15/06/2022 - 22ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 22ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 29, de 2022, da Comissão de Direitos Humanos, de autoria do Senador Humberto Costa, para discutir "Os ataques à liberdade de imprensa e os riscos da atividade jornalística e da livre expressão no Brasil".
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211.
Nós vamos contar aqui com a participação de ilustres representantes de entidades, de instituições, e também especialistas na matéria, jornalistas, enfim...
Eu queria começar convidando aqui à mesa o jornalista Sylvio Costa, que é fundador do Congresso em Foco e que vai participar aqui presencialmente.
Entre os convidados que estão remotamente participando, nós temos aqui a participação do jornalista Jamil Chade, que é colunista, escritor e que tem sido, inclusive, vítima de ameaças no exercício do seu trabalho profissional e é um jornalista renomado, que faz uma cobertura internacional da própria Organização Mundial de Saúde de outros temas relativos à Organização das Nações Unidas, e, portanto, eu agradeço a sua presença.
Assim também é convidada para participar remotamente - aqui já esteve em outras audiências - a jornalista Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha de S.Paulo, pesquisadora associada da Universidade de Columbia. Ela também foi vítima de muitas ameaças e de ações desenvolvidas na internet contra o seu trabalho como jornalista altamente conceituada e responsável pela denúncia de grandes temas do interesse do nosso país, inclusive relativos às eleições de 2018.
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Convido também o Dr. Enrico Rodrigues de Freitas, que é Procurador da República da Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos; o Dr. Octávio Costa, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa; a jornalista Natalia Mazotte, Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo; a Coordenadora-Geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Beth Costa; Maria José Braga, Presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas; Bia Barbosa, Coordenadora de Incidência da Repórteres sem Fronteiras para América Latina; Elisabeth Costa, Coordenadora da Comissão Permanente de Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão do Conselho Nacional de Direitos Humanos; ainda o Sr. Paulo Freire, representante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD); e um representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, de quem nós ainda não tínhamos recebido a confirmação nem a indicação.
Na nossa audiência pública, a nossa ideia é fazê-la da seguinte forma: que nós pudéssemos ouvir por um tempo um pouco maior o jornalista Sylvio Costa, fundador do Congresso em Foco, porque foi o Congresso em Foco e seus colaboradores as pessoas que foram vítimas de ameaças, e os jornalistas Jamil Chade e Patrícia Campos Mello, dando a eles um tempo um pouco maior de dez minutos, com uma tolerância - está certo? -, e aos demais de cinco minutos, com uma tolerância, porque nós estamos querendo dar a esta audiência pública um caráter também de manifestação pública da sociedade, especialmente das entidades representativas dos jornalistas e instituições que atuam diretamente na fiscalização, no exercício da fiscalização da liberdade de imprensa no nosso país. Está bem?
Então, nós vamos começar com o nosso convidado presencial, o jornalista Sylvio Costa, fundador do Congresso em Foco, que terá dez minutos, com tolerância, como eu disse, para nos falar um pouco da situação vivida por ele e também externar o seu posicionamento aqui para todos nós.
Obrigado.
O SR. SYLVIO COSTA (Para expor.) - Bom. Está ligado, não é? (Pausa.)
Está o.k. aí o som? Está o.k., não é? (Pausa.)
Muito bem.
Eu estou tirando a máscara aqui, porque a gente que se vacina pode se dar a esse direito em alguns momentos.
Eu escrevi um texto, Senador, para facilitar aqui o posicionamento nosso como organização, como Congresso em Foco, como gente que se dedica ao jornalismo, de maneira que eu tente colocar as coisas do modo o mais preciso possível.
Para começar, muito obrigado ao Senador Humberto Costa e à sua assessoria pelo convite.
Boa tarde ao senhor, aos Parlamentares que, porventura, estejam acompanhando esta audiência pública, às colegas e aos colegas que participam virtualmente desse evento tão importante.
Eu acho que, em meio a tantas notícias ruins envolvendo o jornalismo e os jornalistas, é gratificante estar aqui junto de pessoas e entidades tão ativas na duríssima luta travada hoje para preservar o espaço de atuação de uma profissão que pode oferecer muito a uma sociedade democrática, mas que não tem quase nenhuma valia quando ela é amordaçada por tiranos. Por isso mesmo, o jornalismo costuma ser uma das primeiras vítimas quando a democracia está em risco.
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Eu quero aqui relatar fatos graves envolvendo a equipe do Congresso em Foco. Para quem não conhece a nossa história, o que não é o caso do Senador Humberto Costa - aliás, premiado várias vezes com o Prêmio Congresso em Foco, num reconhecimento que a gente faz em defesa do Congresso e dos bons Congressistas -, eu preciso dizer que o Congresso em Foco existe há 18 anos e sempre cobriu o Congresso Nacional e a política com muita independência. Já publicamos inúmeros levantamentos e reportagens reveladoras por vezes desagradáveis por exporem aspectos negativos em relação àquilo que é o alvo principal da nossa cobertura jornalística, que é o Parlamento e a política brasileira.
Houve casos, sim, Senador, em que fomos ameaçados, mas nada comparável à situação que estamos vivendo atualmente. Vou dar um exemplo:
Vou te matar, sua vagabunda! Eu já tenho os seus dados e os dados de toda a sua família. Viajarei até sua casa com a arma que estou enviando a foto em anexo. [É assim mesmo, é literal, esse pessoal não é muito bom de português. Eu estou sendo literal]. Tenho duzentas balas. Assim, fazer a festa no seu cafofo e provavelmente morrer em um belo confronto com a polícia depois de estuprar você e todas as crianças presentes.
Esse é o texto de uma mensagem enviada para a nossa redação. Essas palavras foram dirigidas à Vanessa Lippelt, que é uma de nossas editoras. Houve outras ameaças ainda mais grosseiras que optamos por não divulgar, tal o baixo nível dos agressores.
Por razões óbvias, Vanessa está neste momento de licença médica, impedida de trabalhar em razão do estresse emocional causado por esses terroristas digitais. E o que ela fez de errado? Nada, a não ser praticar o seu ofício com correção. Uma das suas reportagens mais recentes mostrou as atividades de uma escola paramilitar em Brasília voltada para crianças a partir de cinco anos de idade. Esses meninos e meninas são enfiados em uniformes militares e submetidos a treinamentos em que aprendem canções com letras como: "A pele do inimigo eu pus no mastro da bandeira. Por isso sou chamado faca na caveira". Crianças, repito, a partir de cinco anos de idade. A própria escola postou na internet vídeos em que os alunos terminam algumas - entre muitas aspas - "aulas" com o refrão "Brasil acima de tudo", aquele mesmo refrão que a gente sabe que copia o brado nazista "Alemanha acima de tudo" e que foi adotado por um Presidente da República bastante conhecido e que considero dispensável nominar aqui. Enfim, Vanessa faz jornalismo, e fazer jornalismo, como estamos vendo, ficou algo muito perigoso no Brasil.
Além da Vanessa, o repórter Lucas Neiva, aqui presente, recebeu ameaças de morte. Como aconteceu com ela, dados do Lucas foram vazados. E o que fez o nosso repórter Lucas Neiva? Mostrou como um fórum anônimo da internet foi usado para discutir a produção artificial de - milhares de aspas aqui - "notícias" para favorecer a reeleição do Presidente Jair Bolsonaro.
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Em um post, um dos frequentadores do fórum ofereceu o pagamento em criptomoeda para quem distribuísse fake news que favorecessem a reeleição do Presidente. Isso está explícito lá, Senador, no post. Essa reportagem foi publicada no sábado, dia 4 de junho.
Pouco depois de ser publicada, começaram a ser postadas nesse mesmo fórum, denominado 1500chan, ameaças contra o Lucas Neiva. Perdão, uma explicação: chan vem do inglês channel, o canal; chan é como se costuma chamar esses fóruns anônimos, que também são conhecidos como imageboards ou, na tradução literal para o português, quadros de imagens, pelo fato de usarem com frequência imagens nas postagens feitas pelos seus membros.
O 1500chan é considerado o maior chan em atividade no Brasil e está sob total domínio de pessoas que defendem o Presidente Jair Messias - está no nome - Bolsonaro. Ao mesmo tempo em que jogam online, fazem piadas idiotas e publicam posts racistas, misóginos e homofóbicos. É um espaço proibido para as mulheres e que serve para exaltar a violência, valores nazifascistas e a cultura de ódio.
Eu não vou me estender muito, não, Senador, apesar de o senhor ter franquiado, mas, enfim, o Lucas publicou a reportagem e, horas depois, passaram a ser publicadas no próprio fórum ameaças contra ele. Também mandaram e-mails para a nossa redação. Chegaram a postar um link para que os participantes votassem - aspas novamente -: "Acabamos com a vida dele ou ignoramos isso? O meio-termo só vai prejudicar o chan.", dizia esse post. Outra mensagem mostrou o itinerário que ele faria em Brasília. Outros posts no chan diziam coisas como "Parece que alguém vai amanhecer morto" ou "Eu ri do jornalista esfaqueado em Brasília e queria que acontecesse mais".
Simultaneamente, houve vários ataques contra o site, que chegou a ficar por alguns momentos fora do ar entre os dias 5 e 6 de junho.
É difícil dizer se essas pessoas estão apenas blefando. Na grande maioria dos casos, segundo os peritos no monitoramento desses ambientes digitais tóxicos, a ameaça não passa de blefe; mas também houve casos, no Brasil e no mundo, em que fóruns anônimos foram origem de crimes bárbaros, crimes de pedofilia e até assassinatos em massa, incluindo o que ocorreu, em março de 2019, numa escola em Suzano, São Paulo.
Nossa opção não poderia ser outra: levamos as ameaças a sério, divulgamos as ameaças, procuramos a polícia, buscamos assistência jurídica, criamos o comitê de crise e estamos reforçando nossos mecanismos de segurança digital, pessoal e patrimonial.
Enfim, é uma situação grave que abalou profundamente nossos profissionais e suas famílias, mas não é um fato isolado. Além de vários outros que estão acontecendo com tantos colegas do país, aos quais evidentemente nós somos completamente solidários, o Congresso em Foco e sua equipe têm passado por inúmeros constrangimentos desde o início do Governo Bolsonaro, talvez por termos com grande antecedência identificado a ascensão do então Deputado Jair Bolsonaro e termos feito várias reportagens mostrando o seu envolvimento com atos antidemocráticos e com atos provavelmente ilícitos.
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Chegamos a publicar dois editoriais importantes. O primeiro foi em 2018, afirmando, com todas as letras, que a eleição de Bolsonaro seria a pior coisa que poderia acontecer ao Brasil. Não precisava ser vidente para dizer isso, bastava ser um bom jornalista político em Brasília; mas foi profético. Foi a primeira e única vez que expressamos nossa opinião contra ou a favor de um candidato, e o fizemos por entender os riscos que ele trazia ao jornalismo como um todo, à democracia. O segundo editorial foi em março de 2021, defendendo o impeachment do atual Presidente. Infelizmente fomos pouco ouvidos nessa parte. Temos sofrido várias retaliações, inclusive de natureza comercial.
Por tudo isso, quero deixar esse relato aqui como um grande SOS. Somos um veículo independente, de recursos limitados e precisamos de apoio para enfrentar as ameaças. Esse pessoal da "esgotofera", ou seja, do esgoto da internet, costuma afastar os curiosos com ameaças. No nosso caso, não funciona; não vamos parar as investigações sobre o submundo da internet e da política brasileira.
Mais do que nunca, porém, precisamos de apoio de você que está assistindo e pode ajudar a divulgar essa história e, sobretudo, Senador, contamos com a polícia, o Ministério Público, o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, onde corre o inquérito sobre fake news - era disso que se tratava a reportagem original do Lucas -, enfim, das autoridades em geral, para resguardar a nossa equipe, a nossa organização e o direito de fazer jornalismo sem ser importunado, sem ser assediado, com a mesma independência que a gente teve nesses últimos 18 anos, com exceção dos três e tanto aqui mencionados.
