Notas Taquigráficas
27/06/2022 - 27ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, Comissão de Meio Ambiente
| Horário | Texto com revisão |
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência. Por videoconferência.) - Declaro aberta a 27ª Reunião da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa, conjunta com a 14ª Reunião da Comissão Permanente de Meio Ambiente do Senado Federal, da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura. A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 24, de 2022, da CDH, de autoria do Senador Humberto Costa, e do Requerimento nº 24, de 2022, da CMA, de autoria do Senador Jaques Wagner, para debater os impactos das mudanças climáticas em territórios urbanos e rurais negros do Brasil. A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da ouvidoria: 0800 612211. Participantes do evento. Teremos, presencialmente, a presença do Coordenador Nacional da Conaq, Denildo Rodrigues de Moraes; depois, remotamente, teremos: Diosmar Filho, Geógrafo, doutorando em Geografia pela Universidade Federal Fluminense, pesquisador, que pesquisa ciências e humanidades na Associação de Pesquisa Iyaleta; Eliete Paraguassu, ativista quilombola e líder comunitária da Ilha de Maré; Thais Santos, Química e doutoranda em Bioenergia, educadora popular, cofundadora da Comunidade Cultural Quilombaque e Coordenadora do núcleo da Uneafro Brasil, que faz parte também da equipe ambiental do Instituto de Referência Negra Peregum; Dulce Pereira, Arquiteta, Ambientalista, pesquisadora e Professora da Universidade Federal de Ouro Preto, onde coordena o Laboratório de Educação Ambiental do Movimento Negro Unificado (MNU) - Minas Gerais; Bernadete Lopes, Coordenadora de Gestão Fundiária do Complexo Industrial Portuário de Suape. Como é de praxe, num primeiro momento, vamos às orientações. Já vejo na tela o Senador Jaques Wagner, que é o Presidente da Comissão de Meio Ambiente, que junto com o Senador Humberto Costa, Presidente da Comissão de Direitos Humanos, propuseram este importante debate e, numa gentileza dos dois grandes líderes do nosso partido e Presidentes de Comissão, solicitaram, então, que eu fosse o Presidente, por ser um Senador negro, e não só pela cor da pele, mas pela causa por que todos nós trabalhamos e lutamos juntos. Então, eu agradeço, de pronto, ao Senador Jaques Wagner e ao Senador Humberto Costa. |
| R | Lembro a todos que faremos o seguinte encaminhamento: os Senadores falarão no momento em que eles entenderem adequado, eles terão a palavra pela ordem; eu farei uma abertura de cinco minutos muito rápida e, depois, passarei para os convidados; cada convidado terá oito minutos para usar a palavra e, depois, três minutos para o encerramento. Se tiver perguntas, nós faremos para os convidados no momento adequado. A minha introdução não vai além de cinco minutos. Olá, amigos e amigas de todo o Brasil, nossos convidados. Mais uma vez, cumprimento os Presidentes destas duas Comissões. Agradeço ao Senador Humberto Costa, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, e ao Senador Jaques Wagner, Presidente da Comissão de Meio Ambiente, pela realização em conjunto desta audiência pública, que tem por objetivo debater os impactos das mudanças climáticas em territórios urbanos e rurais negros no Brasil. No último dia 5 de junho, celebramos o Dia Mundial do Meio Ambiente. A data foi instituída no ano de 1972, na Conferência de Estocolmo, pela Organização das Nações Unidas, na Suécia. A data chama a atenção para medidas de preservação do meio ambiente pelo mundo, onde governos, empresas e cidadãos se debruçam para fazer valer a sua simbologia. Conforme dados do site: oeco.org.br, Brasil e México foram os únicos dois países, entre os signatários do Acordo de Paris, que regrediram em suas metas na revisão de 2020, segundo a ONU. O Acordo de Paris é um tratado internacional vinculante sobre a mudança do clima, firmado durante a COP 21, no ano de 2015. O Brasil é um país de grandes dimensões continentais e possui seis biomas: Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa e Pantanal, cada um com suas características, regados por riquezas naturais que alimentam todo o planeta. Cuidar do meio ambiente é proteger, é respeitar os povos originários, quilombolas, indígenas, os povos, as florestas, que combatem o desmatamento e a degradação ambiental. Tudo o que fizemos, do Oiapoque ao Chuí, no campo, na cidade, nas florestas, na Caatinga, reflete de forma direta e imediata, a médio e longo prazo, em nossas vidas. O Brasil é o quarto país do mundo que mais mata ativistas ambientais, de acordo com o relatório da ONG Global Witness. A pesquisa informa ainda que o ano de 2020 foi o mais letal: desde o início do levantamento em 2012, foram 227 pessoas assassinadas - uma média de quatro mortes por semana. Lamento as centenas de assassinatos que vêm acontecendo no Brasil. |
| R | Solicito... Logo na abertura, antes de passar a palavra ao nossos convidados, faremos um minuto de silêncio para todas as vítimas, para as lideranças ambientais que defendem os seus territórios e o ecossistema, nas pessoas de dois guerreiros que tiveram suas vidas ceifadas recentemente, o jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira. O Estado brasileiro precisa agir e proteger o nosso ambiente. Não nos podemos calar. Os povos originários são os que mais sofrem com o descaso do Estado. O líder afro-americano de direitos civis Dr. Benjamin Franklin, no ano de 1981, classificou esse descaso como racismo ambiental, que é: "a discriminação racial na elaboração de políticas ambientais, aplicação de regulamentos e leis, direcionamento deliberado de comunidades negras para instalações de resíduos tóxicos, sanção oficial da presença de venenos e poluentes com risco de vida a comunidades e exclusão de pessoas negras da liderança dos movimentos ecológicos". A definição, elaborada há mais de 40 anos, nunca esteve tão evidente como agora. Vivemos tempos sombrios em que a proteção do meio ambiente pelo Estado, por instituições, pelas mídias e por toda a sociedade é fundamental para a sobrevivência e a manutenção do nosso patrimônio natural. Porém, o tema está na agenda diária dos movimentos sociais, que denunciam e enfrentam as atrocidades cometidas contra povos originários e seus territórios. Temos como exemplo o quilombo Rio dos Macacos, que delata, de forma contínua, as múltiplas formas de violência que sofre há décadas. O quilombo é localizado na mesma área onde foi construída a Base Naval de Aratu, em Simões Filho, Região Metropolitana de Salvador. A Constituição Federal, no art. 225, §3º, diz que: "As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados". Apesar da norma, os infratores não se intimidam. Com a pandemia, luzes se acenderam para as desigualdades históricas no país, como o racismo. Não podemos pensar em desenvolvimento econômico, político, social e ambiental em uma sociedade que não oferece o mínimo para a sua população. Conforme dados do Instituto Trata Brasil, 21,7 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto nas cem maiores cidades do país, e 5,5 milhões não têm água potável. Estamos às vésperas de um pleito eleitoral, e as candidaturas das mais variadas siglas partidárias precisam garantir, em seus planos de governo, políticas públicas para a preservação do meio ambiente e para a segurança das lideranças ambientais. Terminando, o Estado não pode pensar em saneamento sem proteção do meio ambiente, sem moradia decente, sem iluminação pública, sem saúde, sem comida nas panelas e no prato, como a gente fala, sem educação, sem trabalho digno, sem enfrentamento à violência e a tantas outras formas de exclusão e até de massacre do nosso povo, como a falta de segurança, como a falta de investimento na saúde, na educação, no meio ambiente, como tudo aqui que nós desenvolvemos. |
| R | Termino dizendo: que os bons ventos nos tragam a esperança novamente! Axé, vamos fazer com certeza uma grande audiência pública com a participação de todos vocês. De imediato, vou passar a palavra. Chega-me aqui uma colocação de que a Dra. Thais pede para falar primeiro, por compromisso já assumido. E já estão conosco Senadores e Senadoras, a Senadora Zenaide, Rose Freitas e Senador Jaques Wagner. Então, atendendo a pedido que chegou aqui a mim nesse momento, eu passo a palavra por oito minutos à Dra. Thais Santos, doutora em Química e doutoranda em Bioenergia, é educadora popular, cofundadora da Comunidade Cultural Quilombaque, Coordenadora do Núcleo Uneafro Brasil e faz parte da equipe ambiental do Instituto de Referência Negra Peregum. Por favor, Dra. Thais, a palavra é sua por oito minutos. Fique bem à vontade, falando aqui para a TV Senado e para todo o Brasil. A SRA. THAIS SANTOS (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, Senador Paim; bom dia a todos. Eu me chamo Thais, integro dois coletivos do movimento negro das periferias de São Paulo - a Comunidade Cultural Quilombaque e a Uneafro Brasil. Ambas fazem parte da Coalizão Negra por Direitos, uma articulação de 250 organizações para incidência política e ações conjuntas de enfrentamento ao racismo. Para esta Comissão eu trago questionamentos coletivos sobre o comprometimento dos governos com medidas de adaptação às mudanças climáticas, considerando a diferença na exposição e vulnerabilidade das pessoas. A falta de investimento público em infraestrutura urbana para a permanência segura de moradias de forma homogênea nas cidades evidencia negligências crônicas a uma população específica. Existem políticas habitacionais vigentes que removem famílias de uma área de risco com repasse de quantias irrisórias que só permitem auxiliar o aluguel em outra área de risco. As mortes são recorrentes; as mortes são naturalizadas. Famílias inteiras da beirada do morro para debaixo da terra. Incontáveis são as expectativas soterradas, afogadas. Quantos deslizamentos? Quantas enchentes? Quantas e até quando, para que o Estado assuma a sua responsabilidade legal e tome providências e ações efetivas nesses territórios? E quanto aos riscos invisíveis, as mortes evitáveis? Também não têm visibilidade? Os índices de poluentes nocivos à saúde presentes no ar nos centros urbanos é um problema que há décadas é relativizado, não tem um enfrentamento expressivo pelos governos e tampouco uma rede robusta de monitoramento em todos os municípios. |
