26/04/2022 - 13ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Fala da Presidência.) - Bom dia a todos e a todas que nos acompanham.
Declaro aberta a 13ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
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Proponho a dispensa da leitura e a aprovação da ata da reunião anterior da Comissão de Direitos Humanos.
Aqueles que aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
A audiência pública será realizada para apresentar o dossiê contra o pacote do veneno e em defesa da vida. A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211.
Nós temos, no dia de hoje, uma relação de convidados, alguns estão aqui presencialmente: Karen Friedrich, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco); o Dr. Rafael Rioja Arantes, representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor; a Dra. Aline Gurgel, representante da Fundação Oswaldo Cruz. Remotamente, nós temos aqui a participação da Sra. Naiara Bitencourt, advogada na organização Terra de Direitos e integrante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA); Shirley de Alves dos Santos, representante da Associação Brasileira de Agroecologia; e o Dr. Fernando Pigatto, representante do Conselho Nacional de Saúde.
Eu queria rapidamente dizer umas palavras e, logo depois, nós vamos exibir um filme, um vídeo de dois minutos, antes que nós possamos dar início às manifestações.
Bem, o Brasil é hoje um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo, inclusive de produtos que são proibidos em outros países. A legislação brasileira que regula o uso de agrotóxicos ainda é muito permissiva e isso nos torna um mercado perfeito para o veneno. Desde o golpe contra a Presidenta Dilma, mais de mil novos agrotóxicos foram liberados no Brasil. Os Governos Temer e Bolsonaro permitem, em média, três novos venenos a cada dois dias. Para termos uma ideia, o Ministério da Agricultura aprovou o uso de mais de cem agrotóxicos nos dois primeiros meses do Governo Bolsonaro. O avanço do uso de agrotóxicos no Brasil está na contramão do que ocorre no restante do mundo. Aqui, a quantidade permitida de veneno na água é 5 mil vezes maior do que é praticado na Europa, por exemplo.
O dossiê contra o pacote do veneno e em defesa da vida foi organizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), pela Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida e visa visibilizar e subsidiar o debate que deve envolver toda a sociedade brasileira sobre o impacto do agrotóxico na saúde da população.
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A apresentação do dossiê objetiva não apenas documentar todo o processo, como também e principalmente subsidiar, técnica e cientificamente, as lutas no cenário legislativo, nas esferas federal, estadual e municipal, travadas por Parlamentares e sobretudo pelos movimentos populares e organizações da sociedade civil em defesa da saúde humana e ambiental e da própria democracia.
Nesse sentido, a apresentação do Dossiê Contra o Pacote do Veneno e em Defesa da Vida contribuirá com um modelo de sociedade mais justa e sustentável, fomentando o debate com base em uma ciência que busque a promoção da vida e que não esteja refém dos interesses do mercado internacional e de seus agentes locais.
É muito importante nós estarmos hoje sediando a apresentação desse dossiê. Como dissemos nesta nossa fala, o Brasil é um país hoje que tem sido um espaço de ampla liberalização para a utilização de agrotóxicos, como foi dito, inclusive de agrotóxicos que estão proibidos em outros países. Isso vai completamente contra os compromissos que o Brasil assumiu internacionalmente, com a Organização Mundial da Saúde e com outras instituições, no sentido de que nós possamos estabelecer a defesa do meio ambiente e a defesa da saúde das pessoas. Muitos desses agrotóxicos que estão em grande quantidade nos alimentos que são consumidos pela população brasileira e que vão para a exportação são causadores de doenças gravíssimas, muito em particular de vários tipos de câncer.
Na verdade, as mudanças legislativas, que preveem, inclusive, o enfraquecimento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária como órgão regulador da liberação ou da proibição desses agrotóxicos, são profundamente danosas e nocivas à população brasileira e tão somente procuram favorecer grandes interesses dos produtores de agrotóxicos, da indústria produtora de agrotóxicos em termos internacionais, bem como de alguns setores da agricultura que, diferentemente de boa parte dos produtores de alimentos no Brasil, querem o lucro a todo custo. A utilização cada vez maior de agrotóxicos lhes permite ampliar a sua taxa de lucros, ainda que isso possa, mais na frente, gerar danos à sua própria atividade econômica. São inúmeros os países que se organizam ou que já fazem restrição à venda e ao consumo de produtos originários de países que fazem a utilização abusiva dos agrotóxicos. Então esse tipo de ação pode terminar se voltando contra o próprio agronegócio, contra a produção de alimentos no Brasil, que tem tudo para ser, em grande parte, orgânica e para atender aos interesses da nossa população.
Eu queria, então, iniciar, dando a palavra à Karen Friedrich, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, a nossa querida Abrasco. Peço que ela venha até a mesa, por qualquer lado. Ela pode escolher onde quer ficar.
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Talvez seja melhor um de cada vez, porque nós estamos sem lugares suficientes. Depois nós poderíamos fazer aqui uma alternância, não é? Fala uma pessoa no presencial e uma pessoa no remoto.
Então, depois da Dra. Karen, nós vamos ouvir a Dra. Naiara Bitencourt.
O procedimento é de que V. Sa. tenha dez minutos para fazer a sua exposição e, logo depois, nós retornaremos aos demais integrantes desta audiência pública. (Pausa.)
Pois não.
A SRA. KAREN FRIEDRICH (Para expor.) - Eu gostaria de, simbolicamente, entregar aqui o nosso dossiê. (Pausa.)
Bom dia a todos e a todas.
Vou só pedir licença para tirar a máscara, porque acho que aqui a gente está seguro, para evitar abafamento.
Bom, eu gostaria de, primeiro, agradecer o acolhimento aqui nesta Comissão de Direitos Humanos para a gente falar desse tema, para trazer o livro Dossiê Abrasco. Nesta semana, inclusive, a gente comemora dez anos de que a gente lançou a primeira parte do Dossiê Abrasco, no Congresso Mundial de Nutrição, em que trouxemos a problemática da contaminação de alimentos com agrotóxicos. Então, é muito importante este espaço aqui que nos foi dado.
O Dossiê Abrasco foi organizado por diversos autores e autoras. São pesquisadores, pesquisadoras de diferentes linhas de pesquisa, da área da saúde, da agronomia, do meio ambiente. Essas pessoas se debruçaram, com um olhar técnico-científico muito crítico, sobre os impactos de uma eventual aprovação do PL 6.299, de 2002. Além disso, o livro comporta o posicionamento de diversas instituições de pesquisa, instituições acadêmicas do Brasil, como a Fiocruz e o Instituto Nacional de Câncer. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária e o Ibama também são duas organizações que estão envolvidas no registro de agrotóxicos e que se posicionaram muito fortemente contra a aprovação do PL do veneno. A gente tem também organizações e entidades que fiscalizam a execução das leis, como o Ministério Público, sociedades médicas e científicas. Então, o dossiê também reúne essas notas oficiais, esses posicionamentos oficiais dessas instituições contra a aprovação do PL 6.299, de 2002. A gente viu apenas uma instituição favorável, ainda assim com ressalvas, uma instituição importante para o agronegócio brasileiro, que é a Embrapa, embora a gente saiba que tenha várias cooperações com as grandes transnacionais fabricantes de agrotóxicos do planeta.
Aqui eu queria só dar um panorama breve. Apesar de o Senador já ter colocado isso, é um panorama de como estamos hoje no Brasil nessa situação de agrotóxicos.
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Entre 2019 e 2022 foram liberados mais de 1,6 mil produtos agrotóxicos novos no Brasil. Esses produtos - isso já tem sido bastante debatido na imprensa - são produtos antigos, produtos obsoletos, produtos muito tóxicos. A maioria deles são produtos que outros países já baniram, e nós abrimos, nesses últimos três anos, o mercado brasileiro para vender em grande quantidade essas moléculas.
Então, o que é importante e que eu gostaria de destacar neste ponto é que os órgãos que estão envolvidos no registro de agrotóxico, como a Anvisa, o Ibama e o Mapa, eles têm celeridade quando necessário, quando demandado por uma política de governo que é uma política que favorece e estimula a utilização de agrotóxicos. Inclusive, a gente tem uma lei de 2013, assinada pela Presidente Dilma, a Lei 12.873, que a gente chama de Lei de Emergência Fitossanitária. Então, isso é muito importante. Por quê? Essa lei permite que sejam usados produtos no Brasil sem registro aqui quando existe uma demanda, uma epidemia, vamos colocar assim, de praga denominada pelo Ministério da Agricultura, ou seja, até para as situações mais emergentes para o campo a gente já tem um arcabouço legal que dá suporte para essas ações emergenciais. Então, também é outra questão que torna inútil, nesse sentido, para isso a aprovação do PL do veneno.
Bom, 81% dos agrotóxicos permitidos no Brasil são proibidos em países da OCDE. Então isso também é uma questão muito importante até para as relações, nossas relações comerciais de exportação de produtos. Então, o Brasil ficaria já restrito nessa comercialização em locais, em países que têm mais preocupação com a saúde humana e o meio ambiente, como a Europa.
A gente também tem, no Brasil, uma pesquisa que nós fizemos, publicada em artigos científicos: 67% do volume que é efetivamente comercializado no Brasil são de produtos que causam câncer e doenças hormonais, tanto para a saúde humana como para a vida selvagem. Então isso também é um problema ambiental muito grave de desequilíbrio, de perda da nossa biodiversidade, que também tem uma importância econômica, além de uma importância para a vida. E 34% dos alimentos que a gente consome têm misturas de agrotóxicos. Então esses são dados divulgados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária no seu último relatório, no programa que ela fazia anualmente de investigar e fazer análise laboratorial dos alimentos. Então isso significa que a gente come misturas de agrotóxicos. E a própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária afirma nesse mesmo relatório que não considera - que desconsidera, não é? - os efeitos aditivos nessas misturas de agrotóxicos que a gente ingere através da água, dos alimentos. Então isso é uma falha metodológica que a gente sabe que não é exclusiva da Anvisa, mas também de outras agências regulatórias internacionais - embora Estados Unidos e Europa estejam caminhando nessa preocupação de como resolver essa questão das misturas. A gente tem ali 34%, mas quando a gente olha ali para alguns alimentos, esse percentual pode variar de 45% a 95% de misturas de 2, 3 e até de 21 agrotóxicos numa única amostra de alimento, numa única porção encontrada pela Anvisa.
