Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO. Fala da Presidência.) - Sob a proteção de Deus, iniciamos os nossos trabalhos. Declaro aberta a 14ª Reunião da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura do Senado Federal. A presente reunião destina-se à realização da primeira audiência pública de instrução do PL 1.459, de 2022, da Câmara dos Deputados, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e a rotulagem, o transporte o armazenamento, a comercialização, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e das embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de pesticidas, de produtos de controle ambiental e afins; altera dispositivos normativos e dá outras providências, em atendimento aos Requerimentos 13, de 2022, de iniciativa desta Presidência, e 14, de 2022, da iniciativa do Senador Paulo Rocha e da Senadora Eliziane Gama. Esta audiência pública é interativa, por meio do Portal e-Cidadania, no site do Senado, e pelo telefone 0800 612211; quem quiser participar pode fazê-lo através das redes sociais ou pelo telefone 0800 612211 - a ligação é gratuita. Os nossos convidados: Dr. Leomar Daroncho, Procurador do Trabalho e representante do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos; Dra. Larissa Mies Bombardi, Professora Doutora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo; Dr. Caio Carbonari, Doutor em Proteção de Plantas pela Universidade Estadual Paulista; Dr. Mário Urchei, Diretor de Ciência e Tecnologia do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário; Dra. Naiara Bittencourt, Advogada na organização Terra de Direitos e integrante da Articulação Nacional de Agroecologia; Dr. Paulo Amaral, Advogado e Engenheiro Agrônomo, Consultor da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão. |
| R | Antes de passar a palavra aos senhores, eu faço apenas uma introdução aqui. Esta audiência pública tem como objetivo ampliar o debate sobre os pesticidas para possibilitar os últimos ajustes no texto do Projeto de Lei 1.459, de 2022, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem, a rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e das embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de pesticidas. Esse projeto iniciou a sua tramitação no Senado Federal pelo PLS 526, de 1999, de autoria do Senador Blairo Maggi. Portanto, está há 23 anos tramitando aqui, no Congresso Nacional, sendo que já foi amplamente debatido com os Congressistas e com a sociedade, tanto é que, de fato, o projeto hoje em discussão é bem diferente da proposta inicial, pois recebeu muitas contribuições ao longo de sua tramitação, sendo que chegou o momento de sua deliberação. E vamos deliberá-lo aqui na Comissão de Agricultura do Senado. Antes de se tornar um debate político e ideológico, esse é um debate técnico e científico que há muito tempo vem ocupando estudiosos, pesquisadores e especialistas das universidades e das empresas do setor agropecuário. Mesmo que esta Casa seja uma casa política, eu defendo que pautemos o debate com base na ciência. Por conta disso, destaco um documento da Embrapa que defendeu vários tópicos da proposta e apontou alguns tópicos que poderiam ser objeto de aprimoramento, de forma a garantir a efetividade e a segurança da legislação. Entre eles, a Embrapa destacou a necessidade da participação efetiva dos órgãos de agricultura, da saúde e do meio ambiente no processo regulatório como é praticado em todo o mundo, assim como a necessidade de revisão do prazo de registro de novos produtos. A Embrapa considerou relevante a designação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento como o órgão de coordenação e registrante dos pesticidas e afins. Com a nova lei, o Ministério da Agricultura vai assumir o papel de coordenação do processo, onde será dada a entrada nos registros. A Anvisa e o Ibama continuam avaliando tecnicamente os produtos, garantindo a segurança, a saúde e o meio ambiente, junto com o Mapa, que avaliará a eficácia agronômica. Outro aspecto importante da proposta também destacado como positivo pela Embrapa é a inclusão de mais etapas de análises técnicas para a aprovação de novos princípios ativos, mas com mais agilidade. No documento, os cientistas da Embrapa consideram que a proposta apresenta avanços quando propõe a adoção da metodologia da análise de risco em substituição à análise de perigo, atualmente utilizada nas avaliações regulatórias. A análise de risco é utilizada pela maioria dos países desenvolvidos e caracteriza-se por considerar também a exposição ao pesticida e não somente suas características intrínsecas. |
| R | Com relação à agilidade e transparência, a Embrapa também critica os atuais prazos de registro, que se estendem por anos. Hoje, demora-se em média de oito a dez anos para a autorização de um novo princípio ativo. É um tempo muito longo para produtos mais modernos, seguros e eficazes entrarem no mercado. A nova lei prevê um prazo máximo de dois anos para que o novo produto seja analisado, similar a diversos outros países como Estados Unidos, Argentina, Austrália e alguns países da Europa. Para dar mais transparência ao processo, será criado o Sispa (Sistema Unificado de Informação, Petição e Avaliação Eletrônica). A solicitação de aprovação de novos produtos terá uma única entrada digital, através do Sispa, que facilitará a tramitação e o acesso dos órgãos responsáveis pela análise dos estudos científicos que comprovam a segurança do uso. Por meio do Sispa, todo e qualquer cidadão poderá acompanhar os processos de registro e obter informações sobre os procedimentos. Com a aprovação mais ágil de defensivos mais modernos, as doses utilizadas no campo serão reduzidas, e, por consequência, o custo de produção vai cair. Enfim, essa proposta de lei vem trazer mais transparência e agilidade na aprovação de defensivos agrícolas, cada vez mais modernos, capazes de combater as pragas agrícolas de maneira mais eficiente, com menores riscos ao meio ambiente e à saúde humana. Com regras mais claras e sistemas de registro e controle mais modernos, vamos ampliar a segurança jurídica e reduzir a burocracia, trazendo inovação e tecnologia para a nossa agropecuária. Esse é o caminho para a modernização de nossa agropecuária. Dessa forma, vamos produzir alimentos mais acessíveis, ou seja, mais baratos para os brasileiros, e continuaremos liderando as exportações, mantendo o superávit de nossa balança comercial e o crescimento do PIB, com geração de emprego e renda. Mesmo considerando os aspectos positivos da nova legislação, eu defendo a promoção do debate amplo e democrático, para que possamos votar essa matéria com a seriedade e a segurança que o tema merece. Vamos, portanto, iniciar os nossos debates. Eu sugiro aos nossos Senadores que nos acompanham através do nosso sistema que nós ouçamos os nossos convidados e depois façamos os questionamentos e as perguntas devidas. Eu passo a palavra ao Dr. Leomar, Procurador do Trabalho, representante do Fórum Nacional de Combate aos Impactos Agrotóxicos, para fazer as suas colocações. Mais uma vez, Dr. Leomar, agradeço a sua presença junto conosco para que a gente possa debater esse tema que é da maior importância para toda a população brasileira. |
| R | V. Sa. tem a palavra. O SR. LEOMAR DARONCHO - Bom dia! Está desligado, não é? O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO. Fora do microfone.) - É só ligar aí. (Pausa.) O SR. LEOMAR DARONCHO (Para expor.) - Ligou. Bom dia! Eu saúdo todos. Agradeço muitíssimo o convite do Senador Acir Gurgacz, Presidente da Comissão, que é um conhecedor do tema na origem e também pela sua opção de vida no local onde reside, segundo me informou, há 40 anos. Então, conhece bastante. Saúdo todos que nos acompanham, em especial os agricultores. Eu acho que esse é um tema muito relevante sob o ponto de vista da produção, da geração de renda. É importante para o Brasil, é importante para o mundo, mas é muito importante também para a saúde, para as pessoas, para as crianças. É importante na perspectiva das futuras gerações, da vida e do meio ambiente. A nossa manifestação aqui... Chegando aqui, eu tive a oportunidade de conhecer duas pessoas que me indagaram se eu iria falar contra ou a favor. Eu vou falar a favor da agricultura, a favor da produção, mas também a favor da vida, da prudência, da cautela. A gente tem uma série de conhecimentos acumulados sobre esse tema que precisam ser discutidos. Senador, eu tive a oportunidade de ler a sua manifestação que, parece-me, foi feita ontem, essa que o senhor leu agora e em outro espaço do Senado. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO. Fora do microfone.) - Não, aquela foi outra. O SR. LEOMAR DARONCHO - Foi outra? Mas, na essência, é... E eu concordo com muita coisa. É importante ressaltar que essa iniciativa legislativa começou a tramitar no Senado, foi uma iniciativa do Senador Blairo Maggi, que conhece muito o tema também, em 1999, e passou pela Câmara. Na verdade, nós temos um substitutivo. Antes, alterava alguns artigos; agora, o projeto atual é uma lei bastante extensa, com perto de 66 páginas, com 66 ou 67 artigos, e muda bastante a configuração do regime de agrotóxicos, desde autorização, importação, comercialização, aplicação e destinação de embalagens. É bem amplo, não é? Eu falo aqui em nome do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos. A gente tem a convicção de que esse não é um tema que se resolve de forma simples, nem se resolve por um passe de mágica. As melhorias que a gente pretende ver implantadas, com certeza, demandam transição, estudo. Há medidas com que o Senado pode aperfeiçoar esse projeto, que foi refeito na Câmara. Então, a gente vai tentar mostrar algumas coisas da nossa experiência na área. (Pausa.) Uma coisa muito importante é que esse tema seja debatido também nas outras Comissões, nas áreas de saúde e de meio ambiente. É óbvio que a Comissão de Agricultura tem um papel muito importante, mas as outras Comissões... Até para que o debate, conforme o Senador vinha apresentando, seja amplo e contemple todas as facetas. |
| R | Uma alteração importante é a questão de que hoje, na lei atual, há a proibição de registro de produtos com potencial de causar malformação fetal, câncer, mutação genética e distúrbios hormonais. Hoje há proibição ao registro de produtos assim. Mudaria para configuração do risco. Com essa qualificação, haveria uma análise pelo Mapa, pelo Ministério da Agricultura, daquilo que é risco aceitável ou não e que poderia ser mitigado por medidas de gerenciamento de riscos. Pode passar. Na biossegurança há uma imagem muito reproduzida - essa imagem nem é original minha - da diferença entre perigo e risco. Perigo seria alguém observando um tubarão, tem um perigo no mar; o risco é nadar junto com o tubarão. E o que seria aceitável? Talvez a distância, a destreza do nadador, contar que o tubarão talvez não esteja com disposição. E gestão de risco introduz um componente muito perigoso na perspectiva dos agricultores, trabalhadores ou proprietários que vivem na área de produção. Por favor, vamos passando. O projeto dá um protagonismo bastante maior ao aspecto da representação da agricultura, e a saúde e o meio ambiente têm um papel meio que consultivo. Não é como é hoje. Ontem, nós tivemos uma decisão da Anvisa proibindo, pelo menos provisoriamente, o carbendazim, que é um fungicida cancerígeno e mutagênico, segundo as informações que estão na Anvisa. Ele foi proibido em uma decisão monocrática. E eu tenho dúvidas se, na nova configuração, a Anvisa teria esse poder. Aliás, ontem teve uma decisão na Justiça americana também sobre o glifosato, de que, imagino, a maioria já teve notícia. Outra questão: o Brasil se apresenta hoje ao mundo como um importante ator, um player, como se fala nessa linguagem, do mercado de produtos agropecuários. É o maior exportador de uma série de produtos, então, logicamente, ele é muito olhado por isso. Ele está sempre muito passível de sofrer... Em qualquer oportunidade de restrição, o mundo, o mercado consumidor mais seletivo impõe contra o Brasil. Outra questão, ainda nessa perspectiva, é que o mundo anda muito atento às questões ambientais. Isso poderia ser só uma poesia se o STF, nosso Supremo Tribunal Federal, não estivesse dando relevância para essa questão. Por favor, passa. O STF tem julgado - está na página principal do STF hoje - a questão da Agenda 2030. É o assunto do momento; o meio ambiente é o tema do momento. E, se a gente retroceder na questão normativa, é possível e provável que muitas dessas questões acabem virando demandas judiciais, trazendo insegurança jurídica para o setor, o que eu acho que é uma coisa muito ruim, além do problema das questões de mercados consumidores mais seletivos. A produção de soja, que hoje é o principal produto de exportação do Brasil, vai 70% para a China. Mas, à medida que os mercados mais cobiçados, mais apetitosos comecem a criar barreiras com a perspectiva de questões ambientais, a gente pode vir a ter problema por estar usando produtos que eles não aceitam. Eu queria passar. |
| R | Então a gente já tem notícias de boicotes, como foi o dessa rede de supermercados da Suécia. Por favor, vão passando. Tem essas notícias da utilização de agrotóxicos banidos da Europa, que têm problemas com abelhas. Isso tudo é notícia no mundo inteiro. E tem muitas, não é? Mais recentemente, tem muitas. Pode passar. E aí eu volto aqui ao ex-Senador Blairo Maggi, que foi também foi Governador de Mato Grosso e é talvez um dos maiores produtores de soja e do agro, em uma entrevista interessante que ele deu sobre a preocupação do setor com a imagem do Brasil lá fora. Ele disse: "teremos que refazer a imagem do Brasil no exterior", por conta do nosso comportamento em relação às questões ambientais. Essa preocupação, é óbvio, está nas pessoas que pensam o agro. Para frente, por favor. Uma outra questão prática desse PL, como o Senador tinha lido: ele tem uma série de... Ele dispõe desde pesquisa, importação, exportação e tal. A lei atual estabelecia o mesmo tipo de restrição para todos. No PL, pesticidas destinados à exportação estariam dispensados de registro. Então, se ele for para exportação, ele está dispensado de registro; ele não precisa apresentar estudos agronômicos, toxicológicos e ambientais. Para frente. Aí a nossa questão é a seguinte: tem acontecido, cada vez mais... Quase todos os dias eu recebo notícias, principalmente da polícia de Goiás, que tem uma unidade que faz controle de divisas e fronteiras, de apreensão de produtos. Se a gente tem apreensão de produtos que entram aqui de países vizinhos, num volume... Imagine: naquela de Ponta Porã foram 56 toneladas - 56 toneladas, se a gente imaginar os percentuais de diluição disso na aplicação, é veneno que não acaba mais. Isso é só para dizer que, se a produção for interna, é muito difícil que a gente não tenha agravado esse problema dos desvios da produção. Para frente, por favor. E a gente tem um mito do controle e da fiscalização. Eu acho importante olhar isso. Nós temos hoje 3.748 produtos agrotóxicos em comercialização. De 2019 para cá, foram 1.682; 1,4 por dia. Então, a cada dois dias a gente tem três novos agrotóxicos registrados. E 40% disso usa formulações banidas da OCDE. Um dado importante... E eu penso que talvez aqui - com o perdão da ousadia - o Senado talvez pudesse ajudar, o Parlamento. A gente precisa organizar e estruturar os órgãos de apoio, de fiscalização, de controle, porque o Brasil tem mais de 5,3 milhões de propriedades rurais. Se a gente considerar a fiscalização do trabalho - eu fiz uma conta com a média dos últimos cinco anos de inspeções -, levará 1.360 anos, se a gente tiver a pretensão, para fiscalizar todas as propriedades rurais. Então, é muito ruim. Olhando especificamente a questão do apoio, dos órgãos que estão na cadeia e que justificam talvez a morosidade do processo de aprovação e de revisão dos agrotóxicos, a defasagem no quadro da Anvisa é muito grande. Quase todos os órgãos estatais de controle estão defasados. Há um acórdão do TCU do ano passado - está aí o número: 2.287 - que aponta indícios de irregularidade na Anvisa, excessiva demora na reavaliação de substâncias agrotóxicas. Ele também demora para aprovar - está defasado o quadro. E há menção à desestruturação do quadro de servidores, de técnicos nesse acórdão do TCU, que apontou como uma irregularidade. Para frente, por favor. |
| R | Um outro problema que talvez o Senado pudesse avaliar para aperfeiçoar é estabelecer prazo nas autorizações. A gente tem alguns produtos em uso que são carcinogênicos, provocam câncer, e mutagênicos, quer dizer, que afetam a questão reprodutiva dos seres humanos, os quais só estão em uso porque são anteriores a essa lei de 1989, e eles não são reavaliados. A aprovação demora, pelo que eu entendi, perto de oito anos, e tem alguns cuja reavaliação demora muito mais do que isso. E não é possível que fiquem aprovados indefinidamente. Nem a carteira de motorista fica; medicamento não fica. Nos Estados Unidos não é assim; a autorização é por um tempo. Passado esse tempo, o fabricante tem que provar que aquele produto pode continuar sendo usado. Aqui é o contrário: uma vez aprovado, é ônus do órgão de controle provar que aquele produto tem que ser retirado do mercado. E o PL possibilita a aprovação de agrotóxicos por decurso de prazo, claro que com algumas condições, mas isso é um problema, porque nós não estaríamos investindo na qualificação e no preparo do pessoal, dos técnicos que fazem a análise. Então, o desmonte dos órgãos de fiscalização, de aprovação contribuiria para que aprovássemos, por decurso de prazo, alguns produtos que são condenados no mundo civilizado. Para frente, por favor. Há um alerta da ONU, de 2017, falando sobre os problemas da exposição crônica. A gente tem poucos dados sobre a contaminação aguda, aquela de que o efeito é imediato, mas a gente tem progressivamente dados sobre o problema da exposição crônica, que são os índices de câncer, malformação genética, aborto espontâneo, e por aí vai, uma série de doenças infantis - vamos falar delas também. Então, tem um alerta da ONU que chama a atenção para a situação das crianças. Para frente, por favor. Essa aqui é uma pesquisa da Universidade Federal do Ceará que fala sobre malformação de bebês e puberdade precoce: crianças com três, quatro anos apresentando sinais de puberdade. |
| R | Isso gerou uma situação de comoção tão grande que o Estado do Ceará aprovou uma lei proibindo a pulverização aérea. Essa lei está sendo questionada no STF. Para frente, por favor. Essa aqui é no Piauí, na região de Uruçuí, em que a base do sistema de saúde fica em Floriano, falando sobre a questão da incidência de abortos, uma situação bastante grave. Se alguém se interessar, a leitura da matéria é bastante assim... É uma pesquisa da Universidade Federal do Piauí. Para frente, por favor. Um outro dado como marcador, como referência do que acontece: o Centro Infantil Boldrini, de Campinas, é coordenado pela Dra. Silvia Brandalise, é uma referência internacional na questão do câncer infantil. Ela faz essa relação. Então, ela recebe casos graves do Brasil inteiro e ela tem essa avaliação bastante preocupante. Do tempo em que eu trabalhei em Mato Grosso, eu me lembro de ter conhecido uma pessoa que organizava excursões de pacientes para levar para esse centro infantil de Campinas que trata de câncer pediátrico, câncer infantil. Aqui é uma apresentação que a gente viu há pouco tempo do Dr. Pablo Moritz, ele é médico do Centro de Informação e Assistência Toxicológica da Universidade Federal de Santa Catarina, em que ele apresenta um dado que desfaz outro mito: o de que a questão fundamental seja a dose da exposição; não é a dose. Para efeitos de criança, os dados que ele compilou estão indicando que o problema não é a dose, o problema é o período da exposição. E tem alguns períodos da gestação que são mais suscetíveis e que formam o que ele... Você pode passar, por favor? Então, dependendo da fase, você está gerando... A toxicidade depende da época da exposição e não da dose. E ele está falando da gestação. Para frente, por favor. Aí ele relaciona algumas das doenças decorrentes da neurotoxicidade de alguns agrotóxicos. Então, ele fala de - volta, por favor? - déficit de atenção em crianças, autismo, prematuridade, redução de QI em crianças, depressão e suicídio, Alzheimer, doença de Parkinson - a França já tem decisões da justiça reconhecendo o Parkinson como uma doença do trabalho para quem estava exposto a agrotóxicos - e esclerose lateral amiotrófica. Aqui tem um depoimento... Vamos para o próximo, por favor? Pessoal, na carreira de procuradores do trabalho, eu conheço 13 colegas que têm filhos portadores da síndrome do espectro autista. Tiveram lotações iniciais da carreira no interior, em regiões em que há exposição. Isso não é relevante cientificamente, mas é um dado empírico que me faz ficar preocupado. Em Mato Grosso tem muitos casos de conhecidos e principalmente das carreiras jurídicas em que os cargos têm início em interior... Então, isso me deixa muito preocupado, porque a gente pode estar comprometendo gerações futuras. Nos Estados Unidos há estudos robustos sobre essa correlação principalmente do autismo com a exposição. Bom, próxima questão. É uma questão talvez de menor importância, que é a questão do nome. A lei atual fala "agrotóxico", é o termo que a Constituição usa no art. 220, §4º. |
| R | Então, a embalagem e a bula dos produtos, em geral, usam a expressão "veneno". A literatura internacional usa "pesticida". A Andef, que é a associação do setor da indústria de produção, usa a expressão "defensivo agrícola ou vegetal". Os populares eventualmente chamam de "remédio para plantas" ou "produto fitossanitário". Essa mudança parece de menor importância, mas "agrotóxico" nem é uma palavra simples - em algumas regiões, a pronúncia disso é um pouco difícil pela questão de sotaques e tal -, mas ela já está incorporada à cultura, à tradição, e não vejo ganhos de fazer essa mudança. Para frente. Uma preocupação importante é a deriva. A deriva é quando o vento leva... Há pouco, eu conversava com um presente na audiência que externou a preocupação com isso. Essa é uma grande preocupação. Nessa lei do Ceará que está sendo julgada no STF, a Ministra Cármen Lúcia registrou a questão da deriva: há registro de que ela atinge até 32km na aplicação aérea - está no voto dela. Isso compromete a saúde, evidentemente, de todos que estão na área, e o meio ambiente, mas compromete também as produções que eventualmente tentem usar o outro método. No Rio Grande do Sul, há registros de prejuízo na questão de pomares de maçã, da uva; tem o problema dos apicultores. No Mato Grosso do Sul, tem o problema com o bicho-da-seda. E, assim, tem produção orgânica em propriedades de grandes dimensões que acaba prejudicada pela pulverização. Para frente, por favor. Aqui eu queria falar um pouquinho sobre o mito do uso seguro, que está naquela história da avaliação do risco lá - se é aceitável ou não. Esse encarte, que é uma iniciativa dos fabricantes de agrotóxicos, fala que, se utilizarmos técnicas adequadas de aplicação e respeitarmos as condições climáticas, ele seria seguro. Para frente. E aqui eu tenho informações sobre a bula do glifosato. O glifosato é o agrotóxico mais usado no mundo. Ele é 36% ou perto de 40% do volume no Brasil, ele é o principal agrotóxico também. Acabei de saber o preço dele - eu não sabia que era tão caro, eu imaginava um valor bem menor: R$140 o litro. Ninguém usa agrotóxico porque quer; usa porque precisa, porque a técnica e o modelo estimulado pelo nosso financiamento leva isso - financiamento público. Mas, indo para frente, a bula fala: primeiro, não há antídoto para ele. O glifosato é anterior à lei de 1989. Então, ele está na área aí. A condição climática, a temperatura máxima: 28 graus. Hoje é o segundo dia do inverno - ele começou ontem, às 6h14 -, mas quem conhece o interior de Mato Grosso, Piauí, Tocantins, para ter 28 graus... Em Uruçuí - eu olhei o mapa climático -, aquela cidade do Piauí, ao longo do ano, menos de 28 graus é antes das 8h da manhã, em algumas épocas do ano, então, fora disso, ele estaria sempre fora da temperatura máxima permitida, que é 28 graus. Umidade relativa do ar: no mínimo, 55%. Umidade relativa do ar é muito relevante. Aqui em Brasília, a gente está muito acostumado a índices baixos, mas no Centro-Oeste é muito comum ter umidade abaixo de 50%. Estaria irregular. |
| R | Velocidade do vento máxima: 10km/h. Tem que atingir essas condições climáticas. Fora disso, o tubarão está chegando perto do banhista; então, a gente estaria com problema. Na bula também fala: "Advertência: utilize equipamento de proteção individual (EPI)". O que é? Macacão impermeável, luvas e botas de PVC, óculos protetor e máscara com filtro. Ainda tem aquela touca árabe ali, em cima. Na propaganda, é mais ou menos assim que deveria andar um agricultor. Em Campos de Júlio, fazer 42° não é muito incomum. Campos de Júlio é uma cidade do interior de Mato Grosso, importante produtora de soja. Então, nós estaríamos com 42°, e imaginar alguém com uma roupa revestida... Ela é meio que emborrachada, ela é impermeável. Imaginem o calor que vai estar, e a máscara... Não é crível que as pessoas usem isso durante todo o tempo de exposição. Aliás, quem mora na região deveria usar essa roupa também, porque se eu tenho à deriva... Eu estive numa escola rural no Município de Sapezal - uma escola rural - e perguntei para a professora como é isso. É aquele modelo: a escola é uma ilhazinha no meio de lavouras - muita, muita soja. Como é quando passa o avião? Quando passa o avião... Ela me disse naquele dia, eu fiquei bastante impactado: quando ela ouvia o barulho de longe, ela interrompia a aula e começava uma atividade lúdica para ver se distraía as crianças, porque têm vertigens, há crianças que começam a sentir ânsia de vômito. Então, essas crianças deveriam ir para a aula também com essa roupa com essa parafernalha, quase como um astronauta. Mas, vamos lá. A Anvisa revisou o glifosato, concluiu a revisão. Apesar do alerta da Agência Internacional de Pesquisas em Câncer, de que o glifosato é provavelmente cancerígeno para humanos, a Anvisa entendeu que o parecer da área técnica é de que ele pode continuar sendo permitido no país, já que não há evidências científicas de que ele cause câncer, mutações ou malformação em fetos. Mas no final do relatório - eu acompanhei a sessão em que se deliberou sobre isso -, os técnicos se protegem, e há duas ressalvas: quem está mais sob risco são os trabalhadores que aplicam a substância. Muitas vezes, o trabalhador que aplica a substância é o próprio dono da produção. Eu tenho parentes que são agricultores, e eu sei que eles aplicam agrotóxicos, no Sul. Então, muitas vezes, quem está aplicando é o proprietário; quem trabalha nisso não necessariamente é empregado. Então, ele ressalta o risco e faz um alerta que me preocupa muito, que é o analfabetismo funcional. Está nesse parecer da Anvisa que mais de 60% dos trabalhadores que aplicam os agrotóxicos não completaram o ensino fundamental. Em Mato Grosso, havia um dado antigo em que o governo do estado reconhece que 80% da população rural, que trabalha na agricultura, é analfabeto funcional. Então, é um problemão para ele, para quem mora na região, para a família dele, para quem consome os produtos que eventualmente vêm de lá, porque estão sendo manuseados por alguém que não tem condições de entender o que significa aquilo que está na bula, os cuidados, a precaução. Aliás, qualquer um, seja de que nível for, se ler a bula, fica muito preocupado e, provavelmente, não vai entender tudo o que diz lá. (Pausa.) É que o tempo não me permite. Há um estudo sobre isso, a percepção dos trabalhadores do meio rural, de como eles percebem aqueles iconezinhos que são usados por conta dos analfabetos. |