| R | Com as mudanças climáticas, temos temperaturas elevadas, escassez de chuva, queda na umidade do ar. Todos esses fatores tendem a dificultar ainda mais a dispersão dos poluentes e agravar a situação. Se esforços fossem direcionados apenas a uma das fontes emissores, a frota veicular, com a adoção de combustíveis de baixa emissão, transportes em massa de qualidade, diminuiriam significativamente, em curto prazo, poluentes como ozônio, material particulado, enfim. Setores industriais que lucram com a queima de combustíveis fósseis, em detrimento da saúde da população, recebem incentivos fiscais ao invés de serem onerados. Quem são as pessoas que estão extremamente expostas a rotinas de muitas horas no deslocamento no trânsito? Quem trabalha no farol, nas entregas ou mora à margem das vias com fluxo intenso e que, evidentemente, não tem recursos para acessar carros com ar-condicionado com tecnologia para reter impurezas nos filtros de cabine? Elas são as mesmas pessoas que também são negligenciadas no sistema público de saúde. Vamos falar de alimentos? Garantir o acesso ao alimento saudável é reduzir o impacto das mudanças climáticas. Cientes de que a cada ano elas se intensificam, eventos como geadas, secas, tempestades afetam diretamente a produção de alimento no campo e acarretam a oscilação no preço, como é que governos que se dizem comprometidos permitem o desmonte de políticas públicas na regulação de preços dos alimentos? O que você vai deixar de comer hoje? Para poucos, com a diferença de preço no alimento, de R$3, R$5, R$15, eles não vão deixar de comer nada. Para muitos, nada é o que eles vão comer. Trata-se de uma política de morte que condena uma população específica à fome. Essa população específica, que eu cito inúmeras vezes, tem cor, e ela é preta. Ela tem um território. São as periferias, quilombos, ocupações, favelas, que são assoladas sistematicamente com outras mazelas: a falta de saneamento básico, a insegurança hídrica, desmatamentos a serviço da monocultura e pecuária, ausência de titulação nos territórios quilombolas, enfim... |
| R | E, definitivamente, há uma ferramenta que estrutura nossa sociedade e que tenta descaracterizar e não racializar os reais impactados pelas mudanças climáticas. Esta ferramenta social tem nome: racismo. (Falha no áudio.) (Pausa.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - O microfone dela está fechado. A SRA. THAIS SANTOS (Por videoconferência.) - Oi, eu encerrei minha fala. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Oi, mas falaste muito bem, o microfone agora voltou. A SRA. THAIS SANTOS (Por videoconferência.) - Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Quero te cumprimentar e agradecer pela abertura brilhante que fez. Você tocou em temas fundamentais para este debate: no ataque a nossa gente, a nossa gente preta, e em por que aqueles que atacam - que, na verdade, são criminosos - ainda receberem incentivos; no ataque ao meio ambiente... A fome não espera, a morte chega, o sofrimento, cada vez mais, avança sobre a nossa gente. E você falou algo fundamental, que nós aprovamos, inclusive, recentemente, na Comissão de Direitos Humanos com o apoio do Jaques e também do Humberto Costa, que é o investimento para a titulação das terras quilombolas, e você cobrou aqui. Temos certeza de que poderemos, a partir dessa aprovação, com uma emenda que teve o apoio de dez Senadores, além de nós três, que conste lá na peça orçamentária verba para titulação das terras dos quilombolas. Só vou dar um exemplo. Eu recebi um documento aqui do Rio Grande do Sul, do Incra. Nós tínhamos que titularizar, atualizar, 123 terras quilombolas. Sabem quantas foram atualizadas até hoje? Três, somente três! E fomos ao Incra, aqui colegas nossos foram, e você deve conhecer a Reginete e o Miguel Rossetto, e eles disseram que não têm verba nenhuma. Como é que eles vão fazer, se não têm dinheiro nem para a gasolina, para fazer a titulação? Então, parabéns, querida Dra. Thais Santos, fostes brilhante! Pediu para usar a palavra agora o Diosmar Filho, que é geógrafo, doutorando também em Geografia na Universidade Federal Fluminense. Por favor, Dr. Diosmar Filho, com a palavra. O SR. DIOSMAR FILHO (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos, bom dia, Senador Paim. Todos me ouvem bem? (Pausa.) Bom dia a todos, bom dia aqui às companheiras de jornada, à Thais Santos, à Profa. Dulce Pereira, à Bernadete Lopes e a todas as Senadoras aqui presentes. Queria iniciar, Senador Paim, ressaltando a importância desta audiência, mas o compromisso que foi feito pelo Senador Jaques Wagner conosco durante a COP 26 na cidade de Glasgow. Foi uma reivindicação conjunta de organizações negras presentes e a coalizão de direitos na qual se tornou esta audiência e o compromisso do Senador Humberto Costa e do Senador Jaques Wagner em trazer esta audiência e ter aqui o senhor nessa mediação aqui conosco. |
| R | Nós estamos há dez anos do Estatuto da Igualdade Racial e essa audiência tem a ver com o Estatuto da Igualdade Racial, tem a ver com a negação do Estado brasileiro do Estatuto da Igualdade Racial. Essa é uma importância que a gente precisa trazer para fazer uma discussão. Eu sou pesquisador Iyaleta, pesquiso a ciência e humanidades. Nós estamos desde 2020, em plena pandemia, fazendo um conjunto de estudos e pesquisas sobre desigualdade e mudanças climáticas com a Amazônia e as nove capitais da Amazônia Legal urbana. Então, fazer uma discussão sobre mudanças climáticas e Amazônia Legal urbana está relacionada àquilo que é a negação de você ter uma Amazônia negra, uma Amazônia onde 87% da população na Amazônia não mora dentro da floresta, mora nas cidades e está morrendo nas cidades. E essa maioria é de mulheres e meninas negras, mulheres e meninas indígenas, homens e meninos negros, que estão morrendo nas cidades da Amazônia, decorrente de um processo que a gente precisa estabelecer, fora de uma dicotomia entre floresta e cidades. A gente precisa estabelecer um debate, Senador Paim e todas as Senadoras aqui, de que nesse momento o Brasil está negligenciando todo o seu acesso aos fundos de investimento sobre adaptação, mas a gente também está num atraso histórico de política de saneamento que mata as pessoas nas cidades brasileiras. A gente está num atraso histórico daquilo que é não podermos conviver com um país que tem estudos do IBGE sobre aglomerados subnormais urbanos, e a gente tem o Estado do Amapá liderando todos os índices indicadores de que são populações vivendo em vulnerabilidade, o que significa viver hoje o que a gente tem nas principais capitais da Amazônia, se a gente pega Porto Velho, Belém, Macapá, estamos falando num ciclo de endemia de chicungunha, dengue, malária. E tudo isso é determinante que tem impactos raciais e de gênero; impactos raciais sobre a população negra urbana na Amazônia e a população de gênero, que são mulheres impactadas por esses dados. Os dados de arbovirose que nós lançamos recentemente no Sumário Amazônia Legal Urbana, nós lançamos agora, durante a Conferência do Clima, de Bonn, na Alemanha. Lançamos um sumário sintetizando os estudos sobre aglomerados subnormais urbanos, as condições de saúde, as condições de saneamento, e há necessidade de o Estado brasileiro mudar a sua rota de discussão, porque durante a COP 26, nós fomos... Violentamos o Acordo de Paris, quando o Estado brasileiro, a partir do seu Governo, do Governo que aí está, no Executivo, retrocedeu nas NDCs, naquilo que foi acordado. E, quando a conquista que teve, que foi trazer a política nacional, a aprovação pelo Senado da política nacional de mudanças climáticas, da qual o Senador Jaques Wagner foi o Relator, e tivemos uma previsão para trazer para o Acordo de Paris, nós retrocedemos. E recentemente, agora em maio, nós aprovamos uma política nacional de mercado de carbono; e um completo genocídio vai acontecer dentro do Brasil, se a gente seguir esse roteiro da política de carbono. |
