18/04/2022 - 11ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

R
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Fala da Presidência.) - Agradeço a todos e todas que atenderam ao nosso convite para participar desta audiência pública.
Declaro aberta a 11ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
Proponho a dispensa da leitura e a aprovação da ata da reunião anterior da Comissão de Direitos Humanos e peço que aqueles que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 15/2022, CDH, da nossa autoria, para discutir as alterações na política da Rede de Atenção Psicossocial do Ministério da Saúde, em especial as ações que promoviam e estimulavam a desinstitucionalização de pacientes internados.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211.
Temos como convidados aqui a Deputada Erika Kokay; o Defensor Público Federal Titular da 1ª Defensoria Regional de Direitos Humanos no Estado do Rio de Janeiro, Thales Treiger; Leonardo Pinho, Presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental; Haroldo Caetano, Promotor de Justiça do Estado de Goiás; Dayana Rosa, Pesquisadora de Políticas Públicas do Instituto de Estudos e Políticas de Saúde (Ieps); e temos ainda, a presença confirmada de Fernanda Rodrigues da Guia, integrante da Comissão Intersetorial de Saúde Mental do Conselho Nacional de Saúde.
Não sei se temos a presença de algum representante do Ministério da Saúde.
Eu queria só, antes de iniciar, dizer que cada um dos presentes terá - corrija-me, Christiano, se, por acaso, eu me enganar - dez minutos para exposição da sua opinião acerca do tema. Em seguida, alguma pergunta que eventualmente venha a ser feita poderá ser respondida e, depois, vamos ter as considerações finais.
R
Eu queria, antes de iniciar esta reunião, registrar aqui, na condição de Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado, a nossa atenção com uma matéria que foi divulgada ontem no jornal O Globo, por intermédio da jornalista Miriam Leitão, que dá conta ao país de que um estudo feito pelo Prof. Carlos Fico, parece-me, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, sobre fitas às quais ele teve acesso, por autorização do Supremo Tribunal Federal, que representavam manifestações de reuniões do Superior Tribunal Militar durante o período da ditadura militar. Nessas manifestações, a julgar pelo que tivemos oportunidade de ouvir pelos jornais e também pelo que é descrito pelos jornais e sites, era do conhecimento de integrantes do Superior Tribunal Militar a prática frequente de torturas contra presos políticos que estavam tanto em localização de responsabilidade das forças de segurança pública estaduais, como também, pelo que consta dos autos, em locais que pertenciam às Forças Armadas.
Obviamente a Comissão da Verdade já cumpriu um papel muito importante, no Brasil, de esclarecer muitos crimes, de esclarecer o desaparecimento de pessoas, de fazer chegar a verdade ao país, mas a confirmação de conhecimento por parte do STM de que ao menos havia denúncias da prática de torturas nos calabouços da ditadura militar nos traz esse assunto à tona e nos obriga a nos posicionar sobre isso.
De minha parte, estou apresentando à Comissão de Direitos Humanos um requerimento pedindo acesso a essas fitas e me dirigirei ao Presidente do Senado, Senador Rodrigo Pacheco, no sentido de que ele possa autorizar que o próprio Senado, por meio de sua assessoria, possa ouvir essas fitas; se necessário, fazer algum tipo de perícia sobre elas; e, a partir daí, nós discutirmos o que cabe do ponto de vista jurídico localmente.
Nós sabemos que a anistia foi promulgada nos idos de 1979 e, por decisão do Supremo, ela teve caráter de reciprocidade. No entanto, não é pouco importante a nossa população ter conhecimento desses fatos, da confirmação desses fatos, especialmente no momento em que temos um Governo, em especial o Presidente da República e seus filhos, que debocha de pessoas que foram vítimas de tortura e milhões e milhões de pessoas que não viveram aquela época têm um conhecimento muito restrito e limitado sobre tudo o que aconteceu e mais ainda no momento em que vamos ter uma eleição presidencial, em que esse tema deverá voltar à tona. Recentemente, o Ministro da Defesa fez publicar uma ordem do dia, no dia 31 de março, tecendo loas, louvando a ditadura militar. E, como tal, é um assunto da maior relevância.
R
Já tivemos a oportunidade de nos solidarizar com a jornalista Miriam Leitão pelo deboche de que ela foi vítima por parte do Deputado Eduardo Bolsonaro, diminuindo a importância, o efeito, o sofrimento que teve a jornalista nas masmorras da ditadura militar e também de outras pessoas que foram vítimas naquele período.
Então, eu queria fazer, antes de começar, essa manifestação política e dizer que nós vamos procurar trazer, quem sabe, para uma audiência pública o Prof. Fico e vamos dar andamento a esse caso.
Eu queria começar convidando a Deputada Erika Kokay, se ela já estiver aí.
Ela está presente ou não neste momento? (Pausa.)
Pois não.
Então, eu vou iniciar com o Prof. Thales Treiger - eu imagino -, que é Defensor Público Federal Titular da 1ª Defensoria Regional de Direitos Humanos no Estado do Rio de Janeiro.
O tema de hoje, como foi dito, é discutir as mudanças que vêm sendo promovidas na política da Rede de Atenção Psicossocial do Ministério da Saúde.
A reforma da atenção à saúde mental no Brasil foi uma conquista de vários governos e de vários anos de luta não só de familiares, mas de profissionais da área de saúde mental. Conseguimos instituir um sistema basicamente ambulatorial e que é centrado no respeito ao direito das pessoas. E, ao que consta, as mudanças que são pretendidas almejam, em última instância, que nós retornemos àquele modelo manicomial, àquele modelo de exclusão social a que as pessoas portadoras de transtorno mental eram submetidas.
Com a palavra o Dr. Thales Treiger.
O SR. THALES TREIGER (Para expor.) - Boa tarde a todos e todas. Boa tarde, Senador Humberto Costa.
Eu o saúdo muito em função desta necessária instauração deste importante debate em relação a alterações na rede de assistência psicossocial. Saúdo todos os presentes aqui na mesa e eventualmente todos os espectadores, que estão acompanhando esta nossa pauta tão relevante.
Em primeiro lugar, eu gostaria muito de fazer um link até, Senador, com relação a justamente esse introito feito por V. Exa. aqui na audiência, porque também é uma realidade a tortura nos hospitais psiquiátricos. A todo o momento em que a sociedade fica obstruída de acompanhar o que naturalmente está sendo feito intramuros, a gente tem um espaço muito fértil para esse tipo de perversão. E aqui vou fazer uma brincadeira, um trocadilho muito infeliz até: essa perversão e essa perversidade ao mesmo tempo, porque a sociedade não consegue acompanhar, as autoridades não conseguem acompanhar.
R
Então, nessa realidade de uma alteração e de uma diminuição tão sensível com relação à questão da assistência material do egresso de internações psiquiátricas de longa duração, a gente vê, em paralelo a isso, uma tentativa hoje do Executivo de diminuir, inclusive, o escopo de atuação de um órgão que eu acho que é muito significativo nessa realidade, que é o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Não é coincidência que justamente haja uma tentativa de retrocesso com relação, por um lado, a uma política de Estado institucionalizada no sentido de promover a ambulatorização, vamos dizer assim, da política de atenção psiquiátrica, com o esvaziamento de um mecanismo tão eficaz, que é o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Então, nos parece que são duas pontas muito ligadas, que há um liame muito tênue entre essas duas coisas. Quer dizer, na verdade, tudo isso faz parte de uma mesma política, que é não dar atenção à sociedade que está intramuros.
Aqui lembro que o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura não atua apenas com relação a prisões, mas também em locais de internação psiquiátrica. Então, em todo esse esforço que é feito nesse sentido - aliás, aqui eu falo evidentemente no plano jurídico, que é onde eu posso falar, o lugar de onde eu posso falar - pela legislação brasileira, inclusive pela Constituição da República, que reputa a tortura como algo extremamente danoso, algo extremamente chocante, ao mesmo tempo a gente vê um espaço muito grande de ausência de controle com relação a essa prática, que é uma realidade. Não só foi uma realidade política que vivemos há relativamente pouco tempo, mas é uma realidade hoje vista também pela população negra, pobre, favelada, periférica, nas delegacias e nas ruas do país.
Então, a partir daí, a gente vê que não só o Supremo Tribunal Federal atuou fortemente no sentido de impedir o desmonte do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, mas também a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao condenar o país, pela primeira vez, por uma grave violação de direitos humanos, como no caso Damião Ximenes. Para quem não sabe, Damião Ximenes foi morto a partir de tortura e maus-tratos em uma clínica psiquiátrica conveniada ao SUS no interior do Ceará.
Há não só um compromisso constitucional do país, mas um compromisso internacional, ratificado em tratados e convenções, no sentido de se erradicar a tortura em nosso país. Não é à toa que se usa essa palavra "erradicar", como a própria Constituição fala em erradicar a pobreza.
R
Uma alteração na Rede de Atenção Psicossocial tão drástica como, por exemplo, no intuito de reduzir o escopo dessa assistência material para egressos de uma longa permanência no sistema de internações psiquiátricas, isso causa, evidentemente, um retrocesso muito grande. Quer dizer, de um lado há um escopo de aumentar a institucionalização, com o aumento de verbas para se criar uma estrutura, novamente, voltada para o manicômio, para a lógica manicomial; e, do outro lado, há uma diminuição na assistência dessas pessoas que ficam muito tempo institucionalizadas. Fora isso, há uma mitigação de mecanismos tendentes a erradicar a tortura. A gente tem aí um caldo pronto para um retrocesso.
Por mais que um governo possa alterar a realidade, ter as suas pautas, governos não podem retroceder em políticas sem uma outra opção igual ou correlata para tratar o mesmo problema. Então, a gente está muito preocupado com esse quadro. Nós já instauramos um procedimento para apurar isso, para conseguir mais subsídios, inclusive, para uma ação mais embasada futuramente. Nós já oficiamos ao Ministério da Saúde no sentido de averiguarmos justamente uma questão econômica até, uma questão orçamentária, para demonstrar que "orçamentariamente" estamos optando por uma lógica errada, por uma lógica que, além de facilitar a violação de direitos humanos, é economicamente equivocada, porque ela sai, inclusive, mais cara para o cidadão brasileiro. Demonstrando isso ao Judiciário, a gente tem certeza de que vai ter uma melhor sorte. A nossa retórica, por mais que a gente saiba dos argumentos que nós estamos carregando, carreando, essa demonstração orçamentária impacta muito no Judiciário. Então, o nosso objetivo é ir instruindo dessa maneira o nosso procedimento para que culmine com uma ação mais madura.
