25/04/2022 - 12ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Bom dia a todos e a todas.
Declaro aberta a 12ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
Proponho a dispensa da leitura e a aprovação da ata da reunião anterior da CDH.
Aqueles que aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovadas.
A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 5/2020, de minha autoria, Senador Paulo Paim, em parceria com a Senadora Leila do Vôlei, para debater o tema "Democracia e Direitos Humanos: violação aos direitos humanos dos povos indígenas".
Esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211.
Vou só rapidamente situar a todos os nossos convidados, que eu vou listar em seguida, sobre como vai ser a nossa audiência pública de hoje.
Eu farei uma abertura rapidamente; em seguida, vou apresentar os convidados. Vou presidir em parte esta audiência pública e quero dividi-la com a Senadora Leila do Vôlei.
Vamos agora aqui, rapidamente, citar os convidados - os convidados que estão presentes eu vou citar; os que não estão ainda eu vou citando no desenrolar da audiência pública.
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Convidados presenciais confirmados: Luis Ventura Fernández, Secretário Adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), presença confirmada; Juliana Batista, advogada, representante do Instituto Socioambiental (ISA), presença confirmada; Júnior Hekurari Yanomami, representante do povo ianomâmi, da associação Hutukara, presença também confirmada. Eles estarão aqui presencialmente. Convidados online: Julia Neiva, Coordenadora do Programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas Direitos Humanos, confirmada online; Alisson Marugal, Procurador da República, Procuradoria da República no Estado de Roraima, também vai estar de forma virtual; Ernani Sousa Gomes, Secretário Especial de Saúde Indígena substituto do Ministério da Saúde, que também confirmou que vai entrar online.
Como havia já dito, vou fazer uma introdução do tema enquanto os outros convidados vão chegando.
É uma alegria estar aqui neste momento, na Comissão de Direitos Humanos, presencialmente. Fiquei quase dois anos somente no virtual. Quero, na abertura desta sessão, torcer para que a pandemia vá embora definitivamente para que a gente possa voltar a todo o trabalho na Câmara e no Senado presencialmente.
Louvo aqui a luta e a resistência dos povos indígenas em defesa da vida, da igualdade de direitos, por respeito à identidade, à terra, aos valores históricos, culturais e espirituais.
Os índios são os primeiros brasileiros. O povo indígena são os primeiros brasileiros. Já estavam aqui, nasceram aqui, são nossas origens, nascentes, como a gente fala, dos nossos rios. São testemunhas da criação do tempo, do vento, do Sol e da Lua, das nuvens, das chuvas, do arco-íris, do dia e da noite, das estrelas e das nossas florestas. Possuem a missão de defender as florestas, as águas, a natureza e o meio ambiente e o fazem por amor e com amor.
Como observa Eduardo Galeano, temos que escutar as vozes que nos advertem: o esquecimento mata a verdade. Eu complemento dizendo: a batida do tambor, quando a gente ouve, quem não se emociona? O tambor comunicando como é importante a defesa da natureza. A ganância dos homens maus, sem coração e sem alma, leva a genocídios e à destruição de civilizações.
É gravíssima a atual situação dos povos indígenas do Brasil, um cenário de guerra, de massacre, de vilipêndio. Terras indígenas são invadidas por garimpeiros, grileiros, madeireiros, caçadores.
Conforme o Cimi - e o Cimi está aqui presente -, no ano de 2020, o Brasil teve 182 indígenas assassinados. Em 19 estados, 201 terras indígenas foram alvo de 263 invasões e exploração ilegal dos recursos naturais. Quase 50 mil indígenas foram contaminados pelo covid-19; 900 morreram. Há denúncias de abuso de poder, ameaças, racismo e discriminação étnico-cultural. Mais de 13 mil crianças indígenas morreram no país nos últimos quatro anos. Em 2021, foram quase 500 mortes na primeira infância. Um a quatro óbitos indígenas é de criança de zero a cinco anos.
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Precisamos de políticas públicas para os povos indígenas. A Constituição Cidadã, de 1988, assim o garante. Eu estava lá. Foi quando eu cheguei ao Congresso. Fui Deputado Federal constituinte e estou aqui durante esses 36 anos, quatro mandatos de Federal e três no Senado, sempre preocupado e lutando em questões como essa: indígena, quilombola, combater preconceito, racismo...
Mulheres indígenas são violentadas, estupradas, idosos agredidos, líderes assassinados. Os senhores e as senhoras que estão nesta audiência, que estão nos acompanhando pela Rádio e TV Senado, poderão atualizar esses dados assistindo a esta audiência pública.
Júnior Yanomami me relatou, na semana passada, fatos chocantes que estão ocorrendo na reserva ianomâmi. Garimpeiros violentaram e levaram à morte duas meninas indígenas; outras tantas estão grávidas - obra desses invasores garimpeiros.
Não são situações isoladas. É um cenário de horror que está se alastrando nas terras indígenas. Isso mostra todo o descaso do Estado brasileiro, dos governos; um profundo ataque aos direitos humanos. Isso é inaceitável.
Foi solicitada uma diligência de Senadores, Senadoras, Deputados e Deputadas até o local. Creio que será o encaminhamento que esta Comissão fará. Essas denúncias chegaram na semana passada. De pronto nós chamamos esta audiência pública.
Agradeço ao Presidente desta Comissão, Senador Humberto Costa, e também ao Vice, Senador Contarato. Ambos orientaram toda a equipe a colaborar com toda a estrutura, para que esta audiência acontecesse na rapidez que aconteceu nesta segunda-feira, às 10h da manhã.
Enfim, vamos em frente.
Há projetos de lei que tramitam no Congresso que afrontam diretamente os direitos indígenas: marco temporal, liberação de garimpos e mineração, projeto que incentiva o desmatamento, que libera o uso de agrotóxicos.
É urgente a demarcação das terras indígenas. Vocês, povos indígenas, têm esse direito, como bradou Sepé Tiaraju, há mais de 250 anos, lá no sul do Brasil, no meu estado - tive essa alegria, Marco Maia foi o autor e eu fui o Relator do projeto que transformou Sepé Tiaraju em Herói da Pátria. Ele bradou: "Alto lá! Alto lá! Esta terra tem dono!". Destaco, então, que a Lei federal 11.696, de 2008, tendo origem em projeto de nossa autoria, sancionada pelo Presidente Lula da Silva, instituiu também o dia 7 de fevereiro, martírio de Sepé Tiaraju, Dia Nacional dos Povos Indígenas.
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Eu agradeço àqueles que me procuraram para que eu apresentasse esse projeto, que foi transformado na Lei 11.696. A data faz referência à dizimação de 1,5 mil indígenas, mortos por cerca de 3 mil soldados portugueses e espanhóis. Foi a guerra dos indígenas, liderados por Sepé Tiaraju, que permitiu que o massacre não fosse ainda maior. Como um alerta, volto a Eduardo Galeano: "O esquecimento mata a verdade". Por isso, lembramos aqui os 1,5 mil indígenas mortos nessa batalha, Sepé Tiaraju e outros momentos que eles tentam apagar.
Não podemos esconder a nossa história. Não podemos ter medo da nossa história. A realidade atual precisa vir à tona. O Brasil precisa saber o que se passa com os indígenas. Caso contrário, o risco é enorme. Não queremos mais sangradouros, nem grilhões, nem chibatas, nem garrotes. O país, as instituições, os Poderes e a sociedade têm enorme responsabilidade nesse sentido. Os povos indígenas são a essência da nossa brasilidade, da nossa diversidade, do nosso canto de paz e de esperança, pois é de lá que vem a batida do tambor que emociona todas as pessoas de bem. Uma democracia se consolida com o direito à memória e à verdade, com respeito aos direitos humanos.
Senhoras e senhores, que a gente tenha aqui uma excelente reunião para debater um tema que tem tudo a ver com as nossas vidas. Índios, negros, brancos, migrantes, imigrantes, refugiados; tudo tem a ver com esta audiência pública.
Eu vou, de imediato, passar a palavra ao Sr. Luis Ventura Fernández, Secretário Adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que está aqui ao meu lado e vai ser o primeiro a usar a palavra por dez minutos.
Como havia já indicado, são um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete já confirmados até o momento. Nós vamos iniciar com dez minutos para cada um.
Por favor, Sr. Luis Ventura Fernández.
O SR. LUIS VENTURA FERNÁNDEZ (Para expor.) - Obrigado, Senador.
Bom dia a todas e a todos.
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Quero cumprimentar o Presidente aqui desta audiência e autor do requerimento, Senador Paulo Paim; cumprimentar e saudar a todos os presentes aqui e, na pessoa do Dr. Alisson, Procurador do Ministério Público Federal, também os participantes que nos acompanham de forma remota.
Agradeço o convite, em nome do Conselho Indigenista Missionário, para esta audiência tão especial e importante nesses momentos.
Os direitos coletivos dos povos indígenas estão sendo permanente e sistematicamente violados no país e isso de uma forma particularmente intensa nos últimos anos.
Como sabem, a Constituição Federal de 1988 consagrou o direito originário dos povos indígenas a seus territórios, cabendo a eles o usufruto exclusivo dos bens naturais, bem como reconhecimento da sua organização social, costumes, crenças e tradições.
Pois bem, em pouco mais de 33 anos de vigência desta Constituição Federal, podemos afirmar que estamos no pior momento no que se refere à garantia, promoção e proteção desses direitos. Queria focar a minha fala principalmente na questão dos direitos territoriais. A Constituição Federal obrigou a União a demarcar e proteger os territórios indígenas. No entanto, o que hoje constatamos é, de um lado, uma paralisação absoluta das demarcações de terras indígenas por parte do Governo Federal e, por outro lado, um aumento expressivo da invasão e da exploração ilegal de bens naturais por terceiros nos territórios indígenas, com o aumento também da violência física e cultural contra os povos.
Podemos dizer que a omissão e a morosidade do Estado na demarcação de terras, que deveria ser completada cinco anos depois da Constituição Federal, em 1993, se transformou, nesses três últimos anos, numa negativa expressa e pública por parte do atual Governo Federal a demarcar nenhum centímetro, nenhum milímetro de terras indígenas, o que para nós significa uma declaração de descumprimento de uma obrigação constitucional.
Conforme dados coletados pelo Cimi, em 2020, eram mais de 500 terras indígenas - 536 terras indígenas - reivindicadas para as quais não havia nenhuma providência administrativa na Funai, e cerca de 300 terras indígenas ainda em alguma fase do procedimento administrativo de demarcação dos territórios.
A não demarcação de terras indígenas, Senadores, se concretiza num aumento da violência, num aumento da insegurança territorial, numa falta de políticas públicas, em povos indígenas morando nas beiras, morando nas margens das estradas com sua vida absoluta e totalmente comprometida.
Por outro lado, como eu falava, há um aumento expressivo da invasão das terras indígenas. É o caso da Terra Indígena Yanomami, que, com certeza, outras pessoas aqui também colocarão. Mais de 20 mil garimpeiros... Esta é a denúncia que as organizações indígenas estão fazendo há mais de quatro anos: a presença de mais de 20 mil garimpeiros sendo responsáveis por aumento de desmatamento, poluição de rios, morte e ameaças.
Os relatórios que organizações indígenas e aliados têm trazido para nós nos últimos anos nos falam de um aumento expressivo do garimpo entre os anos 2019, 2020 e 2021, justamente os anos em que estávamos passando por uma pandemia. O garimpo é o principal responsável, na Terra Indígena Yanomami e em outras também, pelo aumento dos casos registrados de malária e desnutrição, além de ter sido o vetor principal da disseminação da pandemia de covid-19 dentre os territórios.
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Também, com esse relatório que já foi aqui destacado, o garimpo é o responsável pela desestruturação, pelo aliciamento, pelo abuso sexual, como já foi colocado aqui.
Esta situação na Terra Indígena Ianomâmi é uma situação amplamente documentada, divulgada e conhecida, e até hoje não teve por parte do Governo Federal uma resposta em termos de um plano sistemático e eficiente no combate ao garimpo. E, apesar de existirem mais de quatro decisões judiciais em diversas instâncias do Poder Judiciário no Brasil e uma medida cautelar da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 2018 até nossos dias, até agora não temos um plano sistemático eficiente de desintrusão dos garimpeiros e de combate ao aumento da invasão na Terra Indígena Ianomâmi. Temos operações que se tornaram e se mostraram ineficazes até agora.
Uma semana atrás, isso se replicou num outro território indígena, na Terra Indígena Xipaya, onde, depois de uma operação para a retirada de garimpeiros, os garimpeiros foram soltos poucas horas depois de terem sido surpreendidos em flagrante.
Os povos ianomâmi e ye'kuana estão pedindo socorro, porque está em curso em seus territórios um dos processos mais violentos que comprometem, sem dúvida, a sobrevivência física e cultural desses povos. Estamos diante de um cenário de claro genocídio aos olhos de todo mundo.
Conforme os dados do Conselho Indigenista Missionário, em 2020, efetivamente 236 casos de invasão possessória de exploração ilegal dentro de territórios indígenas no primeiro ano da pandemia; entre 2018 e 2020 houve um aumento gradativo dos conflitos dentro dos territórios indígenas por invasão de grileiros, fazendeiros, madeireiros, caçadores, pescadores; 145 povos de 201 terras indígenas sofreram essa violação no ano de 2020. Tudo isso tem a ver com um cenário de fragilização das medidas de proteção ambiental, de ausência de uma política de proteção territorial e do incentivo à ocupação ilegal e à exploração dos territórios por parte das mais altas autoridades do país, principalmente do Poder Executivo, com um incentivo permanente à invasão e à exploração.
Portanto, no nosso entendimento, estamos diante de um estado de violação dos direitos territoriais e do direito fundamental à vida. Além disso, a Funai, um órgão do Governo Federal, nos últimos anos tem nos surpreendido com medidas administrativas que pretendiam justamente invisibilizar a luta legítima, a reivindicação legítima dos povos indígenas por seus territórios, considerando-os - diz a própria Funai - como invasores.
Circulam aqui no Congresso Nacional projetos de lei que seriam extremamente graves para os povos indígenas, particularmente o Projeto de Lei 191, de autoria do Governo Federal, que pretende regularizar a mineração dentro dos territórios indígenas, e o PL 490, como os senhores sabem, que pretende firmar a tese falaciosa do marco temporal e abrir os territórios indígenas para os interesses do capital.
É evidente que o Congresso tem um papel fundamental também no embate, no combate a essa situação, a esse cenário que estamos vivendo todos.