| R | Quem conhece... E eu falava, durante a conferência de mudanças climáticas, a COP 26... Quem conhece a política hidrelétrica brasileira sabe que ela foi um avanço e um referencial mundial. Ela foi um avanço e um referencial mundial de política limpa, de energia limpa. Quem conhece política de eólica e parque de energia fotovoltaica sabe que isso é uma mudança, e ela é limpa. No caso brasileiro, essas políticas estão em um caminho de genocídio territorial e corporal negro e indígena no país. E a gente vai precisar encarar esse debate, porque os ordenamentos territoriais urbanos, que a gente hoje está estudando na Amazônia Legal, que são 20 anos do Estatuto das Cidades, gentrificou as cidades em desigualdades, e a gente não está vendo cenários de governos municipais, estaduais e federal hoje com compromissos de trazer as NDCs, que são aquelas metas e as ambições do Estado brasileiro, que olhem essas desigualdades, e a gente consiga falar sobre adaptação e perdas e danos à população negra e indígena brasileira diante dos impactos reais que a gente está vivendo de mudanças climáticas. Nós estamos em plena emergência climática. Nós estamos vivendo emergência climática no território brasileiro, e nós vamos ter que encarar isso de uma outra maneira. Não podemos encarar isso fora dos estudos. Concluindo a minha fala aqui, os dois relatórios do IPCC tanto para adaptação quanto para mitigação trouxeram dados muitos sérios. Se não se combaterem desigualdades nos territórios, não há mudança e transição climática justa na escala global. As desigualdades são de gênero. Então, era isso, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, Dr. Diosmar Filho, pela exposição brilhante. Tratou de saneamento, de saúde, de educação, de moradia decente, política de carbono, genocídio - que achei um termo correto, adequado - territorial contra a nossa gente e falou também da importância da luta do povo negro e indígena. Eu vou passar a palavra agora ao Senador Jaques Wagner, que se inscreveu. Eu peço que abram o microfone. O Senador Jaques Wagner é o autor do requerimento desta sessão junto com o Humberto Costa, ambos Presidentes das respectivas Comissões. Jaques, é contigo. O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Pela ordem. Por videoconferência.) - Muito bem. Obrigado. Mas eu, na verdade, quando liguei para você, foi porque eu não estava conseguindo abrir a minha imagem. Eu prefiro esperar todo o pessoal falar, parabenizando as duas intervenções já feitas, da Thais e do Diosmar - o Diosmar lembrou do nosso encontro lá na COP 26. Na verdade, Paim, hoje esta é uma das últimas atividades do Junho Verde no Senado. Na quinta-feira, nós ainda vamos ter a entrega do relatório do Fórum da Geração Ecológica, que é um grupo de 45 pessoas da sociedade civil que nós chamamos para discutir um arcabouço legislativo que prepare para o que eu chamo de uma guinada verde. Mas aqui eu estava só reclamando que eu queria botar a cara e não estava conseguindo; não era a palavra. Obrigado a você e parabéns pela condução. Cumprimento também a Zenaide, a Dulce e a Bernadete, que estão aí aguardando para fazer suas intervenções. Um abraço. Mas eu continuo aqui. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Entrou e entrou muito bem. Usará a palavra no momento que entender também adequado. Já cumprimento a Zenaide também, a Rose, que já está aqui também conosco, o Flávio Arns e outros Senadores que estão entrando. De imediato, então, passo a palavra para a Dra. Eliete Paraguassu, ativista quilombola e líder comunitária da Ilha de Maré. (Pausa.) |
| R | Se não conseguiu, nós vamos em frente, e depois ela entra. Passo a palavra, então - porque a vejo ali na tela já -, à nossa querida amiga e ex-Ministra Dulce Pereira, arquiteta, ambientalista, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Ouro Preto, onde coordena, inclusive, o Laboratório de Educação Ambiental Movimento Negro Unificado (MNU/MG). Por favor, Dra. Dulce. A SRA. DULCE PEREIRA (Para expor. Por videoconferência.) - É um prazer enorme, caro Senador, parceiro de longa vida, de longas lutas. Realmente, você é o nosso zumbi no Congresso e nessa história contemporânea. Eu quero saber se eu posso mostrar uns eslaides, se é possível aqui compartilhar... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Pode. A SRA. DULCE PEREIRA (Por videoconferência.) - Parece que está desabilitado, mas, enquanto isso, eu começo a falar. Assim que for habilitado, eu.. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Paulo, veja lá para abrir para ela os eslaides. O.k. Vamos lá, Dulce, é com você. A SRA. DULCE PEREIRA (Por videoconferência.) - Sim, sim. Veja bem, esse assunto... É muito rico falar depois dessas pessoas brilhantes que me antecederam, falar antes dessa mulher extraordinária que é a Dra. Thais Santos; de Diosmar Filho, um grande teórico, que põe na prática seus conhecimentos. Mas eu queria começar tratando da necessidade de se entender o racismo ambiental, que leva à centralidade das mudanças climáticas no Brasil e ao genocídio da população negra; lembrar que esse é um processo que antecede o século VII - veja bem, o sétimo século antes de Cristo -, quando, por uma estratégia que é a mesma de hoje, que foi uma pergunta... Havia uma robusta academia naquele momento, e a pergunta era: "Negro é humano?". E a resposta era: "Não". "Asiáticos são humanos?". "Mais ou menos", não é? Essa organização histórica, para a gente imaginar... É dramático pensar que grandes teóricos como Kant e outros afirmavam essa desigualdade entre pessoas. O que significa isso? O racismo foi estruturado e é a mais longeva de todas as ideologias do mundo. Ele estruturou o patriarcado inclusive, porque o patriarcado, essa divisão de poder entre mulheres e homens foi principalmente durante a ocupação por praticamente 13 séculos da África subsaariana. Eu não consegui mostrar aqui, mas não tem importância... Eu tinha umas imagens... Ah! Eu consigo mostrar agora. Durante 13 séculos, houve a ocupação subsaariana, e o que se fazia? O processo era eliminar negros nos seus territórios - isso era constante. Além de eliminar negros no seu território... Eu acho que vocês estão vendo um pouco do que foi a tomada de toda essa região, que tinha uma altíssima tecnologia - a África abaixo do Saara -, com tecnologia fantástica, e, ao mesmo tempo, o que se dizia era que esses seres não tinham inteligência, não produziam tecnologia, a ponto de Kant, por exemplo, depois, já na estruturação do capitalismo - e a gente está falando de um filósofo considerado importante - perguntar: "O que esse povo forneceu ao mundo?"; de Rosa Luxemburgo justificar o racismo e, principalmente, a escravidão a partir dessa alegada incompetência dos seres humanos negros, que eram saqueados, cuja tecnologia era saqueada, e que ofereciam à humanidade, inclusive, sua possibilidade de riqueza. |
| R | Isso hoje se materializa em várias questões que foram bem ditas aqui e que têm impacto direto no aquecimento global. Então, o racismo é responsável também pelas mudanças climáticas e pelo aquecimento global. Por quê? Vejamos o que acontece em várias regiões, como a gente viu agora, quase no Brasil todo, onde diziam que a chuva era responsável. A chuva não é responsável. Responsáveis por esses desastres sociotécnicos são os seres humanos. É a ação humana que cria, a partir dos movimentos da natureza - a natureza não é a responsável, a natureza é tão vítima quanto as pessoas -, essas realidades que são realidades do descaso, são realidades da falta de responsabilidade com os territórios. E, da mesma forma que aqui, isso acontecia naquela época... Por isso é que eu digo: em que nós, seres humanos, avançamos? Só vou ligar aqui o meu computador. Nós avançamos na exploração, porque todas as possibilidades tecnológicas e tudo mais só foram avançadas na exploração dos corpos, das mentes, das culturas e da tecnologia dos povos negros, dos povos nativos e, no caso de onde há imigração, onde há deslocamento das pessoas, dos povos que são deslocados. Então, a estrutura que se criou é, primeiro: elimina-se o conhecimento das pessoas - a prática do epistemicídio -, eliminam-se as pessoas, eliminam-se os grupos culturais e elimina-se o território. O ecocídio, que é uma das operações do racismo ambiental - não é só essa -, o epistemicídio, o etnocídio, que garantem a hegemonia dos territórios, são práticas, são ferramentas do racismo. E aí é preciso entender o seguinte: que a humanidade produziu esse racismo, que utilizou a tomada de territórios, o deslocamento forçado. E o que o mundo entende - e hoje mais e mais é reconhecido - é que o país, a região do mundo que aperfeiçoou o racismo foi o Brasil. Como dizia o... Eu vou citar aqui o Presidente Nelson Mandela, esse transformador Nelson Mandela. Mandela dizia o seguinte: a besta colocou os seus ovos em muitos lugares e colocou a grande maioria no Brasil. Por quê? Porque o Brasil consegue criar estratégias que são absorvidas pelo conjunto social, absorvidas pela mídia, que ainda é da inferioridade de negros e indígenas, da incompetência histórica de negros e indígenas, da superioridade de pessoas brancas e, assim, do direito à exclusão desses grupos humanos e do direito ao uso dos corpos, do território, etc., das pessoas não negras e não indígenas. |
