Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 17ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura. Proponho a dispensa da leitura e aprovação da ata da reunião anterior desta Comissão. Aqueles que aprovam permaneçam se encontram. (Pausa.) Aprovada. A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 19, de 2022-CDH, de autoria deste Senador, para debater sobre: "Assédio Institucional no Setor Público: nova modalidade de violação dos direitos dos servidores e de desorganização do Estado e das políticas públicas". Esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211. Aberta a sessão. É com muito carinho e tristeza, mas uma forma de homenagear, que eu vou aqui ler o seguinte requerimento. Vocês todos vão entender a partir do requerimento. Senhoras e senhores, requeiro, nos termos regimentais e de acordo com as tradições desta Casa, a inserção em ata do voto de pesar que encaminhei aos familiares pelo falecimento de Judite da Rocha Dutra, bem como a apresentação de condolências ao seu marido Olívio Dutra, filhos e netos. Justificativa. Judite da Rocha Dutra, ex-primeira-dama do Rio Grande do Sul, faleceu na manhã do dia 20 de maio, sexta-feira, aos 78 anos, em decorrência de complicações de diabetes. Estava internada há dez dias no Instituto de Cardiologia de Porto Alegre (UTI). A ex-primeira-dama nasceu em Rolador, na região das Missões, no noroeste do meu estado, Rio Grande do Sul, em 12 de novembro de 1943. Desde menina, Judite morou em São Luiz Gonzaga, onde se tornou professora, profissão que exerceu até a aposentadoria. D. Ju, como era chamada afetuosamente por aqueles que tiveram o privilégio de com ela conviver, estava casada com o ex-Governador do Rio Grande do Sul e meu querido amigo - como era ela também querida amiga -, companheiro Olívio Dutra, há 54 anos. Deixa dois filhos, Espártaco e Laura, além dos dois netos, Lorenzo e Benício. |
| R | Além de professora aposentada, D. Judite era militante ativa do Partido dos Trabalhadores desde a sua fundação e também do Cpers Sindicato. A D. Judite, eu digo aqui com muita clareza e muita firmeza, foi uma mulher à frente do seu tempo - sim, uma mulher à frente do seu tempo. Tratava todos de forma educada e com muita generosidade. Sua ausência física deixará saudades a todos nós que convivemos com ela. Aqui eu faço um aparte. D. Judite é aquela que estava lá. Só sua presença botava a respeito, ela não precisava nem falar. E muitas vezes em que eu chegava aos eventos - lembro-me -, ela me via, porque eu sou meio encabulado - eu precisaria estar na política há 40 anos -, e falava: "Paim, você está procurando Olívio, não é? O Olívio está ali com o Lula, com o Raul, com o Miguel". Aí ela me levava sempre lá para conversar com eles. Tinha um coração enorme. Tenho muito carinho por ela, por Olívio e pelos filhos. Enfim, concluo dizendo que externo publicamente o meu respeito e carinho pela D. Judite. Expresso meus pêsames ao companheiro Olívio Dutra, aos filhos, Espártaco e Laura, aos netos e a toda a grande rede de amigos e admiradores. Como eu gosto muito de poesia, até num momento como este, é bem curtinha, eu busquei essa aqui, que não é minha naturalmente. O nome da poesia é: Saudade. "Ante os mortos queridos, faze silêncio e ora. Ninguém pode apagar a chama da saudade. Entretanto se choras, chora fazendo o bem. A morte para a vida é apenas mudança, a semente no solo, mostra a ressurreição. [Por fim, diz essa bela poesia] Todos estamos vivos na presença de Deus". Sim, todos estamos vivos na presença de Deus. Emmanuel. Esse é o voto de pesar que nós estamos encaminhando à Mesa do Senado e que vai encaminhar naturalmente ao PT do Rio Grande do Sul e naturalmente aos familiares do nosso querido Olívio Dutra, que perdeu a D. Judite. Simbolicamente, como ela era uma pessoa que viveu muito tempo aqui - o Olívio foi Constituinte comigo, e eu morei um tempo na casa deles inclusive, aqui, em Brasília, que ela que coordenava, ela que, enfim, administrava aquela pequena república -, eu vou fazer um apelo a todos vocês para que a gente fizesse um minuto de silêncio de pé em homenagem à história dela. (Faz-se um minuto de silêncio.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nesse momento da nossa audiência pública, eu queria convidar os convidados presentes para que viessem à mesa. Convido, então, Carla Costa Teixeira, Antropóloga, Professora da Universidade de Brasília (UnB) e Coordenadora do Laboratório de Etnografia das Instituições e das Práticas de Poder. Por favor, seja bem-vinda aqui à mesa. (Palmas.) José Celso Cardoso Junior, Economista, Pesquisador do Ipea, especialista em temas do Estado, Presidente da Afipea (Sindicato Nacional dos Servidores do Ipea) e um dos organizadores do livro Assédio Institucional no Brasil. Seja bem-vindo também, José Celso Cardoso Junior. (Palmas.) Convido também Sérgio Ronaldo da Silva, Secretário-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Condsef). Está aqui presente também ou está virtual... Roberto Muniz Barreto de Carvalho, Presidente do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais da Carreira de Gestão, Planejamento e Infraestrutura em Ciência e Tecnologia, seja bem-vindo também. (Palmas.) O Sérgio Ronaldo da Silva deve entrar virtual, não é? Muito bem, teremos também virtual ainda, só para citar, Dione Oliveira, Presidente da Associação dos Servidores do IBGE, e também Alexandre Retamal, Presidente da Associação dos Servidores do Inep. Esses também participarão. Como é de praxe nesse momento, eu faço uma pequena fala de abertura para situar todos do tema que vamos hoje debater. O assédio institucional no setor público é um gravíssimo problema - ameaça física e psicológica, constrangimento, desqualificação, desautorização, perseguição, geralmente entre chefes e subordinados. Isso leva a várias formas de adoecimento pessoal, perda de capacidade laboral, mau desempenho profissional, devido a essa pressão. É preciso debatê-lo e compor iniciativas que possam colaborar para ajudar a caminharmos para soluções. No livro Assédio Institucional no Brasil: avanço do autoritarismo e desconstrução do Estado, tendo como um dos organizadores um dos nossos convidados, um pesquisador de Ipea, José Celso Cardoso Junior, vai aprofundar esse debate. São destacados alguns casos marcantes do afronte à democracia brasileira. No Ibama e no ICMBio, assistimos todos com perplexidade a uma série de iniciativas que buscavam destruir suas estruturas de fiscalização e regulação, além de preencher cargos sem qualquer respeito ao perfil técnico demandado. No Inep a situação não é melhor, já que as rotinas e os procedimentos que asseguram a credibilidade da instituição estão constantemente sob ataque. O caso do Exame Nacional do Ensino Médio, no ano passado, é emblemático. |
| R | No contexto da pandemia da covid-19, assustam os casos de assédio institucional em circunstâncias que põem em risco a saúde da população brasileira. Foi o que ocorreu quando da coação de servidores para recomendação do uso de cloroquina contra a doença, atitude amplamente divulgada e criticada pela própria imprensa. Na Anvisa, houve, no mínimo, uma forte pressão para que os agentes públicos direcionassem suas decisões aos interesses do Governo de plantão e contra aqueles do estado. O Governo disse que iria divulgar o nome dos técnicos que foram favoráveis à aprovação de vacina para crianças. Seria bom, não é? Favoráveis, eu queria que dissessem lá que eu sou favorável à vacina para crianças. Esses são apenas alguns exemplos de casos de assédio institucional que somam consequências funestas, não apenas para os servidores, órgãos ou entidades diretamente envolvidas, mas para todo o país. A autonomia das instituições públicas é fator absolutamente relevante para a manutenção da nossa jovem democracia tão comumente ameaçada nos últimos anos; por isso a importância do debate de hoje. Agradeço a todos e a todas pela presença e vamos ao debate. Eu sempre digo que com a democracia tudo; sem a democracia é a barbárie, é o nada. Cada convidado terá o tempo de dez minutos, não importa se estiver virtual ou presente. Vamos começar, então, pela ordem que recebi aqui - a não ser que vocês da Mesa queriam alterar -, pela Dra. Carla Costa Teixeira. Ela é antropóloga, professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora do Laboratório de Etnografia das Instituições e das Práticas de Poder. A palavra é sua por dez minutos, Doutora. A SRA. CARLA COSTA TEIXEIRA (Fora do microfone.) - Está ligado? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aperte aqui e vai acender a luzinha verde. A SRA. CARLA COSTA TEIXEIRA - Pronto. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pronto. A SRA. CARLA COSTA TEIXEIRA (Para expor.) - Estão me ouvindo? Sim? (Pausa.) Bom dia a todos os presentes e a todas, eu gostaria de começar agradecendo a oportunidade de estar aqui com um tema tão relevante e parabenizar o Senador Paulo Paim por essa iniciativa na Casa que nos recebe hoje, em especial por ser na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Afinal, a compreensão do assédio institucional é fundamental para reflexão do processo político que o nosso país vem atravessando nos últimos anos. É uma prática de poder insidiosa, cotidiana e autoritária que busca gerir a complexa burocracia responsável pelas funções de estado no dia a dia do cidadão. Trata-se, portanto, de uma prática que - uma tecnologia de Governo, eu acho que, como a gente conversava antes, esse foi o grande mérito da coletânea organizada pelo José Celso e outros colegas do Ipea - mostra como que essa dinâmica de governo atua diretamente nos nossos direitos civis, políticos, econômicos e sociais na medida em que ela inibe o exercício da função de uma burocracia técnico-política, que é responsável por garantir os nossos direitos no dia a dia de nossa vida. Em geral, o assédio institucional é nada espetacular. Aconteceu alguma coisa aqui. Desculpa, gente, não está passando a página por alguma razão, mas não tem problema. |