É basicamente isso, é basicamente esse o escopo da nossa manifestação.
Colocamo-nos completamente à disposição, não só do mandato de V. Exa., mas de todos os parceiros e parceiras que estejam dispostos a aumentar esse escopo, que nos tragam dados fáticos com relação a essas questões colocadas para, enfim, revertermos a revogação dessa norma que é muito importante para salvaguardar os direitos dessas pessoas.
Muito obrigado. Coloco-me mais uma vez à disposição. Muito obrigado pela lembrança. Fico extremamente honrado.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Dr. Thales, pela sua fala, pela sua intervenção e pela sua disposição no sentido de podermos, em conjunto, trabalhar para preservar os avanços que foram feitos não somente do ponto de vista do respeito às pessoas que têm transtornos psíquicos durante o seu processo de atendimento, no trabalho de prevenção, mas também, muito especialmente, do ponto de vista dos resultados terapêuticos que esse tipo de ação, de intervenção conseguiu garantir, especialmente nos dias de hoje, em que nós tivemos avanços importantes nas técnicas de psicoterapia, no próprio desenvolvimento de novos medicamentos capazes de estabelecerem uma redução de sintomas, enfim, o que vai colocando, cada vez mais, num patamar mais "dinossáurico" o tipo de pretensa atenção à saúde mental que existia anteriormente, que se baseava unicamente na exclusão, na internação, no afastamento das pessoas da sociedade.
R
Então, agradeço a participação de V. Sa. e quero, de imediato, convidar aqui o Dr. Leonardo Pinho, que é Presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), para que ele possa se manifestar.
O SR. LEONARDO PINHO (Para expor.) - Boa tarde, Senador Humberto Costa. Boa tarde a todos e todas da mesa.
Queria agradecer muito à Comissão de Direitos Humanos do Senado, através da Associação Brasileira de Saúde Mental, por possibilitar esta audiência pública.
Senador, eu queria iniciar aqui a minha fala. Eu vou encaminhar - estou vendo que o Senador Flávio Arns também está na sala -, Senador Humberto Costa, nós queremos entregar a vocês, vamos encaminhar pelas assessorias, a nota técnica produzida pela Plataforma Brasileira de Política de Drogas, pela Associação Brasileira de Saúde Mental e dezenas de entidades da sociedade civil brasileira, demonstrando como as últimas medidas do Governo Federal, de acabar com o programa e com o financiamento do Programa de Desinstitucionalização, e como o Edital, também, nº 3, que dá R$10 milhões para 33 manicômios através do Ministério da Cidadania, são medidas ilegais e são medidas que vão contra os tratados internacionais e todas as diretrizes técnicas da Organização Mundial de Saúde.
Então, eu início minha fala com a entrega aqui na audiência dessa nota técnica, Senador Humberto, da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, da Abrasme e de dezenas de entidades da sociedade civil.
Feita a entrega da nota técnica, eu queria, Senador, através da Abrasme aqui, que é a Associação Brasileira de Saúde Mental, trazer um início, uma fala de contexto.
Senador Humberto Costa e todos os Senadores e Senadoras e todos que nos assistem, o lançamento da Portaria nº 956, que acaba com o programa e com o financiamento da área de desinstitucionalização e o Edital nº 3, que dá R$10 milhões para 33 manicômios, dinheiro do Ministério da Cidadania, infelizmente não são exceções. Isso está inserido num processo mais geral e continuado contra a reforma psiquiátrica no Brasil. Infelizmente, Senador Humberto Costa, essa política de Estado que nós consolidamos no Brasil através da Lei nº 10.216, através das conquistas do Estatuto da Pessoa com Deficiência no Brasil, que, na sua fala inicial, Senador, o senhor lembrou bem, não é uma política de um governo ou de um... Não, foi uma política de Estado construída em governos de matizes ideológicas diferentes. Nós passamos por governos após a democratização que eram opositores em várias questões do Brasil, mas todos eles construíram uma política de Estado chamada reforma psiquiátrica, que buscava pegar o dinheiro que antes era investido nos manicômios - ou, como a jornalista Daniela Arbex, em seu livro premiado disse, nos "holocaustos brasileiros" - e construir uma rede de base comunitária espalhada por todos os cantos do país.
R
E foi ano a ano, de forma progressiva, em vários governos diferentes, que a Rede de Atenção Psicossocial foi se consolidando no Brasil. Infelizmente, o atual Governo optou por uma política que, nos direitos humanos, chamamos de regressividade dos direitos humanos. E, Senador, como V. Exa. coordena a Comissão de Direitos Humanos, o Brasil é signatário do pacto econômico, social e ambiental em que é vedado que os governos façam política de regressividade de direitos, pelo qual os países devem fazer a progressividade dos direitos.
Essas medidas, essa portaria, esse Edital nº 3 são políticas que vão contra os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e impõem ao Brasil uma política pública de olhar pelo retrovisor. Nós estamos voltando a financiar locais de tortura, locais de maus-tratos, locais de isolamento e exclusão social. Inclusive, o Defensor Público da União que me antecedeu lembrou, Senador Humberto Costa, que o Brasil teve sua primeira condenação na Corte Interamericana justamente no caso Damião Ximenes nessas clínicas e nesses hospitais psiquiátricos. E o Brasil se comprometeu com a Corte Interamericana de não mais financiar os locais que deram as condições para o que aconteceu com Damião Ximenes. E o Edital nº 3 vem para desmentir esse processo: o Brasil volta a financiar, com tudo, esses hospitais, esses manicômios.
Segundo elemento: o Brasil está substituindo progressivamente os equipamentos públicos da Raps pelo financiamento dos equipamentos privados, as chamadas comunidades terapêuticas, que reproduzem a lógica dos antigos manicômios: do isolamento e da exclusão social. Então, essas medidas que nós estamos assistindo estão nesse contexto geral.
E eu queria aqui - e é o que a gente traz na nossa nota técnica - colocar, Senador Humberto Costa, ao Senado Federal que é necessário sustar a Portaria 956, com a produção de projetos de decreto legislativo que possam sustar essa medida, que é uma medida ilegal, que vai contra a Lei 10.2016, porque a Lei 10.216 prevê o processo progressivo e continuado de desinstitucionalização, e essa portaria acaba com o Programa de Desinstitucionalização e com seu custeio mensal. Então, é urgente que o Congresso Nacional, é urgente que o Legislativo cumpra seu papel e suste essa Portaria 956, que é ilegal.
R
E a nossa nota técnica também, Senador Humberto Costa, traz a necessidade de cancelamento do Edital nº 3, que é gravíssimo, pois coloca R$10 milhões em 33 manicômios. E por que é grave? Porque ele sobrepõe já o dinheiro de custeio do Ministério da Saúde, Senador: ele vem do Ministério da Cidadania, esse recurso. Então, ele está inclusive sobrepondo um recurso que já é um recurso que a saúde destina e que deveria progressivamente estar desinstitucionalizando, mas faz repasses ainda para os hospitais credenciados com o Cnes (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde). Esse edital sobrepõe recurso público pondo R$10 milhões do Ministério da Cidadania.
Então, Senador, para encerrar, trago aqui a nota técnica da Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas, da Associação Brasileira de Saúde Mental e de dezenas de entidades da sociedade civil pedindo para o Legislativo - como esta audiência pública vem cumprindo o seu papel no Brasil - fazer um projeto de decreto legislativo que possa sustar a Portaria 956, que acaba com o programa e com o custeio mensal do Programa de Desinstitucionalização, bem como possa fazer uma pressão político-social - e esta audiência pública é um passo importante nesse sentido - para o cancelamento do Edital nº 3, que repassa dinheiro do Ministério da Cidadania, sobrepondo recursos públicos já do Ministério da Saúde. E que esses R$10 milhões possam ser investidos na Rede de Atenção Psicossocial, na abertura de mais de unidades de acolhimento, na abertura de mais Caps Álcool e Drogas 24 horas, de mais Consultórios na Rua, porque é isto que o Brasil precisa: de um SUS e de uma Raps mais forte.
Termino aqui reafirmando a posição desta política de Estado, que é a reforma psiquiátrica brasileira: pelo fim dos manicômios no Brasil e pelo fortalecimento do SUS e da Raps. Sustar a Portaria 956 e cancelar o Edital nº 3 são medidas ilegais e impõem ao Brasil uma política de regressividade dos direitos humanos no país.
Muito obrigado, Senador.
Novamente, parabéns à Comissão por essa audiência pública!
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Dr. Leonardo Pinho. As suas considerações são extremamente relevantes.
É importante, inclusive, dizer que nós já tomamos esta iniciativa de apresentação de um decreto legislativo para a sustação tanto da portaria quanto desse edital. Nunca é uma coisa muito fácil, porque depende exatamente da tramitação por Comissões diversas, em que o Governo tem a sua maioria. Mas esse ponto já é objeto dessa discussão. Eu creio que também na Câmara essa iniciativa já deve ter sido tomada. Se não foi, nós vamos trabalhar juntos nisso aí.
Agora, acho muito importante, muito relevante que nós hoje, diante do que temos no Brasil, possamos analisar outras alternativas além do decreto legislativo. Nós podemos questionar a legalidade dessa portaria, desse edital; nós podemos recorrer à Justiça; nós podemos recorrer, inclusive, às mesmas cortes internacionais que anteriormente condenaram o Brasil por essa prática, que sempre foi tão comum, de violência nos manicômios.
R
Então, eu recebo com muita atenção e muita boa vontade essa contribuição da Associação Brasileira de Saúde Mental.
E vamos conversar, paralelamente, inclusive, com os integrantes do Ministério Público e da Defensoria Pública, para ver o que podemos fazer em conjunto... Sim, exatamente, o Deputado Padilha já apresentou lá na Câmara o que nós podemos fazer para suspender essas iniciativas.
Eu queria, de imediato, convocar também para fazer uso da palavra o Dr. Haroldo Caetano, que é Promotor de Justiça do Estado de Goiás.
Com a palavra, V. Sa.
O SR. HAROLDO CAETANO (Para expor.) - Boa tarde, Senador. Muito obrigado. Boa tarde a todos e todas da mesa desta audiência, a todos que nos assistem.