| R | Por que isso é importante no caso da tomada de território, no caso da questão do clima e tudo mais? Isso é fundamental porque o exercício do racismo ambiental, o exercício da interferência nas mudanças climáticas, se dá nos territórios. Eu trago aqui alguns casos emblemáticos. Quando houve - e continua hoje, não é? - a tragédia continuada em Mariana e Barra Longa, a partir da ruptura da barragem da Samarco/Vale/BHP, o que aconteceu? - só para a gente olhar e entender a perversidade de um processo como esse. Barra Longa é uma cidade tradicional e tem o privilégio de ser cortada, a área urbana, maravilhosamente por um rio, não é? É o Ribeirão do Carmo, aquele dos poetas Cláudio Manuel da Costa e tudo mais. Esse ribeirão foi atingido pela barragem. E, para você imaginar, ele é um rio que sobe. Então, o que aconteceu? Vocês já viram... A gente sabe que o rio desce, a água desce. Nesse lugar, a lama subiu para cá, inundou a cidade e inundou prioritariamente as áreas centrais, onde vivem as pessoas com maior poder aquisitivo. (Soa a campainha.) A SRA. DULCE PEREIRA (Por videoconferência.) - Nossa, eu tenho que correr! Então, o que aconteceu? A lama das áreas mais abastadas foi levada para cima dos morros, que não haviam - vejam bem - sido diretamente atingidos pela lama, e foi colocada lá onde mora quem? As pessoas negras. Foi colocada nos campos de futebol que era utilizado pelas pessoas negras. O que aconteceu ali? Eu mostro este mapa, para a gente só entender. Estes vermelhos aqui são onde há altíssima temperatura, onde houve maior aumento de temperatura. Esse amarelo é onde houve aumento de temperatura impactante. Onde essa lama foi jogada e foi levada, a gente tem um aumento de temperatura. O que significa isso? É o aumento de temperatura da superfície do solo. Só que isso impacta em toda a temperatura e faz aqueles processos que brilhantemente disse a Dra. Thais Santos. Onde acontece isso? Nos territórios negros. Isso é um exemplo, não é? Só para a gente imaginar - também disto falou aqui a Dra. Thais Santos -, isto aqui mostra a contaminação perversa - perversa - nesses territórios, contaminação do solo, contaminação da água. Não vou mostrar outros. E o mesmo acontece nos territórios crenaques da Bacia do Rio Doce, e o mesmo acontece em toda a região. E a gente pode, para imaginar, fazer um mapa. Isto aqui que a gente tem é um mapa do racismo ambiental. E o que eu tenho dito sempre é que a academia não usa as ferramentas possíveis para identificar o racismo ambiental, porque pratica o discurso de economia verde e perversa, que é uma economia que pensa em monocultura e elimina as pessoas negras e indígenas também dos seus territórios. Não usa as ferramentas como essa que é um mapa que mostra onde se concentra o racismo, porque é nessas regiões com maior concentração de população negra que as pessoas ainda não têm as casas feitas, em que não houve tratamento do rio, e de uma forma, inclusive, terrível - terrível -, porque dizem que não é possível retirar a lama. Isso é uma vergonha, não é? Eu digo que isso é uma "necroengenharia"! Eu chamo isso de "necroengenharia", porque ela é selecionada para negros e indígenas, ela é voltada para negros e indígenas. E é uma vergonha para engenharia brasileira. Eu sou dessas áreas, da arquitetura. É uma vergonha tão grande, porque o Brasil tem uma engenharia robusta, essas companhias têm uma engenharia robusta, e é uma vergonha dizer que nessas áreas de população negra não há condições para se imaginar, durante todo esse tempo, fazer uma casa - por exemplo, aqui em Gesteira - ou de recuperar essas áreas todas. |
| R | Eu só mostro aqui Dona Geralda, uma das mulheres que morreu lutando pela casa dela. E a gente tem, então, essas perdas irrecuperáveis de vida. Basta olhar para esse cenário e entender o que isso significa de impacto ambiental e de contribuição para o aumento da temperatura global e das mudanças climáticas. Outra questão é a retirada de direitos. Gente, eu preciso de cinco minutos. Eu prometo que eu termino em cinco minutos. Senador Paim, por favor, permita-me esses cinco minutos. Serei breve. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Já estão assegurados os cinco minutos. A SRA. DULCE PEREIRA (Por videoconferência.) - Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - A história lhe dá o aval para ter, no mínimo, mais cinco minutos. A SRA. DULCE PEREIRA (Por videoconferência.) - Eu agradeço, eu agradeço. A nossa história, não é? Eu tenho líderes. Então, é o seguinte: outra questão séria é a retirada de direitos. A primeira retirada de direito é o deslocamento das pessoas. Essa rede mostra como as pessoas são obrigadas a se deslocar e aquilo que já foi muito bem dito aqui pela Dra. Thais, que é: elas deixam de ter acesso a todos os serviços. Olha, nessas regiões é incrível... Como essas comunidades lutaram pelo SUS, por posto de saúde, por escola, quando elas são forçadas a se a mudar, elas perdem esses serviços e as suas redes são rompidas. Então, a relação com o campo de futebol, onde todo mundo se encontrava, os encontros familiares... E o que é pior: há uma perda econômica imensa. Por quê? As pessoas perdem os quintais. Nessas regiões, normalmente, as pessoas praticam trocas. Vou contar para vocês: eu produzo abacate no meu quintal, e eu troco o abacate do meu quintal - eu, que moro numa área urbana - com o pessoal da agricultura familiar, que não tem a quantidade de abacate que eu tenho, mas que tem as frutas e verduras. Então, isso acabou. Essa rede foi totalmente desfeita, e as pessoas passam a gastar um absurdo; além de uma coisa incrível: as crianças não gostam dessas frutas que compram na cidade. Outro exemplo emblemático é a questão dos quilombos. O Quilombo dos Macacos, na Bahia... Meu caro Senador Jaques Wagner, eu sei do seu empenho. É absurdo o que se faz no Quilombo dos Macacos! Por quê? Porque todos os direitos do quilombo foram retirados. Por quem? Pela Marinha brasileira. Fica ao lado de Salvador, ali em Mateus Leme, e a Marinha brasileira retira cotidianamente terra, retira os espaços de mobilidade, de acesso ao quilombo e retira a possibilidade da utilização da água, além de uma permanente eliminação - a gente não sabe por quem - de lideranças quilombolas. Outro é na Baía de Todos os Santos, das marisqueiras. Hoje, o nível de contaminação - eu não vou mostrar aqui, eu até já tirei - dessa área, a diminuição da possibilidade de alimentos pelas marisqueiras por um polo industrial criado é terrível. Outro exemplo é a prainha do Quilombo Boca do Rio. As indústrias e empresas privadas acabam por eliminar a condição de vida dessas pessoas. A mesma coisa acontece pelo complexo industrial de Aratu, que é ali onde eu tinha mostrado, por que cotidianamente são contaminados os mangues. Vocês não imaginam o nível absurdo de contaminação. |
| R | Para encerrar esses exemplos emblemáticos, eu vou mostrar a questão da ocupação dos territórios urbanos, o que também foi bem dito aqui. Olha, eu cito Salvador porque é a cidade de todos nós, a maior cidade negra, e pela importância cultural que tem para todos nós, é uma referência importante. Mas o Centro Histórico de Salvador hoje é ameaçado - eu vou pular isso aqui porque é uma outra questão - de retirada das pessoas históricas e, direta e especificamente, das pessoas negras. Eu mostrei ali a Ladeira da Preguiça. Você se lembra da música da Ladeira da Preguiça, onde os escravos morriam por carregar muito peso e tudo mais? As pessoas são todas ameaçadas - cotidianamente há a tentativa de ameaçá-las. Aqui, eu fui semana passada à Gamboa. Aqui está o território da Gamboa também ameaçado. Sabe por que eles são ameaçados? Por causa da beleza cênica. E no Tororó, que é uma zona de habitação especial, hoje têm sido derrubados os prédios e tudo mais, com pessoas dentro, muitas vezes, para a construção de um shopping, porque o shopping quer fazer, aqui nessa área onde estão derrubando as casas, o espaço para colocar os seus ônibus, os seus carros, os seus caminhões. Então, essa é uma realidade perversa e a gente precisa entender o seguinte: por parte do Estado, por parte das instituições de Justiça e por parte das corporações há uma prevaricação e também uma estratégia de abandono programado. Essa estratégia de abandono programado existe e é hoje cientificada; o abandono programado para a eliminação, para a prática do genocídio, para a ocupação dos territórios. De forma perversa, os mesmos seres humanos que vão à Lua para buscar água, que fazem experimentos para ver se dá para trazer água da Lua, são aqueles que usam, por exemplo, termos como desenvolvimento sustentável para práticas absolutamente insustentáveis e que são para a construção de hegemonia, que têm, como seres centrais, negros, indígenas, pobres. Eu encerro aqui. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, Dra. Dulce Pereira. Só que me ligaram, inclusive o Jaques me ligou - estou entregando aqui, Jaques, para a Dulce aqui -, porque não apareceram na tela a maioria das falas que você fez sobre regiões que você mostrava; o gráfico, enfim, não apareceu. Se você puder depois, quem sabe, deixar à disposição da Comissão. Só ouvimos a sua fala e vimos a sua imagem... A SRA. DULCE PEREIRA (Por videoconferência.) - Ah, perfeito. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - ... mas os gráficos, as imagens outras que você procurou mostrar não apareceram na tela. A SRA. DULCE PEREIRA (Por videoconferência.) - Ah, desculpem, eu que elas tivessem sido todas vistas. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Não! A SRA. DULCE PEREIRA (Por videoconferência.) - Mas eu me comprometo a deixá-las e a enviar também uma pequena literatura que existe a esse respeito. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Está bem. Muito obrigado, Dra. Dulce Pereira. Vamos ver agora se a nossa querida líder quilombola ativista da comunidade da Ilha de Maré já se encontra, a Eliete Paraguassu. (Pausa.) Parece-me que não. Vamos em frente. Vamos passar agora para o líder Denildo Rodrigues de Moraes, Coordenador Nacional da Conaq. O SR. DENILDO RODRIGUES DE MORAES - Bom dia a todos e todas... