora on-line precisa ser mais bem regulada porque em muitos casos, quando o executado tem patrimônio, tem bens suficientes para garantir a execução, não se pode simplesmente invocar um dispositivo do Código de Processo Civil que põe a penhora em primeiro lugar para... (Falha no áudio.)
...os instrumentos desse tipo de garantia.
Outra questão - já finalizando - que me parece que deve ser codificada é inserir como princípio do processo tributário o Princípio da Proporcionalidade. Este que tem estatura constitucional, acho interessante que seja positivado como um princípio do processo jurisdicional tributário.
São essas as principais observações, as principais sugestões que eu gostaria de trazer para a discussão. Há muito o que ser debatido, há muito o que ser discutido.
Quero, mais uma vez, agradecer à Ministra Regina Helena Costa pela oportunidade, que muito me honra, de estar aqui nesta tarde compartilhando da companhia e da inteligência dos colegas que me antecederam.
Muito obrigado. Coloco-me à disposição para eventuais esclarecimentos.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Prof. Paulo Roberto. Agradeço, também, a sua pontual exposição, fruto da sua experiência acadêmica e profissional, como magistrado, no âmbito do processo tributário. Foi muito enriquecedora. Muito obrigada.
Dito isso, o próximo especialista a ser ouvido aqui nesta audiência pública é o Prof. Sérgio André Rocha, professor de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Muito prazer em recebê-lo aqui também, Prof. Sérgio André. Faz tempo que não nos encontramos pessoalmente. Agradeço esse seu desejo de poder participar, a sua colaboração, a sua presença.
Muito obrigada.
O SR. SÉRGIO ANDRÉ ROCHA - Obrigado, Profa. e Ministra Regina Helena Costa. Saúdo, na sua pessoa, todos os que estão aqui conosco nesta audiência pública e que estão nos assistindo. Tomo a liberdade de deixar um grande abraço ao meu amigo, Prof. Marcus Lívio Gomes, com quem tenho a alegria de compartilhar o Departamento de Direito de Estado da UERJ.
O tema do processo tributário me acompanha academicamente há 20 anos. Então, é uma grande felicidade estar aqui e poder compartilhar algumas percepções.
Hoje nós estamos, todos nós aqui nesta audiência, mais do que cansados de debates sobre reformas, já que os últimos quatro anos foram excessivamente intensivos em discussões sobre reformas, no caso, principalmente, a reforma tributária.
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Toda reforma tem desafios que são muito particulares, e acho que essa reforma do processo tributário não é diferente. Primeiro, os desafios do processo judicial tributário não são os mesmos desafios do processo administrativo tributário. Todos eles têm as suas microquestões e acho que muito do que nós ouvimos aqui essa tarde até agora trata de microquestões, seja do processo administrativo, seja do processo judicial. As questões dos processos de iniciativa dos contribuintes não são as mesmas questões, os mesmos desafios dos processos de exigência de crédito tributário, seja na sua fase administrativa, seja na execução fiscal. A gente tem questões específicas das esferas federal, estaduais, municipais. A gente tem questões relacionadas diretamente a esse traço do nosso direito tributário que é essa nossa hiperconstitucionalização do direito tributário brasileiro, que traz, para dentro do processo também, desafios monumentais. A gente tem desafios - e aí toca, talvez, muito no que nos falaram a Profa. Tathiane Piscitelli, a Profa. Isabela Bonfá - decorrentes da hiperlitigiosidade que marca o nosso sistema tributário. Então, há desafios, acredito, que são muito grandes. Esta Comissão vai ter um trabalho bastante desafiador de definir exatamente onde vai focar a atenção.
Dentro desse panorama e discutindo problemas e soluções, eu acredito também que a gente possa fazer uma divisão entre problemas pontuais e específicos do sistema atual - e, como eu disse, me parece que muito do que foi dito até aqui se refere a problemas pontuais e específicos do sistema atual -, e há a possibilidade de aproveitar que a gente tem uma Comissão cujos trabalhos estão apenas iniciando para a gente eventualmente ser um pouco mais ousado e pensar em reformas que são reformas do sistema como um todo, não são reformas específicas desse problema de garantia, daquele problema de penhora, mas são reformas do sistema.
Eu, há bastante tempo, sou crítico do desenho institucional do nosso sistema de solução de conflitos na esfera tributária e, portanto, vou usar os seis minutos e meio que me restam a provocar um pouco neste sentido: de uma reforma mais abrangente. Como eu disse antes: como são tão diferentes os diversos processos tributários, devo dizer que vou restringir as minhas considerações ao processo de exigência de crédito tributário.
O processo de exigência de crédito tributário, a meu ver, gera algumas questões sistêmicas interessantes, porque é no contexto do processo de exigência de crédito tributário que a gente tem a intercessão entre o processo administrativo e o processo judicial principalmente. Então, a gente tem todo o sistema de controle administrativo da legalidade dos atos de exigência de créditos tributários em todas as esferas e, na sequência, eventualmente, notadamente quando o contribuinte perde no processo administrativo, a gente tem um reinício de todo um debate da questão na esfera judicial. E essa sobreposição de instâncias é algo que há muito tempo me incomoda: é ineficiente, é burocrática e gera um desperdício de tempo e de recursos que, a meu ver, é monumental.