| R | Ele é nada espetacular. Ele consiste numa prática que se torna invisível, e isso talvez seja um dos seus maiores riscos. A sociedade não vê esse exercício de poder que se dá dentro dessa máquina. Eu escolhi hoje falar sobre um tipo de assédio específico do serviço público federal. O assédio pode tanto atacar, e ataca, as pessoas, na sua dimensão humana e moral, quanto a função pública que está em exercício, quanto o extinguir determinadas instituições. O caso específico a que eu vou me deter, eu acho que é um interesse especial desta Comissão, por falar de legislação participativa. É um tipo de assédio que, como a ex-Vice-Procuradora Geral da República Deborah Duprat, em recente entrevista falou, é talvez um dos mais danosos à democracia: no caso, a extinção dos fóruns de participação social na estrutura do Estado e no controle das políticas de Governo. E eu digo isso porque, numa certa medida, ao fazê-lo, a gente perde a oportunidade de um diálogo que é muito importante para a democracia. E aqui eu vou me permitir um recuo temporal e voltar ao processo da Constituinte de 87 e 88, porque é nesse momento que se institucionaliza esse tipo de participação popular na política brasileira. No caso, relembrando umas palavras do então Deputado Lysâneas Maciel, que foi Relator da Subcomissão, na Comissão de Direitos do Homem e da Mulher, no processo constituinte, ele dizia que, naquele momento, o desafio maior seria arrombar as portas das instituições para permitir a entrada do povo, uma entrada que era seguidamente solapada por golpes e contragolpes. Pode ser lido no primeiro relatório que ele faz, então, nessa Subcomissão. E o que a gente vê é justamente, naquele momento — claro, o Deputado Lysâneas estava se referindo ao golpe militar —, cujo término essa Constituinte celebrava. Mas, se a gente passar ao longo dos anos, a gente vai ver que essa aposta foi a aposta das duas décadas seguintes a esse processo constituinte. Nós vimos ser reproduzidos, então, dezenas, de conselhos nacionais de política pública, bem como foram realizadas quase cem conferências nacionais de política pública. Ao longo desse processo, o que a gente vê é que essas instâncias de participação popular foram de um efeito pedagógico político impressionante. Basta nós olharmos para a participação dos povos indígenas nessas instâncias, tanto nos conselhos, quanto nas conferências. No caso, mais especialmente, na educação e na saúde, mas também nos processos eleitorais municipais, estaduais e federal. Então a força pedagógica desse processo, seu enraizamento em diferentes políticas de governo, parece ter transformado esse arrombar portas de uma ideia em uma utopia em construção. |
| R | No caso específico, nós vimos que, quando essa discussão foi posta no processo constituinte, se olharmos retrospectivamente, vamos até nos surpreender - eu fui consultar esses documentos todos - com o quanto não foi polêmica naquele momento. Eu acho que houve duas emendas só relativas a essa parte e foram derrotadas sem grandes discussões. O debate se dava em outras searas. Contudo, em 2014, a Presidente Dilma, por decreto presidencial, decreto-lei, cria a Política Nacional de Participação Social. O que é que acontece? Um burburinho, um impacto enorme, no Congresso, mas também na grande imprensa, que se posicionou com acusações fortes contra essa iniciativa. Bom, esse decreto, então, caiu na Câmara, veio para o Senado e ficou sem efeito durante muitos anos. Em 2018, com a eleição do Presidente Jair Bolsonaro, ao comemorar cem dias de seu Governo, ele enterrou, de vez, a participação social. De forma espetacular, parecia que não bastava, por decreto, extinguir essa política, ele comemora cem dias extinguindo dezenas de conselhos e comissões, inclusive dentro do Ibama, esse instituto a que o Senador Paulo Paim se referiu aqui. Agora, qual o risco disso, então? Ao tirar essa dimensão da sociedade organizada de dentro da estrutura do Estado no controle das políticas de Governo, ele não só deu mais liberdade a que os setores, os atores políticos e econômicos que apoiaram a sua ascensão pudessem se mover dentro da máquina, da estrutura federal do Governo, como também, por esse efeito, algo que é cotidiano, que é o assédio institucional nas instâncias federais, mas, por essa celebração pública dos cem dias de seu Governo, ele começa a construir uma nova fronteira do Estado. Ele retira essa parte da sociedade e traz, de maneira silenciosa, os outros atores que o apoiaram, mas não o faz a partir de debates públicos, ele o faz de maneira sub-reptícia, com ocupações de espaço, sem que o debate público fosse acionado para sancioná-lo ou não. Esta é a característica do assédio institucional agora vivido pela máquina pública federal: ele é silencioso, ele é violento, ele é brutal mesmo. Ele destrói pessoas e instituições, e a sociedade, em geral, não consegue ver o que está acontecendo, a não ser em momentos muito pontuais. Então, a gente vê isso, como o livro mostra: na Funai, no Ibama, no ICMBio, no CNPq, na Capes, em muitas instituições. Naquelas onde as comissões não foram extintas porque não podia - ou eram constitucionais, ou tinham sido criadas por projeto de lei - elas foram esvaziadas. Elas foram substituídas - é o que o capítulo sobre o Ibama demonstra - por outros atores políticos que não mais os representantes da sociedade civil organizada. |
| R | Por fim, então, eu queria chamar atenção que, a meu ver, essa configuração de poder em que se insere o assédio institucional da máquina pública federal, ela traz e repercute, legitima muitas outras formas de brutalidade que a gente tem vivido na nossa sociedade. Eu sou, atualmente, Secretária Geral da Associação Brasileira de Antropologia e posso afirmar que nós, na associação, temos visto e vivido assédio a colegas em diferentes institutos de pesquisa e universidades federais e estaduais. Mas não somente as redes sociais, como todos nós sabemos, têm sido palco de uma brutalidade de difícil combate, porque ela não se dá face a face; ela usa mecanismos invisíveis de outra natureza. Então, promover um evento como este e ser invadido... (Soa a campainha.) A SRA. CARLA COSTA TEIXEIRA - ... com uma série de recursos grotescos que impedem o debate de maneira qualificada ou ainda invasão da página da associação e a queda... Nós perdemos nossa conta no Twitter. Por uma invasão dessa, a gente teve que abrir outra. Ou seja, a gente está falando de assédio institucional, mas a gente está falando também de como essa nova fronteira que eu citei aqui autoriza, legitima brutalidades políticas de diferentes ordens e que todos nós temos enfrentado, seja como profissionais, professores, pesquisadores ou como representantes de associações científicas e profissionais. Dito isto, eu, mais uma vez, parabenizo por esta iniciativa e agradeço a oportunidade. Obrigada, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Bela abertura, Dra. Carla Costa Teixeira, porque, quando a gente olha o título "assédio institucional no setor público", para muitos, pode dar a impressão de que o debate vai ser sobre o servidor público, mas vai muito além do servidor público, como a senhora explicou aí e ficou claro para todo mundo, porque algumas perguntas vêm nessa linha. Enfim, quando a senhora lembra - permita-me, e pode me corrigir se for o caso... Primeiro, lembro do Lysâneas Maciel, que foi meu colega de Constituinte, um grande Parlamentar, sem sombra de dúvida, e não me surpreende que aquela frase histórica aqui colocada, que a senhora cita neste momento, seja dele. Mas a senhora deixa muito claro que estamos falando de quilombola, estamos falando de indígena, estamos falando de trabalhadores rurais, estamos falando de meio ambiente, estamos falando da luta das mulheres, estamos falando dos conselhos, estamos falando de negros, de negras, enfim, dos setores mais vulneráveis que eram abraçados pelos conselhos e, com a sua participação social, e, como lembra, por um decreto da Dilma, que, infelizmente, foi revogado com festa nos cem dias de governo. Mas parabéns pela fala, que deixa claro para todos a importância deste debate, e claro que o autor do livro também vai se posicionar em seguida. Passo a palavra agora ao Sr. José Celso Cardoso Junior, economista, pesquisador do Ipea, especialista em tema de estado, Presidente do Afipea, Sindicato Nacional dos Servidores do Ipea e um dos organizadores do livro Assédio Institucional no Brasil. Já esteve aqui outras vezes, não é? O SR. JOSÉ CELSO PEREIRA CARDOSO JUNIOR - Já, já. Já estive algumas vezes, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E foi muito, muito, muito bem, viu? (Risos.) O SR. JOSÉ CELSO PEREIRA CARDOSO JUNIOR (Para expor.) - Muito bom. Bom dia a todos e todas! Eu queria também agradecer ao Senador Paim e cumprimentá-lo mais uma vez pela acolhida a esse tema, a este evento. |
| R | Como, em outras ocasiões, já tratamos desse assunto, eu lembro que, em uma dessas ocasiões, justamente, nós fizemos o lançamento de um livro que foi anterior a esse e que já abordava o problema do assédio institucional, ainda que não usasse essa expressão naquela época. É que, no começo do Governo Bolsonaro, a impressão que havia era que os casos de assédio moral tradicional contra servidores públicos estavam aumentando, mas eram casos que podiam ser classificados apenas como assédio moral no sentido tradicional do termo. Com o passar do tempo, nós passamos a perceber que esse era um problema muito mais amplo, muito mais abrangente. Como nós dizemos no livro, é um fenômeno abrangente, profundo e veloz. Ele é abrangente porque perpassa várias áreas de atuação governamental, praticamente toda a política social, toda a área de ciência e tecnologia, toda a área de educação, de meio ambiente, de cultura, ou seja, setores imensos da atuação governamental passaram a ser assediados neste sentido: perseguidos, ameaçados, constrangidos nas suas funções e ações precípuas. Mas, além de ser abrangente, nós identificávamos esse fenômeno, já em 2019, como sendo também profundo, no sentido de que não se tratava apenas de ameaças inconsequentes. Havia, por trás do assédio, um método de governo, um método que foi se alastrando pelo Governo Bolsonaro no âmbito das organizações federais e que veio a se constituir numa ameaça profunda, como a gente diz no livro, ao próprio desempenho das organizações públicas, uma ameaça à própria existência das políticas públicas, e passamos, então, a identificar nesse fenômeno o problema do desmonte das políticas, das organizações públicas etc. Então, ainda que o problema do assédio atingisse os servidores, ao fim e ao cabo, como é por meio dos servidores que as políticas efetivamente se realizam, ele não era um problema restrito à dimensão moral do assédio, era um problema que também ganhava materialidade no sentido de constranger, ameaçar e colocar em risco a própria existência das organizações e das políticas públicas. A Profa. Carla mencionou a questão da participação social e a forma quase que delinquente por meio da qual ela foi extirpada do atual Governo, mas isso vale para a política ambiental, para a política educacional, para a política cultural etc. E a terceira característica importante desse fenômeno, além de ser abrangente e profundo, era a velocidade com que isso estava acontecendo, quer dizer, mais precisamente desde o golpe de 2016 contra a Presidenta Dilma, nós já começamos a identificar esse fenômeno, mas certamente é o Governo Bolsonaro que "formaliza", entre aspas, ou "institucionaliza", entre aspas, o assédio como um método de governar, como uma forma, uma tecnologia de governar. Então esse é o primeiro grande achado, talvez, do livro, que é, em vez de localizar casos específicos e abordá-los como fatos isolados dentro de um governo qualquer, porque é evidente que o assédio não é uma exclusividade do atual Governo, ainda que neste Governo ganhe escala, ganhe amplitude e método... |