| R | Eu queria voltar para o anterior, por favor. Uma experiência que a gente tem das operações de trabalho rural: dificilmente uma operação de combate ao trabalho em condições análogas à de escravo deixa de encontrar situações irregulares em relação a agrotóxicos. Essa aqui é uma casa em Venâncio Aires, uma região que produz tabaco. O tabaco é um produto que eu sei que usa a maior relação de agrotóxico por hectare; é quase três vezes o que se usa na soja. E aqui tinha agrotóxico guardado dentro de casa. Isso é muito comum! É uma casa de madeira, como tem no Sul. Em barracões é muito comum. Eu tenho um outro registro em que a cama em que os trabalhadores dormiam era madeira em cima de baldes de agrotóxico. Para frente, por favor. Esse caso aconteceu aqui em Brasília, em 2018, para desmistificar a questão do mito do uso seguro. É uma propriedade com aqueles pivôs e com áreas internas de produção de semente de soja. Foi levado um ônibus de trabalhadores que foram executar esse serviço na soja, a remoção de plantas. Eles chegaram às 7h30... Isso foi a empresa que alegou, a proprietária da fazenda: a área dos pivôs havia sido pulverizada com atrazina e gramoxone - os dois são cancerígenos, mutagênicos e tal -, e, segundo a empresa, ela teria observado o tempo de reentrada, o tempo entre a aplicação e aquele em que está permitido o ingresso de trabalhadores, conforme está na bula; teria fornecido EPI e treinamento e forneceu lá os documentos disso. Voltando, por favor. Apesar disso, 1 hora e 15 depois da chegada desses trabalhadores, eles foram para o hospital. Passaram mal 32. Alguns dias depois, eles tiveram alta. Voltaram - essa matéria já é do segundo episódio -, e mais 14 sentiram os problemas. Só que, em algumas dessas situações foram emitidas CATs (comunicações de acidente de trabalho), porque isso teve repercussão. E isso está em processo judicial de alguns trabalhadores prejudicados e também tem uma ação coletiva movida pelo sindicato. Elas foram julgadas favoráveis ao sindicato e aos trabalhadores. Mas é para dizer que EPI e aquelas normas são de eficiência relativa. Aqui é o tubarão chegando ao banhista também. Para frente, por favor. Um dado que deveria, deve e preocupa a todos foi essa informação, com base no Sisagua (Sistema de Vigilância da Qualidade da Água), de que um em cada quatro municípios tem coquetel com agrotóxicos na água. O que é pior: algumas cidades têm todos os monitorados - eram monitorados nessa época 27. São Paulo, por exemplo, tem os 27; Goiânia tem os 27. E esse mapa mostra as Regiões do Brasil, dos municípios que informam. Para Brasília, eu queria tranquilizar, porque Brasília não informa, então a gente vive sob a bênção da ignorância. Voltando, São Paulo: dos 27, 11 estão relacionados a doenças crônicas. Mas acontece o seguinte: tratar água é muito caro, e não existe água nova. A gente continua bebendo a água dos dinossauros. Não existe água nova; ela é tratada. E tratar é muito caro. Quando a gente joga mais produtos químicos na água, a gente está contaminando a água com dificuldade de tratar. |
| R | Qual é a solução? Nós já tivemos quatro portarias tratando da potabilidade da água. Água potável é aquela que o Ministério da Saúde diz que é. Como não é possível e é muito caro tratar, ele vai admitindo índices maiores. Até essa época, a gente já admitia 27. No ano passado, teve outra portaria; agora admite 40. Com até 40 agrotóxicos na água, ela ainda é considerada água potável. O que é pior? A gente admite percentuais inconcebíveis, quando se pensa no padrão, por exemplo, da Europa. Quanto ao glifosato, no nosso índice na água, a gente admite 5 mil vezes mais do que a União Europeia admite. Então, se tiver até aquele limite permitido, vai-se dizer que a água é potável. Para frente, por favor. Quando eu falei no início que... Estamos todos do mesmo lado aqui. A gente defende a agricultura, defende a produção brasileira, defende a saúde e o meio ambiente. Eu não acredito que alguém esteja contra isso. E é importante abrir os números e saber quem está se beneficiando desse modelo de produção. No ano passado, o agro apresentou um resultado excepcional. E, se a gente abre os dados da CNA, o setor de insumos agrícolas cresceu 60,52%. O ramo agrícola primário lá, o produtor, num ano em que a produção foi boa, em que o câmbio fez com que esses produtos tivessem um grande valor de mercado, com tudo isso, cresceu 23,5%. Então, no todo, alguém está ganhando muito mais do que o produtor. E esse que está ganhando mais talvez tenha o interesse na facilitação das regras que permitem a importação de formulações banidas do mundo civilizado. Recentemente, em 2019, foi aprovado um produto extremamente tóxico que é o dicamba. A Aprosoja e a CNA eram contra, têm manifestações contundentes contra, preocupadas com a produção daquela unidade e do comprometimento das propriedades vizinhas. Então, isso aqui não atende ao interesse dos produtores agrícolas, não atende à saúde, não atende ao meio ambiente. Nós estamos todos do mesmo lado. Para frente. Aqui uma outra questão muito importante. Eu li algumas manifestações da CNA, da Aprosoja - eu acho que tem da Abrapa também - de preocupação com o que eles chamam de possível cartel do setor de insumos. Os preços de insumos aumentaram muito. Eu confesso que eu estou surpreso com o valor do glifosato - um sexto do valor eu tinha memorizado. Então, é R$140 um litro. Ninguém usa veneno porque quer, ainda mais com esse valor. Aí agora, recentemente, dia 13 de junho, o Deputado Domingos Sávio, se eu não estou enganado, de Minas Gerais; parece que sim... (Intervenção fora do microfone.) O SR. LEOMAR DARONCHO - É Minas, não é? Ele deu entrada em uma proposta de fiscalização e controle. Há fortes indícios de prática de cartel no setor. Então, estamos todos do mesmo lado, menos quem ganha com isso. Para frente. Eu estou encerrando. Quero dizer que, claro, tem pessoas com formação na área da saúde e com uma base sólida na questão de meio ambiente que talvez pudessem contribuir mais em eventos específicos para olhar essas nuances, até porque não se trata de um projeto de lei que tenha partido do Senado e tido poucas mudanças na Câmara. Na verdade, houve um substitutivo que mudou praticamente tudo. E eu acho que esse tema merece ser mais debatido. Em defesa dos agricultores, trabalhadores, empregados ou proprietários. |
| R | Só volta, por favor. E eu acho interessante essa encíclica do Papa Francisco, que hoje é uma autoridade meio que ecumênica, a Encíclica Laudato Si', de 2015, em que ele fala sobre o cuidado com a Terra, o cuidado com a casa comum. Ela fala sobre agrotóxicos, e ele ressalta que tudo está conectado. O ser humano não está dissociado da Terra ou da natureza. São partes de um mesmo todo. Estamos todos juntos, e tudo interfere no que acontece, não é? E para frente. Eu queria agradecer muito a oportunidade e aguardo a manifestação dos outros. Obrigado, Senador. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Muito bem, muito obrigado, Leomar. Eu fiz questão de não interromper a sua explanação por conta do tempo, por entender, Senador Paulo Rocha, que o tema é importante. Então é importante que as pessoas possam falar sobre o tema com toda a liberdade, porque nós temos o tempo necessário para discutir, para debater, embora a maioria do tema que o senhor explanou aqui não tem relação com o projeto, não é? Está bem, a questão de trabalho escravo de criança não tem nada a ver com o projeto, enfim. Mas não vamos discutir isso, vamos deixar para mais tarde, para depois nós fazermos as colocações. Agora eu passo a palavra para a Dra. Larissa Bombardi, que é Professora Doutora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP). Muito obrigado pela sua presença. V.Sa. tem a palavra. A SRA. LARISSA MIES BOMBARDI (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia. Muito obrigada pela oportunidade de trazer meu conhecimento nesta audiência pública. Agradeço ao Senado Federal e parabenizo-o pela organização das audiências públicas. Eu gostaria só de checar qual é o tempo de fala que eu tenho, por favor. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - O tempo de fala é o tempo que a senhora achar necessário. Nós não estamos aqui limitando o tempo e, sim, aproveitando o máximo da fala de todos os nossos participantes. Portanto, é claro, não é por isso que a senhora vai ficar uma hora falando, mas eu deixo para a senhora o tempo que for necessário. A SRA. LARISSA MIES BOMBARDI (Por videoconferência.) - O.k., muito obrigada, agradeço. Eu vou compartilhar a minha tela com vocês. (Pausa.) Por favor, vocês me digam se já estão vendo a minha tela compartilhada. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Sim, já estamos vendo. A SRA. LARISSA MIES BOMBARDI (Por videoconferência.) - O.k. Bom, vou iniciar a minha apresentação dando um panorama geral e breve da agricultura brasileira e depois vou discorrer sobre o efeito do uso de agrotóxicos no Brasil, para posteriormente trazer alguns elementos para a gente pensar qual seria o efeito, qual seria o risco da aprovação desse projeto de lei. Bem, eu inicio a minha fala dizendo que, como todos vocês sabem, e o Dr. Leomar já ressaltou, o Brasil é um país que tem a sua inserção na economia mundial pautada, sobretudo, pela exportação de produtos de origem agropecuária. A área cultivada no Brasil cresceu muito nos últimos anos. Vocês veem, entre 2010 e 2019, a área cultivada no Brasil cresceu 29%. Então imaginem o que é um terço, um aumento de um terço da área, num período de dez anos. Mas, no entanto, o consumo de agrotóxicos, no Brasil, cresceu 78% no mesmo período. Quer dizer, o volume de agrotóxicos consumido, nesse mesmo período, foi muito superior, foi desproporcional ao crescimento da área cultivada no Brasil. Então, a gente precisa olhar para isso com muito cuidado. |
| R | Esse uso de agrotóxicos, da maneira como ele se dá, no Brasil, tem um severo impacto na saúde da população brasileira. Aqui eu tenho um mapa. Eu trouxe para apresentar a vocês um conjunto de mapas inéditos de um trabalho que ainda não está publicado - então, são realmente mapas inéditos - da atualização do meu último atlas. Eu vou fazer um lançamento da edição revista e ampliada do meu atlas sobre o uso de agrotóxicos no Brasil. Aqui, a gente pode ver o número de pessoas intoxicas com agrotóxicos, no Brasil, nesse período de 2010 a 2019. Portanto, dez anos. Foram mais de 45 mil pessoas intoxicadas com essas substâncias. A própria Organização Mundial de Saúde estima - tem esse dado - e o nosso Ministério da Saúde também, que para cada caso de pessoa intoxicada, no Brasil, nós tenhamos, provavelmente, cinquenta outros casos que não foram notificados ao Ministério da Saúde. Portanto, esse número é possivelmente muito maior do que esse de 45 mil pessoas, o que já é bastante significativo. Então, esse é o número total de pessoas intoxicadas no país. As cores dos estados representam a proporção da população intoxicada, ou seja, quanto mais escura a cor, quanto mais tendendo ao marrom escuro, maior é a proporção da população intoxicada em cada estado. Aqui eu tenho dois mapas comparando o número de pessoas intoxicadas, no Brasil, em 2010 e em 2019. O primeiro elemento para o qual eu quero chamar atenção de vocês é que... Vocês podem ver que, em 2010, foram 2.300 pessoas intoxicadas com agrotóxicos. Mas, em 2019, foram 5.189 pessoas intoxicadas, ou seja, esse número cresce ano após ano. Mais do que dobrou o número de pessoas intoxicadas, no Brasil, com agrotóxicos de uso agrícola em apenas 10 anos. Gostaria de chamar a atenção também para que os estados em que mais cresceu o número de pessoas intoxicadas são estados - com exceção dos Estados de Minas Gerais, Piauí, Santa Catarina e Rio Grande do Sul - que compõem a Amazônia Legal. Então, a gente precisa entender que há um avanço da utilização dessas substâncias na área da Amazônia, o que obviamente impacta na Amazônia Legal brasileira, o que obviamente impacta nesse bioma que já é impactado pelos desmatamentos, como a gente vem acompanhando. Uma parte das pessoas intoxicadas com agrotóxicos de uso agrícola, no Brasil, veio a óbito. Nós tivemos, nesses dez anos, 1.666 óbitos por intoxicação de agrotóxico de uso agrícola. Uma parte desses óbitos foi por tentativa de suicídio, não apenas, mas isso é algo importante de ser ressaltado. Esse número mostra que a gente tem, em média, uma pessoa morrendo de intoxicação por agrotóxico de uso agrícola a cada dois dias. |
| R | Varia de um ano para outro, mas cerca de 18% da população intoxicada no Brasil por agrotóxicos são crianças e adolescentes de 0 a 19 anos. Aqui eu trouxe um recorte para vocês da faixa etária de 0 a 14 anos, ou seja, a primeira e a segunda infância, crianças e pré-adolescentes ou da tenra adolescência que sofreram com a intoxicação por agrotóxico de uso agrícola. Em números oficiais, em números do Ministério da Saúde, nós tivemos 3.680 crianças entre 0 e 14 anos intoxicadas com agrotóxicos de uso agrícola. Esse número é, possivelmente, apenas 2% do volume total de crianças intoxicadas se nós formos considerar a subnotificação. E aqui eu tenho um mapa sobre bebês intoxicados por agrotóxicos de uso agrícola. Vejam: bebês entre 0 e 12 meses, bebês que nem se locomovem sozinhos! A idade média em que o ser humano começa a se locomover é de 1 ano. Então, é importante que a gente entenda que o agrotóxico não é algo que está restrito ao universo do trabalho, o que já é bastante preocupante, como o Dr. Leomar já mostrou, mas isso avança para a sociedade como um todo. Isso avança para as famílias dos trabalhadores rurais, isso avança para a população que mora nas áreas contíguas às áreas que estão sendo cultivadas, que são atingidas de diversas formas, como, por exemplo, por meio da deriva. Desse número de bebês intoxicados, se nós formos considerar a subnotificação, é possível que nós tenhamos cerca de 20 mil bebês intoxicados com agrotóxicos de uso agrícola. Então, é absurdo falarmos, na condição que nós temos no Brasil de absoluta falta de controle da utilização dessas substâncias, em, por exemplo, uso de EPI. A gente está falando de bebês! Bebês não estão inseridos no universo do trabalho. Então, é importante que esses dados mostrem para a gente dois elementos importantes. O primeiro: um ataque à infância, um infanticídio que ocorre no Brasil em função da maneira como essas substâncias são utilizadas. Esse é o primeiro ponto. O Brasil é um país que tem o Estatuto da Criança e do Adolescente que nos honra e, no entanto, nós vemos as crianças suscetíveis à exposição a essas substâncias. E outro aspecto que esses dados revelam é o seguinte. Imaginem: se os bebês estão sendo intoxicados, qual é o grau de exposição crônica da população rural e, de forma mais ampliada, da população como um todo a essas substâncias? E aqui, para além dos bebês, eu tenho um mapa inédito - eu vou ressaltar que estou trazendo, em primeira mão, para esta audiência pública, informações que eu ainda não tinha revelado e que achei que era o momento mais apropriado para trazer a público -, o mapa sobre gestantes intoxicadas por agrotóxicos no Brasil. Então, vejam, como o Dr. Leomar já ressaltou, a Profa. Silvia Brandalise, que é uma referência nacional e internacional sobre o câncer infantil, mostra casos em que o câncer das crianças foi identificado no ultrassom, ou seja, enquanto elas estavam no ventre materno, já foi identificado o câncer. Então, a exposição da mãe a essas substâncias pode significar uma série de problemas, de agravos, vamos dizer assim, desde abortos espontâneos, passando por malformação fetal e câncer, seja da mãe, seja do bebê que ainda vai nascer. Então, é uma situação inaceitável essa que a gente vive no Brasil com relação à utilização dessas substâncias que afetam diretamente as crianças, antes mesmo que elas tenham nascido. |
| R | Em relação ao Brasil, eu trouxe aqui a lista dos agrotóxicos mais vendidos no país em 2020. Todos esses que estão em vermelho são substâncias que são proibidas na União Europeia. E, ao contrário do que pode dizer por aí, que as substâncias que são utilizadas no Brasil não são utilizadas na União Europeia por conta da questão climática, não é por causa da questão climática. Essas substâncias nunca foram autorizadas ou já foram banidas da União Europeia em função dos problemas que elas trazem para a saúde humana e para saúde ambiental. Por exemplo, a atrazina, que aparece aqui no quarto lugar em vendas no Brasil, entre os efeitos que ela traz para a saúde humana - e, por isso, ela foi proibida na União Europeia em 2003 -, ela pode estar associada a câncer de estômago, a linfoma não Hodgkin, que é um tipo de câncer, a câncer de próstata, a câncer de tireoide, a câncer de ovário, mal de Parkinson, asma, respiração com ruído, infertilidade, baixa qualidade do sêmen, malformações congênitas, ou seja, teratogênese e danos às células hepáticas. Por isso, essa substância foi proibida na União Europeia, e não por uma questão climática. Aqui, a gente tem o acefato, que ocupou o quinto lugar em vendas no Brasil em 2020. O acefato é citotóxico e genotóxico sobre espermatozoides humanos. Enfim, a gente está falando justamente sobre problemas de reprodução humana e problemas associados à formação do feto, diabetes tipo 2, hiperglicemia, disfunção no metabolismo de lipídios, danos ao DNA e câncer, além de ser uma substância também neurotóxica. Os níveis de resíduo dessas substâncias estabelecidos no Brasil são, muitas vezes, chocantes. A atrazina, por exemplo, nós autorizamos um nível de resíduo dessa substância 20 vezes maior do que aquele autorizado pela União Europeia na água potável. Ou seja, falar do nível de resíduo que seja o dobro do resíduo autorizado na União Europeia, quando uma substância está associada a todas essas doenças que eu elenquei aqui para vocês, vários tipos de câncer e malformação fetal, enfim, falar no dobro de resíduo dessa substância já é um absurdo. Imaginem vocês o que seria um limite 20 vezes maior de resíduos dessa substância autorizado na nossa água. E, para outras substâncias, como, por exemplo, o acefato ou a malationa, a gente sequer tem limite estabelecido. Ou seja, sequer temos possibilidade de oficialmente, digamos assim, fazer essa investigação, esse controle sistemático, porque a gente não estabeleceu o limite. Então, imaginem vocês a gente beber uma água, tida como potável, sendo que, por exemplo, não foi checado o resíduo de acefato, entre inúmeras outras substâncias que eu poderia elencar aqui para vocês. Aqui, como o Dr. Leomar já ressaltou, o limite de glifosato permitido na água potável brasileira é cinco mil vezes maior do que o limite de glifosato permitido na União Europeia. Cinco mil vezes maior é algo que, obviamente, não está assentado numa decisão científica, mas, obviamente, política, em que a gente coloca um limite de resíduo para uma substância que já foi entendida pela Organização Mundial da Saúde como potencialmente cancerígena para seres humanos. Isso é basicamente quase que como não colocar limites. Cinco mil vezes mais do que aquilo que é o máximo permitido na União Europeia é justamente abrir a possibilidade para que essa substância esteja presente na nossa água, como, de fato, está. Aqui, eu tenho dois gráficos. Na parte superior, as áreas cultivadas no Brasil com produtos destinados a serem transformados em agroenergia ou produtos que são commodities, ou seja, vendidos globalmente com padrões internacionais de normatização para esses produtos e com possibilidade de venda na Bolsa de Mercadorias e Futuros. |
| R | As áreas desses produtos, que estão na parte superior do gráfico, como vocês podem ver, aumentou muitíssimo nos últimos anos: a área de soja, mais do que dobrou; a de milho aumentou cerca de 25%; cana-de-açúcar, mais de 30%; eucalipto e assim por diante. Todas elas aumentaram. No entanto, as áreas destinadas à produção de alimentos no Brasil decresceram significativamente. Vocês podem ver: feijão, arroz, trigo e mandioca, os quatro pilares da alimentação brasileira, suas áreas foram significativamente diminuídas, com destaque para o arroz e o feijão, que diminuíram cerca de 30% e 40% em sua área cultivada nos últimos anos. Então, é muito importante a gente perceber que, embora o uso de agrotóxicos no Brasil tenha crescido 78% nos últimos anos, isso não tem significado um aumento efetivo na produção de alimentos. Então, é muito importante a gente saber que esse volume de agrotóxicos não está associado à segurança alimentar no Brasil. Ao contrário, aumentou muito a insegurança alimentar no Brasil, e eu destacaria a forma mais grave dessa insegurança alimentar que é justamente a fome, a fome no Brasil. Eu chamo atenção para essa última linha do gráfico. Ela saltou de 4,2% da população total no Brasil em 2013 para 9% em 2020. A fome dobrou no Brasil nos últimos anos. Então, em que pese o aumento da produção agrícola, ela não tem sido responsável pela segurança alimentar no Brasil. Então, a gente tem se envenenado - porque é isso que tem acontecido - e, no entanto, sequer atingirmos a segurança alimentar. Ao contrário, a fome dobrou no Brasil nos últimos anos e com destaque para a população rural. A média da população com fome no Brasil hoje é cerca de 9%; da população urbana, 8,5% e, no entanto, da população rural é 12%. Então, essa agricultura que está pautada nesse uso intensivo de agrotóxicos não tem servido para alimentar a população brasileira. E, finalmente, eu queria ressaltar que essa forma, a forma mais utilizada de aplicação de agrotóxicos nas vastas monoculturas do Brasil por meio da pulverização aérea tem afetado diretamente as comunidades, a população rural e as comunidades indígenas e, muitas vezes, como é sabido, essas substâncias têm sido utilizadas nos conflitos fundiários no Brasil. A pulverização aérea é uma prática proibida desde 2009 na União Europeia, porque ela realmente é a principal responsável pela contaminação ambiental e, no Brasil, ela ainda ganhou essa característica pior, que é estar sendo usada como arma nos conflitos fundiários. Eu queria ressaltar que esse projeto de lei põe por terra o chamado princípio de precaução. Eu vou usar apenas um exemplo de como esse projeto de lei põe por terra o princípio de precaução dentre outros exemplos que poderiam ser utilizados. No Capítulo I, do Projeto de Lei 1.459, de 2022, que era o antigo PL 6.299, no art. 4º, no §3º, está assim definido: "Fica proibido o registro de produtos fitossanitários, de produtos de controle ambiental e afins que, nas condições recomendadas de uso, apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente, ou seja, permanece inseguro mesmo com a implementação das medidas de gestão de risco". |
| R | Eu queria dizer que eu não entendo como é possível que haja algum risco aceitável para câncer, para malformação fetal, para intoxicação de crianças, para intoxicação de bebês. Isso é sempre inaceitável. E inserir esta expressão "risco inaceitável" põe por terra todo o princípio de precaução que a nossa lei de agrotóxicos tem. Então, eu queria finalizar a minha apresentação dizendo que realmente a nossa lei de agrotóxicos mereceria ser revista, no sentido de que deveríamos estabelecer prazos para registro de produtos. Esses produtos deveriam ter registros cíclicos e não ad aeternum, como é atualmente na nossa lei. E esse projeto de lei não altera essa eternidade do registro de uma substância. Segundo aspecto que acho que é importante a gente ressaltar: celeridade não se resolve com decurso de prazo. Celeridade, nos processos de avaliação, se resolve com contratação de pessoal especializado. É disso que a gente precisa. Então, a gente não precisa automatizar a aprovação de substâncias, mas a gente precisa ter quadro técnico suficiente para poder fazer esse trabalho, que é indispensável, que é importante e que o Brasil tem quadros técnicos fantásticos, capacitadíssimos para fazer. E finalmente acho importante dizer que a expressão "agrotóxicos", que está na nossa Constituição e está na nossa lei, é uma conquista do Brasil e que o Brasil exporta para o mundo essa conquista. Nós podemos ensinar isso para o mundo, porque o problema da expressão "agrotóxico" não é a palavra agro e sim a palavra tóxico, que não é um problema, é uma solução, porque mostra para um trabalhador rural, porque mostra para qualquer pessoa que lida com essa substância que ela é em si perigosa, que ela é em si tóxica. Então, celebremos a criação dessa palavra, que é de um agrônomo da Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", e não a enterremos: exportemos para o mundo essa tecnologia, que é uma forma de advertir a população mundial do quanto essas substâncias são perigosas. Muito obrigada. Agradeço muito o convite honroso para fazer parte dessa audiência pública. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Nós é que agradecemos, Dra. Larissa, pela sua participação. De fato, são importantes as suas colocações, que nos ajudarão a dar seguimento no debate desse projeto. Amanhã também teremos outra audiência pública. Vamos continuar debatendo até acharmos que estamos prontos para avançar, aprovando, reprovando, enfim. Os Senadores e Senadoras é que vão decidir. O que nós queremos é colocar o debate; depois, a votação e a opinião dos Senadores e Senadoras. Passo a palavra agora ao Dr. Caio Carbonari, Doutor em Proteção de Plantas pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Muito obrigado pela sua presença junto conosco. O SR. CAIO ANTONIO CARBONARI (Para expor.) - Muito bom dia a todos! Eu gostaria de cumprimentar o Senador Acir Gurgacz, Presidente desta Comissão, e de cumprimentar aqui os Senadores presentes - o Senador Paulo Rocha e o Deputado Edinho, presentes aqui na sessão, de maneira presencial, assim como cumprimentar também aqueles Parlamentares que nos acompanham no Plenário virtual. |