É com muito prazer e muita honra que a gente participa desta audiência pública, que é fundamental, como já foi dito pelos meus colegas que nos antecederam aqui nesta audiência, para criar algum tipo de resistência aos ataques que vêm sendo promovidos, sistematicamente, contra a Rede de Atenção Psicossocial, que é pautada na liberdade e nos direitos humanos, o que, claro, não se sintoniza com aquilo que orienta o atual Governo Federal.
Então, é fundamental esta audiência pública e é com muita honra que a gente participa deste momento.
Aqui, no Estado de Goiás, de onde falo, no Ministério Público de Goiás, nós temos uma política instituída que conseguiu abolir o manicômio judiciário, que é uma bandeira muito antiga por todo o país. E talvez seja por isso - aliás, é por isso - que, normalmente, eu sou convidado para estar nestes eventos, nestes debates, porque um país que conseguiu, mesmo que localmente, mesmo que em uma ou em poucas unidades da Federação, abolir o manicômio judiciário não pode conviver com propostas de retrocesso no campo da saúde mental que façam reviver o holocausto brasileiro, já também referenciado pelo Leonardo Pinho. Nós não podemos admitir tamanho retrocesso, neste momento histórico em que vivemos!
É claro que o atual Governo, aparentemente, com a suas próprias ações, demonstra que compreendeu a eleição de 2018 como uma espécie de revolução em que a Constituição, inclusive, parece-me, deixou de ter muito sentido, o que acabou fazendo com que muitos dos atos de Governo, em vários setores - e na política de saúde mental não é diferente -, violem dispositivos fundamentais da Constituição Federal e de outras normas regulamentares, leis infraconstitucionais.
Como bem lembrado pelo senhor, Senador Humberto Costa, esta rediscussão da história, que muitas vezes a gente vem percebendo acontecer, essa reescrita da história, neste momento por que passamos, num ambiente de um Governo abertamente fascista, também resvala, repercute em outros campos, como é o caso da saúde mental. Por quê? A tortura, que era, digamos assim, uma situação, um fato consensual na sociedade brasileira como algo próprio da ditadura militar, a violência de Estado, naquele momento, que era algo meio que consensual na sociedade brasileira no sentido de que era algo a ser superado - inclusive, para tanto, tivemos a Constituição de 1988 -, continuam a se perpetuar. Aquela tortura e aqueles atos de violência de Estado continuaram a se perpetuar, mesmo após a Constituição de 88, principalmente pela atuação das polícias pelo país, fundamentalmente a Polícia Militar, e também pelo funcionamento das prisões brasileiras e, claro, dos manicômios.
R
Então nós não temos, digamos assim... Eu até estranho, é até curioso o espanto de tanta gente quando percebe, quando ouve aqueles áudios, que foram divulgados agora, sobre os julgamentos que eram feitos no Superior Tribunal Militar. Não tem nada de surpreendente naquilo ali. É fato. É fato que o Brasil, durante aquele período, torturou e matou, por agentes do Estado brasileiro, muitas pessoas, muita gente - inclusive muitas que não estão nem nas estatísticas, porque não foram catalogadas como vítimas da ação institucional durante a ditadura militar.
Essa reescrita da história ali vem resvalando também na política de saúde mental, a ponto de permitir que o Governo Federal venha agora falar com naturalidade no retorno dos manicômios, algo que nós tínhamos superado, por força de um movimento social poderoso, muito potente, muito forte, que foi o movimento da luta antimanicomial, que conseguiu, com muitas lutas, a edição da Lei 10.216, de 2001 - uma lei que já tem 21 anos. Entretanto, com tudo isso já sedimentado na legislação e na Constituição, ainda assim, nós temos o Ministério da Saúde junto com outros setores da administração pública federal tentando naturalizar a ideia de que o hospital psiquiátrico é a resposta para a atenção em saúde mental no Brasil. E, pior do que isso: retirando o suporte financeiro para aquilo que está, sim, em sintonia com a Constituição e com a lei, que são as políticas de desinstitucionalização.
Então, nós estamos diante, de fato, de um ataque grave, ilegal e inconstitucional, mas que, enfim, é compreensível, nesse contexto de um Governo abertamente fascista.
Nós não precisamos ir muito longe, não é? E a nota técnica - já levada ao conhecimento do Senado e também da Câmara; enfim, já publicada pela Plataforma Brasileira de Política de Drogas e subscrita por tantas entidades que se relacionam com a saúde mental - já diz tudo. Nós não precisamos ir muito longe!
É preciso, sim, fazer esse debate com muita força neste momento para que essas iniciativas do Governo Federal não prosperem, porque, diversamente do que o Dr. Thales Treiger comentou, eu não confio muito numa disposição do Poder Judiciário, do sistema de Justiça brasileiro, para aceitar naturalmente a Lei 10.216, a Lei Antimanicomial. Pelo contrário, até hoje, passados 21 anos da edição da Lei 10.216, nós temos ainda juízes e promotores, enfim, o sistema de Justiça como um todo, atuando e mandando gente - para que vocês saibam, para quem não sabe - para manicômios judiciários.
Então, assim, do Poder Judiciário, nós temos essa atuação um tanto quanto claudicante, que, eventualmente, atua em sintonia com os dispositivos da reforma psiquiátrica, contra a lei da reforma psiquiátrica. Basta você observar os milhares de pessoas, homens e mulheres, que hoje estão dentro dos manicômios judiciários pelo Brasil todo, e outras tantas em prisões, aguardando vaga em manicômio, o que é uma situação tão bizarra quanto.
Então, é algo que nós precisamos, sim, denunciar, com muita força, neste momento, e esta audiência pública vem em ótima oportunidade para que isso aconteça, para que o Senado Federal não se silencie diante desse retrocesso abissal que vem sendo conduzido dentro do Ministério da Saúde, num contexto, inclusive, Senador, tão absurdo que, conforme disse o Léo Pinho, políticas de atenção em saúde mental estão sendo gestionadas, inclusive, com suporte financeiro, por um ministério que é estranho ao da Saúde, o Ministério da Cidadania. Por quê? Porque nós temos no Brasil o apropriamento da política de drogas, no âmbito do Governo Federal, por um campo que não é o da saúde. Já faz um bom tempo que o Ministério da Cidadania vem, através da sua política de drogas, tentando gerenciar, interferir - conseguindo isso com muita facilidade até -, fazendo com que se tenha um sucateamento na Rede de Atenção Psicossocial, que não recebe os investimentos devidos. Essa rede é preterida, inclusive, em relação às comunidades terapêuticas. Também no campo dessa discussão, lá no campo da disputa orçamentária sobre esses valores que são destinados à política de drogas equivocada que este Governo tem, a gente vê uma briga que está acontecendo, não muito declarada, entre comunidades terapêuticas e hospitais psiquiátricos, porque nós temos uma lei de 2019 - é de 2019 a mudança da lei de drogas - que vedou completamente a possibilidade de internação psiquiátrica nas comunidades terapêuticas. E agora se vê aí esse rearranjo, no âmbito das políticas do Ministério da Cidadania, o que é muito estranho, para que hospitais psiquiátricos sejam financiados. Ora, esse tempo já passou, e nós tivemos muita dificuldade, muita luta, muita gente morrendo em manicômios pelo Brasil. O parque manicomial de Sorocaba, por exemplo: houve uma dificuldade extrema para derrubá-lo lá em São Paulo ou pelo menos para tentar diminuir a sua força enquanto instituição que era naturalizada. Isso tudo custou vidas, isso tudo custou lutas muito fortes que não podem ser desprezadas.
R
Para concluir, Senador, quero cumprimentar V. Exa. e todos que organizaram e idealizaram esta audiência pública pela iniciativa e admoestar as instituições, como já foi feito pela nota técnica já referida anteriormente, para que ações sejam tomadas, porque a discussão já está muito bem sedimentada nesse campo, a fim de que essas iniciativas ilegais, inconstitucionais do Governo Federal sejam barradas imediatamente.
Muito obrigado.
É um prazer - mais uma vez insisto e repito -, e fico à disposição para a gente poder conversar um pouco mais.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Agradeço ao Haroldo Caetano, Promotor de Justiça do Estado de Goiás, pela sua esclarecedora manifestação, por trazer uma série de informações relevantes e por reafirmar os princípios básicos daquilo que tem sido a política de atenção à saúde mental no nosso país nesses últimos anos.
Eu queria agora passar a palavra à Dra. Dayana Rosa, que é Pesquisadora de Políticas Públicas do Instituto de Estudos e Políticas de Saúde, para que ela possa também fazer a sua manifestação.
A SRA. DAYANA ROSA (Para expor.) - Presidente Humberto Costa, queria saudá-lo aqui pela cessão desse espaço, cumprimentar os demais Senadores presentes, a Deputada Érika Kokay também, a Comissão de Direitos Humanos, a Abrasme, o Conselho Nacional de Saúde, o Ministério Público e a Defensoria.
R
Peço licença para compartilhar com vocês uma apresentação. Eu solicitei aqui ao moderador que, se possível, autorizasse. (Pausa.)
O anfitrião pode autorizar, por favor, o compartilhamento de tela? (Pausa.)
Obrigada. (Pausa.)
Meu nome é Dayana Rosa. Estou aqui representando o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, em parceria com o Instituto Cactus. Sou administradora pública, Mestre e Doutora em Saúde Coletiva e vim aqui debater com vocês um pouquinho das evidências que estão por trás do desinvestimento na reinserção social, que é a desinstitucionalização, e também do fortalecimento dos hospitais psiquiátricos - e, como bem a Abrasme colocou, estou me referindo aqui à portaria e ao edital tanto do Ministério da Saúde quanto do Ministério da Cidadania.
Fala-se muito da necessidade de evidências para políticas públicas, principalmente quando estamos falando de saúde mental, de álcool e de outras drogas também, mas nós estamos aqui hoje justamente porque, verificando esse edital e essa portaria, não encontramos evidências científicas suficientes que sustentem essas alterações nas políticas de saúde mental, álcool e outras drogas.
Já faz algum tempo que vem acontecendo essa estimulação, ou seja, que se está estimulando o aumento da demanda por internação, quando se investe em internação psiquiátrica e acaba se desconfigurando a Rede de Atenção Psicossocial.