Enfim, Senadores, Senadoras, todos os participantes nesta audiência, creio que estamos num momento extremamente crítico para a garantia da vida e dos territórios dos povos indígenas no Brasil, num momento crítico que precisa, por parte de todos, de medidas urgentes, ousadas e sem demora. Nós precisamos neste país de um Governo Federal que retome suas obrigações constitucionais, que retome a demarcação de terras indígenas. Nós precisamos neste país de um Governo Federal que retome suas obrigações constitucionais, que retome a demarcação de terras indígenas e a proteção territorial de forma imediata, porque são obrigações constitucionais; de um Governo Federal que possa revogar instrumentos como o Parecer 001, da AGU, ou instruções normativas da Funai, como a Instrução Normativa nº 1 ou a nº 9, ou a Resolução nº 4; mas, sobretudo, de um poder público, uma administração pública, um Governo Federal que tome medidas urgentes diante do aumento da invasão, diante do aumento da violência e das mortes dentro dos territórios indígenas. Precisamos de um Poder Legislativo que assegure, na missão que lhe cabe, os direitos dos povos indígenas e assegure os direitos conforme foram consagrados na Constituição Federal; de um Congresso Nacional que debata, mas que retire da pauta e da análise iniciativas como o PL 191 e o PL 490.
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E, por fim, precisamos estar também diante de um Poder Judiciário de que se espera que continue atento às violações, que continue atento a essas medidas de invasão dos territórios indígenas e que confirme, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, o instituto jurídico do direito territorial dos povos indígenas, que tem caráter originário, afastando de vez a tese falaciosa do marco temporal.
Aos órgãos de fiscalização aqui presentes na pessoa do Procurador do Ministério Público Federal de Roraima, às organizações sociais indigenistas, à sociedade como um todo: precisamos permanecer vigilantes, atentos e agir cada vez mais unidos contra toda iniciativa que represente violação e para cobrar do Estado o exercício de suas obrigações. As comunidades, povos e organizações indígenas vêm nos mostrando o caminho há muito tempo, desde o início, com muita resistência e, recentemente, no Acampamento Terra Livre, aqui em Brasília e em outros estados, e fundamentalmente a partir da resistência em seus próprios territórios. E esse caminho é o de que direito não se negocia; de que os direitos se defendem no território, nas instâncias do poder público e no diálogo com a sociedade. Se queremos fortalecer a democracia no Brasil, num momento tão complicado como o que estamos vivendo... A democracia passa claramente, necessariamente, pelo reconhecimento, a garantia, a promoção, a proteção da diversidade cultural desta sociedade plural e dos direitos coletivos originários dos povos indígenas.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Luis Ventura Fernández, meus cumprimentos pela sua fala. Você, que é Secretário Adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), faz graves denúncias e um alerta para que o Congresso não vote leis...
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... que venham a agredir violentamente os povos indígenas. Não se pode agredir, de forma nenhuma, o meio ambiente, a vida do nosso povo. Meus parabéns, viu, Luiz? Parabéns pela firmeza, pela clareza, com argumentos sólidos, que não deixam nenhuma dúvida... Eu sempre digo que, aqui na CDH - o Humberto Costa é o Presidente; eu já fui o Presidente -, nós damos direito a todas as visões para colocarem o seu ponto de vista, mas infelizmente muitos daqueles que pensam, eu não sei se pensam bem, mas que agem diferentemente não vêm. Nós provocamos o bom debate, um debate qualificado, no mais alto nível. Nós estamos aqui para isso.
Deveria ser nesse momento a representante do Instituto Socioambiental (ISA), Dra. Juliana Batista, que é advogada, mas parece que teve um probleminha e não pôde chegar aqui, ainda. Então, nós vamos passar para os convidados online, porque a maioria, devido - por que não dizer? - até ao preço das passagens, que disparou, e à própria pandemia, preferiu entrar online. Então, eu vou, de imediato, chamar o líder que nos procurou, não só a mim, mas também a Leila do vôlei, Deputados e Senadores, que é o Júnior. O Júnior fez denúncias gravíssimas de estupro, de violência, de morte de meninas, e de outras tantas que estão grávidas, obra terrorista, como foi dito, cruel de mineiros.
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Eu chamo então para usar a palavra, pelo tempo também de dez minutos, o líder Júnior Hekurari Yanomami, representante do povo ianomâmi, que, neste momento, estará na tela de forma virtual.
Você está aí, Júnior?
O SR. JÚNIOR HEKURARI YANOMAMI (Por videoconferência.) - Bom dia, Senador Paulo Paim!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom dia, Júnior! É seu o tempo agora.
O SR. JÚNIOR HEKURARI YANOMAMI (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado.
Cumprimento o senhor. É uma honra falar aqui mais uma vez do meu povo ianomâmi. Cumprimento também a Senadora Leila, que nos recebeu, assim como o Senador Paulo Paim, que recebeu nossos relatórios do povo ianomâmi. Este é o clamor: estamos pedindo apoio dos senhores para a realidade que estamos vivendo, o sofrimento do povo ianomâmi. Eu acho que também eu vi o Senador Mecias, que está aqui também, que é Senador de Roraima - cumprimento-o também.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mecias, você, assim como a Leila, usa a palavra a qualquer momento. Entre um orador e outro convidado, vocês podem usar a palavra.
Volta para você, Júnior.
O SR. JÚNIOR HEKURARI YANOMAMI (Por videoconferência.) - O.k. Muito obrigado.
Então, falando sobre o relatório, sobre o povo ianomâmi, fizemos o relatório do povo ianomâmi, do sofrimento por que estamos passamos na Terra Indígena Yanomami. O público tem o conhecimento do que está acontecendo na Terra Indígena Yanomami. A Terra Indígena Yanomami foi invadida pelos garimpeiros, mais de 23 mil, 24 mil garimpeiros na Terra Indígena Yanomami destruíram a floresta, destruíram os rios, que são nossas fontes de alimentação. A floresta é o que o povo ianomâmi respira. Então, enquanto isso estava acontecendo, os garimpeiros levavam bebidas alcoólicas para a Terra Indígena Yanomami. Os garimpeiros estão violentando as mulheres, adolescentes, crianças, na Terra Indígena Yanomami. Já há adolescentes de 13 anos, 14 anos grávidas dos garimpeiros. Já há filhos dos garimpeiros na Terra Indígena Yanomami, nascidos já, com um ano, de adolescentes de 15 anos, de 14 anos. Então, nós, povo ianomâmi, estamos vivendo só, estamos sozinhos dentro da floresta. Os garimpeiros nos ameaçando. Se as famílias denunciarem esses garimpeiros, eles dizem que vão mandar tudo... Por isso, as lideranças da comunidade não têm como denunciar, porque estão reféns dos garimpeiros.
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Por isso, nós, representantes, estamos aqui buscando apoio, buscando ajuda das autoridades para os senhores ajudar a pressionar o Governo Federal, porque o Governo Federal está silêncio, o Governo Federal está calado, o Funai está muito à distância, o Ministério da Justiça nenhum momento não respondeu nossos relatórios como: quando vão fazer essas ações para proteger o povo ianomâmi? Quanto disso, quanto está aí sendo invadido?
Os ianomâmis estão sofrendo muito. Ontem mesmo, as comunidades entraram em contato comigo pedindo socorro, mais de uma vez - outros garimpeiros da região do Paracuri, que entraram. Então, as comunidades estão com medo, as famílias não têm como cuidar em paz das suas comunidades, da sua pajelança. Mulheres, principalmente mulheres, estão com medo dos garimpeiros, porque todos os dias é ataque, violência com os adolescentes, e, por isso, nós povo ianomâmi estamos precisando urgentemente que o Governo Federal faça e cumpra o seu papel, o seu dever para proteger nós, para proteger a floresta, porque a Terra Indígena Yanomâmi é homologado, é demarcado.
Este mês que vem a gente não vai comemorar. A gente está muito triste, porque a gente vai completar, a Terra Indígena Yanomâmi, 30 anos de homologação e demarcada - mas com sofrência, sofrimento, porque na comunidade ianomâmi, todos os dias, é ataque pelos garimpeiros. Os garimpeiros estão destruindo rio, as comunidades, os garimpeiros armando com arma de fogo adolescentes jovens para atacar outros comunidades que são contra os garimpeiros. Então, nós estamos em risco - em risco! - muito grande. A gente quer a proteção. Nós queremos a proteção do Governo Federal. Então, o Governo Federal faça o seu dever para proteger, que faça a operação de permanência de inteligência na Terra Indígena Yanomâmi. Como eu falei com o senhor: "Coloca uma comissão para visitar Terra Indígena Yanomâmi para ver a realidade e sofrimento do meu povo, porque meu povo estamos sós, estamos sozinhos no meio da floresta. Então, precisamos desse apoio da Polícia Federal, do Exército, para retirada dos garimpeiros urgente na Terra Indígena Yanomâmi.
E nós fizemos relatórios, nós povo ianomâmi, através da organização Hutukara, para mostrar essas realidades, sofrimentos, relatos, que são graves, dos adolescentes, das mulheres, de como os garimpeiros tomaram conta da Terra Indígena Yanomâmi. Quer dizer, os garimpeiros estão dominando a Terra Indígena Yanomâmi porque não tem fiscalização da Funai. A Funai está muito afastada, muito afastada dos ianomâmis.
Então, por isso, estamos denunciando em várias instâncias. Agora precisamos que os Srs. Senadores e Deputados cumpram ou pressionem o Governo Federal para fazer operação urgente.
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Esse é nosso clamor, esse é nosso... Estamos pedindo socorro mesmo, estamos pedindo... Não tem como, a gente não quer sofrer mais. Nós estamos perdendo muitas crianças ianomâmi, porque rio está sujo, porque rio está contaminado, crianças bebem, adolescentes bebem, mulheres bebem. E a gente já tem muito histórico de sofrimento do povo ianomâmi. Então, precisamos de paz, precisamos construir uma história bonita, precisamos proteger as crianças, precisamos proteger as crianças para que tenham futuro, para contar uma história bonita. Então, a gente não tem história. Por isso, eu peço esse apoio para os senhores pressionarem o Governo Federal, Bolsonaro, que está em silêncio, até agora não estamos recebendo nenhuma resposta.
Obrigado. Essa é a minha fala. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, meus cumprimentos. Ficam aqui minhas palmas ao Júnior. O Júnior Hekurari Yanomami esteve aqui a semana passada, foi à Câmara, teve contato lá com Deputados e Deputadas, fez contato comigo, fez contato com a Leila e com outros Parlamentares também. E as denúncias que ele faz, com a coragem de um jovem ainda e um grande líder, são marcantes. E o que ele pediu para nós outros, e agora aqui ele repete, é que ele quer que se faça uma delegação de paz, que se faça uma visita ao estado composta, de preferência, pelos três Poderes, que estejam lá Deputados, Senadores, Polícia Federal, Exército, enfim, porque é grave o que está acontecendo lá. Olha o dado que ele coloca: 24 mil garimpeiros invadindo as terras ianomâmi, e com todo tipo de violência, como aqui foi descrito.
Então, eu tenho certeza de que, no fim desta audiência pública, o encaminhamento que a Comissão há de dar é que se pense nessa visita. Eu falo que isso é possível, sim, porque eu fui a 24 estados, no mínimo, duas vezes - no mínimo duas vezes. Eu fui para ver a situação não só de índios e de negros, de trabalho escravo. E sempre fazíamos o evento na Assembleia Legislativa com a presença, então, de todos aqueles que eram oprimidos ou que foram atingidos. Então, dá muito bem para uma delegação se deslocar para ver o que está acontecendo e que já sabemos em grande parte, não é? Mas tomar medidas para que isso não continue nesse terrorismo contra os povos indígenas.
Eu vou ver se já está na tela, agora, Julia Neiva. Julia Neiva é Coordenadora do Programa de Defesa do Direitos Socioambientais da Conectas Direitos Humanos. Está na tela?
A SRA. JULIA NEIVA (Por videoconferência.) - Estou aqui, senhor.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A palavra é sua, Julia Neiva, por dez minutos.
A SRA. JULIA NEIVA (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigada.
Então, bom dia, Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, Sr. Senador Humberto Costa; bom dia, Sras. e Srs. Parlamentares; bom dia, parceiros e parceiras de povos indígenas e da sociedade civil!
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É um prazer poder compartilhar aqui considerações da sociedade civil que refletem as nossas preocupações com a proteção dos povos indígenas.
Muitos dos pontos que eu trarei aqui já foram tratados e sei que também serão tratados por outros, mas eu gostaria de evidenciar o desmantelamento das políticas de proteção aos povos indígenas, bem como as obrigações internacionais de direitos humanos.
Lembramos aqui que os povos indígenas estão distribuídos por todo o nosso território e têm direito a viver em seus territórios com os seus modos de vida e têm direito a serem consultados e a darem consentimento quanto a tudo o que ocorre em seus territórios. Isso está protegido pelo nosso ordenamento jurídico e também pelas obrigações internacionais assumidas pelo nosso país.
Como já disseram aqui antes de mim, os povos indígenas desempenham papel essencial na proteção dos bens naturais, das florestas, do meio ambiente e têm bravamente resistido a todos os ataques e violências. Lembramos também que têm esse papel fundamental de proteção das florestas na prevenção até das mudanças climáticas e na proteção da própria humanidade.
Temos visto aumento exponencial da violência contra os povos, o que ameaça a sua própria existência e também a da humanidade. Trarei aqui alguns exemplos de ameaças institucionais que têm aumentado essa violência contra os povos.
Como já foi dito, o Governo não tem protegido as terras indígenas ao não realizar as demarcações das terras, embora a nossa Constituição disponha de forma bem evidente que as terras deveriam ser avaliadas e demarcadas até 1993. O atual Governo, infelizmente, cumpriu a sua promessa de não demarcar um centímetro de terra, o que piora muito a violência. A retórica do atual Presidente também contra os povos e seus direitos e a incidência da grilagem de terras acabaram aumentando a grilagem de terras nos últimos anos e aumentando também violências contra os povos muito relacionadas às grilagens, como já ouvimos aqui: assédio, supressão de direitos, negação de identidade e assassinatos, e isso num contexto de um país como o nosso, que já é marcado pelo racismo estrutural, pelo racismo ambiental, em que os danos socioambientais são generalizados e impactam de forma desproporcional povos indígenas, pessoas negras e outras parcelas da nossa população que já são vulnerabilizadas por questões socioeconômicas, raciais e de gênero.
Também comentaram aqui os impactos da pandemia. Lembro aqui que as invasões aos territórios indígenas aumentaram exponencialmente durante a pandemia, aumentando as violências contra comunidades e lideranças, como ouvimos aqui de Júnior Yanomami.
A Funai também falhou em impedir ações ilegais, como desmatamento e mineração, que contribuem para o aumento da violência contra os povos. Isso aconteceu muito durante a pandemia, o que aumentou o contato entre mineradores e madeireiros ilegais por meio de invasões e contatos com agentes de saúde que foram dificultá-los. Esses casos, inclusive, foram levados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e posso lembrar aqui que três casos foram apresentados e a Comissão determinou que o Estado brasileiro adotasse as medidas necessárias para proteger os direitos desses povos. Infelizmente, isso ainda não está ocorrendo.