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A gente também observa que as quantidades de agrotóxicos permitidas em água e alimentos no Brasil são muito maiores do que em outros países. Eu destaquei aqui apenas quatro agrotóxicos, que são aqueles que outros países da OCDE já proibiram, porém estão entre os mais consumidos no Brasil. Pode haver 20 vezes mais atrazina na água do brasileiro do que na água do europeu; 1,2 mil vezes mais carbendazim na nossa água do que na água na Europa e assim por diante. Então a gente vê que, além de a gente estar consumindo produtos que são proibidos em outros países e que são altamente tóxicos, a gente tem uma situação muito mais permissiva para o uso dessas substâncias.
Bom, então o PL 6.299, de 2002, não modifica esse cenário de forma alguma, não melhora esse cenário para a segurança alimentar, para a segurança dos trabalhadores e para a segurança dos consumidores, isso porque ele não facilitará o registro de produtos menos tóxicos, não facilitará o registro de produtos mais modernos. Como poderiam ser menos tóxicos se um dos dispositivos do projeto de lei é justamente para permitir o registro de produtos cancerígenos que causam problemas hormonais, reprodutivos, que causam malformações em bebês? Esses são problemas que hoje a nossa lei atual proíbe, mas que o PL modifica, então afirmar que o PL 6.299 vai permitir o registro de produtos menos tóxicos é uma falácia enorme!
Além disso, retira especialistas da área de saúde e de meio ambiente desse processo de registro, e esses especialistas estão na Agência Nacional de Vigilância Sanitária e no Ibama, são profissionais de carreira, são servidores públicos que já vêm sendo treinados há muito tempo para esse processo de registro. Retirá-los desse processo de forma alguma explica essa falsa afirmação de que o PL vai melhorar a segurança alimentar dos brasileiros e brasileiras.
Além de tudo, também dificultará o acesso às informações dos agrotóxicos presentes em água e em alimentos. Então, apesar de não ser tão eficaz esse monitoramento, tão frequente como a gente desejaria, principalmente para o direito à informação da população, essas informações vão ficar restritas e sua fiscalização ficará sob responsabilidade dos órgãos de agricultura.
(Soa a campainha.)
A SRA. KAREN FRIEDRICH - E também não moderniza a lei brasileira, até porque a nossa lei brasileira, de 1989, se aproxima muito da lei europeia e, aprovando o PL 6.299, a gente vai na verdade se distanciar.
Então o que a gente tem de previsão, de expectativa e de futuro se o PL 6.299 for aprovado é que o Brasil será um mercado para o escoamento de agrotóxicos que outros países já estão proibindo e que causam câncer, infertilidade, todos esses problemas que a gente já citou.
É claro que a aprovação do PL 6.299 é muito interessante para os setores que fabricam agrotóxico, para quem fabrica agrotóxicos, porque eles não estão vendo mercado para escoar essas produções, mas estão vendo no Brasil um mercado e um cenário propícios caso o PL seja aprovado.
Além de tudo, vislumbram-se possíveis restrições sanitárias para a importação de produtos brasileiros e possíveis parcerias comerciais comprometidas, como a questão do Mercosul, porque são países que têm se preocupado muito com o futuro e com o cuidado das nossas florestas, dos povos tradicionais, com o trabalho digno que é altamente atingido pela utilização de agrotóxicos e pela contaminação ambiental.
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Então, esses são alguns dos pontos que eu queria colocar em destaque e afirmar e reafirmar que a Associação Brasileira de Saúde Coletiva e várias instituições importantes do Brasil que se debruçam técnica e cientificamente sobre o problema são terminantemente contra a aprovação do Projeto de Lei 6.299, de 2002.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Dra. Karen, que representa aqui Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), pelas suas informações, pelo seu posicionamento.
E eu queria registrar aqui as consequências, porque talvez muitos dos Senadores e muita gente da população brasileira não tenham conhecimento de quais serão as repercussões da aprovação desse pacote que está em processo de tramitação aqui no Senado Federal.
Eu, de imediato, vou passar a palavra à Dra. Naiara Bittencourt, que é advogada na organização Terra de Direitos e é integrante da Articulação Nacional de Agroecologia.
Então, com a palavra a Dra. Naiara Bittencourt.
A SRA. NAIARA BITTENCOURT (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos. Bom dia a todas. Bom dia, Senador Humberto Costa. Bom dia, Senadora Zenaide Maia e todas que estão aqui dividindo a mesa.
Eu só vou compartilhar uma breve apresentação e já começo me desculpando por não estar presencialmente com vocês. Eu gostaria de estar, inclusive tinha comprado passagens, já estava tudo certo, mas peguei uma virose e achei por bem não contaminar ou expor outras pessoas a essa virose que seja. Ainda bem que não é covid porque estamos com as três doses da vacina.
Bom, a minha fala aqui se refere mais às possíveis inconstitucionalidades ou colisões legais que esse pacote do veneno, esse projeto de lei, se for aprovado, pode acarretar no nosso sistema jurídico e normativo e colidir, inclusive, com tratados e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. E aí eu utilizo como base para estruturação dessa fala, claro, as notas técnicas e posições já organizadas nesse dossiê contra o pacote do veneno e em defesa da vida, mas em especial a posição de órgãos do sistema de Justiça, órgãos e instituições do sistema de Justiça, como a Defensoria Pública da União, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos.
Algumas dessas inconstitucionalidades apresentadas por esse projeto de lei bastante severo se referem, por exemplo, aos arts. 23 e 24 da nossa Constituição Federal, porque o projeto limita as competências já estipuladas para que estados e municípios legislem sobre agrotóxicos, especialmente nessa área de saúde e meio ambiente. Também colide com o nosso art. 170, V, VI, da Constituição Federal, especialmente no que se refere à defesa dos direitos dos consumidores, à defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas também com a diretriz de que produtos que causem riscos ou produtos que causem impactos ambientais devam ter tratamentos diferenciados pelo poder público. O mesmo se refere aos impactos e as colisões em relação ao art. 196, ao direito à saúde, ao art. 225, que se refere ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e também à vedação de qualquer retrocesso socioambiental e uma proteção débil ou ineficaz ao meio ambiente. E ainda há um artigo bem explícito na nossa Constituição Federal, que é o 240, no seu §4º, que traz expressamente que os agrotóxicos devem ter propagandas que advirtam sobre os seus riscos, sobre os seus malefícios à população brasileira. Isso é uma proteção ao direito do consumidor, é uma proteção aos agricultores e é uma proteção à sociedade brasileira como um todo.
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A primeira questão para a qual eu gostaria de alertar nesse momento é que esse projeto de lei muda o termo de agrotóxico...
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Só um minuto, Dra. Naiara, porque não estamos conseguindo ver aqui a exposição, está congelada no primeiro... Agora passou mais um. Desculpe. (Pausa.)
Estão pedindo para colocar em modo slide.
A SRA. NAIARA BITTENCOURT (Por videoconferência.) - Modo slide, vamos puxar como é o modo slide. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - É um ícone acima desse aí em que a senhora está.
A SRA. NAIARA BITTENCOURT (Por videoconferência.) - Será esse aqui?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - É esse, não é? (Pausa.)
A SRA. NAIARA BITTENCOURT (Por videoconferência.) - Está passando? (Pausa.)
Está passando? Ou não?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Bom, vamos seguir então.
A SRA. NAIARA BITTENCOURT (Por videoconferência.) - Não está, não é? (Pausa.)
Eu vou deixar assim, então, porque talvez melhore um pouco... Pelo menos dá para ver a apresentação.
Bom, a mudança do termo de "agrotóxico" para "pesticida" ou "produto de controle ambiental": é importante dizer que esse termo "agrotóxico" está cunhado na nossa Constituição Federal, e aí nós temos até um vício de processo legislativo, porque, para se mudar um termo que está sedimentado na nossa Constituição Federal, nós teríamos que passar por uma emenda constitucional, com a aprovação de maioria qualificada, enfim, com todos os trâmites adequados. Não é a lei que vai mudar um termo cunhado na nossa própria Constituição Federal.
Sobre o direito à saúde, já cunhado também ali no art. 196 da Constituição Federal e no próprio Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, na lei que rege o Sistema Único de Saúde, esse projeto de lei, como a Dra. Karen já mencionou, restringe-se à vedação dos registros de agrotóxicos que causem riscos inaceitáveis e também confere maior poder ao órgão de agricultura em detrimento do órgão de saúde e de meio ambiente. Isso viola frontalmente o direito à saúde.
O mesmo se dá em relação à possibilidade de registro temporário de agrotóxicos ou de autorização temporária de agrotóxicos, indicando que, por exemplo, um agrotóxico que seja autorizado em três países da OCDE, que é um órgão econômico - reforce-se: não é um órgão de saúde, não é um órgão ambiental, é um órgão de caráter econômico -, teria essa autorização se ele fosse autorizado nesses três países. Ou seja, se tem dois pesos e duas medidas: para autorização, se rege em relação aos países da OCDE, mas para o banimento ou a proibição de produtos autorizados o mesmo critério não é utilizado.
Também há essa questão da delimitação de prazos extremamente rápidos, céleres, para que esses agrotóxicos sejam registrados, inclusive com responsabilização administrativa dos servidores e dos órgãos de saúde, de meio ambiente e de agricultura para a procedência desse registro, e a dispensa do registro de agrotóxico nos agrotóxicos que serão exportados, mas não utilizados aqui no nosso país.