| R | Eu gostaria, rapidamente, de me apresentar. Eu sou Caio Carbonari. Sou engenheiro agrônomo, tenho Mestrado e Doutorado em Proteção de Plantas. Sou professor e pesquisador do Departamento de Proteção Vegetal da Faculdade de Ciências Agronômicas. Fiz meu Pós-Doutorado num centro de USDA com produtos naturais voltados à agricultura. Sou atualmente Vice-Diretor da nossa escola, da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, Universidade Estadual Paulista. Sou Vice-Presidente da Sociedade Brasileira da Ciência das Plantas Daninhas e sou membro do Conselho Científico Agro Sustentável. O objetivo da minha apresentação é, realmente, fazer uma análise técnica e cientificamente fundamentada do uso e dos riscos dos pesticidas no Brasil, tentar apresentar um pouquinho do panorama atual que nós vivemos em relação ao uso desses produtos e traçar um paralelo de como o PL traz pontos bastante importantes, relevantes e do quão necessária é uma modernização da legislação vigente que trata deste assunto, pontualmente destacando alguns aspectos realmente que contribuem muito nessa modernização. Próximo, por favor. O primeiro ponto muito relevante, que precisa estar contextualizado - e acho que está muito claro nesta figura apresentada -, é a eficiência no uso da terra e o caminho que o Brasil tem trilhado nos últimos anos. Fica muito claro, quando nós olhamos este gráfico, com a linha azul, o quanto cresceu a produção agrícola no Brasil; e, com a linha em vermelho, o quanto cresceu a área agrícola no Brasil. Há um claro descolamento dessas duas curvas, o que significa que a gente tem sido cada vez mais eficiente em produzir. Nós temos conseguido extrair mais, produzir mais nossos produtos agrícolas por unidade de área. Isso é um atributo extremamente importante para que a gente possa continuar trilhando um caminho de uma agricultura cada vez mais sustentável. Talvez um dos pontos mais relevantes em termos de sustentabilidade seja exatamente continuar trilhando esse caminho forjado em consciência, tecnologia e inovação. A agricultura brasileira trilhou esse caminho nos últimos 30 anos, 40 anos, para a gente continuar tendo avanços em termos de incrementos de produtividade. Obviamente, isso tem impacto nos três pilares da sustentabilidade. O ambiental, claramente, está prestigiado quando a gente aumenta a produtividade; o social e o econômico também estão aí, de alguma forma, dentro desse contexto. Isso, graças a insumos de qualidade, tecnologias desenvolvidas. Obviamente, neste contexto, a proteção de plantas tem um papel extremamente relevante não no sentido de aumentar a produtividade, mas de evitar que ela seja roubada por uma ação de pragas, doenças, plantas daninhas, que estão presentes num ambiente agrícola. Usando um exemplo, se nós pegarmos uma doença de uma cultura, que é a ferrugem da soja, nós estamos falando, sem fungicida, de perdas da ordem de 30%, 40%; nós estamos falando da necessidade de aumento de área de um terço, de mais de 30 milhões de hectares, uma área extremamente significativa - e dá para a gente ter uma ideia dos impactos de tudo isso -; e de 22% de aumento do produto, com aproximadamente R$12 bilhões de prejuízo, em média. Então, dá para a gente ter uma ideia do quanto, de fato, essas tecnologias são extremamente relevantes e de como isso está diretamente amarrado com sustentabilidade. |
| R | Há um paradoxo quando nós defendemos uma agricultura cada vez mais sustentável, ao mesmo tempo em que trabalhamos contrários ao acesso a essas tecnologias, que, à luz do conhecimento científico, são úteis e são seguras para serem incorporadas à nossa agricultura. O próximo já está na tela. Acho que é importante destacar, também, que a gente tem conseguido aumentar muito a produtividade, e esse é um caminho muito positivo. O Brasil tem índices que são, de fato, invejáveis no mundo todo, nesse sentido, mas, mais do que isso, a gente tem conseguido migrar, e fizemos isso massivamente, para sistemas de produção conservacionistas. O plantio direto é talvez o principal exemplo disso. Nós saímos de um sistema onde nós preparávamos solos, tínhamos erosão, contaminação de corpos hídricos, para um sistema que incorpora carbono, evita emissões, e realmente traz grandes vantagens do ponto de vista ambiental também. Então são mais de 30 milhões de hectares hoje sob plantio direto no Brasil. Próximo, por favor. Não só o plantio direto e as culturas anuais estão contempladas nesses sistemas conservacionistas, mas também áreas florestais. Mais de 8 milhões de hectares com cultivo mínimo, o que também preserva. Essa cobertura morta sobre o solo também tem benefícios muito importantes. Cana colhida mecanicamente, 8 milhões de hectares, também; sistemas conservacionistas, para os quais nós migramos nos últimos dez, 20, 30 anos, com bastante sucesso. O que eu quero dizer com isso é que a gente usa, com eficiência, no sentido da produtividade, e usa bem as nossas terras agrícolas de maneira geral. Claro que nós temos exceções, mas essa é a regra, quando nós olhamos os números que estão apresentados ali. Próximo, por favor. Esse também é um dado que eu gostaria de passar rapidamente, mas ele tem, apesar de não parecer num primeiro momento, uma relação com tudo o que nós vamos discutir para a frente. Isso é o resultado da balança comercial brasileira. Quando nós olhamos a linha preta, ela representa o saldo efetivo da balança comercial brasileira, superavitária; em vermelho, todos os setores da nossa economia somados e, em verde, o agronegócio está destacado, estratificado. E fica muito claro que, se nós temos superávit na balança comercial das nossas exportações versus importações é graças ao agronegócio, ao sucesso do agronegócio, graças à revolução que nós fizemos em termos de agricultura e pecuária neste país. E aí, por isso que eu disse que tem muita relação com o que nós vamos discutir. Isso, por si só, é um certificado de qualidade do que nós produzimos. Se nós estamos acessando mais de duzentos mercados, mercados cada vez mais exigentes com os nossos produtos, significa que o que nós produzimos tem qualidade, ao contrário de tudo que muitas vezes é dito. Contaminação com resíduos de agrotóxico, por exemplo, não seria aceito. Nós não teríamos acesso a esses mercados, por exemplo. Então isso já é um atestado de que o estamos fazendo está num caminho de convergência com o resto do mundo. O segundo ponto muito importante é que o Brasil tem um papel fundamental na segurança alimentar nacional e internacional, global. O Brasil é realmente um produtor que impacta a segurança alimentar no mundo. Esse dado, de alguma forma, nos mostra isso. Terceiro, contribui decisivamente do ponto de vista de estabilidade econômica e, consequentemente social, o que está diretamente atrelado. E, quarto, que talvez é o mais importante, quando nós olhamos esse conjunto de informações, eu acho que fica claro que a sociedade brasileira tem que zelar para que a agricultura possa continuar trilhando esse caminho, possa continuar agregando todos esses benefícios à sociedade brasileira, e nós já nos acostumamos. Isso significa garantirmos acesso às tecnologias, de novo, que, à luz do conhecimento científico, sejam úteis e seguras para serem usadas na nossa agricultura. Próximo, por favor. |
| R | Rapidamente, os estoques mundiais de alimentos estão baixos, a demanda crescente e isso impulsiona a inflação dos alimentos. Nós estamos vivendo um cenário bastante preocupante no Brasil, em nível mundial, e isso está relacionado com a produção... A produção brasileira tem potencial de impactar tudo isso no mundo. E, aí, vamos aos fatos. De fato, olhando os números, olhando os dados, dados de fontes confiáveis, como da FAO, contrapondo alguns pontos, que são usados, normalmente, para apontar o Brasil em uma situação de uso exagerado desses produtos, vamos aos fatos e vamos aos números que realmente representam o uso desses produtos no Brasil. Quando nós olhamos o primeiro gráfico à esquerda, este é um gráfico que aponta os 20 maiores mercados de defensivos agrícolas no mundo. É uma consultoria internacional que faz isso todos os anos e o Brasil vem na primeira posição, em valor de mercado. Isso, normalmente, é usado para apontar o Brasil como país que usa muito produto, que usa mais do que o resto do mundo, que está em uma condição de desequilíbrio em relação a esses produtos e, normalmente, a discussão para ali. Ela só se esquece de fazer a conversão desse mesmo número, desse mesmo valor de mercado de defensivos agrícolas, pela área agrícola ou pela produção agrícola de cada um desses países. Eu costumo dizer que eu sou de Botucatu, que tem 150 mil habitantes, e São Paulo tem 12 milhões de habitantes. É óbvio que em São Paulo tem mais acidente de carro do que em Botucatu, não é? Assim como muitas outras coisas. Se eu normalizar o dado, que é transformar esse uso de defensivo pela área agrícola - e o Brasil é uma potência agrícola mundial -, nós vamos para a 7ª posição nesses 20 maiores mercados. Nós vamos para a 14ª quarta posição quando nós transformamos isso pela área agrícola... Desculpa, pela produção agrícola, porque nós somos muito eficientes em produzir por unidade de área, que é aquilo que nós vimos anteriormente. Então, isso desmorona a construção que tem sido feita de que o Brasil usa muito esses produtos. Não é verdade. O Brasil, pelo contrário, faz um uso bastante racional desses produtos e aqui, sob uma outra ótica, com outro dado da FAO, não mais de valor de mercado, não mais olhando aquele número que, normalmente, aponta o Brasil na primeira posição, mas, olhando o dado de quantidade de produtos, com 150 países relacionados na base da FAO, em vermelho, vocês estão vendo uma barrinha ali que é a média mundial de uso de defensivos por tonelada de produtos agrícolas produzidos e o Brasil vem bem abaixo disso, vem em uma condição bastante - eu diria até - confortável em relação ao resto do mundo, em relação a muitos outros países ali que fazem um uso muito maior do que o nosso. Nós não podemos esquecer também, quando nós falamos do uso de defensivos agrícolas, que nós não estamos falando só de culturas para a produção de alimentos. O Brasil é uma potência não só na produção de alimentos, mas na produção de alimentos, fibras e bioenergia. A nossa matriz energética mostra claramente isto: o Brasil tem 46% da sua matriz energética com recursos renováveis e a média do resto do mundo é 14%. Então, se nós conseguimos essa proeza, esses números que realmente nos orgulham, é porque o agronegócio, a agroindústria contribui com 33% desses 46% de energia renovável que nós temos no Brasil e que é algo sem paralelo no mundo, pelo menos para países de relevância. Isso está no Balanço Energético Nacional - na verdade, é BEN, tem um "m" errado ali -, com os dados de 2021. E só para traçar um paralelo com a Europa, a Europa tem 15% de fontes renováveis, tem participação de energia nuclear - 13% -, carvão, gás natural, petróleo. Nós estamos numa situação muito confortável porque a nossa agroindústria, a nossa agricultura supre boa parte dessa nossa demanda energética. |
| R | Então, boa parte do que nós estamos tratando de defensivos, do uso de agrotóxicos, também está relacionada a essas culturas para a produção de fibras e bioenergia. Nós falamos de quantidade, e quantidade é um ponto importante - o quanto nós usamos de defensivos, como nós estamos em relação ao resto do mundo -, mas é importante que a gente faça uma análise mais profunda do que essa, que é a análise do risco associado aos defensivos que nós usamos no Brasil. E aí tem um ponto importante também, que se discute muito, de que nós usamos produtos proibidos, usamos produtos que não são usados em outros países - depois eu vou falar um pouquinho mais sobre isso -, mas, quando nós fazemos um trabalho mais aprofundado da análise do risco associado aos defensivos agrícolas que nós usamos no Brasil, fundamentado nessa ferramenta - eu, obviamente, não vou entrar em detalhes, nós não teríamos tempo para isso -, mas esse EIQ (coeficiente de impacto ambiental), que é um coeficiente desenvolvido pela Universidade de Cornell em 1992, não é algo novo, mas aceito e recomendado pela FAO também como uma ferramenta para medir o risco associado ao uso de defensivos agrícolas, para que a gente tenha uma quantificação do risco por unidade de área também, e leva em consideração ali uma série de aspectos toxicológicos, aspectos da dinâmica ambiental dos defensivos agrícolas... Quando nós fazemos um estudo no Brasil, com uma base de dados muito robusta, com todo o defensivo agrícola que foi usado no Brasil durante o período de 2002 a 2015, e esses dados estão sendo atualizados, nós percebemos que, do ponto de vista de risco, os indicadores também são muito positivos. Eles vêm caindo ano a ano, de forma que, nesse período de 2002 a 2015, quando nós olhamos o risco associado aos defensivos agrícolas no Brasil, nós tivemos uma queda de 38% na média: nós tivemos uma queda de 52% para o trabalhador, de 37% para o consumidor e 33% para o ambiente. Então, do ponto de vista ambiental, também nós temos trilhado um caminho que, claramente, nos coloca numa situação também bastante confortável, para a gente não ficar só na análise rasa da quantidade, mas do risco associado ao que nós estamos usando. Não é por acaso que nós temos esses indicadores favoráveis. Reforço que, se tem um setor no Brasil que cresceu fortemente amparado em ciência, tecnologia e inovação, é realmente a agricultura, é a pecuária. O Brasil conseguiu fazer algo realmente notável nessas áreas do ponto de vista de uma revolução tecnológica, e eu poderia aqui apontar vários aspectos em que nós tivemos avanços muito importantes e que contribuem para esse cenário favorável que eu acabei de mostrar, mas, por exemplo, o crescimento de controle biológico, de produtos biológicos, algo que está na pauta, cuja discussão a gente tem acompanhado, que tem crescido muito no Brasil, e, apesar de ter crescido muito no Brasil, é algo que a gente já vem usando há muito tempo. Se eu pegar, se nós pegarmos aquela lagarta que está na parte baixa ali, aquela figura com aquela vespinha, é a broca da cana-de-açúcar, a principal praga da cultura da cana-de-açúcar. Há 30 anos, a regra é o controle biológico, a exceção é o controle químico. Então, são tecnologias que o Brasil já desenvolveu lá atrás, já vem incorporando à agricultura. O manejo integrado de pragas, de doenças, de plantas daninhas faz parte da nossa cultura, faz parte das nossas tecnologias, dos nossos sistemas de produção. Então, tem vários aspectos e tem muita tecnologia envolvida para que a gente tenha, de fato, uma dependência menor do que muitos outros países do ponto de vista do uso de defensivos agrícolas. E aí, avançando um pouquinho para a análise do projeto de lei, fica muito claro, quando nós olhamos esses números, que o produtor, a indústria, a comunidade científica brasileira, as agências regulatórias e outros atores importantes têm feito seu papel. A gente tem conseguido avanços extremamente importantes, mas não podemos deixar, de forma nenhuma, de buscar indicadores ainda melhores. Acho que é meta, objetivo de todos aqui, que a gente continue trilhando esse caminho e avance o quanto mais rápido no sentido de uma agricultura mais sustentável, de produtos mais seguros, com o manejo de pragas, doenças e plantas daninhas cada dia mais seguro do ponto de vista ambiental, do trabalhador e do consumidor. E aí nós temos, de fato, um gargalo, que é a nossa legislação atual. Nós estamos falando de uma lei que é de 1989 - nasceu junto com a internet da forma que nós conhecemos hoje, o www é de 1989 -, portanto são mais de 30 anos, e fica muito clara a revolução que aconteceu no mundo nesse período do ponto de vista tecnológico, do ponto de vista científico. E não dá para nós imaginarmos que uma lei, com trinta e tantos anos, de um assunto extremamente técnico, de um assunto em que a ciência evoluiu absurdamente, esteja adequada. Trata-se de algo que é anterior à nanotecnologia, anterior à biotecnologia, anterior à biologia molecular, e nada disso está contemplado na nossa legislação. A própria análise de risco não está contemplada na nossa legislação, porque ela foi incorporada na maioria dos países desenvolvidos, e ela está presente na legislação da maioria dos países desenvolvidos, mas foi desenvolvida e incorporada mais ou menos 20 anos atrás. Percebam, já está incorporada na maioria dos países desenvolvidos há pelo menos 20 anos, e a nossa lei, que tem 30, obviamente não incorpora isso. Está extremamente tarde para fazermos isso, mas é extremamente importante que nós façamos essa correção. |
| R | O sistema regulatório: eu entendo que ele tem dois papeis muito importantes especificamente em relação a esse assunto. O primeiro é garantir que produtos inseguros não cheguem ao mercado. Isso é fundamental, isso tem que ser preservado a todo custo, e eu acho que o projeto de lei é muito claro nesse sentido. O segundo, não menos importante, é permitir que as tecnologias que, à luz do conhecimento científico - vou repetir: à luz do conhecimento -, são úteis e seguras cheguem ao mercado o mais rápido possível, de modo inclusive a substituir produtos que, ainda que sejam seguros, são mais antigos e têm níveis de segurança menores. Então, acho que o objetivo da discussão é realmente construir um projeto de lei que permita acesso ao que é seguro, que permita decidir com rapidez e correção, com decisão, caso a caso, à luz do conhecimento técnico e científico, e que permita monitorar a possibilidade de rever decisões e construir sistemas decisórios mais rápidos e seguros. Vejam, nós não estamos falando, em hipótese nenhuma, de flexibilização - essa é uma palavra que está sempre envolvida quando nós tratamos desse projeto de lei -, de forma nenhuma nós podemos considerar a questão da flexibilização. Não é essa a proposta, não pode ser essa a proposta, e seria realmente um retrocesso muito grande se nós trabalhássemos com a questão da flexibilização. É, de fato, uma modernização e a adoção de critérios mais corretos; eles não são mais flexíveis nem menos flexíveis, eles são, de fato, mais corretos e são adotados amplamente na maior parte dos países desenvolvidos do mundo. Nós não estamos fazendo nada que nos coloque na contramão do que o mundo já faz. E, aí, esse número dá uma ideia de que, no momento atual, nós não estamos sendo eficientes em dar acesso ao que é mais seguro com a celeridade com que os nossos principais concorrentes em termos de agricultura têm tido. |
| R | Por exemplo, esse retrato não é absolutamente atual, talvez tenha alguma defasagem, mas nós tínhamos 29 novos ingredientes ativos aguardando na fila de registro no Brasil; desses 29, 17 já estão em uso nos Estados Unidos, 16 no Canadá, 15 na Austrália, 14 no Japão, 14 na União Europeia - todos aqui vão concordar que todos esses países têm sistemas regulatórios muito rigorosos, muito corretos -, 13 na Argentina, que também é um concorrente, também tem uma agricultura parecida com a nossa, aqui no Hemisfério Sul. Então, nossos concorrentes estão tendo acesso às tecnologias na nossa frente. E o que são essas tecnologias, o que representam esses produtos que estão na fila aguardando registro no Brasil? Quando nós aplicamos aquela mesma ferramenta que é um indicador do risco para os produtos que estão na fila versus os produtos registrados em uso no Brasil, nós constatamos que, em média, os produtos aguardando registro no Brasil, são 42% mais seguros, considerando todos aqueles aspectos da dinâmica ambiental, toxicologia, modelo para essa codificação do risco, nós estamos falando de produtos 42% mais seguros do ponto de vista médio, 15% para o consumidor, 21% para o trabalhador, 53% para o ambiente. Vejam, a quem interessa nós represarmos isso, nós demorarmos de oito a dez anos para ter acesso a essas tecnologias, que são mais seguras, enquanto nossos principais concorrentes têm acesso a tudo isso com dois anos de análise e fazem uma análise absolutamente rigorosa e segura de tudo isso? Então, este é um ponto importante, acho que a celeridade, obviamente sem comprometer de forma nenhuma a análise criteriosa e a segurança dos produtos, mas a tendência é muito clara, é meio óbvia, porque a ciência dos defensivos agrícolas, pesticidas, agrotóxicos, como queiram chamar, evoluiu absurdamente nos últimos anos. Nós estamos falando de uma ciência que permite hoje olhar com precisão qual é o alvo, a proteína, a enzima que eu quero atingir na planta daninha que eu quero controlar, no inseto que eu quero controlar, com muito mais especificidade, e desenhar uma molécula com muita afinidade ao alvo específico. A gente consegue ser mais seletivo em relação ao alvo, nós conseguimos com isso reduções de dose extremamente significativas, de forma que atrasar tudo isso não faz absolutamente sentido para ninguém. Nós estamos falando em retardar a chegada no mercado de produtos que são mais seguros, usados em menor dose. O risco, como o Dr. Leomar destacou muito bem, está relacionado à exposição, reduzir dose é um ponto muito importante de redução do próprio risco por si só. E o dado é muito claro. Quando nós pegamos os produtos que estão em uso no Brasil, ali já saíram produtos proibidos, que saíram do mercado, são todos produtos que estão em uso no Brasil, e nós olhamos os produtos que foram desenvolvidos lá na década de 70 ou final da década de 60, olhamos os produtos que estão no mercado e foram desenvolvidos a partir do ano 2000, ou ainda olhamos os produtos que estão aguardando registro no Brasil, claramente há uma redução significativa na dose. Nós estamos falando de 88% de redução da dose nos produtos desenvolvidos a partir do ano 2000 em relação aos produtos desenvolvidos lá na década de 70. Isso tudo é ciência, é inovação, é tecnologia à nossa disposição. E é, de novo, voltando ao meu primeiro eslaide, é a receita que nos trouxe até aqui, em termos de sucesso da agricultura, do agronegócio brasileiro. |
| R | Quando nós olhamos o risco, a tendência é exatamente a mesma. O risco vem caindo drasticamente à medida que nós temos produtos mais atuais, mais modernos e desenvolvidos com critérios muito maiores. Isso permite inclusive termos produtos mais eficientes. Isso agrega competitividade à agricultura brasileira, que é também algo bastante importante. E aí, quando nós olhamos muito da discussão que se faz - e foram colocados alguns pontos, o Brasil registrou nos últimos anos milhares de novos produtos -, isso tem uma distorção muito grande e se confunde com isso que eu acabei de mostrar. Porque, de fato, quando nós olhamos a relação dos produtos registrados recentemente, nós estamos falando de números muito significativos, mas nós estamos falando, na sua grande maioria, de produtos genéricos, produtos que já estão no mercado, que já estão em uso, que já foram avaliados. Não é porque tem o lançamento de um novo antibiótico que nós vamos correr na farmácia e comprar antibiótico para tomar antibiótico se nós não precisamos de antibiótico. São mais produtos à disposição do produtor com o mesmo ingrediente ativo, com o mesmo nível de segurança ou melhor a partir de melhorias na formulação, nunca pior, que estão à disposição, que aumentam a competitividade e reduzem preço. O Dr. Leomar também colocou essa questão do preço, que impacta muito significativamente. Ninguém quer usar. Usa o quanto é necessário para evitar os prejuízos. Então, os genéricos e os novos produtos têm que estar em sacos diferentes. Um nós já analisamos, nós já temos o histórico de uso, já está no mercado. Colocar mais um genérico no mercado não traz grandes impactos. O outro é um produto novo, nós precisamos fazer uma análise criteriosa e precisa passar de fato com todo o rigor ali pela análise do Mapa, Anvisa e Ibama, o que inclusive está preservado no PL, como já foi discutido. De tudo que já foi registrado, nós estamos falando de 4% de efetivamente novas moléculas, que são aquelas mais modernas e mais eficientes. Outro ponto importante. Eu acho que o projeto de lei em discussão preserva a possibilidade de reavaliação em qualquer momento. Isso é extremamente importante também porque um produto aprovado hoje, à luz do conhecimento científico, técnico atual, se amanhã surgir alguma nova evidência, ele precisa ser reavaliado e, se for o caso, retirado do mercado. O projeto de lei preserva esse instrumento, reforça esse instrumento, que é extremamente importante. Então, ele não está registrado ad aeternum, como foi colocado. De forma nenhuma. Ele está registrado e, a partir do momento em que há qualquer evidência diferente daquela do momento em que ele foi registrado, ele entra em reavaliação. O próprio glifosato passou por reavaliação recente na Europa, nos Estados Unidos, no Brasil e se concluiu, com todo o rigor científico, que ele não é cancerígeno. Apesar de ter tido um estudo lá atrás que indicava um potencial, possível efeito carcinogênico. Esse resultado é recente, saiu na Europa. Novamente a comissão europeia fez essa análise e acabou de chegar novamente a essa mesma conclusão. Então, são pontos importantes e que estão preservados, precisam ser preservados no projeto de lei. |
| R | Outro ponto muito importante que está preservado, que precisa ser preservado, é a participação, a continuidade do Brasil nos principais acordos internacionais, o Codex Alimentarius, que define os limites de resíduos em alimentos, enfim, o GHS e vários outros. Os principais acordos internacionais são mantidos e, de fato, isso tudo coloca o Brasil em consonância com o resto do mundo, coloca o Brasil em convergência científica e regulatória com o resto do mundo. E a questão da análise de risco, que também criou-se uma polêmica muito grande em relação a esse aspecto, da análise de risco, mas é algo absolutamente natural, algo absolutamente esperado. É algo que nós deveríamos estar fazendo e deveria estar contemplado em nossa legislação há pelo menos 20 anos, que é mais ou menos quando nós começamos a discutir isso lá atrás, já com essa ótica, porque, em 1989, não se discutia análise de risco, mas, no final da década de 90, já era regra para a maioria dos países. Então, nós estamos atrasados nesse assunto, não é nenhuma novidade. O projeto de lei, realmente, traz um avanço muito significativo quando ele caracteriza com toda a clareza e conceitua perigo, risco, avaliação dos riscos, comunicação dos riscos, gestão dos riscos. E o termo risco inaceitável, tão polêmico, tão discutido, é absolutamente natural. A partir do momento em que eu faço uma análise de risco, que eu determino em que condições o produto é seguro, em que condições o produto é inseguro, eu estou estabelecendo um limite do risco aceitável e do risco inaceitável. É bastante óbvio isso, não tem como fugir disso, e é o que é adotado, obviamente, em qualquer lugar. Então, acabou criando uma impressão de que nós estamos criando uma tolerância, não é isso. Esse risco inaceitável pode estar aqui ou pode estar aqui, mas nós temos que ter uma régua. É absolutamente natural que nós tenhamos que estabelecer esse risco inaceitável, é o que a grande maioria dos países, em sistemas regulatórios no mundo, já tem implementado há bastante tempo e é o cientificamente mais correto. O risco é o perigo na condição real de uso, que é, obviamente, o que faz mais sentido. Eu costumo dizer que nós pegamos o carro de manhã, se o carro estiver com pneu careca, se o carro estiver sem manutenção, se eu não tiver habilitação, se eu estiver embriagado, o risco é inaceitável. Se o carro estiver com tudo em dia, manutenção em dia, eu tenho habilitação, dirijo na velocidade correta, o risco é aceitável. É algo, de certa forma, banal o que nós estamos falando aqui. (Intervenção fora do microfone.) O SR. CAIO ANTONIO CARBONARI - Sem dúvida. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO. Fora do microfone.) - O da gasolina é aceitável, o do diesel não. (Risos.) O SR. CAIO ANTONIO CARBONARI - Sem dúvida, esse é um componente que precisa ser adicionado a essa equação, Senador. Antes de colocar as mensagens finais, eu só queria reforçar ainda dois pontos, o que eu acabei não incluindo na apresentação. O Brasil tem um dos programas de análise de resíduos em alimentos, que é o Para, da Anvisa, que é um programa bastante robusto de monitoramento de resíduos em alimentos. São poucos os países que fazem um trabalho robusto como o Brasil faz, isso tem um custo elevado, é um trabalho que não é simples. O Brasil faz e dá total transparência a isso e os dados são absolutamente positivos. Eles mostram que 1997 e 1998 estão em absoluta conformidade, não trazem nenhum risco. O que está em não conformidade ainda está dentro de uma margem de segurança muito expressiva. |