Também lembro aqui que essas condições também foram levadas ao STF pela Apib e muitos parceiros na ADPF 709, que tratou de medidas de proteção e promoção de saúde dos povos indígenas nesse cenário pandêmico. Como ouvimos aqui também, a decisão judicial ainda não foi totalmente cumprida.
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Um exemplo é que não houve ainda a extrusão dos invasores, como ouvido aqui também tanto no relato do Cimi como no relato de Júnior.
Há algumas lacunas de governança que têm ocorrido no Brasil também que colocam em risco os povos indígenas. Relembro aqui: ameaças aos processos de demarcação das terras indígenas; aumento de exploração dos recursos naturais em terras indígenas - há vários relatórios, como "Violência contra os Povos Indígenas no Brasil", em 2019, os dados atuais da CPT, lançados há poucos dias. Há um dado aqui que diz que em 2019 houve um aumento de 134% de casos de violências contra povos indígenas -; ataques ao patrimônio e assédio, por exemplo, de mulheres munduruku; ataques às lideranças indígenas, com ações da própria Funai; posso chamar aqui também outros ataques, como os próprios projetos de lei - há um projeto de lei aqui no Senado que trata da grilagem, há os projetos de lei já relatados pelo Cimi.
Também posso lembrar aqui que houve um aumento de casos - mais de 277 casos - de violência contra indígenas só em 2019, e quase metade desses casos foram assassinatos e homicídios. Também lembro aqui especialmente do caso dos ianomâmis, com mais de 20 mil garimpeiros em suas terras, e também do assassinato do cacique Emyra Wajãpi, assassinado depois de uma invasão de 50 garimpeiros no Amapá.
Também sobre esses temas, a Comissão Interamericana se pronunciou. Em relatório publicado em 2021, a comissão expressou que em visita ao país foi informada sobre tentativas sucessivas de criminalizar as lideranças e sobre os assassinatos. Há um estudo também da Apib junto com a Indigenous Peoples Rights International que fala sobre esse processo de criminalização e assédio de lideranças indígenas.
O cenário de intimidação também foi estendido a organizações da sociedade civil. Lembro aqui, por exemplo, da abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2019, em que o próprio Presidente alegou existir um ambientalismo radical, um indigenismo ultrapassado e criticou o cacique Raoni ali, na ONU, tentando deslegitimar sua presença, sua posição de liderança. Também na Assembleia Geral da ONU, em 2020, os indígenas foram responsabilizados, pelo Presidente, pelos incêndios nas florestas brasileiras. Isso são ataques aos povos indígenas.
Também tivemos dados do próprio Ministério da Saúde que demonstram que a ausência de demarcação de terras de conflitos tem sido um dos fatores que aumentam a taxa de suicídio entre povos indígenas.
Mais um dado que a gente tem visto que contribui para a violência contra os povos indígenas é o enfraquecimento dos órgãos ambientais e dos órgãos ligados à proteção dos povos e comunidades tradicionais. Lembro aqui que houve a retirada de autonomia desses órgãos, intervenção política em suas operações; houve redução orçamentária, redução do quadro de pessoal e da capacidade técnica dessas pessoas, desses órgãos; houve militarização da proteção ambiental e pressão e perseguição a servidores públicos.
Também gostaria de deixar aqui as contribuições do Sistema Internacional de Direitos Humanos. Lembro que há muitas cartas que relembram nossos compromissos. Lembro aqui da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, assinada pelo Brasil em 2007 - a declaração fala da manutenção e da importância dos territórios, inclusive para evitar outras violações de direitos -; da Convenção 169, da OIT; do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o qual também já foi internalizado pelo Brasil; do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, também internalizado. Também trago aqui que vários comitês e comissões da ONU trouxeram recomendações muito específicas para o Governo brasileiro sobre como implementar a proteção dos territórios indígenas e da própria sobrevivência dos povos. Então, lembro aqui o Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; também trago aqui o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, que tem recebido diversas denúncias da escalada de conflitos, ódio e discriminação contra povos indígenas. Lembro aqui também a própria Convenção sobre os Direitos da Criança, também internalizada pelo Direito brasileiro e que tem, no seu Comentário Geral nº 11, a situação específica das crianças indígenas. Lembro a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. E também trago aqui as legislações ambientais que tratam da importância dos povos indígenas. Podemos lembrar aqui a Convenção sobre Diversidade Biológica, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima.
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E trago, claro, o papel de relatores pelos direitos dos povos indígenas e o papel do Alto Comissariado. Acho que tem tido um papel fundamental, inclusive enviando cartas ao Governo brasileiro ressaltando a importância da proteção dos povos indígenas para todos nós.
Por fim, para concluir, lembro que é urgente a proteção dos povos indígenas e a demarcação dos seus territórios. Como afirmei anteriormente, isso está não só nas nossas obrigações nacionais, protegido pela Constituição, mas também nos nossos compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil. A gente tem uma chance agora de impedir que esses PLs, aqui já mencionados pelo Cimi e na apresentação, não sejam aprovados. Esta Casa tem essa chance de impedir que mais mortes e novos genocídios possam ocorrer.
Esses são os pontos que eu gostaria de trazer. Estou à disposição para quaisquer esclarecimentos.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Parabéns!
Bela exposição da Dra. Julia Neiva, Coordenadora do Programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas Direitos Humanos, que aqui mostrou, em nível internacional, uma série de movimentos que são feitos, denunciando, cobrando posição do Governo brasileiro no que diz respeito a índios, a negros, ao feminicídio, que é violento no Brasil também, e à própria comunidade LGBTQI+.
Parabéns, Dra. Julia, por ter, na amplitude do tema dos povos indígenas, falado também dessa realidade triste aqui no Brasil.
Eu não sei se o Senador Mecias... Se o Senador Mecias quiser dar uma saudação neste momento...
Senador Mecias, o tempo é seu.
O SR. MECIAS DE JESUS (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/REPUBLICANOS - RR. Para discursar. Por videoconferência.) - Senador Paim, querido Presidente, satisfação estar nessa reunião. Quero cumprimentar todos os integrantes da reunião na sua pessoa; quero fazer um cumprimento especial ao Júnior Yanomami, meu amigo pessoal.
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Quero dizer, Presidente Paim, que nós, no Brasil - e eu que vivo aqui nesse pedaço da Amazônia -, precisamos de mais conhecimento prévio da realidade do Brasil, precisamos de mais conhecimento da situação em que vivem as nossas florestas, a fauna, as pessoas aqui, os amazônidas todos. Quando eu falo "todos os amazônidas", estou incluindo aqui, claro, principalmente os povos indígenas. Há que se encontrar uma forma, Presidente Paim... E nós temos que fazer um fórum - é o meu entendimento - que, de fato, proponha ao Governo Federal e às organizações não governamentais que têm interesse para, de fato, chegarmos a um denominador comum...
Eu me lembro (Falha no áudio.) ... era Presidente da República e veio a Roraima, mandou o Exército detonar todas as pistas dentro dos garimpos ianomâmis, dos garimpos em Roraima. Isso não mudou nada a realidade! Os garimpeiros continuam invadindo as terras indígenas, continuam garimpando de forma ilegal.
E vai ser assim a vida toda! Nós vamos fazer encontros mais encontros, palestras mais palestras. Vamos gastar os neurônios de pessoas inteligentíssimas, preparadíssimas - acabo de ver aqui a Dra. Julia Neiva fazer uma belíssima explanação. É preciso que a gente monte um plano estratégico para chegar a um denominador comum, para fazer um acordo entre estas partes, os indígenas, os aproveitadores do minério, para encontrar uma forma de não prejudicar as comunidades indígenas, de não prejudicar o meio ambiente, de não prejudicar a fauna e de tirar daí um proveito de tudo isso. Ocorre que, hoje, Presidente Paim, ilegalmente, nós temos mais de 1 tonelada de ouro saindo por mês do Estado de Roraima sem pagar royalties para os indígenas, sem pagar impostos para os municípios, sem pagar impostos para os estados. Então, não fica nada para a educação, para a saúde, para nada! E vai continuar sendo assim - vai continuar sendo assim! Daqui a 20, 30 anos, nós vamos estar com a mesma conversa, com o mesmo discurso.
O Júnior sabe bem disso. O Júnior nasceu nos ianomâmis, e já existia o garimpo quando ele nasceu, de forma ilegal. Ele agora já veste a camisa, defende, se prepara, luta, é conhecedor, mas, daqui a pouco tempo, vai ficar velho, cansado, e vão continuar lá fazendo esse garimpo.
Ou se encontra uma forma de normatizar, de regulamentar para não dar prejuízo à flora, à fauna, às comunidades indígenas, uma forma de fazer esse aproveitamento mineral na Região Amazônica, sobretudo nas terras indígenas, uma forma que compense, para você viver bem ali, sem prejudicar os costumes, sem prejudicar as causas mais importantes, a cultura do nosso povo indígena, ou vamos continuar, daqui a 30 anos - não seremos mais eu, o Senador Paim, V. Exa., talvez a Dra. Neiva já estará também cansada neste período, o Júnior já vai ter passado o bastão para outro líder lá -, reclamando disto: os garimpeiros invadindo as terras e taralá-lá-lá-lá-lá-lá... É isso, Presidente Paim!
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Eu estou, por 32 anos, na vida pública em Roraima: Vereador lá da minha querida São João da Baliza, Deputado Estadual por seis mandatos, e Deus me permitiu a honra, e o povo de Roraima, de agora estar no Senado Federal, junto com um dos maiores brasileiros que eu conheço na minha vida, que é V. Exa., Senador Paim - eu tenho a maior alegria e orgulho de dizer que sou Senador junto com V. Exa. Mas, nesses 32 anos aqui em Roraima, é a mesma coisa, não ouvi outro discurso, senão: "tem que tirar os garimpeiros da terra dos índios", "o garimpo é ilegal", "mataram tantos garimpeiros", "mataram tantos indígenas", "mataram tantos isso, tantos...". Vai continuar a mesma coisa. Ou a gente parte para uma coisa prática, definitivamente prática, e apresentamos uma solução comum, que se origine dos povos indígenas, que se origine das ONGs que têm compromisso de fato... Porque há ONGs e ONGs. Há ONGs que, de fato, têm compromisso com o Brasil, com a Amazônia e com Roraima, mas há ONGs que querem apenas se aproveitar desse momento trágico, e, quanto pior for esse momento, há algumas ONGs que consideram melhor para elas. Quanto pior for, para algumas, é muito melhor, porque vão ter mais recursos, mais divisas virão para elas, mais divisas estarão importando.
Então, Presidente Paim, talvez o meu apelo - e eu até peço escusas aqui à Dra. Julia Neiva e ao Júnior e aos demais ouvintes aqui, talvez por meu tema já não ser mais tão apaixonado como eu fazia antes, no início, porque eu já saí dessa parte da paixão - foram 32 anos de paixão; eu já saí dessa parte da paixão -, vivendo aqui, conhecendo cada uma dessas comunidades, cada um dos garimpeiros, todos os problemas, cada conflito que, todos os dias, acontece aqui... Ao meu telefone, à minha casa e ao meu escritório chegam todas as informações. Nós vamos continuar fazendo este tipo de fórum aqui sem levar nenhuma proposta pratica. Isso aí vai para mais 32 anos, aí, eu já terei 92 anos de idade, já estarei com o bastão sem nenhuma condição de defender. O Júnior já tem 50, vai para 82 também, não é, Júnior? Já tem 50 anos, vai para 82 anos.
Então, eu gostaria muito, quero muito que, de cada encontro desses, saia uma proposta prática, para que a gente possa, de uma vez por todas, encontrar um caminho, uma solução para resolver os problemas - não só de Roraima, mas de todo o Brasil - que envolvem essas questões tão importantes para o nosso povo.
Obrigado, Presidente Paim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Meus cumprimentos, Senador Mecias, que, de pronto, participou, dando a sua posição em relação a esse tema.
Ele aponta um caminho: que se realize, de fato, um fórum nacional para debater esse tema que é a vida de todo o nosso ecossistema e dos povos indígenas.
Obrigado pela contribuição.
Eu, neste momento, se também ela estiver, a Senadora Leila... (Pausa.)
A Senadora Leila não se manifestou... (Pausa.)
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Então, está bem.
Passamos a palavra, com muita satisfação, a essa grande Senadora Leila, que era para estar aqui à mesa comigo, presidindo, mas, por motivos de agenda constante que ela tem... Ela já teve que abandonar uma agenda dela lá em Sobradinho para presidir, para me representar aqui, quando eu não pude. Ela trocou a agenda da tarde.
Você lembra, não é, Leila? Agradeço muito a você.
A SRA. LEILA BARROS (PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - DF. Por videoconferência.) - Lembro, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E era sobre a questão racial, a defesa da comunidade negra, quilombola, enfim.
Eu fiquei muito feliz com o seu pronunciamento no Plenário, viu? Nós dois falamos na mesma linha.
A SRA. LEILA BARROS (PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - DF. Por videoconferência.) - Sempre, não é, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Uma audiência pública urgente e uma visita ao estado é o que está surgindo aqui.
O tempo é seu, grande líder Senadora Leila.
A SRA. LEILA BARROS (PDT/CIDADANIA/REDE/PDT - DF. Para discursar. Por videoconferência.) - Obrigada, Senador Paim.
Eu cumprimento o senhor, o Senador Mecias também, a Julia, o Júnior Yanomami, que esteve no meu gabinete.
Bom, eu sei que é um tema polêmico e acho que esta Casa não pode se omitir. Várias vezes, a gente está discutindo esse tema, o tema racial, o tema indígena, o da mulher, enfim. O que me incomoda, o que tem me angustiado com relação a essa pauta indígena é o Congresso, os Parlamentares se aprofundarem... O Senador Mecias falou muito bem: "Ah, a gente tem que fazer um fórum". Eu vou além, eu acho que falta realmente um engajamento maior dos Senadores, daqueles que estão comprometidos - há a questão da CDH, há o meio ambiente -, principalmente irmos a essas terras, entendermos melhor a realidade que esses indígenas estão vivendo hoje.
Quando a gente fala que o garimpo é ilegal, estão invadindo terras, e as terras são legitimamente indígenas, dizem: "Então, vamos conversar, vamos legalizar", mas isso é uma dívida histórica. Essas terras já têm dono. Estão invadindo por quê? Estão indo contra a lei. Então, a gente realmente, Senador... É muito preocupante ver como os nossos irmãos indígenas estão sendo tratados, os nossos povos indígenas estão sendo tratados, as mulheres, as meninas... A gente vê diariamente denúncias de abusos, de uso de drogas, garimpeiros fornecendo drogas, enfim, não sei quem está fornecendo droga e bebida para eles.
Então, eu acho que estamos no momento em que realmente... Eu acho que já passou do momento de fazermos uma Comissão, de irmos visitar essas terras, de dialogarmos com os nossos povos indígenas e escutarmos o outro lado também. Mas isso tem que ser tratado com muita seriedade.