Assim, na nossa leitura, o Poder Executivo tem criado seus próprios problemas nos últimos anos, e quem é afetado por isso não são poucas pessoas. Quando a gente fala só da portaria que acaba com o programa de desinstitucionalização, a gente está se referindo a mais de 6 mil pessoas que atualmente, no início do ano, estavam morando em serviços residenciais terapêuticos, que são moradias para essas pessoas que estavam internadas há algum tempo, no mínimo, há um ano, mas a situação do Brasil refere-se a pessoas que passaram a vida toda, a pessoas que nasceram em hospitais psiquiátricos e que precisam de uma política de Estado e não de governo para ter essa reinserção social.
Então, essa portaria, especificamente, quebra o vínculo social que estava sendo restabelecido, e quem faz esse vínculo acontecer são as equipes de desinstitucionalização. Inclusive, uma informação: a gente não tem acesso ao número de equipes, e esse é um dos principais problemas que a gente identifica na atual política de saúde mental, álcool e outras drogas. Essas equipes vão ter ou já tiveram a perda de vínculo empregatício ou o remanejamento, que também vai afetar diretamente o projeto terapêutico de mais dessas 6 mil pessoas a que estamos nos referindo. E nós, aqui reunidos, enquanto sociedade, acabamos reforçando também o preconceito e o estigma e nos distanciando também do valor da liberdade que tem sido tão esquecido.
A gente identificou - é uma cadeia de problemas - aqui quatro principais pontos que a gente gostaria de destacar.
O primeiro é que, nos últimos anos, a política de saúde mental do país piorou, o que é um consenso também, mas gostaria de lembrá-los aqui de que tanto o edital quanto a portaria fazem parte de várias ações que, desde 2017, desconfiguram a Raps. A gente teve, por exemplo, a revisão da Pnab (Política Nacional de Atenção Básica), que atinge diretamente os consultórios na rua, que têm um papel importante nessa população que tem crescido vertiginosamente. A gente teve a desabilitação de CAPS e SRTs, que são esses serviços residenciais terapêuticos que eu me mencionei anteriormente, coisa que não acontecia antes.
R
Tivemos, em 2019, novas políticas de saúde mental, álcool e outras drogas, mas políticas, aqui, que foram feitas por portaria ou por decreto, sem participação da sociedade civil, dos órgãos de controle, como foi também a construção desse edital e também dessa portaria.
A gente teve a tentativa de acabar com as equipes de avaliação e acompanhamento da pessoa com transtorno mental em conflito com a lei, a que o Haroldo se referiu aqui agora. Também tivemos, no final do ano passado, isenção fiscal para comunidades terapêuticas e, agora, esse edital e essa portaria. Então, isso faz parte de um contínuo de, pelo menos, cinco anos que a gente vem numa reorientação do modelo de atenção de saúde mental.
A gente gostaria de chamar a atenção de que nem todos os dispositivos da Raps estão sendo esvaziados. Com exceção das comunidades terapêuticas e hospitais psiquiátricos, essa é a situação. Por exemplo, através de informações obtidas por nós com a Lei de Acesso à Informação, nos últimos três anos, as comunidades terapêuticas tiveram aumento de R$100 milhões, uma vez que, desde 2017, 13 estados estão sem uma unidade de acolhimento sequer no país.
Qual é a diferença entre comunidade terapêutica e unidade de acolhimento? A principal diferença aqui, na linguagem de gestão, é que as comunidades terapêuticas - como bem lembrou agora o Haroldo nessa diferença entre o Ministério da Saúde e o da Cidadania - é que a comunidade terapêutica está ligada ao Ministério da Cidadania e, por isso, por não se tratar de unidade de saúde, fica mais difícil fiscalizar. Fica tão difícil fiscalizar que a gente não tem acesso, por exemplo, a qual é o projeto terapêutico que essas pessoas estão recebendo.
A unidade de acolhimento, por sua vez, está no Ministério da Saúde, então, a gente consegue fiscalizar, a gente consegue monitorar e a gente consegue propor, terapeuticamente, um caminho para essas pessoas com transtorno mental. Então, aquela unidade que a gente consegue fiscalizar e apontar um caminho que resolve falta em três unidades do Estado; agora, a outra, que não tem esse acompanhamento, recebeu mais de R$100 milhões nos últimos três anos.
Gostaria de lembrar também, como o Thales colocou muito bem na sua caracterização sobre os hospitais psiquiátricos, que, em 2018, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura fez uma inspeção nesse tipo de unidade em que estavam sendo investidos 10 milhões do Ministério da Cidadania e apontou que mais da metade não tinham nem permissão sanitária para funcionamento; 42% tinham alimentação inapropriada; 77% faziam contenção física injustificada e recorrente e, além disso, também não tinham livre acesso à comunicação com familiares.
Quando a gente fala dessa interrupção da reinserção social, da internação, a gente está se referindo ao isolamento e aqui, com a pandemia, gostaria de lembrar que a gente precisou ficar em casa, a gente precisou ficar distante das pessoas queridas e é disso que a gente está falando, a gente sabe que a gente não fica melhor distante das pessoas que a gente gosta. E esse é o tipo de instituição que promove isso, não promove reinserção social, muito pelo contrário, então, fica até difícil imaginar como seria uma reinserção social através de hospitais psiquiátricos como descritos no edital.
Só com o dinheiro desse edital - esses 10 milhões - seria possível pagar mais de 24 mil parcelas de auxílio do Programa De Volta Para Casa, o auxílio que promove autonomia para essas pessoas que estão em situação de longa permanência, para que refaçam seus laços sociais. E inclusive, infelizmente, não temos aqui a presença do Ministério da Saúde, mas gostaríamos de saber qual é o futuro do Programa De Volta Para Casa, assim como o que será feito dessas mais de 6 mil pessoas que estão sendo desassistidas.
R
Então, em resumo, em relação a esse primeiro argumento, eu gostaria de ressaltar também que a saúde mental do brasileiro piorou. Não foram só as políticas, mas a saúde sentida por nós mesmos no cotidiano, né? Antes da pandemia, a depressão já havia aumentado, e agora, depois de 2019, houve um crescimento de mais de 36% dos casos de depressão no país também, de acordo com dados do Ieps.
O segundo ponto para o qual eu gostaria de chamar a atenção é que sem evidências não há gestão nem responsabilidade. O último Saúde Mental em Dados, que era um boletim anual que o Ministério da Saúde fazia, como se fosse um estado da arte, contando como está a política nacional, foi publicado em 2015, o que quer dizer também que há sete anos aí que gestores, pesquisadores, jornalistas, cidadãos estão às escuras em se tratando de saúde mental. E, também, o último Pnash/Psiquiatria, que é o Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares Psiquiátricos, como se fosse uma inspeção feita pelo Poder Executivo, foi feita em 2018. Então, há quatro anos o Poder Executivo não sabe o que os hospitais psiquiátricos estão fazendo.
Então, esse apagão de dados impossibilita a implantação de políticas públicas eficientes, principalmente nas etapas de avaliação, monitoramento e fiscalização.
E agora, contando mais uma história de bastidor aqui com o Ieps, a gente, para conseguir essas informações, como eu disse, precisou recorrer à Lei de Acesso à Informação. Ou seja, uma pessoa comum, que não tem muita paciência ou acesso à tecnologia, por exemplo, não conseguiria saber quanto foi gasto em determinada ação do Ministério da Saúde ou do Ministério da Cidadania. E, nessa interação, a gente percebe que há uma pactuação entre as pastas, mas não uma organização para atuação em rede. Por exemplo, perguntamos ao Ministério da Saúde sobre as comunidades terapêuticas. O Ministério da Saúde falou: "Ah, é com o Ministério da Cidadania". Aí, a gente perguntou para o Ministério da Saúde...
Inclusive, Haroldo, se você tiver mais informação, eu gostaria.
Perguntamos quantas são as pessoas presas que têm transtorno mental e estão em hospitais psiquiátricos. "Ah, pergunta para o Depen". Inclusive, perguntei para o Depen, e em 2017 foi a única e última vez que contaram quantas são essas pessoas.
Então, assim, tá, é responsabilidade dos outros, o Ministério da Saúde, não pôde se posicionar, o.k., mas não há o interesse de saber o que está acontecendo em matéria de saúde nessas outras pastas que estão sendo realocadas?
Então, o que fica evidente para a gente, mais uma vez, é uma política de governo que vem remendando a política através de portarias e decretos, mais uma vez sem a participação, e não uma política de Estado, porque uma política de Estado se baseia, por exemplo, nas conferências nacionais de saúde mental que aconteceram.
Já vou correndo para concluir por causa do tempo.
E aqui está, por exemplo, uma matéria que foi publicada ontem na Folha de S.Paulo, subsidiada por informações conseguidas através da Lei de Acesso à Informação, assim como a Abrasme e a Plataforma Brasileira de Política de Drogas, dois institutos que colaboraram também. Então, a sociedade civil tem feito esse trabalho de informação que o Poder Executivo obriga a gente a fazer.
A internação deve ser a última opção. Isto está previsto tanto na Lei da Reforma Psiquiátrica quanto na Lei de Drogas. E aqui a gente chama a atenção para o fato de que na Lei de Drogas é estabelecido que a internação de dependente de drogas somente será realizada em unidades de saúde ou hospitais gerais, e aí peço apoio do Ministério Público e também da Defensoria para confirmar comigo se esse é o caso das organizações da sociedade civil que estão previstas no edital, edital que, como eu disse, estimula a própria internação, uma vez que essa é principal fonte de faturamento dos hospitais psiquiátricos, que é contrária à reinserção social e, pior, pode, inclusive, aumentar a necessidade de desinstitucionalização em médio prazo, porque você está aumentando a internação e aí você pode imaginar que vai aumentar o número de pessoas também que ficam mais tempo internadas, inclusive porque a gente viu que não há fiscalização. Então, a gente está criando uma demanda para desinstitucionalização no médio prazo.
R
Por fim, já para concluir, o nosso quarto ponto, e não menos importante, é que a desinstitucionalização funciona. E isso não sou eu quem estou falando, é a ONU, é a Opas, é a Corte Interamericana, como já foi lembrado aqui. Eles são claros em dizer: o caminho para tratar pessoas com transtorno mental é a atenção da base comunitária.