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Ele está presencial, vai falar presencialmente lá da Comissão. Eu é que estou no Rio Grande do Sul. O SR. DENILDO RODRIGUES DE MORAES (Para expor.) - Bom dia a todos e todas. Gostaria de agradecer, em nome da Coordenação Nacional do Quilombo e em nome da Coalizão Negra por Direitos, ao Senador Jaques Wagner, com o qual a gente também tem feito um trabalho na Comissão de Direitos Humanos, um trabalho - deixe-me mudar aqui - muito importante o que a gente tem feito, que vai ser lançado dia 30. O lançamento vai ser dia 30. Quero agradecer também o Senador Paim, que é sempre a nossa porta aqui no Senado, na Comissão, e a todos e todas que estão participando, agradecer a todos os que estão nos ouvindo. Nesse sentido, quero dizer que falar sobre mudança climática é falar sobre o futuro que queremos deixar para as futuras gerações. Então, debater sobre isso... É muito importante que a gente debata sobre isso porque a gente vai discutir quais são os caminhos, quais alternativas a gente vai deixar. E não dá para a gente discutir sobre mudanças climáticas sem falar dos impactos ambientais promovidos pela ganância do capital, do que vem fazendo em todos os biomas brasileiros. Quando a gente fala sobre os impactos ambientais, sempre se refere ao bioma amazônico, mas a gente acaba esquecendo os demais biomas, como o Cerrado, que vem sendo atacado constantemente, e o Pantanal, que virou cinzas, virou fumaça. O Cerrado e a Caatinga, através dos grandes empreendimentos no Matopiba e vários outros que vêm, inclusive, desalojando nossos quilombos, desalojando familiares indígenas, camponeses, agricultores da reforma agrária, à prova do campo, da água e da floresta, esses empreendimentos que têm nos assolado são coordenados pela ganância do capital sobre os nossos biomas. A Mata Atlântica, por exemplo, do que tem de Mata Atlântica no país hoje, não chega a 8% do que tinha há 500 anos. E 26%, aproximadamente, estão na região do Vale do Ribeira, no Estado de São Paulo, divisa com o Paraná, para onde o dito cujo que está na Presidência disse que tem um projeto de grafeno, para exploração de minério sobre essa região, sem pensar na relevância histórica, cultural e de biodiversidade que essa região tem para as futuras gerações. |
| R | Também não tem como a gente relacionar tudo isso, todo esse avanço que vem acontecendo nos últimos períodos, sem relacionar ao desmonte das políticas ambientais que vêm acontecendo, ao desmonte das políticas ambientais que vem acontecendo no Ibama, à instrumentalização do Ibama para que não aplique as multas que deveriam ser aplicadas, à anistia total de grandes empreendimentos, de grandes fazendeiros, que vêm desmatando, e aos garimpeiros que estão nos nossos biomas, inclusive em territórios sagrados, quilombolas, indígenas, que vêm detonando toda a nossa biodiversidade. Então, não tem como a gente relacionar toda essa questão da mudança climática sem falar do desmonte da política pública de proteção social ao nosso povo e também da política pública ambiental. Nós temos aí o enfraquecimento do Incra, que não regulariza os territórios quilombolas, nós temos aí o enfraquecimento da Funai, nós temos aí a perseguição dos povos do campo, da água e da floresta, e nós temos também a perseguição dos territórios marinhos, os territórios pesqueiros - a minha irmã, minha colega de luta Eliete vai entrar e vai falar um pouco sobre essa questão. Não tem como a gente não relacionar isso com o racismo ambiental, porque está muito atrelado. O reconhecimento dos territórios quilombolas, a demarcação dos territórios tradicionais, a lentidão de todo esse processo é justamente porque os nossos territórios estão em lugares estratégicos, são lugares onde ainda existe água, lugares onde ainda existe mata, lugares onde existe muito minério, no nosso território. Para nós, esses territórios são territórios sagrados. E, em território sagrado, você produz alimento para a vida. Você não produz a destruição, você produz alimento para a vida e para a alma. A população negra é maioria em todos os biomas. Se a gente for pegar aqui, em todos os biomas nós somos maioria, porque nós somos a maioria da população brasileira. E, quando os impactos das questões climáticas vêm, isso aperta mais o nosso povo, porque o nosso povo é a maioria. Então, o nosso povo é o mais afetado com relação aos efeitos climáticos, tanto o povo do campo quanto o povo que está nas grandes periferias dos grandes estados, porque é onde se enchem os córregos, onde se represa... A gente viu agora Recife num caos danado. E foi justamente nas áreas mais carentes, onde o nosso povo está, porque o Estado brasileiro ainda não criou uma política de reparação sobre o nosso povo. O único lugar que sobrou para o nosso povo foi aquele lugar. E o nosso povo tem passado muita dificuldade, sendo uma das principais vítimas de toda essa questão climática. (Soa a campainha.) O SR. DENILDO RODRIGUES DE MORAES - Só para ir finalizando, as comunidades quilombolas estão em todos os biomas. Quando a Amazônia queima, o nosso povo também queima. Quando o Cerrado queima, o nosso povo também queima. Quando a Caatinga queima, o nosso povo também queima. |
| R | As comunidades quilombolas, os povos indígenas, os povos e comunidades tradicionais e demais povos do campo, da água e da floresta, nós temos pagado um preço muito alto por sermos os guardiões da floresta, os guardiões da biodiversidade, inclusive com a vida e o sangue dos nossos companheiros e companheiras, a exemplo do que está acontecendo e do que aconteceu, no mês passado, no Pará e no Maranhão, onde assassinaram lideranças quilombolas; do que está acontecendo com os povos guarani e kaiowá lá em Mato Grosso do Sul; do que aconteceu com Dom e com Bruno. Nosso povo é o povo que mais tem sofrido. E, para finalizar, a gente quer dizer que é muito importante este espaço, para que esta Casa, que tem poder, que tem o poder de decidir sobre o nosso futuro, sobre as políticas ambientais e sobre a política de salvaguarda deste país, possa nos dar uma resposta, porque nós não podemos mais perder o nosso povo. Estamos cansados de perder o nosso povo! É importante que a sociedade e o povo que nos está ouvindo fiquem atentos, porque é preciso entender a importância de demarcar terras indígenas, territórios quilombolas, territórios de povos e comunidades tradicionais, porque são territórios onde se produz vida, onde se produz biodiversidade e são territórios em que se produz alimento saudável. Os rios não nascem nos grandes centros, as cabeceiras dos rios estão nos nossos territórios. E são os nossos territórios que vão produzir vida, que sempre produziram vida e que vão continuar produzindo vida, porque nós não somos... Nós somos o começo, somos o meio e começo; nós não somos o fim. Nós vamos lutar para sermos o começo de novo, para reerguer a sociedade, para que, de fato, justiça seja feita no campo, para que a gente possa preservar este país, este mundo, este planeta para as futuras gerações. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem! Muito bem! O líder Denildo Rodrigues de Moraes já esteve na Comissão em outra oportunidade. Ele é Coordenador Nacional da Conaq. Foi brilhante, como foi hoje, usando expressões que têm toda uma sintonia com a vida e com todo o ecossistema. Você diz - eu fiquei aqui ouvindo-o com muito respeito, Denildo - que, "quando queima a floresta, queima o nosso povo". Quando poluem as águas, estão matando a nossa gente. Quando, cada vez mais, jogam mais veneno sobre as plantações e sobre as florestas, estão envenenando a nossa gente. Enfim, parabéns! Parabéns pela fala! Mais uma vez, foi uma satisfação ouvi-lo, como foi ouvir todos que falaram. Agora vai ainda... Eu estava aqui com a líder Eliete Paraguassu, ativista, quilombola e líder comunitária de Ilha de Maré, mas ela está com dificuldade para entrar. Então, nós vamos agora para a nossa última convidada, que é a Dra. Bernadete Lopes, psicóloga, especialista em comunidades tradicionais. Por favor, Dra. Bernadete Lopes! A SRA. BERNADETE LOPES (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos! É uma alegria estar aqui com vocês! |
| R | Hoje eu estou num trabalho que é um dos grandes desafios da minha vida, que é trabalhar com as comunidades remanescentes no território de Suape. Suape teve remanejamento de várias famílias, algumas resistiram, não saíram, e nós estamos aqui trabalhando com elas. Coordeno, no Estado de Pernambuco, um grupo da FPI (Fiscalização Preventiva Integrada), que é do Comitê da Bacia do São Francisco. Por isso, hoje eu vou me ater às comunidades e aos problemas que essas comunidades vêm tendo por conta do impacto das mudanças climáticas, mas também de algumas ações, às vezes, até governamentais e outras empresariais. No projeto da transposição do Rio São Francisco, havia vários outros projetos que garantiriam a melhoria de vida dos povos de São Francisco, como a gente chama. E, com a parada, e a gente sabe o porquê, dos projetos estruturais e estruturantes, essa transposição trouxe alguns problemas. Nós temos, na região do São Francisco e aqui - em Pernambuco, Central, Baixo São Francisco, Médio São Francisco -, o problema de assoreamento, que é muito grande. Temos um problema grave de irrigação irregular, que acaba tirando também água que estaria na transposição para acudir algumas comunidades quilombolas e indígenas que se beneficiariam com essa transposição, e acaba essa água sendo perdida ao longo do caminho para essas irrigações. A gente tem também uma outra dificuldade. À medida que as... Por exemplo, aumentou a fiscalização na Bahia, aumentou a fiscalização em Alagoas, e eles foram vindo para Pernambuco, que é a criação de peixe no leito do São Francisco, em alguns lugares, evidentemente. E agora a gente vive uma situação muito complicada, que é a intenção de se fazer uma usina nuclear aqui também no São Francisco, numa região que é de uma comunidade indígena. Em relação a outras comunidades quilombolas em Pernambuco, quilombolas e indígenas - porque a gente tem lá no Rio Pajeú, que é afluente do São Francisco, no Rio Moxotó - também são prejudicados, além de ter mudado o período chuvoso, além de ter mudado o tempo de colheita. Então, aumentou muito a fome, a falta de cuidado, a falta de assistência a essas comunidades. |