| R | Então, nós precisamos ressaltar e valorizar isso, porque a maioria dos países ou não fazem ou não divulgam. Tentem procurar essas informações. Em muitos países da Europa e em vários outros países do mundo, nós não encontramos essas informações. Então, o Brasil faz esse monitoramento, dá publicidade a isso, e nós temos indicadores absolutamente positivos, que mostram que o alimento produzido no Brasil é bastante seguro. Esse é um ponto bastante importante também. Outra questão, com todo respeito - a Profa. Larissa trouxe ali alguns dados de intoxicação -, eu desconheço o trabalho, desconheço a fonte, mas, quando nós olhamos a fonte oficial, os dados que estão disponíveis, que são os dados do Sinitox, da Fiocruz e do Ministério da Saúde, ainda que com um alerta lá no próprio site de que há subnotificações - e eu imagino que isso, de fato, aconteça - e uma desatualização desses números, quando nós olhamos os dados de intoxicação registrados e oficiais, nós encontramos lá, por exemplo, sem entrar nos números absolutos, que, de todas as intoxicações que ocorrem no Brasil, 27% são medicamentos; mais de 25% são animais peçonhentos; depois vêm, em terceiro lugar, domissanitários, que são os defensivos agrícolas sobre o que nós estamos discutindo aqui, mas que são vendidos livremente no mercado para qualquer criança comprar e levar para dentro de casa, e raticidas; depois vêm produtos químicos e industriais; depois vêm drogas de abuso; e depois vem agrotóxicos de uso agrícola, com 3%. Então, eu desconheço a fonte, mas a fonte oficial, os dados que nós temos e o que está em consonância com o que nós temos aí na literatura e, de certa forma, no mundo todo - e parte disso ainda são suicídios, infelizmente - são essas informações. Então, eu acho que este é um ponto importante também: obviamente ninguém quer usar defensivos, obviamente tem riscos implícitos no uso dessas substâncias. Nós temos que ter toda a precaução possível. Nós temos que ter uma legislação extremamente rigorosa em relação a esse assunto, é extremamente importante isso, mas é importante que nós nos atenhamos aos fatos, aos números, à realidade e façamos um paralelo com outros países. Quando nós fazemos isso, nós olhamos com muita tranquilidade que o Brasil não está na contramão de forma nenhuma e que nós podemos avançar bastante com a questão de uma lei mais atual, de uma lei que agregue tudo que já foi colocado e que permita aí acesso a produtos mais modernos, mais seguros, com mais celeridade. Basicamente, é isso que está ali nas mensagens finais. O Brasil, então, consome proporcionalmente menos pesticidas do que vários outros países que são grandes produtores mundiais de alimentos, fibras, bioenergia. Tem um ponto... Também muito rapidamente, Senador, só para concluir, porque eu acabei me esquecendo de comentar: no Brasil, é agricultura tropical. Quando eu mostrei aqueles dados lá do uso de defensivos, dos 150 países, o Brasil está, naquela condição, bem abaixo da média, numa condição bastante confortável. O Brasil é o principal país produtor em ambiente tropical, e o ambiente tropical é muito mais crítico em termos de praga, doença, planta daninha. Nós fazemos duas, três safras por ano, o que é muito positivo em termos de uso da terra, mas não tem um inverno rigoroso, não quebra o ciclo da praga, da doença, da planta daninha, de forma que a pressão dos problemas fitossanitários é maior aqui do que na maioria dos países do Hemisfério Norte, por exemplo. |
| R | Ainda assim, a gente costuma justificar o uso de defensivos em função do fato de ser tropical. Eu diria que, apesar de ser tropical, uma condição mais crítica para manejo fitossanitário, o Brasil usa pouco desses produtos em relação aos países do Hemisfério Norte. A questão central não é se o produto é novo ou se é velho. Nós temos que olhar o risco - e isso é extremamente importante - de cada um dos produtos, mas há uma tendência muito clara de os produtos mais novos serem mais seguros, não é? E acho que é fundamental, diante de uma agricultura eficiente, moderna, com tamanho protagonismo que nós temos, termos uma legislação atual, que contemple os avanços científicos ocorridos desde a aprovação da lei atual, que garanta que os pesticidas inseguros não cheguem ou saiam do mercado - e isso é muito importante -, assim como garanta o acesso rápido aos pesticidas que são seguros. Acho que o Projeto de Lei 1.459, ou 6.299, que veio da Câmara com esse número, permite a modernização de uma lei com mais de 30 anos, com grande defasagem técnica, garantindo avanços importantes. E o ponto mais importante: garante uma convergência científico-regulatória com os principais países desenvolvidos do mundo, com a OCDE, que é o nosso objetivo principal. Agradeço mais uma vez, Senador Acir Gurgacz e Senadores presentes, pela atenção. É uma honra estar aqui nesta Comissão e poder trazer aqui as informações que eu apresentei. Muito obrigado pela atenção. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Muito obrigado, Dr. Caio Carbonari. Passo a palavra, na sequência, ao Dr. Mário Urchei. Desculpe se eu não pronunciei o sobrenome corretamente, mas me corrija na sequência. É Diretor de Ciência e Tecnologia do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário. V.Sa. tem a palavra. O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Sr. Presidente... O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Pois não, Senador Paulo Rocha. O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Pela ordem.) - Presidente, infelizmente eu não vou poder continuar aqui... O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Pois não. O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - ... e quero justificar em respeito aos nossos outros convidados. Hoje nós temos várias Comissões funcionando, estão decidindo coisas que envolvem a questão do Orçamento da União, as emendas à LDO, e temos que estar presentes em algumas delas. Mas eu queria deixar uma pergunta-chave aqui, que eu acho que justifica a nossa posição, que é essa questão das duas intervenções primeiras, e agora, a do Dr. Caio. O Dr. Caio lincou a intervenção dele mais na preocupação com o desenvolvimento, a tecnologia, a produtividade, contra o que ninguém é; pelo contrário: nós queremos que nosso processo do enriquecimento, da exploração do nosso país traga divisas para cá. Isso não é nenhum problema, não é essa a questão. Mas ficou clara também, nas duas exposições, a questão da saúde pública, das consequências, enfim. Se não há contestação entre um e outro, isso é importante para nós, como legisladores, porque nós queremos fazer uma legislação capaz de assegurar o desenvolvimento do nosso país, a produtividade dos nossos produtores, etc., mas, ao mesmo tempo, nos preocupar com a questão do povo, da saúde pública, do meio ambiente, etc., etc. Isso reforça a nossa posição de que não só temos que aprofundar e nos demorar quanto tempo for necessário para que possamos promover, produzir uma legislação capaz de atender a esse conjunto de exigências, dado que, sem dúvida nenhuma, pelas duas intervenções, tem riscos, tem riscos à vida humana. |
| R | Por isso, a ideia é a de ir para outras Comissões onde se trata especificamente da saúde, que é a CAS, e onde também se trata da questão ambiental e até da questão de segurança jurídica... É produto, Presidente. Já anunciei a V. Exa. que nós estamos com um requerimento, lá no Plenário da Casa, para o Presidente despachar, para essas outras Comissões, exatamente por causa dessas duas intervenções que foram colocadas inicialmente. Queria pedir perdão aos nossos outros convidados, mas, ao mesmo tempo, deixar essa nossa preocupação. Muito obrigado. Parabéns pelas intervenções iniciais dos três convidados. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Muito obrigado, Senador Paulo Rocha. Nós entendemos, temos várias Comissões em andamento discutindo temas importantes, tanto quanto este, sempre Deputado Edinho Bez. Como na Câmara, as Comissões estão ativas, debatendo e todas elas têm temas importantes a serem discutidos e alguns em votação, que não é o nosso caso. Nós temos uma audiência pública para discutir, mas temos algumas Comissões que estão em votação. Por isso, os Senadores estão indo e vindo, tanto fisicamente quanto pelo zoom. Passo a palavra, então, ao Dr. Mário, para fazer as suas colocações, mais uma vez agradecendo a sua presença conosco. O SR. MÁRIO URCHEI (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, Senador Acir Gurgacz. Bom dia Senador Paulo Rocha. Inicialmente agradeço o convite e na pessoa de vocês cumprimento todos os Parlamentares presentes nesta audiência pública e também os demais participantes no Senado, de maneira presencial e também remota. Como eu falei, para nós é uma honra estarmos aqui. Meu nome é Mário Urchei - mas esse não é o problema -, e eu sou pesquisador. Gostaria, rapidamente, de poder me apresentar: estou aqui falando em nome do Sinpaf. O Sinpaf é o Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário, então é um sindicato nacional, que tem várias empresas públicas, entre as quais, a Embrapa, que é a principal empresa de pesquisa agropecuária do país e da América Latina e uma das mais importantes do mundo. De qualquer forma, como falei aqui, sou pesquisador, tenho 27 anos de pesquisa na Embrapa, trabalho na área de pesquisa em agroecologia na Embrapa Meio Ambiente, aqui no Estado de São Paulo. Vou colocar uns elementos para esse debate extremamente relevante, extremamente importante. Queria também cumprimentar os colegas que me antecederam, a Dra. Naiara, a Dra. Larissa, o Dr. Caio Carbonari. Eu acho que esse é fundamental. A temática é muito relevante. É necessário que ele seja aprofundado para que esse processo caminhe a bom termo. |
| R | Quero colocar alguns elementos, muitos dos quais já foram aqui levantados - e é essa a intenção destas audiências. Inicialmente, antes de falar dos agrotóxicos e do PL em questão, gostaria de dizer que nós vivemos um modelo de sociedade não sustentável, de sociedade de desenvolvimento, em várias partes do mundo e, especialmente, no Brasil, nos últimos anos. Em decorrência desse processo, nós temos enfrentado, já há algum tempo, a humanidade vem enfrentando, já há algum tempo, as chamadas mudanças climáticas, que são decorrentes, principalmente, do aquecimento global, que tem levado a eventos extremos - isso nós temos observado muito no Brasil, nos últimos anos - e, muitas vezes, ao caos socioambiental. Podemos citar alguns deles: tempestades tropicais, inundações, alagamentos, deslizamentos, ondas de calor, seca, nevascas, furacões, tornados, ciclones, vendavais, tsunâmis, entre outros eventos. Claro que alguns deles, até o momento, não têm ocorrido no Brasil. Esse aquecimento global, que é o aumento da temperatura média dos oceanos e da camada de ar próxima à superfície da Terra, tem como causas processos naturais - isso é conhecido -, mas também atividades humanas, ou seja, a ação do processo de desenvolvimento humano, a chamada ação antrópica, tem uma grande influência nessas mudanças climáticas que temos visto aumentarem no último período. E isso se deve, principalmente, ao aumento dos gases de efeito estufa, que causam esse aquecimento na atmosfera, principalmente o dióxido de carbono. Esse efeito estufa corresponde a essa camada de gás que cobre a superfície da Terra e que é fundamental para a vida na Terra, pois, sem ela, o planeta não se tornaria habitável em virtude do frio, inviabilizando a sobrevivência das espécies. De qualquer maneira, os cientistas já constataram que o aumento da temperatura média do planeta tem elevado o nível do mar, pelo derretimento das calotas polares, podendo ocasionar o desaparecimento de ilhas e cidades litorâneas. E há previsão de que uma frequência maior desses eventos extremos climáticos, com graves consequências para populações humanas e ecossistemas naturais, poderá ocasionar extinção das espécies de animais e plantas. O painel intergovernamental sobre mudanças climáticas, o chamado IPCC, órgão das Nações Unidas, responsável por produzir informações científicas, afirma que há 90% de certeza, de grau de certeza, de que o aumento da temperatura na Terra está sendo causado pela ação do ser humano, pela ação antrópica. Agora eu vou avançar um pouco. Por que estamos falando isso? E o que isso tem a ver com o nosso debate? Entre as principais atividades humanas que causam o aquecimento global, e consequentemente as mudanças climáticas, estão a queima de combustíveis fósseis - derivados do petróleo, carvão mineral, gás natural, etc. - para a geração de energia, atividades industriais e transportes, descarte de resíduos sólidos e, no Brasil, principalmente, conversão do uso do solo, agropecuária, desmatamento e queimadas. Aí que entra essa discussão que me parece ser muito relevante. Todas essas atividades emitem grande quantidade de CO2 e de gases formadores do efeito estufa. No Brasil a agropecuária, as mudanças no solo, o desmatamento e as queimadas que têm se intensificado nesse último período são os principais responsáveis pela maior parte das nossas emissões de gases de efeito estufa e têm feito com que o país seja um dos líderes mundiais em emissões desses gases. Isso porque as áreas de floresta, os ecossistemas naturais são grandes reservatórios e sumidouros de carbono por sua capacidade em absorver CO2. Mas, quando acontece um incêndio florestal, uma área desmatada, esse carbono é liberado para a atmosfera, contribuindo para o efeito estufa e o aquecimento global. |
| R | Muito bem. Esse é o primeiro aspecto que eu queria levantar em relação a essa discussão. Outro aspecto que me parece muito relevante tem a ver com a nossa temática: produção de alimentos, agropecuária, uso de agrotóxicos. Na produção de alimentos, nós temos acompanhado supersafras agrícolas no Brasil repetidamente, porém temos tido a fome, desigualdade social e fome. O Brasil é um país continental, com recursos extraordinários. Na realidade, é um verdadeiro celeiro de energia, com mananciais hídricos superficiais e subterrâneos, em biodiversidade - um dos maiores do planeta em biodiversidade seguramente. Temos terras férteis, grandes reservas minerais, petróleo e energia solar que possibilita o desenvolvimento da agricultura durante todo o ano. Esse é um aspecto que torna a nossa agricultura extremamente competitiva. Porém, vivemos uma situação inusitada. Estamos num contexto social, político e econômico de destruição - eu diria uma política da morte. Nós temos tido diferentes manifestações, e a fome é uma política de morte, porque ela destrói; muitas pessoas morrem em virtude da fome. Esse é um aspecto bastante importante. Nós temos aí: ataques frequentes, nos últimos anos, às comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas e outras; aprovação recorde dos agrotóxicos, também de forma bastante ampla e indiscriminada; a condução da pandemia da covid-19, contrariando a ciência, que foi uma política e tem sido uma política bastante equivocada; a destruição, como falamos, de florestas, desmatamento ilegal, queimadas; a diminuição dos investimentos em saúde, educação, saneamento básico, infraestrutura, moradia popular, ciência e tecnologia, que têm interface com o nosso debate, com a nossa discussão - estamos falando de ciência e pesquisa em agropecuária, em avanço, em inovação -; e, evidentemente, essa lógica de desregulamentação, de privatização e a destruição do estado de bem-estar. Com isso, temos visto, a olhos claros, o aumento do desemprego, da fome e da miséria. Nesse sentido, a escalada da fome no Brasil, nos últimos três a quatro anos, e a pandemia ganharam números que, de fato, mostram uma situação bastante trágica, e isso foi mostrado pela nova pesquisa sobre insegurança alimentar, agora em 2022, recentemente, mostrando que temos mais de 33 milhões de pessoas que não têm o que comer. São 14 milhões de novos brasileiros que vêm sofrendo com a fome desde a conclusão do estudo anterior, em 2021. E mais da metade da população, quase 59%, convive com algum grau de insegurança alimentar - leve, moderado ou grave. O quadro dramático é revelado então pelo 2° Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, lançado agora no último dia 8 de junho. De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, o Brasil regrediu para um patamar equivalente ao da década de 90. |
| R | De acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, responsável pelo estudo, o Brasil regrediu para um patamar equivalente ao da década de 90. A pesquisa anterior, de 2020, mostrava que a fome no país já tinha voltado para patamares equivalentes aos de 2004. A continuidade do desmonte de políticas públicas, a piora do cenário econômico, o aumento da inflação, o desemprego, o acirramento das desigualdades sociais do segundo ano da pandemia da covid-19 tornaram esse quadro da segunda pesquisa ainda mais perverso. Em conformidade com a referida pesquisa, em números absolutos, são mais de 125 milhões de brasileiros que passam ou passaram por algum grau de insegurança alimentar. É um aumento de mais de 60% em comparação com a pesquisa realizada em 2018. Essa pesquisa confirma ainda que a tragédia da fome, contraditoriamente a um país riquíssimo que produz alimentos, fibras e energia, como aqui tem sido levantado e debatido, é seletiva, tem lugar, gênero, cor e escolaridade. No Norte e no Nordeste - áreas rurais, contraditoriamente -, domicílios chefiados por mulheres e habitados por pessoas pretas e pardas e com a pessoa de referência sem escolaridade ou com apenas o ensino fundamental incompleto são os que mais sofrem com o problema da fome e da miséria. Contraditoriamente, o valor bruto da produção agropecuária em 2022 no Brasil deve alcançar R$1,24 trilhão, com base nas informações de safra do mês de abril. Essa projeção é 2,7% acima do valor obtido em 2021. Muito bem. É nesse sentido que esses dois aspectos nos chamam a atenção. O componente que está sendo debatido e que tem a discussão desse PL dos agrotóxicos é parte de um modelo - eu diria que ele é parte de um modelo agrícola, de um modelo agropecuário, que, no entendimento de muitas instituições, de muitos pesquisadores, dos nossos grupos de pesquisa da própria Embrapa, não é sustentável. O modelo agrícola dominante no Brasil, o chamado agronegócio, tem se mostrado, de fato, sem sustentabilidade. Esse modelo hegemônico prioriza grandes extensões de terra para produzir as chamadas commodities agrícolas para o mercado externo, fundamentalmente, adotando uma matriz de produção baseada em máquinas pesadas, combustíveis fósseis não renováveis, sementes melhoradas e/ou geneticamente modificadas, insumos e fertilizantes químicos solúveis, monocultivos e, finalmente, os agrotóxicos. Então, esse processo faz parte de uma lógica, de uma matriz tecnológica que é hegemônica na agropecuária brasileira. Além disso, segundo a pesquisa realizada pela Abra no ano passado, a partir da análise dos dados da balança comercial, do PIB e do IBGE, o agronegócio pouco contribui com o Produto Interno Bruto, traz altos custos ao estado, gera poucos empregos e é o grande responsável por problemas de degradação e contaminação ambiental e humana no país. Essa referida análise mostra ainda que, embora o agronegócio seja o setor da economia que mais exporta - isso é evidente, não há dúvida em relação a esse aspecto -, ele leva o Brasil ao que se chama de reprimarização da economia, ou seja, uma economia pautada em produzir matérias primas e importar produtos industrializados de alta tecnologia. |
| R | Embora esse seja o dado mundial - não é só exclusivo do Brasil -, o nosso país aparece como um dos cinco que mais sofrem com maior processo de desindustrialização. Isso aponta que essa matriz pautada do agronegócio leva a uma inserção subalterna do Brasil ao mercado mundial. Muito bem, indo agora mais concretamente para o debate em questão sobre os agrotóxicos, o PL 1.459 - antigo PL 6.299, de 2002. Essa discussão tem esse viés, dependendo de como você analisa, mas há praticamente um consenso: grande parte dos estudiosos acerca desse assunto tem este entendimento de que, desde 2008, o Brasil é recordista mundial em utilização de agrotóxicos, inclusive na permissão de produtos, como aqui já foi falado, já banidos em outros países e considerados alguns deles ilegais e proibidos. Muitas dessas substâncias, no entanto, não são mais usadas nos Estados Unidos, na União Europeia, etc. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pelo menos 37 agrotóxicos registrados, desde 2019, no Brasil são proibidos nos Estados Unidos e na União Europeia, em função da sua toxicidade. Quando se consideram os ingredientes ativos, o número cresce: 44% dos 475 agrotóxicos registros no Brasil, desde 2019, foram banidos nos países europeus e nos Estados Unidos. Desde 2015, o Brasil vem aumentando ainda mais a lista desses produtos autorizados para uso na agricultura. Esse número, porém, disparou a partir de 2019 e, no ano passado, bateu recorde em liberações, sendo mais de 560 produtos registrados novos. Só nos últimos quatro anos, esse número chega a mais de 2 mil agrotóxicos liberados - um recorde para a saúde humana e o meio ambiente. O PL 1.459 (antigo 6.299, de 2002), aprovado na Câmara dos Deputados e que será agora apreciado, está sendo - e esse debate é extremamente importante, extremamente relevante, devemos aprofundar essa discussão -, altera diversos pontos sobre a questão dos agrotóxicos, como experimentação, produção, embalagem, transporte, comercialização, propaganda comercial, destino final dos resíduos, registro, classificação e fiscalização dos agrotóxicos e seus componentes, potencializando ainda mais a sua utilização em larga escala. Os agrotóxicos são substâncias utilizadas para o chamado controle de "pragas, doenças e ervas daninhas" - coloco aqui entre aspas - nesse modelo dominante de agricultura convencional e agroquímica, mas os seus potenciais maléficos à saúde humana e ao meio ambiente estão cada vez mais ressaltados, estudados e comprovados. Além de tudo, oneram de maneira significativa os custos da produção agropecuária. Nisso também os dados são muito claros e evidentes. Quando a Câmara dos Deputados aprova projeto de lei que facilita ainda mais a liberação e registro de agrotóxicos, a justificativa utilizada foi para que dê maior celeridade e segurança ao setor produtivo. O Ministério da Agricultura fica com mais poder, praticamente centralizando as decisões e tirando da Anvisa a competência de realizar reavaliação toxicológica e ambiental desses produtos e do Ibama a decisão final sobre produtos potencialmente danosos à saúde humana e ao meio ambiente. |
| R | No nosso entendimento, se este processo avançar como veio, da forma como está, da Câmara dos Deputados, no Senado, será, na realidade, um verdadeiro desastre do ponto de vista ambiental e de saúde pública, permitindo que mais agrotóxicos cheguem à mesa dos brasileiros além de promover um completo desmonte da regulação desses produtos no país, claramente priorizando os interesse econômicos das transnacionais que produzem esses produtos, pondo em risco a sociedade, com repercussões extremamente negativas de curto, médio e longo prazos tanto para as gerações atuais quanto para as futuras. Com relação ao uso dos herbicidas, dos inseticidas, dos fungicidas, como aqui também já foi falado, o glifosato é um exemplo interessante, porque já foi declarado como potencialmente cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisas em Câncer e ainda é o agrotóxico mais utilizado no país. Já o segundo herbicida mais utilizado no Brasil, a atrazina, aplicada na cultura do milho, é proibida na União Europeia e em outros países desde 2004, por estar associada a doenças como Parkinson, câncer de ovário e próstata e infertilidade. Já o paraquat é um caso bastante à parte, digamos assim. Ele chegou a ser um dos agrotóxicos mais utilizados no Brasil, mas foi proibido pela Anvisa em 2020, após ser associado a casos de Parkinson e câncer. Neste ano, a Associação Brasileira dos Produtores de Soja, a Aprosoja, porém, solicitou a liberação "emergencial", entre aspas, do produto e a revisão da decisão da Anvisa. Com o argumento de modernização, o referido PL retira a vedação ao registro de produtos que causam o câncer constante na legislação atual. O projeto de lei também propõe mudar o nome de "agrotóxicos", o que também, no nosso entendimento, é o mais correto, para "pesticidas", "defensivos agrícolas" ou "produtos fitossanitários", minimizando ou retirando o perigo e os cuidados permanentes que se deve ter com esses produtos. Visa também liberar ou propõe liberar licenças temporárias. A análise de riscos, nos moldes preconizados pelo referido PL, irá permitir o registro de produtos, hoje proibidos no Brasil em função do perigo que representam, sempre que o risco for considerado aceitável. Essa discussão também é polêmica, pois, no nosso entendimento, risco aceitável à saúde pública e ao meio ambiente parece-me um equívoco. Além disso, desvaloriza todo o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, que coleta alimentos nas redes atacadistas e varejistas para verificar os níveis de agrotóxicos presentes nos alimentos consumidos pela população. Esses dados têm sido monitorados, evidenciando contaminação em larga escala e em índices bastante elevados nos diferentes produtos que a população consome. O monitoramento que vem sendo usado como justificativa é demorado e não garante proteção. O caminho, no nosso entendimento, correto é justamente o contrário do previsto na nova proposta de lei, ou seja, liberar cada vez menos. Vale destacar que o PL 1.459 visa desmontar o já frágil aparato regulatório brasileiro, diminuindo a importância das medidas de proteção à saúde e ao meio ambiente no processo de registro e de fiscalização do uso de agrotóxicos em nome de uma suposta desburocratização e da produção de alimentos mais seguros. |