Muito obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado ao jornalista Sylvio Costa, responsável pelo Congresso em Foco.
Como eu disse no início, esta audiência pública foi convocada exatamente pela ocorrência de casos gravíssimos de violência contra os profissionais de imprensa de que é exemplo emblemático o caso dos repórteres Lucas Neiva e Vanessa Lippelt, que são do portal Congresso em Foco. E aqui nós tivemos o relato detalhado e corajoso elaborado pelo jornalista Sylvio Costa, no sentido de mostrar o que, de fato, vem acontecendo. Não somente a nossa solidariedade, mas o nosso compromisso de levarmos à apuração de todas as formas possíveis e de fazermos a denúncia desse tipo de agressão que está incidindo sobre o Congresso em Foco exatamente pela qualidade do trabalho investigativo que o Congresso em Foco tem feito de maneira notável.
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Também outra situação que nós estamos vivendo hoje é esta do desaparecimento de um jornalista, o jornalista Dom Phillips, na Região Amazônica, juntamente com o indigenista Bruno Pereira, em relação à qual todos estamos inteiramente apreensivos, sem sabermos se estão vivos ou não, de que maneira foram mortos, se isso aconteceu, não é?
Há até um caso que também é emblemático e que, no último domingo, o Fantástico, da Rede Globo, mostrou, que foi o assassinato de um jornalista esportivo chamado Valério Luiz, que há dez anos não tem solução - esse crime - e que teria sido assassinado porque tinha feito críticas à condução de dirigentes do Atlético Clube Goianiense.
Essa é uma demonstração de que a profissão de jornalista no Brasil está se tornando um ofício de altíssimo risco. E, coincidentemente, como V. Sa. disse, o aumento dessas agressões, de ameaças, de violências em si pode ser claramente identificado a partir das eleições de 2018, quando tivemos ânimos muito acirrados entre boa parte dos eleitores - só naquele ano os registros de agressões contra jornalistas cresceram mais de 30% em relação ao ano anterior -, e isso tudo estava ligado diretamente à eleição presidencial, aos episódios que estavam associados a ela. E esse quadro só veio a piorar com a eleição de Bolsonaro, que inclusive se utiliza dos espaços institucionais da Presidência da República para promover ataques diretos contra órgãos de imprensa, contra jornalistas, contra profissionais do jornalismo.
Portanto, esta audiência tem por objetivo principal trazer essa discussão à baila e buscar essa interação conjunta, enfrentarmos esse problema, que é de extrema gravidade.
Eu queria, portanto, agora, agradecendo ao jornalista Sylvio Costa, passar a palavra ao jornalista Jamil Chade, colunista, escritor, para que ele possa, nos seus dez minutos, com toda a tolerância necessária, nos dar aqui o seu depoimento, sua opinião sobre esse momento que nós estamos vivendo no Brasil, em relação à prática do jornalismo.
O SR. JAMIL CHADE (Por videoconferência.) - Senadores, Senadoras, me escutam?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Perfeitamente!
O SR. JAMIL CHADE (Para expor. Por videoconferência.) - Perfeito.
Senadores, Senadoras, Senador Humberto Costa, muito obrigado pelo convite.
Caros colegas jornalistas - em particular, Patrícia, Sylvio -, um abraço para vocês.
Antes de eu até começar aqui, sempre digo em casa que a gente não precisa de heróis nos gibis, porque a gente já tem vários. Podemos falar tranquilamente na minha família que a Patrícia Campos Mello é uma dessas heroínas que não estão nos gibis e é uma dessas pessoas de quem temos muito orgulho e que nos ajuda muito no nosso trabalho.
Senador, obrigado mais uma vez pelo convite, mas, antes de mais nada, eu queria manifestar minha solidariedade às famílias do Bruno Pereira e do Dom Phillips. Eu também gostaria de manifestar a minha revolta pessoal e a minha indignação. É obrigação, sim, do Estado colocar todos os meios necessários para buscá-los, mas a busca, Senador, é também pelos nossos direitos, e é isso que está em jogo nessas buscas.
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A violência não é um acidente. Esse não é um caso isolado. A gente sabe isso muito bem no nosso país. Hoje a Amazônia chora e sangra, mas é o Brasil também que chora e sangra demais todos esses dias.
Vocês me chamaram justamente para falar da situação que nós vivemos, mas eu prefiro, Senador, em lugar de falar do que eu passei e basicamente das ameaças que eu sofri, fazer uma análise deste momento no Brasil, justamente para tentar encontrar alguma resposta.
Nós jornalistas estamos sob ataque - isso é evidente -, mas a gente precisa entender por que somos o alvo. A imprensa é atacada porque ela faz parte justamente da infraestrutura da democracia. Não é a única, mas é parte, sim, dessa infraestrutura. Portanto, quem está sob ataque não é apenas um jornal ou uma profissional: o que está sob ataque é a democracia. Se nós não entendermos isso e se essa mensagem não vingar, eu temo que nós não conseguiremos formular uma resistência e uma resposta a tudo isso.
Na minha opinião, nós precisamos retirar o debate sobre a segurança dos jornalistas e sobre a liberdade de expressão dos corredores das redações. Ele precisa ser levado para a sociedade, ele precisa ser levado para as escolas, para as associações, para as empresas, para as igrejas, para o Senado, como o senhor está fazendo. Enfim, nós precisamos tirar o debate sobre a liberdade de imprensa da imprensa e colocar, de fato, como um debate de sociedade. Temos que expor que, se o ataque é contra a equipe do Sylvio ou contra a Patrícia, a vítima é toda a sociedade brasileira. Quando o meu direito de ter acesso à informação é minado, é a população que fica cega; é o eleitor que é alvo de manipulação; é o contribuinte que fica sem saber para onde foi o seu tempo e o seu trabalho traduzido, claro, em impostos; é o cidadão que tem, no fundo, a sua soberania sequestrada - "soberania", essa palavra tão complicada atualmente e maltratada, pelo menos, por alguns que estão no poder hoje. Ir buscar, Senador, uma história não é um trabalho de um aventureiro, mas é um direito de uma sociedade democrática, e nós não abriremos mão disso.
Temos também de entender e denunciar o atual sequestro de conceitos como liberdade, liberdade de expressão e mesmo democracia. Eles foram sequestrados por grupos que justamente utilizam esses mesmos termos para cometer as violações. E isso nós precisamos ter claramente colocado.
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De uma forma muito breve, eu queria trazer aqui para o debate três pontos, de fato, breves.
O primeiro deles é que existe uma grande mentira em relação aos ataques virtuais. Não existem ataques virtuais. São ataques; ponto. Os meios podem ser virtuais, mas o impacto é absolutamente real: no medo, na autocensura, nas noites não dormidas; como o Sylvio colocou, na preparação de toda uma redação para lidar com esses ataques. Portanto, temos de parar de chamar isso tudo de ataques virtuais. Eles são ataques, e ataque contra a imprensa.
Outro dia, eu estava num evento aqui da Unesco, Senador, numa dessas salas que o senhor conhece muito bem, e um dado me chamou muito a atenção: no mundo, 40% dos jornalistas assassinados tinham recebido, meses antes, ameaças apenas virtuais - 40% deles. Então, chegou a hora de nós retirarmos ou pelo menos entendermos que ataque virtual é tão grave quanto qualquer outro tipo de ameaça.
O segundo ponto que eu queria trazer é que nós não podemos lidar com esses ataques pensando que se trata de um grupo de moleques inconsequentes. Há método, há objetivo, e eles têm recursos. Sempre lembrando que a meta é a de deslegitimar o trabalho profissional e, assim, minar o impacto da imprensa. Minar o que no fundo? Minar a fiscalização sobre o poder.
E um terceiro ponto que eu queria trazer aqui é justamente uma tendência global que começa a ser registrada - na verdade, ela já está instaurada, mas preocupa, porque os números são bastante claros - que é a criminalização do jornalismo. Enquanto há, de fato, uma queda no número de assassinatos contra jornalistas no mundo nos últimos anos, o que nós vemos em vários lugares do mundo é uma explosão do número de jornalistas detidos. É o que, na Unesco, é chamado de criminalização do jornalismo.
Um dado que também foi apresentado pela Unesco: em 2015, 116 profissionais de imprensa foram mortos - cento e dezesseis! Em 2021, esse número caiu para 55. Mas, ao mesmo tempo, o número de jornalistas detidos, em várias partes do mundo, se multiplicou: passou de 198 em 2015 para quase 300 em 2021. Eu trago esses números porque acredito que temos de pensar nesse cenário também para um Brasil que não seja capaz de lidar com a sua democracia.
Essa criminalização do jornalismo é uma tendência e ela, inclusive, vai ser tratada aqui em Genebra, na próxima semana, no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
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Eu queria completar com a constatação, olhando aqui de fora, de que, em 2022, o mundo está de olho no que acontece, está de olho no que ocorre no Brasil. Um colapso da nossa história democrática será, de fato, um terremoto regional e terá, sim, um impacto internacional. E temos de deixar claro que não há democracia sem liberdade de imprensa. E temos de deixar claro que não faremos concessões.
Mas eu também gostaria de lançar um desafio aqui: além dos discursos, além dos tuítes e dos posts nas redes sociais, dos comunicados que nós publicamos e das próprias matérias, como é que vamos nos preparar se um golpe se consolidar? Nós iremos ou não transmitir a desinformação ou ato que visa justamente tirar a legitimidade de um processo legítimo eleitoral? Qual será a nossa reação nesse dia? Daremos os nossos microfones para a fraude contra a democracia ou não? Eles, Senador, têm plano e têm meta. E nós? Eu pergunto.
Muito obrigado, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado ao jornalista Jamil Chade. São muito adequadas as suas manifestações, a sua colocação neste momento e o questionamento do que é que efetivamente está em jogo no nosso país hoje.
Acho, inclusive, muito pertinente a sua colocação de que nós estamos tratando de ataques que muitas vezes se concretizam com a própria supressão da vida das pessoas, mas que se concretizam também com a intimidação, com a autocensura. Tudo isso, como nós sabemos, faz parte de uma estratégia muito clara de comprometimento da democracia e da liberdade no nosso país, não é?
O que nós vemos permanentemente é um Chefe de Governo que promove uma descredibilização permanente da imprensa, dos jornalistas. É uma forma, inclusive, de promoção de um caos público que facilita a circulação e a crença das pessoas em notícias falsas e que também encoraja os apoiadores do Governo e do Presidente a eles próprios tomarem a iniciativa de agredir jornalistas. São várias as situações, muitas vezes registradas nas redes sociais por vídeos, de jornalistas que são agredidos por pessoas comuns com a clara intenção de marcar uma posição política, de intimidar, enfim, de externar uma ideia.
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A nossa compreensão, todos sabem, é muito clara: a liberdade de expressão é um dos principais direitos que são garantidos pela nossa Constituição Federal. É algo que é essencial para a dignidade do indivíduo e para a caracterização da estrutura democrática de um Estado, do Estado brasileiro em particular. A liberdade de expressão é necessária, é fundamental para o exercício da cidadania e também para a consolidação de uma sociedade informada, que possa ser crítica e socialmente ativa.
Então, garantir o pleno exercício do jornalismo - e eu sou, além de Senador, médico e também jornalista por formação - é imprescindível para o funcionamento da nossa sociedade, significa consolidar, preservar e fortalecer a democracia. É um comprometer-se com o interesse público. Portanto, a nossa posição de, na Comissão de Direitos Humanos, puxar esse debate por mais de uma vez é algo que é, pura e simplesmente, o cumprimento de uma obrigação constitucional que tem o Parlamento brasileiro e o nosso compromisso como cidadãos.