| R | A gente precisa - a gente precisa e tem feito - trabalhar com essa questão do Rio São Francisco, para garantir que o projeto volte a ser tratado como originalmente foi pensado, o projeto da transposição. A gente precisa que a fiscalização das irrigações irregulares seja tratada pelas políticas governamentais, e não apenas que as denúncias fiquem no vácuo, as que continuam sendo feitas, como a gente vem fazendo. O Incra aqui em Pernambuco também foi tão enfraquecido quanto em todos os estados. Aqui, a gente só teve duas comunidades quilombolas que foram homologadas. Quanto a uma comunidade quilombola que foi reconhecida e vem sendo tratada no território de Suape, o laudo antropológico não foi concluído. E, segundo informações também do Incra, não havia recurso nem para as diárias, e olha que estamos a 50km da sede. Isso também precisa ser trabalhado. A gente pensa que, com a coalizão e com este tipo de audiência, com a assistência que a gente vem tendo dessas Comissões... A Comissão de Direitos Humanos também já esteve aqui em Pernambuco para a gente visitar algumas comunidades. Alguns (Falha no áudio.)... visíveis nacionalmente, e isso fortalece suas lideranças, fortalece a luta e certamente ajuda a resolver. O que eu, para finalizar, quero pedir aos Senadores, Senadoras e lideranças aqui presentes é que se juntem a nós contra a instalação dessa usina elétrica no Rio São Francisco, no território dos indígenas tuxá, no Município de Itacuruba. É isso. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - (Falha no áudio.)... nossa querida psicóloga, especialista em comunidades tradicionais Bernadete Lopes. Ela está ainda com o microfone aberto? É possível abrir aí? (Pausa.) É possível abrir o microfone? (Pausa.) Está bom. Bernadete, eu achei tão importante a simbologia do encerramento. Se você puder, peço-lhe para reproduzir, simbolicamente, para nós o seu encerramento sobre... A SRA. BERNADETE LOPES (Por videoconferência.) - A minha... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Isso, o pedido que você fez. A SRA. BERNADETE LOPES (Para expor. Por videoconferência.) - Sim. A minha solicitação aos Senadores e Senadoras e aos militantes aqui presentes é que se juntem a nós contra a instalação dessa usina nuclear no Rio São Francisco, no território dos índios tuxá, no Município de Itacuruba, em Pernambuco, e de um outro município que fica do outro lado do rio, que é da Bahia, de cujo nome não me lembro agora. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, parabéns por toda a exposição e pelo fechamento que faz defendendo os territórios dos índios, dos quilombolas e de nossa comunidade preta. Agora nós vamos, Jaques e todos os que estão aqui, para a parte final. E, neste momento, como havia solicitado, eu vou fazer, como havíamos lembrado na abertura, um minuto de silêncio por todas as mortes que aconteceram nas comunidades quilombolas, do povo indígena e dos nossos dois ativistas. Vou pedir, neste momento, um minuto de silêncio. (Faz-se um minuto de silêncio.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - O.k. Agora nós teremos um espaço, Jaques, aqui pela nossa orientação, de algumas perguntas. Eu selecionei duas, mas acho que este seria o momento adequado para os Senadores que quiserem usar da palavra. Depois, cada convidado terá três minutos para sua fala de encerramento e considerações finais. Senador Jaques Wagner, com a palavra. O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Para interpelar. Por videoconferência.) - Mais uma vez, eu queria cumprimentá-lo, cumprimentar os colegas Senadores e Senadoras que participaram nesta manhã desta audiência pública, todos os nossos convidados e convidadas. Parece-me que a companheira da Ilha de Maré acabou não conseguindo entrar. Bom, é para dizer que a ideia que nós tivemos, tanto eu quanto o Humberto, de fazer esta temática é porque eu acho que a obrigação nossa no Senado é dar vozes exatamente à nossa gente, ao nosso povo oprimido, que, muitas vezes, não tem os lobbies que outros têm para fazerem chegar suas demandas e suas ponderações com aquilo que está sendo feito. Então, eu acho que, nesse sentido, está cumprido o papel porque, de qualquer forma, é uma sessão que é pública, é transmitida pela TV Senado, ficam os registros. Bernadete, eu confesso que vou me inteirar, porque eu não conheço esse projeto de usina nuclear no Rio São Francisco. Isso foi discutido lá atrás, até se falava realmente num território de tríplice fronteira entre Pernambuco, Bahia e Sergipe ou Alagoas, que seria um território mais ou menos compartilhado entre esses Estados, mas eu não vi mais nenhum tipo de evolução nesse projeto. Eu vou tentar me inteirar para saber se realmente existe. |
| R | E digo que nós aqui na Bahia, como disse a Dulce, que vivemos num território talvez ou seguramente o mais negro, o mais africano de todos os territórios brasileiros, pelo óbvio, pela chegada dos negros como escravos aqui na época da colonização portuguesa... E é sempre bom lembrar que nós estamos nos aproximando do 2 de julho, que, na verdade, na minha opinião, historicamente, é a independência efetiva do Brasil, e não da Bahia, como querem alguns, porque o Brasil era um só. Se um pedaço do Brasil continuava colônia, então, o Brasil não estava independente. E 25 de junho foi o sábado; em mais um ano a gente transferiu a capital para Cachoeira, o Governador esteve lá, porque em Cachoeira foi a primeira Câmara de Vereadores, ainda em 25 de junho de 1822, antes do chamado Grito do Ipiranga, que proclamou a adesão da Câmara de Vereadores de uma cidade que na época tinha uma importância específica, porque o fornecimento de alimentos vinha todo aqui do Recôncavo Baiano, atravessando a Baía de Todos os Santos, e um navio de guerra da brigada portuguesa, que estava ancorado no Paraguaçu, que na época subia, bombardeou a Câmara de Vereadores causando mortes inclusive lá. Depois, nós tivemos aqui a Batalha de Pirajá, que é famosa, que aconteceu já em 9 de novembro de 1822. E no 2 de julho, quando os portugueses, - por isso eu cito aqui - acoados por índios, negros e brancos, que eram do movimento independentista, por falta de fornecimento de alimentos, acabaram deixando aqui a Baía de Todos os Santos, e daí a gente proclama a independência no dia 2 de julho. Tudo tem história, viu, Paim, e eu gosto de contar porque parece incrível... Eu não tive a sorte de nascer em solo baiano... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Foi bom ouvi-lo. O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Por videoconferência.) - Eu nasci em solo do Rio de Janeiro, mas tenho orgulho de ter feito aqui o Hino da Bahia, que hoje é o Hino ao 2 de Julho, que tem uma belíssima letra, e para valorizar mais ainda o Hino ao Senhor do Bonfim, que é um hino religioso, mas que foi feito para comemorar o centenário do 2 de julho, foi em 2 de julho de 1923, que tem essa letra belíssima, e quem prestar atenção na letra, verá que ele diz: "[...] há cem anos nossos pais conduziste à vitória [...]". E ele falava exatamente da vitória do 2 de julho, da independência. Então, só quero dizer que essa luta é antiga, Dulce, Bernadete, Thais e Diosmar, e é bom que a gente veja também os jovens dela, porque aí a gente sabe que a continuidade vai longe. Eu acho que Dulce colocou uma coisa que é bem dolorosa que nos coloca a raciocinar. A elite brasileira sempre teve realmente essa capacidade, como você disse, de embrulhar para presente as mazelas sociais do Brasil. Eu fico sempre dizendo que, quando a luta da Independência, com Tiradentes e com todos nós, estava na bica de sair, aí D. Pedro fez o grito. Então, passou de novo para a elite nos concedendo. Quando Zumbi e todos os nossos se sustentavam na insustentabilidade da escravidão, a Princesa Isabel foi lá e nos concedeu. Quando o regime militar de 1964 estava nos estertores, os militares sabiamente foram lá e fizeram a transição pacífica e sem maiores dores. Então, é uma questão realmente bem profunda como a elite se antecipa, como diz o ditado, para entregar os anéis, mas não entregar a mão que explora. |