Eu quero parabenizar o senhor mais uma vez por essa iniciativa de trazer este debate para a Casa, mas eu acredito que os Senadores têm que se engajar, porque essa é uma dívida histórica que nós temos com os povos indígenas.
Está uma situação insustentável, como a Júlia falou; há tentativa de desconstrução dos órgãos de controle, como a gente vê no Ibama. A gente tem percebido realmente a falta de autonomia. A gente até apresentou uma PEC com relação a essa questão da falta de autonomia desses órgãos de controle. Então, realmente nós precisamos reagir a favor dos povos indígenas. Como eu sempre falo, é uma dívida histórica.
Essa questão de legalizar o garimpo é também um tema difícil, porque não é simplesmente legalizar. Eles estão invadindo terras que já têm donos, terras que não saíram do imaginário dos povos indígenas. Isso já está garantido para eles. Falta ainda a demarcação de outras terras, que se parou, mas elas legitimamente seriam deles. Então, existe uma tentativa velada. Não estou falando do Senador Mecias, até porque ele está lá na ponta, é na região dele, mas existe uma tentativa de se legalizar uma situação que a gente sabe que é ilegal. Aquela terra já tem dono, já há gente morando ali, é uma dívida histórica. E o Senado, de fato, Senador, realmente precisa, além de fóruns de discussão, criar uma comissão e ir até lá dialogar com esses povos e ver, de fato, a situação da região.
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Essa é a minha sugestão, e eu quero acompanhar mais o debate aqui. Eu tenho perguntas a fazer, mas estou acompanhando atentamente e quero parabenizar mais uma vez o senhor pela iniciativa. Como sempre, o senhor é uma inspiração para todos nós aqui, Senador.
Obrigada pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus parabéns, grande Leila do Vôlei, uma Senadora que é uma referência para todos nós!
Na grandeza dela, ela fala da minha iniciativa. Na verdade, é nossa a iniciativa. Eu e ela, no Plenário, apontamos este caminho: em primeiro lugar, esta audiência pública - tanto é que nós íamos dividir aqui os encaminhamentos e o debate na hora da coordenação.
Então, mais uma vez, você, como foi brilhante no esporte, está sendo brilhante em toda a sua atuação aqui no Parlamento e já se tornou uma referência. Obrigado pela participação.
Queria agradecer também ao Senador Flávio Arns e... Quem mais já entrou? (Pausa.)
O Senador Contarato, que é Vice-Presidente desta Comissão.
O Senador Humberto Costa deu todo o apoio.
Neste momento, se o Contarato estiver à disposição, também poderá entrar; se não, ele entra num momento subsequente.
Quero só corrigir um dado que eu dei aqui e que a minha assessoria me cobrou: não fui só a 24, não; fui aos 27 estados. E, de fato, fui, por duas vezes, para discutir temas relacionados - preconceito, discriminação, previdência, o mundo do trabalho, trabalho escravo - e recebia delegações nas assembleias, quando lá estava, dos mais variados setores, como, por exemplo, as do povo indígena.
Mas vamos em frente...
O SR. FRANCISCO MIGUEL LOPES SILVA - Senador Paim, o senhor me daria a palavra por um segundo?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só um minutinho.
O SR. FRANCISCO MIGUEL LOPES SILVA - Pois não.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só um minutinho porque eu tenho uma lista aqui. Agora está inscrito o Alisson Marugal.
O Dr. Alisson Marugal é Procurador da República da Procuradoria da República do Estado de Roraima. Ele já está na tela? (Pausa.)
Já está na tela ou não? (Pausa.)
Dr. Alisson Marugal, Procurador da República, o tempo é seu, dez minutos.
O SR. ALISSON MARUGAL (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado, Senador.
Agradeço o convite desta Comissão para participar deste debate e parabenizo-o pela iniciativa de propô-lo.
Cumprimento meus colegas de audiência pública, especialmente as lideranças indígenas, como Júnior Hekurari, que tem sido um parceiro aqui do Ministério Público Federal nesta difícil missão de garantir proteção territorial aos ianomâmis.
Eu estive aqui numa audiência pública com o Senador Contarato no final do ano passado para discutir a mesma pauta ianomâmi, que é objeto do meu trabalho - sou Procurador da República em Roraima, trabalho com a questão indígena e tenho trabalhado com a questão dos ianomâmis desde que cheguei aqui -, e participei dessa audiência pública no final do ano passado sobre a saúde ianomâmi. Fizemos diversos alertas do perigo que o garimpo traz para os povos indígenas da Terra Yanomami, mas esses alertas não foram ouvidos, e estamos aqui mais uma vez discutindo numa audiência pública os diversos danos ambientais e socioambientais à população do extremo norte do Brasil.
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Eu vou fazer uma rápida apresentação aqui. Eu gosto de ilustrar. Vou aproveitar que nós estamos no formato virtual e vou ilustrar um pouco a realidade local. O Senador Mecias disse que nós precisamos conhecer a realidade local. Então, eu faço questão de fazer uma apresentação rápida de alguns mapas. Acho que os senhores já estão vendo a apresentação.
Vou tentar aqui falar muito rapidamente.
A Terra Indígena Yanomami, certamente, vive o seu pior momento desde a sua demarcação, com taxas cada vez maiores de desmatamento em função do garimpo ilegal. Na década de 80, assistimos a uma grande invasão garimpeira - mais de 40 mil garimpeiros invadiram o território ianomâmi -, e o que nós vemos agora é algo parecido com aquela situação da década de 80, que eu classifico como uma tragédia humanitária em curso. O relatório da Hutukara deixa bem claro que são mais de 16 mil indígenas atingidos pela atividade de mineração ilegal. Então, nós estamos caminhando para um caos sanitário semelhante ao que ocorreu na década de 80.
Trago aqui, muito rapidamente, um mapa do garimpo na Terra Yanomami. Os senhores podem observar os pontos em vermelho, que dizem respeito aos pontos de mineração ilegal. Basicamente, o garimpo na Ianomâmi se concentra na porção roraimense do território ianomâmi, acompanhando principalmente os cursos de rios, onde estão também as comunidades indígenas. Então, os pontos em vermelho são os pontos de mineração ilegal; e os pontos em laranja são as comunidades indígenas. Os senhores podem perceber que há uma sobreposição entre as áreas de garimpo com as comunidades indígenas, o que é extremamente grave.
Aqui um print de uma tela do sistema do Ministério da Justiça, o Brasil M.A.I.S, que demonstra, num período de aproximadamente dois anos, de agosto de 2020 até 28 de fevereiro, que são mais de 3 mil alertas, ou seja, mais de 3 mil pontos de mineração ilegal na Terra Indígena Yanomami, o que demonstra a expansão da atividade garimpeira nesses últimos dois anos. Em alguns meses, nós podemos observar aí - eu faço uma estratificação do dado com base em alertas por mês -, se formaram aí mais de 200 pontos de mineração ilegal no território ianomâmi.
E trago aqui também uma tela de uma informação do Ibama que demonstra os pontos de apoio logístico fora do território indígena. Esses pontos em vermelho são pontos de pistas de pouso, portes fluviais e outros pontos que dão suporte ao garimpo e que estão fora de terra indígena. São precisamente 277 pontos identificados fora de terra indígena como pontos de apoio. Os senhores e as senhoras podem perceber muito bem o tamanho da atividade garimpeira no território ianomâmi, com essa enorme estrutura de apoio fora do território indígena. O Ibama fez uma operação, no ano passado, nesses pontos de apoio logístico e teve um resultado bastante significativo, com destruição de mais de 60 aeronaves; uma operação que fiscalizou uma pequena parte desses pontos. Então, aí nós podemos perceber o tamanho da atividade de mineração ilegal no território ianomâmi.
Aqui eu trago, até para a gente discutir a questão da legalização, que o Senador Mecias trouxe, um mapa sobre os requerimentos de lavra garimpeira ou de pesquisa e licenciamento ambiental para a atividade de mineração no território ianomâmi. Esse é o mapa do território do Estado de Roraima. À esquerda na parte superior do mapa é o território ianomâmi. Esses traços em verde são os pedidos de lavra garimpeira que tramitam hoje na Agência Nacional de Mineração, que são sobrestados, naturalmente, porque a atividade de garimpo é ilegal em território indígena. Então, como os senhores observam aí, boa parte, quase todo o território indígena já está sob o olhar das empresas e, enfim, associações que pretendem realizar atividades de garimpo. Imaginem, então, a legalização de todos esses pontos de garimpo! Fico aqui me perguntando onde nós colocaremos os ianomâmis, não é?
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Isso aqui é um mapa do Estado de Roraima também que diz respeito aos recursos minerais do estado. Basicamente, esses pontos em amarelo são as reservas de ouro do Estado de Roraima, quase todas concentradas no território ianomâmi, o que demonstra muito bem o perigo que esse território corre sem uma efetiva política de proteção territorial. Sabemos que o garimpo hoje é uma estrutura industrial, não existe nada de rudimentar ou artesanal. Hoje há uma grande indústria do garimpo com seus financiadores, que são efetivamente quem ganha dinheiro nessa atividade. Há os donos de maquinários, os apoiadores logísticos, os pilotos de avião, as empresas de transporte aéreo, os receptadores de ouro nos escritórios confortáveis de São Paulo que compram o ouro de Roraima, e os garimpeiros. Há mais de 20 mil garimpeiros no território indígena, muitas vezes alguns deles em regime de trabalho escravo.
Sabemos de todos os danos socioambientais que o garimpo traz - já foram mencionados aqui. Destaco em especial o aliciamento de mulheres para fins de exploração sexual. É uma face chocante do garimpo que merece ser investigada. Já instauramos procedimento para que sejam apuradas as denúncias que foram trazidas pela Hutukara num relatório recentemente publicado. São de difícil investigação esses crimes que acontecem em pontos remotos da Floresta Amazônica, mas eles merecem ser investigados, e nós temos que cumprir esse dever e dar uma resposta não só à sociedade como um todo, mas também, e especialmente, aos ianomâmis. E o garimpo tem também um potencial que afeta os próprios cidadãos nos centros urbanos: o aumento da criminalidade urbana, o fortalecimento de facções criminosas e a própria contaminação dos peixes consumidos nos centros urbanos.
Existem diversos fatores que explicam a intensificação do garimpo, mas eu destaco aqui a foto que trouxe nesse eslaide, que é o Monumento ao Garimpeiro, que fica na praça onde estão os três Poderes do Estado de Roraima, que exemplifica muito bem o apoio que o garimpo tem na sociedade local e a dificuldade que os órgãos de fiscalização têm, inclusive com risco à integridade física na nossa atuação; a dificuldade que nós temos em combater o garimpo em função deste apoio que existe localmente e que é potencializado hoje com um apoio nacional.
Falo um pouco, aqui, sobre a atuação do Ministério Público Federal.
A atuação do Ministério Público acompanha também as omissões do Governo Federal ou das instituições responsáveis por oferecer proteção territorial. Já em 2017, ingressamos com uma ação civil pública pleiteando a reativação de Bases de Proteção Etnoambiental, que são postos de fiscalização da Funai que visam bloquear pontos estratégicos do território ianomâmi. Quanto a essa ação, houve uma sentença de procedência em 2018, e até o momento nós tentamos cumprir integralmente essa decisão. Já foram reativadas duas bases de proteção; existe ainda uma por reativar no rio Uraricoera, onde fica um dos principais centros de garimpo ilegal no território ianomâmi.
Em 2020 nós identificamos a intensificação da atividade garimpeira no território e, em abril de 2020, ingressamos com uma ação civil pública, pleiteando a desintrusão completa do garimpo. Obtivemos uma liminar favorável no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e, desde então, tentamos cumprir essa liminar. Foram feitas diversas operações no segundo semestre de 2021, operações que cessaram em 2022, e o que nós observamos em 2022 foi o crescimento e a intensificação dessa atividade. Por isso, novamente pleiteamos em juízo a retomada das operações policiais; pleiteamos tanto na primeira instância, no processo proposto pelo Ministério Público Federal de Roraima, como também na ADPF 709, para que o Supremo se manifeste sobre a retomada dessas operações. Faço aqui, para fechar a minha fala, algumas propostas para o enfrentamento do problema.
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Eu começo aqui dizendo que nós precisamos refutar a visão fatalista. E, de certa forma, aqui, com a devida vênia, me coloco no sentido contrário da fala do Senador Mecias: o garimpo não é inevitável; é possível, sim, propor políticas factíveis de enfrentamento a esse problema, que certamente será permanente, com legalização ou não. Fico aqui me imaginando como uma atividade, mesmo que legalizada, será fiscalizada em território indígena, se sequer nós conseguimos oferecer proteção territorial hoje.
Então, é preciso inicialmente que nós pensemos uma grande operação interagências de combate ao garimpo ilegal, dentro e fora de terra indígena, com destruição de todo o maquinário, com estruturação dos órgãos locais. É preciso que a Polícia Federal, Ibama e Funai tenham uma logística, por exemplo, aérea para combater o garimpo, com helicóptero, com aeronave, o que eles não têm hoje.
Fortalecimento das estruturas de fiscalização. As Bases de Proteção Etnoambiental são extremamente importantes nesse contexto, para a ocupação estatal do território e bloqueio da logística do garimpo nos pontos de acesso através de rios.
Investigações policiais focadas nas organizações criminosas que atuam no garimpo. Isso é extremamente importante quando se fala do macrogarimpo, da junção do tráfico de drogas com a atividade de mineração ilegal, porque é o pior cenário possível para os ianomâni, dada a potencialização da violência destes grupos criminosos, algo a que nós já assistimos - essa é uma grande preocupação do Ministério Público Federal com a Polícia Federal.
E há outras medidas que são mais difíceis de fazer, mas são importantes e devem ser debatidas, como o incremento das penas da atividade de mineração ilegal, que são penas baixíssimas. O custo da persecução penal é bastante alto e ao final a pena é bastante baixa; então, é importante - e nisso nós temos trabalhado - a investigação das organizações criminosas, das ações de lavagem de dinheiro, que tornam a pena muito mais alta e compensam todo o trabalho de investigação.
Regulação da cadeia de ouro já é um ponto extremamente debatido pela sociedade civil: é fundamental que se tenha mais clareza na origem do ouro adquirido pelos compradores.
E, não menos importante, nós precisamos falar de políticas sociais voltadas à geração de renda aos ianomânis, para evitar o aliciamento desses indígenas pelo garimpo ilegal, e também de uma política educacional que resulte em lideranças conscientes dos direitos territoriais, o que é fundamental. Algumas lideranças indígenas passaram pelo magistério ianomâni e se tornaram importantes vozes na proteção territorial desses indígenas.
Eu acho que é plenamente factível combater o garimpo.
Aqui, uma foto de uma operação do Ibama, feita no final de 2021, com destruição de todo o maquinário. Isso aqui é um ponto de acesso do território ianomâni, com uma ampla logística para fornecimento desses equipamentos, insumos e trabalhadores do garimpo ilegal.
Acho que é plenamente possível combater o garimpo, é um dever constitucional. Antes de pensar em legalização...