Ainda tentando delimitar o escopo da minha intervenção, como nós precisamos ter uma referência, um paradigma, as minhas considerações de agora em diante vão ter em conta o processo administrativo e o processo tributário na esfera federal.
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Então, no sistema de hoje, o contribuinte que tem lá um auto de infração lavrado contra si pode impugnar o auto de infração perante as Delegacias da Receita Federal de Julgamento. Nós sabemos que, no caso de uma decisão desfavorável... Em algumas circunstâncias, mesmo com uma decisão favorável, a matéria sobe para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que tem dentro de si duas instâncias, em algumas situações a matéria sobe para a Câmara Superior de Recursos Fiscais e, na hipótese de uma decisão desfavorável ao contribuinte, diante do inciso XXXV do art. 5º, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, tudo recomeça no Poder Judiciário.
Como eu disse, isso, a meu ver, é uma sobreposição de instâncias absolutamente inaceitável, ainda mais que, durante todas essas mais de décadas em que se discute o assunto, a gente nunca conseguiu evoluir num tema que se debateu na década de 60, na década de 70, que era, de alguma forma, o aproveitamento do processo administrativo na esfera judicial. A gente tem aquele célebre trabalho que foi feito pelo Gilberto de Ulhôa Canto, junto com a Fundação Getúlio Vargas, se não me engano na década de 70, em que ali se trabalhavam algumas ideias até de eventualmente se recorrer do processo administrativo direto para a segunda instância judicial, já que, em tese, a instrução já teria sido feita no processo administrativo.
Diante disso, há quase 20 anos eu venho advogando uma reforma de modelo em que basicamente a gente substituiria hoje a segunda instância administrativa, que simplesmente deixaria de existir nos seus moldes atuais - ou seja, o Carf, como existe hoje, deixaria de existir -, e, usando a mesma sequência que eu utilizei antes, diante de um auto de infração, o contribuinte teria o direito de impugnar aquele auto de infração para a Delegacia da Receita Federal de Julgamento. Diante de uma decisão desfavorável da Delegacia da Receita Federal de Julgamento, o contribuinte teria duas opções: ou levar a matéria para o Poder Judiciário como uma primeira instância judicial que, em decorrência de uma alteração no art. 151, suspenderia a exibilidade do crédito tributário - então o contribuinte teria o direito de discutir a matéria em primeira instância com suspensão de exigibilidade do crédito -, ou então levar a questão para um novo órgão julgador, que eu defendo já, como disse, há basicamente 20 anos, que seria um órgão administrativo de julgamento, colegiado, com julgadores selecionados por concurso. Da maneira como eu defendo, esse órgão teria previsão constitucional; os julgadores teriam a estatura e as garantias de magistrados federais; obviamente, turmas, câmara de julgamento com números ímpares de julgadores - pelo amor de Deus! -, para evitarmos todos os debates que temos em função de órgãos julgadores colegiados com números pares de julgadores. E a grande novidade, talvez... E aí, Profa. Tathiane e meu querido Prof. Ricardo Almeida, que vai falar depois de mim, acredito que há uma intersecção entre essa posição que eu venho defendendo e a discussão sobre a arbitragem tributária. É que, no modelo que eu sustento, a decisão desse tribunal administrativo seria final para qualquer um.
Então, a partir do momento em que o contribuinte decide, em vez de levar a sua questão para o Poder Judiciário, levar a sua questão para esse órgão de julgamento, que nada mais é do que uma câmara arbitral com julgadores predefinidos, ou seja, a partir do momento em que se decide ir para esse órgão de julgamento, a decisão seria terminativa e definitiva tanto para a Fazenda quanto para os contribuintes, porque obviamente não tem nenhum sentido a gente investir pensamento, recursos para se criar um órgão julgador que teria essas características que eu estou sustentando aqui para ele proferir uma decisão e se recomeçar tudo no Poder Judiciário. Isso seria absolutamente esquizofrênico.
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Então, como eu venho sempre dizendo, a nossa tarefa, na academia, é provocar com ideias. Eu não tenho nenhuma pretensão de que isso seja algo pronto e acabado para implementar amanhã, mas, como eu disse anteriormente, acho que, no nosso debate de hoje, a gente pode focar em microquestões ou focar no desenho do sistema. Eu acredito que nós temos um problema que é maior do que simplesmente resolver as pequenas questões que hoje assolam a advocacia tributária, seja a pública, seja a privada.
Então, deixo aqui essa provocação, Ministra Regina Helena Costa, meu querido Prof. Marcus Lívio Gomes, todos que nos assistem, todas que nos assistem.
Agradeço muitíssimo, mais uma vez, a oportunidade de estar presente aqui nesta audiência pública.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Prof. Sérgio André, que é sempre provocativo. Desde o dia em que nos conhecemos, num evento lá no Rio de Janeiro, essa sua habilidade é extremamente valorizada. Muito obrigada pela sua contribuição, pelos pontos que suscitou aqui para a nossa reflexão coletiva. Muito obrigada.
Eu passo agora a palavra ao Prof. Lucas Bevilacqua, Professor de Direito Tributário e Coordenador do Observatório da Macrolitigância Fiscal do Instituto Brasiliense de Direito Público.
Quero agradecer também a sua participação aqui na Comissão, justamente nesta audiência pública. Temos certeza de que as suas reflexões vão colaborar para as nossas reflexões também.