| R | Então esse passou a ser o principal objetivo desse trabalho que veio a público recentemente, que reúne mais de 50 pesquisadores entre servidores públicos e especialistas no assunto que, em torno de 20 capítulos, puderam demonstrar empiricamente, inclusive, não apenas teoricamente, mas empiricamente, demonstrar que o assédio era e é um método do atual Governo para levar a cabo seus objetivos político-ideológicos, que basicamente são três. A instituição de um modelo econômico que hoje na literatura já se chama de modelo liberal autoritário, ou seja, liberal do ponto de vista econômico, alguns chamam inclusive de liberal fundamentalista de mercado, na medida em que pretende deslocar completamente o peso e a participação do Estado na regulação da dimensão econômica, e isso só é possível de ser feito por meio de métodos autoritários, ou seja, segundo critérios e procedimentos propriamente democráticos, torna-se muito difícil implementar, essa que é a verdade, esse tipo de modelo num país heterogêneo, desigual, complexo como é o brasileiro. Então, o modelo liberal autoritário depende do assédio como método para ser implementado, esse que é o ponto. Em segundo lugar, o objetivo é, por meio ou para se implementar o liberalismo autoritário, destruir a Constituição de 1988. A Constituição é o principal anteparo a esse modelo, então, não é à toa que as reformas todas que temos enfrentado desde 2016 para cá são reformas no sentido de desconstitucionalizar direitos, de reverter conquistas como a da participação mencionada aqui, mas outras tantas, como a da própria seguridade social e tantas outras. Então, destruir a Constituição é parte, condição necessária para implementar o modelo liberal autoritário. Por fim, o terceiro objetivo ou talvez condição para isso é atacar os próprios servidores. A PEC 32 da reforma administrativa tinha este objetivo: destruir a capacidade organizativa dos servidores públicos e destruir com isso a própria capacidade do Estado de oferecer políticas públicas para o conjunto da população. Além de o livro demonstrar empiricamente, por meio de entrevistas, por meio de instrumentos que conseguiram inclusive dimensionar quantitativamente esse problema, denunciar o fenômeno do assédio como método de governo e, em terceiro e último lugar, sugerir a ideia de que esse não é um fenômeno restrito à ordem psicossocial, como em geral é tratado o fenômeno do assédio na literatura e em outros fóruns; ele é um caso, um problema de natureza e de implicações políticas. O próprio subtítulo do livro dá esta conotação ao fenômeno: trata-se de um fenômeno cujas implicações são o avanço do autoritarismo no Brasil, algo que está evidente por meio de uma série de ataques diuturnos à Constituição de 1988 e também contra a própria ordem democrática e republicana que emanou da Constituição de 1988, o próprio Presidente da República colocando em questão as urnas, mas, na verdade, o que ele quer é colocar em questão a própria eleição como um modo de a sociedade fazer valer as suas vontades gerais, mostra cabal desse fenômeno de que o assédio vai muito além de ser um problema de natureza psicossocial, é um problema de natureza e de implicações políticas gravíssimas para o Brasil. |
| R | E, em segundo lugar, como também consta do subtítulo do livro, por meio disso se visa a - e se obtém até o momento - um processo bastante largo de desconstrução do estado, das institucionalidades e das políticas públicas. Pois bem, há um e mais, provavelmente, contrapontos a isso. Nesse momento, inclusive, tramita pelo Senado a PEC 27. A PEC 27 nasceu como uma reação a esse fenômeno do assédio institucional... (Soa a campainha.) O SR. JOSÉ CELSO PEREIRA CARDOSO JUNIOR - ... ela visa, a PEC 27, e aqui eu encerro, a fornecer uma espécie de blindagem ou de proteção constitucional a organizações que são produtoras de informação e de análise e de avaliação de políticas públicas, como são o Inep, como são o IBGE, o Ipea e também CNPq e Capes, contra esse tipo de fenômeno. Afinal de contas, para o ditador ou para o dirigente político de índole autoritária, destruir as organizações públicas que produzem informação e, por meio delas, se construir uma narrativa e uma interpretação sobre a sociedade é quase que condição necessária para fazer implementar o seu próprio projeto autoritário. Então, essa PEC 27 pode servir como um anteparo, uma proteção a esse fenômeno, se ele avançar daqui para frente. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Senhor José Celso Cardoso Junior. (Palmas.) Meus cumprimentos também pela explicação. Fica muito claro para todos que é um método de governo. Na verdade, um método ideológico de desconstituir tudo aquilo que foi feito. E eu, quando falo da Constituição, é claro que eu viajo no tempo e eu me vejo lá naqueles debates, naquele tempo, porque foi uma Constituição avançada para a época. E, por isso, a tentativa da desconstrução. E nós vemos os ataques aí à cultura, à educação. É lamentável. Por isso, eu fiquei feliz em saber que 50 pesquisadores trabalharam com afinco para buscar caminhos de não permitir que isso aconteça. E você lembra aí da PEC 27. Acho que a PEC 27, da forma que você colocou, é tão importante que merece uma audiência pública. Por que da PEC 27? Quem é a autora mesmo? O SR. ROBERTO MUNIZ BARRETO DE CARVALHO (Fora do microfone.) - Senadora Leila Barros. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Leila, né? Grande Senadora, viu? O SR. ROBERTO MUNIZ BARRETO DE CARVALHO (Fora do microfone.) - E o Senador Kajuru... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso, isso. Vamos combinar com eles para nós fazermos aqui... Eu estou recebendo em mãos. Acho importante, muito importante essa proposta. Grande Senadora Leila, faz parte desta Comissão, e também o Senador Kajuru, grande Senador, que também faz parte, para a gente fazer um debate sobre a PEC 27, que seria o contraveneno, não é? O SR. ROBERTO MUNIZ BARRETO DE CARVALHO (Fora do microfone.) - O antídoto. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso, o antídoto. Vocês dizem o antídoto, eu já digo o contraveneno. Mas fica já combinado. Parabéns, viu, Celso. Vamos agora ao Senhor Roberto Muniz Barreto de Carvalho, Presidente do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais da Carreira de Gestão, Planejamento e Infraestrutura em Ciência e Tecnologia. Está presente aqui. Doutor Roberto Muniz, a palavra é sua. O SR. ROBERTO MUNIZ BARRETO DE CARVALHO - Bom dia a todos e todas. Eu saúdo aqui os presentes na figura do Presidente desta Comissão, da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, o Senador Paulo Paim... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Humberto Costa. O SR. ROBERTO MUNIZ BARRETO DE CARVALHO - Ah, o Presidente é o Humberto? O senhor está presidindo a mesa. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso, mas é que eu fui... Nós estávamos até olhando ali, o pessoal estava tirando foto, eu fui o que mais presidiu esta Comissão. |
| R | O SR. ROBERTO MUNIZ BARRETO DE CARVALHO - Pois é! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Deve ter três ou quadro. São dois anos de cada vez. Eu fui de três a quatro vezes Presidente. Mas o Humberto Costa está viajando, por motivo de força maior. Ele foi, inclusive, ver a terra dos ianomâmis, aquela situação toda. O Contarato é o Vice. Mas, de pronto, quando eu apresentei o requerimento, eles apoiaram. "Não, nós vamos estar viajando, mas você preside." O SR. ROBERTO MUNIZ BARRETO DE CARVALHO - Perfeito. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O seu tempo começa agora. O SR. ROBERTO MUNIZ BARRETO DE CARVALHO (Para expor.) - Retificando, eu saúdo o Presidente desta Mesa, o autor do requerimento, o Senador Paulo Paim, pela importância do assunto, pela importância do tema. Eu vou procurar, nesses quase 5 minutos que a gente tem, 10 minutos, para falar, trazer um pouco da materialidade do caso do assédio institucional. O José Celso e a Professora Carla já explicaram de uma maneira muito didática e bastante clara do que se trata o assédio institucional. Então, eu gostaria não mais de tentar caracterizá-lo mas de, talvez, trazer para quem está nos acompanhando, para os nobres Senadores desta Casa, para esta Comissão, alguma coisa mais próxima do que acontece, por exemplo, na minha área, que é a área da ciência e da tecnologia, no CNPq, na Capes, no Ministério da Ciência e Tecnologia, nas organizações e institutos que produzem ciência neste país, assim como nas universidades. Mas eu gostaria de reforçar alguns pontos que já foram ditos. Primeiro, o assédio institucional não é uma prática isolada, não se trata de uma prática isolada. Como o José Celso colocou, é uma política de governo. Não se trata de um assédio como o que a gente já tem visto em filmes, na televisão, diariamente nos jornais, como já é da nossa legislação, o assédio sexual e o assédio moral, que é de um indivíduo para um indivíduo. Nós estamos falando aqui de uma coisa que é de uma instituição, que parte de dentro da instituição contra a própria instituição. O assédio institucional tem um agravante: ele ataca as funções típicas do Estado. Assim, se a gente entende o Estado olhando a Constituição de 88, um Estado promotor do bem-estar social, não um Estado que vai apenas favorecer um grupo ou alguns grupos com grande poder econômico, se é um Estado que trabalha para o conjunto da sociedade, esse Estado está sendo cotidianamente atacado através do assédio institucional. Por isso, ele está muito relacionado, está profundamente relacionado a práticas autoritárias, como as deste Governo a que nós temos assistido. Ele ataca as instituições, não procura especificamente atacar o fulano "a", "b" ou "c", o Pedro, o José e a Maria, ele ataca o conjunto daqueles que fazem com que essas instituições funcionem, com o fim primeiro de deslegitimar essas instituições. Nós passamos anos vendo a defesa das instituições neste País, se dizia que as instituições eram o que a gente tinha de mais caro e importante num país. Agora a gente está vendo o contrário. Embora não se diga, o que está em ataque é a desconstrução de certas instituições, principalmente daquelas que trabalham para um desenvolvimento sustentável, para a soberania do país, para o benefício da população. |