(Soa a campainha.)
O SR. ALISSON MARUGAL (Por videoconferência.) - ... é necessário pensar em proteção territorial a esse povo indígena.
Eu acho que já esgotou o meu tempo, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Entendo que sim, mas há mais um minuto para concluir.
Eu achei bem interessantes as propostas que o senhor nos trouxe e, ao mesmo tempo, já peço que elas sejam remetidas aqui para a Comissão. O nosso secretário da Comissão vai fazer contato com o senhor, porque eu entendo que há duas, quatro, seis, oito, quase dez propostas que apontam caminho para a solução.
O senhor tem mais um minuto para concluir.
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O SR. ALISSON MARUGAL (Por videoconferência.) - Então, concluo reforçando o convite à Comissão de Direitos Humanos para que venha ao Estado de Roraima, identifique as dificuldades, inclusive a dos órgãos de fiscalização - e não só a identificação in loco dos problemas que os ianomâmis atravessam, mas também as dificuldades que os órgãos de fiscalização, Polícia Federal, Ministério Público Federal, Funai e Ibama têm em combater esse tipo de atividade ilegal. Vontade não falta, o que falta é a estrutura para que se possa combater efetivamente essa atividade ilegal, que traz tantos prejuízos aos povos indígenas da Terra Yanomami.
Encerro, assim, a minha participação, Senador, e estou aqui à disposição para o seguimento do debate.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado, Dr. Alisson Marugal, Procurador da República do Estado de Roraima, que, além de concordar com as denúncias que foram colocadas, aponta caminhos para a solução.
Eu confesso a vocês que o Júnior pediu muito que vá uma Comissão ao local. Não há problema de ir uma Comissão, mas os fatos reais que foram retratados nós sabemos que são verdadeiros. Todas as denúncias são verdadeiras. Tanto é que ninguém contestou as denúncias que chegaram aqui pela presença do Júnior na semana passada ou mesmo nesta audiência pública. Eu lhes confesso que ir ao local olhar... Muito bem, mas eu acho que renderia muito mais fazer uma atividade na Assembleia Legislativa de Roraima, chamando as partes envolvidas, para que se encaminhe uma solução, de fato, para essa questão.
Como eu disse, seguidamente a gente monta uma Comissão e vai aos estados, mas depois que a gente vem embora, as soluções são muito poucas. Não sou contra a proposta, que eu mesmo acatei quando o Júnior esteve aqui - e a Leila também -, de se fazer uma Comissão para ir ao estado. Mas é preciso, de fato... Como disse muito bem o Dr. Alisson Marugal, o que falta é estrutura. Aí o Governo Federal tem que colaborar, dar estrutura da Polícia Federal, do Exército, enfim, da polícia no estado, para fiscalizar, executar e não permitir que isso continue acontecendo. Como o Dr. Alisson disse muito bem, isso é um crime. São atos criminosos que estão acontecendo. E crime, a gente tem que punir com a dureza da lei.
Mas eu passo a palavra agora ao Dr. Ernani Sousa Gomes, Secretário Especial de Saúde Indígena, substituto, do Ministério da Saúde. A palavra é sua, e o agradeço já pela presença, Dr. Ernani.
Depois do Dr. Ernani, volta a palavra para o Senador Mecias.
O SR. ERNANI SOUSA GOMES (Por videoconferência.) - Bom dia.
Bom dia, Senador Paulo Paim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom dia.
O SR. ERNANI SOUSA GOMES (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia aos demais membros da Comissão, aos convidados envolvidos nesta temática, neste diálogo.
Nós da Sesai estamos à disposição também para contribuir da melhor forma possível. Está aqui me acompanhando a Dra. Josiê, que é do núcleo jurídico da Sesai. Também a Dra. Camila, que é do meu núcleo técnico. E quero pedir também, se possível, a inserção de dois membros do Conselho do Condisi, do FPCondisi, do Fórum dos CONDISIs, que são os representantes legítimos da nossa área da saúde indígena que contempla também a nossa atividade, que seriam o Erivelton e o Neto, que são o Presidente FPCondisi, Erivelton Fernandes do Nascimento; e o Vice-Presidente, Fernando José de Moura Neto para que também possam contribuir com esse diálogo.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Já está garantida a fala de ambos. Comunique a eles que eles poderão também democraticamente entrar e dar a sua contribuição para ver se juntos construímos uma solução concreta para tudo isso que vem acontecendo em relação a morte, estupro, violência, invasão de terra dos povos indígenas.
O SR. ERNANI SOUSA GOMES (Por videoconferência.) - Ademais, estamos aqui à disposição, ouvindo. E aí, na medida do possível, a gente vai dando nossa contribuição.
Um grande abraço e que tenhamos uma excelente audiência.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sobre isso aqui, a assessoria me orienta que os dois convidados que V. Sa. está indicando nesse momento - e eu já agradeço, isso mostra o interesse pelo tema - e querem dar mais contribuição, eles têm que usar o mesmo link que o senhor usou, eles entrariam no mesmo link que o senhor usou nesse momento.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isto. O.k.?
Vejam com eles aí. A única forma de eles entrarem é o mesmo link que o senhor usou.
O SR. ERNANI SOUSA GOMES (Por videoconferência.) - O.k. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu que agradeço, Dr. Ernani Sousa Gomes, pela sua colaboração. E esperamos que os outros dois indicados por V. Sa. possam participar do debate.
O Senador Mecias pediu a palavra. E é mais do que natural, numa sessão de debate, que os Senadores usem a palavra a todo momento que eles entenderem adequado.
Senador Mecias com a palavra.
O SR. MECIAS DE JESUS (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/REPUBLICANOS - RR. Por videoconferência.) - Presidente Paim, eu entendi. Mas eu creio que eu entendi que V. Exa. já pediu ao Dr. Alisson Marugal a palestra que ele fez aqui, a documentação.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso, isso. Foi pedido a ele.
O SR. MECIAS DE JESUS (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/REPUBLICANOS - RR. Por videoconferência.) - Gostaria que V. Exa. me enviasse depois.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A Comissão recebe remete a V. Exa.
O SR. MECIAS DE JESUS (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/REPUBLICANOS - RR. Para interpelar. Por videoconferência.) - Eu queria fazer um questionamento ao Dr. Alisson no sentido de... Na realidade, Dr. Alisson, seria uma consulta. Por que, em vez de o Ibama queimar máquinas tão caras, máquinas de R$1 milhão, R$2 milhões... Se os garimpeiros levam essas máquinas para dentro do garimpo, por que, em vez de queimar essas máquinas, não seria possível trazer para a capital, para os estados e doar para as prefeituras que têm necessidade, para as associações? O senhor não acha que teria mais... Eu creio que o intuito não é só dar prejuízo ao garimpeiro, mas destruir o bem para que ele não faça, não continue fazendo o serviço lá. Trazendo de lá e doando para as prefeituras, para associações, elas vão prestar serviço para a sociedade e eles terão prejuízo da mesma forma.
Eu queria ouvir o senhor se é possível isso, o que impede de fato de fazer isso? Porque eu tenho visto isso, tantas reportagens falando sobre isso, e eu vejo que é um desperdício muito grande de máquinas que valem aí R$2 milhões, ser tocado fogo, e já era, enquanto nós temos prefeituras no interior do Brasil todo aí que precisam fazer poço de água, precisam fazer esgoto, aterro sanitário, essas coisas.
Era só essa pergunta, Senador Paim. Eu vou aguardar a proposta do Dr. Alisson Marugal, porque eu acredito que ter uma proposta é o suficiente. No Direito se diz que não importa o quão absurda seja a tese, o importante é que haja uma tese. E a tese do Dr. Alisson Marugal não é absurda, é uma tese totalmente viável, mas é claro que é preciso juntar todo mundo do governo, força total do governo, para poder colocar em prática essa tese.
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Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Se o Procurador, Dr. Alisson Marugal, está na tela, ele já poderia de imediato responder ao Senador.
O SR. ALISSON MARUGAL (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado. Ao agradecer, também cumprimento o Senador Mecias.
De fato, a legislação preconiza esta hierarquia de ações dos órgãos ambientais: em primeiro lugar a apreensão e, eventualmente, a utilização provisória desse bem por um órgão público, inclusive com a sua doação. A legislação já contempla isso, no entanto, nas hipóteses de impossibilidade de remoção fática do bem, como no caso de apreensão ocorrida em contexto de mata fechada ou em pontos remotos da Floresta Amazônica, a providência mais eficiente do ponto de vista econômico e do ponto de vista da repressão do ilícito ambiental é a destruição daquele maquinário. Então, a destruição do maquinário está condicionada à impossibilidade de remoção fática do bem. Remover o maquinário apreendido na Floresta Amazônica seria extremamente oneroso para os cofres públicos, por isso se faz a destruição. Então, é por esta medida, essa impossibilidade fática de remoção do bem que se faz a sua destruição; não é uma medida discricionária adotada pelo administrador, isso está condicionado à impossibilidade de remoção. No caso ianomâmi não existe a possibilidade de remover o maquinário dentro dos aviões que são utilizados para várias operações sem que isso tenha um custo enorme para os cofres públicos. Uma operação com o Black Hawk, por exemplo, do Exército brasileiro, custa, só uma hora, R$9 mil para levar uma equipe policial até um território indígena, é um custo astronômico em termos de recursos.
Então, uma vez identificada a impossibilidade de remoção, opta-se pela destruição do bem, é o que está na legislação e me parece muito razoável, mas o que o senhor pondera também é bastante razoável e, uma vez sendo possíveis a apreensão e a remoção do bem, é natural que se doe para um órgão público e até para uma comunidade indígena - quando se apreende uma canoa ou um barco, isso já é feito.
O SR. MECIAS DE JESUS (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/REPUBLICANOS - RR. Por videoconferência.) - Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos pelo diálogo estabelecido entre o Senador e o Procurador. O Procurador não discorda, só levantou o gasto do transporte, do deslocamento. Agora, dentro do possível, se isso puder ser feito, claro que as máquinas poderiam ser usadas pela comunidade daquele estado.
Resposta dada, o Senador Mecias entendeu e, em princípio, concorda, não há discordância entre os dois.
Eu vou, neste momento, fazer uma série de perguntas aos nossos convidados. Há um cidadão no plenário que pediu a palavra, mas não está aqui no meu script. Eu vou lhe dar um tempo no final, mas vou seguir o ritual da Comissão.
Eu queria que os nossos convidados, se possível - inclusive o Dr. Luís, que está aqui na mesa comigo -, respondessem algumas perguntas que aqui chegaram. Eu vou ler bem devagar para que vocês possam, cada um, responder da forma que entenderem mais adequada.
Louise Marques, de Goiás: "Na Declaração dos Direitos Humanos está inscrita a necessidade de zelar pelo patrimônio histórico dos povos indígenas. Por que isso não é feito?" - o Dr. Luís, que está aqui na mesa, vai ser o mais provocado; e quando digo provocado, quero dizer questionado para responder.
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Agora Caio Vitor, de Goiás: "A ampliação da atividade agrícola em terras de povos originários não seria uma afronta aos direitos humanos?". Dei uma paradinha só para que vocês possam tomar nota, dentro do possível.
Agora Bruno Mateus, do Paraná: "Promover estudos que identifiquem, delimitem, demarquem e regularizem as terras ocupadas pelos indígenas. Por que não cumprem com a função?". Ou seja, por que isso não se torna um fato real, respeitado e permanente?
Pedro Henrique, do Ceará: "De que forma as instituições devem atuar para a defesa dos direitos dos povos indígenas, que estão sob constantes ataques?".
Vamos em frente. Dr. Luis, que está aqui, depois eu vou te passar as perguntas, para você complementar com as tuas anotações.
Tifani Oliveira, de Roraima. "Quais são os motivos que existem para a violação ao direito dos povos indígenas e por que ainda existem essas violações?".
Priscila Loureiro, do Rio de Janeiro. "Por que não existem delegacias, UPPs especializadas na defesa dos povos indígenas, assim como as das mulheres?". No meu Estado há também em relação aos negros e negras. Achei interessante a pergunta dela. Todas são muito interessantes, todas com conteúdo.
Pedro Henrique, do DF: "Qual o posicionamento da bancada dos direitos humanos sobre os povos indígenas e seus direitos?". Esta aqui eu respondo de cara. Se é bancada dos direitos humanos, não tem que ser nem um direito a menos, pelo contrário. Temos que ampliar os direitos dos povos indígenas, dos negros, das negras, das mulheres, das crianças, dos idosos, LGBT+, todos que são discriminados. E os povos indígenas são um povo que eu diria que é um dos mais discriminados.
Thiago Alcides, de São Paulo: "Quais serão as providências para que haja o respeito aos direitos humanos dos povos indígenas?".
Marcos Moura, do Rio Grande do Norte: "Quais as melhores formas de combater a violação de direitos dos povos indígenas? Inclusão? Ajuda humanitária?". Ele está dizendo que inclusão e ajuda humanitária seriam um caminho - e ponto de interrogação, naturalmente.
John Lennon, da Paraíba: "Os povos indígenas merecem toda a proteção necessária por parte do Estado, para garantir seus direitos junto a sua cultura".
Por fim, Cula Sampaio, de Minas Gerais: "Não consigo compreender tamanho retrocesso sobre o direito dos povos indígenas e o seu valor para o Brasil".
Eu vou apresentar também essas, que foram contribuição aqui da Casa.
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A pergunta que não se cala: "Até quando persistirá essa violação aos direitos dos povos indígenas?".
Pergunta dois: "O que objetivamente as autoridades estão fazendo para investigar o garimpo, desmatamento e violência aos indígenas ianomâmis?".
Pergunta três: "A extração ilegal do ouro e cassiterita no território ianomâmi trouxe uma explosão nos casos de malária e outras doenças infectocontagiosas nos indígenas. Quais as políticas humanitárias adotadas na preservação da saúde da população indígena?".
Por fim, a última: "O desmatamento aumentou vertiginosamente durante a pandemia da covid-19, a partir de 2020, principalmente em terras indígenas, devido às ações criminosas, como foi relatado aqui praticamente por todos os convidados. Qual a explicação do Governo a respeito desse quadro tão triste?".
Dr. Luis, vai começar por V. Exa. Vou deixar o documento ao alcance aqui de V. Exa.
O Dr. Luis é o que está presencialmente, os outros convidados estão todos de forma virtual, então eu vou passar primeiro para o Dr. Luis. E para todos aqueles que estão participando - e muito boa a participação de todos - de forma virtual eu vou dar também um tempo para que respondam e, ao mesmo tempo, claro, farão as suas considerações finais.
E, Dr. Luis, V. Exa. que está presente, além de responder, terá um tempo específico para as considerações finais, o.k.?
Então, de imediato passo, a palavra ao Dr. Luis Ventura Fernández, Secretário Adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), aqui à mesa comigo.
O senhor tem dez minutos aí porque são muitas perguntas.