Nós entendemos que os profissionais da imprensa, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, devem ter toda a liberdade para fiscalizar as atividades dos governantes ou de quem quer que seja que esteja investido de algum tipo de autoridade, exercendo, inclusive, uma pressão sadia para que esses agentes sejam chamados a justificar as suas ações e decisões publicamente. E o que nós temos observado nos últimos tempos, particularmente aqui no Brasil, é que esses profissionais estão sendo impedidos de desempenhar as suas atividades, sobretudo no caso do Brasil, em particular, porque a estrutura pública tem utilizado mecanismos institucionais para impedir o acesso à informação e o acesso à divulgação da informação.
Então, eu queria agora passar a palavra à jornalista Patrícia Campos Mello, que é repórter especial da Folha e pesquisadora associada da Universidade de Columbia, para que ela possa trazer aqui a sua manifestação.
A SRA. PATRÍCIA CAMPOS MELLO (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos!
Vocês me ouvem bem? (Pausa.)
Sim?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Sim, ouvimos.
A SRA. PATRÍCIA CAMPOS MELLO (Por videoconferência.) - Então, está bom.
Eu queria começar agradecendo ao Senador. Obrigada, Senador Humberto Costa.
Obrigada, Senadores e Senadoras, pela oportunidade e importância de falar sobre esse assunto agora.
Eu queria começar manifestando solidariedade às mulheres, às esposas do nosso colega Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira. Espero que o Governo ponha mais esforço, dedique todos os esforços a encontrá-los. Eu acho que o desaparecimento deles é um sinal trágico da violência contra jornalistas, contra ativistas, contra cientistas que a gente vive hoje.
Eu queria também manifestar solidariedade com o Sylvio Costa e com a equipe, com o Lucas, com a Vanessa - é muito difícil o que vocês estão passando -, e solidariedade também com o Jamil Chade. Obrigada pela generosidade.
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Eu queria falar um pouco sobre o que é que a gente tem pela frente. Vou falar brevemente. Não sou muito boa para falar em público, mas queria falar uma coisa que eu acho que está preocupando todos nós repórteres. A gente tem uma eleição presidencial em 2022, uma eleição muito importante. Vamos estar na rua cobrindo essa eleição, cobrindo comícios, fazendo investigações. E o que está acontecendo é muito preocupante porque eu não sei como a gente vai conseguir cobrir essa eleição. Existe um clima de hostilidade e de violência muito grande. Vai ser difícil para os repórteres fazerem o trabalho.
Eu acho muito importante chamar a atenção para isso, porque, exatamente, a liberdade de imprensa é um direito das pessoas de se informarem, de terem acesso a uma informação profissional, informação de gente que vive para isso, não é? Somos repórteres. A gente vai lá, a gente apura, a gente pega informação, a gente olha documento. Não é uma coisa em que a gente só dá opinião. E, para fazer isso, para ter acesso a fontes primárias de informações, a gente precisa conseguir trabalhar, a gente precisa cobrir todos os eventos, a gente precisa acompanhar essa eleição no Brasil de forma livre. O Brasil é uma democracia.
Então, eu acho que uma das principais preocupações é isto: como é que vai ser trabalhar nessa eleição, que é uma eleição marcada por uma campanha de desinformação em relação à integridade do processo eleitoral? A gente já viu esse filme. Vimos isso nos Estados Unidos em 2020, que acabou em um episódio trágico: cinco pessoas mortas no Capitólio em 6 de janeiro. Então é bastante preocupante.
Tem uma frase muito boa do Martin Baron, que foi Diretor de Redação do The Washington Post durante a cobertura do Governo Trump, que eu acho que é um dos líderes populistas que governou e que se junta a vários líderes populistas que nós temos hoje em dia, obviamente, no Brasil, nas Filipinas, na Índia, na Hungria e na Turquia. Ele falou uma frase que eu acho muito importante. Ele falou: "We're not at war, we're at work". "A gente não está em guerra, a gente está trabalhando." Como jornalistas, a gente não está fazendo oposição. A gente, simplesmente, quer trabalhar e apurar direito e ter acesso aos fatos. Mas, para a gente conseguir trabalhar, a gente precisa de segurança. E esses ataques, sejam eles online, sejam eles... E isto foi falado aqui: muitas vezes, os ataques online não ficam online, eles migram para o mundo real. Eu já passei por isso, muita gente já passou por isso. Tudo isso vai atrapalhar o nosso trabalho e, mais do que isso, vai violar o direito das pessoas à informação de qualidade.
Hoje em dia, o que a gente vive? Existe um ecossistema paralelo de informação, não é? Você tem uma série de sites, de blogues, de perfis nas redes sociais que fazem uma versão distorcida da realidade, uma versão paralela da realidade, e mantêm pessoas dentro desse ecossistema. Para que a gente consiga manter uma sociedade baseada em fatos, a gente precisa ter segurança para trabalhar.
Era mais ou menos só esse recado que eu queria passar, além de manifestar solidariedade de novo.
Agradeço ao Senador.
Espero que todos nós repórteres que vamos estar na rua ali, no front, nesse processo democrático da eleição, consigamos fazer nosso trabalho.
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O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Eu agradeço à jornalista Patrícia Campos Mello. Acho que tanto o Jamil Chade quanto ela trouxeram aqui alguns temas muito relevantes. Um assunto que ele trouxe - e me parece que o questionamento que ele faz é procedente - é que nós estamos efetivamente sob ameaça. Se o Presidente da República terá as condições para concretizar o seu sonho de há muito tempo, especialmente desde o primeiro dia em que assumiu o cargo de Presidente da República, que é o de se transformar em ditador do Brasil por meio de um golpe de Estado, nós não sabemos. Eu acredito, inclusive, que não terá força para tal. Falta-lhe apoio da sociedade, falta-lhe apoio internacional. É alguém que tem um nível de rejeição enorme pela maneira com que governa. Mas nós não podemos, de forma alguma, minimizar, subestimar o que se vai desenhando pouco a pouco. Por isso é fundamental fazer o que o Jamil propôs: nós trazermos esse debate à sociedade e fazermos uma reflexão sobre como nós vamos agir diante de uma tentativa de transformar essa ameaça em algo concreto.
Eu creio que isso tem sido uma coisa que tem clamado por mais pessoas se manifestando, pelo próprio Parlamento se manifestando. Tem havido algumas manifestações, especialmente da parte do Presidente do Senado, de Senadores, enfim, mas precisamos de mais. Talvez, os próprios candidatos à Presidência da República que estão comprometidos com o regime democrático deveriam se manifestar de forma mais intensa sobre essa questão, publicamente, inclusive. Não há hoje, na população brasileira, aceitação desse tipo de coisa, mas nós sabemos que um golpe que tenha sustentação ou até mesmo uma simples quartelada é algo que produz vítimas, é algo que traz implicações importantes para a sociedade brasileira e para a nossa democracia. E, nesse período eleitoral, é óbvio que esse tipo de ameaça instiga ainda mais aqueles que são estimulados por essa forma com que o Presidente da República tem se colocado em relação aos meios de comunicação, em relação à imprensa, em relação à liberdade de imprensa.
Antes de passar a palavra ao Procurador da República, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Enrico Rodrigues de Freitas, eu concedo a palavra à Senadora Zenaide Maia, para que ela possa, em cinco minutos, externar o seu posicionamento.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN. Por videoconferência.) - Humberto, eu gostaria de ouvir o palestrante. Certo?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Sim.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN. Por videoconferência.) - Posso esperar.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Está certo. Quando quiser, é só avisar aqui para a gente.
Então eu passo a palavra ao Procurador Enrico Rodrigues de Freitas.
O SR. ENRICO RODRIGUES DE FREITAS (Por videoconferência.) - Bom dia!
Estão me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Sim.
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O SR. ENRICO RODRIGUES DE FREITAS (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todas as pessoas que estão nos ouvindo aqui.
Eu queria, em primeiro lugar, em nome da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal e também como Coordenador do seu Grupo de Trabalho "Liberdades: Consciência, Crença e Expressão", agradecer o convite desta Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado.
Eu queria saudar também os Parlamentares aqui presentes e demais autoridades na pessoa do Senador Humberto Costa e também saudar especialmente os movimentos e organizações da sociedade civil aqui presentes, que são fundamentais.
Sobre o tema, eu queria dizer que ele é extremamente relevante e conectado diretamente com a efetiva existência de um Estado democrático de direito, como já bem assinalado pelo jornalista Jamil Chade.
A livre expressão de ideias e o livre exercício da atividade jornalística - protegida, mas não tutelada pelo Estado - são alguns dos instrumentos garantidores do exercício de democracia efetivamente participativa, do livre fluxo de informações e de ideias, a permitir ao cidadão e à cidadã participarem do debate das questões que se referem à vida pública. Então, quando pensamos em ataques e violações de direitos de jornalistas, sabemos que esse ataque e essa violação também são um ataque ao nosso Estado democrático de direito.
Assinalando brevemente essa relevância do tema, até para me manter dentro do tempo proposto, gostaria também de afirmar a grande oportunidade da realização desta audiência pública, não só pelos graves fatos que vimos nos últimos dias, mas é sobretudo pela consciência de que não se trata de uma ocorrência isolada, mas de uma situação de ampla violação dos direitos de jornalistas e comunicadores no Brasil.
Muitos são os dados sobre ataques a jornalistas. Nós temos diversas informações. Eu só queria aqui ressaltar dois.
O primeiro é, e brevemente, o informe de 2022 do jornalista sem fronteiras, em que o Brasil é assinalado como tendo caído quatro posições no ranking mundial da liberdade de imprensa em 2021 e, pela primeira vez, entrou na zona vermelha de classificação, a qual assinala, sinaliza países onde o livre exercício do jornalismo é considerado difícil.
Mas também um dado - e aqui sobre o lugar de minha fala - do Conselho Nacional do Ministério Público, uma publicação de 2019, em que se assinala também que somente 50% dos casos de assassinato de jornalistas praticados entre 1995 e 2018 foram solucionados pela Justiça, o que, para mim, demonstra uma ineficiência estatal nessa apuração e punição, como tem sido, de um modo geral, de ineficiência na apuração de violações a direitos humanos.
Ainda nesse quadro relacionado à questão de gênero, pode-se perceber que também há um forte viés agravado, quando a gente percebe os ataques a mulheres jornalistas e comunicadoras, como já assinalado aqui também pelo jornalista Sylvio Costa.
Também acho importante referir, nessa questão do tipo de ataque, que eles são concretos, mesmo online, e, para além das mortes e violências físicas e ameaças, eu quero ressaltar que todo e qualquer ato que vise ao cerceamento da atividade de jornalistas, inclusive com emprego de sofisticados mecanismos de uso abusivo do acesso à Justiça, pela utilização de instrumentos denominados como lawfare e SLAPPs, podem ser considerados atentatórios à atividade jornalística.
Então, há aqui, eventualmente, utilização do próprio Estado, que deveria proteger a atividade, para cercear essa atividade.
Igualmente, nesse aspecto da responsabilidade estatal, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem diversos julgados em que é contundente em relação às obrigações estatais de prevenção e apuração de atos que podem ser considerados amedrontadores de jornalistas e que a ineficiência estatal nessa apuração e punição pode se caracterizar como um mecanismo de censura indireta.
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Eu também queria assinalar aqui duas declarações conjuntas da ONU, OEA, OSCE e CADHP: uma de 2019, que é "Desafios para a Liberdade de Expressão na Próxima Década", em que afirma como obrigação dos Estados criar um ambiente que permita o exercício da liberdade de expressão; e outro de 2021, já tratando sobre políticos e autoridades públicas e liberdade de expressão, a obrigação estatal de agir efetivamente para impedir ataques a jornalistas e outros indivíduos como forma de retaliação ao exercício do seu direito à liberdade de expressão.