| R | Em contraposição a esse PL, temos várias instituições de pesquisa com uma posição contrária, como a Fiocruz, o Inca; sociedades científicas, como o SBPC, a Abrasco, a ABA Agroecologia; órgãos técnicos das áreas de saúde e do ambiente, como a Anvisa, a Conass, Conasems, Ibama; órgãos do Judiciário, como o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, a Defensoria Pública da União; e órgãos de controle social, como o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Segurança Alimentar, Fórum Nacional (e estaduais) de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e a sociedade civil organizada, que tem discutido, de maneira bastante clara, esse processo do uso indiscriminado de agrotóxico no Brasil. Esse posicionamento está reunido numa publicação com 25 notas técnicas contrárias ao PL. Muito bem. Agora a pergunta que fica: nós utilizamos agrotóxicos porque ele é necessário. Como nós levantamos? Existe uma matriz tecnológica agropecuária, porém é possível termos alternativa? É possível. Em contraposição ao PL 1.459, a adoção de políticas públicas, no nosso entendimento, de fomento à produção agroecológica e orgânica, de sistemas biodiversos, integrados, sustentáveis poderá viabilizar a transição para um modelo de agricultura mais sustentável, democrático e mais justo, que respeite o meio ambiente, produzindo alimentos mais saudáveis e com a consequente redução dos agrotóxicos. É consequência dessa matriz tecnológica. Essa redução está intrinsecamente associada a um modelo de agricultura e de desenvolvimento territorial, que respeite a vida, a natureza e o ser humano, no qual a produção e o acesso à alimentação seja um direito e não apenas uma mercadoria, como parece que tem sido no último período; um modelo de agricultura e de desenvolvimento rural que possibilite o acesso à terra e à distribuição de renda; um modelo de agricultura que produza alimento sem veneno e que não contamine o meio ambiente e as pessoas - rural e urbano -; um modelo de agricultura que defenda a vida em todas as suas dimensões. Aqui já foi falado por outros colegas: o planeta Terra é um sistema que tem um intercâmbio, tem um processo integrado, que nós precisamos respeitar. Nós precisamos trabalhar a agricultura e olhar a natureza como aliada e não como inimiga. Um modelo de agricultura que efetivamente garanta a soberania alimentar, não apenas a segurança alimentar, e respeite suas comunidades antigas autóctones, tradicionais, as populações indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, agricultores familiares e assentados da reforma agrária, entre outros. Esse projeto de lei que institui, que vai nessa direção, é o Projeto de Lei 1.459, exatamente, que institui a chamada Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, a chamada Pnara, e também o PL 3.668, de 2021, o chamado PL dos bioinsumos, o qual pretende ampliar o debate e acelerar o estabelecimento do marco jurídico da produção de bioinsumos, regulando não apenas a sua produção, por meio do manejo biológico, mas também todo o seu ciclo produtivo, que inclui: produção, importação, exportação, comercialização e uso de bioinsumos na produção agropecuária nacional. Esses PLs avançam nesta direção. Que direção? De uma matriz tecnológica mais sustentável. Parece-me que este é um debate fundamental, porque a lógica dos agrotóxicos é parte integrante dessa matriz tecnológica. |
| R | Eu não vou, evidentemente, aprofundar a discussão desse outro PL, o PL 1.459, que é, na realidade... Perdão, o PL 3.668, cuja discussão aponta para uma perspectiva de uma agricultura mais sustentável. Quero aqui levantar, então, mais alguns aspectos antes da minha finalização. Queria abordar, rapidamente, que nós falamos aqui em pesquisa, em agricultura, em desenvolvimento, em agropecuária, que estão intrinsecamente associados à ciência e tecnologia. E eu falo aqui como pesquisador da Embrapa. Insisto que não estou falando em nome da Embrapa; falo em nome Sinpaf, mas como pesquisador da Embrapa há 27 anos. Um aspecto fundamental, quando nós discutimos as perspectivas de ciência, tecnologia e pesquisa agropecuária para o desenvolvimento do nosso país, é que a construção desse conhecimento, a geração de tecnologia e inovação, sua adaptação, bem como sua utilização e sua apropriação decorrem de um processo histórico de desenvolvimento e de inserção das forças políticas, econômicas, sociais e culturais existentes na sociedade, como está sendo debatido nesta Casa de leis. Ou seja, a ciência, como muitas vezes se apregoa, não é um ente abstrato, puro e independente, mas sim uma construção que é consequência do vetor de interação dessas forças da sociedade. Com isso, a ciência não tem neutralidade, o seu caráter não é exatamente universal, bem como uma apropriação distinta pelos diferentes segmentos da sociedade não condiz com essa realidade. Aliado a isso, o desenvolvimento da ciência e tecnologia no Brasil, incluindo, eu diria, a Embrapa - e por isso que eu a cito neste debate -, apesar da sua inegável importância, sempre teve uma forte conotação tecnológica, esquecendo-se das dimensões sociais, culturais, econômicas, ambientais, éticas e históricas. Ao mesmo tempo, a ciência e tecnologia adquiriram, no Brasil, um viés extremamente elitista, autoritário, no entendimento de que, em virtude de seu caráter pretensamente universal e imparcial, têm sempre as melhores respostas para oferecer à sociedade. Isso não é necessariamente verdade, uma vez que existem outras formas de conhecimento válido, além do conhecimento científico. Em contraposição a esse modelo excludente, busca-se a construção de um outro modelo de desenvolvimento democrático, participativo e trabalhado a partir dos interesses da sociedade e não apenas do mercado. Com isso, é fundamental ir além do crescimento econômico e viabilizar o desenvolvimento econômico baseado na distribuição de renda, na diminuição das desigualdades sociais e regionais do nosso país, na geração de postos de trabalho, na soberania alimentar e na preservação ambiental, com participação, nas decisões, pelos diferentes segmentos da sociedade e controle social. Nesse sentido, eu queria finalizar - porque me parece bastante relevante, uma vez que a Embrapa tem um papel importante na discussão da pesquisa agropecuária, do avanço da agropecuária brasileira, assim como outras instituições, evidentemente, de pesquisa, de ciência e tecnologia, assim como as universidades - ressaltando que nós entendemos que a Embrapa, apesar das suas contradições, continua sendo a maior empresa de pesquisa agropecuária do país e uma das mais importantes do mundo; é um patrimônio do povo brasileiro, sem dúvida. Entretanto, no cenário atual de desmonte generalizado das empresas de serviços públicos e os recorrentes cortes orçamentários, sua sobrevivência está ameaçada, ameaçando, evidentemente, o desenvolvimento das pesquisas na agropecuária brasileira. Diante disso, dessa situação emergencial, é que a direção do Sinpaf assumiu o compromisso público de mobilizar comunidade interna e externa, inclusive aqui, no Parlamento, para defender a Embrapa por meio de uma campanha nacional, e essa campanha está ancorada em três valores fundamentais que definem o foco da empresa que nós acreditamos que deva ocorrer: pública, democrática e inclusiva. |
| R | Pública, porque a Embrapa é estratégica para o país, para a nossa biodiversidade, para buscar o desenvolvimento da agropecuária com equilíbrio ambiental e para a nossa soberania alimentar, o que não será feito por empresa privada. Democrática, porque nossa empresa tem uma estrutura verticalizada e autoritária, priorizando o controle em lugar de um ambiente mais cooperativo. Além disso, vivemos num momento em que a democracia no país está ameaçada em todas as suas dimensões, e nossa empresa já sente os efeitos desse cenário aumentando esse controle e a burocracia, a falta de transparência e gerando um ambiente interno hostil à criação, tão necessário para a pesquisa, a inovação e a participação tanto interna quanto dos segmentos externos demandantes da pesquisa agropecuária pública. E inclusiva, porque precisamos aumentar nossa atuação em segmentos extremamente importantes do nosso país, mas pouco valorizados para a soberania alimentar e para a preservação ambiental. Estamos nos referindo aqui aos quase 4,4 milhões de agricultores familiares, comunidades tradicionais, assentados da reforma agrária, quilombolas, ribeirinhos, comunidades indígenas, entre outros. Essa campanha tem exatamente esse papel de fazer o debate e levantar proposições que caminhem no sentido de termos, efetivamente, uma empresa pública, democrática e inclusiva que se volte efetivamente aos direitos do povo brasileiro. Esse é o nosso desafio. Eu queria finalizar agora... O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Por favor. O SR. MÁRIO URCHEI (Por videoconferência.) - ... fazendo umas considerações finais de que nós entendemos que este debate sobre o PL em questão, sobre os agrotóxicos, sobre a sua regulação, que é tão importante, deve ser, de fato, associado, integrado à discussão de uma nova matriz tecnológica mais equitativa, mais viável e mais sustentável. Nós entendemos que as duas questões são fundamentais. Eu gostaria de, aqui, para finalizar efetivamente, parabenizar mais uma vez o Senado, os Senadores e lhes agradecer por estarem abrindo este debate tão importante. Eu acho que é nesta discussão que se vai chegar a bom termo, que se vai avançar efetivamente. Gostaria de parabenizar também o público que está presente discutindo essas questões e também os trabalhadores de uma maneira geral e os da nossa empresa, a Embrapa, que têm, de fato, construído o arcabouço da pesquisa agropecuária brasileira, tão importante para um desenvolvimento territorial sustentável e equitativo. Muito obrigado mais uma vez. Para nós, é uma honra poder participar deste debate. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Pois não, Dr. Mário. Nós já falamos aqui sobre o relatório que a Embrapa nos passou com relação a esse projeto. Os outros não são o ponto de discussão aqui neste momento. Nós queremos discutir o nosso projeto. Agora, fugir do tema, realmente, atrasa a todos nós. |
| R | A Senadora Zenaide pediu a palavra há meia hora, e eu estou tentando dar a palavra a ela, mas o senhor fugiu do tema e agora a Senadora Zenaide não está mais conectada conosco. Nós tínhamos deliberado que iríamos ouvir todos os palestrantes, mas fugiram do tema e passamos até da hora. A gente tenta dar oportunidade para todos falarem o tempo que quiserem, mas dentro do tema, não fora do tema, porque aí não tem como. Vamos ficar o dia inteiro fazendo política aqui sobre distribuição de renda etc., que é importante, não há dúvida nenhuma, mas o nosso tema aqui é outro. O nosso tema aqui é o 1.459. Então, Deputado Neri Gueller, se quiser fazer a sua intervenção agora, até para dar uma... É que ouvimos tanta coisa aqui que... Vamos ouvi-lo, por favor. O SR. NERI GELLER (Bloco/PP - MT. Para expor.) - Bom dia a todos! Primeiro eu gostaria de cumprimentar e parabenizar o Presidente da Comissão pela forma como está conduzindo e contribuir de forma bem específica para o assunto que está em pauta. Não dá realmente para discutir esse tema completamente fora do contexto e fazer o debate ideológico. Falo aqui, Senador Acir, como alguém que conhece o tema, que estava, inclusive, no Governo passado e ajudou a consolidar para que esse assunto caminhasse. É um assunto que está há 22 anos já no Congresso Nacional. O autor dessa inicial foi o então Senador Blairo Maggi, em 1999, quando substituiu o Senador Jonas Pinheiro, à época Senador. O Blairo era suplente e fez esse primeiro projeto, inicial. Esse é um tema em relação ao qual dá para afirmar categoricamente: quem quiser discutir o assunto, leia o relatório que foi aprovado na Câmara Federal. Esse assunto se agravou, Senador Acir, em 2014, quando nós tivemos o problema sério da helicoverpa. Nós não tínhamos o benzoato liberado no Brasil para fazer o combate, principalmente no algodão, de uma praga que praticamente dizimou a agricultura do algodão naquele ano. E o benzoato era liberado em vários países, inclusive para fazer hortifrutigranjeiros, mas aqui no Brasil não se podia usar esse produto para fazer o combate em uma das culturas mais importantes economicamente falando, que gera emprego, renda e dá sustentação econômica para o Brasil. Isso avançou, nós conseguimos construir uma medida provisória, e aí é que se acentuou essa discussão para fazer uma mudança na legislação para que a gente pudesse... E o órgão, que é o Ministério da Agricultura, dizia assim: "Eu não!". Nós não estamos aqui discutindo para flexibilizar a legislação do ponto de vista de liberar produto, mas nós estamos aqui discutindo uma legislação que possa dar as condições para o poder público decidir. Não dá para aceitar, como o caso, na época... E aí eu quero reconhecer: a Ministra Gleisi, na época Ministra da Casa Civil, apoiou, e nós conseguimos liberar, por uma medida provisória, esse benzoato no Brasil, a aplicação desse produto, e conseguimos diminuir muito a questão do custo de produção e, principalmente, manter uma das atividades econômicas que é tão importante para a agricultura brasileira. E sem um dano ao meio ambiente. Pelo contrário, quando se traz um produto que está liberado, como estava liberado nos Estados Unidos, no Japão, na Austrália, para fazer hortifrutigranjeiro, quando se traz esse produto para dentro, diminui o impacto ambiental e diminui muito inclusive o risco para a saúde pública, porque você traz um produto que tem sim as condições de fazer o combate de forma equilibrada. |
| R | Dito isso, Sr. Senador, Presidente, eu acompanhei essa discussão. Em 2017, nós avançamos, eu era Secretário de Política Agrícola no Ministério da Agricultura, liderado pelo então Ministro Blairo Maggi e também pelo Sérgio De Marco, que era assessor especial do Ministério da Agricultura, mas uma pessoa que tem um vasto conhecimento: foi Presidente da Ampa, foi Presidente da Abrapa e conhece a agricultura tropical como poucos porque, além de tudo, é produtor. Nós fizemos então um grupo junto com a Frente Parlamentar da Agropecuária e fizemos viagem para a Austrália, para buscar as informações necessárias para que pudéssemos fazer uma legislação, primeiro, segura e, segundo, que desse segurança jurídica para liberar os produtos necessários para o país, com a segurança de termos os testes toxicológicos, acima de qualquer dúvida, incorporados em qualquer liberação e a questão ambiental também, dentro do mesmo guarda-chuva, numa legislação extremamente moderna, que pudesse, sim, trazer inclusive genéricos, que estão na fila hoje por seis, sete, oito anos e que nos vão dar as condições - esses produtos genéricos - de competir no mercado interno, com a indústria brasileira entrando de forma mais forte, saindo da dependência inclusive da indústria chinesa. Hoje, 80% do nosso produto defensivo agrícola está sendo importado, de fora para dentro, quando nós podemos diminuir isso de forma significativa, trazendo segurança na produção, redução de custo, mas principalmente, dentro do conceito que se discutiu há pouco, gerando emprego e renda para o povo brasileiro. Então, não dá para aceitar, realmente, com todo o respeito, que se faça uma discussão ideológica sobre esse assunto. Esse assunto nós discutimos na Câmara com a Casa Civil, discutimos com o Ministério da Saúde e discutimos com o Ibama inclusive, e tem o apoio do Governo Federal, do atual Governo Federal, mas tem sim na sua essência o apoio inclusive do Governo passado, porque essa discussão não pode ser ideológica, não pode ser política. Ela tem que ser tratada como uma discussão do Estado brasileiro, esse é o ponto. E, para isso avançar, nós precisamos efetivamente só fazer uma coisa: olhar o relatório que foi construído, olhar tecnicamente onde tem eventualmente qualquer posição que aumenta o risco da saúde pública ou que aumenta a questão da insegurança do ponto de vista ambiental. Pelo contrário, posso afirmar categoricamente que esse relatório traz o alimento seguro, traz muito mais segurança para a saúde pública e traz muito mais segurança na questão ambiental, e traz sim o que nós precisamos: menos burocracia, menos carimbo público, para que as coisas possam efetivamente andar. |
| R | O que vai se fazer nesse relatório, aprovado e virando lei? Nós vamos dar as condições para que as autoridades tenham a responsabilidade de liberar produtos que são seguros. Não dá mais para aceitar que o Brasil, que precisa avançar, que tem uma capacidade de recuperação econômica violenta, que o setor agrícola, que tanto ajuda na economia do Brasil, na geração de emprego, renda, fiquem dependentes muitas vezes de burocratas que não querem liberar produtos por, às vezes, interesses econômicos internacionais inclusive. Então, fico aqui, Presidente Acir. Parabéns pela condução nesse tema. Eu conheço esse assunto porque realmente me envolvi em 2013, já como Secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, que fez toda a reestruturação do crédito agrícola, depois como Ministro da Agricultura e depois novamente como Secretário de Política Agrícola. E ajudei a conduzir lá na Câmara esse tema porque é importante. Ele vai economizar bilhões de reais para a economia do Brasil; ele vai gerar emprego e renda para as pessoas e vai trazer segurança. Então, acho que nesse assunto não tem mais que fazer debate ideológico. Estou falando isso como alguém que participou do Governo passado, como alguém que reconhece no Governo passado os avanços que nós tivemos na agricultura. É importante frisar isso. Sou da base do Presidente Bolsonaro, mas participei do Governo passado e muitas coisas boas foram feitas. Entre elas, a medida provisória que liberou um produto emergencialmente para combater uma das pragas que mais prejudicou o algodão na última década. E agora nós precisamos resolver definitivamente esse problema. E esse problema vai se resolver, do ponto de vista de segurança, aprovando-se esse relatório. Ele não tem absolutamente nada que prejudique o meio ambiente ou que crie problema na questão de saúde pública. Pelo contrário, ele só vai dinamizar para liberar moléculas mais modernas que se incorporam ao meio ambiente sem prejudicar o meio ambiente; traz segurança na questão dos testes toxicológicos porque, quando você traz moléculas novas, automaticamente você tira o que é mais ultrapassado e coloca algo em substituição a isso, economicamente falando, mas alinhado com a questão da saúde pública. Então, Presidente, mais uma vez, quero agradecer pela oportunidade de estar aqui no Senado discutindo esse tema e chamar a responsabilidade a todos os Senadores para que a gente possa aprovar essa matéria com a máxima urgência. Faz 23 anos que está se discutindo. Dizer aqui que esse debate não foi aberto para a sociedade, dizer que esse debate aqui tem que ser postergado é dizer que quer segurar realmente a economia do Brasil. Então, Presidente, obrigado. E eu gostaria mais uma vez de dar o testemunho. Quem discutir esse assunto precisa se ater ao relatório, conforme V. Exa. colocou aqui. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Muito obrigado, Deputado sempre Ministro, nosso colega Neri Geller, que prestou e presta um trabalho importante para a agricultura brasileira. Eu indago novamente. A Senadora não está no chat. Então, passamos a palavra à Dra. Naiara Bittencourt para fazer as suas colocações. Mais uma vez, Dra. Naiara, agradeço a sua presença junto conosco. A SRA. NAIARA BITTENCOURT (Para expor.) - Muitíssimo obrigada, Senador Presidente Acir e demais Senadores que estiveram aqui presentes: o Senador Paulo Rocha; a Senadora Zenaide, que estava presente de forma online; o Deputado Ministro Neri Geller e os outros Deputados Federais que também passaram por aqui. Eu dou bom dia a todas e todos. Gostaria de - não sei se já dá para apresentar - trazer aqui algumas dimensões. Eu sou advogada, trabalho em uma organização de direitos humanos, integro a Articulação Nacional de Agroecologia e estou presente também fazendo assessoria jurídica para comunidades tradicionais, agricultores familiares, além de trabalhar com direito socioambiental há oito anos. Então, é um pouco nesse espaço que venho trazer algumas das discussões que nós temos travado no âmbito jurídico. O Dr. Leomar trouxe aqui e garanto que o Dr. Paulo também vai trazer alguns aspectos jurídicos. |
| R | Antes de começar, eu gostaria realmente de saudar esse espaço democrático, a importância de a gente fazer essas audiências públicas aqui no Senado, que é uma Casa de bastante respeito, uma Casa estável, com Senadores que têm um debate técnico bastante acirrado e a qualidade dessa mesa também demonstrou que nós estamos pensando esse debate de uma forma qualificada. Aí também um apelo para que, de fato, a gente possa discutir outros âmbitos desse projeto, que impacta a legislação brasileira, todo o regime de agrotóxicos no Brasil, mas também impacta os diversos âmbitos da saúde, do meio ambiente, da sociobiodiversidade. Então, que a gente possa também ouvir os especialistas e técnicos de saúde e meio ambiente também em outras Comissões para que esse debate também seja robustecido tecnicamente em outras áreas. Aqui nós priorizamos o debate na agricultura, assim como é de competência da Comissão, obviamente. Acho que foi citada aqui também pelo Senador Presidente Acir a posição da Embrapa, mas também foram citadas pelo Dr. Mário - são mais recentes - todas as notas técnicas. Reforço que não são notas ideológicas, são posições bastante robustas e cientificamente fundamentadas de várias instituições importantíssimas no nosso cenário brasileiro. A gente pode citar, por exemplo, a Fundação Oswaldo Cruz, que teve um papel importantíssimo agora no combate e promoção das vacinas na pandemia de covid; o Instituto Nacional de Câncer; a Associação Brasileira de Agroecologia; a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia - ou seja, várias sociedades médicas também de bastante respeito em relação à saúde -; a SBPC, que é uma sociedade bastante importante no progresso da ciência e tem se posicionado em todos os temas relevantes que impactam a sociedade brasileira. Mas também alguns órgãos e instituições do sistema de Justiça, sobre os quais eu queria me debruçar um pouco mais nessa apresentação de hoje, como: a Defensoria Pública da União (DPU); o Ministério Público do Trabalho - o Dr. Leomar está aqui presente -; o Conselho Nacional de Direitos Humanos; o Ministério Público Federal; o Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos; a Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor; o Conselho Nacional de Saúde; enfim, e outras instituições extremamente relevantes que se posicionaram com notas técnicas bastante robustas a respeito dessa matéria e que também devem ser incorporadas nesse debate público. Opa! Não está bom... Puxa, a apresentação deve ter desconfigurado. Mas aqui eu gostaria de ressaltar algumas inconstitucionalidades que já são apontadas por essas instituições do sistema de Justiça a respeito desse projeto de lei, já com base no substitutivo apresentado pelo Deputado Federal Nishimori, lá, em 2018, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados Federal, e que traz alguns apontamentos. Esse debate foi trazido lá, e a gente tem um sério risco de insegurança jurídica ao dimensionar essas inconstitucionalidades que podem estar nesse projeto e que podem ser, sim, fruto de análise no Supremo Tribunal Federal. Como exemplo, podemos citar o próprio art. 170, que trata da ordem econômica, mas trata da ordem econômica a partir de um viés do desenvolvimento sustentável, do impacto ambiental e da saúde da população brasileira; o direito à saúde; os artigos que tratam do meio ambiente, como é especialmente o art. 225 da Constituição, mas também da preservação dos modos de vida da população brasileira, os modos de fazer, de viver, de criar dos povos, por exemplo. |
| R | O art. 240, §2º, como já foi dito, da nossa Constituição, traz o termo agrotóxicos a essa Lei de Agrotóxicos. O atual regime jurídico é posterior à Constituição, um ano posterior à Constituição, ou seja, ele já está de acordo com um sistema normativo propagado pelo que a gente chama de uma Constituição Cidadã, com debate público bastante acirrado do agronegócio, de organizações que defendem o direito ao meio ambiente, de agricultores familiares, etc. A nossa legislação hoje talvez precise de aprimoramentos, mas talvez não esses que são trazidos por esse projeto de lei. De fato, esse projeto de lei está tramitando há 20 anos - Senador, de fato, isso é verdade -, mas o texto que chega hoje ao Senado é muito diferente; na verdade, é um texto completamente diferente daquele que foi proposto pelo Senador Blairo Maggi. A gente está tratando de outro objeto aqui, mudou muito. Foi debatido na Câmara, e este Senado talvez possa fazer algumas adaptações e observações em relação a esse novo texto, que está sendo debatido, que é o substitutivo do Deputado Nishimori, aprovado na Comissão Especial da Câmara Federal. Dando continuidade aos exemplos, podemos citar, especialmente, o direito à alimentação, que está garantido, por uma emenda constitucional, como um direito social na nossa Constituição, no art. 6º. Tudo isso pode ser... Então, esse projeto de lei traz algumas dimensões que podem ser consideradas inconstitucionais. Primeira questão: a mudança do termo "agrotóxico" para "pesticida". Essa nomenclatura está presente, sim, como eu já disse, na Constituição Federal, ou seja, é o termo que já é cunhado desde 1988 e, cientificamente, fundamentado antes disso - já foi dito aqui também. E, aí, por um projeto de lei, por uma lei infraconstitucional, vai se mudar o nome que está estabelecido na nossa Carta Magna, que é a Carta Constitucional. A gente pode pensar que há um vício de competência, inclusive, legislativa, porque a alteração de uma nomenclatura constitucional deveria passar por uma emenda constitucional, por exemplo. Esse é um tema que pode ser considerado aqui. Um outro tema se refere ao direito à saúde, especialmente com uma colisão com o art. 196, da Constituição Federal, e com a nossa lei que garante um Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e que instaura o Sistema Único de Saúde também. A Constituição inaugura o Sistema Único de Saúde dessa forma como nós conhecemos, respeitável, e traz uma série de competências também ao SUS para tratamento, por exemplo, de populações intoxicadas com agrotóxicos. Como o projeto de lei pode violar o direito à saúde? Pode violar quando ele veda a autorização de produtos a riscos inaceitáveis. Isso já foi dito aqui nesta manhã. Esse conceito de risco inaceitável é um conceito vago, é um conceito inseguro juridicamente. No fim das contas, quem vai decidir sobre o que é esse risco inaceitável pode ser o Poder Judiciário. Como é hoje? Como é hoje na Lei de Agrotóxicos? Hoje, a lei proíbe o registro de qualquer produto que cause câncer, que tenha características teratogênicas, carcinogênicas, mutagênicas, distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor, ou seja, a gente tem uma lei hoje que é muito taxativa em relação aos produtos que não podem ser liberados. Esse novo marco legal, como está sendo proposto, gera essa insegurança jurídica justamente porque flexibiliza - sim, podemos usar esta palavra "flexibiliza" -, porque o conceito de risco inaceitável ainda é muito vago, ainda é muito aberto e traz, sim, insegurança jurídica ao setor. |