O SR. LUIS VENTURA FERNÁNDEZ (Para expor.) - São muitas.
Obrigado, Senador Paulo Paim. Obrigado a todas as pessoas que colocaram as perguntas.
São muitas perguntas. Eu vou tentar ser objetivo, trazendo o que, no nosso entendimento, pode contribuir com este debate, evidentemente deixando o espaço para que outros participantes aqui...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só para ajudar, Dr. Luis, a assessoria da Mesa aqui já me informa que todos que participaram já receberam as perguntas; estão ao alcance deles também.
O SR. LUIS VENTURA FERNÁNDEZ - Então, vou tentar responder algumas das perguntas pelo menos da forma mais breve e objetiva possível.
Sobre a primeira pergunta: "Na Declaração dos Direitos Humanos está escrito a necessidade de zelar pelo patrimônio histórico dos povos indígenas, por que isso não é feito?", efetivamente, como já foi dito aqui pela companheira da Conectas, todos os instrumentos internacionais de direito colocam muito claramente a necessidade de proteger os direitos dos povos indígenas, dentre eles a questão de zelar pelo patrimônio histórico, pelo patrimônio material e imaterial dos povos indígenas. E tudo isso também começa e inicia pelo próprio patrimônio no sentido territorial, de seus territórios. Por que isso não é feito? Porque, no nosso entendimento, terminam, acabam sendo primados determinados interesses econômicos, e os estados, em termos gerais, acabam não assumindo suas obrigações de proteção territorial e de demarcação dos territórios indígenas e também de zelo pelo patrimônio histórico, justamente para atender interesses particulares de terceiros.
"A ampliação da atividade agrícola em terras de povos originários não seria uma afronta aos direitos humanos?".
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No nosso entendimento, as tentativas de abertura dos territórios indígenas para os interesses principalmente do agronegócio, naquilo que foi chamado de parcerias agrícolas, afronta os direitos humanos dos povos indígenas e afronta aquilo que está no texto constitucional com relação ao usufruto exclusivo dos bens naturais por parte dos povos indígenas.
Dito isso, a gente reconhece que os povos indígenas realizam suas próprias atividades econômicas, suas próprias atividades no campo da agricultura também. E, como já foi dito aqui também pela Dra. Julia, da Conectas, é justamente isto que deve ser respeitado: que os povos indígenas possam construir seus projetos de vida dentro dos territórios indígenas na forma cultural que eles decidem livremente, com eles escolhendo seus próprios caminhos. Toda tentativa de interferir nisso, toda tentativa de reduzir, limitar o usufruto exclusivo através das ditas parcerias nos parece que efetivamente afronta direitos específicos e coletivos reconhecidos na Constituição Federal e em instrumentos internacionais de direitos.
Bruno Mateus perguntou pelos estudos que identifiquem, delimitem, demarquem e regularizem as terras indígenas, ocupadas pelos povos indígenas. O país conta com essa legislação, através do Decreto 1.775, do ano de 1996. A Funai deve iniciar as providências nesse procedimento administrativo. E, no nosso entendimento, insistimos: a demarcação é um procedimento administrativo que não cria terra indígena, a terra indígena já preexiste, é um direito originário; o que faz o procedimento administrativo é demarcar, regularizar esse território. Por que não se cumpre com essa função? É aquilo que a gente estava falando no início: nós estamos num momento do país em que, principalmente por parte do Governo Federal, há uma negação expressa, pública em assumir suas responsabilidades constitucionais e, portanto, seguir o procedimento administrativo que contempla tudo aquilo que o Bruno colocou aqui, que é identificar, delimitar, demarcar e regularizar as terras ocupadas pelos povos indígenas. É absolutamente imprescindível que o Brasil retome a política de demarcação de terras indígenas.
"Os povos indígenas merecem toda a proteção necessária por parte do Estado para garantir seus direitos junto à sua cultura", disse John Lenon. Totalmente de acordo.
Cula Sampaio: "Não consigo compreender tamanho retrocesso sobre os direitos dos povos indígenas e o seu valor para o Brasil". Efetivamente, nós estamos vivendo, principalmente nos últimos três anos, não já um ambiente de retrocesso, mas uma ofensiva, no nosso entendimento, orquestrada, sistemática, intencional para reduzir, limitar os direitos constitucionais dos povos indígenas.
Tifani Oliveira, de Roraima: "Quais são os motivos que existem para a violação aos direitos dos povos indígenas e por que ainda existem essas violações?". Insisto: no nosso entendimento, é porque acabam primando, sendo priorizados os interesses de terceiros de exploração predatória dos territórios. Hoje, todos nós sabemos que a regularização dos territórios indígenas com o papel que os povos indígenas fazem em seus territórios é justamente a principal fronteira de preservação não somente para o bem-estar deles, mas para o bem-estar de todo o país, para o bem-estar de todo o planeta. Quando sobre isso primam, são priorizados interesses particulares de terceiros de uma exploração predatória, os direitos dos povos indígenas são sistematicamente violentados, violados.
Há uma pergunta para a bancada dos direitos humanos sobre seu posicionamento. Aí os Parlamentares irão responder.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa aí eu acho que eu até respondi, mas, se tiver dúvida, eu respondo...
O SR. LUIS VENTURA FERNÁNDEZ - Já respondeu o Senador Paulo Paim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... em nome da bancada de direitos humanos da Câmara e do Senado.
O SR. LUIS VENTURA FERNÁNDEZ - "Quais as melhores formas de combater a violação de direitos dos povos indígenas?" Principalmente garantindo, promovendo e protegendo os direitos dos povos indígenas. Isso passa, mais uma vez, insistimos, pela retomada da política de demarcação dos territórios indígenas e por uma política de proteção territorial, fiscalização eficiente.
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E garantir a permanência, a presença dos povos indígenas em seus territórios com segurança, com liberdade, evidentemente, é a melhor forma de combater a violação dos direitos dos povos indígenas, e isso contempla também o combate a ilícitos, o combate e enfrentamento a ilícitos.
A pergunta que não se cala: "Até quando persistirá essa violação aos direitos dos povos indígenas?".
E justamente é isto: enquanto prevalecerem interesses de terceiros, enquanto governos se dobrarem a interesses econômicos, vai persistir essa violação aos direitos dos povos indígenas. Por outro lado, deve ser destacado aqui, como já foi feito no início, a permanente resistência e persistência dos povos indígenas na defesa de seus direitos.
"A extração ilegal de ouro e cassiterita no território ianomâmi trouxe uma explosão nos casos de malária e outras doenças infectocontagiosas nos indígenas efetivamente e também um aumento expressivo nos indicadores de desnutrição infantil e também em adultos. O que que deve ser feito?".
O que deve ser feito, primeiro, mais uma vez, passa pelo combate e enfrentamento à invasão dentro dos territórios indígenas, e isso passa pela interferência nos esquemas de enriquecimento ligados ao garimpo e pela extrusão de garimpeiros de dentro dos territórios indígenas, mas isso passa também pela necessidade de que a política de saúde destinada aos povos indígenas - e aos distritos de saúde, particularmente - retomem - e isso, no território ianomâmi, deve ser principalmente destacado - justamente os programas de prevenção ao aumento da malária e os programas de atendimento à população, para evitar o aumento de desnutrição.
Mas insisto: o aumento de malária e o aumento de desnutrição infantil estão diretamente ligados à presença de invasores dentro dos territórios indígenas, particularmente de garimpeiros.
Eu creio que é isso. Há alguma outra pergunta, mas eu acho que acaba sendo um pouco na mesma linha.
Quanto às considerações finais, Senador Paulo Paim, no entendimento do Cimi, nós entendemos que o país está passando por um momento extremamente difícil, muito complicado, principalmente para os povos indígenas. Já não falamos de retrocesso nas políticas indigenistas, falamos de uma ofensiva orquestrada, sistemática, contra os direitos dos povos indígenas, uma desconstrução dos direitos indígenas, uma desconstitucionalização dos direitos dos povos indígenas, principalmente por alguns setores do Estado, e nós entendemos que precisamos tomar todas as medidas urgentes, medidas que passem por medidas de proteção territorial, medidas que passem pela retomada da política de demarcação de terras indígenas.
Não é viável, no nosso entendimento, pretender regularizar os crimes. Não se pode regularizar o que é criminoso, não é possível regularizar o que é ilegal e não é bom para ninguém pretender regularizar aquilo que traz danos ambientais irreversíveis e danos irreversíveis também para os povos indígenas e para os seus projetos de vida.
Portanto, o caminho não é atalhos, o caminho não é caminhos intermédios, o caminho não é presentes acordos; o caminho passa pelo respeito profundo e irrestrito aos povos indígenas e aos direitos por eles conquistados.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Meus cumprimentos, Dr. Luis Ventura Fernández, Secretário Adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que, além de responder a grande parte das perguntas, também fez suas considerações finais nesse momento. A ele eu agradeço.
Então, eu vou passar a palavra para uma indicação do Dr. Ernani Sousa Gomes, Secretário Especial de Saúde Indígena Substituto do Ministério da Saúde. Ele indicou...
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Eu vou seguir o mesmo critério de antes: os que estavam listados para falar usaram dez minutos; aqueles que, porventura, foram indicados no último momento, mas não estavam na lista original, terão o tempo de cinco minutos. Como o Dr. Ernani indicou dois, cada um deles terá cinco minutos.
Eu passo a palavra agora ao Sr. Neto Pitaguary, representante do Fórum de Presidentes do Condisi (Conselhos Distritais de Saúde Indígena).
Por favor.
O SR. NETO PITAGUARY (Para expor. Por videoconferência.) - Muito bom dia a todos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom dia.
O SR. NETO PITAGUARY (Por videoconferência.) - Estão conseguindo me escutar? (Pausa.)
Muito bom dia a todos.
Sr. Senador Paulo Paim, no momento em que cumprimento o senhor, cumprimento toda a Casa Legislativa; cumprimento o nosso irmão Júnior, Presidente do Conselho Distrital Yanomami Ye'kuana; cumprimento todos os nossos indígenas; e, na pessoa do nosso Procurador Alisson, representante do Estado de Roraima, cumprimentamos todo o Judiciário.
Primeiro, é uma satisfação estar numa audiência como esta. Agradeço a oportunidade.
Queremos dizer que nós, em nome do Fórum de Presidentes, estamos à inteira disposição do Congresso para discutir temas tão relevantes junto aos povos indígenas. Nós, em nome do Fórum de Presidentes, que é um direito constitucional garantido, assegurado o controle social na saúde indígena por meio da Lei 8.142, queremos estar sempre nestes espaços defendendo exatamente o direito dos nossos povos originários e nos colocamos sempre à disposição. Sempre que a Casa Legislativa sentir necessidade, estamos à inteira disposição.
Por fim, como trabalhador de saúde que sou, quero, nesta audiência, aqui saudar e registrar todo o empenho que os nossos mais de 20 mil trabalhadores da saúde indígena vêm fazendo nos 34 DSEIs, tanto no combate à covid como no combate a inúmeras ações. Graças a Deus, com esse apoio do controle social, com esse apoio e esse empenho dos nossos trabalhadores, os números da nossa vacinação na população indígena são muito relevantes. Eu queria deixar isso registrado, deixar a minha solidariedade aqui aos meus colegas trabalhadores da saúde indígena e dizer mais uma vez que nós estamos à disposição para sempre contribuir.
O Cacique Erivelton, que seria a outra pessoa que estaria neste debate, infelizmente está com problema de conexão, não está conseguindo, de fato, entrar. Ele vive numa região do Amazonas - a gente sabe a situação de conexão que há ali no Amazonas - e infelizmente não está conseguindo entrar. Mas eu quero também, em nome dele, aqui saudar todos os caciques e todos os indígenas que acompanham esta audiência pública e mais uma vez reforçar o agradecimento a esta Casa Legislativa pela oportunidade.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Muito bem, Neto Pitaguary, representante do Fórum de Presidentes do Condisi (Conselhos Distritais de Saúde Indígena), que foi na mesma linha de todos os outros que aqui usaram a palavra e justificou a não presença, embora virtual, do cacique por problema de conexão lá na sua região.
Voltamos agora à nossa lista oficial de oradores, passando a palavra para que ela possa ponderar sobre as perguntas e, ao mesmo tempo, fazer as suas considerações finais.
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Por favor, Dra. Julia Neiva, Coordenadora do Programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas Direitos Humanos.
A SRA. JULIA NEIVA (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigada, Senador Paulo Paim. Agradeço, mais uma vez, por esta oportunidade e também parabenizo por esta audiência tão necessária. Que saiamos com compromissos aqui do Senado e desta Comissão.
Acho que a primeira recomendação que eu trago - vou tentar fazer um apanhado geral dessas perguntas e reitero todas as palavras aqui do representante do Cimi - é a necessidade da demarcação de terras. Essa é uma das principais saídas para conter as violências que têm ocorrido contra os povos indígenas e é, como eu disse na minha fala, uma obrigação nossa, já assumida pelo nosso ordenamento jurídico, mas também nos tratados internacionais de direitos humanos que ratificamos. Nós temos obrigação. E eu posso depois encaminhar para esta Comissão um pouco dessas recomendações, dessa leitura das obrigações de proteção dos territórios indígenas no nosso país.
Eu relembro também a necessidade de rejeitar a tese do marco temporal. Eu acho que o Senado pode relembrar a importância da não adoção do marco temporal para a proteção dos povos indígenas em relação à proteção dos seus territórios. Relembro que há uma chance aqui - várias perguntas tratavam de: o que precisa ser feito?, o que tem acontecido para aumentar a violência contra os povos? -, o Senado tem uma chance agora de barrar dois PLs que estão nesta Casa e que podem aumentar a violência contra os povos indígenas, trazer mais insegurança jurídica e desproteção para os seus territórios. Falo aqui do PL de Licenciamento Ambiental, o PL 2.159, que chegou à Casa no ano passado, e do PL da Grilagem, que estão no Senado. Então, é muito concreto: barrar esses dois PLs.
Já falei aqui das obrigações internacionais do país, mas relembro, por exemplo, a denúncia feita pela Associação Hutukara no Conselho Nacional de Direitos Humanos. Nessa denúncia feita na Comissão Interamericana no âmbito da pandemia, há recomendações muito específicas para o Estado brasileiro. Lembro que o Senado, esta Comissão pode exigir a implementação dessas recomendações da comissão. Podemos, caso queiram, relembrar com documentos quais são essas recomendações.
É preciso urgência na desintrusão de garimpeiros e outros que estejam atuando de forma ilegal em territórios indígenas. Ouvimos aqui o Dr. Alisson, o próprio Junior e outros falando dos impactos que essas intrusões têm sobre os territórios indígenas. Isso aqui já está sendo discutido também na ADPF 709, no STF, mas há algo que pode ser feito imediatamente. Esta Comissão pode, sim, contribuir para exigir que o Executivo aja com urgência.