| R | Nessa parte mais geral, eu diria que o assédio institucional tem um objetivo: ele ofende diretamente os direitos de liberdade e de igualdade. Ele vai no cerne disso. Por quê? Porque o principal instrumento do assédio institucional é o medo. Ele impõe um regime de terror nessas instituições. O medo paralisa. O medo faz com que as pessoas deixem de atuar. O medo impede a atuação daquilo que é o trabalho do servidor, que é servir à população. Ele perde a liberdade de cumprir as suas funções. Vejam os casos dos servidores, por exemplo, do meio ambiente e da saúde. E ele também ataca o direito à igualdade, impede que a gente se manifeste em pé de igualdade, porque o assédio diz que nós somos inferiores, que nós não temos as funções que o Estado designou para nós. Ele tira o nosso direito à cidadania, está certo? E esse é um método que, relativamente, não é tão novo. Eu consegui localizar uma tese de mestrado, Senador, na PUC São Paulo, na área de Direito, que tratava de assédio moral institucional no setor público. O regime de medo exposto por certas empresas, como, por exemplo, as empresas de telemarketing, para alcançar alta produtividade é um assédio moral, mas não de um indivíduo, de um chefe sobre uma subordinada. Era da instituição, para fazer com que o conjunto dos trabalhadores esquecessem seus direitos, direitos de reunião, direito sindical, direito a descanso. O que há de novo no assédio institucional é que esta prática execrável, reprovável, já tipificada em lei como contravenção, é trazida para o âmbito do Estado. Você traz isso para o Estado. Essa é a grande novidade dessa figura assédio institucional, porque o Estado começa a fazer esse tipo de coisa. Você pode até entender que um ente privado, na sua gana de lucro, na sua vontade de lucro, atropele tudo. Agora, o Estado? O Estado fazer isso, atuar contra a cidadania, quando ele é o responsável pela cidadania? Isso não se deve fazer. E nós servidores da área de C&T estamos vendo isso. Como é que nós somos assediados? Nós somos assediados porque a gente trabalha em prol do desenvolvimento científico e tecnológico, na Capes, no CNPq, com bolsas, com financiamento a pesquisa, sem discriminar áreas, sem discriminar pesquisadores, tentando compensar as desigualdades regionais. E o que vem e faz o Governo? Ele ataca a ciência. Ele diz que a ciência não dá resposta para a sociedade. É um governo que nega a ciência, defende o terraplanismo, diz que a Terra é plana, enquanto, lá na idade média, a gente já tinha essa luta e já está mais do que comprovado que a Terra não é plana, não é? E esse é só um exemplo. Ao fazer isso, ele deslegitima não só o pesquisador, mas todo o sistema de ciência e tecnologia. O que nós vimos na pandemia? Não era só a questão da vacina, era a questão da ciência. A ciência estava produzindo vacinas que poderiam ter evitado os milhares de mortes que tivemos no Brasil. A ciência estava recomendando a não aglomeração, o uso de máscara. E o que o Governo fez? Atacou a ciência. Negou a ciência, promovendo a morte. E, ao fazer isso, cortou o orçamento na área de ciência e tecnologia. Nós nunca tivemos, neste país, um orçamento tão reduzido para a área de ciência e tecnologia. O orçamento do CNPq é o menor nos últimos dez anos. |
| R | O país cresceu, as necessidades por ciência e tecnologia aumentaram exponencialmente, e o nosso orçamento é o menor dos últimos dez anos. Mas não só o orçamento, Senador. Nós temos o menor número de servidores no órgão, da sua história. Nós éramos em torno de 800 servidores altamente qualificados, com mestrado e doutorado, para fazer com que o sistema de ciência e tecnologia funcionasse, para produzir vacinas, para produzir soluções para os problemas brasileiros, e, hoje, a gente não passa de 300. São menos de 300 servidores na ativa. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Menos de 300? O SR. ROBERTO MUNIZ BARRETO DE CARVALHO - E em menos de dez anos, Senador! Não há perspectiva de concurso. Isto é resultado de uma política sistemática. Por que eu digo sistemática? Porque não é um caso só do CNPq. Nós vamos ver isso na Capes; nós vamos ver isso no Inep; nós vamos ver isso no Ipea. É o mesmo quadro! Se a gente pegar todas essas instituições e construir um gráfico, vocês vão ver o mesmo gráfico para o Ipea, o mesmo gráfico para o CNPq, o mesmo gráfico para a Capes. Cai pessoal, cai orçamento e, internamente, o medo; internamente, a coação; internamente, a desvalorização do que o servidor faz. As nossas funções no CNPq, na Capes, no ministério, como gestores, é de fazer gestão, planejamento e gerir a infraestrutura. É isso que nós fazemos. Nós estamos perdendo essas atribuições. Não nos está sendo permitido fazer, de fato, gestão, fazer o planejamento. (Soa a campainha.) O SR. ROBERTO MUNIZ BARRETO DE CARVALHO - Vou dar um exemplo aqui para concluir. A área de planejamento do CNPq foi sucateada; ela quase desapareceu. Não é possível fazer ciência sem planejamento, Senador, reconhecer as necessidades da população. Ela praticamente deixou de existir. Recebemos um novo presidente, que resolveu pôr de volta a área de planejamento. Quem estava lá dentro do CNPq, gente com mestrado e doutorado, construiu a proposta da área de planejamento e se candidatou a chefiar essa área. Nós temos um processo de seleção interna para escolher os gestores de certas áreas. As pessoas que bolaram, pensaram e tinham conhecimento, qualificação para isso concorreram. Ora, o presidente da época disse: "Não, não quero nenhum desses, porque vocês podem ser qualificados, mas não são capacitados". Assédio institucional! Como é que a pessoa que faz a proposta é qualificada, tem mestrado e doutorado e não lhe é permitido desenvolver aquilo? É puro assédio institucional. E, de fato concluindo, eu queria só chamar a atenção para a questão da PEC n° 27, Senador, que é fundamental. Houve uma emenda do Senador Humberto Costa no sentido de que se incluísse a Capes e o CNPq, porque a gente, às vezes, pensa a Capes e o CNPq só com a atribuição de bolsas, de entregar e dar bolsas, mas eles fazem muito mais do que isso - está certo? Eu lembro aí o caso da Plataforma Lattes, a plataforma de currículos do CNPq, que não é só currículo. Se o CNPq deixar que essa plataforma pare de funcionar ou se ela for passada à iniciativa privada, o Brasil vai perder informações fundamentais para poder gerenciar o Sistema Nacional de C&T. E isso tem implicações socioeconômicas, não é só para os indivíduos. Perde o Brasil na perspectiva de desenvolvimento social. Sem ciência, a gente não tem desenvolvimento. Perde o país, porque, sem ciência, nós não temos saúde; perde o país, porque sem ciência, a gente não tem segurança: nós vamos ser um país sem autonomia e sem soberania. É isso, Senador. Muitíssimo obrigado. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, muito bem, Dr. José Celso Cardoso Júnior, que mostra infelizmente o caminho que eles estão percorrendo, praticamente, eu diria, ao destruir a ciência, a tecnologia e ter política, de fato, de Estado: é contra a democracia, contra o Estado de bem-estar social, contra o desenvolvimento sustentável e a própria soberania. Essa palavra para mim é chave nesse tipo de política, e o senhor colocou com muita força: medo, medo. A política do medo é uma forma de desconstruir. E só esse dado de 800 para 300 é porque realmente temos problema muito, muito sério, muito sério. Um Senador muito atuante nesta Comissão, sempre presente aqui como em outras, aqui de Brasília, é o Senador Izalci Lucas, que pediu a palavra para dar a sua contribuição. De pronto, é claro, esta Presidência atende o pedido do nosso querido amigo e Senador Izalci Lucas. Por favor. O SR. IZALCI LUCAS (Bloco Parlamentar Juntos pelo Brasil/PSDB - DF. Pela ordem. Por videoconferência.) - Presidente Paim, primeiro, quero parabenizar a iniciativa desta audiência; a gente que acompanha essa área de ciência e tecnologia há muitos anos, como Presidente da Frente Parlamentar. Eu estou em São Paulo, mas estou aqui acompanhando a PEC 27. Acho que ela é fundamental. Nós temos que transformar essas instituições numa política de Estado e também com autonomia. Não dá para toda vez ter interferência política nessas entidades, nessas instituições, que são responsáveis realmente para fazer toda a diferença nessa área de ciência e tecnologia. Então, eu parabenizo aí a iniciativa. Eu não vou estar aí presente agora, mas contem comigo, viu Paim! Acho que é uma matéria que merece inclusive ir direto ao Plenário para nós resolvermos essa questão antes do mês de julho; nós que temos que apresentar alguns projetos agora prioritários para votar ainda este semestre, antes da eleição, acho que esse é um dos que merece realmente entrar na pauta. E parabenizo aí os servidores do CNPq, da Capes, a gente que recorre. Essa aí é a dificuldade da área por que eles passam: toda vez que se discute orçamento, há um bom corte; só pensam em cortar. E eu espero que agora, inclusive com o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a gente possa valorizar um pouco mais essas instituições. Obrigado, Paim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Parabéns, Izalci. Quero dizer que o Izalci não é só aqui, viu? No Plenário é o cara que mais fala em ciência e tecnologia. Não tem uns que falam mais em educação? É no que ele também fala. Eu gosto muito de falar em previdência - e vocês sabem disso - e em direito dos trabalhadores. Mas quando o debate é ciência e tecnologia, o Senador está sempre presente, tanto que ele fez questão de entrar aqui. Vamos agora aos convidados que estão online. Eu passo a palavra agora à Presidente da Associação dos Servidores do IBGE, Sra. Dione Oliveira. Por favor, Dra. Dione Oliveira, a palavra é sua. O SR. DIONE OLIVEIRA (Por videoconferência.) - Bom dia a todos e a todas! Vocês me ouvem? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeitamente. |
| R | O SR. DIONE OLIVEIRA (Para expor. Por videoconferência.) - Beleza. Em primeiro lugar, eu gostaria, em nome do Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE, de agradecer o convite para participar desta audiência. Agradeço a iniciativa ao Senador Paulo Paim, pela sensibilidade ao tratar este tema e por reunir tanta gente importante para debatê-lo, neste momento. Aos demais companheiros que estão aqui presentes, um agradecimento especial à Afipea, representada pelo José Celso, que tem feito um esforço grande em sistematizar todos os casos de assédio institucional, documentar e, enfim, publicar este livro, que serve, imediatamente, como referência para todos nós, em nossa contranarrativa a todo este ataque que temos sofrido, porque não se restringe aos trabalhadores unicamente, mas ao serviço público como um todo. Isso, a gente tem que falar a todo momento, impacta toda a sociedade. O que a gente verifica é que impacta toda a sociedade, não estritamente os servidores e os órgãos públicos. Como o assédio institucional já foi definido aqui por várias pessoas, de forma bastante densa, a ideia aqui é a gente focar no caso do IBGE e entender esta política de Estado, que é o assédio institucional, que tem como características, como pano de fundo uma política econômica ultraliberal ou liberal fundamentalista, como a gente quiser chamar, e que tem, na outra face, um sistema absolutamente autoritário, antidemocrático, e como isso influencia a nossa instituição. Bem, a gente pode relacionar três aspectos: a questão orçamentária, o ataque à credibilidade da instituição e o ataque sistemático ao quadro de pessoal, que é o que quebra as nossas pernas. A gente diz assim, dessa forma resumida. Como já disse o Roberto, no caso do CNPq, o José Celso, no caso do Ipea, o caso do IBGE não é diferente. A gente vive, sistematicamente, um projeto de redução do quadro de pessoal efetivo, que é algo que se consolidaria numa reforma administrativa, na medida em que não se vetariam completamente concursos públicos. Mas, para a gente, é uma realidade, não é novidade e se agrava cada vez mais, ao longo do tempo, e a gente vive hoje o menor quadro de pessoal efetivo que o IBGE teve em toda a sua história. As direções, especialmente esta, não fala, não reconhece que tenha ocorrido substituição de pessoal efetivo por permanente. Quando a gente vê o gráfico, a gente observa que, ao longo do tempo, o número de pessoas, o quadro total de pessoas, a força de trabalho do IBGE se mantém relativamente estável. O que se altera é a estrutura de pessoal. O que ocorre é que a gente tem cada vez menos pessoal disponível. Se, em 2008, a gente tinha mais de 7 mil, hoje a gente tem cerca de 4 mil servidores. Ao mesmo tempo em que se reduz o quadro de pessoal efetivo, aumenta-se o quadro de pessoal temporário. |