Muito obrigada.
O SR. LUCAS BEVILACQUA - Boa tarde a todos.
Cumprimento primeiro a Professora e Ministra Regina Helena Costa, a quem dirijo, desde já, os parabéns pelo empenho no processo tributário, não de hoje, no Brasil. Cumprimento também os Profs. Marcus Lívio e Valter Shuenquener na condição de Sub-Relatores de cada uma das Comissões desta Comissão do Senado Federal.
O tema que eu aqui preparei para compartilhar com os colegas, na expectativa de contribuir com esta notável Comissão de Juristas, entre aqueles cinco pontos de trabalho desta Comissão, respeita justamente ao ponto cinco, a propósito da revisão do Código Tributário Nacional, com vistas à inserção de normas no processo administrativo tributário.
Eu tive a oportunidade de assistir parte dos trabalhos pela manhã. O Prof. Floriano de Azevedo Neto bem colocou a questão da necessidade de uma norma geral de processo; o Prof. Schoueri bem como o Prof. Heleno tiveram a oportunidade de compartilhar, na tarde de hoje, a necessidade premente que nós temos diante do grau de insegurança jurídica que temos na aplicação da lei processual tributária.
Em especial, diante da razão do convite que aqui me foi dirigido, em função dos trabalhos de pesquisa no âmbito da rede do Observatório da Macrolitigância Fiscal, no qual, nos dois últimos anos, nós estamos debruçados a estudar o processo de formação e aplicação de precedentes judiciais vinculantes em matéria tributária...
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Em exposição anterior nesta tarde, tanto a Profa. Betina quanto o Prof. Schoueri tiveram a oportunidade de compartilhar aqui o desafio que representa a aplicação de precedentes judiciais vinculantes pelos tribunais administrativos tributários, a exemplo do próprio TIT, na tela antes compartilhada, no sentido de que, em matéria sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça - Súmula 166, posteriormente julgada em repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, também em ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente -, nós temos ainda que o Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo se revela resistente à aplicação dos precedentes judiciais vinculantes.
Não que eu pretenda aqui uma tratativa específica em matéria tributária para os precedentes, mas é importante nós termos em mente que o sistema de precedentes, muito antes do que racionalização e redução de feitos em trâmite no Poder Judiciário, ele tem como objetivo propiciar segurança jurídica e isonomia, o que em matéria tributária são valores muito caros. E, nesse interregno da formação até a aplicação dos precedentes vinculantes em matéria tributária, nós constatamos um problema diante da ausência de técnicas de gerenciamentos de precedentes, seja por parte dos tribunais a quo, seja por parte dos próprios tribunais administrativos tributários a que eu aqui antes me referi - e não exclusivamente na aplicação dos precedentes, mas antes mesmo diante da afetação do tema em repercussão geral ou em sede de repetitivo.
Nós bem sabemos que o Código de Processo Civil de 2015 engendrou uma solução alternativa para garantia da eficácia do precedente a ser editado, que é justamente a técnica da suspensão nacional prevista nos arts. 1.030 e 1.035, §5º, do Código de Processo Civil. No entanto e infelizmente, o Supremo Tribunal Federal veio a fixar entendimento no sentido de que essa determinação de suspensão nacional dos processos estaria no âmbito da discricionariedade do ministro relator. E é interessante observar que entre os mais de 1,2 mil casos afetados em repercussão geral perante o Supremo Tribunal Federal, então em apenas 22 os ministros optaram por assim determinar o sobrestamento nacional.
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Caso emblemático em matéria de recursos afetados em repercussão geral - e não determinada a suspensão pelo ministro relator - que bem evidencia essa dessincronia e essa falta de integridade do sistema foi o próprio tema 69, no qual, diante de uma flagrante instabilidade jurisprudencial, nós tivemos aí uma resistência ao cumprimento da própria decisão, tanto que, no âmbito do Carf, nós bem observamos essa hesitação por parte das diferentes turmas na aplicação da tese assim fixada, o que se deve também aos próprios atos expedidos pela Secretaria da Receita Federal, em descompasso com a própria Procuradoria da Fazenda Nacional, com vistas a furtar-se da aplicação da tese então fixada. E dessincronia ainda maior da falta de efetividade dessa regra de determinação da suspensão nacional dos feitos afetados em repercussão geral é o próprio fomento à litigiosidade fiscal, na expectativa quase certa do contribuinte de eventual modulação dos efeitos da decisão em casos outros. Isso termina por representar uma dessincronia dessa interseção a que o Prof. Sérgio André, que me antecedeu, referia-se diante da falta de interseção do processo administrativo fiscal com o próprio processo judicial tributário.
Muito antes de nós alcançarmos aqui essa interseção, eu devo falar também do processo, da questão processual dentro do próprio Poder Judiciário. A hesitação dos ministros relatores em determinar a suspensão nacional dos feitos a propósito daquela matéria afetada em repercussão geral termina por deixar a bola com as vice-presidências dos tribunais de justiça e dos tribunais regionais federais quando da admissibilidade dos recursos excepcionais assim interpostos perante si. O que eu costumo dizer é que na verdade se trata de um subgerenciamento da técnica do sobrestamento, a implicar uma ausência de uniformidade interpretativa sobre os critérios de gestão de demandas, e isso é notável no tema 69, na medida em que nós tínhamos TRFs que estavam suspendendo enquanto outros não, o que revela um prejuízo por si ao sistema.