| R | E se um produto aprovado, depois de um tempo, for considerado de risco inaceitável? O que fazer com esse produto liberado? E o que fazer com esses produtores que compraram esse produto, o qual depois o Judiciário pode afirmar que era, sim, de risco inaceitável? Quem vai decidir sobre isso? Isso gera insegurança jurídica, sim, e deve ser apreciado com muito cuidado pelos Senadores desta Casa. Outra violação é o direito à saúde, em relação ao menor poder que se dá à Agência Nacional de Vigilância Sanitária. E há uma nota técnica da Anvisa inclusive, que está aí considerada; uma nota técnica da Fundação Oswaldo Cruz; uma nota técnica do Instituto Nacional do Câncer, que trata justamente de como é uma violação ao direito à saúde, ao dar menores poderes à Anvisa do que os que ela tem hoje, num projeto, alterando essa competência, que hoje é elogiada, é inspiração no mundo todo, que é a possibilidade de registro de agrotóxicos a partir da competência tripartite, ou seja, que os órgãos da saúde, do meio ambiente e da agricultura tenham peso igual. É assim que ocorre hoje. Isso é bastante elogiado no mundo todo. Por que nós vamos mudar algo que é reconhecido mundialmente, que tem dado certo, que é a capacidade de igual peso, saúde, meio ambiente e agricultura? É assim que propaga a nossa Constituição. Não há maior peso ao setor econômico na nossa Constituição. Na nossa Constituição, o direito à saúde, à alimentação, ao meio ambiente estão em equilíbrio com o poder econômico, com o desenvolvimento econômico brasileiro. Isso deve ser considerado. Também há uma inconstitucionalidade que fere o direito à saúde quando a gente fala em registro temporário. A gente tem que lembrar que hoje existe já, no Brasil, um Registro Especial Temporário. Como é que funciona hoje o Registro Especial Temporário? É para fins de estudo. Então é óbvio que esse registro vai ser temporário, porque esse produto está sendo analisado. Mas o que é que esse novo projeto de lei propaga? A existência de um registro temporário para além do Registro Especial Temporário, ou seja, esse registro temporário autoriza, por exemplo, que um produto agrotóxico autorizado em três países da OCDE, que é uma organização de caráter econômico - não é uma organização que debate direito à saúde, por exemplo; a OCDE debate economia -, seja autorizado aqui com o registro temporário, um registro automático. Isso é muito grave. A gente está deixando, o Estado brasileiro, de operar nos produtos que serão aplicados aqui no Brasil e delegando essa tarefa para outros produtos. E aí eu queria reforçar que a gente tem dois pesos e duas medidas, porque os produtos que são banidos ou não autorizados em três países da OCDE deveriam também não ser autorizados aqui, ou seja, a gente tem uma possibilidade de autorização, mas não tem uma possibilidade de vedação. No que se refere também à delimitação desses prazos rápidos, de fato, aqui eu gostaria de ressaltar que não é alterando esse modelo tripartite, que traz a saúde, o meio ambiente e a agricultura com igual peso, que a gente vai ter uma celeridade na aprovação desses produtos. A gente tem que robustecer os fiscais, as equipes dos Ministérios da Saúde, da Agricultura e do Meio Ambiente que estão fazendo essas liberações para autorizar os produtos que sejam talvez mais seguros. A questão é: os produtos velhos, esses dos quais se tem dito muito que não servem mais à agricultura brasileira, continuam no mercado, porque o projeto de lei não trata, por exemplo, da existência de uma reavaliação periódica dos produtos. Nos Estados Unidos, por exemplo, os produtos devem ser reavaliados a cada 15 anos automaticamente, como são os medicamentos, por exemplo, aqui no Brasil. Esses produtos passam por uma reavaliação automática. Aqui no Brasil não, ou seja, além das novas moléculas de que tanto tem se falado, esses produtos velhos continuam no mercado. E não tem nada nesse projeto de lei que modernize nesse sentido de tirar essas velhas moléculas do mercado. Elas continuam operando com as novas, as velhas, todas juntas, sem qualquer alteração. É nesse sentido que o projeto, que uma alteração na Lei de Agrotóxicos hoje deveria operar. |
| R | Uma outra violação ao direito à saúde e também ao direito dos trabalhadores aqui no Brasil é que os produtos que serão fabricados no Brasil, mas que não serão aplicados no Brasil, ou seja, aqueles produtos destinados somente à exportação, seriam dispensados de registro. Mas esses produtos continuam sendo fabricados aqui. Como é que fica a saúde dos trabalhadores que fabricam esses produtos? Como é que fica o destino dos resíduos desses produtos nas nossas águas, no meio ambiente? Como é que eles não vão ser registrados? Hoje existe o registro desses produtos, eles não passam pela análise de eficácia agronômica, é verdade, porque eles não vão ser aplicados aqui, mas passam pelo estudo de análise toxicológica e pelo estudo de impacto ambiental, dos impactos de risco ao meio ambiente. Ou seja, como é que um produto que vai ser fabricado aqui no Brasil vai ter dispensa de registro? Como é que fica a saúde desses trabalhadores? Isso pode ser facilmente questionado e é absolutamente inconstitucional, com todo o respeito. Eu queria reforçar que a gente tem uma série de protocolos, acordos, instrumentos, leis nacionais, que tratam sobre o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Já falei do art. 225 da Constituição, mas a gente tem uma Política Nacional do Meio Ambiente, que estabelece todo um sistema normativo do Conselho Nacional de Meio Ambiente, o Sistema de Fiscalização e Controle. A gente adotou o Princípio 15, que é o princípio da precaução, na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente. A gente é signatário do Protocolo de Kyoto, da Convenção sobre a Diversidade Biológica e do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, o que significa que a gente, no nosso sistema jurídico, fala muito do princípio da precaução e muito do princípio da prevenção. Parece-me... Na verdade não só me parece, mas todas essas organizações e instituições que têm se manifestado tecnicamente sobre o tema têm entendido que alguns dispositivos desse projeto de lei, sim, violam esses vários acordos e tratados e, inclusive, colidem com leis nacionais que já estão bastante estabelecidas no Brasil. E como é que ferem? Estou dando alguns exemplos bem práticos do PL. Primeiro, novamente, essa autorização temporária desses produtos que foram autorizados ou liberados em outros países da OCDE. Isso não passaria, esses produtos não passariam por licenciamento, análise de risco, estudos aqui nesse território. Fala-se muito também da especificidade do território brasileiro, que é diferente de outros países. Tudo bem, pode ser, então, por isso, é preciso termos estudos e análises aqui; não podemos pegar estudos e análises emprestados de outros países sem fazer esses estudos aqui também. Isso não faz nenhum sentido. Também queria reforçar que, no último encontro das partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica, que aconteceu no Egito, em 2018, se adotou internacionalmente um Plano Nacional de Conservação de Polinizadores, que fala, expressamente, o que é preciso de medidas de controle em relação a agrotóxicos perigosos, por exemplo, aqueles que exterminam os polinizadores. Isso também está na nota da Associação Brasileira de Agroecologia. |
| R | Especialmente, queria dizer que tanto o Ibama, quanto a Anvisa, quanto a Fiocruz se posicionaram nessas notas técnicas, dizendo que esse projeto de lei traz uma prevalência do setor econômico frente ao meio ambiente. E aí eu queria indagar: tem sido muito falado que esse é um projeto de lei que traz uma lei do alimento seguro. Mas é uma lei do alimento seguro para quem? Para os consumidores eu acho que não é, nem para os produtores agricultores, que os utilizam sem veneno, os produtores agroecológicos, orgânicos. Então, não me parece ser exatamente, com todos esses vícios constitucionais e legais, um projeto de lei que propaga que quer um alimento seguro. Também é importante dizer que, nesse projeto de lei, o que deveria ser aperfeiçoado na nossa Lei de Agrotóxicos é uma gestão e mitigação de riscos ambientais, o que não se tem. A gente não tem. É uma questão de ausência. Está ausente, é uma lacuna nesse projeto de lei o que deveria ser aperfeiçoado sobre questão de gestão e mitigação de riscos ambientais. E aí eu queria... Desculpa por colocar aqui a jurisprudência, mas são só alguns entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que reconhecem e chancelam que a gente não pode retroagir em direitos socioambientais. A gente não pode voltar atrás. A gente tem que proteger o meio ambiente, tem que proteger a vida, tem que proteger a saúde. A gente tem que andar para a frente. Não se pode retroagir em matérias de direito socioambiental. Isso está num recurso especial do STJ, assinado, esse voto condutor, esse relatório condutor, pelo Ministro Herman Benjamin, que justamente fala que é proibido o retrocesso socioambiental. E aí, também, dois precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal, que tratam, por exemplo, dos agrotóxicos e do amianto. Sobre o amianto, reconhecendo que era importante banir o amianto do cenário nacional, porque esse produto era reconhecidamente carcinogênico - e essa foi uma decisão bem emblemática do Supremo Tribunal Federal -, mas também reconhecendo que estados e municípios são competentes, sim, para legislar em matéria de saúde e meio ambiente e também de agrotóxicos. A gente viu também o STF reconhecer, e o Senado aqui também teve um papel muito importante na questão da pandemia da covid, o STF decidir que estados e municípios são, sim, competentes para legislar protegendo a vida e protegendo a saúde de uma forma mais protetiva. E há também alguns outros acordos que são bastante esquecidos aqui no cenário nacional, mas dos quais o Brasil é signatário: Convenção Internacional sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Estocagem e Uso de Armas Químicas; Convenção sobre Procedimento de Consentimento Prévio Informado para o Comércio Internacional de Certas Substâncias Químicas e Agrotóxicos Perigosos. E é importante a gente também ter esses instrumentos internacionais sob o risco de colidir e fragilizar o nosso sistema normativo, que deve estar num todo. Ele é uma cadeia. Aí também a violação a possível direito ao trabalho sadio. Já falei um pouco sobre a dispensa do registro de agrotóxicos, mas também recordando que o Brasil é signatário e ratificou a Convenção nº 155, da Organização Internacional do Trabalho, bem como a Convenção nº 170, da Organização Internacional do Trabalho, que fala justamente da necessidade de garantir um ambiente de trabalho seguro para os trabalhadores que manuseiam agrotóxicos, tanto na sua fabricação quanto no seu uso e aplicação, que são expostos a esses produtos. Ou seja, o Brasil deve evitar esses riscos e deles se prevenir. E o direito à informação. Por exemplo, a associação do Ministério Público que trata dos direitos do consumidor já também identificou o direito à informação como uma mudança de nome, especialmente para as populações analfabetas, aquelas populações com baixa escolaridade que já se acostumaram com o termo agrotóxico. Como já foi dito aqui também, o "tóxico" menciona que esse produto é perigoso e que ele não deve ser manuseado de uma forma simples. Isso é uma questão de direito à informação. |
| R | E, também aí, uma outra questão - e desculpem eu me alongar, mas, de fato, são vários pontos aqui que merecem atenção por parte desta Casa -, que é, especialmente, a possibilidade de reavaliação dos produtos ou de cancelamento de um registro do produto. Hoje, entidades da sociedade civil - está escrito na Lei de Agrotóxicos, hoje - que sejam constituídas para a defesa dos interesses do meio ambiente, do consumidor, dos recursos nacionais, até os partidos políticos, entidades de classe, como é o Crea, por exemplo, que representa os engenheiros agrônomos, podem requerer o cancelamento do registro de um produto. Isso vai passar por uma análise, vai passar por uma avaliação dos órgãos de saúde, de meio ambiente, de agricultura, vai passar por uma reavaliação. O projeto restringe essa participação da sociedade civil, restringe a possibilidade de pedido de cancelamento do registro de um produto a avisos de órgãos internacionais. Ou seja, a gente tem, na declaração da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente, a Rio-92, bem estabelecido que a sociedade civil deve e pode e deve ter abertura para opinar em qualquer tema relacionado ao meio ambiente, à biodiversidade brasileira. Como um projeto de lei vai na contramão, restringindo a possibilidade de entidades da sociedade civil cancelarem o registro de agrotóxicos? E isso vai passar por um processo de reavaliação. Aí, eu indago novamente. A gente não tem possibilidade de reavaliação periódica de produtos. Fala-se muito das novas moléculas. E das velhas? Se a gente vai impedir a possibilidade de pedido de cancelamento de registros, essas velhas moléculas vão continuar no mercado ainda mais; a gente vai restringir ainda mais essa participação. Ou seja, de fato, esse projeto de lei está modernizando ou ele está restringindo? Aqui, eu já mencionei, não vou falar... Mas especialmente também já falei um pouco dos precedentes e da posição do Supremo Tribunal Federal em relação à competência supletiva da legislação de estados e municípios em relação aos agrotóxicos. Hoje, a Lei de Agrotóxicos, de 1989, é bastante explícita em relação a essa possibilidade, mas o projeto de lei também pode trazer uma insegurança jurídica em relação a leis estaduais e municipais, porque ele traz uma menção nova, que é a necessidade de uma comprovação científica de parte de estados e municípios para legislarem sobre esse tema. Só que eu pergunto: como a Câmara Municipal de uma pequena cidade vai fazer uma análise científica robusta ali, naquele município? Quem vai decidir sobre isso? O Poder Judiciário. E a gente vai ter um embate muito grande sobre isso. Hoje, já se tem bem estabelecido pelo Supremo, em debate dentro do Poder Judiciário. Isso gera insegurança jurídica ao setor; isso gera insegurança jurídica ao agronegócio; gera insegurança aos estados e municípios; isso gera insegurança jurídica. A gente não pode flexibilizar algo que está bem sedimentado na Lei de Agrotóxicos, de 1989. E outra questão que é bem grave, a meu ver, é em relação à omissão a propagandas de agrotóxicos. A gente tem isso como um artigo constitucional, de que a propaganda de agrotóxicos deve ser regulada. Está na nossa Constituição, está na Lei de Agrotóxicos, a Lei n°7.802, de 1989. Está lá expressa a regulação da propaganda de agrotóxicos, que são, sim, produtos perigosos, são produtos que devem ser manuseados com cuidado, são produtos que causam risco à saúde, ao meio ambiente, à vida. E como é que agora esse projeto de lei simplesmente se omite e não trata mais da propaganda de agrotóxicos? Ainda que a gente tenha uma lei própria sobre isso, a lacuna legislativa sobre esse tema é muito grave. Isso, sim, é um retrocesso, e a gente deve olhar com bastante cuidado, especialmente os Senadores, que eu sei que estão analisando com bastante capacidade técnica e cuidado essa matéria. Por fim, eu vou mencionar que nós tivemos, em 2019, na 45ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, um relatório do relator de resíduos tóxicos da ONU. Ele esteve aqui no Brasil no final de dois 2019, visitou inclusive a Câmara Federal, e recomenda no seu relatório, que foi apresentado nessa 45ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que o Brasil desenvolva planos com prazo para reduzir urgentemente o uso e a exposição de agrotóxicos e produtos químicos industriais tóxicos e que abandone propostas legislativas de desregulamentação, incluindo o pacote do veneno, e que incorpore uma abordagem baseada em perigos para pesticidas na lei. |
| R | Essa é uma tradução livre, mas está em inglês, e esse relatório está absolutamente disponível para toda a população brasileira, assim como está também o relatório do relator de direito à alimentação, que também faz o mesmo alerta ao Brasil. Então, eu reforço aqui a necessidade de uma política nacional de redução de agrotóxicos, que não me parece radical. Ela simplesmente traz mecanismos para que a gente vá gradualmente diminuindo, como eu entendi também que essa é a preocupação do setor aqui. Ninguém gostaria de usar agrotóxico, se quer diminuir os usos de produtos. Então, que a gente possa, de fato, pensar em políticas educativas, políticas públicas de fomento à agroecologia e produção orgânica, a produtos que não causem dano à saúde e ao meio ambiente e que a gente possa, de fato, avançar nesses termos de uma política nacional de redução de agrotóxicos. Muito obrigada, Senador Acir. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Muito obrigado e meus cumprimentos, Doutora. A senhora foi aos pontos importantes da lei e não saiu do tema. Muito obrigado. Quando é assim, o horário, o tempo é sempre limitado. Meus cumprimentos. Passo a palavra agora, ao Dr. Paulo Amaral, advogado e engenheiro agrônomo consultor da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa). O SR. PAULO AMARAL (Para expor.) - Bom dia a todos os Senadores e demais autoridades presentes e virtualmente. Agradeço ao Senador Acir a oportunidade de representar os agricultores que estão nessa fronteira agrícola, produzindo emprego e divisas para este país. Esse é um tema que envolve muitos aspectos técnicos. Então, para dar opinião, é importante que conheça o que está sendo tratado. E me foi pedido para tratar do aspecto legal, constitucional, inclusive, do projeto de lei. Mas, pelo que foi falado, pelo que eu ouvi aqui, no meio do caminho, eu vou tratar não do aspecto legal, mas o aspecto técnico do tema eu acho que é importante. E conforme o Senador Heinze falou, é importante que leiam o projeto de lei. Muito do que foi afirmado, que eu acabei de ouvir aqui, não está escrito lá, ou, então, quem leu, como, às vezes, não está familiarizado com os temas, interpreta-o de uma forma equivocada. |
| R | Então, eu vou seguir. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Pois não. Fique à vontade. O SR. PAULO AMARAL - Bom, eu faço uma introdução ao PL, o que tem sido questionado e as nossas considerações sobre o tema. Constitucionalidade. Aí eu faço uma regressão no tempo, ao Projeto de Lei do Senado de 1999. Ele veio para a Câmara dos Deputados, quando foi criada a Comissão Especial, em 2016. A nota técnica mencionada, do Ministério Público, era de 2018, ainda no âmbito da Comissão Especial. A Comissão oficial fez um substitutivo enorme e apensou vários projetos de lei, muitos projetos de lei. Algumas matérias foram incorporadas, outras não. Essa nota técnica de 2018 não trata de quase nada do substitutivo. Muita coisa foi omissa. O substitutivo, depois da Câmara dos Deputados, foi entregue ao Senado; e, agora em fevereiro, a última nota consultiva do Senado omite capítulos do substitutivo e se refere a temas... Opa, o que eu fiz de errado aqui? (Pausa.) Bom, os eixos do PL envolvem aspectos técnicos, como eu falei, administrativos, penais, fiscalização; importância das inovações; múltiplos fornecedores - fornecedores nacionais, além dos fornecedores estrangeiros de quem nós somos dependentes; gerenciamento dos riscos ocupacionais, ambientais e alimentares; medidas administrativas, coordenação - a palavra coordenação causou polêmica; nós vamos tratar bem dela aqui -; sistema de informação e controle; e penas severas. É uma demanda da sociedade para que haja, além de um controle de fiscalização, uma sanção à fabricação, ao comércio e ao uso irregular desses produtos. Por fim, o PL traz transparência, traz previsibilidade: sabe-se qual é a regra; é a análise do perigo ou a análise do risco? Já houve um juiz federal que decidiu que se aplica a análise do risco, porque a própria gasolina é perigosa, e a gasolina é permitida. Quem gera emprego e renda não pode ficar dependendo do bom ou do mau humor de um outro. A regra tem que ser clara. E a base científica, que é a análise de risco. A decisão de fazer análise de risco é a decisão de aplicar a ciência. É uma análise científica do risco. Do contrário, não executar uma análise científica é negar a ciência. Competências da União. A Lei 7.802 tem lá quatro pontos que eu sintetizei: legislar, controlar, analisar e controlar. O que o novo PL traz? Legislar, controlar, análise de risco e controlar. Então, a competência da União, de forma geral, tripartida, é mantida. A União, por meio dos órgãos federais competentes, prestará o apoio necessário às ações de controle e fiscalização, às unidades da Federação. Esse é um instrumento novo. O sistema unificado de controle vai dar informações para os órgãos estaduais ou até mesmo municipais. Ele tem instrumentos, tem informações que fazem com eficiência o controle, a regulamentação do tema, lá na ponta, condições essas que hoje eles não têm. Competências técnicas. |
| R | A Lei 8.702 não define um órgão federal competente. Isso é trazido pelo Decreto 4.074. Somente as leis que tratam da competência da Anvisa e do Ibama trazem competências gerais de qualidade ambiental, de medicamentos, de domínio sanitário etc., inclusive, de agrotóxicos. Aqui, deixa de ser uma atribuição da Presidência, reitera as competências de cada órgão e estabelece procedimentos para tratar da saúde humana, do meio ambiente e da agricultura quanto ao registro de pesticidas e produtos para controle ambiental. Então, agora, é dada a segurança, que não depende mais de um regulamento, não depende mais de uma autoridade. O Parlamento estabeleceu a segurança de quem é competente para isso ou para aquilo. Ainda como introdução, hoje, atualmente, são três os órgãos tripartites. Cada um faz a sua análise. Um faz de um grupo, outro faz de outro grupo, e o Ministério da Agricultura fica esperando um grupo ou outro. Acaba que um chega, o outro não chega, e o registro não sai. No futuro, quanto aos três órgãos, será mantida a competência tripartite unitária de cada órgão. Quem fez a leitura não leu direito ou está trazendo desinformação. O Ministério da Agricultura fica como coordenador do sistema informatizado de registro, disponível e acessado pelos três órgãos. Sem aprovação da Anvisa e do Ibama, o registro não será concedido. Não existe essa hipótese no projeto de lei, de tanto que é importante. Eu trouxe nos eslaides a competência dos órgãos, e nós vamos ver os equívocos, alguns dos equívocos do parecer que induzem a erro de opinião. Considerações sobre os pontos de inconstitucionalidade discutidos: agrotóxico e pesticida, a troca do nome; a eliminação dos critérios de proibição baseados no perigo pelos riscos; a modificação do trâmite, podendo o Ibama apenas avaliar homologações, perdendo o poder de regulamentação - eu ouvi isso, inclusive hoje, algumas vezes aqui -; o registro temporário; e também a questão de competências, se estão retiradas as competências dos estados e municípios. São esses os temas tópicos de que me foi pedido tratar. Bom, primeiro, o nome. A alteração está em consonância com o que é utilizado em outros países. O Brasil é a única nação que usa agro + tóxicos. Do ponto de vista jurídico, a alteração é permitida. Realmente, o art. 220 da Constituição fala a palavra "agrotóxico" quando trata da publicidade de agrotóxicos e de outros produtos perigosos. Não pode haver uma norma que trate o agrotóxico com outra palavra? Sendo assim, essa lei de 1996 é inconstitucional, porque ela trata da publicidade, inclusive, dos agrotóxicos, e, na sua redação, está "defensivos agrícolas". Então, é uma incoerência a afirmação. Não se está mudando termo nenhum da Constituição. Está-se trazendo racionalidade ao tema. Outro aspecto. Ponto dois: sobre o nome. Na verdade, a alteração vai fazer justiça. Nós acabamos de ouvir algumas estatísticas de intoxicações. É injusto. Na lei de 1989, o Legislativo não foi coerente para determinar o que é agro + tóxico. |
| R | O que é um agrotóxico para a lei de 1989? Processos físicos [...] no setor de produção [... ] de produtos agrícolas [florestas], nas pastagens, [...]. Esses em amarelo são da agricultura. Os em azul, florestas nativas. Outros ecossistemas, que estão ali, não têm nada a ver com agricultura. O que são os outros ecossistemas? São produtos registrados pelo Ibama. O Ibama registra agrotóxicos. Onde se usam os outros ecossistemas? Ao longo de ferrovia, rodovia, oleoduto, linha de transmissão, usina hidrelétrica... Os hídricos, aquelas algas que se acumulam na frente das turbinas, como é que as usinas controlam? Com agrotóxicos registrados pelo Ibama. Não têm nada a ver com agricultura. E, por fim, ambientes urbanos e industriais. Que agrotóxicos são esses? Existe algum agrotóxico de ambiente industrial registrado? Não existe. Esses produtos hoje... Este aqui é um trecho do último parecer. A menção do projeto de lei é que esses produtos de domínio sanitário e de uso urbano, já são já são regulados pela lei de 76. Então o entendimento de que exclui da Lei dos Agrotóxicos, os produtos [...] são atualmente considerados agrotóxicos. Não são considerados agrotóxicos. Não tem nenhum registrado como agrotóxico. Isso aí é uma incoerência. Deixa ver se aqui eu explico. A lei tem que ser clara, objetiva e coerente. Quando a lei não é clara, objetiva e coerente, ela traz injustiça. Que injustiças você está trazendo, Paulo? Vamos para as estatísticas. Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de população exposta a agrotóxicos: onde intoxicações diversas acontecem, com todos os produtos químicos, todos; generalizado. Este aqui é um dado que é muito utilizado. Está aqui, de 2007 a 2015. Agrotóxico e saúde pública. Como assim? O agricultor está cuidando da saúde pública com o produto dele? Não, são produtos de campanha de saúde pública, de combate a dengue e etc. Produto veterinário. É um produto químico, que às vezes é até a mesma molécula do defensivo agrícola, do pesticida, mas é de uso veterinário. Agrotóxico doméstico. Agrotóxico agrícola e raticida. Não existe um raticida registrado pelos três órgãos, tripartite: Ministério da Agricultura, Anvisa e Ibama. Os raticidas são autorizados pela Anvisa, por aquela lei de 76, mas o fato de estar lá, o legislador ter colocado lá "de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso [...] em ambientes urbanos, hídricos e industriais [..]". A estatística põe raticida, intoxicação por raticida como agrotóxico. Está lá: intoxicação por agrotóxicos. Efetivamente, intoxicação com atividade agrícola representa menos de 50%. Imputa-se um passivo para a atividade agrícola que não é de responsabilidade dela. Ah, Paulo, mas é só... Aí o argumento: mas isso está na lei. É produto de uso urbano. Generaliza! Olha lá. Ambientes urbanos, hídricos e industriais. Os outros todos, que não têm nada a ver... Então além de alterar o nome, a lei modifica também essa divisão. Não se pode mais cometer essa injustiça. Pesticidas. Aquilo que é de uso na agricultura. Produtos de controle ambiental. Aqueles registrados, que se vai usar na usina hidrelétrica, vai ao longo da rodovia... E lembra, só lembra, não modifica, não exclui que não são - não era e não são - e continuam sendo regidos pela lei de 76 normalmente. Na verdade, busca-se fazer uma justiça. Essa estatística anterior que tem aqui, é injusto esse passivo na agricultura. |