| R | São trabalhadores que ficam na instituição no máximo três anos; há uma proposta agora da Direção para aumentar esse tempo, de três para cinco. Em nossa interpretação, significa, da mesma forma, um aprofundamento da precarização, porque se a gente sofre quando perde uma pessoa que foi qualificada durante três anos, a gente vai seguir perdendo uma pessoa mais qualificada, que não vai ser mais por três anos, mas vai ser por cinco anos, uma pessoa mais qualificada ainda. Então, a gente vive essa realidade da precarização. Todos os nossos trabalhos permanentes envolvem o uso do trabalho temporário, são pessoas que... O agente de pesquisa e mapeamento ganha, por exemplo, R$1.387. É um salário aviltante para o nível de responsabilidade que esse trabalhador tem no IBGE, porque todas as pesquisas permanentes, desde a pinagem contínua até passando pela pesquisa de preços, tudo isso que vai compor, as pesquisas conjunturais, as pesquisas anuais, o sistema síntese, por exemplo, que é o sistema de contas nacionais, dependem dessa força de trabalho. Então, esse é um ataque permanente à nossa instituição que é não permitir que a gente renove o quadro de pessoal com pessoas que efetivamente levem a memória institucional e nos vemos diante de um problema crônico, que é a ingestão do conhecimento dentro da instituição. Então, esse é o primeiro ponto que a gente tem que denunciar. A instituição se negou a solicitar concursos. A gente está vendo um contexto em que estão vigentes mudanças de regras. Houve uma mudança do aparato legal muito sério nos últimos tempos, tendo, para citar, por exemplo, a emenda do teto, que limitou também concursos, orçamentos e tal, mas, ainda assim, a direção do IBGE não solicita concursos. Recentemente solicitou, mas para chegar gente só em 2023, e a gente tem 20% da força de trabalho aposentada. Então, esse quadro é um quadro muito grave para a instituição e que coloca em risco a continuidade dos nossos trabalhos. O segundo ponto, que é importante a gente argumentar, é a questão orçamentária. A gente tem um quadro, um exemplo paradigmático de assédio institucional e de estrangulamento orçamentário, que é o censo demográfico. Em 2019, implementou-se uma luta fortíssima em defesa do censo, a gente segue defendendo o censo. Esta Comissão foi muito importante, na figura do Senador Paulo Paim, ao chamar debates sobre o censo. Nós fizemos campanhas, audiências públicas e foi muito importante essa iniciativa, pois garantiu que a gente tivesse o censo. A pressão da sociedade garantiu que a gente tivesse censo, apesar de ele estar indo a campo de forma retalhada, porque, com a justificativa de redução do orçamento, também foi feita a redução do questionário, a redução de temas e chegamos a uma configuração do censo que não é a configuração planejada inicialmente pela instituição. Contou com o debate de diferentes setores da sociedade pois, como a Profa. Carla disse na sua primeira fase, uma instituição pública se faz com a discussão da sociedade. O IBGE frequentemente tem um histórico de fazer isso; então, para a construção do censo, começou a ser feito, lá em 2015, um projeto de longa maturação, que é a característica dos projetos dos institutos de estatística, então, começou a ser feito lá em 2015, contou com vários fóruns, com a participação da sociedade e de organismos internacionais para a sua construção. |
| R | Em 2019, quando toma posse o Governo Bolsonaro e Suzana Cordeiro Guerra como indicada para a sua direção, foi feito um processo de reformatação completa do Censo, que desconsiderou estudos técnicos e toda autonomia técnica para a realização dessa discussão e também a participação construída com a sociedade. Então, essa nova formatação ignorou todo o debate que já tinha sido feito antes. Há coisas normais, que são feitas no processo de construção que significam aprimoramentos de perguntas, cortes de perguntas, mas, da forma como o Censo foi feito, é um exemplo muito claro de assédio, porque o quadro técnico não foi respeitado, e tudo que tinha sido construído com testes e com avaliações científicas sobre o assunto foi relegado a segundo plano. Então, o terceiro ponto - só para a gente concluir - tem a ver com uma desqualificação recorrente, que está presente nos discursos do Presidente e do Ministro da Economia, que falam que a gente está na Idade da Pedra - só para reproduzir algumas falas. Mas a fala que é mais paradigmática vem no momento do anúncio dos cortes no orçamento: saiu de 3,1 bilhões para 2,3 bilhões, lembrando que foi quase completamente suspenso na Loas de 2021. Mas aquela frase do Ministro Paulo Guedes, na posse da Presidente do IBGE, reflete uma época, abro aspas: "Quem pergunta demais acaba descobrindo coisas que nem queria saber". Então, é contra esse tipo de postura, que diz que a gente não precisa saber - porque também não quer fazer política pública, enfim, não quer gerar bem-estar social -, é que a gente tem que se contrapor. Então, a iniciativa da PEC 27 é uma iniciativa superimportante no sentido de blindar os nossos órgãos; não vai resolver tudo, mas é um ponto de partida para a gente redesenhar as nossas instituições que estão absolutamente sendo destruídas por este Governo. Então, a gente não pode ficar à mercê de governos autoritários. A gente precisa ter proteção. A gente precisa de proteção para continuar seguindo em nossas missões, e a do IBGE é retratar o Brasil com informações necessárias para o conhecimento da sua realidade e para o exercício da cidadania. Obrigada, gente. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Muito bem, Dra. Dione Oliveira, Presidente da Associação dos Servidores do IBGE! Faço questão de repetir a importância do IBGE. É uma desconstrução do país, e o IBGE é fundamental pela sua fonte como pesquisa, como informação que subsidia os outros agentes públicos a apontarem caminhos nas políticas sociais. O ataque aos profissionais... A PEC 32, felizmente - felizmente... Eu faço parte, eu sou um dos - queriam que eu ficasse de coordenador na frente. Não, sozinho não tem como, não é? Eu sou um dos... Então, são dez coordenadores - eu estou lá entre os dez -, e todos fizeram um belíssimo trabalho. Parabéns a todos os coordenadores! Enfim, ela fala corretamente, porque, desde os concursos públicos, é só serviço temporário cada vez mais precarizado e pagando um salário mínimo praticamente - é o valor de um salário mínimo -, enquanto esses profissionais concursados iam cada vez pegando mais experiência e estariam à disposição de políticas de Estado. |
| R | Infelizmente, é uma desqualificação do serviço público proposital, porque não querem ter o compromisso que todos vocês colocaram com o nosso país, com a soberania e com a democracia. Mas vamos em frente. Eu faço um pequeno comentário, mas longe daquilo que vocês já falaram, viu? Fabio, por favor. O Fabio Monteiro Lima é advogado da Assinep (Associação dos Servidores do Inep) e vai substituir o Dr. Alexandre, que não pôde estar presente. O SR. FABIO MONTEIRO LIMA (Para expor.) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim. Novamente quero pedir desculpas pelo nosso Presidente da Assinep, Alexandre Retamal, que teve uma situação familiar urgente e me pediu, como eu já estava aqui acompanhando, para fazer uma pequena colocação. Como eu sou advogado, tenho por ossos do ofício falar do âmbito legal da coisa, então, talvez, a minha fala não seja tão apaixonada quanto a dos servidores que efetivamente vivem esse processo. A partir do que já foi falado aqui, nós vemos o seguinte: o órgão pode ser visto como uma engrenagem para a formulação e para a entrega daquela política pública à sociedade, e o assédio institucional, diferentemente do assédio moral, que é sempre focalizado em uma pessoa, visa à quebra dessa engrenagem, mas essa quebra passa pela quebra dos seus dentes, que são os servidores. Então, o ataque aos direitos individuais dos servidores é um passo fundamental no processo do assédio institucional, e nós o vemos no Inep de forma muito presente. Eu recebo ligação diária dos servidores do Inep dizendo: "Fui removido para um setor em que eu não tenho a menor habilidade para fazer aquilo". Servidores que estão há 20 anos na área, há dez anos no Enem são mandados para licitação e contratos de suprimentos, e o servidor que está há 20 anos em licitação e contratos é mandado para o Enem. O servidor chega a 20 anos de Inep e não tem uma cadeira para se sentar; servidor que foi diretor, foi removido e não tem hoje uma cadeira para ele se sentar. O servidor que pede LIP (Licença para Tratar de Interesse Particular), porque ele está num quadro profundo de depressão, pede uma licença sem custo ao Erário, e, imotivadamente, essa licença é negada. O servidor então que está no seu dia a dia e, de repente, descobre uma sindicância, de repente, descobre um PAD. No ano passado, trinta e tantos servidores do Inep - o número foi mudando ao longo dos dias: começou com 6, foi parando em 32 no outro dia, hoje eu acho que completou 39 - entregaram os cargos por completa incapacidade de atender pedidos absurdos da gestão. O que aconteceu com esses servidores? A gestão disse: "Não, isso aí é a gratificação de não sei o que que a gente não está pagando". Sim, não está pagando e deveria estar pagando, era um direito individual também do servidor. E outros absurdos foram cometidos. E o que a gestão está fazendo? Uma espécie de sindicância a céu aberto contra esses servidores que estão sendo tratados como vilipendiando o Erário público, sendo que, se fosse uma sindicância, seria sigilosa para proteger a intimidade e a privacidade dos servidores, mas nem esses direitos são respeitados. Esses e vários outros, são inúmeros casos. Agora, na sexta-feira, entrei com um mandato de segurança com um servidor que disse: "Olha, eu estou no terceiro ano do doutorado, vou para o quarto ano com afastamento. Sem motivo qualquer, o meu afastamento não foi prorrogado". Não decidiram a prorrogação. E aí a gente leva isso para o Judiciário. Nessa vez a gente conseguiu uma liminar. Mas a gente leva isso para o Judiciário e muitas vezes o Judiciário diz: "Não, isso é discricionário." "Não, isso está no âmbito da discricionariedade." "A gestão pública tem espaço para decidir como melhor lhe aprouver." E nós perdemos, ao longo dos últimos anos, diversos instrumentos para combater esses excessos de discricionariedade. |