Por fim, a gente gostaria de apontar aqui cinco propostas para uma política de saúde mental eficiente. Além do cancelamento do edital e da portaria do Ministério da Saúde, em que a gente acompanha o posicionamento da Abrasme, a gente gostaria também de sugerir aos senhores a apresentação de uma proposta de fiscalização e controle, uma PFC das políticas nacionais de saúde mental sobre álcool e outras drogas, como se fosse uma miniauditoria em que o Poder Executivo seja obrigado a passar informações e também a responder legalmente sobre esses assuntos; ofertar uma diversidade de serviços e estratégias para o cuidado que priorizem o apoio habitacional, como são os serviços residenciais terapêuticos, as unidades de acolhimento e os hotéis sociais, tomando como exemplo o programa De Braços Abertos, de São Paulo; e também a retomada imediata do Pnash/Psiquiatria e a publicação do Saúde Mental em Dados.
Isso é para dizer que as políticas públicas de saúde mental precisam ser baseadas em evidências e devem proteger os direitos das pessoas com transtorno mental e o trabalho dos profissionais de saúde também.
Assim, gostaria de nos colocar à disposição tanto para o Poder Legislativo quanto para o Poder Executivo, para a sociedade civil aqui presente, no que precisarem, em assuntos de pesquisa e de políticas, que o Ieps está de portas abertas.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Dra. Dayana Rosa. Excelente a sua apresentação, as informações, o resgate inclusive de tudo que foi construído ao longo dos últimos anos em termos de avanços na área de atenção à saúde mental.
Todas as sugestões que foram apresentadas por V. Sa. serão levadas em consideração por nós da Comissão de Direitos Humanos e serão objeto sem dúvida de todo um trabalho que vamos fazer ao longo desse período.
Eu queria, por último, dar a palavra à Dra. Fernanda Rodrigues da Guia, que é integrante da Comissão Intersetorial de Saúde Mental do Conselho Nacional de Saúde. Em seguida, nós vamos ouvir a Deputada Erika Kokay e também a Senadora Zenaide Maia, que está presente, além do Senador Flávio Arns.
Com a palavra, Dra. Fernanda Rodrigues.
A SRA. FERNANDA RODRIGUES DA GUIA (Para expor.) - Boa tarde a todas e todos.
Gostaria de agradecer pela oportunidade de estar aqui hoje, agradecer ao Senador Humberto Costa pela iniciativa e também a todos os colegas aqui presentes, alguns que eu já conheço de trabalho conjunto, como o Haroldo Caetano, a gente tem trabalhado junto no GT do CNJ; e a Dayana. Eu acompanhei sua trajetória desde o Rio de Janeiro, inclusive vi o seu trabalho de doutorado, que é sobre a política em geral contra as drogas e, não por acaso, no seu último eslaide, está presente ali o apoio à estratégia de cuidado, inclusive àquelas que dizem respeito a uma interface da saúde com habitação, com assistência. Você citou ali os hotéis sociais, por exemplo, uma forma de iniciativa que a gente também pensa quando pensa em desinstitucionalização.
R
Bom, então eu sou Fernanda da Guia. Aos demais, que eventualmente não me conhecem, eu estou aqui tendo a oportunidade de representar o Conselho Nacional de Saúde. Eu faço parte da Cism, que é a Comissão Intersetorial de Saúde Mental do Conselho.
E, em primeiro lugar, é importante a gente marcar que a responsabilidade do Conselho Nacional, a gente tem a missão de fiscalizar, acompanhar e monitorar as políticas de saúde, inclusive a política de saúde mental, e levar demandas da população ao Poder Público. Isso é o controle social.
Então, eu também gostaria de me colocar à disposição para receber a nota técnica dos colegas da sociedade civil. É claro que eu estou acompanhando toda a movimentação, nós estamos acompanhando. Mas aproveito a oportunidade também para receber a nota técnica, que para nós é de grande valia, principalmente considerando que estamos no contexto de organização da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, que será este ano, de 8 a 11 de novembro.
Então, uma grande possibilidade de mobilização e também de todos nós discutirmos a saúde mental de forma mais transparente e dando oitiva a todas as pessoas que fazem parte da construção da política nacional de saúde mental, que é uma política de estado, como já foi sinalizado desde o início pelo Senador e pelos demais colegas. Isso significa que a política não pode ficar à mercê do interesse de um determinado governo ou de grupos de interesse que estejam sendo representados por aqueles que ocupam os cargos do governo infelizmente.
Sobre essa questão do fundamento, a gente trabalha na política de saúde mental com todo um fundamento, os marcos legais e documentos de referência. Alguns já foram aqui citados, mas, além das leis especiais, a gente começa, antes disso, com as próprias convenções, que vão respeitar os direitos humanos, inclusive a convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência.
Embora no título esteja pessoas com deficiência, é bom lembrar que dentro desse rol também estão as pessoas com transtornos mentais. Então, esse é um marco legal também muito importante para a gente, para a nossa política. E a gente tem um desdobramento aí, a Lei Brasileira de Inclusão, mais à frente, que vem sendo também discutida no âmbito dessa conferência de saúde mental, por trazer novidades em termos de direitos.
O debate da capacidade civil retorna um pouco com a Lei Brasileira de Inclusão. A convenção era um pouco mais avançada, mas enfim continuamos esse debate. E também a tomada de decisão apoiada, que é tão importante nos processos de desinstitucionalização.
Com relação às leis especiais, antes disso, a gente tem a lei do SUS também. Tivemos uma nota técnica do Conass e do Conasems, que foi muito celebrada. É importante também, já que eu estou vindo aqui pelo Conselho Nacional de Saúde, fazer essa ênfase porque o Conass e Conasems são atores importantes do SUS, representam os estados e os municípios. E se posicionaram contrariamente também a esse edital, o Edital nº 3 do Ministério da Cidadania, evocando o argumento da competência. Um dos argumentos é o argumento da competência.
Então, é de competência da saúde a gestão de serviços de saúde e inclusive a definição de quais são os melhores serviços de saúde para o tratamento. Afinal de contas, quando a gente aborda o direito à saúde, a gente sempre leva em conta que as pessoas têm direito ao melhor tratamento de saúde possível. E hospital psiquiátrico não é lugar para tratamento.
Como vários de nós já frisamos aqui, os colegas, é um lugar de tortura, é um lugar que nós não aceitamos como lugar de tratamento e que está completamente desalinhado com as diretrizes que nós trazemos da reforma psiquiátrica brasileira.
R
Dentro das leis que a gente admite como específicas, além da nossa 10.216, também a Lei Brasileira de Inclusão, há o direito à convivência familiar e comunitária. Eu sempre cito essa lei, porque a gente tem uma parte muito importante, inclusive no que se refere à desinstitucionalização, que é o cuidado com crianças e adolescentes. Daí eu retomo, mais uma vez, a fala da Dayana, quando ela fala da "desinst", não é?
É muito importante esse trabalho da intersetorialidade, que foi interrompido também. Esta é uma das faces do retrocesso: a interrupção de toda a articulação que o setor de saúde - eu falo mais especificamente do ministério - vinha fazendo com os demais setores do Estado para que a gente conseguisse realmente navegar a política de saúde mental. Não é só requerer informações, é fazer uma articulação com outros setores para realmente promover o acesso à saúde. Houve uma interrupção, e isso é muito grave também.
E também a gente tem a Lei de Drogas, que estabelece responsabilidade também para a saúde, não só para o ministério, mas nos três âmbitos, federal, estadual e municipal. A lei fala, define a competência para o SUS no desenvolvimento de programas de atenção para pessoas que usam drogas, respeitadas as diretrizes do Ministério da Saúde. Então, quando a gente trata de saúde, não há como inventar medidas que são ilegais, enfim, em termos de interesse da saúde, ou inventar formas de querer categorizar fora da saúde aquilo que é de competência da saúde. Então, essa nota técnica do Conass/Conasems reafirma essa questão da competência. Isso é muito importante.
Enfim, falando de retrocessos, é muito grave que a gente tenha, a partir de 2017, a Portaria 3.588, e depois disso, uma série de medidas, uma mudança na política de saúde mental sem um diálogo com a sociedade. Isso é muito grave. A política de saúde mental é um fruto da própria reforma psiquiátrica brasileira e já tem décadas de construção. Então, é inadmissível esse desmonte da política sem o diálogo com a sociedade. A política pública não é de determinado governo, é uma política pública, é de todos nós, não é?
A Coordenação Nacional de Saúde Mental, outra face desse desmonte, é a criação do CAPS AD IV, que cria mecanismos para encaminhamento de pessoas para internação involuntária em comunidades terapêuticas.
E, paralelamente a isso, a gente tem o que o colega também já citou e a Dayana já pontuou também, a destinação de R$100 milhões em três anos, como se você fosse um serviço que é habilitado, que recebe um custeio anual, como se estivessem destinados R$33 milhões ad infinitum para esses tipos de comunidade, porque elas são financiadas via edital, exatamente, sem nenhuma necessidade de comprovação do que está sendo feito, sem nenhuma possibilidade de monitoramento e de construção conjunta com a sociedade do projeto terapêutico.
A gente também teve um ressurgimento das equipes da mente, ou seja, os ambulatórios de saúde mental. Isso não é desejável para a Política Nacional de Saúde Mental. Esse modelo é um modelo que já sofreu várias críticas nas décadas de 70 e 80, tem baixa efetividade e estimula a medicalização. Então, estabelece como única resposta para o sofrimento psíquico, para o sofrimento das pessoas, pelos mal-estares, por questões sociais que são relatadas nos atendimentos, o medicamento. E isso, em si, por si, não é um tratamento em saúde mental, por mais que a gente também, no acompanhamento, recorra a medicamento, não é? E, quando a gente recorre a medicamentos, a gente precisa de uma avaliação sistemática.
R
O que acontece, por exemplo, nos hospitais psiquiátricos? É muito comum - e quem faz vistoria sabe - ver que houve uma prescrição medicamentosa e que nunca mais ela foi analisada. A pessoa fica para sempre tomando os mesmos medicamentos, sem nenhuma análise. Então, quando se faz uso de medicamentos, também é para fazer de forma responsável. E também é sempre importante a política não induzir a medicalização indiscriminada de todas as situações que chegam, de todos os sofrimentos que chegam, não reduzir o cuidado em saúde mental a essa medida.