Se eu falo em subgerenciamento da técnica de gestão dos precedentes no âmbito dos tribunais de justiça e no âmbito dos tribunais regionais federais, em que pese - devo registrar aqui - todo o esforço da Secretaria de Precedentes, tanto do STF quanto do STJ, com vistas a uniformizar o tratamento dado aos precedentes em formação, eu chego a dizer aqui, com todas as vênias, que há um negligenciamento da jurisprudência dos tribunais superiores pelos órgãos do contencioso administrativo tributário, o que eu assim faço com alguma tranquilidade na medida em que o tema foi já adiantado pelo Prof. Schoueri, que inclusive projetou uma decisão do TIT de São Paulo que revela um total menoscabo com a formação e a aplicação dos precedentes judiciais vinculantes.
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Para tanto, eu entendo que esse sobrestamento dos temas deve se aplicar inclusive aos órgãos do contencioso administrativo tributário, como já esteve previsto no Regimento Interno do Carf, o que, infelizmente, terminou por ser revogado.
Essas são singelas contribuições orais que assim trago, me comprometendo já, em nome da Rede de Pesquisa, de instruir com documento formalizado perante esta Comissão.
Uma vez mais agradeço a oportunidade assim conferida, cumprimentando os colegas que assim me antecederam.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Eu agradeço ao Prof. Lucas Bevilacqua também pela sua participação, pela provocação pontual dessas questões tão relevantes.
E aproveito a oportunidade para reiterar, eu já havia dito isso, que é de grande interesse da Comissão que presido que os senhores mandem por escrito anotações que tenham feito e os eslaides que apresentaram aqui, se é que já não o fizeram. É muito importante para nós termos todo esse material, se for possível, disponibilizado para nossa consulta. É claro que esta sessão está sendo gravada, mas, de todo modo, se for possível, nós vamos agradecer, pois vai facilitar bastante o nosso trabalho.
Muito obrigado.
Com isso, eu passo a palavra ao Dr. Ricardo Almeida, que é Procurador do Município do Rio de Janeiro e Assessor Jurídico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf).
Agradeço ao Dr. Ricardo por estar presente aqui conosco, para trazer a sua contribuição, a sua visão sobre esses problemas, sobre os muitos problemas que esses temas que estão postos à mesa para nossa apreciação suscitam.
Com a palavra, por dez minutos também, Dr. Ricardo.
O SR. RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA - Boa tarde, Profa. Regina Helena Costa, a quem cumprimento. Fico feliz pela sua liderança também nesta Comissão. Tivemos oportunidade de trabalhar na comissão do CNJ, já dando frutos. Quero também saudar todos os presentes, e o faço na pessoa do meu querido amigo e Professor Marcus Lívio Gomes, que também vem liderando, à frente do CNJ, uma série de trabalhos, especialmente o diagnóstico do contencioso tributário, que já vem trazendo achados relevantíssimos no contencioso judicial e agora, em breve, no trabalho da ABJ, também sobre o contencioso administrativo.
Falar ao final tem suas desvantagens, mas, como o tema é muito vasto, eu acho que acabei saindo no lucro, porque muitas das contribuições relevantíssimas que foram trazidas aqui, com visões diversas e temas desde o micro, como muito bem colocou o Prof. Sérgio André, até o macro, nos ajudam a tentar endereçar essas questões.
Em primeiro lugar, eu queria sublinhar as observações do Prof. Heleno Torres, Presidente da nossa ABDF, de que aqui está a grande chave para a simplificação dos problemas tributários do Brasil: problemas de deveres instrumentais e de procedimentos são os que afligem mais o contribuinte do que simplesmente mudar rótulos de impostos, como se propaga na PRC 110, por exemplo, que está sob apreciação do Senado Federal neste momento. Parece que aqui nós conseguiremos dar respostas muito mais eficientes e rápidas a essas demandas.
Se olharmos para o "Doing Bussiness", aquela análise do tempo que as empresas gastam para cumprir obrigações tributárias no Brasil, metade daquele tempo está dedicado ao ICMS e a problemas instrumentais, a problemas procedimentais desse imposto. Então, temos de endereçar essas questões.
Eu gostaria também de sublinhar a questão federativa, que foi muito bem apontada pela Profa. Tathiane Piscitelli, a quem parabenizo também por liderar os trabalhos junto à FGV, de meio adequados de solução de controvérsias, e eu digo mais - esse é o meu ponto aqui hoje -: de prevenção de litígios, de disputas em conflitos tributários. Nós devemos, na minha opinião, endereçar esforços para prevenir. Lógico que melhorar, aprimorar, resolver problemas de garantia, de penhora, de celeridade, tudo isso é muito importante no processo judicial e administrativo, mas já teremos aí o litígio formado. Temos que evitar que esses litígios continuem se avolumando e gerando toda essa demanda de trabalho, todo esse custo Brasil, que é realmente insustentável, não é? Reflete-se nesse valor a que o Insper chegou novamente agora, em 2021, de R$5,5 trilhões, 75% do PIB. São valores acachapantes, não há o que argumentar contra isso.