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Quanto às violações desse projeto de lei em relação ao meio ambiente equilibrado e à Política Nacional de Meio Ambiente, nós temos a colisão especialmente com o art. 225 da Constituição Federal e com a Política Nacional de Meio Ambiente, que foi chancelada e autorizada, recepcionada pela nossa Constituição Federal e sedimentada pelo Supremo Tribunal Federal; a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente, especialmente nos Princípios 15 e 10 - um se refere ao princípio da precaução e outro, da informação -; a Declaração de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável; o Protocolo de Quioto; a Convenção sobre Diversidade Biológica; e também o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, que reforça o princípio da precaução e o princípio da prevenção, também já estipulados na Convenção sobre Diversidade Biológica e na Declaração do Rio.
Na prática, como esse projeto de lei fere esse direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado? Primeiro, como eu falei, especialmente a autorização temporária ou o registro temporário de produtos com dois pesos e duas medidas; em segundo lugar, também bastante reforçado pela Associação Brasileira de Agroecologia e pela Articulação Nacional de Agroecologia, é a mortandade de abelhas e de insetos polinizadores. É importante falar que o Brasil é signatário da Convenção sobre Diversidade Biológica, e que essa convenção, no último encontro das partes, aprovou um plano de conservação de polinizadores, ou seja, o Brasil está indo na contramão dos tratados e acordos que ele mesmo assinou e ratificou em âmbito internacional, especialmente porque predomina e preconiza a ordem econômica acima do direito ao meio ambiente e do direito à vida.
Também é importante reforçar que não há no PL qualquer medida de gestão ou mitigação de riscos ambientais, o que também vai na contramão da Política Nacional do Meio Ambiente.
Outra violação é a questão da vedação ao retrocesso socioambiental e obrigação de a gente avançar na política ambiental, entendendo que isso é uma política e uma jurisprudência já consolidadas nas Cortes superiores, especialmente no Supremo Tribunal Federal, com vários precedentes normativos de que não se pode retroceder na proteção ambiental. Nós devemos sempre avançar. Um projeto nesse sentido neste momento agora significa um retrocesso socioambiental absurdo e que também será sentido, inclusive, no âmbito econômico, como afirmou a Dra. Karen.
Também é uma violação ao direito à alimentação adequada, especialmente porque a alimentação é um direito social estabelecido pelo art. 6º da Constituição Federal, mas também é diretriz na nossa Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, na lei que rege os produtos orgânicos no Brasil, especialmente porque o Brasil também tem que se atentar ao Objetivo do Desenvolvimento Sustentável nº 2, que preconiza que haja uma fome zero e agricultura sustentável - e para isso a redução de agrotóxicos. Esse projeto de lei vai avançar, na verdade, na celeridade da liberação de registros em produtos mais perigosos, sem análise de riscos e sem o devido monitoramento da saúde e ambiental.
Também é importante lembrar que o Brasil também é signatário da Convenção Internacional sobre a Proibição do Uso de Armas Químicas e sobre a Destruição de Armas Químicas - a gente tem percebido que os agrotóxicos estão violando, especialmente pela pulverização aérea, vários direitos humanos de comunidades tradicionais a partir da utilização desses produtos, como armas químicas - e também da Convenção sobre Procedimento de Consentimento Prévio Informado para o Comércio Internacional de Substâncias Químicas e Agrotóxicos.
Também o direito ao meio ambiente, ao trabalho sadio, também preconizado no art. 7º, inciso XXI, da Constituição Federal, especialmente porque se devem reduzir os riscos inerentes ao trabalho com normas que garantam a saúde, a higiene e a segurança dos trabalhadores.
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E, como se vai dispensar o registro, por exemplo, de um produto que é fabricado por trabalhadores brasileiros que fere o meio ambiente brasileiro através dos seus resíduos, esses produtos não serão registrados e, por consequência, pouco monitorados aqui no nosso território brasileiro. Isso fere também a Convenção nº 155 e a Convenção nº 170 da Organização Internacional do Trabalho. Isso está nas notas técnicas do Ministério Público do Trabalho, também no dossiê.
O direito à informação, especialmente porque essa alteração do nome "agrotóxico" fere o direito de consumidores e de agricultores, numa forma de flexibilizar, de tornar menos perigoso atrativamente o nome desses produtos; também reduz, conforme estabelecido no nosso sistema nacional de política ambiental, a possibilidade da participação popular nos processos de cancelamento de registros.
Hoje qualquer entidade da sociedade civil que seja legalmente constituída, por exemplo, para defender os interesses dos consumidores, do meio ambiente, dos recursos naturais, partidos políticos, enfim, pode pedir o cancelamento de um registro de agrotóxico. Com o novo projeto de lei, com a possibilidade de autorização ou a aprovação do pacote do veneno, essas organizações da sociedade civil não poderão mais solicitar o cancelamento do registro. Isso fica a cargo exclusivo do Ministério da Agricultura, ou seja, se reduz ainda mais a possibilidade de participação popular, que é princípio do direito socioambiental brasileiro.
Por fim, tem mais dois pontos, mas este é especial, que é a redução da competência legislativa dos estados e municípios: no art. 24, §2º da Constituição Federal, no art. 30 e também em jurisprudência consolidadíssima do Supremo Tribunal Federal, que autorizam que estados e municípios legislem sobre agrotóxicos, especialmente se trouxerem medidas mais protetivas ao meio ambiente e mais protetivas à vida. A gente pode lembrar da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.341, que autorizou que os municípios elaborassem normativas mais protetivas à saúde durante a pandemia de covid-19, ou seja, a gente já tem precedentes no âmbito da saúde e também tem precedentes no âmbito ambiental, além de estar expressamente dimensionado na nossa Constituição Federal.
Uma das questões mais severas é justamente a omissão em relação a propaganda de agrotóxicos. Como eu já falei, isso está sedimentado, está estabelecido no art. 220, §4º, da Constituição Federal, que diz expressamente - está colocado ali - que a propaganda de agrotóxicos deve advertir sobre os malefícios decorrentes do seu uso. Hoje, a Lei de Agrotóxicos, de 1989, traz expressamente vedações em relação a propagandas de agrotóxicos. O novo pacote do veneno - que de novo não tem nada, é um retrocesso ambiental - é omisso em relação à propaganda, ou seja, a gente também teria retrocesso ambiental e uma violação constitucional em relação à propaganda.
Por último, eu só queria registrar que, na 45ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o relator de resíduos tóxicos, em visita ao Brasil, inclusive em relatório específico ao Brasil, o Sr. Baskut Tuncak indica e recomenda ao Brasil que desenvolva planos para a redução de agrotóxicos de forma urgente. Isso significa aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos e também abandonar qualquer proposta legislativa que flexibilize a legislação do agrotóxico, como é o caso do pacote do veneno.
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Nesse sentido, nós esperamos firmemente que esta Casa legislativa não permita que essa cadeia normativa de ilegalidades e de inconstitucionalidades avance e seja aprovada, porque certamente isso teria uma consequência inclusive em relação ao peso do Poder Judiciário, que teria que avaliar todas essas ilegalidades e inconstitucionalidades. É importante que não se dê esse passo a partir desta Casa Legislativa, do Senado.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Dra. Naiara, que traz informações muito relevantes sobre estudos realizados, ao mesmo tempo que avaliações das consequências da aprovação dessa legislação.
Gostaria de pedir aos nossos expositores que nos enviem essas apresentações aqui, à Comissão de Direitos Humanos, para que nós possamos socializá-las com os demais integrantes da Comissão.
Eu vou, antes de passar a palavra ao Dr. Rafael, ler algumas perguntas que chegaram até aqui para o caso de V. Sas. desejarem se manifestar ou responder.
Do Sr. Marcos Moura, do Rio Grande do Norte: "Por que substâncias tão prejudiciais à vida ainda são permitidas?".
"Atualmente, como a Anvisa atua na medição de agrotóxicos contidos nos alimentos transferidos ao consumidor final?". Caio Vítor, de Goiás.
Júlia Alves, de Minas Gerais: "Qual o motivo da liberação de tantos agrotóxicos que são mundialmente proibidos?".
Giácomo Casablanca, do Amazonas: "Não haveria outras alternativas para substituir os agrotóxicos por outras substâncias que não sejam nocivas à saúde humana?".
Andreza Couto, do Rio de Janeiro: "Por que [há] tantos agrotóxicos na nossa mesa?".
João Evangelista, de Goiás: "[É necessário] ... investir em meios mais eficazes e tecnológicos de controle biológico, tornando inviável o uso de agrotóxicos".
Com a palavra a Dra. Aline Gurgel. Pode vir até aqui, à mesa.
A SRA. ALINE GURGEL (Para expor.) - Bom dia a todos.
Queria agradecer o convite para estar neste debate hoje.
Eu represento a Fundação Oswaldo Cruz, o Instituto Aggeu Magalhães. Sou pesquisadora da instituição e atualmente estou na coordenação do GT de agrotóxicos da Fiocruz. Então, queria falar um pouquinho sobre como a aprovação desse pacote do veneno ameaça à saúde humana, o ambiente e está diretamente relacionada à violação de direitos humanos. É um desafio falar em tão pouco tempo, mas vou fazer aqui um exercício.
Como já apontado pelas apresentadoras anteriores, essa legislação traz alguns pontos críticos. Eu vou trazê-los aqui, enquanto elementos emblemáticos, para falar sobre esses danos à saúde.
Um dos principais pontos críticos da proposta desse projeto de lei é liberar no Brasil produtos que estejam associados ao surgimento de câncer, de mutações, danos ao material genético, problemas hormonais, reprodutivos e más-formações fetais. Como Karen disse, esses danos hoje... Agrotóxicos associados a esses efeitos são proibidos de registro no Brasil. E esse PL propõe essa mudança a partir de uma avaliação de risco, em que vai ser determinado o risco aceitável. Então, qual é a quantidade de veneno a que a gente pode se expor que esteja associado a efeitos dessa natureza, que são graves e potencialmente irreversíveis, inclusive vinculados à morte, podendo levar ao óbito? Quanto disso é aceito pela sociedade? Bom, do ponto de vista ético, eu acho que nenhum, não é?