| R | Um que eu acho que tinha que ser pontuado do começo foi a contribuição sindical e depois, por decreto, proibiram a consignação e o pagamento do valor da associação do servidor. Para quê? Para quebrar as associações, porque uma associação forte protege o servidor num momento como esse. Hoje as associações, os sindicatos, praticamente, não têm condição de tocar uma greve. Não têm condição, muitas vezes, nem de manter uma assessoria jurídica, para quando o servidor é atacado. E isso se comunica muito com o que a Dione falou. Por que é feita a troca pelo temporário? Porque o temporário tem um contrato precário, o temporário pode ser demitido, desligado, sem justificativa, qualquer que seja. O servidor eu tenho, no mínimo, que montar um PAD contra ele e criar um processo ali muito mais complexo. Então isso é que nós estamos vivendo. É necessário fazer o fortalecimento das instituições de representação dos servidores, em todos os órgãos, não só nesses que estão aqui representados. É necessário fazer o fortalecimento dos direitos individuais dos servidores, porque são esses direitos que fazem com que o servidor não tenha que baixar a cabeça diante do assédio institucional. E é necessário pensar numa nova forma de gestão. Sobre essa nova forma, nós entes mais visados, como já foi colocado aqui, que os entes produtores de informação são o primeiro alvo, isso desde sempre... Então pelo menos aqui a gente tem que ter um algo a mais de proteção. O Congresso Nacional aprovou uma mudança legislativa para dar autonomia ao Banco Central, que é um ente que faz política pública, um ente que faz política econômica, ele também monitora o sistema bancário e etc., mas ele faz política e ele é autônomo. E os entes que são praticamente fiscalizadores do próprio Governo, pelos dados que eles oferecem à sociedade, esses estão nas mãos da política. Então é um contrassenso completo o que a gente está vivendo, por um ataque frontal às instituições, mas que muitas vezes não tem ferramental jurídico para uma proteção a posteriori. Então, pela Assinep, nós fomos ao Ministério Público Federal, fomos ao TCU e viemos aqui ao Congresso Nacional, para demonstrar o assédio institucional que sofre o órgão. E esses órgãos não têm instrumental jurídico. O TCU, olha... Será que este ato aqui, pontualmente, este ato aqui, é antieconômico, é antieficaz? Não, meu amigo, não é um ato. É um conjunto. É uma política. E o órgão jurídico não tem, talvez nem tenha que ter, capacidade de interferir na política dessa forma. E aqui eu quero ressaltar um outro instrumento que nós perdemos que foi a Lei de Improbidade Administrativa. A Lei de Improbidade Administrativa tinha três artigos com os tipos de ilícitos. O art. 10 falava dos ilícitos contra os princípios da administração pública. Então ali eu poderia dizer, como houve, mudando um pouco de exemplo, o ex-Ministro da Saúde, General Pazuello, general de Exército, tem que ser dito, ele foi objeto de uma ação de improbidade administrativa, por descumprimento dos princípios administrativos, lá no Ministério Público Federal do Amazonas, antes da mudança da lei. Na nova lei, a ação foi extinta, porque não há mais esse tipo administrativo de atacar os princípios; tem que ser apenas na forma como está estritamente escrito. Era um tipo de ilícito civil necessariamente aberto para alcançar situações como a que a gente está vivendo, hoje, do assédio institucional, porque o assediador atua frontalmente contra o princípio da eficiência, contra o princípio da legalidade, contra o princípio da impessoalidade, por diversos atos, só que isso não é mais um ato de improbidade administrativa. Se fosse, eu conseguiria, pela via de uma ação civil pública, afastar essa pessoa do cargo. Como não é mais, muitos desses atos vão passar em céu de brigadeiro - o Poder judiciário nada fará. Então, quem tem de fazer é o Congresso Nacional, tem de ser a política, tem de ser as associações e os sindicatos dos servidores, tem de ser um movimento sindical. E o servidor que está na ponta tem que tomar o conhecimento de que, se ele ficar sozinho, ele vai ser a ponta dessa engrenagem que vai ser quebrada. Então, nós temos que fazer essa união. |
| R | Reforço aqui o agradecimento ao Senador Paulo Paim, à Senadora Leila, ao Senador Jorge Kajuru, que é... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Relator. O SR. FABIO MONTEIRO LIMA - ... subscritor e Relator e a todos os Senadores que subscreveram a PEC 27, que tem recebido uma acolhida muito grande. Aproveito, então, o nosso último minuto para deixar o nosso apelo ao Senador Davi Alcolumbre, Presidente da Comissão de Constituição e Justiça. A PEC está pronta para a pauta. A gente sabe que a gente está... (Soa a campainha.) O SR. FABIO MONTEIRO LIMA - ... em um ano eleitoral, mas isso aqui não pode ficar para depois. Isso e tantas outras coisas, mas é preciso dar uma sinalização clara: venha o que vier do resultado eleitoral, não vamos tolerar que calem o Brasil, que calem a ciência brasileira, e nós vamos lutar pela verdade sempre. Muito obrigado a todos. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Fabio Monteiro Lima, advogado da Assinep, Associação dos Servidores do Inep, que fechou, digamos, esse diálogo aqui com a sociedade brasileira, via o sistema de comunicação aqui do Senado da República. Está havendo uma desconstrução das políticas de Estado pelo assédio que está havendo aos próprios servidores. A gente sempre fala do servidor, mas não é só o servidor, é o coletivo todo, é o povo brasileiro que acaba sendo o grande prejudicado, e termina fortalecendo a PEC 27. Quero mostrar aqui, mais uma vez, a importância dessa PEC. Leila do vôlei é a autora, Senadora aqui de Brasília, e o Kajuru é o Relator. Tenho certeza de que o Presidente da CCJ, o Davi Alcolumbre, vai ficar sabendo desse apelo de vocês, feito aqui nesta audiência pública, para que a PEC vá a voto naquela Comissão. Eu faço parte da CCJ e, se depender de mim, eu farei todo o esforço lá para que o tema seja votado. E não importa o resultado eleitoral. Pelo que vejo, o que está na PEC, pela informação que eu recebi de vocês, ela apenas vai garantir soberania, democracia, liberdade e a própria organização dos conselhos como política social. Então, os meus parabéns a todos que tiveram essa iniciativa, à autora e também ao Relator. Agora, pessoal, nós vamos para o segundo momento. São dez para meio-dia e, neste segundo momento, eu vou fazer algumas perguntas que me chegaram e vou permitir que cada um de vocês tenha cinco minutos para responder alguma pergunta, se assim entender, e também, naturalmente, fazer suas considerações finais. |
| R | Vejamos e-Cidadania, perguntas. Juliane de Jesus, de São Paulo: "Como evitar que isso seja uma situação recorrente? O que fazer no caso de situação assim? Como a educação pode ajudar a diminuir esse fato?" Essa é a pergunta dela, que vocês vão procurar sintetizar. Está falando, naturalmente, do assédio, né? Luan Felipe, do Rio de Janeiro: "Num momento de tanta polarização e centralização de poder, quais os desafios para enfrentar o assédio institucional?" Vai na mesma linha, praticamente. Guilherme Gilson, de São Paulo: "Quais seriam as medidas para coibir essa prática?" As três perguntas, na verdade, vão no mesmo eixo. Simone Perin, de Santa Catarina: "A agressão psicológica emocional sobre os servidores públicos tem aumentado absurdamente, principalmente pelo alto escalão." Ela faz uma afirmação. Daniele da Silva, lá do meu Rio Grande do Sul: "O assédio institucional desestabiliza o servidor, que [deveria] (...) estar focado em realizar sua função pública com toda a sua capacidade." É também uma afirmação. Agora, esta aqui vocês tentem resumir dentro do possível: O que significa assédio institucional? Para quem está nos acompanhando - são milhões de pessoas que nos acompanham, né?... Se puderem simplificar... Já simplificaram, explicaram, mas, para quem está vendo... Qual a abrangência dessa terminologia dentro do setor público? Terceira: cercear a liberdade, constranger, desqualificar, ameaçar, deslegitimar o servidor são exemplos que podemos qualificar como assédio institucional. Tem dados, em números já mensurados, com relação a essa prática dentro do serviço público? Vai na linha do que vocês falaram. Essa pergunta é de bem antes, né? De que forma o servidor público pode se proteger do assédio institucional e até mesmo denunciar? Pronto. Estão aqui as perguntas. Podemos começar novamente pela Dra. Carla? Pode ser? Então, convidamos a Dra. Carla Costa Teixeira para suas considerações finais e a falar sobre alguma das perguntas que ela entender que deva desenvolver. Repito que ela é antropóloga, professora da Universidade de Brasília e coordenadora do Laboratório de Etnografia das Instituições e das Práticas de Poder. A SRA. CARLA COSTA TEIXEIRA (Para expor.) - Obrigada, Senador. Começo talvez retomando uma frase da Dione sobre a questão da informação. Eu não vou conseguir nem reproduzir o que ela disse do Paulo Guedes, mas a mensagem ficou. Mas por que, voltando aos Parlamentares Constituintes de 1987 e 1988, uma questão era indissociável? Para que a participação popular pudesse ocorrer, teria que ser garantido o direito à informação. E o que a gente está discutindo hoje, falando das principais instituições que estão sendo atacadas por essa prática de governo... Porque, se governo sempre quer gerir populações, qualquer governo, essa prática está querendo gerir, de uma maneira autoritária, a máquina técnico-política que garante os direitos, como eu disse aqui. |