Na política de saúde mental, a gente vem desenvolvendo uma série de dispositivos clínicos, desde as bases, desde os serviços, a partir também dos profissionais de saúde. Hoje a gente não está fazendo um aprofundamento técnico na política? Nós poderemos fazer. Há uma série de procedimentos clínicos que vão além do atendimento individual e do atendimento de apenas uma categoria profissional, só do psiquiatra ou só do psicólogo.
Eu já vou me encaminhar para a conclusão falando um pouco dos retrocessos, porque ainda há mais retrocessos.
A gente tem agora - é a última novidade - essa Portaria 1.596. Eu também acompanho o voto dos colegas para que ela seja sustada. Isso é muito importante para que a gente não tenha perdas significativas na condução da política de saúde mental. Nós desejamos... Nós do Conselho Nacional de Saúde estamos mobilizando a Conferência de Saúde Mental. Nós acreditamos que, com essa grande mobilização - a gente tem muito trabalho pela frente -, vamos poder retomar a condução da Política Nacional de Saúde Mental. Essa portaria faz um estrago, pode abrir precedentes. É muito importante que ela seja sustada para não estragar todo o processo, todo o trabalho que vem sendo desenvolvido ao longo de três décadas. Antes mesmo do SUS, a gente tinha a reforma psiquiátrica. Então, é muito importante isso.
Peço também ao Senador, nesta ocasião, que a gente consiga realmente chegar a esse termo de sustar a portaria do Ministério da Saúde e também impedir o edital do Ministério da Cidadania.
Gente, eu acho que agora, que o tempo acabou, vou ficar aqui na exposição. Tenho uma lista maior de retrocessos que a gente vem enfrentando. Os fóruns de discussão não dão conta do tanto que a gente precisa falar da política de saúde mental, seja com relação ao cuidado, seja com relação a desafios e à especificidade de cuidar de cada segmento que nós damos conta dentro da política de saúde mental, seja de crianças e adolescentes, seja de pessoas que usam drogas, seja de pessoas que estão em processo de desinstitucionalização, saindo dos hospitais psiquiátricas, seja de pessoas em conflito com a lei que, assim como qualquer outro cidadão, merecem acesso à saúde, merecem que o acesso à saúde seja garantido.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Dr. Fernanda Rodrigues da Guia. Foi muito boa a contribuição de V. Sa. ao levar em consideração, principalmente, a denúncia que faz em relação aos retrocessos que nós pudemos constatar ao longo desses últimos anos, particularmente do ano de 2017 para cá. A representação do Conselho Nacional de Saúde é sempre muito bem-vinda pela sua atuação permanente em defesa dos direitos dos usuários e em defesa do SUS.
Vou passar a palavra à Deputada Erika Kokay e, logo em seguida, à Senadora Zenaide Maia.
R
Peço que possam todos se ater aos dez minutos.
Com a palavra a Deputada Erica Kokay.
A SRA. ERIKA KOKAY (Bloco/PT - DF. Para expor.) - Eu queria saudar, Senador Humberto, a realização desta audiência pública. Acho que ela é, absolutamente, fundamental para que nós possamos, primeiro, ter uma dimensão mais exata do nível de retrocesso que a política de saúde mental tem sofrido no Brasil. Penso que o Brasil construiu uma lei, construiu uma reforma psiquiátrica e essa reforma psiquiátrica, acima de qualquer coisa, foi construída, também, com muita dor, dor dos manicômios, que são verdadeiros holocaustos e que têm que ser reconhecidos enquanto tal.
Então, nós estamos vendo uma série de ataques a essa política que foi construída na tentativa de fazermos o luto dos manicômios no nosso país. E, quando a gente fala que é preciso cuidar, penso eu que a gente só cuida se for em liberdade. Cuidar não é controlar, cuidar não é silenciar os corpos, amordaçar as pessoas ou acorrentá-las, acorrentar esses corpos. Portanto, cuidar pressupõe termos a liberdade para que se possa cuidar.
E este Brasil vem e vinha construindo uma rede de atenção psicossocial, baseada em serviços substitutivos, para que nós pudéssemos, realmente, fazer o luto dos manicômios e fechar o ciclo. Esse ciclo é um ciclo extremamente traumático da história brasileira. E, nesse sentido, o que nós estamos vendo, primeiro, é um desfinanciamento de toda a rede dos serviços substitutivos. Nós temos os desfinanciamentos das residências terapêuticas, dos próprios CAPS. Aliás, nós navegamos sem que tenhamos os dados necessários. Uma coisa que urge e sobre que aqui já foi falado é que nós possamos ter os dados sobre a saúde mental aqui no nosso país. Nós trabalhamos sem esses dados. Aliás, todo o caráter de ausência de transparência alimenta uma postura que é uma postura de arbítrio, uma postura autoritária e de retrocesso de direitos.
Eu penso, sempre, que, quando você tem uma reforma psiquiátrica, uma luta que foi impulsionada e que impulsiona a luta antimanicomial, nós vamos ter ali, na sua essência e no seu alimento básico, a própria democracia e a participação. Quando nós falamos de CAPS, por exemplo, nós estamos falando é de uma política ou de um instrumento que vai articular um conjunto de políticas públicas. Então, ele trabalha, essencialmente, com a intersetorialidade, não apenas dentro dos próprios CAPS, mas na articulação com as políticas, políticas de educação, de geração de empregos, de cultura, enfim, o conjunto das políticas.
Então, CAPS significa territorialidade; intersetorialidade e territorialidade. Ali se constroem territórios, territórios que são muito mais do que espaços geográficos, mas significam tranças de saberes, tranças de afetos, tranças, tranças, tranças e tranças, tranças de humanos ou de seres humanos.
Portanto, nesse sentido, quando você tem um desfinanciamento dos próprios CAPS, você direciona a política de saúde mental e o próprio orçamento para as estruturas manicomiais. E nós vamos ver um crescimento absolutamente nítido das comunidades terapêuticas que, em grande medida, não têm qualquer tipo de fiscalização, ou que, em grande medida, não contam com a atenção à própria saúde. Então, nós vamos ver esse dado que já foi posto, que é o dado, nos últimos três anos, do financiamento de mais de R$100 milhões - R$100 milhões a mais para as comunidades terapêuticas.
R
Mas não é só isso, é a isenção tributária e tantas outras iniciativas que vêm todas numa lógica de poder fazer com que as comunidades terapêuticas engulam a política de saúde mental e que retomem com a lógica manicomial, que a nossa legislação refuta e a própria luta do povo brasileiro refuta com o que nós construímos neste período.
Então, nós vamos ter as comunidades terapêuticas dominando a política de uso abusivo de álcool e droga ou de enfrentamento ao uso abusivo de álcool e droga e, ao mesmo tempo, a política das pessoas em situação de rua, porque há uma confusão estabelecida, ou seja, tenta-se fazer com que as comunidades terapêuticas sejam a destinação natural da população em situação de rua, em vez de se buscar a efetivação de políticas como a da moradia primeiro ou um conjunto de políticas públicas articuladas; busca-se fazer com que as comunidades terapêuticas engulam as políticas necessárias para a população em situação de rua.
Então, é muito importante que nós possamos, primeiro, estarmos atentos. Diz a canção: atentos e fortes, sem medo de temer os diversos tipos de morte, diria eu, que estão em curso neste país. Mas, para que nós possamos identificar todos esses ataques... São ataques que fazem com que nós tenhamos não uma articulação de políticas entre o Ministério da Cidadania, as políticas sociais, as políticas, enfim, de emancipação, mas um convênio estabelecido, um convênio para retirar responsabilidades. Há uma terceirização das responsabilidades e das culpas também a serem estabelecidas pelo quadro que nós estamos vivenciando.
Então, é fundamental que nós possamos traçar esse diagnóstico. Esse diagnóstico da nota técnica avança nesse sentido - a nota que aqui foi apresentada. E que nós possamos traçar o diagnóstico, que nós possamos fazer várias iniciativas como, penso eu, os projetos de decreto legislativo para sustar as portarias que enfrentam a própria legislação, até porque elas não têm o mesmo peso de um instrumento ou de um arcabouço legal. Elas buscam ir arrancando pedaços da política que está prevista na nossa própria legislação. E, fundamentalmente, trabalhar na perspectiva de buscar impedir, inclusive, com ações judiciais.
Eu penso que nós temos que buscar todas as formas possíveis para que nós possamos impedir que esses retrocessos, que direcionam a política de saúde mental para os leitos psiquiátricos - vejam que a reforma psiquiátrica fala de diminuição de leitos psiquiátricos - e precarizam a Rede de Atenção, os Caps, as redes dos serviços substitutivos, e, ao precarizá-los, jogam para os leitos psiquiátricos e para as comunidades terapêuticas, que, em grande medida, têm também uma lógica manicomial e, muitas vezes, passam ao largo de uma atenção científica a partir do conjunto de políticas públicas, inclusive, a política de saúde.
Eu penso que o oxigênio da reforma psiquiátrica é a democracia - a democracia. Ou seja, quando você constrói um serviço substitutivo, um Caps, por exemplo, se articulam as políticas públicas, você estabelece territorialidades e você estabelece o protagonismo, a democracia como instrumento de construção da própria política, você resgata a condição de sujeito, que é acelerada ou que é agudizada num processo ou numa lógica manicomial.
Para além disso, nós precisamos trabalhar também com a atenção à saúde mental na atenção básica - atenção básica -, desde a estratégia de saúde da família, até as unidades. Elas têm que lidar é com os espaços para que o sofrimento possa ser dito, para que se possam trabalhar os sofrimentos que existem e perpassam uma sociedade com tantas expressões de violência como é a sociedade brasileira. Ou seja, é preciso, portanto, que nós possamos fazer esse diagnóstico. Esta audiência pública é fundamental nessa perspectiva.
R
Ao mesmo tempo, que nós possamos agir para impedir esses retrocessos e pontuar a necessidade de termos dados; e, a partir desses dados, que nós tenhamos, enfim, a política de financiamento e a política orçamentária vinculadas ao que este país conquistou através da reforma psiquiátrica.
Eu diria assim: holocaustos nunca mais! Holocausto nunca mais! Este país tem que reconhecer os seus holocaustos para poder identificá-los e, ao identificá-los, impedir que eles voltem aos pedaços e vão se entranhando nas nossas relações sociais.