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Então, isso é um enorme retrocesso legislativo que vai na contramão do que vem acontecendo no mundo. Inclusive, a comunidade europeia, antes de 2012, fazia um processo de avaliação de risco seguindo todas as suas etapas e após 2012, até se inspirando - quem sabe? - na legislação brasileira, mudou esse processo. E a Europa legisla tal qual o Brasil legisla hoje, proibindo que sejam registrados agrotóxicos associados a esses danos graves e potencialmente irreversíveis. A nossa legislação vai na contramão do que acontece no mundo, em países desenvolvidos, como em toda a Europa, de economia central. E a gente vai permitir que esses produtos sejam utilizados no Brasil, sejam registrados no Brasil diante de um artifício que é essa determinação do risco aceitável.
Porém, uma coisa que a gente precisa ter em mente muito clara é que é impossível estabelecer níveis de dose que sejam considerados seguros quando a gente trata de determinados efeitos para a saúde, como, por exemplo, substâncias que são carcinógenas genotóxicas, carcinógenos iniciadores. Então, não existe uma dose de exposição que possa ser considerada segura e que não leve a um desfecho como esse, ou seja, qualquer dose diferente de zero pode ser suficiente para desencadear um câncer em pessoas expostas. Então, não há que se falar em limite seguro de exposição quando a gente trata de efeitos dessa natureza. A mesma coisa com substâncias que são desreguladoras endócrinas, substâncias que podem alterar o nosso sistema hormonal, seja liberação de hormônios, produção de hormônios, ligação de hormônios. Então, sobre essas substâncias que provocam essa desregulação hormonal, a gente não pode determinar um nível de dose que seja considerado seguro. Retroceder a nossa legislação, mediante esse artifício, desconsiderando que existem substâncias para as quais não existe a possibilidade de determinar um nível de dose que seja considerado seguro, é um enorme retrocesso.
Também existem substâncias que têm comportamentos que são pouco pensados no momento de um registro de agrotóxico, que são substâncias que têm curvas de efeito não monotônicas, em que os efeitos mais graves, mais pronunciados são exibidos em baixas doses, e à medida que você aumenta a dose esses efeitos tendem a desaparecer. Então, a gente desconsidera esse tipo de comportamento, substâncias que têm esse tipo de comportamento. Destaco aqui que os desreguladores endócrinos, como são... Vários agrotóxicos com uso autorizado no Brasil e que vêm sendo liberados recentemente são desreguladores endócrinos ou suspeitos de serem desreguladores hormonais. Então, esse comportamento não monotônico, essas curvas não monotônicas são consideradas padrão quando a gente trata desse efeito. E também desconsidera a questão dos efeitos sinérgicos e aditivos. A gente sabe que no Brasil a pessoas não se expõe a uma única substância isoladamente por uma única via de exposição. A gente tem exposição a múltiplas substâncias em uma única amostra de alimentos. Como foi exibido aqui, no Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, feito pela Anvisa, a gente consegue encontrar mais de 20 agrotóxicos em um único alimento. Então, essas substâncias podem interagir entre si e potencializar o efeito tóxico. Quando a gente pensa em determinar um risco aceitável, a gente está negligenciando todas essas outras condições, inclusive as vulnerabilidades diferenciadas, não é? Crianças, por exemplo, são mais vulneráveis e, quando a gente vai avaliar isso, a gente avalia de forma global, sem considerar, de forma adequada, essas diferenças.
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Um outro grande problema que ameaça a saúde e a vida está relacionado à retirada do poder de decisão sobre o registro de um produto da Anvisa e do Ibama. Quem defende o projeto de lei argumenta que eles ainda participarão do processo de registro e autorização de um agrotóxico no Brasil. Porém, na prática, não é isso que vai acontecer. A proposição estabelece que o órgão federal responsável pelo setor de agricultura vai ser o registrante do agrotóxico; à Anvisa e ao Ibama caberá um papel meramente consultivo. Então, num processo de registro que hoje é tríplice, em que todos têm pesos iguais na decisão, se um diz que não dá para registrar por danos inaceitáveis à saúde ou ao ambiente, por exemplo, no caso de Anvisa e Ibama, o produto não é registrado. Hoje essa proposição deixa esses órgãos com uma função meramente opinativa e é um retrocesso legislativo, que viola direito à saúde, direito a um ambiente equilibrado, direito humano à alimentação adequada. E mesmo que a Anvisa, por exemplo, identifique que um agrotóxico que está tendo o seu registro avaliado no Brasil não deva ser registrado por efeitos inaceitáveis à saúde ou que o Ibama diga que ele não pode ser registrado por efeitos inaceitáveis ao ambiente, o Mapa decide sozinho. Ele pode simplesmente dizer: "legal sua opinião; não vou levá-la em consideração". Então, o Mapa assume, sem ter a capacidade técnica ou prerrogativa legal, as funções da Anvisa e do Ibama, que têm técnicos com essas funções específicas e são especializados nessas áreas.
Uma outra grande questão, cujas repercussões para a saúde são importantes a gente entender, é a dispensa que está sendo proposta nesse projeto de lei de que produtos que sejam destinados exclusivamente à exportação não precisam ter registro no Brasil. Então, se eu vou exportar um produto, eu não preciso registrá-lo, se ele vai ser destinado somente isso. Só que isso é um problema gigantesco, porque esses agrotóxicos que vão ser produzidos no Brasil, mas não serão utilizados aqui, vão ser dispensados de terem estudos agronômicos, toxicológicos e ambientais realizados e apresentados, ou seja, a gente não faz ideia de que efeitos à saúde e ao ambiente aqueles agrotóxicos podem causar. Então, se, por exemplo, acontecer um desastre, um acidente, um vazamento, quais medidas de contingência, de mitigação podem ser adotadas? Se a gente não sabe que efeito, se a gente não avaliou isso adequadamente - aliás, nem adequadamente, não avaliou -, não há como se pensar em qualquer medida de proteção à saúde, à vida, para populações e ambientes expostos. E isso é uma ameaça grave em particular para os trabalhadores envolvidos em toda a cadeia produtiva desses agrotóxicos, desde o processo de fabricação, a transporte, armazenamento. Então, aqueles trabalhadores estão expostos cotidianamente a essas substâncias e, uma vez que esses produtos não têm registro no Brasil e foram dispensados dos estudos, a gente não consegue avaliar adequadamente a que riscos, a que perigos esses trabalhadores estão e quais são os potenciais danos à saúde que podem acontecer para esses trabalhadores.
Então, algumas consequências importantes que estão associadas a grandes falácias desses produtos, dessa mudança no projeto de lei, uma delas é que...
(Soa a campainha.)
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A SRA. ALINE GURGEL - ... esse projeto de lei vai modernizar a legislação brasileira, vai proporcionar o registro mais rápido de novas moléculas, mais modernas e menos agressivas. Ocorre que isso não é verdade, porque essa lógica de fazer com que o Brasil possa aprovar, possa registrar produtos que já vêm sendo banidos no mundo inteiro, em função dos seus efeitos inaceitáveis para a saúde e para o ambiente, vai fazer com que esses produtos, uma vez que não possam ser registrados em países mais protetivos do ponto de vista legislativo, sejam registrados no Brasil. Então, ao contrário, não vai haver o registro de produtos mais modernos. O Brasil não vai... Essa legislação não favorece a incorporação de novas tecnologias; ao contrário. Uma vez que a gente está registrando agrotóxicos que estão associados, por exemplo, a danos muito graves ao ambiente, como a morte de polinizadores, por exemplo, que são considerados os principais responsáveis por alguns cultivos mundiais - o café, por exemplo, depende muito dos polinizadores -, a gente vai ter uma perda de biodiversidade, com a morte de espécies que são muito importantes do ponto de vista econômico e também da manutenção da biodiversidade. Então, ao invés de a gente ter um agronegócio que vai tornar o setor ainda mais produtivo, no médio e longo prazo a gente vai ter perda de biodiversidade e vai tornar o nosso setor menos competitivo no âmbito nacional e internacional.
Esse projeto de lei também, muitas vezes, é discutido por quem o defende como sendo o projeto do alimento seguro, o projeto de lei do alimento mais seguro. Isso é absolutamente falacioso, porque ele afeta diretamente a manutenção e o desenvolvimento de sistemas e práticas tradicionais e de agricultura familiar, ameaçando o direito humano à alimentação adequada, uma vez que nós vamos ter mais venenos liberados, venenos mais perigosos, que vão contaminar a nossa água e os nossos alimentos, tanto alimentos in natura como produtos alimentícios minimamente processados, processados e ultraprocessados, uma vez que nós não temos tecnologia disponível hoje em nenhum lugar do mundo que seja capaz de remover os agrotóxicos completamente de qualquer tipo de alimento. Então, é falacioso, não é verdade. Agrotóxico não é remédio que protege lavoura contra praga. Agrotóxico é veneno e tem uma única função, que é a de eliminação da vida.
Ainda esse projeto de lei ameaça a vida de toda a população, em particular a própria existência de grupos populacionais em maior situação de vulnerabilidade. A despeito do que dizem, de que não existem estudos que associem os agrotóxicos a doenças, existem, sim, muitos estudos, estudos robustos, de qualidade, principalmente estudos independentes, realizados por instituições de renome internacional e pesquisadores sérios e comprometidos que não têm conflitos de interesse e não são financiados pelo agronegócio.
Era isso que eu queria falar.
Agradeço mais uma vez a oportunidade. Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Dra. Aline. É muito importante a sua contribuição. Novamente, eu peço que nos envie à Comissão esse material.
De imediato, eu peço ao Dr. Rafael Rioja, que representa o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, que possa ocupar aqui o seu lugar e usar da palavra.
O SR. RAFAEL RIOJA ARANTES (Para expor.) - Boa tarde a todas e todos.