Eu falei também bastante do desmantelamento dos órgãos públicos. É preciso reestruturar os órgãos públicos. Estamos falando aqui de Funai, estamos falando aqui do próprio Ibama, do Conama, que são órgãos que acabam direta ou indiretamente tratando dos direitos dos povos indígenas.
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Então, seja assegurar orçamento adequado para todos os ministérios... Esta Comissão pode exigir que esses orçamentos sejam adequadamente usados ou investigar por que eles não têm sido implementados, por que houve esses cortes, fortalecer a estrutura e a capacidade política dos principais ministérios que tratam dos povos indígenas, da proteção dos povos indígenas. Então, o Ministério do Meio Ambiente teria um papel fundamental também, além do da Cidadania. E por que isso não tem acontecido, ao contrário, esses órgãos têm sido desmantelados? É preciso garantir a responsabilização de maus agentes por meio do Poder Executivo, ou seja, é preciso haver investigação e aplicação de sanções àqueles que estão violando os direitos dos povos indígenas e as leis ambientais. Não tem havido a investigação devida sobre os assassinatos e as ameaças aos povos. A gente percebe que é um momento muito importante para a gente fortalecer o marco legal e regulatório da legislação ambiental, da legislação indígena, direitos humanos e, inclusive, trabalhistas - não é? -, porque, muitas vezes, têm conexão também. Há trabalho escravo nas terras indígenas ou nas cadeias produtivas. A gente precisa realmente combater tudo isso.
Lembro os acordos... O Acordo de Escazú, por exemplo, poderia ser uma solução também para a gente combater as ameaças aos povos, que é defensor de direitos humanos. O Brasil ainda não ratificou o Acordo de Escazú.
Enfim, há muitas outras recomendações que eu faria, mas deixo aqui essas principais, lembrando que estamos totalmente à disposição para trazer mais insumos.
Muito obrigada, Sr. Paulo Paim. É um excelente debate. Estamos aqui à disposição. Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado, Dra. Julia Neiva, Coordenadora do Programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas Direitos Humanos, que deixou aqui uma série de contribuições, inclusive resgatando uma preocupação, ao longo da sua fala, a nível internacional: como é negativa perante o planeta a situação do meio ambiente, dos povos indígenas e de todos aqueles que são discriminados: negros, negras, repito aqui, LGBTQI+, mulheres. O número de feminicídio no Brasil é algo alarmante. Então, toda a sua fala será uma grande contribuição na hora dos encaminhamentos que esta Comissão de Direitos Humanos haverá de fazer.
Eu vou passar a palavra agora, por cinco minutos - ele foi um dos primeiros a chegar aqui para assistir e até me trouxe um brinde, me presenteou com um boné, uma boina, na verdade -, ao Sr. Francisco Miguel Lopes Silva.
Sr. Francisco, eu vou lhe conceder, como fiz, nos meus critérios para os outros, o tempo de cinco minutos. Só peço a V. Sa. que seja preciso no tempo, porque nós temos ainda três outros oradores que vão usar um tempo maior para responder às perguntas de todos.
O SR. FRANCISCO MIGUEL LOPES SILVA (Para expor.) - Bom dia ainda, Senador Paim e demais integrantes da mesa.
Apresentando-me a vocês todos; a esse Senador guerreiro do povo, Paim; ao meu amigo aqui do Senado, o Anderson, aposentado do Senado; à Senadora Leila, campeã de vôlei - eu sou atleta master de natação e futebol, bicampeão do mundo e admirador da Senadora Leila -; ao grande Contarato, que agora é nosso amigo petista; aos integrantes da mesa; meu nome é Francisco Miguel. Chico Puri é minha alcunha, indígena e descendente pelo meu bisavô Diocrécio Lopes de Sá, de Manhuaçu, Minas Gerais, e amigo e parente de indígenas de Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, e, no Espírito Santo, tenho amigos e parentes.
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Estive agora, diuturnamente, no ATL, com vários indígenas de 25 estados brasileiros. Ouvimos, eu ouvi, suas reclamações e demandas. E o Governo não dá retorno nem a Funai.
O povo ianomâmi está sendo massacrado; suas mulheres e crianças estão sendo levadas ao suicídio. Na Amazônia, também temos os mesmos problemas. No Sul do Brasil, no Paraná e no Rio Grande do Sul, os povos kaingangs, guaranis e xoklengs estão sendo afrontados, indígenas estão sendo comprados pelo agronegócio e apoiadores do atual Governo estão investindo na guerra interna entre os indígenas, como, desde a colonização, portugueses e holandeses em Pernambuco compravam indígenas e fomentavam guerras entre eles. Ontem os pataxós foram afrontados em Porto Seguro pelos policiais na pseudomotociata de Bolsonaro, que não ocorreu. Um absurdo! A Funai, ausente; a Polícia Federal, ausente.
As demarcações foram interrompidas e estão dividindo indígenas no país todo. A Funai e a Polícia Federal inexistem nesse caso, só fazem buscas pontuais, somente quando há denúncias dos parentes indígenas, e necessárias. Precisamos de um presidente da Funai indígena, conhecedor de suas mazelas, problemas e dores, e, insisto, como disse o Presidente Lula no ATL, da criação do ministério indígena.
Minha pergunta faço direto ao Presidente do Brasil, meu país, e da Funai: por que o ódio aos indígenas brasileiros? Por que o amor ao desmatamento e a garimpeiros criadores de gado em alta escala? Todos nós somos indígenas: ou de pele e alma, ou de amor, ou pelo sangue deles em nossas mãos, daqueles que nós brancos matamos e assassinamos diariamente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse foi o Sr. Francisco Miguel Lopes Silva, que não estava inscrito, mas, como foi o primeiro a chegar, quis fazer uma ponderação rápida, e assim o fez, usou exatamente três minutos.
Então, agora, neste momento, voltamos à lista oficial, passando a palavra para o Procurador da República no Estado de Roraima, Dr. Alisson Marugal. Por favor, dez minutos, para perguntas e considerações finais.
O SR. ALISSON MARUGAL (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado, Senador.
Bom, acho que, em linhas gerais, as perguntas foram bem respondidas pela Julia e pelo Luis, o qual, sempre de maneira brilhante, é um parceiro aqui do MPF em Roraima, infelizmente não está mais conosco, está em Brasília, mas ainda é bastante combativo. Responderam, de maneira clara, sobre os problemas estruturais da política de proteção territorial no que diz respeito às terras indígenas.
Eu gostaria de me concentrar aqui em algumas respostas sobre as quais talvez V. Exa. tenha mais elementos por trabalhar diretamente com essas questões. Um dos questionamentos foi justamente em relação à atividade agrícola. Nós temos um... Eu disse que uma das propostas é justamente a geração de renda para as comunidades indígenas, e uma das formas de geração de renda é justamente a agricultura. Os ianomâmis, por exemplo, têm um tipo de agricultura que é de subsistência, o excedente não é comercializado. Nós iniciamos agora um trabalho junto com a política educacional de fomentar a agricultura familiar indígena dos ianomâmis em alguns projetos piloto, justamente para proporcionar que eles tenham uma agricultura que gere algum excedente para que possam vender para os programas públicos de aquisição de produção rural, como é o Pnae, o PAA, que geram renda para as comunidades indígenas. Existem projetos muito bem-sucedidos, inclusive em Roraima, nessa linha.
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Então, acho bastante interessante um trabalho que o Ministério Público Federal tem feito na chamada Catrapovos, que é uma comissão de alimentos tradicionais, que é coordenada pelo Ministério Público Federal em diversos estados. Em Roraima, temos uma comissão que tem fomentado a agricultura familiar indígena na linha da política de geração de renda, demonstrando que não se precisa ter um discurso da atividade agrícola, da forma como é feita, com base na monocultura, enfim, o modelo do agronegócio, é possível apostar em um modelo de geração de renda adequado à cultura indígena e respeitando o usufruto dos povos indígenas.
Respondo também às questões relativas - acho que a Comissão trouxe - à investigação policial. Tratar de investigação do garimpo é sempre uma arte. É muito peculiar combater garimpo e investigar garimpo, mas uma aposta que tem sido feita, eu disse lá na minha apresentação... As penas do garimpo são muito baixas, tanto para o crime de usurpação quanto para o crime de garimpagem ilegal, que é um crime ambiental. Para esses dois crimes, em regra, de garimpo, somadas as penas, não passam de quatro anos. Então, inevitavelmente, no final do processo, se tem uma pena de prestação de serviço. É um custo de investigação muito grande para uma pena bastante reduzida.
O que nós temos feito agora é apostar na investigação de organizações criminosas e também de lavagem de dinheiro, feita para introduzir, de maneira lícita, os lucros obtidos no garimpo. Isso tem resultado em processos mais substanciais do ponto de vista do seu sucesso lá no final, com penas maiores. E as organizações criminosas também são exatamente as que fornecem o apoio logístico ou capitalizam os garimpeiros que trabalham em terra indígena. Então, é uma linha de investigação bastante importante, porque nós percebemos, nos últimos dois anos, que a melhor maneira, a mais eficiente para se combater o garimpo ilegal é com base na investigação - mas lembro que investigação não vai acabar com o garimpo; é importante, mas não acaba com o garimpo; o que acaba com o garimpo é proteção territorial, ocupação do território indígena e operação policial no território e fora dele para combater os apoiadores logísticos.
Um ponto interessante para o qual o Senador chamou a atenção é a questão da saúde. Nós estivemos aqui numa audiência pública, no final do ano passado, discutindo exatamente saúde ianomâmi, por ocasião daquelas denúncias sobre subnutrição infantil, que é um problema extremamente grave. E aqui de volta... Lógico, o problema da saúde é plurifatorial, existem várias causas que determinam a precarização da saúde ianomâmi, mas a principal é justamente o garimpo ilegal, a invasão ambiental do território indígena, que traz inúmeras mazelas, que passam necessariamente pela perda dos meios de autossubsistência e comprometimento do hábitat vivido pelos povos indígenas. Isso traz a subnutrição infantil, isso traz também a malária e inúmeras consequências para os povos indígenas.
Então, quando a gente fala em saúde, a gente tem que, sim, pensar no fortalecimento da saúde indígena, isso é importante. O Ministério Público, aliás, tem uma recomendação, exigindo a reestruturação de toda a assistência básica de saúde, passando pelo incremento da força de trabalho, por uma logística mais eficiente, que é totalmente aérea no caso do Dsei Yanomami, e planos de ação mais específicos para atuação na parte preventiva, como o Luis mencionou, a importância da estratégia da abordagem da infância para inibir a subnutrição infantil. Mas a lição básica de saúde indígena passa pela proteção territorial - nesse sentido, temos falhado sistematicamente no caso dos ianomâmis - e é por isso que os indicadores de saúde estão cada vez mais deficientes, cada vez piores, a despeito do imenso investimento que é feito na saúde ianomâmi, que beira aí, em dois anos, mais de 200 milhões, como a Sesai tem apontado, mas sem que lá na ponta se sinta um efeito bastante significativo. Então, é preciso pensar em proteção territorial para falar de saúde também, e, nesse sentido, temos falhado com os ianomâmis.
Para finalizar a minha fala, agradeço mais uma vez o convite.
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Espero que esta seja a última audiência pública que tenhamos que convocar para discutir um tema tão trágico como é o da situação dos ianomâmis. Espero que, a partir dela, nós possamos evoluir em ações concretas de proteção. Que essa seja uma forma de trazer ao debate público a necessidade de que os órgãos nacionais criem um plano que dê conta deste imenso desafio que é garantir a integridade física dos ianomâmis, porque muitas dessas comunidades estão à beira da extinção e de um caos sanitário.
Obrigado, Senador.
Mais uma vez, parabéns! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado, Procurador da República do Estado de Roraima, Dr. Alisson Marugal, pela sua exposição, pelas contribuições, pela série de propostas exigindo fiscalização, estrutura, aparato para a gente combater essa invasão da terra do povo indígena. Oxalá, no Brasil todo, a gente consiga fazer esse combate! - mas aqui no caso nós estamos falando mais de Roraima.
Ao mesmo tempo, as suas sugestões serão aqui analisadas pela Comissão, e tudo aquilo que for possível... Claro, as pessoas perguntam: "Ah, mas qual é o papel da Comissão?". O papel da Comissão é dar os encaminhamentos, mas é preciso que políticas de Estado cheguem lá para realmente combater tudo isso que está se fazendo. O que foi dito aqui é um verdadeiro crime contra o povo indígena.
Eu passo a palavra, agora, ao Sr. Ernani Sousa Gomes, Secretário Especial de Saúde Indígena, substituto, do Ministério da Saúde.
Faça as suas considerações finais, Dr. Ernani, se possível.
O SR. ERNANI SOUSA GOMES (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado a todos. Quero agradecer aí, pelo convite, ao Senador Presidente Paulo Paim e aos demais membros e convidados.
Vou passar aqui, para as considerações finais, para a Dra. Josiê.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A palavra é sua, Doutora.
A SRA. JOSIÊ DE ASSIS BRASIL GONZALEZ (Para expor. Por videoconferência.) - A Sesai, em nível central, está atenda a todos esses impactos e problemas enfrentados pelo Distrito Especial Yanomami, e ela instituiu um grupo de trabalho e elaborou um plano emergencial para apoiar o Distrito Yanomami - eu presto esses esclarecimentos diante da fala do Dr. Alisson. Nesse plano emergencial, nós temos como principais frentes o tratamento ou o combate à desnutrição, à mortalidade infantil, à malária, à tungíase e ao uso abusivo de álcool. Então, a Sesai reafirma o seu compromisso com a transparência e com o contínuo fortalecimento das ações de saúde destinadas aos povos indígenas, especialmente aos povos indígenas ianomâmis atendidos pelo Distrito Yanomami.
Por fim, Excelência, eu gostaria só de registrar aqui que, sempre que a gente fala de saúde e de indígena, é importante que a Casa Legislativa convide para o debate o Fórum de Presidentes de CONDISIs, porque ele é um colegiado composto pelos 34 Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena. É o fórum - que é o controle social da saúde indígena - que fiscaliza, acompanha e zela pela execução da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas. Então, a gente aqui da Sesai gostaria de fazer esse registro, vez que o fórum representa os mais de 775 mil indígenas aldeados. São eleitos pelas suas bases.
Eram só esses os esclarecimentos que a gente queria registrar aqui perante a Comissão.
Muito obrigada.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - V. Sa. fez uma pergunta para o Procurador Dr. Alisson ou só uma constatação?
A SRA. JOSIÊ DE ASSIS BRASIL GONZALEZ (Por videoconferência.) - Não, é só uma constatação. A gente só esclareceu, diante das considerações do Dr. Alisson...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso.
A SRA. JOSIÊ DE ASSIS BRASIL GONZALEZ (Por videoconferência.) - ... e também, como ele mencionou a recomendação expedida, a gente só informou a Comissão de que a gente instituiu esse grupo de trabalho específico para apoio ao Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e de que as principais frentes de trabalho desse grupo, desse plano emergencial são a desnutrição, a mortalidade, a malária, a tungíase e o uso abusivo de álcool.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k, doutora.