E aqui, neste momento, há que se fazer uma reflexão sobre nossa atualidade nacional, sobre a ausência de criação de uma atuação efetiva do Estado brasileiro em termos de prevenção e na criação desse falado ambiente que permita o exercício da liberdade de expressão, não é? Nesse ponto, ao que me parece, o Estado brasileiro tem feito muito pouco. Temos inclusive discursos de fala de autoridades públicas, de altas autoridades públicas, que estão a violar a liberdade de jornalistas e comunicadores, com a intenção de intimidá-los. Há que se referir que os problemas são muitos, desde a ausência de capacitação de juízes e membros do Ministério Público, o estabelecimento de prioridades e sensibilização para o tema, como ainda a ausência de capacitação, investigação e apuração desses crimes que violam direitos fundamentais.
Ressalto aqui, contudo, esforços da PFDC de dialogar com a sociedade civil em capacitação sobre o tema, com especial dedicação nesses últimos dois anos, realizando diversos eventos que tratam da proteção à liberdade de expressão, da liberdade jornalística, bem como ainda de debater o tema da ilicitude dos discursos de ódio e de intolerância não acobertados por essa liberdade.
Mas ainda queria destacar aqui um dado importante que, no nosso Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social do Estado brasileiro, que se se refere aos anos de 2021 a 2030, não há definição entre suas ações estratégicas e metas e nenhuma referência à violência a jornalistas e comunicadores. Então, se vê aqui também uma ausência de cumprimento das obrigações estatais. O que parece ocorrer também é essa ausência de políticas específicas.
Por fim, Senador, tentando me manter no tempo assinalado, quero concluir me referindo previamente a dois pontos ainda: um do nosso Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, que, embora tenha recentemente incluído jornalistas e comunicadores, decorrente de uma forte pressão social e internacional, ainda é de fato inexistente em relação a esse público, a jornalistas e comunicadores, salvo para a realização da chamada proteção simbólica. E, nesse ponto, eu acho que temos aqui alguns aspectos que devem ser ressaltados por fim: a baixa efetivação do orçamento desse programa, a não adaptação desse programa para uma efetiva proteção a jornalistas e comunicadores e ainda a ausência de obrigação aos estados-membros de criação de programas de proteção.
Ainda sobre esse tema do programa, quero ressaltar aqui a condenação do Estado brasileiro pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em ação civil pública promovida pelo Ministério Público, de obrigação da criação de um plano nacional de proteção de defensores e defensoras de direitos humanos, em que o Brasil está em mora desde 2007 e que felizmente se encontra em uma fase de tentativa de execução consensual, em que poderemos buscar criar mecanismos mais adequados com a participação da sociedade civil.
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Por fim, concluindo, outro ponto que eu queria ressaltar - e, aqui, sem a expectativa de que o direito penal possa se constituir em solução do problema -, entendo que o Brasil perdeu uma oportunidade de ter importante dispositivo legal que seria um forte instrumento para auxiliar a garantia desta liberdade de expressão de manifestação, ao ser vetado pelo Senhor Presidente da República, o Dispositivo 359-S, que estava incluído num projeto de lei que resultou na Lei 14.197, que falava do atentado ao direito de manifestação e que dizia que era crime "impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestações de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais e religiosos".
Com essas breves reflexões, tentando me manter dentro do tema, encerro aqui a minha fala, registrando ainda, mais uma vez, o agradecimento pela oportunidade dada a PFDC para fazer uso da palavra nesta audiência.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Eu agradeço ao Procurador da República da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Enrico Rodrigues de Freitas, que traz também vários temas relevantes para essa nossa discussão, inclusive a inexistência de mecanismos por parte do Estado brasileiro no sentido de garantir o enfrentamento a essas agressões à liberdade de expressão.
A nossa preocupação é com aquilo que foi dito pela própria jornalista Patrícia Campos Mello: como será exercido o trabalho jornalístico numa eleição como essa em que há permanentemente um estímulo à agressão, ao enfrentamento, à polarização? Inclusive, creio eu que nós vamos ter uma eleição diferente de outras, porque não creio que a questão da violência será meramente uma coisa marcada do ponto de vista verbal. Eu acho que a gente precisa esperar nesta eleição que os conflitos, as agressões se tornem uma coisa lamentavelmente presente no processo eleitoral.
Certamente, os jornalistas, pelo exercício do seu trabalho, terão que ter garantida a sua integridade, a sua proteção, e todos nós temos que cobrar não só do Poder Executivo, mas dos demais Poderes e de todos aqueles que têm a responsabilidade pela garantia da segurança pública e do cumprimento do que a Constituição prevê em termos da integridade de quem trabalha, que essas medidas possam realmente avançar.
Eu queria convidar o jornalista Octávio Costa, que é Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) para fazer uso da palavra.
Só para a gente não perder um pouco o ritmo - nós temos ainda algumas pessoas para falar -, quando estiverem faltando 15 segundos para se completarem os cinco minutos de cada uma das pessoas que vão falar, vai soar uma voz que vai comunicar isso. Vocês naturalmente terão a tolerância necessária. Isso é apenas para que vocês possam se orientar melhor quanto ao tempo.
Então, eu passo a palavra ao jornalista Octávio Costa. (Pausa.)
Nós não o estamos ouvindo. (Pausa.)
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O seu microfone está aberto. Em tese, era para que nós estivéssemos ouvindo aqui. Não sei se há algum outro problema. Talvez o microfone do computador...
Vamos fazer o seguinte: eu vou passar para outro palestrante, outro representante, e aí nós voltamos ao Presidente da ABI.
Eu queria aqui convidar, então, para fazer uso da palavra a jornalista, Natalia Mazotte, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, para que ela possa se manifestar, e, em seguida, voltaremos ao jornalista Octávio Costa.
Pois não.
A SRA. NATALIA MAZOTTE (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada, Senador Humberto Costa.
Boa tarde a todos e todas.
Bom, primeiro, eu queria agradecer, em nome da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, o convite para estar aqui, nesta audiência pública.
Eu também queria manifestar solidariedade às famílias do Dom e do Bruno e reiterar aí a necessidade do Governo de dispor de todos os recursos possíveis para encontrar os dois. Queria também parabenizar os membros do Senado por instaurar a Comissão externa para acompanhar o caso do Dom Phillips e do Bruno Pereira. A gente precisa de respostas institucionais a casos como esse. Esse caso joga a luz ao ambiente de insegurança que se instaurou no país para comunicadores e defensores de direitos humanos. O caso de Dom Phillips, Senadores e Senadoras, é uma amostra extrema desse ambiente de insegurança que o Brasil passou a ter para jornalistas. Desaparecimentos e assassinatos são casos extremos, mas o cerceamento à liberdade de imprensa vai muito além disso.
A gente, na Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, faz, há alguns anos, um trabalho de acompanhamento desses casos de cerceamento da liberdade de imprensa e a gente olha também para casos como imposição de sigilo às informações de interesse público, o que tem se tornado, inclusive, bem frequente neste atual Governo, a gente olha para tentativas de tirar sites de notícias do ar, casos de exposição de dados pessoais de repórteres, que a gente chama de doxing, processos civis ou penais contra jornalistas, assassinatos, assédios moral e sexual, uso abusivo do poder estatal e tantas outras tentativas de intimidar ou calar jornalistas.
E aí, trazendo um dado para os senhores, só entre janeiro e abril de 2022, a Abraji registrou mais de 150 episódios de agressões físicas e verbais ou outras formas de cerceamento ao trabalho jornalístico, o que é um aumento aí de 27% se a gente comparar com o mesmo período do ano anterior. Então, a gente vê essa escalada de ataques a jornalistas.
E, diante desse cenário, as autoridades públicas deveriam respaldar o trabalho da imprensa. Esse trabalho é tão fundamental para o nosso direito de acesso à informação e, consequentemente, para a nossa democracia, mas o que a gente vê é algumas dessas autoridades se prestando a descredibilizar a imprensa, imobilizar a opinião da sociedade nesse mesmo sentido.
Em 2021, a gente registrou mais de 450 ataques contra comunicadores e meios de comunicação. E aí, em 69% dos casos, essas agressões foram provocadas por agentes estatais. Esses discursos estigmatizantes que vêm de autoridades públicas acabam incentivando ataques nesse ambiente digital, como o que a gente ouviu no relato dos colegas aqui presentes, do Sylvio Costa, da Patrícia Campos Mello, do Jamil Chade, mas a gente precisa desse respaldo ao trabalho da imprensa, que deveria vir não só para garantir esses espaços físicos e digitais seguros para a prática profissional do jornalismo, mas também para garantir o devido e célere esclarecimento de casos de agressão. E, como a gente viu na fala do Dr. Enrico Rodrigues, o Estado tem se mostrado extremamente ineficiente nesse sentido.
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Só para finalizar a minha fala, eu queria, enfim, ressaltar que as instituições democráticas precisam reagir e dar respostas à altura da importância que é garantir o trabalho da imprensa no país. O acesso à informação a gente sabe que é um direito fundamental para o exercício da cidadania. E, sem um bom jornalismo, a sociedade, a gente fica no escuro e a democracia se enfraquece.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado à Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, Natalia Mazotte. Muito importante a sua contribuição, inclusive as informações.
Eu tenho também aqui alguns dados que certamente serão citados por outras pessoas que estão participando, mas o Brasil foi o terceiro país em que a liberdade de imprensa recentemente mais retrocedeu. Em 2020, nós tivemos, segundo o Repórteres sem Fronteiras, mais de 580 ataques a jornalistas, sendo que os principais agentes públicos no Brasil que mais atacaram foram o Presidente da República e seus filhos Eduardo e Carlos, responsáveis por quase 400 ataques diretos a jornalistas e a órgãos de imprensa no nosso país, e sendo que o maior agressor é o próprio Presidente da República, com mais de 150 atos de agressão praticados contra jornalistas e órgãos de imprensa.
Nós tivemos, no Brasil, um registro, no ano passado, do maior número de agressões a jornalistas desde 1990, sendo que, no ano passado, foram 430 casos. Se nós compararmos com 2018, é um aumento de 218% no número de casos de agressões verbais, físicas, enfim, praticadas contra jornalistas e órgãos da imprensa.
Restabelecido o contato com o Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Octávio Costa, nós passamos a ele a palavra.
O SR. OCTÁVIO COSTA (Por videoconferência.) - O som está... (Falha no áudio.)
O senhor está ouvindo agora, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Perfeitamente.
O SR. OCTÁVIO COSTA (Por videoconferência.) - Está ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Sim, perfeitamente. (Pausa.)
Desligou o seu som. (Pausa.)
Agora, pronto.
O SR. OCTÁVIO COSTA (Para expor. Por videoconferência.) - Parabéns pela iniciativa, parabéns pela iniciativa!
Meus cumprimentos aos colegas todos que me antecederam. Eu acho que eles já deram um retrato bastante fiel do que está ocorrendo no país.
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É lógico que nós temos um quadro de violência, um quadro grave de violência contra jornalistas, que é provocado em grande parte pela presença de um cidadão, na cadeira principal do Palácio do Planalto, que não tem nenhum respeito pelo trabalho dos jornalistas, das jornalistas, nenhum respeito pela liberdade de imprensa. E é evidente que essa posição drástica desse cidadão acaba incentivando pessoas não só próximas a ele, mas pessoas que pensam como ele a agredirem jornalistas, a impedirem o livre exercício de nossa profissão. Alguns de vocês certamente viram a imagem de uma moça, de uma repórter de tevê, em cima de uma calçada com microfone na mão, e veio uma pessoa e jogou o carro em cima dela! Jogou o carro em cima de uma repórter que estava ali simplesmente com o microfone e uma câmera na mão!