Enquanto a apresentação entra ali, eu gostaria de agradecer antecipadamente ao Senador Humberto Costa pelo convite ao Idec para que façamos parte aqui nesta audiência para discutir um tema de extrema relevância para a população brasileira. Quero deixar um cumprimento às minhas colegas que já fizeram uso da palavra na manhã de hoje, aos Parlamentares que acompanham esta audiência também de forma online e aos representantes de segmentos da sociedade que acompanham.
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Bom, é um prazer, enquanto Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, voltar ao Senado. Temos diversos programas e atuações aqui e fazemos uso da palavra em diferentes momentos para representar os consumidores brasileiros aqui dentro desta nobre Casa.
Eu hoje tenho aqui, como encomenda, passar... Nesse breve tempo que a gente tem aqui para sustentar alguns pontos desse PL, que é de extrema relevância, eu pretendo deixar aqui algumas visões em torno, primeiro, de conectar as evidências, muito em coro com as minhas colegas que me antecederam aqui e que já colocaram os riscos para a saúde, para o ambiente. Então, eu trago aqui um olhar um pouco ampliado também para entender como esse PL interfere na discussão mais ampla e no ordenamento dos sistemas alimentares desde a produção, chegando ao consumo. No segundo ponto, vou mostrar como a atual legislação e o atual uso de agrotóxicos já vêm impactando nos consumidores brasileiros e no consumo e trazer as justificativas, as evidências que fortalecem o nosso posicionamento contrário ao PL 6.299.
Primeiramente, já foi citado aqui e acho que é importante e muito oportuno, Senador Humberto, a gente trazer essa discussão para a Comissão de Direitos Humanos pelo fato de que a alimentação é um direito consagrado na nossa Constituição, desde 2010, como já foi colocado aqui pela Naiara, pela Karen, pela Aline, junto ao rol dos outros direitos sociais. E aí eu faço também menção à nossa Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, que é fundamental.
Eu peço licença, é o único eslaide em que eu vou ler palavra por palavra do art. 3º, que qualifica o que significa segurança alimentar nutricional. É muito importante a gente entender, quando a gente fala do direito humano à alimentação, o que ele contempla e qual é a visão de alimentação não apenas que as organizações têm, mas o que está consagrado na nossa Constituição e no conjunto de leis que a gente tem aprovadas aqui no nosso país. "Art. 3º A segurança alimentar nutricional consiste na realização dos direitos de todos em acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras [e aqui frisamos] de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, econômica e socialmente sustentáveis." Então, é importante a gente olhar para a alimentação, para os sistemas alimentares com esse enfoque.
E aí eu trago as evidências internacionais já existentes e faço destaque dessa publicação de 2017 do painel de especialistas em sistemas alimentares da Organização das Nações Unidas para segurança alimentar e nutricional, que diz justamente do atual arranjo e reconhecimento do impacto dos sistemas alimentares na saúde humana e na saúde ambiental. E aí, como um dos principais apontamentos nesse relatório, temos que precisamos de transformações radicais e urgentes para garantir que o acesso a alimentos saudáveis e sustentáveis seja uma realidade para as populações e que os governantes precisam adotar a indução de políticas que incentivem e promovam ambientes verdadeiramente saudáveis e sustentáveis. Novamente o conceito da segurança alimentar e nutricional aparece nesse espaço, especialmente no que diz respeito aos sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis, que são aqueles que são garantidos de tal maneira a assegurar as bases econômica, social e ambiental para gerar a segurança alimentar e nutricional para as futuras gerações, e que isso não seja comprometido.
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Passo aqui rapidamente - e vou deixando todos esses materiais à disposição dos Senadores, das Senadoras e da Comissão -, mas esse relatório traz um painel conceitual para ajudar a entender a complexidade que são os arranjos dos sistemas alimentares. E eu destaco ali, como um dos principais ordenadores de diretrizes e motrizes dos sistemas alimentares, justamente a importância das decisões, da tomada de decisão política e econômica, que vão impactar sobremaneira como as relações de produção e consumo nos sistemas alimentares se dão, e de como serão delineados os ambientes alimentares, o consumo da população. E aí todo esse ordenamento está conectado com os objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, trazendo justamente todas essas dimensões de que falamos aqui.
Um outro relatório muito importante de se deixar aqui, para conhecimento da Comissão, dos Senadores e da população, é a publicação na revista The Lancet, uma das mais respeitadas e prestigiadas revistas científicas do mundo, que em 2019 trouxe e cunhou o termo da "sindemia" global da obesidade, da desnutrição e das mudanças climáticas. Estão trazendo justamente a junção de pandemias, que têm características e indicadores distintos, mas que têm como causa comum o desarranjo dos sistemas alimentares atuais e que vêm causando não só o comprometimento da saúde das pessoas, mas também influenciando nos limites planetários. A gente traduziu no Idec essa publicação, que é um relatório extenso reunindo mais de 300 artigos científicos com representantes de pesquisas de diversos países no mundo.
E aqui novamente eu faço menção - que conecta justamente com a discussão que a gente está tendo aqui das leis e do ordenamento político que é tomado - de que, nesta Casa, o PL 6.299 se insere justamente nesse espaço de normas que vão influenciar não só diretamente na economia, nas políticas, mas que vão perpassar os sistemas alimentares, influenciando no nível macro, mas chegando ali realmente na realidade das comunidades, das famílias e da população como um todo.
Eu trago ainda, nessa perspectiva de sistemas alimentares, um outro referencial de uma publicação feita recentemente pela Fundação Rockefeller para avaliar os impactos da alimentação - e, nesse caso aqui, a não contabilização das externalidades negativas em relação à alimentação. Então, apesar de ser uma publicação que traz a realidade do sistema alimentar dos Estados Unidos, a gente pode, pelo menos em relação aos dados, ao volume e ao entendimento de como esses impactos se dão, estabelecer alguns paralelos. Lá, para cada US$1,1 trilhão gasto com alimentação, tem-se a equiparação de que um valor três vezes maior, ou seja, US$3,2 trilhões ao ano, não é contabilizado, na verdade, com os custos das externalidades em relação aos impactos de saúde, nas mudanças climáticas e perda da biodiversidade.
E aí eu deixo isto aqui também, só para se estabelecer um paralelo de onde são observados esses gastos, esses impactos. Então, novamente, Senador Humberto, trago aqui para a discussão que já estão muito claros quais são os impactos para produção, mas a gente precisa olhar para os impactos desse PL numa dimensão mais ampla, passando pela saúde humana, pelas questões ambientais, pela perda da biodiversidade e, inclusive, em prejuízos econômicos, pelas razões já citadas aqui pelas minhas colegas, que vão desde os impactos na saúde humana em relação ao desenvolvimento das doenças crônicas não transmissíveis, ao comprometimento dos solos, dos ambientes terrestres, aquáticos. E isso traz uma cascata de prejuízos que estão em diferentes ordens não só no comprometimento e adoecimento individual, mas em todas essas perspectivas e características que perpassam também pelo ordenamento e forma como são utilizados os incentivos e subsídios no nosso país.
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Trago aqui, chegando ao ponto dos impactos no consumo, como essa perspectiva de utilização de agrotóxicos que a gente tem atualmente já é extremamente nociva para os consumidores brasileiros, e, com um projeto de lei em vigor, isso tende-se a se intensificar ainda mais.
Como já foi citado aqui pela Karen e pela Aline, sobre os impactos nos próprios relatórios de avaliação do Para, feitos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, nós no Idec, no ano passado, fizemos uma pesquisa inédita revelando a presença de agrotóxicos e resíduos de agrotóxicos também em produtos ultraprocessados, que já são conhecidamente prejudiciais à saúde pelo avanço nas doenças crônicas não transmissíveis, como sobrepeso, diabetes, hipertensão e doenças do sistema circulatório. A gente encontrou nesses produtos também a presença de agrotóxicos. Então é importante falar que são não apenas os alimentos in natura, como já trouxe aqui a Karen em relação ao monitoramento da Anvisa, mas são produtos processados, ultraprocessados. Então, a gente está falando de bolachas doces...
(Soa a campainha.)
O SR. RAFAEL RIOJA ARANTES - ... de biscoitos de água e sal, de bebidas à base de soja. Nós testamos 27 produtos, divididos em oito categorias, e encontramos resíduos de agrotóxicos em seis categorias. Trouxemos alguns resultados de destaque. Então, praticamente em 60% dos produtos que testamos encontramos pelo menos um agrotóxico, chegando a um coquetel de agrotóxicos de oito ingredientes ativos no mesmo produto. E isso faz menção aos malefícios já trazidos pela Aline e pela Karen em relação aos prejuízos da saúde. Encontramos o glifosato e o glufosinato, que têm o entendimento da Iarc, que é um instituto de pesquisa da Organização das Nações Unidas, como um agrotóxico potencialmente carcinogênico. Então, deixamos aqui um conjunto de evidências mostrando que os resíduos de agrotóxicos estão não apenas nos alimentos in natura, mas também nos ultraprocessados, que têm uma vida de prateleira de, às vezes, um ano, dois anos, desde que esses produtos foram aplicados na lavoura e, mesmo assim, dois anos depois de todo esse processo de toda a cadeia, continuam se fazendo presentes.
Deixo aqui o indicativo e a importância de que nós, enquanto Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, nos coloquemos na sociedade, para a qual é o nosso papel levar a voz do consumidor, conscientizar os consumidores, mas também de fortalecimento. Nós acreditamos nas instituições brasileiras e em fortalecer o papel do Legislativo, do Executivo e da própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária, trazendo recomendações de que os programas de avaliação de monitoramento precisam ser fortalecidos e priorizados.
Aqui a gente traz alguns pontos de por que o atual projeto é extremamente prejudicial por enfraquecer as instituições brasileiras, especialmente no que diz respeito à garantia da saúde e também ambiental.
A Karen já passou por aqui, mas eu deixo também à disposição da Comissão e de quem nos acompanha neste momento que, sob a perspectiva do consumo, os agrotóxicos estão presentes na água para consumo aqui no Brasil, infelizmente em grandes quantidades e alastrados por todo o território.