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Então, temos que, na minha opinião, endereçar esses temas, mas, sejam quais forem as soluções, e muitas delas passam por edição de normas gerais, e normas gerais são problemáticas tanto para o Direito Tributário quanto para o Direito Administrativo... Nós temos uma experiência no Direito Administrativo das normas gerais de licitação e contrato. Estamos até hoje sem saber exatamente o que é isso, se são normas quadros, se são balizas, diretrizes, princípios... Qual é o conteúdo? O Supremo Tribunal Federal começa a importar, por exemplo, teorias americanas da federal preemption. Vamos adotar uma preempção federal? Mas só para o quê? Para o exercício da competência residual, ou supletiva, ou suplementar?
Então, nós temos que, ao propor alguma norma geral, principiológica, de regras matrizes, resolver, primeiro, o que é norma geral. Eu queria endereçar esse tema da questão federativa. O Prof. Cássio mencionou esse tema, a Profa. Tathiane Piscitelli também, em relação a valores nas transações. O Brasil é muito grande, é muito diverso. Então, tudo isso deve ser levado em consideração antes de sairmos com uma norma geral da cartola sem definirmos o que é a norma geral. Nós simplesmente continuaremos com a mesma disputa. "Não, mas isso, não; isso é ilegal, foi invasão, é uma norma heterônoma invadindo a competência de estados e municípios, afinal de contas, estamos numa Federação, e ela é cláusula pétrea na nossa Constituição". Eu queria sublinhar esse ponto.
Enfim, eu acho que a gente precisa, eu concordo, fazer um reset no sistema. A gente precisa não arrebentar com todas as estruturas, quebrar todos os nossos hardwares, mas mudar o software que está rodando, e não está rodando bem. A gente precisa mudar isso e, lógico, alguns ajustes na infraestrutura dos órgãos tanto administrativos quanto judiciários são fundamentais para acomodar melhor esse novo funcionamento.
Mas eu gostaria de endereçar o tema, voltando à questão da prevenção, a um instrumento que me parece fundamental para evitar, para prevenir, dentro da perspectiva da consensualidade. Eu tenho alguns eslaides, são poucos eslaides. Vou pedir para projetar, só para tornar um pouco mais claro.
Primeiro, essa mudança de mentalidade que nós já colocamos, não é? Todo o nosso processo, enfim, toda uma história do Direito, do civil law, é baseada na ideia da aplicação do Direito escrito, de que a lei resolveria os problemas todos. Nós sabemos que, mesmo com as teorias da justiça tentando endereçar aqueles problemas que não foram resolvidos pela legalidade, tipicidade, legalidade estrita, enfim, império da lei, com a adoção de modelos próprios do common law...
Se quiserem, eu acho que posso tentar aqui projetar, porque acho que não estão conseguindo. Eu estou ainda desabilitado para projetar os eslaides. Se me habilitarem, eu projeto aqui também.
Mas essa mudança de mentalidade é fundamental, porque nós fomos preparados para o litígio, não é? Todas as faculdades de Direito, toda a prática processual é uma prática conflituosa que está preocupada em provar quem está certo e quem está errado, um processo plenário em que se pode produzir todo tipo de prova e produzir uma coisa julgada inquestionável. Então, é um processo que olha para o passado; ele não olha para o futuro, ele não olha para a conciliação de interesses, para o melhor aproveitamento daquilo que pode ser construído como ponte, solucionando e, sobretudo, prevenindo litígios.
Não sei se vai ser possível projetar os eslaides, Ministra, para o pessoal. Mas, enfim, eu vou avançando aqui para a gente não perder tempo - tinha seis minutos, tenho só mais quatro, não quero tomar mais tempo sobre isso.
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O instrumento por excelência de formação de consensos na área tributária e que é tratado pontualmente, acidentalmente no Código Tributário Nacional é a consulta fiscal. A consulta fiscal hoje é simples pingue-pongue informal de perguntas e respostas. Não há um espaço para um efetivo diálogo entre fiscos e contribuintes. E a consulta fiscal poderia servir, sim, como esse ambiente dialógico de entendimento da aplicação da lei antes da lavratura de um ato de infração, antes da propositura de uma ação judicial ou de qualquer medida administrativa que o contribuinte possa manejar. A consulta fiscal pode, inclusive, ser objeto de mediação tributária, e essa é a proposta que nós desenvolvemos no projeto-piloto que foi implementado, está sendo implementado. Foi aprovada a Lei 13.028, lá no Município de Porto Alegre, agora, de 2022. É um projeto-piloto pioneiro de mediação tributária que também se aplica para consulta fiscal e que já amplia também a consulta não só para audiências públicas para o tratamento de consultas coletivas, de transparência da consulta, evitando que hoje a consulta seja um benefício individual de uma empresa que conseguiu uma resposta favorável, mas que ela possa ser multiplicada para situações análogas ou idênticas de outros contribuintes. Então, essa transparência é fundamental à priorização de situações coletivas que se repetem em consultas diversas e, sobretudo, à realização dessas audiências, que vêm mostrando, por exemplo, no Município de Belém, uma redução de recursos na ordem de 50% de ajuizamentos e na ordem de 80% dos lançamentos tributários. Vejam o que é essa abertura da porta da frente da administração pública para o contribuinte; ela é fundamental!