| R | Nós estamos sendo reféns de um processo longo de demonização do servidor público. Isso não começou recentemente, mas culmina nesse tipo de prática, porque virou voz corrente a ideia de que o servidor público - federal, de preferência - é marajá. Eu não sei de onde tiraram isso inclusive, mas é esse senso comum perverso que endossa, de alguma forma, todas essas práticas que a gente está aqui denunciando. Então, acho que recuperar que o direito à informação... E não é à toa que é o IBGE; que é o Inep, instituto de educação que gera informações; que é o Ipea, que não só faz pesquisa própria, mas analisa as informações geradas por outros órgãos; que é o CNPq, que estrutura, junto com a Capes, outros órgãos, o nosso sistema de ciência e tecnologia; e que são as universidades, porque cada vez mais os professores são coagidos na sua liberdade de cátedra e de expressão em sala de aula. Eu queria fechar recuperando essa informação, essa conexão necessária entre participação popular e direito à informação, lembrando que este Governo que aí está tem jogado na zona cinzenta do segredo de Estado uma série de informações que não cabem ali, porque não são ameaças à segurança nacional, à segurança pública, à autonomia do país. Escondem, não revelam todos esses meandros que... E aí, mais uma vez, eu parabenizo a Afipea e agradeço por ter podido participar dessa iniciativa do livro, porque foi de uma propriedade e de um senso de oportunidade muito grandes materializar essas práticas que vêm, como todos nós apontamos aqui, de uma maneira diluída, parecendo atos discricionários do Estado, sendo adotadas como uma prática de governo, com efeitos - acho que isto é que eu gostaria de recuperar - que são para o exercício da cidadania. Nós não estamos aqui falando em defesa do servidor público, nós estamos falando do direito à participação social como um direito coletivo. A nós não cabe apenas, como participantes políticos, votar, referendar ou atuar em plebiscitos: nós temos uma capacidade - isso foi revelado nas últimas décadas - de atuar cotidianamente no exercício de controle da gestão das políticas públicas. Então, não ter consciência disso, o cidadão brasileiro permanecer preso nessa ideia de que o serviço público tem que acabar é, assim, a questão... (Soa a campainha.) A SRA. CARLA COSTA TEIXEIRA - ... central a meu ver a ser recuperada nessa discussão do assédio institucional na estrutura pública federal e em outras também - federal foi o assunto do livro. Eu encerro aqui. No eixo das perguntas que foram feitas - de como barrar, como a educação pode ajudar -, eu acho que é isto: a gente tem de brigar para defender esse serviço público, que, na produção de informações, na proposição de planejamentos institucionais, garantem os nossos direitos políticos, sociais, econômicos, coletivos e individuais. Então, retornar essa estrutura de participação social, aperfeiçoá-la, é fundamental para os rumos da nossa democracia, e isso passa por inibir esse tipo de assédio institucional que foi aqui abordado. |
| R | Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado, Dra. Carla Costa Teixeira, Antropóloga, Professora da Universidade de Brasília (UnB) e Coordenadora do Laboratório de Etnografia das Instituições e das Práticas de Poder. Perfeito o seu fechamento, respondeu à maioria das perguntas. De imediato, Dr. José Celso Cardoso Junior, Economista, Pesquisador do Ipea, Especialista em temas do Estado, Presidente da Afipea-Sindicato Nacional dos Servidores do Ipea, e um dos organizadores do livro Assédio Institucional no Brasil, por cinco minutos. O SR. JOSÉ CELSO PEREIRA CARDOSO JUNIOR (Para expor.) - Bom, a definição já foi dada por todos que falaram aqui. Eu acho que está claro que não se trata apenas de um conjunto de ataques, ou seja, uma forma de violência contra indivíduos na condição de servidores públicos. É isso também, ao fim e ao cabo é disso que se trata, mas, no caso específico do tema e do conceito que foi criado para definir esse tema do assédio institucional, é uma forma de violência que provém de uma visão de mundo, de uma visão de Estado, de uma visão de projeto de país, de sociedade, não só anacrônica, do ponto de vista histórico e teórico, como pouco condizente com a complexidade, com a heterogeneidade, com as desigualdades que o país possui. Por quê? Porque sem Estado este país jamais será desenvolvido. O Estado é não apenas um ente necessário para o processo de desenvolvimento como é um ente que garante direitos capazes de combater desigualdades, capazes de equalizar oportunidades, e isso só se faz por meio de políticas públicas, por meio de organizações públicas, por meio de servidores públicos. Isso significa que o assédio, ao atacar justamente organizações políticas e servidores públicos, joga contra qualquer possibilidade de se construir no país uma estratégia de desenvolvimento nacional. Então, no fundo, é disso que se trata, não é um tema menor nesse sentido, um tema apenas afeito aos especialistas na questão do assédio em si mesmo; é um tema que tem uma dimensão política muito grande na medida em que, por meio do assédio, o atual Governo constrói uma narrativa e constrói uma atuação de desmonte da Constituição, de ataque direto aos direitos da população e não apenas dos direitos dos próprios servidores; por meio do assédio, o atual Governo enfraquece as capacidades do Estado no que diz respeito às suas possibilidades de enfrentar as desigualdades, combater as heterogeneidades, etc. Uma coisa que acho importante que esse livro traz é a fundamentação empírica para demonstrar essa tese do assédio como método de governo. E, como foi uma das questões levantadas por um dos internautas, eu deixo claro aqui o seguinte: há dois tipos de fundamentação empírica nesse livro, uma de natureza quantitativa, por meio de três instrumentos que hoje existem para isso. Um que se chama Assediômetro, que foi criado pela própria Afipea (Associação dos Funcionários do Ipea), para coletar notícias que circundam o tema do assédio ou que denunciam situações de assédio. Nós já chegamos hoje a mais de 1.100 notícias sobre casos de assédio institucional no setor público federal brasileiro. |
| R | O segundo instrumento se chama Mapa da Censura. O Mapa da Censura foi criado por uma organização não governamental e se destina a justamente fazer o mesmo que o Assediômetro faz, mas focado na dimensão cultural, na área da cultura. Denunciam-se ali casos de perseguição, ataques, assédios de vários tipos contra artistas e contra eventos artísticos e culturais, de um modo geral. E um terceiro instrumento, que é coordenado pelo Professor Conrado Hübner, da Faculdade de Direito da USP, que se chama Laut, que é o laboratório de análise de casos de autoritarismo e em defesa das liberdades... (Soa a campainha.) O SR. JOSÉ CELSO PEREIRA CARDOSO JUNIOR - ... e que faz um acompanhamento diário de situações de ataque à democracia no Brasil, entre os quais os casos de assédio institucional. Mas o livro não traz apenas esse acervo estatístico quantitativo, traz também um conjunto de capítulos que fizeram análises por meio de entrevistas qualitativas com servidores públicos de um conjunto muito amplo, expressivo, de organizações. Eu acho que cerca de 500 servidores do nível federal, em várias dimensões e áreas de atuação, etc., foram entrevistados por uma série de pesquisadores, que fizeram capítulos sobre esse aspecto. E, portanto, convergiram com base em metodologias inclusive diferentes entre si, convergiram para o mesmo diagnóstico, para a mesma questão de se denunciar a autocensura, o clima de medo, que o Roberto aqui relatou, de denunciar vários tipos ou formas por meio das quais o assédio vem se difundindo como uma prática de governo no âmbito federal brasileiro, sobretudo no atual Governo. Então, eu acho que o livro traz esta contribuição de denunciar o fenômeno e também de apontar caminhos para o seu enfrentamento e para a sua superação, que é o caso explícito da PEC 27, que a gente aqui colocou como relevante para enfrentar esse desafio. Obrigado, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! (Palmas.) Muito bem, Dr. José Celso Cardoso Junior, que é Economista, Pesquisador do Ipea, especialista em temas do Estado e que aqui, no final, aprofundou um pouco mais como foi construído esse livro e como é importante que as pessoas tenham acesso ao que aqui foi chamado de assédio institucional no Brasil - que já foi explicado, que era a dúvida de alguns dos nossos telespectadores. Agora o Dr. Roberto Muniz Barreto de Carvalho, Presidente do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais da Carreira de Gestão. É com você. O SR. ROBERTO MUNIZ BARRETO DE CARVALHO (Para expor.) - Obrigado, Senador. Eu vou aproveitar esses cinco minutos para reforçar algumas ideias que coloquei aqui e que os integrantes dessa mesa fizeram. Primeiro, uma definição que eu acho que é importante servidor e população terem presente. O servidor público concursado é agente de Estado, ele trabalha para o Estado. E, ao dizer que ele trabalha para o Estado, ele está servindo - por isso nós somos servidores -, estamos servindo a população brasileira. A gente é diferente. Eu, como servidor, sou diferente de um agente de governo. Nós somos agentes de Estado. O agente de governo é aquele que foi colocado pelo governo e que está ocupando, num período de quatro anos, alguma função pública: é um ministro, é um secretário-executivo etc. O agente de Estado tem que garantir a continuidade das políticas públicas com isenção. Ele não vai só trabalhar em função do governo que está no momento: vai trabalhar de forma permanente para o atendimento da população. |
| R | Então, isso é importante ficar claro, porque a gente entende por que o assédio institucional recai, via de regra, com maior virulência, com maior força, sobre os agentes de Estado, porque ele está contra as instituições do Estado, ele está prejudicando as instituições do Estado. Isso é feito para desacreditar essas instituições. Vou dar aqui um exemplo muito rápido. O CNPq tem a Plataforma Lattes, da qual já falei para vocês, tem a Plataforma Carlos Chagas, sem as quais o sistema nacional não funciona. As universidades dependem da plataforma, os governos estaduais dependem da plataforma, a Capes depende da plataforma. Essa plataforma, Senador, ficou fora do ar, por descaso, por má gestão de dirigentes, não de agentes de Estado, durante duas semanas. Durante duas semanas, nós tivemos todo o sistema paralisado porque não tinha informação. Não sabíamos quem era que estava fazendo as coisas dentro do sistema. Agora, olhe só qual é o resultado disso: o Governo resolveu mudar o acesso à plataforma. Só uma mudança de acesso: passou o acesso da plataforma da página do CNPq para o e-gov. Imediatamente, as redes sociais pipocaram de gente dizendo: "Vamos fazer cópia do currículo, porque, de novo, vai ter problema". Não teve problema porque era só uma mudança de acesso, mas olhe o estrago que se fez: perdeu-se a confiança no melhor sistema de informática da América Latina, que era a Plataforma Lattes. O pesquisador e as instituições estão perdendo a confiança. Ora, o assédio institucional é caracterizado por uma política de medo, é caracterizado por uma política de descrédito. Eu não posso deixar de relacionar isso, pessoal, às milícias. O que fazem as milícias no morro no Rio de Janeiro, na periferia de São Paulo, em Belo Horizonte, em Porto Alegre, no Nordeste, no país todo? Agem com o medo, agem onde o Estado não chega, criando soluções e dizendo que o Estado está desacreditado. E aí elas tomam conta. Não dá para deixar de dizer que é essa a política que está sendo implementada pelo atual Governo. O Governo foi tomado de assalto por uma política de milícia. Como é que a gente faz para resistir a isso? A Dra. Carla colocou muito presente: é fundamental a participação popular. Se nós não tivermos participação popular, a gente não muda esse quadro, nós não vamos conseguir combater esse quadro. E aí, só o fato de a Juliane, o Luan, o Guilherme, a Simone, a Daniele estarem assistindo - e eu cito aqui apenas alguns dos que estão nos assistindo - é fundamental, porque eles estão entendendo desse assunto. "Perderam", entre aspas, tempo para entender esse assunto e podem nos ajudar a combater esse tipo de assédio. A educação é fundamental para isso. Então, eu chamo todos vocês que estão nos vendo para que entrem. Procurem essas ferramentas de que o José Celso falou aqui, em particular o Assediômetro. Onde está isso? Entrem na página da Afipea, está lá o Assediômetro. Denunciem, vamos fazer frente a isso, porque os maiores prejudicados são as camadas populares - é a população brasileira, que está perdendo o direito. Obrigado, Senador. |