Quer dizer, esse quadro - e aí a Patrícia Campos Mello tem toda razão - nos leva - e a ABI está muito preocupada com isto - a temer o que pode acontecer, o que pode ocorrer durante o processo eleitoral deste ano, não é verdade? Porque é lógico que essas milícias de Jair Bolsonaro vão atuar - vão atuar -, e é óbvio que não só com fake news - fake news, tudo bem; a gente já sabe que vão atuar; o TSE está preocupado com isso, está desenvolvendo mecanismos contra isso; inclusive a ABI tem participado dessas discussões, o STF também; o Alexandre de Moraes vai assumir o TSE e ele conhece a fundo o assunto -, mas você vai ter agressões físicas, sem dúvida nenhuma, e vai haver toda uma tentativa de cercear... E, como disse bem Patrícia, você acaba influenciando na informação as pessoas e cerceando a livre informação e a livre circulação das informações.
Então, isso nos preocupa muito. A ABI vai usar de todos os meios para garantir o trabalho dos jornalistas durante todo o processo eleitoral. É evidente que o último recurso é a Justiça, mas, se isso for necessário, nós iremos à Justiça para que nossos colegas possam trabalhar e exercer a profissão com segurança, dignidade e respeito. Então, esse realmente é um ponto crucial e é evidente que nos preocupa a todos.
Agora, o outro ponto, que é a questão do golpe, realmente... Elio Gaspari hoje disse: "Há muita gente pensando no golpe". Sem dúvida nenhuma, há muita gente pensando no golpe, também influenciada pelo Presidente da República e agora também influenciada pelo Ministro da Defesa, General Paulo Sérgio de Oliveira - não é verdade? -, que vem pressionando o TSE de uma forma inconcebível, porque essa não é uma tarefa, não é uma função; isso é um desvio de função das Forças Armadas.
As Forças Armadas deveriam estar preocupadas com o que está ocorrendo na Amazônia. As Forças Armadas deveriam ter garantido a vida do Bruno e do Dom Phillips, não é? Ao contrário, quando foram procuradas, diante do desaparecimento dos dois, o Comando da Amazônia emitiu uma nota dizendo que tinha recursos, sim, para fazer as buscas, mas que aguardava uma ordem superior. Então, lá, sim, as Forças Armadas deveriam estar atuantes, e não estão - e não estão! -, e a Amazônia está sendo entregue a traficantes e a milicianos. E agora nós temos esse caso dramático do desaparecimento do jornalista inglês e do nosso indigenista Bruno Pereira, um indigenista respeitadíssimo, admiradíssimo, e, pelo visto, realmente, os dois morreram.
Então, em vez de estar fazendo o trabalho previsto na Constituição e exercendo as funções previstas na Constituição, as nossas Forças Armadas estão preocupadas com o processo eleitoral, em intervir no processo eleitoral, o que também é altamente preocupante; da preocupação dele com o golpe, não é?
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E realmente... (Falha no áudio.)
Eu não sei se eu continuo no ar, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Está sendo ouvido. Houve uma pequena interrupção, mas está sendo ouvido. Pode concluir.
O SR. OCTÁVIO COSTA (Por videoconferência.) - Poxa vida... Alô. Está me ouvindo, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Estamos sim.
O SR. OCTÁVIO COSTA (Por videoconferência.) - Está me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Perfeitamente.
O SR. OCTÁVIO COSTA (Por videoconferência.) - Eu não sei se o senhor continua me ouvindo.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Está interrompendo um pouco, mas estamos ouvindo.
O SR. OCTÁVIO COSTA (Por videoconferência.) - Bom, eu só queria concluir com o seguinte.
Eu vou com o Jamil... O que é que nós temos que fazer pós o golpe, não é? Eu acho que as iniciativas todas têm que ser tomadas já - já! Eu acho que todas as entidades, todas as forças democráticas, mais a sociedade civil, têm que se mobilizar já e denunciar todo esse arremedo de golpe que está em preparo, denunciar isso imediatamente; denunciar os militares que estão pensando em não respeitar o processo eleitoral, em não respeitar o resultado das eleições. Então, nós temos que já nos mobilizar e, se possível, ir para as ruas - se não agora, daqui a 15 dias, daqui a um mês ir para as ruas; ou seja, o país não vai aceitar esse arremedo de golpe, o país não vai aceitar esse tipo de ameaça! Então isso já tem que ser demonstrado. As pessoas que pensam em dar golpes, isso já tem que ser demonstrado já - já!
E essa é uma proposição da ABI. A ABI está se unindo à OAB, à CNBB, à SBPC para denunciar exatamente esse arremedo de golpe que está sendo articulado. Então, mais do que pensar no que a imprensa vai fazer se houver o golpe, nós estamos preocupados em denunciar já essa orquestração - essa orquestração! Não vamos admitir a orquestração. Não é o golpe, não: é a orquestração e esse tipo de articulação. O Brasil não aceita isso. O Brasil é um país que vive plena democracia há mais de 30 anos, plena democracia depois da Constituição de 1988. Então, o Brasil não vai admitir uma virada de mesa porque militares e gente que cerca Bolsonaro não vão admitir o resultado, não admitem a vitória de Lula. Isso é um problema deles - esse é um problema deles! O país vai votar, e é evidente que o resultado vai ser sacramentado sim. E o eleito vai tomar posse, sim, no dia 1º de janeiro, entendeu?
Então é isso. A ABI está junto com outras entidades se mobilizando, e é evidente que toda a sociedade tem que se mobilizar, não apenas as entidades.
Muito obrigado, e desculpem-me os problemas com o som.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado ao Presidente da Associação da Federação Nacional dos Jornalistas... Desculpem-me: Presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Octávio Costa - desculpem-me aqui a confusão.
Sua colocação é muito pertinente, inclusive esse chamado a que a sociedade se mobilize contra esse fantasma que estão querendo criar de um golpe de estado no nosso país ou de não aceitação do processo democrático das eleições.
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A Senadora Zenaide Maia pede a palavra. Eu concedo a ela a palavra e, imediatamente depois, ouviremos a Presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas, Maria José Braga.
Com a palavra a Senadora Zenaide Maia.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN. Para discursar. Por videoconferência.) - Bom dia a todos.
Eu quero aqui parabenizar o Senador Humberto Costa, a Comissão de Direito Humanos, cumprimentando aqui os jornalistas Jamil Chade, Sylvio Costa, Patrícia Campos Mello, Octávio Costa, Natalia Mazotte e também o Procurador Enrico Rodrigues. Acho que eles nos deram uma aula.
A gente sabe o que está acontecendo, mas eu queria dizer aqui que a gente tem que se mobilizar. Uma audiência pública dessa, gente, dá visibilidade ao povo brasileiro do que realmente está acontecendo com jornalistas, procuradores da República, como falou o Octávio, a OAB. A sociedade... Acho que a gente tem que se mobilizar, sim. É melhor prevenir do que remediar. É intimidação o que este Governo tem feito à mídia, à imprensa séria desse país. Por que, gente? Porque informação é poder. Ninguém empodera mais uma sociedade do que informação correta do que está acontecendo.
E, como todo fascista, ele intimida. Primeiro, ele criou uma briga com esse Consórcio de Imprensa, porque ele não queria que divulgassem os óbitos e que não informassem à população brasileira a importância da ciência em salvar vidas. Porque, se existe algo que este Governo não preza, é a vida. E não é só a vida humana; ele ataca o meio ambiente também. Basta dizer - aqui eu me solidarizando, como todos vocês, com as famílias de Bruno e Dom Phillips - que o Presidente fez uma fala, agora de manhã, que a Folha de S.Paulo divulgou, em que disse que Dom não era bem visto, era mal visto na Amazônia, então ele deveria ter ficado mais atento. Isso é um Presidente da República falando sobre a provável morte, o sumiço de um indigenista respeitadíssimo não só em nível de Brasil e de um jornalista inglês. Então, isso é uma manifestação do Presidente da República. Então, ele é um Presidente que cultua a morte.
E eu queria dizer a vocês da mídia que combatem fake news, que, mesmo com intimidação, mostraram a importância da ciência, a importância da vacinação: vocês salvaram vidas! Foi ou não foi, Humberto Costa? Mostrando...
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Com certeza.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN. Por videoconferência.) - ... desmentindo o Presidente, que cultua a morte, que não respeita... Fica falando aí em nome de família. Esse cara respeita família, gente? Ele não respeita nenhuma forma de vida. Quem respeita a família defende um teto para essa família, defende uma educação pública de qualidade. Ele está tirando os recursos, terminando de matar agora com essa história de cortar o Fundeb bruscamente dos estados e municípios para manter os lucros dos acionistas da Petrobras, só para isso.
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Ele devia defender uma saúde pública, mas ele faz campanha contra as vacinas, mesmo a ciência mostrando e a gente sabendo que as vacinas e a água tratada aumentaram a vida média do povo brasileiro.
Então, parabenizo os senhores que não estão se intimidando, porque isso é uma maneira de ele intimidar
Outra coisa, jornalistas: eles não intimidam só vocês; eles tentam intimidar também o Congresso. É ou não é, Humberto?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Com certeza.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PROS - RN. Por videoconferência.) - Querem intimidar o Congresso Nacional. Então, a gente não pode... Não vamos nos intimidar. Acho que precisamos ir para rua para mostrar que a gente tem que defender a democracia. E não existe democracia sem liberdade de imprensa. Sem liberdade de imprensa, não tem democracia, porque as pessoas não são empoderadas com conhecimento e com informações.
Quero pedir desculpas por não poder ouvir os outros, Humberto, porque eu tinha outro compromisso. Mas quero dizer da minha solidariedade, mais uma vez, juntamente com os senhores. É muito bom a gente aqui saber e o povo brasileiro saber que tem gente, como jornalistas, OAB, todo esse pessoal, como o Procurador Enrico Rodrigues, que está vendo o que realmente está acontecendo neste país e que é grave. O país tem 33,1 milhões de pessoas com fome, literalmente com fome, e esse Presidente fica querendo tirar o direito de mostrar o que é real.
E sabe o que é que eu digo como médica para os senhores? O que os senhores mostram a gente vê; o que ele vê e quer negar, como queria negar os carros frigoríficos e os óbitos. Tem uma doença na medicina que se chama esquizofrenia, em que você vê imagens que não existiram e ouve vozes que não existiram. E isso ele não vai conseguir fazer com o povo brasileiro.
Obrigada, Humberto. Parabéns mais uma vez!
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Senadora Zenaide Maia, não só pela sua presença, pela sua participação, mas também pela firmeza do seu posicionamento, que já é do conhecimento de todos nós. É uma das Senadoras mais combativas que nós temos aqui, e eu endosso inteiramente a sua manifestação sobre o papel que a imprensa exerceu nesse processo de enfrentamento à covid-19, na denúncia da maneira como o governo fez esse enfrentamento, e concordo plenamente com a ideia de que o fato de a imprensa ter participado diretamente do questionamento ao governo por essa prática salvou, sem dúvida, muitas vidas.
Eu queria só reproduzir aqui alguns comentários que nós recebemos.
Fábio dos Santos, de Pernambuco: "Se há liberdade, ela deve ser irrestrita e de livre opinião. Liberdade para todas as opiniões e não apenas para este ou aquele grupo!".
Floriza Fameli, de São Paulo: "Liberdade de imprensa é a representatividade da democracia, através da troca de ideias, com respeito e tolerância".
Ricardo Garcia, de São Paulo: "Na prática, as pessoas que questionam e opinam sobre política e políticos nos municípios acabam sendo perseguidas".
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E uma pergunta de Audrey Julian, do Rio Grande do Sul: "A liberdade de imprensa pode passar por cima da dignidade da pessoa humana e do direito à privacidade?".
Se alguns dos oradores quiserem se manifestar sobre essa pergunta, fiquem à vontade.
Então, eu convido Maria José Braga, Presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
A SRA. MARIA JOSÉ BRAGA (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde a todos e todas. Eu começo agradecendo as Senadoras e os Senadores da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, na pessoa do Presidente, Senador Humberto Costa, por essa iniciativa e pelo convite à Federação Nacional dos Jornalistas.