E o outro dado que eu trago, e acho que isso é revolucionário não só para resolver o litígio tributário, mas para dar segurança jurídica, é que a consulta fiscal também sirva para o investidor, para aquele que quer ampliar ou iniciar novas operações, novas atividades econômicas no país, ou no seu estado, ou no seu município. Que ele receba uma resposta formal sobre qual é o regime fiscal aplicável, quais são as incidências tributárias, claro, de acordo com as balizas que ele colocar na sua consulta, evitando que ele tenha que contratar pareceres ou mandar suas missões diplomáticas ou comerciais para tentar obter algum tipo de sinalização de qual tipo de regime a que ele estará submetido caso invista no país. O grande problema do Brasil é segurança jurídica, e a consulta fiscal ampliada... Hoje a consulta não se presta a isso. Há uma exigência, uma série de restrições formais de: primeiro, que as operações estejam já sendo realizadas; segundo, que elas sejam comprovadas por notas fiscais e contratos, ou seja, não se quer dar uma resposta nem mesmo para os contribuintes que estão já operando e que precisam de algum entendimento que previna o litígio. Nós temos que investir na prevenção dos litígios tributários e precisamos investir num instrumento que já temos, já conhecemos, que é a consulta, mas com uma outra perspectiva: uma perspectiva dialógica, transparente, de construção realmente de soluções consensuais e que se aplique a todos. Então, nós pacificaremos os problemas tributários, porque às vezes as leis e as leis tributárias são complexas. Há dúvidas, e dúvidas de muita gente, muitas vezes legítimas, não apenas dúvidas fruto de artifícios, de tentativas de planejamentos fiscais arrojados, e a administração pública tem que estar aberta e capacitada a ter esse diálogo para construir e convencer o contribuinte a pagar o imposto ou não, de que ele tem direito a uma isenção ou a uma incidência ou, enfim, de que a incidência correta é outra, diversa do que se imaginava inicialmente.
Então, Ministra, eu acho que nós temos que apostar na consulta fiscal. Nós precisamos ampliar. Acho que esse primeiro caso lá de Porto Alegre é muito emblemático. Os números, por exemplo, de Belém - eu teria outros a trazer aqui, mas o tempo é curto, estou acabando aqui os meus dez minutos, eu não quero realmente ultrapassar - são muito eloquentes, mostrando como nós precisamos investir nisso. A Receita Federal, desde 2015, recuou nas consultas para Brasília, tirou das regiões fiscais.
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A Receita Federal, desde 2015, recuou nas consultas para Brasília, tirou das regiões fiscais. Há um lado positivo em termos de uniformização, mas é uma porta única à qual os contribuintes podem bater para resolver suas dúvidas. E as respostas, infelizmente, são respostas formais, meio que antecipam os litígios, são quase que escaramuças tributárias argumentativas, e nós não temos esse diálogo que precisa ser desenvolvido.
Então, nós precisamos mudar a mentalidade e criar instrumentos, espaços institucionais para a construção de consensos. Isso tem que ser lá no início. Não adianta, ao meu ver... Lógico, é sempre positivo termos esses instrumentos de negociação direta, negociação assistida, mediação para casos mais complexos, sobretudo ao longo de todo o processo administrativo e na esfera judicial também, mas, se nós conseguirmos atacar isso de maneira muito eficiente no início, vamos reduzir e pacificar, vamos diminuir os custos de todos, do setor público e das empresas, para termos, aí sim, uma tributação mais eficiente e um país com um custo menor.
Eu agradeço mais uma vez e parabenizo pela iniciativa. Eu tenho certeza de que esta Comissão vai gerar resultados pela sua liderança, pela sua Presidência e pela grande capacidade de todos que estão aqui hoje e já acompanham a Comissão contribuindo.
Eu agradeço a oportunidade. Fico à disposição aqui representando também os municípios a trazer os exemplos positivos das boas práticas municipais que possam ser reproduzidas e aprimoradas nas outras esferas.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Dr. Ricardo. Muito obrigada.
Eu acho que esse ponto da consulta fiscal é extremamente importante. É preciso investir nisso como um meio de prevenir futuros litígios, porque efetivamente hoje não se trata de algo eficaz - no regime atual, não se trata de algo eficaz -, é preciso aprimorar realmente a disciplina da consulta fiscal. Agradeço imensamente por ter tocado nesse ponto. Penso que anteriormente não se havia dito nada a respeito. Agradeço imensamente a sua colaboração.
Pois bem, os nossos especialistas de Processo Tributário todos já se manifestaram. Eu vou chamar, então, agora um especialista em Direito Administrativo que não teve a possibilidade de participar no período da manhã, que foi o momento em que a audiência pública se dedicou a esse tema.
Então, eu gostaria de passar a palavra ao Prof. Carlos Ari Sundfeld, que é, como todos sabem, Professor de Direito Administrativo da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e também Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Púbico, a par disso, é meu amigo de longa data. Aqui menos ainda posso dizer de quando, porque é muito, muito tempo. Nós éramos muitos jovens - não é, Prof. Carlos Ari? - e começamos a nossa vida profissional juntos na Procuradoria do Estado de São Paulo. Então, é um grande prazer revê-lo ainda aqui remotamente, faz muitos anos que nós não nos encontramos pessoalmente. Então, agradeço muito ter conseguido ajustar a sua agenda para poder participar agora neste momento.