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E aqui há outro ponto importante que já foi mencionado pela Karen, que é a parte de monitoramento do estabelecimento dos limites. É inadmissível que os consumidores europeus, que os cidadãos europeus tenham leis e critérios e referenciais mais protetivos, enquanto aqui no Brasil isso é colocado de uma forma muito mais branda e muito mais permissiva. Então, para nós, é extremamente prejudicial e inadmissível que os consumidores brasileiros possam ser expostos a limites de agrotóxicos mais coniventes do que em outros países, como já existe hoje.
E, por fim, deixo aqui o nosso posicionamento contrário ao PL 6.299 pelas diferentes razões que já foram expostas aqui.
Eu peço, inclusive, licença para divulgar uma nota encomendada para a Consultoria Legislativa do Senado pela Senadora Eliziane Gama e que traz uma série de apontamentos de pontos preocupantes em relação a esse PL. Em cima dessa nota... Não vou me estender aqui em todos os pontos preocupantes já pelo avançar do tempo, mas eu vou destacar alguns que também já foram mencionados pelos colegas de audiência neste dia de hoje e que expõem, fortalecem e justificam os nossos posicionamentos contrários em relação a esse PL.
O primeiro deles está na mudança do termo "agrotóxico". Isso já foi explicitado pela Naiara, mas eu faço coro aqui, para dizer que, levando em consideração inclusive o direito à informação, é uma questão muito significativa. Esse termo "agrotóxico" foi cunhado por pesquisadores do próprio agronegócio, trazendo justamente a dimensão e os efeitos desse termo, abrangendo o que ele de fato significa.
Faço menção a que esse tema também vem sendo colocado não só pelas organizações, mas na sociedade, na opinião pública, que está cada vez mais sensível e entendendo as dimensões dos problemas.
E destaco aqui que, para nós, existem sérios pontos problemáticos, mas este é, sem dúvida, algo realmente gritante: o enfraquecimento do sistema de controle, que também foi colocado aqui. Temos hoje uma estrutura tripartite, onde a Agência Nacional de Vigilância Sanitária faz os pleitos em relação à saúde, temos Mapa e o Ibama, e o atual PL propõe modificar e retirar o papel altivo da Anvisa e do Ibama, o que volta justamente para os problemas e questões de monitoramento e controle que já citamos aqui.
Existe uma série de outras lacunas e, como já foi falado pela Naiara, a questão da impossibilidade de estados e o Distrito Federal estabelecerem restrições mais restritivas.
Eu deixo aqui conclusões e alguns apontamentos para serem encaminhados.
Primeiramente, quero reforçar que nós nos somamos ao robusto conjunto de organizações da sociedade civil, de representações científicas e da opinião pública, que se posiciona veemente contrário ao PL 6.299 pelas razões aqui citadas.
O PL, além de todos os pontos problemáticos apontados aqui, fragiliza ainda mais os mecanismos de controle e monitoramento, especialmente relacionados à saúde e ao meio ambiente, e isso vai aumentar diretamente os riscos aos consumidores e à população brasileira.
Senador Humberto, mais uma vez quero parabenizar pela relevância dos aportes trazidos pela Comissão dos Direitos Humanos. É extremamente relevante e pertinente que a gente discuta esse projeto aqui nesta Comissão, trazendo justamente a perspectiva dos direitos humanos. Além disso, quero destacar que o PL impacta diretamente e que ele precisa ser entendido.
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Não é apenas uma questão ambiental, não é apenas uma questão de produção; é também uma questão de consumo, é uma questão de saúde, de direitos, e a gente precisa, então, fortalecer as proposições alternativas para uma transição urgente, que seja responsável e gradual.
Então, aqui é importante destacar que não significa apenas rechaçar o PL 6.299, mas que as alternativas já existem, estão em curso e precisam ser fortalecidas. A gente entende a importância do agronegócio, mas a gente precisa dar um direcionamento para o mundo para uma produção e consumo de alimentos que seja verdadeiramente saudável, verdadeiramente sustentável e que valorize quem está na terra fazendo o uso da terra.
Por fim, quero deixar um outro documento produzido por nós, Idec, que fica à disposição da Comissão e dos Senadores e das Senadoras, sobre as dimensões dos sistemas alimentares e um chamado para a ação em relação às cinco dimensões que precisam ser modificadas e estimuladas para oportunizar relações de produção e consumo verdadeiramente na direção do que apontam as evidências mundiais, mas também do que é a vocação do Brasil, já que temos essa biodiversidade gigantesca e uma grande vocação agrícola para ser, de fato, um grande expoente de produção saudável, sustentável e justa de alimentos não só em território nacional, mas para o mundo.
Agradeço e deixo novamente o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor à disposição para somar nessas discussões. Estamos aqui, Senador, à disposição sempre que convocados.
Agradeço.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Quero agradecer, aqui, a exposição do Dr. Rafael Arantes, do Idec, cujas colocações são muito importantes, e também quero agradecer a disponibilização do material que nós temos a partir dele também.
Todo esse material que vão nos enviar ficará à disposição para efeito de pesquisas, para efeito de estudos que as pessoas desejarem fazer.
Vou convidar, aqui, a Sra. Dra. Shirleyde Alves dos Santos, última convidada inscrita, e depois passarei a palavra à Senadora Zenaide Maia, que também está inscrita.
Com a palavra, remotamente, a Dra. Shirleyde Alves dos Santos, representante da Associação Brasileira de Agroecologia.
A SRA. SHIRLEYDE ALVES DOS SANTOS (Por videoconferência.) - Bom dia a todas e a todos.
Estão me ouvindo bem? (Pausa.)
O som está o.k., gente?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Pode falar. Estamos ouvindo.
A SRA. SHIRLEYDE ALVES DOS SANTOS (Para expor. Por videoconferência.) - O.k.
Obrigada.
Quero agradecer ao Senador Humberto Costa, à Senadora Zenaide e a todos e todas que fazem esta Comissão. É uma honra muito grande estar aqui representando a Associação Brasileira de Agroecologia.
Vou compartilhar também um material aqui com vocês. Deixe-me tentar aqui para ver se dá certo... (Pausa.)
Compartilhou, gente? (Pausa.)
Deixe-me tentar aqui de novo. (Pausa.)
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Estou conseguindo, gente, compartilhar com vocês a minha tela?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Estamos vendo a tela aqui.
A SRA. SHIRLEYDE ALVES DOS SANTOS (Por videoconferência.) - Pronto.
Obrigada.
Bem, gente, então, é uma honra muito grande estar aqui, representando a Associação Brasileira de Agroecologia neste espaço de debate tão importante, com o dossiê contra o pacote do veneno que a gente está trazendo, está apresentando, e em defesa da vida. A agroecologia se mostra como uma estratégia de promoção da vida e da saúde. A gente vê que, desde que surgiu, desde que se começou a introduzir os agrotóxicos, veio uma ideia, que vem desde a revolução verde e agora está sendo reforçada com esse projeto de lei do pacote do veneno, a ideia de acabar com a fome, sempre divulgando que precisa produzir, que precisa usar muito agrotóxico, muito veneno para acabar com a fome, e o que a gente tem visto é que a fome permanece, a fome inclusive aumenta em nosso país. O uso desenfreado e irresponsável de agrotóxico na produção agrícola na verdade tem acentuado assimetrias socioeconômicas, comprometendo o nosso solo, comprometendo o nosso meio ambiente e comprometendo fortemente a saúde das populações.
A Associação Brasileira de Agroecologia foi criada em 2004, como apoio ao desenvolvimento de pesquisas e experiências agroecológicas no Brasil, e hoje conta com mais de 1,5 mil sócios e sócias, entre cientistas das mais diversas áreas do conhecimento, agricultores e agricultoras, e a gente vem sempre construindo, mediante bases científicas e populares, ações determinantes para o processo de transição agroecológica em nosso país.
Recentemente, uma pesquisa desenvolvida no projeto VigiSAN, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar, trouxe um inquérito realizado em 2.180 domicílios, em cinco regiões do nosso país, tanto em áreas urbanas e rurais, no final de 2020, trazendo já um pouco de como é o impacto também da pandemia na fome, no aumento da fome no nosso país, e traz resultados que são alarmantes.
Nesse mesmo período, se a gente for procurar a questão de exportações de grãos no nosso país, o número aumenta, e a fome também aumenta. Isso mostra um pouco essa relação que existe entre o modelo de produção que há no nosso país e que esse modelo de produção em nenhum momento favorece o combate à fome no nosso país. O que favorece o combate à fome no nosso país são as experiências em agricultura orgânica, agricultura agroecológica...
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Dra. Shirleyde, nós não estamos conseguindo ver a sua apresentação.
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É preciso que a senhora expanda para o modo slide, lá em cima, para que possa haver a passagem.
Pronto, agora passou para outro.
A SRA. SHIRLEYDE ALVES DOS SANTOS (Por videoconferência.) - Consegui agora?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Sim.
A SRA. SHIRLEYDE ALVES DOS SANTOS (Por videoconferência.) - Pronto.
Então, deixe-me só voltar um pouquinho, porque era deste que eu estava falando.
Então, esse inquérito mostra como - nesse contexto de pandemia que a gente está vivendo ainda em nosso país, porque não acabou - a fome aumentou. E esse processo é um processo que vem de antes da pandemia. Então, o aumento do uso de agrotóxicos é sempre usado com a desculpa de acabar com a fome em nosso país, mas a gente vê que a fome aumenta - e aumenta de uma forma assustadora nas várias regiões do nosso país.
Então, se a gente observar, de 2018 a 2020, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, que significa fome de verdade, saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões. E, nesse mesmo período, quase 9 milhões de brasileiros e brasileiras passaram a ter experiência de fome real em seu dia a dia.