Os colegas que me antecederam e o Procurador Dr. Enrico já trouxeram um diagnóstico bastante preciso e apontaram os desafios que nós temos pela frente. Eu vou usar o meu tempo reforçar algumas das questões que já foram trazidas, entre elas a correlação entre os ataques à liberdade de imprensa, a violência contra jornalistas e a democracia.
É preciso que todos nós saibamos que os jornalistas são agredidos pelo bom trabalho que fazem, e não por erros cometidos. É assim que nós somos vítimas de toda ordem de agressões: pelo que fazemos para garantir o direito do cidadão e da cidadã à informação jornalística, que é uma informação apurada, verificada e, portanto, verdadeira. É a partir desse elemento constitutivo do juízo que o cidadão e a cidadã podem atuar em sociedade e podem, inclusive, atuar para garantir a democracia, o Estado de direito e todos os direitos consignados ao cidadão e à cidadã. Então, o jornalismo tem um papel fundamental e é por isso que nós o chamamos de pilar da democracia. E são exatamente grupos e pessoas que não querem a democracia participativa, a democracia verdadeira, que atacam jornalistas e atacam o jornalismo.
Eu gostaria de salientar o crescimento da violência contra jornalistas a partir de 2019, com o marco da ascensão à Presidência da República de um legítimo representante da ultradireita do mundo. A partir de 2019, nós tivemos um crescimento de 56% em relação ao ano anterior, 2018; em 2020, nós tivemos um crescimento de 130% dos casos de agressões a jornalistas e a veículos de comunicação, comparados a 2019; e, no ano passado, 2021, segundo o nosso levantamento da Federação Nacional do Jornalistas, nós batemos um novo recorde, com 432 casos de agressões a jornalistas e a veículos de comunicação.
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O que difere o Brasil de outros países no mundo onde também a ultradireita está articulada e atuando? O que difere o Brasil é que nós temos efetivamente uma institucionalização da violência contra jornalistas por meio da Presidência da República e, infelizmente, também por meio do Poder Judiciário.
O que o colega Jamil citou da criminalização de jornalistas e do jornalismo é uma realidade no Brasil, e é uma realidade que nos preocupa muitíssimo e para a qual nós chamamos a atenção dos Srs. Senadores e das Sras. Senadoras. É preciso que estejamos vigilantes. Só para citar um único exemplo, na semana passada, nós tivemos, por meio de um juiz de primeira instância, a condenação da jornalista Juliana Dal Piva, colunista do site UOL, e a condenação dela se deu por ela ter publicizado, ou seja, denunciado publicamente a agressão verbal que sofreu. Isso é um descalabro em termos de sociedade que se diz democrática e em termos de exercício da justiça por meio do Poder Judiciário. Então, nós temos aí um grave cenário no Brasil.
Nós da Federação Nacional dos Jornalistas propomos medidas para garantir a segurança dos jornalistas, a serem tomadas pelos próprios jornalistas, que é a denúncia - a denúncia formal, o registro de boletins de ocorrência, ações civis por crimes contra a honra. Nós temos propostas para as empresas empregadoras, que devem, sim, garantir a segurança dos seus profissionais contratados. Nós temos propostas para o Poder Legislativo, em especial, iniciativas como esta, de debates públicos, para que mais e mais pessoas tomem conhecimento da gravidade da situação. Nós temos propostas para o Poder Judiciário.
E aproveito o meu último minuto para dizer que a Fenaj e o Observatório da Ética Jornalística da Universidade de Santa Catarina publicaram recentemente um dossiê sobre os ataques a jornalistas e como esses ataques influenciam o direito do cidadão e da cidadã à informação e, portanto, à democracia. Esse estudo está disponível na nossa página, também na página do objETHOS, e nós vamos encaminhá-lo à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa para o conhecimento dos Senadores e Senadoras e também para ficar disponível ao público.
Mais uma vez, agradeço muito a oportunidade de estar aqui. Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado. Quero aqui pedir que esse estudo possa chegar até nós aqui, na Comissão.
Nós aqui, na Comissão, criamos um canal específico para denúncias relativas à violência política. Obviamente, nós estamos discutindo algo mais amplo, mas nós vamos conversar aqui sobre a possibilidade de esse canal se ampliar para todo tipo de restrição aos direitos humanos durante esse processo eleitoral, ao exercício do trabalho profissional, enfim.
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Obviamente, nós estamos discutindo algo mais amplo, mas nós vamos conversar aqui sobre a possibilidade de esse canal se ampliar para todo tipo de restrição aos direitos humanos, durante esse processo eleitoral, e ao exercício do trabalho profissional. Enfim, é um tema que eu pretendo levar à discussão com os componentes desta Comissão, para que nós possamos fazer parte desta rede capaz de denunciar todas as tentativas de restrição do exercício profissional e do exercício dos direitos durante esse processo eleitoral.
De imediato, eu passo a palavra à jornalista Bia Barbosa. Ela já esteve conosco aqui em outras oportunidades. Ela é Coordenadora de Incidência da Repórteres sem Fronteiras para a América Latina.
A SRA. BIA BARBOSA (Por videoconferência.) - Boa tarde, Senador!
Vocês me ouvem bem?
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Sim, estamos ouvindo.
A SRA. BIA BARBOSA (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada.
Muito obrigada pelo convite, Senador.
Eu queria parabenizar a Comissão de Direitos Humanos por trazer mais esse tema relevante de discussão e agradecer o convite.
A Repórteres sem Fronteiras é uma organização internacional que defende o direito de todo cidadão e cidadã ter acesso a informações livres e confiáveis em todos os países. Por isso, nossa missão é atuar pela liberdade, pelo pluralismo e pela independência do jornalismo.
Como vocês já mencionaram aqui, a gente anualmente publica o Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, e o Brasil está longe, historicamente, de apresentar resultados razoáveis. O cenário midiático brasileiro é marcado por uma forte concentração privada dos meios de comunicação, é caracterizado por uma relação quase incestuosa entre os poderes político, econômico e religioso. Os princípios da nossa Constituição, previstos no Capítulo V, estão longe de serem implementados. O Código Brasileiro de Telecomunicações, que regula o setor, é antigo, é permissivo e é ineficaz para garantir um cenário plural e diverso. Nossa imprensa local está cada vez mais enfraquecida, e a gente vive zonas enormes de silêncio no sentido da ausência de produção de conteúdo local.
O ranking da Repórteres sem Fronteiras lançado neste ano coloca o Brasil na posição 110, mas, quando a gente olha para o indicador de segurança, a gente está num quadro ainda pior, a gente ocupa a posição 124 entre 181 países do mundo.
Ao longo da última década, pelo menos 30 jornalistas foram assassinados no Brasil. Nós somos o segundo país mais letal da região nesse período para jornalistas, atrás somente do México. Blogueiros, apresentadores de rádio, jornalistas independentes que trabalham em municípios pequenos e médios e que cobrem temas como corrupção, política local e violações de direitos humanos são os mais vulneráveis.
Mas, além desses fatores históricos, há um motivo principal para essa perda de posições, que já foi mencionada por vocês aqui - e aí eu me somo a todas as falas que já trouxeram o contexto de complexificação desse cenário desde que o Presidente Jair Bolsonaro assumiu o poder, em 2019. O Presidente ataca regularmente a imprensa, mobiliza exércitos de apoiadores nas redes sociais e desenvolve uma estratégia muito bem coordenada de ataques com o objetivo de desacreditar a mídia, que é apresentada para os seus apoiadores como uma inimiga do Estado, uma inimiga do Governo.
Além dos ataques gerais aos veículos e jornalistas já mencionados pela Abraji e pela Fenaj aqui, eu queria destacar o mapeamento que a Repórteres sem Fronteiras faz dos ataques do que a gente chama de Sistema Bolsonaro, que envolve o Presidente, os seus filhos, ministros e apoiadores mais diretos. O Senador Humberto Costa mencionou aqui os dados de 2020 da Repórteres sem Fronteiras, e a gente monitorou também esses ataques em 2021. Só no primeiro semestre, foram mais de 330 ataques desse chamado Sistema Bolsonaro, de seus familiares, um aumento em relação a 2020 de 74%.
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A gente sabe, como também já foi colocado aqui, que essa hostilidade que é propagada por essa rede de autoridades públicas encoraja os apoiadores do Governo a fazerem o mesmo, numa retórica agressiva, que tem contribuído para aumentar a hostilidade da sociedade como um todo contra os jornalistas.
Para vocês terem uma ideia, durante três meses do ano passado, em parceria com o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, nós monitoramos hashtags de hostilidade e de ataques a jornalistas e comunicadores numa rede social e, somente em três meses, coletamos mais de meio milhão de postagens atacando a imprensa. A gente não ficou nenhum dia sem ataques organizados à imprensa no Brasil nesse período curto de três meses em que a gente fez esse monitoramento no ano passado. E aí eu queria destacar o assédio e a violência principalmente contra mulheres jornalistas. A gente pode falar de uma verdadeira avalanche de ataques misóginos e abjetos contra mulheres comunicadoras nas redes sociais.
Em abril, junto com a organização Gênero e Número, a Repórteres sem Fronteiras lançou uma pesquisa sobre o impacto da desinformação e da violência política na internet contra jornalistas e comunicadores e contra a comunidade LGBTQIA+, e esses números que a gente levantou mostram que oito em cada dez jornalistas mudaram seu comportamento nas redes sociais nos últimos anos para se protegerem dos ataques. Mais da metade dos jornalistas afirmaram que a proliferação desses ataques impactou na sua rotina profissional, e 15% relataram ter desenvolvido algum tipo de problema de saúde mental em decorrência dos ataques sofridos. Então, a gente está falando de resultados muito concretos, não é?
Oitenta por cento... Já vou concluindo, Senador.
Oitenta por cento também afirmaram terem presenciado alguma situação desse tipo...
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Fique à vontade, viu?
A SRA. BIA BARBOSA (Por videoconferência.) - ... com colegas, dois terços testemunharam violência contra colegas já conhecidos. E há uma percepção de que essa violência leva a outros casos.
Acho que é nesse contexto gravíssimo que a gente chega ao desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do Bruno Pereira.
Eu queria deixar aqui o repúdio da Repórteres sem Fronteiras à forma como o Estado brasileiro só iniciou, de maneira efetiva, as buscas na região depois de pressão nas redes sociais, e pressões também vindas de fora do país ganharam escala. É inadmissível que, dois dias depois, o Governo ainda não tenha dado explicação de como a Embaixada do Brasil no Reino Unido informou à família de Dom Phillips que os dois corpos tinham sido encontrados, e, depois, a Polícia Federal negou esse fato.
A Repórteres sem Fronteiras, junto com outras dez organizações brasileiras, está, desde a terça-feira da semana passada, esperando uma resposta dos Ministérios da Defesa e da Justiça ao pedido de audiência emergencial que a gente fez para o Governo, para tratar do caso Dom Phillips e Bruno Pereira, e a gente não obteve nenhuma resposta.
Ontem, o representante brasileiro respondeu ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, diante das preocupações manifestadas nesse caso, que o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos no Brasil foi fortalecido, em 2018, para incluir os ambientalistas e os comunicadores. Eu acho que é importante registrar que nós temos, hoje, cinco comunicadores em todo o Brasil sob proteção desse programa. É um programa que não funciona, como já foi mencionado pelo Dr. Enrico aqui, e um terço somente dos estados brasileiros tem esse programa implementado e em operação. Então, a única política que existe, criada no Brasil em 2005, depois do assassinado da Dorothy Stang, está longe de funcionar a contento para proteger os jornalistas. A gente também convida a Comissão a conhecer o relatório detalhado e aprofundado sobre esse tema que a Repórteres sem Fronteiras lançou neste ano.