Eu vou solicitar a atenção de todos. Apesar de a parte do Administrativo ter findado, nós vamos ouvir, então, o Prof. Carlos Ari.
Muito obrigada.
O SR. CARLOS ARI SUNDFELD - Obrigado, Ministra Regina Helena Costa. É um prazer reencontrá-la. Somos parceiros de tantos anos pela caminhada do Direito Público.
Quero cumprimentar os colegas tributaristas que estão aqui e pedir perdão pela invasão, mas eu tive que atender a outros compromissos.
Eu queria ser bem objetivo na minha análise, em primeiro lugar, sobre um tema a que eu sei que se referiu bastante pela manhã, pelo relato que me fez o Dr. Valter Shuenquener, que é o tema do grau de abrangência da Lei de Processo Administrativo federal, se ela deve se tornar uma lei nacional.
Como as coisas se configuraram nesse tema? Lei federal de processo administrativo, lei federal de prescrição da ação punitiva, uma lei separada, que é a Lei 9.873, e a Lindb, mais recentemente, a Lindb.
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A Lindb surge, nos seus dez novos artigos, como uma tentativa de sintetizar normas nacionais que valessem para todo o Direito Público, quer dizer, para as várias áreas, não só para temas previdenciários, temas tributários, temas ambientais, específicos, que são tratados nas leis da ação específica, mas que fosse para todas as áreas e para todos os entes da federação. E, ao fim, participei intensamente desse processo de construção e posso dizer da dificuldade enorme de conseguir um consenso, um alinhamento em torno de ideias e de preceitos. É um grande desafio.
Portanto, a pretensão de ter normas nacionais de processo que sejam transversais, isto é, se apliquem a mais de uma área fora do tributário, por exemplo, fora do regulatório, é uma pretensão que exige uma grande dose de modéstia - questão prática: grande dose de modéstia -, pela complexidade enorme que existe de fazer normas que sirvam para todas as administrações e todos os processos. E se nós conseguirmos ter propostas de normas nacionais e transversais, creio que o lugar de colocá-las é na Lindb e não na lei federal de processo administrativo.
Portanto, eu veria com muita cautela um certo entusiasmo por nacionalizar a lei federal de processo administrativo, porque esse fenômeno pode causar problemas. Eu mencionaria um que foi causado pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar inconstitucional um artigo da lei paulista de processo administrativo que precedeu a federal em relação ao prazo para anulação administrativa, invalidação administrativa. O Supremo reconheceu que a norma era constitucional mas julgou-a inconstitucional, porque no final das contas uma medida de pragmatismo jurídico entendeu que uma uniformização seria necessária. O que o Supremo não discutiu, não tratou, e é uma coisa fundamental, é que a divergência entre as duas normas não é só quanto ao prazo, não é que a lei paulista falava em dez anos e a lei federal falava em cinco, é que a lei federal só permite a aplicação do prazo do que chama de decadência, para anulação de ato administrativo, se não houver má-fé. Então, tem uma restrição muito vaga, mas tem uma restrição; e a lei paulista não tem. Por isso é que o prazo é maior.
Então, são normas substancialmente diferentes, e seria preciso, para considerar se é inconstitucional ou não, ou até se é conveniente ou não, que vai além da discussão sobre a inconstitucionalidade, saber da experiência desses anos todos de aplicação da lei paulista. Portanto, é preciso muito cuidado ao querer nacionalizar normas que foram concebidas para a Lei de Processo Administrativo federal. Mas há algumas que se podem nacionalizar, por exemplo a Lei nº 9.873, que trata da prescrição da ação punitiva administrativa federal, porque é possível transformar esta lei numa lei nacional com algumas adaptações - a lei pode melhorar, é tema de processo administrativo -, mas ela trata só de um aspecto, é o que a lei chamou de prescrição da ação punitiva administrativa. É um tema só. E, portanto, nós precisamos colocar isso na Lindb para evitar a extensão de uma norma que talvez seja inadequada. Vamos discutir esta lei, se ela pode ser nacionalizada, e melhorá-la.
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Então, eu adotaria esta cautela: se conseguirmos dispositivos gerais transversais, em todas as áreas, e nacionais, Lindb, vamos completar a Lindb. Vários temas foram mencionados aqui, eu estava assistindo, são temas em que a Lindb tentou avançar, por exemplo, segurança jurídica, o tema das consultas no art. 30 e tal, no limite do consenso que se pode obter numa legislação com essa característica nacional e transversal. Então, Lindb.
Se nós temos pontos específicos de leis federais que podem ser nacionalizados, como eu acho que é a prescrição da ação punitiva da lei de 1999, federal, vamos discutir sobre nacionalizar isto. Nacionalizar em bloco a Lei de Processo Administrativo federal pode ser extremamente perigoso e complexo, até porque ela tem suas próprias insuficiências. Então, vou me referir agora a propostas de temas que merecem uma abordagem.
Primeiro tema. Art. 45 da lei de processo, dispositivo terrivelmente perigoso que vem sendo utilizado no âmbito da regulação, num sentido bastante amplo, que diz que: "Em caso de risco iminente, a Administração Pública poderá motivadamente adotar providências acauteladoras sem a prévia manifestação do interessado." - uma espécie de poder cautelar geral administrativo em qualquer matéria.