Por fim é dizer que o fato de termos uma conferência nacional...
Eu, como representante da Frente Parlamentar em Defesa da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, dentro da Câmara, penso que - e foi uma discussão que nós fizemos com todo o conselho consultivo, com todas as entidades - nós estamos em um processo que mostra, por outro lado, a força também deste movimento: a força do movimento de quem viveu em manicômios e que diz: "Manicômio nunca mais!". Portanto, esse processo de construção da conferência nacional, que está na sua etapa discutindo nas cidades, discutindo as conferências livres que já aconteceram com vários recortes e, ao mesmo tempo, as conferências que vão se entranhar dentro da realidade de cada uma dessas comunidades, elas têm sido um exercício de construção democrática numa própria existência.
Nós sabemos que temos muitos, muitos, muitos desafios a serem postos. E aqui há muitos retrocessos em curso, mas eu não tenho nenhuma dúvida de que o que este país conquistou - de luta, de cidadania, de condição de sujeito, através da reforma psiquiátrica - vai dar o tom da resistência que precisa ser construída: é nenhum passo atrás, manicômio nunca mais!
E democracia é a essência da reforma psiquiátrica. Não só os serviços substitutivos, mas a essência da reforma psiquiátrica é a democracia e a condição de sujeito que se estabelece em cada serviço substitutivo.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Obrigado à Deputada Erika Kokay pela sua intervenção, pelo seu trabalho à frente da frente parlamentar que luta em defesa da política de atenção à saúde mental, da reforma psiquiátrica, da luta antimanicomial.
Eu pergunto à Senadora Zenaide Maia se ela deseja fazer uso da palavra. (Pausa.)
Então, dez minutos para V. Exa., Senadora. (Pausa.)
O seu microfone está desligado.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN. Para discursar.) - É porque é você quem ativa, e você não tinha ativado.
Eu queria aqui já parabenizar e agradecer esta audiência pública ao Senador Humberto Costa, porque esse é um assunto que a gente tem que dar visibilidade à população do que está acontecendo.
Eu ouvi cada um aqui dos expositores e eles nos enriqueceram com conhecimentos da população. E a gente está vendo que está acontecendo aqui o desmonte.
R
Eu prestei muita atenção ao que disseram aqui o Dr. Haroldo Caetano, a Dra. Dayana Rosa, a Dra. Fernanda, todos. E o que a gente vê é exatamente o que foi dito que este Governo vem fazendo com todas as políticas públicas: desinvestimento - desinveste na questão psicossocial.
Como a colega Erica Kokay falou, foram anos construindo essa política de retirada dessas pessoas do manicômio - pois a gente sabe que muitos iam para o manicômio não por problemas psiquiátricos, mas por questões políticas ou econômicas. Isso não era raro. Colocava-se isso até em alguns filmes -; aí, sucateiam os serviços e justifica-se uma terceirização, o investimento em instituições que não têm essa capacidade e que não dão o direito da transparência. Faz-se um apagão de informações sobre o que está acontecendo justamente porque informação é poder.
Com as informações sobre esse investimento na atenção psicossocial, que levou anos, em que a gente viu um progresso muito grande de 2003 até agora, faz-se um apagão, desinveste-se, sucateia-se, ou seja, desmerece-se a política de assistência psiquiátrica como a gente tinha e ainda não se fornecem dados para um conselho federal de saúde. Ninguém tem conhecimento, porque, sem conhecimento, não temos como saber, como formar políticas públicas com investimento. Ainda se terceiriza com comunidades terapêuticas, estimulando o internamento em hospitais psiquiátricos.
Isto, como foi falado aqui, é o que o fascismo usa: sucateia, desmerece, prende, bota numa caixa preta as informações - porque informação é o que empodera o povo - e ataca os direitos humanos. Isso é o que a gente mais vê.
Na verdade, nós temos um Governo que não tem nenhuma defesa da vida. E não estou falando aqui só da humana, não. Este Governo ataca todas as formas de vida, seja humana, seja do nosso meio ambiente, seja dos nossos animais. Então, é um ataque grave, a cada dia, às instituições públicas cuja formulação levou anos para a gente conseguir.
A política pública da saúde mental psiquiátrica é uma política de Estado, como foi dito. E este Governo acha que a política é dele e que pode mudar na hora em que quer.
Essas portarias são um retrocesso.
Fizemos muito certo: o Senado é uma Casa em que temos que ver isto, revogar portarias, fazer estas audiências públicas, para a população tomar conhecimento do que está acontecendo.
Todo governo fascista, a primeira coisa que faz é não querer ciência, não querer mídia correta, porque informação é poder. Ele quer um povo aprisionado. E foi para o lado agora - esse apagão de informações do que está acontecendo - dessas políticas de Estado para a saúde mental da população brasileira, dos problemas psiquiátricos, e isso é muito grave. Se a gente for analisar o que está acontecendo de 2016-2017 para cá, principalmente nesses últimos três anos, é muito grave o sucateamento dos serviços públicos. E ele faz isso, esse Governo brasileiro, desmerecendo as instituições, tirando recursos, desinvestindo, sucateando e justificando a retirada, deixando de lado esse serviço, contratando e terceirizando também, porque este Governo já terceirizou a segurança pública - ele quer terceirizar com a flexibilização de armas - e está terceirizando a saúde mental do nosso povo. Essa história de manicômio, anos de luta para se acabar com isso, agora ele quer, com uma portaria...
R
Ora, se ele quer acabar com a pandemia com uma portaria, com um edital, então já era esperado. Mas para você ver como há gente dentro desse Governo, vendo só o que se avançou em termos de direitos humanos, tentando retroceder, prejudicando a população como um todo, é uma coisa muito grave. E a população brasileira...
Eu quero parabenizar aqui, Humberto, mais uma vez, esta Comissão, por esse olhar diferenciado. E nós temos que mostrar. Não tem como a população saber o que está acontecendo, se não for assim.
Como se faz saúde, como a gente faz saúde psicossocial, essa rede psicossocial, sem o envolvimento de todos, sucateando o que a gente já conquistou durante esse período, nesses últimos anos, com esses três agora regredindo tudo? E vendo, eu vi aqui, todos...
Nós temos o diagnóstico e nós sabemos qual é o tratamento. Vamos revogar o que for necessário! Podem contar comigo. E vamos lutar para que esse desmonte não prossiga, porque isso aqui é uma política dirigida, e ele tem pessoas com a inteligência, mas só para o mal, gente. "Descubram o que a gente ainda não desmontou na saúde?". "Não desmontamos a política pública psicossocial". "Então vamos desmontar! Vamos encher de dinheiro essas comunidades terapêuticas, para não terem nem como saber, num apagão de transparência, e tirar os recursos de onde deveriam ser investidos, numa política que o mundo todo que quer fazer política psicossocial sabe que não é com manicômio.
Então, eu queria dizer a todos aqui, ao Thales, ao Leonardo, ao Haroldo, à Dra. Dayana, à Dra. Fernanda, a todos eles, que podem contar com a Senadora Zenaide aqui. A gente está aqui nessa luta - o Humberto, a Erika Kokay, uma grande parte da gente aqui -, numa luta em que a gente não sabe para onde correr primeiro, porque é um desmonte das instituições públicas, dos serviços públicos seguidos.
A gente senta aqui não para fazer, mas para tentar, pelo menos, não deixar desmontar mais do que já se está desmontando.
R
Obrigada, Humberto. Estou muito feliz por estar aqui ouvindo e vendo a exposição da minha amiga Erika Kokay, que deu uma aula aí, e de todos. Fico feliz de saber que há pessoas, como esses palestrantes, que sabem o que realmente está acontecendo e sabem que são precisas decisões políticas. E eu costumo dizer, eu ouço muito:" Isso é política". Claro que é política. As decisões da vida são políticas. Quem resolveu tirar recursos da saúde psicossocial, da rede psicossocial foi uma decisão política do Governo Federal. Quem decidiu botar 100 milhões para as comunidades terapêuticas foi uma decisão politica. Então, é através da política. E como a Erika falou: democracia, liberdade e direitos humanos.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Senadora Zenaide Maia, como sempre uma defensora radical da saúde pública no nosso país, das ideias progressistas, da nossa luta para a construção de uma política de direitos humanos que se expresse transversalmente em todas as políticas públicas. E sem dúvida a política de atenção à saúde mental, até pelas características que sempre tomou no nosso país, tem que ser muito marcada por aquilo que foi dito - por democracia e por respeito e garantia dos direitos individuais e coletivos da população.
Eu vou passar a palavra ao Senador Flávio Arns, que fez também a solicitação. É o último inscrito.
Dez minutos para a sua exposição.
O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar Juntos pelo Brasil/PODEMOS - PR. Para discursar.) - Em primeiro lugar, quero cumprimentar V. Exa., Senador Humberto Costa, a Senadora Zenaide Maia, que me antecedeu e com quem a gente tem tido um trabalho conjunto importante, a Deputada Erika Kokay e também os expositores e as expositoras.
Acompanhei todas as falas com bastante atenção, porque a área da saúde mental, do transtorno mental, do distúrbio mental, da promoção da saúde mental, é uma área que, apesar de não ser médico e nem da área da saúde - sou da área da educação, mas também de direitos humanos, e faço parte da Comissão de Saúde da CAS -, considero das mais importantes para a sociedade. É um desafio nos dias de hoje, como sociedade, como período pós-pandemia e tantos desafios, e por isso nós temos que nos debruçar mais sobre os caminhos, as construções, as necessidades.
Eu não quero me deter especificamente em termos da portaria ou do edital. Eu penso que nada deve ser interrompido. Todos os processos que estão em andamento têm que sempre ter continuidade, apoio; temos que olhar os resultados, ver os desafios e reorganizar o que for necessário. E isso é importante para a questão da desinstitucionalização. Pessoas que ficaram a vinda inteira, que perderam os vínculos familiares, praticamente sem perspectivas de alcançar outros direitos fundamentais, como trabalho, residência, essas pessoas têm que ser apoiadas para serem reincluídas na sociedade. Isso é essencial.
R
Mas nós temos também outros desafios, no que diz respeito às crianças, aos adolescentes e aos adultos que estão voltando para as escolas no período pós-pandemia e que precisam de todo o apoio educacional, de acolhida e de apoio, e também, em muitas situações, do apoio psicológico, mas que, na verdade, não encontram esse apoio psicológico, psiquiátrico em nenhum lugar; eu diria: não encontram em Curitiba, onde eu resido, e dificilmente encontrarão em outros lugares do Brasil, em outros estados. A mesma coisa acontece com as famílias desses alunos, que precisam de apoio também.