Para terminar, Senador, já pedindo desculpa por ter me estendido, eu queria reforçar o pleito que foi colocado aqui por vários e iniciado pela Patrícia, que é a preocupação que a gente tem em relação à cobertura do processo eleitoral. No dia 3 de maio, nós lançamos um comunicado, um chamado, junto com várias organizações também aqui presentes, para que as autoridades públicas garantam a segurança dos jornalistas no processo da cobertura das eleições deste ano, para que a gente não veja se repetindo o que aconteceu em 2018 e em 2020, porque isso também é uma ameaça para o próprio resultado das urnas e para a própria democracia brasileira.
Muito obrigada.
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O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado à jornalista Bia Barbosa, que coordena a Repórteres sem Fronteiras para a América Latina. São muito relevantes as suas informações. Gostaríamos, naquilo que for possível, de ter acesso também. Aqui nós sempre colocamos tudo que recebemos também à disposição das pessoas que procuram informações junto à Comissão de Direitos Humanos.
Quero dizer que esta demanda de que nós possamos - eu digo de todos nós autoridades públicas - buscar garantir o direito de os jornalistas poderem trabalhar livremente nessa campanha, sem qualquer tipo de constrangimento, me parece que é algo muito importante. Nós vamos incorporar essa preocupação ao trabalho da Comissão, ao nosso trabalho parlamentar e ao dos partidos, enfim, no sentido de que isso seja garantido. Concordo plenamente que esse é um dos fatores importantes para que nós possamos ter um resultado eleitoral que espelhe o sentimento e a opinião da população e que, ao mesmo tempo, possa ser respeitado e reconhecido.
Nossa penúltima oradora é a Elisabeth Costa. Não sei se ela está... Ela está com a câmera desligada.
Eu vou fazer o seguinte: eu vou passar para o advogado Paulo Freire, para que ele possa falar, e, depois, nós voltamos para...
A Elisabeth está aí. Vou passar para ela a palavra.
Com a palavra a Conselheira e Coordenadora da Comissão Permanente de Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão do Conselho Nacional de Direitos Humanos e também Coordenadora-Geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.
Com a palavra a Elisabeth Costa.
A SRA. ELISABETH COSTA (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde a todas e todos!
Agradecendo também a oportunidade de participar desta importante audiência pública, agradeço a todos os Senadores e Senadoras que concretizaram esta iniciativa, na figura do Senador Humberto Costa.
Eu aqui vou... Pediram-me para eu fazer uma dupla representação, como Conselho Nacional de Direitos Humanos e como FNDC, mas eu me sinto completamente contemplada pelas várias organizações que já se manifestaram aqui e que fazem parte, inclusive, dessas duas instâncias que tentam acompanhar e estão monitorando o desenvolvimento e os problemas da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa no país.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos é um conselho que tem dez comissões permanentes, incluindo a de Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão, e é ainda a única instituição governamental hoje que mantém uma representação da sociedade civil. Somos 11 organizações da sociedade civil, dos vários segmentos de movimentos sociais, quilombolas, negros, LGBTQIA+, que tentam organizar e se mobilizar cada vez que o Governo ou as instituições ligadas ao Governo atentam contra a liberdade e os direitos humanos.
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Como Comissão Permanente de Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão, nós temos um trabalho - e aí eu não vou me repetir - que tem sido superdimensionado a partir da eleição do Presidente Jair Bolsonaro.
Aproveito aqui para fazer uma espécie de denúncia sobre o esvaziamento do Conselho Nacional de Direitos Humanos dentro do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Com a falta de verba, com a falta de pessoal, o conselho tem sido esvaziado no seu direito a acesso a um mínimo de sustentabilidade para a sua atividade. Há problemas inclusive de reuniões - nós estamos tentando voltar com as reuniões presenciais para melhor tratar dos assuntos -, e não temos conseguido sequer ter acesso a passagens aéreas para podermos nos deslocar para Brasília, que é o local de reunião das plenárias do CNDH.
Do ponto de vista especifico do assunto de hoje, nós temos denunciado sistematicamente todas as agressões, o ambiente de censura inclusive que hoje sofre a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), com o desmonte das suas instalações e do seu grupo de profissionais jornalistas, como a gente deu visibilidade a um relatório onde se contam as várias tentativas de censura do noticiário que é veiculado na Empresa Brasileira de Comunicação e do assédio moral que tem sido realizado contra os seus profissionais e jornalistas.
E também assinamos um protocolo no Tribunal Superior Eleitoral para combate às notícias falsas, no sentido não só da proteção do jornalista e da liberdade de expressão, mas também a todos os defensores de direitos humanos, cujo programa, que já foi mencionado aqui, tem sido subdimensionado e também desvalorizado dentro do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O PPDDH não está funcionando a contento por absoluta falta de verbas e pelo esvaziamento inclusive dessa instância dentro do conselho do ministério.
O que eu queria, como CNDH, aqui ressaltar é que hoje o país vive numa ambiência de desregulamentação total, como já foi dito aqui: a concentração dos meios de comunicação continua, a falta de segurança, a falta de instâncias às quais a sociedade civil pode apelar na sua defesa. Esse ambiente de desregulação total e de falta de funcionamento das instituições merece um debate bastante profundo não só dentro do Parlamento como por parte da sociedade civil como um todo, porque é o que estimula a impunidade, a insegurança não só dos profissionais de comunicação, mas também de defensores de direitos humanos, comunicadores sociais, inclusive dentro das comunidades carentes. Então, é um problema muito sério.
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A gente gostaria de ressaltar aqui que, conversando com os pares dentro do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e fazendo parte desse grupo de entidades que foi criado para monitorar a liberdade de imprensa e a violência contra jornalistas durante o período eleitoral, talvez fosse a hora de todos nós nos unirmos para instalar um gabinete de gestão de crise até o final do ano, para que a gente possa, primeiro, ter respostas ágeis, efetivas e eficientes para cuidar desse assunto durante esse período eleitoral, pelo menos até o final deste ano. Esse gabinete de gestão de crise, nesse sentido, poderia ter o Congresso Nacional, as várias entidades que estão aqui presentes, a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público Federal. Eu acho que está na hora de a gente formar esse gabinete para que nenhuma outra tragédia, que já está anunciada, possa realmente se efetivar, como já foi dito aqui. As ameaças virtuais, normalmente, partem para a violência física, e os jornalistas estão sendo ameaçados o tempo inteiro nas redes sociais.
Então, fica aqui a proposta para o Senador Humberto Costa, talvez, com a sua autoridade dentro da Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa, de nós montarmos um gabinete de gestão da crise, que vai, sim - já está anunciada -, se aprofundar nesse período eleitoral com certeza. Então, para a gente ter mecanismos efetivos e eficientes para combater essa desregulação, essa falta de institucionalidade que causa tanta insegurança não só aos jornalistas, mas à sociedade brasileira como um todo.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado à Elisabeth Costa, que representa aqui a Comissão Permanente de Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão do Conselho Nacional de Direitos Humanos. Acho que essa proposição é perfeitamente adequada. Quero dizer da nossa total disponibilidade de podermos trabalhar num grupo assim, talvez tomar a iniciativa, pelo menos, de permitir que esse ambiente se concretize e as entidades possam conversar.
Eu já estou programando uma visita ao novo Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, na condição de Presidente da Comissão de Direitos Humanos, no sentido não somente de externar a nossa solidariedade e apoio às decisões que o TSE tem assumido no sentido de mostrar a lisura que o pleito, que as eleições têm no nosso país, a absoluta confiabilidade das urnas eletrônicas, mas também a outras ações importantes, como a busca de coerção contra as notícias falsas. Apesar de o TSE ter uma missão muito específica, eu entendo que a sua preocupação com o pleito deve ser a mais ampla possível, como o problema da violência política que vai acontecer, já está acontecendo em alguns lugares, e esse tema do exercício do trabalho da imprensa durante o pleito eleitoral.
Então, eu quero aqui antecipar isso e, ao mesmo tempo, dizer que eu estou inteiramente à disposição. Acho que essa proposta é profundamente adequada. Naturalmente, não deve ser uma construção do Congresso Nacional ou da Comissão de Direitos Humanos; tem que ser uma articulação que envolva todas essas entidades que estão aqui e mais outras. Mas nós teremos a maior satisfação em ser facilitadores disso, ou participar, ou acompanhar, ou cumprir esse nosso papel aqui, como Congresso Nacional.
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Por último, nós vamos ouvir aqui a palavra do representante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - que certamente pode se manifestar sobre esse tema também -, o Paulo Freire, da ABJD.
O SR. PAULO FREIRE (Para expor. Por videoconferência.) - Uma boa tarde, Senador Humberto Costa! Boa tarde a todos e a todas!
Primeiro, a ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia) agradece o convite feito pelo Senado, na pessoa do Senador Humberto Costa. E, segundo, quero dizer que a ABJD segue vigilante e tomará todas as iniciativas jurídicas necessárias para a manutenção e o fortalecimento do Estado democrático de direito. E, entre um dos pilares desse Estado democrático de direito, encontra-se a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.
Nós já tivemos... A ABJD é fruto de uma articulação de juristas que envolve membros do Ministério Público, da magistratura, da advocacia privada, da advocacia pública, estudantes, servidores do Judiciário que tem como finalidade a defesa e o fortalecimento do Estado democrático de direito. Nós já tivemos algumas reflexões em torno do tema da liberdade de imprensa e de expressão, e eu gostaria de pontuar a minha fala aqui, Senador Humberto, no sentido, primeiro, da nossa reflexão na defesa da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa, um direito, uma garantia individual, fundamental, coletiva presente no nosso núcleo duro da nossa Constituição de 1988, e, num segundo momento, fazer uma diferenciação entre a liberdade de imprensa e de expressão e o discurso de ódio, o discurso que afronta a Constituição, especialmente o núcleo duro da nossa Constituição.
Bom, a nossa reflexão em torno da defesa da liberdade de imprensa passa muito pelo julgamento do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130, de relatoria do Ministro Ayres Britto, que, lá em 2009, revogou a Lei de Imprensa, que foi editada na época da ditadura militar, de 1967. E esse código, essa normativa previa a censura prévia e por isso que o Supremo Tribunal Federal disse que esse texto normativo não foi recepcionado pela Constituição de 1988, porque a censura prévia, aos moldes da lei, impedia a livre manifestação do pensamento. Você teria que passar por um crivo, anteriormente à manifestação da imprensa, ou da expressão, ou do pensamento, e esse crivo diria se poderia ser publicizada essa opinião ou não. E o Supremo, em 2009, disse que essa legislação não era recepcionada.
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E hoje parece que, por outros meios, que não só o Estado, mas que por outros meios, se tenta implementar a censura prévia, através de ameaças, através de violência - de maneira virtual ou física, pouco importa -, e se tenta resgatar a censura prévia, inclusive por meio de violência corporal. Então me parece que se busca novamente estabelecer a censura prévia ao cercear a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.
Lá no Supremo, o que o Supremo disse, em 2009, para revogar a Lei de Imprensa da ditadura militar? "Que inúmeras liberdades, como a de manifestação do pensamento, de informação e de expressão artística, científica, intelectual e comunicacional, dão conteúdo às relações de imprensa e põem como superiores bens de personalidade e mais direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana". Então, esse foi o fundamento que o Supremo Tribunal Federal utilizou para resguardar a liberdade de imprensa.