Esses dados são calculados em cima de uma escala, que é a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, que trabalha com quatro níveis, que seriam: segurança alimentar, insegurança alimentar leve, insegurança alimentar moderada e insegurança alimentar grave. Então, a situação de insegurança alimentar grave, volto a dizer, é a situação de fome real, e nós temos atualmente quase 9 milhões de brasileiros e brasileiras nessa situação.
E, aí, o que é que o nosso dossiê apresenta? Além de tudo que já foi falado aqui brilhantemente pelas colegas Karen, Naiara, Aline e pelo Rafael, do Idec, a gente vem num modelo de produção em nosso país que estimula a utilização de agrotóxicos, estimula a produção de commodities - é muita monocultura. E, por outro lado, a gente precisa que, em nosso país, seja estimulada a produção orgânica, a produção agroecológica.
Quando a gente fala de agroecologia, a gente não está falando somente em produzir de forma saudável, mas a gente está cuidando do meio ambiente como um todo. E nós estamos inseridos nesse meio ambiente. Então, não há como a gente pensar na produção por simples produção; a gente não tem como pensar única e exclusivamente em substituição de insumos. A gente tem que pensar nas pessoas que estão nesses territórios, nas pessoas que estão diretamente impactadas pela utilização de agrotóxicos. Todos nós, todas nós estamos impactados pela utilização de agrotóxicos - os dados que já foram apresentados aqui, os dados que constam no dossiê já nos mostram isso; todo mundo que tem acesso à água ou a algum tipo de comida, algum tipo de alimento, inclusive alimentos industrializados, como o Rafael nos trouxe nessa pesquisa do Idec, que nos mostra que os resíduos de agrotóxico estão presentes e estão comprometendo a saúde de todas as pessoas. E a gente mostra que há a possibilidade, sim, de a gente ter novas formas de produção e que essas novas formas de produção - que não são novas - trazem qualidade de vida.
Então, eu trago aí um pouco do registro do documento oficial da Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, que aconteceu em 1986 no Canadá e que já dizia que a promoção da saúde é um processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo maior participação no controle desse processo. E onde é que a gente vai ver isso? A gente vai ver isso nas experiências agroecológicas.
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As experiências agroecológicas contribuem para a promoção da saúde de diversas formas: buscar a sustentabilidade econômica e ecológica dos ecossistemas; estimular o consumo de alimentos que sejam alimentos de verdade, como a gente diz, alimentos saudáveis, e que também valorizem a cultura alimentar; promover o empoderamento de agricultores e agricultoras de povos e comunidades tradicionais por meio da promoção de espaços auto-organizativos e da participação política; estimular os circuitos curtos de comercialização - a gente tem muito estímulo para os circuitos longos, com produtos que passam por vários processos até chegarem à mesa do consumidor, quando muitas vezes a gente tem um produto saudável produzido na região, mas não é estimulada a sua compra, a sua comercialização -; e priorizar também a não utilização de agrotóxicos e de antibióticos na produção vegetal e animal respectivamente.
Enquanto Associação Brasileira de Agroecologia, ANA (Articulação Nacional de Agroecologia), Campanha Permanente, Fiocruz e diversos órgãos, diversas instituições que estão aqui representadas hoje, a gente mostra que é possível, sim, ter uma produção orgânica e agroecológica em nosso país, e existem já várias experiências. A gente traz isto, está no nosso dossiê: a produção orgânica e agroecológica já está alimentando muitas pessoas e pode alimentar, sim, o mundo. É um processo de transição, como o Rafael bem colocou, mas é um processo que precisa ser iniciado, precisa ser estimulado, precisa ser consolidado em nosso país.
A produção orgânica e de base agroecológica também tem possibilidade de garantir um preço mais justo. A gente ouve muito falarem que o produto orgânico é mais caro, que o produto agroecológico é mais caro, só que a gente não entende muitas vezes como é que se dá esse mercado. É preciso pensar que a produção orgânica e a produção de base agroecológica disponibilizam alimentos saudáveis para a população, e a gente não quer que esses alimentos saudáveis cheguem para um grupo específico, tem que ser alimentos saudáveis que garantam o direito da nossa população como um todo a se alimentar dignamente e a se alimentar com saúde, com algo que traga saúde e não que traga adoecimento.
Há também um estudo realizado sobre produtividade, por exemplo, ao redor do mundo. De 1961 a 2008, constatou-se, em várias áreas de cultivo de milho, arroz, trigo, soja, que muitas vezes a produção para depois de ganhos iniciais ou entra em colapso, porque são modelos, gente, que não são sustentáveis. Então, a necessidade acaba por degradar mais áreas e, assim, faz perder biodiversidade, as funções dos ecossistemas. Por outro lado, a produção agroecológica se dá de forma paulatina, os custos vão se mantendo estáveis, ou muitas vezes decrescentes, e traz melhor qualidade de vida como um todo, desde para quem está produzindo até para quem vai consumir esse produto.
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A Associação Brasileira de Agroecologia coloca em sua nota sobre o substitutivo do PL do veneno, Projeto de Lei 6.299 de 2002, que esse projeto, ao contrário do que a gente gostaria, vai dificultar ou impossibilitar a produção orgânica e agroecológica em nosso país, porque, muitas vezes, a gente tem experiências agroecológicas belíssimas, mas que estão rodeadas literalmente de produções com uso intensivo de agrotóxicos, o que acaba contaminando essas produções. Então, muitas vezes, os produtores, agricultores e agricultoras familiares ficam ilhados por produções da agricultura convencional com alta utilização de venenos, e essa contaminação vai vir pelo solo, vai vir pela água, vai vir pelo ar, também adoecendo essas pessoas que já não produzem com a utilização de agrotóxicos, mas que acabam adoecendo pela proximidade dos territórios. Essa aprovação também vai levar à contaminação dos agroecossistemas, muito também porque há uma fragilização do controle por receituários, uma fragilização dos órgãos de controle de uma forma geral, como já foi bem dito aqui. Então, a Associação Brasileira de Agroecologia defende e apoia o fortalecimento da agroecologia como base produtiva livre de veneno em nosso país. Nós não precisamos de agrotóxicos para produzir alimentos saudáveis, isso já está comprovado cientificamente e popularmente por experiências diversas que têm acontecido em nosso país e em outros países. Nós defendemos, sim, a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara) e o fortalecimento da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo). O PL do veneno atenta contra o direito humano à agroecologia e à produção, ao acesso a alimentos livres de agrotóxicos. O PL do veneno atenta contra a vida.
Aqui a gente tem dois mapas que mostram políticas municipais tanto de agroecologia e produção orgânica em nosso país como também de políticas municipais de redução de utilização ou de proibição de utilização de agrotóxicos.
Vou dar uma acelerada aqui.
Nós temos um acesso na página do Agroecologia em Rede, que vocês podem consultar, mostrando experiências em saúde e agroecologia que são desenvolvidas em nosso território, em vários municípios do nosso território, em vários estados. Esse Agroecologia em Rede é um sistema de informações sobre a agroecologia que é alimentado por quem constrói nos territórios e que vem alimentando a população com saúde, com alimentos saudáveis, com vida, com qualidade de vida.
Também no próprio site do Idec tem um mapeamento das feiras orgânicas que existem em nosso país. Então, tem como a gente encontrar essas feiras orgânicas e agroecológicas em nosso país. Então, os alimentos estão acessíveis, sim.
Quero deixar como reflexão aqui uma frase da Anna Primavesi em que ela diz: "Lutar pela terra, lutar pelas plantas, lutar pela agricultura, porque se não vivermos dentro da agricultura, vamos acabar. Não tem vida que continue sem terra, sem agricultura" - sem agricultura saudável, sem agricultura que traga qualidade de vida para quem está produzindo e para quem vai consumir esse alimento.
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Nós agradecemos pela participação, agradecemos aos Senadores o convite e reforçamos que a Associação Brasileira de Agroecologia diz sempre que a agroecologia promove saúde, a agroecologia traz qualidade de vida para os territórios e para toda a população, com alimento saudável, um alimento que é produzido de forma justa, que valoriza as pessoas, que valoriza o meio ambiente e que vai de encontro a este modelo que é o modelo do pacote do veneno, que tem trazido adoecimento, que tem expulsado as pessoas do campo, que tem trazido mortes, que tem trazido destruição, o que a gente não quer para o nosso país. Então, é possível, sim: existem experiências belíssimas de agroecologia no nosso país todo que precisam ser estimuladas, precisam ser valorizadas...
(Soa a campainha.)
A SRA. SHIRLEYDE ALVES DOS SANTOS (Por videoconferência.) - ... precisam de projetos que apoiem e não de projetos que venham no modelo de destruição.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Dra. Shirleyde, pela exposição muito boa, mostrando a importância da agroecologia como fator de promoção da vida, da saúde, do próprio desenvolvimento econômico das comunidades do nosso país, e também pela posição muito firme em relação à condenação deste pacote do veneno ora aqui no Senado Federal para discussão e votação.
Eu agora vou passar a palavra à Senadora Zenaide Maia, que tem dez minutos para fazer o seu comentário.
Vamos nos aproximando do final da nossa audiência pública do dia de hoje.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN. Para discursar. Por videoconferência.) - Bom dia a todos.
Quero aqui parabenizar o colega Humberto Costa por esta audiência pública que a gente iria fazer na CAS, mas que a gente conseguiu fazer na CDH - é a defesa dos direitos humanos.
Quero aqui parabenizar nossos expositores, nossos debatedores, como a Dra. Karen; a Dra. Naiara; o Dr. Rafael; a Dra. Shirleyde, que nos encheu de experiência, porque prova que pode-se, sim, ter uma agroecologia; a Dra. Aline Gurgel, da Oswaldo Cruz; e Dr. Fernando Pigatto.
Gente, não é à toa que este projeto que veio da Câmara, o PL 6.299, de 2002, é chamado de pacote de veneno.