| R | Então, além da alteração do nome "pesticida", que adotam na nomenclatura... Tira-se o erro, porque "agro" se relaciona a atividade agrícola, não a atividade urbana, industrial, ou outras que não têm nada a ver com agricultura. O pesticida se encaixa nesse sentido também de fazer justiça. Essa estatística que nós estamos acostumados a ouvir, nem 50% dos ditos "produtos químicos agrotóxicos" são de uso do trabalhador do campo. Raticida é marcante. Raticida é aquele chumbinho muito contrabandeado, inclusive... Suicídio - nós ouvimos a palavra suicídio mais cedo -, ele é utilizado em suicídio, porque ele mata mesmo, não é para manejo de praga, ele é para matar, mas está na estatística. Então, quando se vê a estatística de mortalidade, de suicídio e agrotóxico, lembrem-se: mais de 50% não são de agrotóxico. É injusto isso. É um passivo. Estão jogando em nome do agricultor, porque, em paralelo, isso não é inconstitucionalidade, isso é fazer justiça. Bom, a nomenclatura muda nesse sentido. Análise de risco. Agora há pouco falaram: "Então, o art. 220 fala a palavra 'agrotóxico'". Pois não. O art. 225 fala do risco. "Então, seria obrigatório aplicar o risco?". Se for pela redação original de um trecho da Constituição, então, desde a Constituição de 1988, incube ao poder público controlar as substâncias que comportem risco. Olha, você só pode controlar o risco se você souber qual é o risco. Então, você tem que fazer a análise de risco para chegar a esse parâmetro. A Lei 7.802, segundo alguns, é somente análise de perigo. Mudar esse entendimento é um retrocesso, como acabamos de ouvir. Mas a decisão de proibir sem fazer uma análise científica... Eu entendo assim, se o Ibama não vai fazer uma análise, não está se aplicando a ciência. O decreto, de 2002 - olha a insegurança jurídica, qual é a regra que vale? O Parlamento precisa decidir isso - falou que, até 2002, os órgãos tinham que estabelecer análise de risco. Poucas iniciativas foram tomadas. Em 2019, agora, o Ibama já aplica a RDC 294, a análise toxicológica, com base no risco. O Ibama também, anteriormente, já com os polinizadores, começou a fazer análise de risco dos polinizadores. Precisa fazer para os outros organismos, saber se aquele produto, conforme o uso, o local, a forma de aplicação, expressa-se no risco ou não. O Decreto 10.833 também incorpora a avaliação de risco. Essas normas são inconstitucionais? Estão aí vigentes; o decreto, desde 2002. O que quer a diferença disso? Vou dar o exemplo do botox. É um dos produtos mais mortais do mundo. Um colega me passou a informação de que 28g desse produto é capaz de matar cem milhões de pessoas, metade da população do país - 28g - mas, mesmo assim, ele é utilizado na pele das pessoas para terapêutica, subcutâneo. Quer dizer, o perigo só não quer dizer se o produto pode ser utilizado ou não. A forma é que vai autorizar. Só com a ciência aplicando a ciência é que você vai determinar os limites, o que é permitido, o que não é permitido. |
| R | O rigor científico do PL exige a inclusão de mais etapas. Não é subtração, mas soma. A análise de risco é muito mais complicada, demanda mais estudos das empresas, demanda mais corpo técnico dos órgãos. Não é simplificar, mas complicar, vamos dizer assim, fazendo o antônimo aí. E os órgãos precisam de estrutura para isso. As empresas vão apresentar mais informações, etc. Bom, competências da União. A questão da coordenação evita o retrabalho. A proposta descreve os órgãos registrantes e a coordenação de processo de registro e reanálise do risco. Acabamos de ter a informação de que houve uma decisão da Anvisa recente, agora, de que está proibindo determinado produto. Aí eu indago: qual a opção que está sendo dada ao agricultor? Existe um substituto? Quem são os fornecedores do substituto? Quantos são? A que preço vai chegar? Qual a diferença toxicológica, ambiental e agronômica de cada um deles? Então, é preciso ter uma coordenação dessas decisões tripartites. Aí a nota técnica, que se refere a tantas outras notas técnicas anteriores a 2018. Ela fala que o Ibama e a Anvisa poderão apenas avaliar ou homologar... É por isso que eu trago o texto do projeto de lei. "Apenas". Está aqui. Saúde: estabelecer exigência, analisar..." Cadê o "apenas" aqui? "Analisar e, quando couber, homologar..." Meio ambiente: estabelecer e analisar... O Dr. Leomar, que me antecedeu, na sua fala eu acho que é preciso um pouco mais de atenção. Você falou que só o Mapa faria a análise de risco. Olha lá: os dois órgãos estabelecem exigência e esses dois órgãos analisam e homologam. Essa palavra "homologar" parece que causa um desconforto. Mas está ali "homologar". Se a gente for ver a nossa origem, Portugal, a língua portuguesa... Em Portugal, tratando dessa norma, eles usam a palavra "homologar" lá. Não vi nenhum membro da Comunidade Europeia questionando: "ah, Portugal está homologando produto!" É isso. Também dentro de uma dessas últimas notas técnicas: há previsão de que se estabeleça Sistema Unificado de Informação, a ser coordenado pelo órgão federal de agricultura. Exclui-se novamente a participação da Anvisa e do Ibama. Coordenador exclui a parte técnica. Isso é muito importante. Como está? O Mapa fica instituído como coordenador do Sistema de Informação. O TCU analisou esse tema no ano passado. Ele fez algumas recomendações: promovam a designação da entidade coordenadora. O projeto de lei, o substitutivo, é anterior ao TCU, à manifestação do TCU. Ele iria trazer inteligência à necessidade e à demanda do setor, que foi confirmada com a autoridade do TCU. O arcabouço legal se relaciona à organização da coordenação. O órgão federal da agricultura é o coordenador para tratar... Também... Outro tema de que trata a coordenação onde se imputa, ao que não faz a leitura técnica, às vezes até jurídica. A Lei do Processo Administrativo federal, Lei 9.784, de 1989, foi alterada no ano passado. A vigência é a partir de setembro, com novo art. 49. O que essa lei trouxe? |
| R | Eu trouxe um trecho dela aí. Para o fim [...], considera-se de ação coordenada a instância de natureza interinstitucional que atua de forma compartilhada com a finalidade de simplificar o processo administrativo mediante a participação concomitante de todos os atuais agentes decisórios [...] A decisão coordenada não exclui... Ele traz a necessidade da decisão coordenada. Já é lei federal, e os órgãos já estão aplicando, então o substitutivo não inova nada hoje - é que se demorou a aprová-lo, ainda está demorando! Mas hoje já é lei, já é necessária, por lei, a coordenação do processo administrativo federal. É o que o substitutivo faz! A inteligência do substitutivo lá atrás, a demanda... Essa alteração no processo administrativo federal foi aqui na CCJ do Senado, e tem trechos do relatório que são muito importantes. Vou trazer alguns deles. (Pausa.) A Senadora Simone Tebet foi Relatora na CCJ desse projeto de lei aprovado por unanimidade. Eu trago trechos do relatório dela. (Pausa.) Está aqui, decisão coordenada. A redação da CCJ: A finalidade da modificação é trazer maior celeridade aos trâmites administrativos federais, em especial quando a decisão dependa da manifestação de vontade de diversas instituições do poder público [olhem a nossa necessidade já, vigente no país!]. [...] Trata-se de reconhecer a crescente complexidade do conceito de interesse público, o que passa a exigir uma constante coordenação dos órgãos e entidades intervenientes no processo administrativo. Encontra-se afinado com o mais moderno processo administrativo mundial. É redação da CCJ deste Senado, e alguns dizem que é inconstitucional! Olhem aqui: também se diz que a decisão coordenada irá efetivar o comando do art. 5º da Constituição Federal. Competência dos estados. Muitos são os casos... Realmente, tem muitos casos, não é com o advento da lei que se vai resolver ou que se vão criar conflitos legislativos municipais e estaduais em relação ao federal e à decisão administrativa também das agências federais. Quem assessora associação de produtores convive com isso rotineiramente: sempre tem a iniciativa de um Vereador ou de um Deputado complicando a vida, dando insegurança à vida daqueles que estão lá seguindo as normas do Governo Federal. E são apresentadas restrições sem justificativa técnica e científica alguma, simplesmente por decisão política. Evitar decisões contraditórias: por isso é que está inserido no substitutivo que foi trazido. Pode legislar supletivamente? Sim, desde que haja um motivo, um fundamento - teoria dos motivos determinantes, que também está no art. 37 da Constituição Federal -, bem como fiscalizar o consumo. O caráter suplementar... Espera-se que aqueles entes menores que estão lá na ponta... Inclusive, eles, que estão lá na ponta, é que sabem, é que têm muito mais condições do que Brasília de saber, lá na ponta, as características e particularidades, mas que o façam com racionalidade e dentro da ciência, e não venham contrariar o município vizinho, o estado ou então a União sem justificativa. |
| R | Vamos lá. Eu também trago trechos de decisões do Supremo. Não se pode banir produtos analisados em três órgãos federais, de livre distribuição no comércio internacional. Dias Toffoli, Ministro atual: “... exige-se ......... ampare-se em peculiaridade específica......... A imperiosidade da existência de um fator de discrímen...”, que lá ele faça diferente do que o Governo Federal analisou e decidiu tecnicamente e, por exemplo, a vontade política de decidir que é análise de risco. É uma Federação, uma norma tem que ser uniforme para todo o país, a não ser que haja particularidades exclusivamente. ... na ausência de indicação, de forma cristalina", redação do Dias Toffoli, "[...] em evidente desacordo com a Constituição...". É isto que o substitutivo traz, segurança jurídica e não conflito jurídico. Ele racionaliza o procedimento, pois os estados utilizarão os dados existentes... Aqui, se tem uma informação, as informações que ficam trancadas dentro dos armários em Brasília vão estar disponíveis para os estados, informações imensas, de características toxicológicas, ambientais, a produção e a importação, o que está sendo... É uma demanda da sociedade. O PL então, esse sistema, os três órgãos federais e também os órgãos estaduais, eles vão estar interligados, não vão estar desordenados, um vai encaixar com o outro e trazer racionalidade ao processo, não flexibilidade: racionalidade. E, conforme palavras da Senadora Simone Tebet, governança, a coordenação dos órgãos. Autorização e registro temporário. Novamente aí é um tema que invoca análise técnica. Ele aplica métodos de comparação entre os resultados apresentados por outras agências reguladoras para auxílio. O Ministério da Agricultura não vai aprovar sem a manifestação prévia, igualmente ao dos outros registros comuns, produto técnico, formulário, sem a manifestação técnica dos outros órgãos, mesmo no registro temporário. Lembram lá, os órgãos vão definir quais as exigências técnicas e fazer as análises. O Ministério da Agricultura é que publica no Diário Oficial o final, o último ato. O que nós temos de registro temporário? Esse registro já é previsto na legislação desde 2020. Estão surpresos? Pois é, o art. 11 da RDC n° 294/2000/Anvisa: "o resultado da avaliação toxicológica de um produto técnico, avaliado por uma autoridade que tenha similaridade de medidas e controles em relação aos requisitos de avaliação toxicológica do Brasil, pode ser utilizado para auxiliar na avaliação toxicológica para fins de registro destes produtos no Brasil...”. Só que, racionalmente, anteriormente, a Anvisa aplica isso para os produtos inéditos, tentando diminuir a fila dos novos produtos, mas não tem sentido ficar só nisso, nem que seja numa situação excepcional de mora administrativa. Toda a estruturação que está sendo feita aqui no substitutivo, por isso que esse substitutivo mudou demais, é grande, traz também processos administrativos, fomento da atividade de pesquisa, educação, instrumentação de recursos humanos dos órgãos. Esse registro temporário, na verdade, é o registro da analogia, como a própria RDC da Anvisa cita, é uma recomendação da FAO para os países em desenvolvimento, desde 2015, que já aplicam registro por analogia. O produto já está registrado em países referência que têm similaridade agronômica, geográfica, com todos os parâmetros geográficos, que utilizam os dados desse país. |
| R | Isso no PL está como uma medida excepcional. Igualmente aconteceu em 2103. Foi aquela medida excepcional, mas foi já correndo. O produto estava registrado em 72 países. Não, não pode, não pode, não pode. Aí, veio a medida provisória, veio o decreto e, em paralelo, o registro comum correu nos órgãos e foi aprovado. Demonstrou-se que o sistema tecnicamente é viável também. Agora recentemente nós tivemos a história da covid. Estamos tendo ainda, estamos aí de máscara. O STF acolheu um entendimento semelhante. A existência de registro de medicamentos em renomadas agências, como a norte-americana, autoriza o uso aqui no Brasil. Se fizer um paralelo, é o mesmo raciocínio. Vamos dizer que a Europa é negligente, que vai autorizar um produto lá, ou os Estados Unidos. Então, fica esse instrumento no projeto de lei. Devem possuir registros com especificações idênticas nos três países... E ainda outras características: que têm acordos sanitários, etc. Conclusão, mas aqui a modernização adota a ciência. Em síntese, adota a ciência, a análise científica é adotar a ciência. Garantir a proteção ao meio ambiente. Proporciona previsibilidade e transparência. A quantidade de informações geradas e que vão ser disponibilizadas para os poderes de fiscalização e controle, combatendo a desinformação. Isso é importante tanto tratar aqui no PL e depois no dia a dia da agricultura. E eu trago aqui mais outro tema. Eu falei que eu poderia expandir um pouco. O Sistema Unificado de Cadastro e de Utilização. Deverão ser cadastrados. Olha o rigor, isso não é flexibilizar. Os agricultores usuários, prestadoras de serviços para terceiros na aplicação... Então, o agricultor vai estar cadastrado. O Governo Federal, estadual ou municipal vai saber quem vai estar cadastrado e quem pode usar, quem não vai poder usar. E vai mais adiante ainda. Identificação do aplicador. Isso não é flexibilizar. Isso é racionalizar, é controle da fiscalização. Pena, sanção: na lei de 1989, de dois a quatro anos. O rigor apresentado: produzir... Acho que meu dedo é meio grande aqui. Eu estava lá adiante. |
| R | Bom, então, eu estava na lei de 1989. A maior pena de dois a quatro anos. Inclusive, agora, contendo uma infração é muito comum aplicar a lei de crimes ambientais, que dá uma sanção maior do que essa. O que o substitutivo traz? Produzir, utilizar, comercializar, e tal, registrados ou não, três a nove anos, com possibilidade de agravamento. Isso é sério, isso não é flexibilizar não. No setor produtivo, os produtores que eu represento não questionaram essa sanção, porque eles agem corretamente. Isso não é flexibilizar. É flexibilizar aumentar a pena em duas, três, quatro, cinco vezes? Com um controle de quem está comprando, para onde está indo, de onde está vindo e porque não foi? Isso não é flexibilizar. É uma demanda da sociedade. Então, novamente, leiam o projeto de lei ou, então, numa dúvida, consultem a Abrapa, a Aprosoja. Nós podemos auxiliar a interpretar, a tomar uma decisão correta e entender o projeto de lei. Eu acho que é essa mensagem que eu preparei e estou aqui aberto para esclarecer alguma coisa a mais. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Muito obrigado, Dr. Paulo, pelas suas explanações, também direto ao ponto. Nós temos algumas perguntas dos internautas, que eu passo a ler e já tratando do assunto. Paulo Roberto, do Rio de Janeiro: "Quais os estudos [...] sobre o impacto da flexibilização [...] das regras para [...] agrotóxico no meio ambiente?" Olha, Paulo Roberto, não há flexibilização para o registro. Ponto, essa é a questão. O Heitor Orlandini, de São Paulo: "O PL 1.459 facilitará o uso de [...] agrotóxicos muito mais perigosos. Teremos alimentos ou veneno em nossas mesas? Não facilitará o uso, pelo contrário, ficará mais rígida a autorização. A probabilidade de não aprovação é maior do que é hoje, então, não há essa preocupação. A Vanessa Fernanda, do Paraná: Até que ponto essa flexibilização pode [...] [afetar] a saúde da população? Vanessa, não há nenhuma flexibilização, pelo contrário, o rigor aumentará, então, não há essa preocupação. O Iuran Mello, do DF: Como é o processo de aprovação de um agrotóxico? É o seguinte: a Anvisa, o Ibama e o Mapa é que fazem essa flexibilização. Nós temos outras perguntas aqui, que eu vou abrir amanhã. Amanhã nós teremos outra audiência pública e eu vou abrir com as perguntas da Anna Beatriz, da Paraíba; da Mônica Koepke, de Santa Catarina; da Neuza Maria, da Bahia; da Clea de Oliveira, do Rio de Janeiro; da Mila Monteiro, do DF; e do José Ivo, do Maranhão. Nós vamos abrir com as perguntas para que os nossos expositores possam, em suas exposições, já discutir e responder. Amanhã nós teremos como convidados a Dra. Thuanne Braúlio Hennig, pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina em avaliação de risco e toxidade de agrotóxicos no solo; Dra. Karen Friedrich, pesquisadora com doutorado em saúde pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fiocruz, com ênfase em toxicologia e saúde, representando a Abrasco; Dr. José Otávio Machado Menten Presidente do Conselho Científico Agro Sustentável; Dra. Marina Lacôrte,representante do Greenpeace Brasil; Dr. Rafael Rioja Arantes, representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor; e Dr. Reginaldo Minaré, Diretor Técnico da CNA. Esses são os convidados para amanhã. |
| R | Vamos, então, Pedro, amanhã fazer essas perguntas, mesmo essas que eu coloquei aqui, antes da abertura, que é para as pessoas poderem respondê-las. Com a palavra, pela ordem, a Senadora Eliziane Gama. A SRA. ELIZIANE GAMA (Bloco Parlamentar União Cristã/CIDADANIA - MA. Pela ordem. Por videoconferência.) - Boa tarde, Presidente. Eu estou entrando aqui sem vídeo... O SR. PRESIDENTE (Izalci Lucas. Bloco Parlamentar Juntos pelo Brasil/PSDB - DF) - Pois não. A SRA. ELIZIANE GAMA (Bloco Parlamentar União Cristã/CIDADANIA - MA. Por videoconferência.) - ... porque eu estou numa dificuldade, com uma internet aqui precária. Não estou no país, Presidente, mas gostaria, na verdade, de fazer aqui algumas perguntas aos convidados. Está bom, Presidente? Quero cumprimentar, na verdade (Falha no áudio.) ... é importante, conversamos sobre isso, inclusive, naquela sessão em que houve a definição dessas audiências; elas são, de fato, fundamentais para termos o aprofundamento do debate. Infelizmente, por não estar no Brasil, não pude participar presencialmente desta audiência, mas queria deixar aqui três perguntas aos convidados para que eles realmente possam nos responder antes da finalização desta audiência. De acordo com a legislação vigente, nós temos três entidades federais que devem atuar nesse processo: o Mapa, portanto, aí o Ministério da Agricultura, quanto à eficiência agronômica, a Anvisa, quanto ao impacto na saúde, e o Ibama, quanto aos impactos ao meio ambiente. Nos termos do Projeto de Lei 1.459, de 2022, Ibama e Anvisa poderão apenas avaliar ou homologar avaliações, perdendo o poder de regulamentação, que ficará aí restrito ao Ministério da Agricultura. Eu pergunto aos senhores: o que isso vai representar, do ponto de vista da centralização, da avaliação e da aprovação do Ministério da Agricultura, quanto a essa centralização? A minha segunda pergunta. O projeto poderá flexibilizar o registro de produtos que hoje são proibidos no Brasil devido ao perigo que representam. E eu pergunto aos senhores: quais os riscos que essa flexibilização poderá acarretar ao meio ambiente? Com os critérios estabelecidos pela proposição, poderá acarretar aí uma certa banalização da expressão "risco" que, na verdade, é uma das expressões que sempre constam quando se trata da preocupação em relação ao uso de produtos agrotóxicos, podendo afirmar que essa flexibilização tem potencial para possibilitar a legalização do uso de agrotóxicos no Brasil com significativa periculosidade para a saúde humana. Então, eu queria que os senhores também discorressem um pouco sobre isso. Minha última pergunta. Segundo nota técnica do Ibama, estão ausentes nas definições apresentadas pelas proposições os fundamentos de gerenciamento de risco, como mitigação e controle. Nós pudemos, então, afirmar que ocorre a prevalência do interesse econômico ou político sobre os aspectos relativos à segurança, portanto na área da saúde e também na área do meio ambiente, o que é claramente uma contradição ao que está prescrito aí na nossa Constituição Federal, ou seja, a parte econômica sobrepondo a parte ambiental e a parte da saúde. Poderíamos dizer que essa é uma afirmação verdadeira? |
| R | Então, eu queria que os colegas aí discorressem sobre essas minhas três observações. E, mais uma vez aqui, Presidente, deixo registrada a nossa ausência, estamos em missão fora do país. Procurei aqui uma internet melhor para poder participar, mesmo sem vídeo, mas os meus cumprimentos aí pela importância da audiência pública. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Muito obrigado, Senadora Eliziane. Nós sabemos da importância dessa missão. Desejo bom trabalho a V. Exa. e aos demais Senadores que estão junto com V. Exa. Vamos fazer o seguinte: vamos fazer uma última rodada, respondendo a essas perguntas e já fazendo as considerações finais. Então passo a palavra ao Dr. Caio e depois à Dra. Naiara, na sequência, para responder à Senadora Eliziane e já indo para as considerações finais. O SR. CAIO ANTONIO CARBONARI (Para expor.) - Bom, Senadora Eliziane, muito bom dia e muito obrigado pelas questões. Eu acho que um primeiro ponto, a questão do Mapa, Anvisa e Ibama, acho que ficou bastante claro nas discussões, e o texto final aprovado na Câmara, de fato, contempla e mantém a análise dos três órgãos, o Mapa, com a parte agronômica; a Anvisa, com a parte da saúde; e o Ibama, com a parte ambiental. Isso está preservado, isso deve ser preservado, e é fundamental que essa estrutura tripartite seja mantida. O que o PL traz de novidade é uma coordenação por parte do Mapa. Ele vai essencialmente secretariar o andamento do processo, que é algo muito diferente de tirar qualquer atribuição da Anvisa e do Ibama e é algo muito legítimo, porque é quem tem agronomicamente o papel de determinar o que é mais relevante e de organizar esse fluxo. Mas basicamente nós estamos falando de organizar esse fluxo, e não de tirar nenhuma atribuição da análise de saúde e da análise ambiental. De fato, se nós lermos o projeto que veio da Câmara, ele contempla exatamente dessa forma, inclusive com um sistema, que passa a ser, agora com o projeto de lei implementado, um avanço importante, não é? De novo, a lei de 1989 nasceu... Com a internet... Lá, em 1989, não se previa sequer um trâmite digital disso, não é? Tinha que ir com um caminhão de papel à Anvisa, um caminhão de papel ao Ibama, um caminhão ao Mapa, e cada um organizava o fluxo internamente. Havia um desencontro, o que acabava atrasando o processo. E aí nós estamos falando, de novo, de não flexibilizar nada, só de organizar a tramitação do processo, o que vai ao encontro da segunda questão apresentada. Nós não estamos, de forma nenhuma, criando estrutura de flexibilização na análise desses produtos. Os três órgãos mantêm as suas análises, com o respectivo rigor. O rigor é mantido. A questão é como o Dr. Paulo colocou: na verdade, acho que agrega complexidade na avaliação, agrega as ferramentas mais adequadas e mais atuais do ponto de vista científico, do ponto de vista técnico, ferramentas que não são novidades, que já foram incorporadas aos sistemas legislativos e regulatórios da grande maioria dos países desenvolvidos há quase 20 anos. E nós estamos, de fato, atrasados. De novo, passar para a análise de risco não é flexibilizar, não é facilitar, não é pior, não é mais fácil, não é mais difícil essa avaliação. Ela é mais correta do ponto de vista científico. |
| R | A evolução da ciência no sentido da análise desses produtos - e não pesticidas apenas, medicamentos e várias outras classes de compostos -, o mais correto é a análise de risco, o mais aceito pela comunidade científica internacional. Então, reforçando que não é flexibilizar, é fazer da forma mais correta e mais aceita, atualmente, do ponto de vista científico, do ponto de vista técnico. A questão do gerenciamento de risco é, de fato, algo extremamente importante e que passa a estar presente no PL, e não estava antes. A partir do momento em que a gente tem, obviamente, riscos envolvidos nesse processo, o PL deixa muito claro, ele conceitua, o que é risco, o que é análise de risco, o que é gestão de risco, gerenciamento de risco e aquela questão do risco inaceitável, que é absolutamente normal dentro de um processo de avaliação fundamentado em risco. Então, o gerenciamento de risco passa a estar presente, de fato, e explicitamente colocado ali no PL, exatamente para determinar as ferramentas que vão mitigar, que vão garantir o uso seguro desses produtos nas suas respectivas culturas e condições de uso. Então, eu acho que essas três questões estão muito bem endereçadas no projeto de lei apresentado. E como eu posso aproveitar, vou fazer as considerações finais, então, queria destacar alguns pontos. O que eu tinha anotado aqui é a questão do Mapa, Anvisa e Ibama. Está tendo uma confusão muito grande porque, se nós lermos o projeto de lei, está muito claro isso lá, realmente. A outra questão é que realmente nós precisamos ter um cuidado muito grande com a negação da ciência, porque nós vivemos, e essa questão, com a pandemia, ficou muito forte. Muita gente - assim como eu - foi muito crítica em relação à questão da negação da ciência. Nós estamos fazendo a mesma coisa quando estamos olhando aqui para esse processo, para as questões envolvidas com os defensivos agrícolas. A ciência tem respostas muito claras que não estão sendo consideradas. Eu vou aproveitar só um exemplo. Nós, lá no começo da pandemia, tínhamos alguns medicamentos que mostravam ou tinham indícios de serem promissores em termos de tratamento, evidências. Isso despertou uma série de estudos. Toda a comunidade científica começou a trabalhar em cima disso e, depois, constatou-se que não era eficaz. O paralelo que nós estamos fazendo aqui com o glifosato, por exemplo, é o mesmo. Houve um estudo, bastante contestado, que o apontou como potencialmente cancerígeno. Acende-se uma luz vermelha, trazemos um alerta para isso. Passou por reavaliação, por todo o critério científico, nos Estados Unidos, no Brasil, na Europa, uma bateria de testes, e se constatou, aí sim, com todo o rigor, que não é um produto cancerígeno. Isso é recente, nas últimas decisões, inclusive na Europa. Não é: foi concluído, não é um produto cancerígeno. Nós temos questões que também são levantadas de produtos que são proibidos fora e que são utilizados aqui. Isso também não é verdade. Há dados, por exemplo, de 40% de produtos banidos na Europa que são usados aqui. Não quer dizer que foram banidos. Vejam, primeiro, nós estamos traçando um paralelo só com a Europa. A Europa tem uma agricultura completamente diferente da agricultura brasileira, diferente em vários aspectos. Inclusive, não houve lá a evolução para sistemas conservacionistas que nós temos aqui. E nós não podemos olhar só a Europa, vamos olhar o mundo. Quando nós fazemos isso e olhamos para os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália, o Japão, a própria União Europeia e vários outros países desenvolvidos, com sistemas regulatórios e extremamente criteriosos, isso não existe. |