E, por fim, ele atesta a relação de mútua causalidade entre liberdade de imprensa e democracia - a liberdade de crítica, inclusive: a liberdade, por exemplo, de criticar uma decisão do Supremo Tribunal Federal, a liberdade de criticarmos uma decisão do Congresso Nacional, a liberdade de criticarmos um decreto presidencial, um ato estatal, como um direito que todos nós temos de ter informação para poder, inclusive, criticar os órgãos de Estado, mas dentro dos limites constitucionais dessa liberdade. Porque também o Supremo já decidiu e já formou precedentes no sentido de que nenhum direito, nenhuma garantia individual ou coletiva é absoluta; ela tem que ser conjugada com as demais liberdades e garantias fundamentais - isso entrando um pouco numa das perguntas feitas no chat. Nenhum direito, nenhuma garantia é absoluta, mas eu não posso censurar previamente, por qualquer meio que seja, uma expressão, uma liberdade de pensamento. Por isso que a Constituição também proíbe o anonimato para que, por exemplo, quem se expressou possa ser responsabilizado por essa expressão: se essa expressão feriu a honra; se essa expressão incitou o crime; se essa expressão fez alguma apologia a conduta criminosa; se essa expressão é uma ameaça. Então, esses mesmos que defendem a liberdade de expressão quando estão sob julgamento, como o caso do Deputado Daniel Silveira, defendem essa liberdade de expressão absoluta, pela qual eu posso, inclusive, pregar o fechamento do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal, eu posso pregar o fim da separação dos Poderes.
Então, isso tudo mostra que, por mais que não seja o arcabouço jurídico mais ideal para a proteção desses bens jurídicos, nós temos previsões legais que permitem, por exemplo, as pessoas serem responsabilizadas, que me permitem, por exemplo, ter um direito de resposta se algo foi dito sobre mim com o que eu não concorde na imprensa. Eu tenho mecanismos para buscar estabelecer um contraditório. Enfim, há todo um arcabouço jurídico constitucional e jurisprudencial, principalmente da Suprema Corte, que nos permite não sermos censurados previamente e que permite a responsabilização daqueles que ultrapassem os limites constitucionais nessa liberdade de expressão. O que não podemos confundir - e aí é que a ABJD também vem desenvolvendo, Senador Humberto Costa, inclusive com representações e notícias-crimes no Supremo Tribunal Federal contra qualquer autoridade pública que seja - é que a liberdade de expressão, a liberdade de manifestação do pensamento, seja um instrumento para acobertar a prática criminosa e organizada de grupos que tentam se acobertar atrás dessa liberdade para a prática organizada de crimes - o que nós vamos ver com maior frequência no processo eleitoral. Já vem se agravando e certamente em processo eleitoral isso vai ser ainda mais forte, o que chama ainda mais a responsabilidade, a vigilância e a resistência da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, que continua à disposição na defesa do direito constitucional da liberdade de imprensa e de expressão.
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Muito obrigado, Senador - a ABJD agradece.
O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Paulo Freire, que aqui representa a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. São muito boas as suas colocações, que de certa forma responderam à pergunta que foi feita por um dos participantes, das pessoas que acompanham aqui a nossa sessão.
Eu vou dar a palavra também ao jornalista Sylvio Costa, porque ele gostaria de falar sobre essa pergunta também, e já vamos nos encaminhando para concluir a nossa sessão aqui. São cinco minutos.
O SR. SYLVIO COSTA (Para expor.) - Vou tirar a máscara aqui, porque fica melhor.
Pois é, houve esta pergunta aqui. Eu não sou bacharel em Direito e não vou ter a competência para falar com os fundamentos que o Dr. Paulo Freire utilizou, mas a pergunta era: "A liberdade de imprensa pode passar por cima da dignidade da pessoa humana e do direito à privacidade?". Eu acho que o Dr. Paulo deixou claro, e eu queria reforçar isto: que obviamente não! Quer dizer, a liberdade de imprensa não pode ser um direito absoluto. Nós jornalistas somos pessoas normais, não somos monstros comunistas e corruptos como a propaganda bolsonarista tenta caracterizar. Estamos sujeitos a erros, erramos. O ambiente de liberdade de expressão pleno ou mais desenvolvido possível é interessante, inclusive, para a correta discussão dos erros da imprensa, que também tem problemas, também sempre pode aprimorar, sempre pode trabalhar melhor do que trabalha ou do que trabalhou no passado.
Agora, a questão aqui é o uso dos instrumentos da democracia para acabar com a democracia. Esse é o ponto-chave para mim, não é? A questão fundamental é que a democracia é uma planta frágil: se você não rega todo dia, se não tem a quantidade necessária de sol, de transparência, você não tem a visibilidade necessária para os seus agentes capazes de garantir ou de estabelecer um sistema de forças e contraforças. Tem o Executivo, tem o Legislativo - tem os dois - e tem o Judiciário: é um equilíbrio fundamental. E tem também a imprensa, tem o Ministério Público, tem as organizações da sociedade civil, cada um com um papel, quer dizer, ninguém pode se arvorar em exercer a liberdade de um modo a acabar com a liberdade de todos os demais. Esse é o problema básico.
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E aqui a gente não está falando só do bolsonarismo, não está falando só dessa terrível experiência da extrema direita que acendeu o país. É um problema global. Há radicais que eventualmente são de esquerda. No caso do Brasil, é a extrema direita que comete os desatinos, que é a grande inimiga da liberdade hoje, a grande inimiga da democracia.
Eu acho que jornalista nenhum está pedindo liberdade irrestrita. Agora, é preciso ressaltar que, de todos os direitos, um é o mais importante: é o direito à vida. Quem faz ameaça contra a vida de outra pessoa perde o direito à privacidade, porque se torna criminoso. Fica sujeito à perseguição policial, judicial. Esse é o ponto fundamental.
Então, aqueles que estão se sentindo desinformados... Porque o Bolsonaro tenta, na minha opinião, Senador, criar um clima de que a gente está à beira da guerra civil, está à beira do golpe. Há um exagero em relação à adesão da sociedade brasileira a essas teses malucas, autoritárias de Bolsonaro.
As Forças Armadas brasileiras infelizmente cederam muito mais do que deveriam. O Ministro da Defesa tem feito um papel vergonhoso para a história das Forças Armadas brasileiras, um papel politiqueiro, ouvindo, infelizmente, generais ainda mais politiqueiros do que ele, como o General Braga Netto e o General Augusto Heleno, que não representam o consenso, não representam a maioria do pensamento da cúpula militar hoje. Mas, à medida que as pessoas recuam e recuam e recuam e deixam os agressores da democracia tomar conta de tudo, as forças antidemocráticas - a gente pode dizer as forças fascistas - crescem, como cresceram neste país. Por isso, lá atrás, o Congresso em Foco alertava sobre os riscos da candidatura Bolsonaro. Por isso, lá atrás, a gente defendia o impeachment de Bolsonaro, porque o monstro cresce, e o grande problema do monstro é que ele não quer liberdade de expressão para exercê-la.
Esse discurso do Deputado Daniel Silveira, muito bem colocado pelo Dr. Paulo Freire: "Ah, o Supremo está querendo caçar a liberdade do Deputado Daniel Silveira". Não se trata de liberdade de expressão. É liberdade para fechar o Supremo. É liberdade para fechar o Congresso. O Congresso Nacional brasileiro foi fechado 18 vezes na história brasileira. É um Congresso que tem menos de 200 anos de história e foi fechado 18 vezes. Querem fechar de novo. E, aliás, era esse o discurso fundamental do bolsonarismo em 2020. Em maio de 2020, Bolsonaro comprou a Câmara dos Deputados, comprou o centrão, mas o discurso continua.
Então, o alerta feito pelo Jamil Chade fica aqui, mas eu acho que a gente tem que ter esse cuidado de dar a verdadeira dimensão aos inimigos da democracia. A democracia tem apoio majoritário na sociedade brasileira. Não podemos ter medo desses que se fazem de valentes e que hoje nos ameaçam.
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O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado ao jornalista Sylvio Costa, do Congresso em Foco.
Não vamos fazer uma segunda rodada, mas o jornalista Jamil Chade nos pediu a palavra e vamos ouvi-lo. Logo em seguida, nós concluímos os trabalhos de hoje. Eu vou agradecer a todos, enfim.
Jamil.
O SR. JAMIL CHADE (Para expor. Por videoconferência.) - Senador, prometo ser breve.
Antes de mais nada, concordo plenamente Sylvio. É absolutamente correto o que você colocou.
São três pontos muito rápidos. Primeiro, ainda sobre essa pergunta, há um consenso internacional, mecanismos internacionais do Conselho de Direitos Humanos da ONU e todos outros mecanismos da ONU, e, sim, existem limites para a liberdade de expressão. Isso não existe sequer em parte. Então, esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto, também muito rapidamente, é que justamente o Governo brasileiro nesta gestão tenta, de uma forma, eu diria - perdão pela palavra aqui -, cínica, defender resoluções no Conselho de Direitos Humanos justamente sobre a liberdade de expressão. Essas resoluções que o Governo apresenta fazem parte do que eu citei no início, de uma tentativa de sequestrar o conceito, de justamente transformar esse conceito em um instrumento também de desinformação. Então, temos que ficar muito atentos porque o mesmo termo, a mesma defesa pode ter significados diferentes. Esse é um outro ponto também muito importante.
E o terceiro, também muito rapidamente: temos de olhar para o que aconteceu com a imprensa na Hungria. Se nós queremos entender o plano de um governo de extrema direita em relação a imprensa, basta olhar o modelo húngaro. E o qual é o principal recado do modelo húngaro, que foi de controle total do Parlamento, do judiciário, da imprensa e da sociedade civil? Qual é o recado principal? Quanto mais durar, quanto mais implementado na sociedade o plano, mais difícil é reverter uma eleição nesse caso. Isso ficou claro na eleição passada, agora, do Orbán, porque você tem, de uma forma muito clara, o controle pleno da informação que chega à sociedade.
Então, eu quero contar um episódio muito rapidamente, Senador, justamente desse medo instaurado na sociedade húngara, dentro da União Europeia. Eu fui fazer uma reportagem lá, e um dos editores, um dos poucos editores ainda independentes do país me chamou para tomar um café em um bar distante, inclusive, discreto, para a gente não ser visto. Nós chegamos ao bar conversando, aparece um senhor, bate nas costas dele e faz grandes elogios ao trabalho dele. Vai ao bar, pega duas cervejas, coloca na nossa mesa e diz: "Isso é para vocês, pelo agradecimento da sociedade". E ele vira para mim e diz: "Não toca nessa cerveja". Pode ser, Senador, que tivesse sido simplesmente um cidadão querendo retribuir o trabalho daquele jornalista, simplesmente alguém prestando uma homenagem à imprensa, mas o medo é tão instaurado na minoria livre, ainda, da imprensa húngara que nem mesmo uma cerveja é aceita em um bar em Budapeste. E estamos falando de um país dentro da União Europeia. Então, é algo extremamente real. Eu falava no início que esse medo é real e ele é contaminante dentro de uma sociedade.
Obrigado, Senador, por organizar este evento e todo apoio à iniciativa que o senhor citou.
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O SR. PRESIDENTE (Humberto Costa. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigado, Jamil.
É bom lembrar que Bolsonaro, quando esteve na Hungria e encontrou com o Orbán, o chamou de meu irmão, não é? É um sinal muito claro das identidades políticas, não é?
Bem, eu queria, então, agradecer a todos que acompanharam esta sessão, aos Senadores, às Senadoras que acompanharam, que participaram. Quero agradecer aos nossos convidados: Sylvio Costa, do Congresso em Foco; Jamil Chade, colunista e escritor; Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha; Dr. Enrico Rodrigues de Freitas, Procurador da República da Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos; Dr. Octávio Costa, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa; Natalia Mazotte, jornalista, Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo; Maria José Braga, Presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj); Bia Barbosa, Coordenadora de Incidência da Repórteres sem Fronteiras para a América Latina; Elisabeth Costa, Conselheira, Coordenadora da Comissão Permanente de Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão do Conselho Nacional de Direitos Humanos; e Paulo Freire, representante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.
Muito obrigado a todos e a todas.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada esta audiência pública.
Muito obrigado.
(Iniciada às 11 horas e 21 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 34 minutos.)