A gente se pergunta se o Governo acha pouco o que já está sendo autorizado de agrotóxicos neste país. Da última vez que eu olhei, que fiz o levantamento, em menos de quatro anos deste Governo, foram aprovados 1.860 novos agrotóxicos! Como foi falado aqui, Humberto e todos que estão assistindo, eles botam o nome de fitossanitários ou de alguns outros nomes, mas, na verdade, é veneno - é veneno!
E quando a gente pensa que a nossa população... Eu digo que a gente está duplamente sendo atingido por esses venenos. Há a pulverização em massa em aviões e drones, porque a gente sabe que a gente tem a intoxicação na hora de quem está recebendo o veneno diretamente no corpo e que a gente tem a poluição dos rios e do nosso solo com esses venenos.
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Eu não estou falando isso, Humberto e todos os expositores... As pessoas perguntam: "Se é tão grave, por que os outros países estão importando nossos produtos produzidos aqui, do extrativismo animal e do nosso solo, como é feito aqui?". Porque eles ainda têm o direito de fazer uma seleção e ver a quantidade de agrotóxico que eles vão permitir. E aqui nós estamos sem opção, porque, mesmo que tenha, como foi falado aqui, a agroecologia, ela está cercada de produtos com agrotóxicos, que são também... Gente, eu queria lembrar que a gente tem estudos de câncer e de problemas neurológicos, tem até a genotoxidade. Eu estou falando isso, porque esta Casa e este Governo falam muito de defesa da família e de tudo isso, mas que família, que prevenção é essa, sendo que os agrotóxicos já podem, sim, danificar o bebê ainda na barriga da mãe?! São abortivos; dizem que são contra o aborto, mas são a favor do veneno!
E isso de saber que os produtos processados e ultraprocessados... Isso já era de se esperar, porque é uma contaminação geral, não é só o controle...
Agora, tem um projeto de lei que retira da Anvisa, que é onde estão os cientistas que fazem o estudo sobre os danos que esses agrotóxicos, esses venenos podem fazer à vida humana, ao ser humano... E não só ao ser humano, gente, pois a gente sabe que, se você não conservar como se faz... O que a gente está vendo hoje que é assustador é a falta de respeito à vida, e são todas as vidas. Ao meio ambiente é uma agressão sem limite, tanto com agrotóxico como com outras maneiras, como a gente está vendo.
Outra coisa: como tirar o meio ambiente... São técnicos que estão vendo isso aí. Só o Ministério da Agricultura... Eu concordo aqui com uma das expositoras que o agronegócio não baniu a fome; pelo contrário, nós temos 20 milhões de brasileiros aproximadamente... Eu conheço isso de perto, sou médica de formação, trabalhei no serviço público por anos e conheço muitas pessoas que ainda estão bem vestidas, mas que perderam o emprego. Dizem: "Dra. Zenaide, eu estou até com vergonha de estar pedindo no semáforo, mas nós dois estamos desempregados". Que política de alimentação é essa?! O país, um dos maiores produtores e exportadores de grãos e proteína animal, usando nosso solo, nossa água e seu extrativismo, exporta tudo, com zero de imposto, não sobrando nada, nem para a educação, nem para o sistema SUS, que é para onde vão correr essas pessoas que estão sendo esmagadas com essa quantidade de agrotóxicos que estão jogando, e deixa 20 milhões sem alimento, com fome. Enquanto a gente está aqui falando, tem 20 milhões de brasileiros que hoje ainda não comeram. Então, não dão conta de alimentar o nosso povo. E ainda tem uma gravidade: exportam tudo, desabastecem o mercado interno, e os preços dos alimentos estão aí. As pessoas não estão conseguindo comer nem osso, gente! O preço do ovo, que é um alimento comum, também está o dobro.
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Eu fico aqui imaginando, porque não sou economista: como se diz que a inflação é só de pouco mais 11%?! Não conheço nenhum produto da cesta básica que não tenha subido pelo menos 100% ou mais! Não falo aqui nem de proteína animal, porque as pessoas não têm condições... Pois aquela que não é do boi é do peixe, e, para se pescar o peixe, é preciso combustível, e nós temos uma política desta!
Eu quero parabenizar o Humberto. É esse o caminho. A gente sabe o que está aí. E, se a gente não mostrar ao povo brasileiro e não der informação... Esta cartilha aqui do Idec é importante, gente! Informação é poder! E é isto que esta audiência pública está fazendo aqui: o Senado está mostrando ao povo brasileiro que não é uma questão de ser de esquerda, de direita ou de centro; é uma questão de se defender a vida, não só a vida humana, mas toda vida, que está sendo desrespeitada aqui, como foi mostrado. Então, temos que dizer "não"! Eu acho que um projeto deste nem deveria ser pautado, gente! Qual é a urgência? Qual é a urgência em se dar um jeito de os agrotóxicos danificarem a vida dos brasileiros e das brasileiras, mesmo quando ainda estão intrauterinos?
Mais uma vez, obrigada a todos que vieram para esta audiência pública. Não tenho dúvida de que é através da informação... A gente tem a TV Senado e a Rádio Senado, e isso nos empodera. Não tenham dúvida de que esta audiência pública já vai fazer muitos brasileiros e brasileiras pensarem nisso e verem que a gente, que aqui está discutindo... Vocês, como cientistas, com experiência, e eu e o Humberto, como médicos e como Parlamentares, estamos defendendo a vida, gente! Sei que não é fácil, porque isso envolve o lado econômico, mas se chega ao ponto de nem o econômico também levar vantagem. Então, "não" ao veneno! Está aqui a agroecologia mostrando que, se a gente ampliar isso - isto é muito simples -, isso envenena o nosso solo e a nossa água e envenena as pessoas também.
Obrigada, Humberto.
Por falar em produtos processados e ultraprocessados, eu estou indo agora para a reunião da CAS, onde tem um projeto de lei que é do Senado Rogério Carvalho, que quer taxar a importação de bebidas açucaradas, refrigerantes e outros. E saber que essa importação de agrotóxico não paga imposto?! Isso é muito assustador, Humberto! Esse imposto iria para os estados e para os municípios, para o SUS e para a educação, gente!
Obrigada mais uma vez.
Acho que nós estamos no caminho certo, para dar visibilidade e para empoderar o nosso povo com informações corretas, certas e independentes. Dizem: "Eles estão politizando". Estamos politizando, sim! Este projeto de lei... É uma decisão política deste Governo a de querer tirar! Então, nós estamos aqui contra e vamos continuar contra, pedindo à população que tenha esse olhar diferenciado. Vamos defender realmente a vida das famílias brasileiras e o meio ambiente.
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Obrigada, Humberto.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Obrigado, Senadora Zenaide Maia, pelas suas palavras sempre muito firmes e, ao mesmo tempo, muito inteligentes, sempre muito preocupada com as questões relativas às políticas sociais do nosso Brasil e também com tudo o que negativamente o Brasil vem promovendo ao longo destes três anos e meio do Governo Bolsonaro, particularmente nas áreas do meio ambiente e da saúde, enfim.
Eu queria pedir aí a exibição do vídeo da Chefe Paola Carosella. Ela é uma argentina radicada no Brasil que é muito conhecida pelo seu trabalho como chefe gastronômica. E nos foi pedido que fosse feita essa apresentação. Logo depois, nós vamos concluir a nossa sessão de hoje.
Pois não.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Obrigado pela apresentação do vídeo com palavras muito sábias.
Eu queria concluir aqui os nossos trabalhos, se não há ninguém que deseje fazer o uso da palavra, rapidamente, dizendo, em primeiro lugar, do nosso agradecimento, da nossa sensibilização pela presença, pela participação de tantas pessoas e instituições que têm cumprido um papel fundamental no enfrentamento a esses retrocessos que nós temos vivido no Brasil na área ambiental, na área da produção de alimentos, na área da saúde, enfim, tudo que envolve diretamente esse terrível pacote do veneno, que, na verdade, é uma demonstração de uma ousadia nunca vista no nosso país. Este é um Governo realmente pouquíssimo preocupado com a saúde da sua população, com a opinião pública, com a opinião pública internacional, inclusive. E o objetivo imediato é sempre o de favorecer determinados setores que lhe dão apoio e suporte.
Eu queria, neste final, ressaltar a importância também da agricultura familiar, que tem sofrido fortemente com toda essa política. Aqui foi dito claramente que a agroecologia e a agricultura familiar terminam cercadas por todos aqueles que são do grande negócio e que terminam, na utilização de quantidades tão absurdas de agrotóxicos, produzindo efeitos negativos para a agricultura familiar, para a agroecologia e também para a saúde dessas populações e da população brasileira de um modo geral.
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Nós tivemos aquele grande evento realizado com a presença de muitos atores, cantores, com várias entidades da sociedade civil, e representou um marco aquele ato. Nós precisamos reproduzir essa mobilização o tempo inteiro, porque, sem a pressão da sociedade, este projeto terminará sendo aprovado. Então, nós precisamos ter essa mobilização permanente, endereçando mensagens aos Senadores e às Senadoras, produzindo manifestos, atos, ações por todo o Brasil, para que nós possamos, realmente, impingir ao Governo uma derrota na aprovação deste projeto, porque ele é profundamente danoso à população brasileira, e para que nós possamos concretizar uma mudança ampla da política nessa área, com as eleições deste ano, se Deus quiser elegendo algum governante, algum Presidente que tenha uma visão diametralmente oposta a esta que vem sendo implementada no nosso país desde 2019.
Eu queria agradecer a todos e a todas, aos que aqui estão presencialmente e aos que aqui estão remotamente, e sugerir que nós possamos reproduzir este tipo de audiência pública de uma forma mais ampla. Nós temos a Comissão de Meio Ambiente, que é presidida pelo Senador Jaques Wagner, que tem uma posição extremamente sensível a essa temática, e temos outras Comissões em que cabe o debate sobre esta temática. E, quanto mais nós discutirmos, mais estaremos nos contrapondo a esses que querem aprovar medidas tão danosas à população brasileira.
Muito obrigado.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada esta audiência.
(Iniciada às 9 horas e 24 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 10 minutos.)