| R | Obrigado aos demais. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Doutor! (Palmas.) Permita aqui, Dr. Roberto Muniz Barreto de Carvalho, Presidente do Sindicato Nacional dos Servidores Públicos Federais da Carreira de Gestão Planejamento e Infraestrutura em Ciência e Tecnologia, que mais uma vez... O SR. ROBERTO MUNIZ BARRETO DE CARVALHO (Fora do microfone.) - Que nome enorme, não é? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, mas está... Fez bem. O importante é falar bem. O nome é complemento. O que fica é a mensagem que você passou aqui, não é? Falou da situação da plataforma, voltou a insistir com a questão do medo, que é um sistema de milícia - e todo mundo sabe o que fazem as milícias - e deu o caminho: a participação popular. Parabéns! Eu me somo a essa sua posição da participação popular. Mas vamos, finalmente, por favor, Dr. Fabio Monteiro Lima, que aqui representa o Presidente da entidade, que não pôde vir, Advogado da Assinep (Associação dos Servidores do Inep). O SR. FABIO MONTEIRO LIMA (Para expor.) - Muito obrigado, novamente. O assédio na nomenclatura militar é uma tática que você aplica contra uma cidade, contra uma cidadela, uma posição inimiga, na qual você faz um cerco e a impede de ter os mecanismos para resistir. Então, no assédio tradicional no mundo militar, você impede o acesso à água, você impede o acesso à comida, a cidade morre de inanição e se rende aos caprichos do invasor. O assédio institucional é a mesmíssima coisa aplicada contra uma instituição - sem um cabo e um soldado -, mas é aplicada através do corte do orçamento, do impedimento de novos concursos, do impedimento de que os servidores que ali estão fruam dos seus direitos, usufruam dos seus direitos, para que eles sucumbam aos ditames de quem quer que aquela instituição não cumpra a sua missão. Então, se a missão do Ibama é proteger a Amazônia, é preciso impedir que o Ibama proteja a Amazônia e exerça fiscalização. Se a função do Inep é trazer informação sobre o estado da educação e eu quero que a educação, na verdade, agora, seja algo totalmente privado, seja o homeschooling etc., eu não posso ter dados sobre a educação. Eu preciso que as universidades desacreditem do Enem. Então, eu preciso nunca saber qual vai ser a data do Enem. Eu preciso não ter periodicidade no Enem. Eu preciso impedir que se tenham novos servidores no Inep. Eu preciso que o Banco Nacional de Itens chegue a um ponto em que não entrem novos itens, não entrem novas questões, para que o Enem tenha questões repetidas, para que o Enem tenha questões vazadas, para que o Enem tenha as questões que favoreçam à ideologia dos meus seguidores, para que as universidades sucumbam. Então, o assédio é isso, é um cerco para a morte por inanição e a rendição. E qual é a única força que pode ser feita contra esse cerco? Na história também militar, a gente aprende que você tem algumas. Por exemplo, Berlim sofreu um cerco muito longo que foi vencido porque houve uma ponte aérea militar constante que manteve Berlim, num conflito ali entre União Soviética e os aliados, e aquilo fez com que Berlim sobrevivesse ao cerco soviético. Então, qual é essa ponte aérea que nós precisamos receber? É o apoio da sociedade, uma sociedade informada, que vai contra o nosso agente assediador e vai fazer um ataque pela sua retaguarda, tirando as bases do assediador. E, do lado de dentro, é o fortalecimento da unidade daquele povo que está na resistência. E a história nos traz dezenas de casos de resistências muito bem-sucedidas pela manutenção do ânimo e do moral. E o ânimo e o moral aqui são mantidos pelos sindicatos, pelas associações. |
| R | Então, o servidor tem que se associar, tem que pagar a sua contribuição sindical, tem que estar ali ciente e informar. Ele tem o dever legal de registrar e informar pelas vias adequadas todo ilícito de que ele tem conhecimento. Só que, se ele fizer isso sozinho, vai ser vítima do assédio, agora, moral. Então, para que ele seja protegido, como dente dessa engrenagem, precisa se articular coletivamente, porque a saída é política. Ele precisa se articular politicamente para fortalecer isso e vencer o assediador, porque ele, sim, é que ficará cansado. "Eles passarão... Nós passarinho!" (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Muito bem, Dr. Fábio Monteiro Lima, que deu um exemplo de estratégia militar que deixou todo mundo aqui... (Risos.) Não, mas gostei, gostei de ver. O SR. FABIO MONTEIRO LIMA (Fora do microfone.) - Eles falam... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Claro, claro! E o povo entende, o povo entende. Parabéns, Dr. Fábio! Foste muito bem também. Eu estava vendo aqui que só falta, agora, a Dra. Dione Oliveira, Presidente da Associação dos Servidores do IBGE. Cinco minutos para as considerações finais e se debruçando também, dentro do possível, sobre as perguntas. O SR. DIONE OLIVEIRA (Para expor. Por videoconferência.) - Beleza! Obrigada, Senador. Gostei muito da fala do Fabio, caracterizando, apesar de usar essa metodologia militar... Mas foi muito própria para caracterizar o assédio institucional: cerco para a morte por inanição, que é o que a gente tem vivido. E essa conclusão dele também é perfeita. Quando a gente vai falar sobre como evitar o assédio institucional, que foi uma pergunta recorrente... Como evitar? Então, primeiro, fortalecer os sindicatos, que, por tabela, fortalecem, protegem os trabalhadores. E a gente tem que ter trabalhadores efetivos, e não temporários substituindo aqueles na execução dos trabalhos permanentes. Isso porque, no IBGE, a gente tem as duas modalidades: o trabalho temporário em trabalhos temporários, que é o Censo ou pesquisas esporádicas, que fazem sentido, regidos pela Lei n° 8.745; e a gente tem o trabalho temporário em pesquisas permanentes. É isso que a gente combate. É o trabalho temporário lá, todos os dias, levantando preços, levantando atividade econômica, emprego etc. Então, a gente precisa que os trabalhadores sejam efetivos para se rebelarem, para terem o poder de se rebelar, de dizer que a metodologia está errada, de dizer que tem ingerência, de dizer que estão cortando as perguntas do Censo, o que vai prejudicar retratar a realidade - que foi o que a gente fez. Então, a gente teve esse ânimo, mobilizados pelo sindicato, para fazer campanhas e defender o Censo, como, outrora, a gente já defendeu outras situações: defendemos o Censo Agropecuário, defendemos a realização de pesquisas em seu calendário permanente. Agora, por exemplo, a gente tem a pesquisa de orçamento familiar, que já deveria estar sendo programada, e não tem orçamento para isso. Então, a gente, de forma permanente, defende a instituição, defende os trabalhadores e defende a instituição. Para isso, tem que ter sindicato, tem que ter sindicato forte, tem que ter filiação, tem que ter concurso público para trabalhadores efetivos. Para além dessas questões, o que a gente defende? A gente defende que se tenha uma infraestrutura para participação da sociedade na instituição. Quanto mais participação, mais democrático é esse órgão na definição do que pesquisar e quando pesquisar, porque, quando isso não acontece, existem interferências - porque a sociedade quer pesquisar temas. É o autismo, mas o autismo tem que vir no Censo? Quer orientação sexual, mas tem que vir no Censo? Isso tem que ser debatido com a sociedade, porque as demandas são legítimas, mas onde pesquisar e quando pesquisar têm que ser uma coisa debatida. |
| R | E finalmente precisamos ser ratificados como instituições que são permanentes de Estado. Então, esse entra e sai de gente quando muda governo e a falta de comprometimento de longo prazo com os projetos da instituição e com os acordos feitos com a sociedade, eles são absolutamente danosos à própria continuidade do serviço público. Então, isso tem que acabar! E a PEC 27 já introduz o mandato para a direção dos institutos. Isso é uma coisa muito importante. Não resolve tudo, mas é muito importante. A partir disso a gente precisa discutir também como é que vão entrar esses diretores, o quadro gerencial. A gente tem experiências muito bem-sucedidas na sociedade, que é o caso da Fiocruz, por exemplo, que foi fundamental para resistir ao negacionismo, porque tem esse formato de gestão, tem a participação dos trabalhadores, tem mandato, tem eleição. Então, isso seria fundamental para as nossas instituições, para a gente se afirmar como instituição de Estado, e não de governo. Então, é um conjunto de coisas que a gente precisa para garantir que a gente repudie o assédio institucional, mas que envolve sempre mais democracia, mais participação para o fortalecimento das nossas instituições. Muito obrigada. Fico por aqui. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sim, muito bem, Dra. Dione de Oliveira... (Palmas.) ... Presidente da Associação dos Servidores do IBGE! A Dra. Dione, aqui rapidamente, acabou desenvolvendo, quando a gente aponta caminhos. E disse: fortalecer o Censo; fortalecer os conselhos - o que todos aqui defenderam, e que com o atual Governo foram para o desmonte -; fortalecer as associações, sindicatos, federações, confederações, centrais. Tudo isso é defender o poder popular, não é? Eu chego a dizer: grêmio estudantil, clube de mães, clube de pais - porque eu venho de lá, eu venho lá dos grêmios estudantis -, comissões de fábrica; enfim, de baixo para cima é que a gente sustenta a democracia. Então, eu encerro esta audiência pública, cumprimentando com muito carinho a bela exposição da Dra. Carla Costa Teixeira, do Dr. José Celso Cardoso Junior, do Dr. Roberto Muniz Barreto de Carvalho, do Dr. Fabio Monteiro Lima e da Dra. Dione de Oliveira. Todos foram brilhantes, eu diria, e deixaram bem clara a importância da organização popular, a importância dos trabalhadores da área pública e da área privada, do campo e da cidade, e de todos: de aposentados, de pensionistas e de todas as entidades, como aqui listou no final agora a Dra. Dione de Oliveira. Está encerrada a audiência pública. Muito, muito obrigado a todos. (Palmas.) Uma salva de palma a todos vocês pelo brilhantismo deste debate! (Iniciada às 10 horas e 30 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 21 minutos.) |