Respondendo, nós demos a palavra ao Sr. Neto Pitaguary, representante do Fórum de Presidentes de CONDISIs, por indicação do Sr. Ernani Sousa, mas fica aqui a sua recomendação de que nesses debates o Condisi seja sempre convidado. E nós, claro, acatamos a sugestão como acatamos a indicação do Dr. Ernani.
Vamos passar a palavra agora àquele que nos procurou para iniciar o debate desse tema.
Passo a palavra para as suas considerações finais, por dez minutos, se quiser responder alguma pergunta, ao Sr. Júnior Hekurari Yanomami, representante do povo ianomâmi. A tela é sua neste momento.
O SR. JÚNIOR HEKURARI YANOMAMI (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado, Senador Presidente da Comissão, Paulo Paim.
É muito importante esse tema. É tão triste a situação do povo ianomâmi!
Queria relembrar que, ano passado, ano retrasado, nós ianomâmis denunciamos a várias instâncias, não é? Com essas denúncias, foi o irmão do Ministério Público Federal, o Procurador Alisson Marugal, que recomendou para o Governo Federal, para o Ministro da Justiça, para o Ministro da Saúde e para a Sesai, não é? O TRF-1 recomendou para planejar o Governo Federal; não foi atendido. O Ministério Público Federal mandou várias recomendações para o Governo Federal; e não foi atendido. Também o STF, através da ADPF 709, recomendou; não foi atendido.
Quero lembrar que a Terra Indígena Yanomami é muito grande, é de acesso difícil, somente se chega de aviões. Mesmo assim, grandes garimpos estão chegando através de helicóptero, através dos aviões, não é? Então, a Terra Indígena Yanomami fugiu do controle. Por isso, nós ianomâmis fizemos um grande relatório falando sobre situações reais, sofrimento principalmente das mulheres e também da saúde, não é? O secretário, ex-secretário, que era o coronel, foi muito omisso, foi muito irresponsável pela saúde indígena.
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Nos vários relatórios, relatórios em que ele mostra a realidade do povo ianomâmi, é totalmente o contrário. Ele fala que a saúde indígena está belíssima, mas não, não está belíssima; a desnutrição está muito alta por causa dos garimpeiros; a malária afeta mais de 99% do povo ianomâmi. Então, nós, ianomâmis, queremos proteção, queremos atendimento, queremos que o Governo Federal dê proteção para nós.
No ano passado e no ano retrasado a Polícia Federal fez um trabalho belíssimo, queimou vários materiais dos garimpeiros. O Ibama também fez uma operação. E também o Ibama corre risco, como todos nós. O próprio dono dos garimpos queimou um helicóptero que fazia fiscalização nas terras indígenas, principalmente na Terra Indígena Yanomami.
O Senador Mecias falou que esses materiais poderiam ser levados para os municípios. Impossível, esses materiais vão ser devolvidos para os garimpeiros. Então, por isso, é melhor queimar, é melhor destruir na própria Terra Indígena Yanomami. Precisamos dessa força do Exército, da força da Polícia Federal e do Ibama. A Polícia Federal e o Ibama não têm helicóptero para fazer esse tipo de operação na Terra Indígena Yanomami, então precisamos do apoio do Exército.
O Exército tem três pelotões na Terra Indígena Yanomami, mas os aviões dos garimpeiros passam por cima desses quarteis. Então o Exército está olhando, enxergando... Então, em todas essas situações, o Exército já tem isso. Ao lado do quartel, a menos de 10 quilômetros do quartel, os garimpeiros estão trabalhando, estão destruindo a floresta. Por isso, desta audiência, queremos que venha resultado, queremos que venha como resultado acontecer essa ação na Terra Indígena Yanomami. Queremos isso.
A Terra Indígena Yanomami fugiu do controle, e isso está trazendo problemas sociais para a Terra Indígena Yanomami. A saúde entrou em colapso, muitas comunidades estão sem atendimento. Tem um plano de ação emergencial dentro do distrito ianomâmi junto com a Sesai, mas esse plano não está funcionando, não está funcionando. Por isso queremos que o Governo Federal coloque realmente um plano que funcione para proteger o povo ianomâmi. Nem falo da Funai, a Funai está distante, a Funai está protegendo o Governo Federal, não está protegendo o índio, não está protegendo o povo ianomâmi.
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Por isso, essa audiência é muito importante. Eu quero agradecer por esses relatórios que vocês receberam do Senador Paulo Paim - a Senadora Leila Barros recebeu, também a Deputada Tereza, Procuradora da Mulher. Precisamos de apoio. Então, eu só quero clamar isso. Meu povo ianomâmi está sofrendo muito, muitas crianças estão morrendo. Nós ianomâmis estamos chorando muito, a floresta está clamando, a floresta está derramando sangue e os garimpeiros estão acabando com as nossas terras, porque a Terra Indígena Yanomami é demarcada, a nossa terra. Então, nós nessa terra sobrevivemos, respiramos. Por isso, a floresta é muito importante à vida do povo ianomâmi, água é importante. A água está suja, estamos tomando água suja, mas não temos outras águas. E o Governo colocou essas águas, por isso minhas crianças ianomâmis estão doentes, estão tristes, as mulheres estão tristes, não sei como vão cuidar. A nossa esperança está acabando. Precisamos que essa esperança volte para cuidarmos das nossas florestas, para pescarmos em paz, porque não temos mais peixe, não temos mais camarão, morreram. A floresta morreu e os animais se afastaram. Longe.
Então, o povo ianomâmi clama, o povo ianomâmi está pedindo socorro. Ajudem-nos! Esses documentos são reais, são verdadeiros. Então, é isso que eu quero falar para os senhores.
Muito obrigado pelo convite, Senador Paulo Paim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu agradeço. Bela fala, viu, Júnior? Júnior Hekurari Yanomami, representante do povo ianomâmi, que faz aqui uma exposição e, ao mesmo tempo, diz que sangue está jorrando na terra dos ianomâmis, ao mesmo tempo em que - expressão dele, inclusive - o povo e a floresta choram pelo desespero em que se encontram há muito tempo. E é preciso uma reação, como eu dizia antes, com uma política forte, uma política de Estado.
Parabéns, viu, Júnior? É bom ver uma liderança como você, uma liderança jovem, com essa firmeza, com essa coragem, vindo à capital federal, voltando, participando hoje.
Antes de eu passar - ele vai falar em nome de todos os convidados, porque ele está aqui presente - ao Dr. Luis Ventura Fernández, eu quero dizer a todos que estão assistindo que a Comissão dá visibilidade para a questão. Esse é o papel de uma audiência pública. E tudo que vocês aqui apresentaram - e nós pedimos aos convidados que remetam à Comissão as propostas - será encaminhado, via Presidente Humberto Costa e o Vice Contarato, às autoridades constituídas.
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A Comissão não tem poder de decidir, mas tem força para ajudar - porque sozinho ninguém faz nada - a pressionar, a questionar. Se tiver que ser assim, a Comissão entendendo envia um requerimento para que vá uma comissão a Roraima, vai uma comissão. Se vai à assembleia fazer um evento convidando todas as autoridades envolvidas e se vai também à região, isso é uma decisão que vai ser tomada de forma coletiva.
Depois do Luis Fernández, eu só vou dar o encaminhamento que eu entendo que deva ser feito nesse momento aqui.
Luis Ventura Fernández, Secretário Adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), fará as considerações finais em nome de todos aqueles que usaram a palavra e todos os povos que não estão aqui, porque é impossível, mas que estão assistindo a esse debate.
Enfim, o tempo é seu para falar para o povo brasileiro.
O SR. LUIS VENTURA FERNÁNDEZ (Para expor.) - Obrigado, Senador Paulo Paim.
Primeiramente, saudando os colegas que participaram desta audiência, começando pelo Júnior Hekurari, Presidente do Condisi-Y (Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami); Dra. Julia, da entidade Conectas; Dr. Alisson, do Ministério Público Federal de Roraima; e autoridades da Secretaria Especial de Saúde Indígena que estiveram conosco; representante do Fórum de Presidentes de Condisi.
Creio que reúno um pouco o que a maior parte de nós colocamos aqui, Senador Paulo Paim.
Em primeiro lugar, quero agradecer o convite, agradecer esta oportunidade, agradecer este momento, como o senhor falava agora, de visibilidade. Eu acho que é absolutamente fundamental que o país paute estas questões, porque estamos num momento extremamente delicado. É absolutamente fundamental que esta Casa, assim como a Câmara dos Deputados, ou seja, o Congresso Nacional abra para discussão, escute os povos indígenas, escute as entidades que vêm acompanhando e os órgãos de fiscalização que vêm acompanhando os debates que têm a ver com a garantia e a promoção dos direitos dos povos indígenas. Portanto, quero agradecer o convite - e reconhecer a importância desta audiência - ao Senador Paulo e também à Senadora Leila, porque eles foram os autores do requerimento. Reconheço essa importância, porque eu acho que é fundamental.
Aqui a gente ouviu apelos concretos, denúncias explícitas e precisas, mas também ouvimos caminhos possíveis. E é para isto que estamos aqui: para poder pautar esses caminhos possíveis, insistindo que precisamos de medidas urgentes, medidas enérgicas, medidas que são para hoje, medidas que, como já foi salientado aqui, têm que ir no caminho de medidas de proteção territorial, de enfrentamento aos ilícitos, medidas de retomada da demarcação das terras indígenas, medidas que superem definitivamente a tese do marco temporário e reafirmem o caráter originário dos direitos dos povos indígenas nos seus territórios, porque esse foi o espírito dos Constituintes.
E também mais um apelo para esta Casa: que o Congresso Nacional supere e retire de pauta projetos de lei que são extremamente violentos para os povos indígenas, particularmente o PL 191, PL 490 e outros projetos de lei também trazidos aqui pelos companheiros e companheiras.
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E Júnior Hekurari concluiu dizendo: "Precisamos que a esperança volte". Precisamos de a esperança voltar. Nós precisamos trabalhar todos, cada um desde a sua missão e a sua responsabilidade, seja o Poder Executivo, seja o Poder Legislativo, seja o Poder Judiciário, seja a sociedade civil, principalmente com o protagonismo dos povos indígenas, para superar esta página de violência institucionalizada contra os povos indígenas.
Finalmente, se o encaminhamento prevê diligências, viagens para Roraima, possibilidade de outras audiências, nós estaremos sempre à disposição. Creio que falo também em nome de todos os que aqui estiveram. E, sobretudo, que redobremos esforços para que principalmente o Estado assuma suas obrigações, que o Poder Executivo assuma suas obrigações, para que os direitos dos povos indígenas sejam respeitados, sejam protegidos e para que possamos abrir uma nova página na história deste país.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem. Bela fala de encerramento. Peço para a moçada que está aqui para que, sem encabular, vamos dar uma salva de palmas a todos os convidados na figura do Luis Ventura Fernández, Secretário Adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)... (Palmas.)
... que fez um encerramento à altura, eu diria, do debate de um tema tão grandioso como este que é a situação dos povos indígenas.
Eu vou tomar uma decisão de minha parte, pois, queiramos ou não, estamos a cinco meses do processo eleitoral em que vamos eleger um Presidente da República que esperamos que tenha efetivamente compromisso... Vamos falar aqui do compromisso com os povos indígenas, mas eu queria falar do compromisso com os quilombolas, os negros, os índios, os idosos, as crianças, as mulheres, os trabalhadores do campo e da cidade. E, assim, nós esperamos! Não vou fazer aqui um debate político-eleitoral, porque não é o caso. Esta Comissão aqui e o Presidente têm que manter essa linha do equilíbrio, mas eu vou solicitar à Comissão que este dossiê que chegou aqui, que é da maior gravidade, e o resultado desta audiência pública - pedimos a todos os convidados que encaminhassem as propostas - sejam remetidos a todos os candidatos a Presidente da República. A todos! Eu sou daqueles que acham que precisamos de um governo que governe para todos, sem discriminar ninguém! E, com esse objetivo... Senão, pessoal, cinco meses passam rápido, e eu não acredito que, em cinco meses, nós vamos resolver a situação dos povos indígenas. Eu quero que aquele que for eleito, nos debates, mostre o seu compromisso com os povos indígenas e com todos aqueles que são discriminados, que sofrem pelo preconceito. Então, essa seria a primeira decisão que nós tomamos aqui, que, é claro, vai passar por requerimentos aqui, na Comissão. Eu tenho certeza absoluta de que a Comissão não vai negar que se tome esse procedimento.
Júnior, tudo que você nos remeteu naquele seu dossiê nós daremos esse encaminhamento.
Ainda fica aqui o compromisso deste Presidente em exercício... É bom lembrar que o Presidente da Comissão é o grande Senador Humberto Costa, o Vice é o Contarato, a Leila assinou o requerimento comigo, e deram todo o apoio para este evento - que é um evento, não é um ato, é um evento - fosse realizado.
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Então, fica aqui o fechamento final em matéria de encaminhamento. Nós vamos conversar, então, com o Presidente e o Vice desta Comissão, que já citei, Humberto Costa e Contarato, bem como, no caso aqui, com os Senadores de Roraima: Chico Rodrigues, Mecias de Jesus e Telmário Mota - tenho uma relação muito respeitosa com os três, também o Humberto tem, a Leila tem e o Contarato também -, no sentido de que a gente acerte a possibilidade de uma diligência no Estado de Roraima para tratar desse assunto específico que aqui o Júnior trouxe. É um problema nacional - sabemos disso, não é?
A diligência pode ser uma atividade na Assembleia, convidando todos os Poderes constituídos e as lideranças do povo indígena, como pode ser também uma missão pontual, numa região do conflito, mas isso vai ser uma decisão coletiva tomada.
Eu entendo que todo dossiê e tudo que foi dito aqui... O momento tem que ter um plano de ação, de estrutura, para inibir os atos criminosos que estão acontecendo lá. Enfim, faremos tudo que for possível.
Assim, eu dou por encerrada esta nossa audiência pública, agradecendo, com muito, muito carinho, todos os nossos convidados. Todos aqui foram - percebi na fala - muito objetivos, dando a sua contribuição para a gente brasileira, porque é gente brasileira: quando a gente fala de povos indígenas, estamos falando de todo o povo brasileiro.
Então, obrigado Sr. Luis Ventura Fernández, aqui ao meu lado; muito obrigado, Sra. Julia Neiva; muito obrigado, Sr. Alisson Marugal; muito obrigado, Sr. Ernani Sousa Gomes; e muito obrigado a você que provocou este debate, o líder jovem, como eu digo, Júnior Hekurari Yanomami, representante do povo ianomâmi.
Está encerrada a nossa audiência pública.
É preciso esperançar: ter esperança e lutar para fazer acontecer. (Palmas.)
Encerramos aqui.
(Iniciada às 10 horas e 02 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 35 minutos.)