| R | Não tem produtos que são usados no Brasil que não são usados em outros países com sistemas regulatórios importantes no mundo. Existem pontualmente. Foi colocada a questão da atrazina, foi colocada a questão do paraquat, mas a gente poderia colocar outros. E até, aproveitando, Senador, só para esclarecer esse ponto também, sobre a atrazina, colocou-se muito a questão de saúde. Essencialmente, ela foi proibida na Europa por questão de contaminação do lençol freático, mobilidade no solo. E é um produto móvel num país ou em países que têm condições climáticas que dificultam a degradação, com um lençol freático mais superficial e que tinha constatação contínua de contaminação. Então, ele foi banido na Europa em função disso - banido na Europa; continua em uso no resto do mundo todo. Não é uma situação específica do Brasil. E nós temos, por exemplo, o paraquat, que foi banido na Europa e banido, recentemente, no Brasil. A Europa não usava paraquat, porque não é importante para a Europa. É muito importante para a soja, por exemplo, para nós, era um produto muito importante. Nós o banimos aqui, mas continua em uso na Argentina, nos Estados Unidos, em todos os países concorrentes do Brasil em termos de produção de soja, por exemplo. Mas está proibido aqui também. E tem casos contrários. O procloraz, por exemplo, um fungicida que a Anvisa baniu do Brasil já há alguns anos em função de problemas de saúde e que estava em uso na Europa até o ano passado, porque é importante para trigo. E lá eles postergaram, até onde deu, o uso desse produto. Então, é feita uma análise unilateral e muito distorcida dessa questão. Não tem sustentação. Quando nós olhamos... E tem um trabalho muito recente sobre que eu não vou entrar em detalhes, mas um trabalho muito profundo, mostrando que não existe isso. Nós temos produtos em uso no Brasil que são usados no mundo todo. Pontualmente em relação a um país ou outro, tem distorções, obviamente, porque não tem importância naquele país ou porque tem alguma situação específica naquele país. Então, eu queria ressaltar, reforçar isso. O Brasil, de novo, não tem ou não está, em nenhum aspecto, na contramão do mundo. Muito pelo contrário, dá para dizer, com absoluta tranquilidade, quando nós olhamos os dados, olhamos os fatos, que o Brasil faz um uso bastante racional desses produtos, embora todas as ações para que nós possamos caminhar para um uso ainda mais racional, com mais segurança sejam extremamente importantes. Há espaço para vários sistemas de produção numa agricultura da do tamanho do Brasil - agricultura orgânica, agroecologia -, tem espaço para todo mundo e é importante, como foi colocado em algumas falas, valorizar, fomentar isso. Ninguém é contra isso. Muito pelo contrário. Acho que tudo que nos permita caminhar aí para sistemas de produção com maior segurança, com maior sustentabilidade é sempre muito bem-vindo. O que não dá para imaginar é que nós vamos ter um sistema único e que nós vamos fugir - aí, sim, na contramão do mundo - do uso desses produtos com segurança. Eu acho que eram esses pontos. Eu gostaria de finalizar e só fazer um comentário. Mais uma vez, Senador Presidente, gostaria de agradecer o convite. É uma honra estar aqui nesta Comissão, participar deste debate e eu fico muito feliz e muito honrado. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Muito obrigado, Dr. Caio. Pela ordem, Senadora Eliziane Gama. A SRA. ELIZIANE GAMA (Bloco Parlamentar União Cristã/CIDADANIA - MA. Pela ordem. Por videoconferência.) - Eu queria, na verdade, cumprimentar aí os membros da mesa, mas, a título de informação, Presidente, eu recebi aqui uma informação de que amanhã esse projeto de lei poderia ser lido. |
| R | Eu queria que o senhor me confirmasse essa informação, se é verdadeira ou não, Presidente, porque amanhã é um dia absolutamente complexo. Estamos no período aí do São João, os Senadores da Região Nordeste brasileira não estão no Congresso Nacional. Então, eu acho que seria um dia absolutamente inadequado, considerando a ausência significativa dos Senadores. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Vamos avaliar, mas, a princípio, seria lido e concedida vista coletiva. Não há nenhuma preocupação em votação, Senadora Eliziane. Apenas deverá ser lido o relatório, a gente passa para uma vista coletiva e, na próxima semana, a gente avalia. A SRA. ELIZIANE GAMA (Bloco Parlamentar União Cristã/CIDADANIA - MA. Por videoconferência.) - Eu queria só deixar um apelo ao senhor, que tem sido uma pessoa muito... Aí, eu queria fazer esse registro: inclusive, o senhor foi uma das pessoas que assinou o pedido de audiência. Mas, se o senhor pudesse deixar para semana que vem, eu acho que seria um bom gesto, inclusive aos Senadores, porque acho que nos daria até um pouco mais de espaço para aprofundarmos o debate, Presidente. É claro que nos resta aí o pedido de vista, mas, se V. Exa. pudesse deixar para semana que vem, seria um bom atendimento a nós Parlamentares. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Muito bem. Amanhã, nós colocaremos em discussão também essa questão e decidiremos em conjunto; nada pela ordem do Presidente, ou sim, ou não. Pode ficar despreocupada que nada há de açodamento. Fique tranquila. A SRA. ELIZIANE GAMA (Bloco Parlamentar União Cristã/CIDADANIA - MA. Por videoconferência.) - Obrigada, Presidente. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Passo a palavra, agora, à Dra. Naiara Bittencourt para fazer as suas colocações, mais uma vez agradecendo a presença de V. Sa. junto conosco nesta Comissão. A SRA. NAIARA BITTENCOURT (Para expor. Por videoconferência.) - Eu que agradeço, Senador Presidente. Bom, algumas breves considerações. A primeira questão em relação a que, de fato, parece que nós estamos olhando projetos diferentes. Refiro-me a algumas posições aqui da mesa. Eu estou com o projeto de lei que está sendo debatido aqui, e, de fato, há uma redução considerável nas competências, especialmente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que é o órgão de saúde competente, em relação ao registro de agrotóxicos e análise toxicológica desses produtos. Então, a meu ver, sim, lendo aqui o projeto - acho que podemos até ler juntos -, há uma redução significativa dessas competências em relação ao órgão de saúde e meio ambiente em relação à nossa Lei de Agrotóxicos, de 89. Até gostaria que, realmente... Fiz o meu trabalho de casa, Dr. Paulo, li, tenho estudado esse projeto de lei atentamente, acompanhado há muitos e muitos anos, assim como outros colegas que aqui estão, certamente, e, de fato, esse projeto não traz essa mesma dimensão e patamar em relação aos Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente. Concordo que coordenar é uma coisa, mas, de fato, há uma redução de competências muito expressiva e singela em relação ao que está no projeto de lei aqui, esse que eu estou olhando, o que está disponível aqui na página da Comissão e que foi disponibilizado para todos nós. Bom, a segunda questão: registro temporário. Hoje, só existe o registro especial temporário. A autorização com países-membros da OCDE é algo novo, é inovador nesse de lei e deve ser analisado com muito cuidado. O que a RDC n° 294 da Anvisa traz é totalmente distinto. Uma questão é uma coisa; outra é outra. Então, a aprovação da OCDE é algo totalmente inovador nesse projeto de lei. A gente não tem isso no nosso ordenamento jurídico hoje. É algo novo. Esse PL não fala em similaridade agronômica... O senhor também terá o seu tempo de exposição certamente. Então, isso é algo extremamente novo nesse projeto de lei e extremamente preocupante, diferente do que a gente tem nas resoluções da Anvisa, ou seja, registro temporário não existe; o que existe hoje é registro especial temporário, e são figuras jurídicas distintas. |
| R | A outra questão: falou-se muito na vacina ou em emergências fitossanitárias. Vacina em tempos de pandemia em que todos nós estávamos correndo graves riscos à saúde, milhares de brasileiros foram acometidos e mortos por essa doença extremamente grave, mas a pandemia e a vacina são uma questão de saúde pública e uma exceção, assim como são uma exceção as emergências fitossanitárias. Nós não podemos tratar as exceções como regra neste país, e é isso que esse projeto vai trazer. Ele vai simplificar os modos de registro e de avaliação desses produtos, e esses produtos têm sido aprovados de uma forma até, nos últimos anos, mais acelerada do que já foi no passado; ou seja, não podemos equiparar agrotóxicos que são liberados com vários produtos, várias culturas, vários usos, com uma vacina que foi emergencial ou uma emergência fitossanitária excepcional. Não podemos tratar a exceção como regra. Isso é um parâmetro jurídico que não seria certamente acolhido pelas nossas cortes superiores. E uma última questão. Não vou me alongar - eu sei que todo mundo já falou muito, Senador, aqui -, mas eu gostaria de pedir muita atenção, especialmente dos Senadores, às pessoas que, de fato, foram acometidas. Falou-se muito nos dados extras, mas eu gostaria de citar algumas pessoas, de fato, conhecidas nossas, que foram acometidas por intoxicações ou que foram perseguidas em relação ao seu combate em relação ao uso excessivo de agrotóxicos, aos danos que esse produto tem causado. Cito aqui o Zé Maria do Tomé, que foi um defensor da vida no Ceará. Inclusive, a lei que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará leva o nome do Zé Maria do Tomé. Mas também o Vanderlei Matos da Silva, que foi um trabalho que trabalhava em uma indústria de agrotóxicos. Ele faleceu, foi reconhecida na Justiça do Trabalho a relação do câncer e do acometimento que ele teve em relação a vários danos à saúde com os agrotóxicos. A sua família, infelizmente, ainda não recebeu a indenização, mas isso já foi reconhecido pela Justiça do Trabalho. Lembro aqui também da Lígia, que é uma trabalhadora agrícola da região do fumo lá do Paraná, que é o Estado onde eu vivo e nasci, Senador, e a Lígia hoje se movimenta com uma cadeira de rodas pelo tanto de produtos graves com que ela, de fato, conviveu durante a sua vida na aplicação de agrotóxicos na cultura do fumo. Hoje, ela é uma defensora da agroecologia. E, por último, também a trabalhadora rural Débora Pereira, que faleceu aqui no Distrito Federal recentemente, também por um contato abusivo e excessivo, como trabalhadora rural, com esses produtos. Ou seja, a gente precisa de ciência, a gente precisa que esses produtos sejam analisados com muito cuidado, porque, de fato, são produtos que causam danos à saúde. Aqui já foi dito isto muito firmemente, que ninguém quer que se use mais agrotóxicos, que querem, enfim, que se proteja a saúde, pela vida. Então, em nome desses trabalhadores que foram acometidos, mortos ou que, de fato, sofreram com a aplicação, com a exposição a esses produtos, que se considere com muito cuidado, que a Anvisa, que o Ibama tenham, de fato, o seu papel efetivo nessa avaliação; que esses produtos não sejam autorizados por semelhança; que os produtos que vão ser exportados sejam, sim, registrados aqui neste país e que isso seja visto com muito cuidado aqui pelos Senadores desta Casa. Obrigada, Senador. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Muito obrigado, Dra. Naiara. Passo a palavra, agora, para a Dra. Larissa, para fazer as suas considerações finais. A SRA. DRA. LARISSA MIES BOMBARDI (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigada, Senador Acir. Obrigada à Senadora Eliziane pelas perguntas. |
| R | Eu queria só ressaltar dois elementos. A Dra. Naiara Bittencourt já elencou os aspectos jurídicos. Eu só queria ressaltar que dois aspectos desse PL que são o registro automático temporário e essa expressão risco inaceitável abrem caminho para que a gente autorize substâncias que podem ser cancerígenas, que podem ser teratogênicas, que podem ser mutagênicas, que tenham todas essas características. Quero dizer que o fato de determinada substância ter sido previamente autorizada na OCDE não nos traz segurança. A OCDE incorpora os países da União Europeia e também Japão, por exemplo, mas também temos Turquia, Chile e México, que são países que estão submetidos a condições parecidas às nossas, no sentido de estarem submetidos a esse tipo de substância. Eu queria ressaltar mais dois elementos e dizer que a posição do Brasil, em termos de consumo de agrotóxicos no 7º ou no 14ª lugar na FAO, é dada em função, digamos, de uma diluição do uso pela área. O pasto no Brasil é considerado como área cultivada, mas o pasto é o dobro da área agrícola brasileira, e, no entanto, recebe só 6% do volume de agrotóxicos. Então, a gente tem que estar atento porque ciência é metodologia científica. Então, a gente tem que ser criterioso ao usar os dados e ao apresentar os dados para a população brasileira, porque isso é algo muito sério, diz respeito à vida. Como a gente já ouviu aqui bastante e como eu tive a oportunidade de apresentar para vocês os dados de crianças, bebês e mulheres grávidas intoxicadas por agrotóxicos no Brasil, além dos exemplos cedidos agora pela Dra. Naiara. Eu queria ressaltar que não somos só nós cientistas brasileiros. A Organização das Nações Unidas, através do seu Relator Especial para Substâncias Tóxicas e Direitos Humanos, acabou de lançar uma carta exortando o nosso Senado brasileiro a rejeitar esse projeto de lei, que, segundo os especialistas ouvidos pelas Nações Unidas, enfraquece a nossa regulação, expõe a população brasileira a essas substâncias. Esses assessores e especialistas ouvidos pelas Nações Unidas afirmam também que é um mito a ideia de que os agrotóxicos alimentam o mundo e asseveram também que a autorização desse projeto de lei vai permitir que pesticidas cancerígenos e também relacionados a problemas reprodutivos, hormonais e malformações fetais sejam absorvidos, permitidos no Brasil. Então, para além dos pesquisadores brasileiros e das entidades brasileiras de ciência estarem alertando sobre o risco de esse projeto de lei ser autorizado, também as Nações Unidas se manifestou. Eu espero que o Senado... A quem interessa a utilização dessa substância? Certamente às grandes empresas que fabricam essas substâncias. Isso não interessa para a população brasileira. Para finalizar, eu queria dizer que a justificativa biológica não pode responder a um problema que é econômico, que é social e que é de saúde pública. A tropicalidade não é a resposta para uma escolha econômica por que o país passa. Então, nós temos que rever as nossas escolhas enquanto país, enquanto nação e pensar se queremos caminhar no sentido da segurança alimentar e da soberania alimentar ou se queremos intoxicar a população brasileira. É isso que está em jogo. |
| R | E eu estou muito feliz de ver, com a grande colaboração do Relator Especial das Nações Unidas para Substâncias Tóxicas e Direitos Humanos, essa preocupação do mundo com a situação corrente no Brasil. Agradeço, novamente, a oportunidade de participar deste debate. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Trata-se de tema importante. Vamos continuar o nosso debate. Passo a palavra, a pedido, ao Dr. Caio Carbonari, por um minuto. Pois não, Dr. Caio. Democraticamente, aqui, a gente procura atender a todos. O SR. CAIO ANTONIO CARBONARI (Para expor.) - Eu peço desculpas, mas é muito rápido. É só para fazer uma correção. Naquela posição, sétimo ou décimo quarto, não está incluída pastagem e não está incluída floresta. Na verdade, o uso de defensivo está contabilizado. A área não está contabilizada. Ou seja, é o contrário. Se nós contabilizarmos essas áreas, até pela expressão da área de pastagem florestal no Brasil, nós estaríamos, com toda tranquilidade do mundo, como último daqueles 150 países listados na FAO, com absoluta tranquilidade. Então, ali, está incluída só agricultura. Eu queria só fazer essa correção para não ficar esse mal-entendido. Agradeço. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Muito obrigado, Dr. Caio. Passo a palavra, então, ao Dr. Mário, para fazer as suas considerações. O SR. MÁRIO URCHEI (Para expor. Por videoconferência.) - Muito bem. Mais uma vez, Senador Acir, eu parabenizo o Senado, a sua iniciativa e dos Senadores desta Casa para aprofundar este debate tão relevante e importante para o país, para o desenvolvimento, para o meio ambiente, para a saúde pública e para uma sociedade mais sustentável, mais equitativa, mais igualitária e mais democrática. Concordo com as falas da Dr. Naiara e da Dra. Larissa com relação às perguntas que foram levantadas pela Senadora. Vejam bem que todos nós demos ao PL leituras, interpretações diferentes, o que é natural. Por isso é importante o debate. Na nossa opinião também, o que está colocado enfraquece a competência dos órgãos ambientais de saúde pública, como a Anvisa e o Ibama, neste processo. Este é um debate que deve ser aprofundado. Cada um tem a sua leitura, e há as nuances da própria colocação no projeto de lei. Corroboro com as demais colocações. Com todo o respeito, discordo da sua colocação, mas o respeito, evidentemente, porque aqui estamos numa democracia e queremos fortalecer a democracia. Para mim, não há nenhum problema nesse sentido. Quero só dizer, rapidamente, que, com mudanças climáticas, modelo agrícola, matriz tecnológica, como nós levantamos aqui, agrotóxicos e fome, este PL tem uma relação muito estreita. E há uma contradição: o Brasil é recordista em produção de alimentos ou de produtos agropecuários, como fibras, energia, enfim, e alimento, e a população passa fome, e se usa muito agrotóxico. É esse o debate em que se deve aprofundar. Eu acho que ele é pertinente, no meu modo de ver. E entendo que nós não fugimos da temática. Para finalizar, entendo também que nós precisamos, que é importante regulamentar, melhorar a regulamentação do uso de agrotóxico. Não há dúvida nenhuma. |
| R | Podemos ter discordância sobre como, mas isso é fundamental; penso que é consenso. Porém, e falei também, na minha colocação, na minha apresentação, rapidamente, que evidentemente nós precisamos diminuir o uso de agrotóxicos, que são, claramente, produtos que causam mal à saúde, causam mal ao meio ambiente, aos mananciais, aos recursos naturais... Isso é muito claro. Isso já é conhecido. Então, mais do que aprovar... É importante a sua regulamentação, a sua melhoria, o seu controle, e aí nós não temos esse consenso, o debate é fundamental; porém, entendo que é necessário que nós tenhamos um processo, uma matriz tecnológica mais sustentável, mais equitativa, mais ecológica, efetivamente, que produza alimentos sem a necessidade extrema do uso de agrotóxicos, de insumos químicos solúveis, de energia fóssil não renovável. E acho que essa é a nossa busca, e é isso que nós estamos defendendo efetivamente, de maneira a termos uma agricultura mais sustentável, um país mais sustentável, mais democrático, mais igualitário e que possa distribuir riqueza e preservar o meio ambiente. Mais uma vez lhe agradeço e o parabenizo pela iniciativa. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Muito obrigado, Dr. Mário, pelas suas colocações. De fato, um dos temas que nós temos debatido aqui, Dr. Mário, é essa posição do Brasil. O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do planeta. E temos a população brasileira passando fome no país. Esse é um outro debate, paralelo, mas é um debate que tem que acontecer, que está acontecendo e que, daqui para a frente, até a campanha eleitoral, isso vai ser muito mais debatido e discutido ainda. Passo a palavra agora ao Dr. Leomar para fazer as suas considerações. O SR. LEOMAR DARONCHO (Para expor.) - Quero renovar aqui o agradecimento e ser bem breve no que vamos falar. Essas questões de estatística, tem uma piada, para quem domina esse assunto, de que é possível chegar a qualquer número. É possível estar numa temperatura média agradável, com a cabeça dentro do freezer e o pé no forno. É possível construir o argumento que quiser. Em relação especificamente ao projeto, há duas questões fundamentais. É evidente que a saúde e o meio ambiente perdem o protagonismo, queira usar a palavra que quiser, em função de uma coordenação vinculada ao interesse da produção, ao interesse econômico. O próprio artigo que foi projetado diz ali: poderá consultar o Ministério, a área da saúde e do meio ambiente. Mas a questão mais relevante parece-me que é a discussão sobre o que seria o risco inaceitável. O que é o risco inaceitável para alguém de uma família que corre o risco, ou de uma comunidade inteira, que tenha altos índices de autismo, por exemplo, ou doenças crônicas? Aquelas estatísticas dos dados de acidente de trabalho são sempre de dados de acidentes instantâneos, graves, agudos, mas não contemplam risco crônico, aquele que se manifesta ao longo do tempo pela exposição repetitiva. Então, o que é risco aceitável para uma doença crônica? Para câncer? Para esse comprometimento da saúde das crianças? Essa discussão é muito importante. Então, não há nada que justifique um atropelo. |
| R | O projeto é novo porque ele é um substitutivo que foi aprovado, ainda neste ano, na 1ª Sessão Legislativa da Câmara. Eu acho que a primeira a questão a se responder, a questão fundamental é: qual é o problema que esse projeto pretende resolver? Ele pretende resolver, basicamente, pelo que a gente ouve, a questão de que demora muito a análise. A demora da análise se dá por razões de segurança, da necessidade de que a aprovação se dê com segurança. A gente tem uma estrutura defasada dos setores de análise. Como se resolve esse problema? Dando maior robustez aos órgãos de análise, e não criando essas figuras excepcionais de aprovar por decurso de prazo, para depois ver se deu certo, para depois que o mal estiver estabelecido tentar corrigir, sair atrás. O DDT demorou anos para ser proibido. Aliás, Rondônia tem um exército de sequelados - o pessoal que trabalhou no combate a endemias -, expostos a agrotóxicos que, depois, foram sendo condenados. Então, eu acho que, quando se trata da vida humana, a cautela é mais do que justificável! Se eu tenho um problema consistente na demora da análise, tem que atacar o problema. O problema é a deficiência dos órgãos que fazem a análise, no que diz respeito à defasagem dos seus quadros e, talvez, esse devesse ser o foco. Mas eu estou feliz que o Senado está abrindo este espaço para a discussão e muito contente com a oportunidade que o Senador Acir Gurgacz deu de criar este espaço, mas seria importante que tivéssemos mais. Está anunciada mais uma audiência, mas também com foco específico para saúde e meio ambiente. Então, é isso. Muito obrigado e que tenhamos um tramitar que assegure dias melhores para todos. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Muito obrigado, Dr. Leomar, pelas suas colocações. De fato, servidores da Sucam, do Estado de Rondônia, realmente tiveram muitos problemas com a aplicação de veneno, na cidade, para matar mosquito. Era um trabalho diário de servidores da Sucam e temos vários deles com problema de saúde, mas é veneno para matar mosquito. Era um problema da malária, etc., etc, lá no Estado de Rondônia. Muito obrigado pela sua participação. Como último orador, passo a palavra ao Dr. Paulo Amaral, para fazer as suas considerações e também responder à Senadora Eliziane. O SR. PAULO AMARAL (Para expor.) - O primeiro entendimento é que o registro temporário não é por decurso de prazo, ele tem uma técnica de análise e vai cruzar os dados, informações, aprovações de países referências. Não é aprovação tácita, ele tem um critério. Própria recomendação. O nome temporário é o mesmo, parecido, adotado pelo Parlamento Europeu. O art. 30 do Regulamento 1.107/2009, do Parlamento Europeu, em vigência, está autorização temporária. Qual é o fundamento? Também por demora, fatos alheios ao requerente; então, não é uma jabuticaba brasileira. É uma recomendação da FAO. |
| R | É um procedimento já adotado pelo Parlamento e já previsto no Decreto 8.133, de 2012 ou 2013, quando trouxe a autorização emergencial. E um dos questionamentos do PL é que está se autorizando a medida somente... Ora, foi uma medida provisória convertida em lei, já tem o regulamento e já está em vigência. Naquela época, eu me lembro, eu fiz as defesas judiciais da Abrapa nesse tema e, por fim, o desembargador falou que o produto estava registrado em 72 países, que era improvável que isso causasse danos à saúde e ao meio ambiente. Em paralelo ao registro, como eu falei, tramitou nos órgãos e saiu o registro convencional. Então, não se trata de aprovação tácita. Quanto a fomentar as atividades técnicas dos órgãos, é evidente que os órgãos são precários em número de servidores e instrumentos de logística, está aí o sistema unificado. O fundo, que fez um ajuste nos órgãos, a Anvisa e o Ibama recebem receita das empresas para fazer a manutenção dos registros e as taxas de avaliação. Essa receita vai para o fundo do Tesouro Nacional, não fica na mesa do diretor do órgão para fomentar as atividades. Aqui, no substitutivo, essa receita é direcionada para as cidades, exclusivas. Por exemplo, vou ler: controle e manutenção das atividades de uso, muito se fala aqui que não tem monitoramento do uso, então, vai ter uma receita para isso; capacitação em manejo, educação de controle e manejo fitossanitário; contratação de consultores para os órgãos, oportunidade de trazer a academia, os professores, os doutores para dentro das agências para auxiliarem nas análises científicas. Então, ele traz uma estruturação também administrativa dos órgãos, o que é necessário. O substitutivo realmente modificou demais aquele projeto inicial, mas foi necessário. Todo mundo aqui conversa um pouco e vê que é necessário mudar muita coisa, por isso que o substitutivo trouxe essa imensidão de assuntos. O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. PDT/REDE/PDT - RO) - Muito obrigado, Dr. Paulo Amaral, pela sua colocação. Agradeço, mais uma vez, ao Dr. Leomar pela participação, à Dra. Larissa, ao Dr. Caio, ao Dr. Mário, à Dra. Naiara pela participação em nossa audiência pública hoje, assim como também aos Senadores e às Senadoras. Senadora Zenaide Maia, peço mais uma vez desculpas, Senadora Zenaide Maia, por não ter dado a palavra. Eu não poderia cortar a fala de um convidado para dar a palavra a V. Exa. Perdoe-me, mas, amanhã, nós abriremos com a sua fala aqui em nossa outra audiência pública. Senadora Margareth Buzetti, Senadora Eliziane Gama, Senadora Eliane Nogueira, Senador Esperidião Amin, Senador Luis Carlos Heinze, Senador Paulo Rocha, Senador Fabio Garcia, Senador Rafael Tenório, Senador Wellington Fagundes, Senador Angelo Coronel, muito obrigado pela presença de todos, de nossos técnicos, dos assessores dos nossos convidados também, muito obrigado pela presença. Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada esta sessão. Muito obrigado a todos. (Iniciada às 08 horas, a reunião é encerrada às 11 horas e 55 minutos.) |