Bom, qual é o problema dessa norma? Ela, em termos de condicionantes, fala em risco iminente, fala em motivação e providências acauteladoras, mas não diz, por exemplo, que as providências acauteladoras são restritas àquelas competências que são dadas ou àquelas medidas para as quais a administração pública tem competência específica. E o que tem acontecido, por exemplo, é que agências reguladoras praticam atos que não têm base nenhuma em lei, tipos de intervenção que não têm nenhuma base em lei, e que eles não podem manter em definitivo. São intervenções que eles procuram ancorar no art. 45, como se fosse uma cláusula geral de apoderamento da administração pública para tudo que ela achar urgente, quer dizer, se ela achar que algo merece, tem um risco iminente, ela pode fazer qualquer coisa, em qualquer matéria, observado, claro, o âmbito temático de competência vagamente definido: previdência suplementar, saúde, vigilância sanitária, coisas assim, ou petróleo. Isso é muito pouco; o risco disso é enorme. É preciso adensar isso, e as regras de processo civil a respeito desse assunto nos ajudam a pensar, não é? Por exemplo, a ideia de verossimilhança do Direito, qual é a parte que teria que ser adaptada, etc. Então, o art. 45 é um problema; ele precisa ser aperfeiçoado e modernizado, e a inspiração no processo civil, no processo penal ajuda muito.
Outro tema em que há um problema de anacronismo total e absoluto é no Capítulo XIV, da anulação dos atos administrativos, a começar da expressão "anulação dos atos". A Lindb substituiu isso por "invalidação", que é uma expressão mais adequada e que foge dos riscos da ideia de nulidade absoluta, que é uma ideia totalmente ultrapassada. Os dispositivos da lei federal falam em dever de anular, pura e simplesmente, e de prazos máximos, mas, no fundo, não tratam do que interessa. A Lindb fala em princípio da conservação. Então, há o princípio de conservação ali; aqui, não há. Então, nós temos que trabalhar, essa é a grande questão com que o Judiciário se defronta, não é? Em que situações se conserva e não se conserva. Esse princípio de conservação foi adotado na nova lei de contratos administrativos; isso é preciso trazer para cá, para a lei federal de processo.
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Medidas de regularização. Quando se discute invalidação ou não, a discussão não é sobre se uma coisa está compatível com a ordem jurídica; a discussão no fundo é outra: é como se faz para regularizar, o que se faz para regularizar. Grande parte das discussões acabam sendo abstratas e deixam para uma fase posterior aquilo que realmente importa. Resultado: grande parte dos debates são inócuos, vazios, porque tudo se resolve no final sem muito contencioso. E a transição entre a situação que vai ser invalidada, que vai ser atingida por uma medida de invalidação e de regularização, é uma nova situação, é a transição. Como é que se faz? Por que os defeitos da matéria, a anulação aqui na lei de processo? Porque se trabalha com a ideia de nulidade de pleno direito, que é assim: descoberta, sump! Tudo some. Isso não existe no mundo, isso é uma fantasia, sempre foi.
Então, esse é um campo em que é preciso modernizar. A Lindb ajuda, a Lei de Contratos Administrativos ajuda, há muita reflexão doutrinária, muita jurisprudência que pode servir de inspiração. E eu diria: a grande modificação que se deve fazer, a atualização, é neste campo da invalidação dos atos administrativos, além do tema que eu pontuei, que é o que está no capítulo da instrução, que é o do poder acautelador gigantesco e que não faz sentido e é muito perigoso.
Eu agradeço mais uma vez o privilégio de estar com todos aqui e de ser o último a dar aqui os meus palpites. Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Regina Helena Costa) - Muito obrigada, Prof. Carlos Ari. Nós é que temos que agradecer a sua intervenção, nós fizemos de tudo para poder contar com sua presença e com a sua exposição ainda hoje, então, foi muito feliz a possibilidade de termos sua participação aqui. E esse ponto da nacionalização da Lei de Processo Administrativo ou não é um ponto muito delicado. Agradeço ter se manifestado especificamente sobre isso porque, nas exposições pelo período da manhã, isso se revelou um dos pontos mais difíceis, porque nós tivemos expositores em posições antagônicas, com argumentos contundentes de um e de outro lado. Então, fico muito feliz que tenha abordado esse tema também.
Com isso, nós, então, estamos em condições de agradecer uma vez mais a todos que participaram aqui da audiência pública, que foi iniciada às 10h da manhã do dia de hoje, com uma suspensão, uma breve suspensão para o horário de almoço, a todos aqueles que vieram se manifestar e doar o seu tempo e a sua expertise para os trabalhos da Comissão.
Quero agradecer também aos membros da Comissão que acompanharam, que não teriam necessariamente a obrigação porque poderiam assistir posteriormente, mas fizeram questão de estar aqui ao vivo conosco desde o período da manhã. Então, quero agradecer a todos e dizer que todas as participações que foram efetuadas nos inspiram a buscar as melhores soluções, as melhores propostas para apresentar ao Senado Federal e para ajudar o Brasil a ter uma legislação mais moderna, mais aperfeiçoada.
Muito obrigada.
Eu declaro encerrada, então, esta audiência pública.
Um bom trabalho, um bom descanso a todos.
(Iniciada às 10 horas e 02 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 35 minutos.)