Então, há uma carência, sim, extraordinária de prestação de serviços nessa área. Às pessoas que pensam na saúde mental a gente tem que lembrar que são as pessoas que sofrem com depressão, ansiedade, esquizofrenia, pânico, suicídio e tantas outras dificuldades nos dias de hoje. Se nós olharmos os afastamentos do mundo do trabalho, mais de 20% dos afastamentos se referem à área da saúde mental.
Quando alguém precisa de medicamentos nessa área, que são necessários e são importantes... Os medicamentos estão tendo um avanço importante para o atendimento a várias situações de saúde mental: depressão, medo, ansiedade, pânico - inclusive nós já tivemos muitas audiências públicas em que pessoas renomadas, por exemplo, defenderam, em várias situações, o uso do canabidiol com efeitos positivos. Então, a gente tem que se dedicar a esse tema. É um desafio.
Nessa área, eu gosto sempre de escutar as famílias e as pessoas que apresentam quadro de transtorno mental, porque as preocupações da família e da pessoa com transtorno mental têm que ser as nossas preocupações: de especialistas, de legisladores, de profissionais da área. E quais são as preocupações? O pai que chega para a gente e fala: "Olha, o meu filho, a minha filha está tendo um surto. Não sei mais o que fazer. Onde é que eu posso levá-lo? Não é no Caps; o Caps já atendeu, não consegue atender". E vamos eliminar o Caps por causa disso? Claro que não! Vamos melhorá-lo, aprimorá-lo e ir à procura de um hospital. "Ah, hospitais gerais que tenham leitos para transtorno mental!", dificilmente isso acontece com a qualidade que a gente gostaria. Mesmo no Paraná, existem ainda hospitais psiquiátricos que fazem um trabalho extraordinário, eu diria, de muita qualidade. Isso é um manicômio? Isso é uma institucionalização? Claro que não é! A gente tem que pensar naquilo que a pessoa e a família estão precisando. Nessas crianças, nesses adolescentes, a gente tem que prevenir problemas de saúde mental mais sérios fazendo um atendimento precoce. Quem é que faz esse atendimento? Não existe, na estrutura pública de saúde, não existe esse atendimento.
R
Então, nós temos que, na verdade, reforçar, eu diria - já fizemos tantas audiências públicas -, reforçar o que foi dito mesmo, numa das falas anteriores, essa flexibilidade, essa equidade. A equidade - eu sempre digo - é a justiça no caso concreto: do que é que essa pessoa que tem o surto está precisando e onde que ela pode ser atendida com qualidade para a necessidade específica dela? Onde é que a criança, do 1º ao 5º ano, do 6º ao 9º, o jovem, tanto jovem, tanto suicídio entre crianças e jovens... Vai ser em uma mesma situação de uma outra pessoa que esteja em surto? Claro que não.
Comunidades terapêuticas. Nós já fizemos audiência com instituições renomadas no Brasil, como a USP por exemplo, a Universidade de São Paulo, que tem um trabalho de pesquisa extraordinário nessa área em que a USP, uma universidade das mais conceituadas, diz que, para o tratamento de drogas, em muitas situações, não em todas, precisa haver o afastamento desse jovem por um mês, dois meses, três... É para a vida toda? Não. É a família que chega para você e diz: "Olha, o meu filho está na droga, está com problemas, quer sair, aonde é que eu mando o meu filho?" Não tem lugar para mandar. Eu só quero colocar tudo isso para dizer que é uma situação difícil.
Foi citado antes também o caso de pessoas com distúrbios mentais em conflito com a lei. Aqui no Paraná, esse atendimento, no sistema judiciário, é de uma negação absoluta. Quando você pensa assim: vamos reincluir, vamos ajudar, vamos pensar no direito humano, porque ninguém é culpado por ter um problema de transtorno mental, de saúde mental, todos nós podemos ter, em função de alguma situação.
Como articular esses serviços de saúde, de educação, de assistência? Eu presido a Subcomissão Educação na Pandemia e, no ano passado, já escrevemos para o Ministério da Saúde, para o Ministério da Educação, porque, em todas as audiências públicas, as pessoas diziam: "Olha, um dos maiores efeitos da pandemia é o problema da saúde mental dos alunos, dos profissionais da educação e de suas famílias". Como articular esse trabalho da saúde e da educação com a promoção, com a assistência social? (Falha no áudio.)
Não existe. Eu já fiz reuniões na Senad - não agora, em governos anteriores, porque a gente vem acompanhando isso há anos - e a própria Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas) pedindo apoio: "Olha, nós não conseguimos articular".
Então, nesse sentido, eu só gostaria de dizer que os desafios são imensos e nós temos que ter muitas respostas com parâmetros bem definidos. Ninguém quer institucionalização, ninguém quer manicômio, ninguém quer coisas que agridam a dignidade do ser humano, mas existe uma coisa que é importante - eu trabalho muito na área da pessoa com deficiência -, que é uma frase que, na verdade, pode ser aplicada aqui a todos os setores da sociedade: nada sobre nós sem nós na pessoa com deficiência e nada sobre nós sem nós na área da saúde mental. Vamos escutar a família para ver onde dói o problema, ver onde eles estão deixando de ser atendidos, o que é necessário fazer, olhar a pessoa com transtorno mental, discutir bem, olhar, articular e construir políticas públicas positivas, adequadas, boas, que atendam à necessidade específica desse ser humano que está sofrendo, e não só o adulto, mas as criancinhas de um, dois, três, quatro anos que estão em sofrimento mental e que têm que ser muito bem atendidas, e nós não estamos dando vazão, resultado, para esses problemas. A gente tem que se reunir, discutir, ver muito bem tudo isso e trabalhar junto para que essa questão humana seja bem atendida.
R
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Obrigado, Senador Flávio Arns, pela sua contribuição.
Eu creio que esta audiência de hoje não esgota o debate sobre a questão. Podemos, inclusive, aprofundá-lo com outras audiências públicas, com a discussão, inclusive, dos decretos legislativos que foram já apresentados na Câmara e no Senado para impedir que haja essa busca pela volta de um modelo que já demonstrou não apenas que é ineficiente, que é ineficaz, que é incapaz de resolver os problemas de saúde mental da população, mas, acima de tudo, que tem como marca principal o permanente desrespeito às garantias e aos direitos individuais desses pacientes, enfim. Isso, obviamente, não elimina a discussão quanto à diversidade e à própria opção que as pessoas fazem no sentido de como resgatar a sua saúde mental, mas exige uma política que tenha evidências científicas quanto à sua efetividade, à sua capacidade de realmente produzir saúde mental para as pessoas.
Bom, nós estamos terminando aqui a nossa audiência. Eu pergunto se algum dos expositores desejaria, no prazo máximo de três minutos, comentar algum aspecto ou alguma fala de algum dos participantes ou dos Senadores para que nós possamos nos encaminhar para a conclusão da nossa audiência pública. Quem quiser pode colocar a mãozinha aí, que eu... (Pausa.)
O Dr. Leonardo Pinho pediu a palavra.
Três minutos.
Por favor, não vamos extrapolar.
O SR. LEONARDO PINHO (Para expor.) - Não, Senador, eu queria, na verdade, solicitar o envio, para nós, do PDL apresentado no Senado, porque a gente já está atuando em torno do PDL que o Deputado Alexandre Padilha apresentou na Câmara. E queremos também pedir para a sociedade civil se mobilizar em apoio, se manifestar na página do Senado. Então, se puder enviar o link do PDL no Senado para a gente, enquanto sociedade civil, tanto a Abrasme, a Plataforma Brasileira de Drogas e as demais entidades que apresentaram nessa audiência a nota técnica possam também pressionar pela aprovação do PDL no Senado, que é fundamental para a gente manter o programa de desinstitucionalização e manter seu custeio mensal.
R
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Sim, agradeço. A nossa assessoria vai se encarregar de fazer esse envio.
Dra. Dayana Rosa.
A SRA. DAYANA ROSA (Para expor.) - Obrigada, Senador.
Muito rapidamente, acho que o óbvio já foi defendido aqui e não nos cansaremos de defendê-lo sempre que for necessário. Gostaria só de reforçar a nossa sugestão de apresentação de um PFC, de uma proposta de fiscalização e controle, e também lembrá-los da realização da Conferência Nacional de Saúde Mental e da necessidade de apoio do Poder Executivo para realização da mesma, uma vez que o Poder Executivo não esteve presente nesta audiência pública e isso já nos diz bastante coisa também, que não há interesse em dialogar, por mais que isso seja necessário para construção de uma política de Estado e não de governo.
Por fim, gostaria de destacar também, agora que o Senador Flávio comentou sobre a saúde mental de crianças e adolescentes, que está tramitando na Comissão de Educação da Câmara e já foi aprovado no Senado o PL 3.383, de autoria do Senador Alessandro Vieira, que institui a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Escolas. Nós apoiamos esse projeto e gostaríamos também do apoio dos senhores aqui presentes para a urgência da aprovação do mesmo.
No mais, gostaria de reforçar também o nosso apoio às demais organizações da sociedade civil aqui representadas pela Abrasme, mas também o Conselho Federal de Enfermagem, que se posicionou, além do Conass, do Conasems, da Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas e o Desinstitute. Então, são muitas vozes às quais nós nos somamos e nos colocamos à disposição sempre que preciso.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Dra. Dayana.
Eu queria agradecer a todos os participantes desta audiência pública. Quero, em especial, agradecer à Deputada Erika Kokay, ao Dr. Thales Treiger, ao Dr. Leonardo Pinho, ao Dr. Haroldo Caetano, à Dra. Dayana Rosa, à Dra. Fernanda Rodrigues da Guia, aos nossos Senadores e Senadoras que participaram, Flávio Arns, Zenaide Maia.
Nada mais havendo a tratar, quero declarar encerrada esta audiência pública e, mais uma vez, pedir a disponibilidade de vocês para que possamos aprofundar em outras oportunidades esse tema, que é da maior atualidade e da maior relevância.
Muito obrigado a todos e a todas.
(Iniciada às 14 horas e 13 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 03 minutos.)