| R | Então, parabéns a vocês! Agradeço terem aceito o nosso convite. Eu gostei, viu, Paim? Não conhecia esse seu apelido, o nosso Zumbi no Senado, porque - viu, Dulce? -, na minha época, quando eu era Deputado, nem sei se havia Deputado negro, quem batizou o espaço cultural da Câmara de Espaço Cultural Zumbi dos Palmares... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Eu estava lá com você no dia da inauguração. Foi você quem batizou. O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Por videoconferência.) - É, mas é importante que a gente tenha os sofredores originais nesta representação. Então, parabéns a todos pela contribuição! E vamos continuar nessa batalha, tentando, pelo menos, neste 2 de outubro, não do 2 de julho, o nosso grito de independência para, pelo menos, encerrar esse Governo da morte que está por aí. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, Jaques! Parabéns pela história que veio enaltecer, aprimorar, qualificar ainda mais o nosso debate aqui, com esses especialistas, todos muito qualificados! Mas deixa eu te contar, então. Tu deste a oportunidade, eu vou contar aqui. E não é uma historinha. Quando eu me elegi Deputado Federal constituinte, junto com o Olívio, o Lula - enfim, aqui, no Rio Grande do Sul, fomos eu e o Olívio -, um jornalista aqui, que negro não era, era mais ou menos como você, escreveu um belo artigo, e eu guardei. Um dia eu vou te mostrar. Ele escreveu o artigo chamado "Teremos um Zumbi no Senado"; foi uma homenagem à nossa eleição pelo PT. Ele já faleceu, mas foi um cara brilhante. A luta contra o preconceito, eu sempre digo, tem que ser de brancos e negros. Foi o que nós fizemos, não é, Jaques? Fizemos um trabalho coletivo, e hoje, você, inclusive me indicou para presidir uma audiência pública que você acertou lá, no exterior; veio para o Brasil e me convidou para presidir, mostrando a importância de brancos e negros que tenham compromisso com liberdade e justiça caminharem juntos. Um abraço, Jaques; foi muito bom te ouvir aqui! Eu tenho aqui uma série de perguntas. Os senhores e senhoras terão três minutos cada um para as considerações finais. Eu separei aqui algumas. No momento em que eu chamar aqui, vocês poderão responder ou fazer os seus comentários desta nossa audiência pública como assim entenderem. Recebi aqui, do Francisco Daniel, do Amapá: "Quais medidas de Governo podem ser tomadas para mitigar os impactos das mudanças climáticas nestes territórios?". (Pausa.) Estou dando um tempinho para que vocês possam assimilar aí. Depois, recebi, Marjorie Tolotti, de Santa Catarina: "Como conciliar a agenda climática com o desenvolvimento econômico [nesse caso]?". |
| R | Luan Felipe, do Rio de Janeiro: "O Brasil carece de investimento [na área rural] nessas áreas. O Estado precisa criar medidas para ajudar esse setor". Ou seja, tem que estar cada vez mais no Orçamento, não é?. Muito bem. E, por fim, mais duas só: "As senhoras e os senhores acreditam que falta de representatividade proporcional nos espaços de poder e nos Parlamentos dificulta a implantação de medidas que promovam o meio ambiente e os povos tradicionais?". É a participação maior de negros e negras nos espaços de poder - e aqui também falando do Congresso, claro. Por fim: "Quais ações são necessárias para que possamos ter uma sociedade mais sustentável?". Eu vou seguir a ordem que eu tenho comigo aqui. O primeiro, então, vai ser o Dr. Diosmar Filho, geógrafo, doutorando em Geografia na Universidade Federal Fluminense, por três minutos, comentários finais, e também pode responder, se assim entender, a algumas das perguntas, ou uma ou outra. Fique bem à vontade! Use bem seus três minutos. O SR. DIOSMAR FILHO (Para expor. Por videoconferência.) - Está bom. Obrigado, Senador, e a todas as intervenções. A gente conseguiu aqui passar essa agenda, a proposta dela. Todas as perguntas não escapam ao fato de que o debate político de mudanças climáticas precisa ser realizado no Brasil. Eu colocaria a última pergunta: "A gente precisa de um Parlamento com a maioria de pessoas negras e indígenas?". É o dever nosso civilizatório em outubro: eleger o maior Parlamento em assembleias e no Congresso Nacional Negro Indígena, em outubro. É um dever civilizatório da sociedade brasileira, são os esforços. Mas a gente vai precisar encarar as leis, a gente precisa encarar as leis, porque as leis não estão sendo cumpridas. A gente tem uma dificuldade hoje... Se você pega essa pergunta do Francisco Daniel sobre o Amapá, a gente está falando de Macapá, a gente está falando de onde está a desigualdade e a vulnerabilidade. As mudanças climáticas no Amapá, no território do Estado do Amapá, tudo o que acontece em um distrito urbano que se chama Macapá tem escala estadual. Então, se alguma tragédia acontece... A falta de luz que teve no ano passado, nós vivemos o apagão no Macapá, que não foi no estado inteiro, foi em um único distrito onde vive a população urbana. Então, tudo o que acontece ali tem impacto estadual. Isso vai se dar também para Roraima, isso vai se dar para Rondônia, isso vai se dar... Quando você pega as questões de Cuiabá, quando você pega o agronegócio e o impacto do agronegócio na vida da população negra para o Município de Cuiabá e o estado, é vulnerabilidade total. Então, se a gente não abrir um debate sobre o que está posto sobre mudanças climáticas no território brasileiro... E aí, Senadores aqui também presentes, o debate sobre o fundo de adaptação que está lá no Acordo de Paris, o debate sobre perdas e danos, tudo isso que a Conaq apresentou aqui está no campo das perdas e danos. É o que o PIB está trazendo na agenda indígena e é o que a gente precisa trazer na agenda racial brasileira. Eu digo assim: quando se fala de população negra, parece que a gente está falando do ativismo. A gente não está falando do ativismo, a gente está falando da demografia. O IBGE classifica a população brasileira por demografia, e a demografia é raça e cor. E a maioria é negra, indígena. Se se juntarem negros e indígenas - aqueles pretos, pardos, indígenas -, é a maioria da população. Então, a gente precisa fazer legislação para a maioria da população. |
| R | Hoje o nosso desafio é que essas duas Comissões, de Meio Ambiente e de Direitos Humanos, abram um debate na população brasileira sobre adaptação às mudanças climáticas e os impactos das mitigações. Nós não podemos caminhar em mitigações para fazer desenvolvimento com o crescimento econômico só. É preciso fazer justiça racial nesse país. Essa é a nossa consideração aqui final. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, Dr. Diosmar Filho, que é geógrafo, doutorando em Geografia na Universidade Federal Fluminense. E enfatizou mais na resposta a importância da comunidade negra e da comunidade indígena estarem nos espaços de poder. E deu, com muita felicidade, o exemplo aqui do Amapá: onde aconteceu a questão mais grave da falta de energia? Foi na região onde estão as comunidades mais vulneráveis, que é a comunidade negra. Muito obrigado, Dr. Diosmar. Foi um prazer enorme ouvi-lo. Eu gosto muito quando ouço também - não é porque eu estou aqui de cabelo branco - jovens com esse potencial que eu notei aqui. Todos jovens, porque o Jaques é jovem também. É um líder incontestável lá no Senado, respeitadíssimo. Então, obrigado, Dr. Diosmar. Foi muito bom te ouvir, prazer enorme. Passo a palavra agora... Vou insistir com a Eliete Paraguassu, ativista, quilombola e líder comunitária da Ilha de Maré. Sei que ela não conseguiu, mas sei que, se ela tivesse conseguido, ia ainda dar muito brilho ao nosso debate. Um abraço, Eliete. Fica para a próxima vez. Passo a palavra agora para o líder Denildo Rodrigues de Moraes, coordenador nacional da Conaq. Já o ouvi em outra oportunidade e tive também a felicidade de ouvi-lo hoje. O SR. DENILDO RODRIGUES DE MORAES (Para expor.) - Então, Senador, eu acho que tanto nós que estamos aqui nesse espaço e como também a sociedade temos um dever com as futuras gerações, inclusive de tentar fazer, cobrar dos gestores aquilo que é papel dos gestores fazer e que eles não têm feito. Quando eu citei, lá em cima, o desmonte total que nós tivemos... Inclusive existe um desmonte total sobre os órgãos de fiscalização, sobre o Ibama. Tem um desmonte total no Ibama, e isso facilita que os grandes empreendimentos aconteçam, facilita também que os garimpos em terras indígenas, em territórios quilombolas e em terras tradicionais aumentem, se alastrem, inclusive o garimpo ilegal. Então, a gente precisa de fato garantir o poder institucional ao Ibama. Segundo, Senador, tem alguns PLs, inclusive, que estão dentro do Congresso, que são PLs contra os quais a gente tem que lutar quando chegarem aqui: o PL da mineração, o marco temporal dos povos indígenas. |
| R | Inclusive, tem o PL da grilagem, que era aquele da Medida Provisória 910, que está no Congresso Nacional, passando as terras quilombolas... (Soa a campainha.) O SR. DENILDO RODRIGUES DE MORAES (Por videoconferência.) - ... para que os próprios agressores possam estar em cima delas. Assim, existem medidas que a gente precisa tomar conjuntamente. Existem ações que a sociedade também tem que chamar à sua responsabilidade. E nós temos um dever muito cívico em 2 de outubro. Nós não aguentamos mais quatro anos do jeito que está. Do jeito que está, nós não aguentamos mais quatro anos. Então, é importante que a gente vá às urnas, que a gente faça esse processo de renovação, e é importante que os nossos negros e negras quilombolas, indígenas, povos e comunidades tradicionais também possam ocupar esses espaços, porque nós também precisamos ser ouvidos com relação às nossas demandas. Nós precisamos também estar ali defendendo a vida do nosso povo. E esse espaço também é um espaço nosso. E tem que ser um espaço plural, um espaço onde, de fato, dialogue a democracia. Que façamos esse dever no dia 2 de outubro! Para finalizar, quero dizer só uma coisa. É importante que tanto Câmara e Senado estejam juntos dentro desta pauta, da pauta da proteção ambiental, da pauta de se discutirem os protocolos de consultas que estão aí, e respeitem, façam com que esses protocolos sejam respeitados, não é? A gente precisa garantir que os acordos firmados sejam respeitados, para a gente proteger para as futuras gerações. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem! Parabéns, líder Denildo Rodrigues de Moraes, Coordenador Nacional da Conaq, que lembrou de pautas muito ruins, muito perversas, que matam o meio ambiente e matam a nossa gente também. Elas têm que ser combatidas. E também vamos lembrar que - permite-me só te cumprimentar e dar um gancho na tua fala -, no Senado, nós aprovamos em torno de 14 projetos de combate ao racismo, que infelizmente vão para a Câmara e lá estão parados. Então, quero fazer um apelo à Câmara dos Deputados para que se debruce, desde a abordagem, desde a injúria... Aprovamos dois aqui, que pararam lá, não é? Existem diversos projetos que aprovamos com muita peleia aqui no Senado. Nós fizemos um rol de 20, e, desses 20, 12 aprovamos agora na época de pandemia. Foram para a Câmara e estão parados lá. Aí, mais do que nunca - a fala dos dois foi neste sentido -, temos que ter mais Deputados e Deputadas negras e negros, índios e índias, da comunidade indígena, da comunidade negra, para que a gente avance esses projetos também lá na Câmara e também no Senado, não é? No Senado, também dá para contar nos dedos quantos existem - e nos dedos de uma mão, hein? E aí vamos contar para ver quantos tem mesmo. Não estou nem dizendo que tem isso aqui, não, hein? Dá para contar nos dedos. Mas vamos em frente. Depois do líder Denildo, vamos agora para a Dra. Thais. |
| R | A Dra. Thais, química e doutoranda em Bioenergia, é educadora popular, cofundadora da Comunidade Cultural Quilombaque e Coordenadora do Núcleo Uneafro Brasil. E faz parte, ainda, da equipe ambiental do Instituto Referência Negra Peregum. Por favor, Dra. Thais. É um prazer ouvi-la novamente. A SRA. THAIS SANTOS (Para expor. Por videoconferência.) - Eu agradeço, Senador, e fico muito feliz em partilhar este momento com pessoas que são referências vivas de luta no movimento negro. Então, muito obrigada, Dulce, Bernadete, Diosmar e Bico. Eu estou honrada em me somar a esse grupo. Fico imensamente feliz. Eu preciso fazer duas pequenas correções aqui. Uma é bem pequena, é quanto à referência ao meu nome foi vinculada à doutora. Eu ainda estou no doutorado, eu estou me doutorando... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Mas pela sua fala, para mim, é doutora e não adianta. Não retifiquem aí: Dra. Thais. Vai, Doutora! A SRA. THAIS SANTOS (Por videoconferência.) - Muito obrigada. E a outra é quando se cita... O Senador Jaques Wagner citou a Princesa Isabel e militares, fazendo referências a ações que foram do movimento popular. Nada foi dado, sempre foi uma conquista de luta da população. Então, há que se ter muito cuidado quando se faz esse tipo de referência às nossas conquistas, desde cotas até o fim do sistema escravocrata instituído no Brasil. Eu disponibilizei aqui a nossa carta de intenções da Coalizão Negra por Direitos e recebi a mensagem de que isso também vai estar disponível no link da nossa audiência pública. Eu agradeço a esta Comissão e peço que as pessoas estejam comprometidas no dia 2 de outubro e, principalmente, nas mesas de debate. Nós teremos a COP 27, no Egito, e as nossas comitivas ainda são de homens brancos e que representam falas tão potentes, lutas tão potentes dos territórios. É uma luta tremenda a gente conseguir recursos e credenciais para colocar as nossas lideranças nesses lugares de debate. Então, que esta Casa, que as pessoas que estejam escutando sejam comprometidas também com o aumento e as condições ideais para que essas lideranças acessem esses lugares! Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Dra. Thaís, vai ser quando mesmo no Egito? A SRA. THAIS SANTOS (Por videoconferência.) - A COP 27 está para novembro, não é, Diosmar? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Em novembro? Muito bem. O.k. Parabéns, Dra. Thais! Fica aqui o seu chamamento também, com elegância. E não me proíba de te chamar de doutora, porque você está dando aula para nós aqui. Fica sendo doutora para todos nós. Quem sabe na tua formatura nós vamos estar lá? Vamos todo mundo lá no dia da formatura. Repito, Dra. Thais Santos, química e doutoranda, como ela pediu, em Bioenergia, é educadora popular, cofundadora da Comunidade Cultural Quilombaque e Coordenadora do Núcleo Uneafro Brasil. E faz parte, ainda, da equipe ambiental do Instituto Referência Negra Peregum. Parabéns! Agora vamos à minha querida amiga, não é? A Dulce esteve comigo muitos e muitos anos, nos governos anteriores, não esses dois últimos, não é? Estivemos juntos e fizemos um trabalho que ajudou muito na construção do Estatuto da Igualdade Racial, de que eu tive a satisfação de ter sido o autor, o primeiro signatário, mas que teve o apoio da bancada negra desde a Constituinte, que eram o Caó, o Edmilson e a nossa sempre querida e Líder Benedita da Silva. |
| R | Dulce Pereira, arquiteta, ambientalista, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Ouro Preto, onde coordena o Laboratório de Educação Ambiental. Movimento Negro Unificado (MNU/MG). A SRA. DULCE PEREIRA (Para expor. Por videoconferência.) - Bem, Senador, é uma felicidade existencial poder estar com você, sabe? Porque ética, retidão e sensibilidade não têm sido a prática cotidiana dos políticos brasileiros, não é? E você faz diferença. Eu começo, então, discutindo essa questão sobre a falta de representatividade. É fundamental que a gente faça uma reviravolta, entendendo que o poder é de homens brancos muito mais velhos do que a média brasileira e que não têm compromisso, de fato, com transformação. Só que não basta eleger negros, não basta eleger mulheres, não basta eleger indígenas e quilombolas que não tenham compromisso com essa transformação. Então, nós vimos aí, recentemente, inclusive neste Governo, o que significa ter pessoas distanciadas da nossa luta. Então, a eleição de bancadas, em todos os níveis, que sejam responsáveis com as causas de combate ao racismo é fundamental; e de combate ao racismo também é como se entende de uma forma coletiva, participativa e, principalmente, com participação das comunidades. E isso leva às duas perguntas do Francisco e do Luan sobre a questão do Estado. Vejam, Francisco e Luan, o Estado hoje é controlado pelas corporações. Aliás, como foi previsto pelo Allende há 50 anos, num discurso famoso na ONU, o Estado serve às elites, o Estado neste Governo é absolutamente comprometido com parte das forças militares - parte; não são todos, não é? - e definitivamente comprometido com um projeto de tomada do país. Não há possibilidade de democracia em governos como este. Então, a nossa responsabilidade é imensa: é preciso que a gente consiga eleger pessoas que sejam dirigentes de Estado com compromisso com o conjunto da população. Se nós formos pensar... Eu diria que, se a gente fosse fazer uma CPI do Estado brasileiro hoje, nós veríamos que é o Estado do genocídio. Vejam a questão da covid, vejam a questão das enchentes, vejam a questão da contaminação das pessoas em todas as diferentes áreas e da conivência com as corporações - exemplo da saúde com a indústria química farmacêutica. Então, é importante entender isso em relação ao Estado. Quanto às questões do clima e desenvolvimento econômico, se quiser, se faz. O Brasil precisa um grande programa de inclusão para o combate à fome, para a segurança alimentar, para a segurança dos territórios, priorizando os territórios históricos, quilombolas, indígenas e tudo mais, e o território em geral, porque a gente tem hoje cidades degradadas. |
| R | Então, uma visão territorial do desenvolvimento já será uma visão com participação coletiva que vai garantir a possibilidade de desenvolvimento - não esse desenvolvimento sustentável que é usado hoje pelas corporações para controlar as pessoas e para aumentar o seu capital nas bolsas de valores e bolsas de futuro, mas desenvolvimento, de fato, que parta da sustentabilidade local. Então, o nosso chamado é realmente para que a gente tenha um Estado dirigido por políticos, porque são eleitos, portanto, responsáveis por essas mudanças e principalmente prontos para ter medidas de governo que produzam transformação real. Não basta ter energia eólica se ela vai matar as comunidades. Não basta ter energia, por exemplo, a partir da água, se se permite a exploração das terras raras. O direito de superfície no Brasil não existe, ele é absolutamente sequestrado das populações negras, o direito à saúde e o direito, principalmente, a um ambiente saudável. Com o ambiente saudável, a população sabe construir a sustentabilidade. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, Dra. Dulce Pereira, arquiteta, ambientalista, pesquisadora e Professora da Universidade Federal de Ouro Preto, que tem ainda o laboratório de educação ambiental. Parabéns pela exposição, brilhante como sempre. Qualquer comentário só vai tirar o brilho da sua fala. Nem penso em querer comentar uma fala sua. Só quero dizer: palmas, palmas. Parabéns! Agora vamos para a Dra. Bernadete Lopes. Ela é psicóloga especialista em comunidades tradicionais. A SRA. BERNADETE LOPES (Para expor. Por videoconferência.) - Bom, bem rápido, quero dizer o seguinte: a pergunta é se é possível o desenvolvimento econômico e a agenda climática. Eu penso que sim, desde que sejam respeitados os povos e comunidades tradicionais e que não se pense em desenvolvimento econômico desconectado das pessoas que estão no território. Então, é possível. Acho que também a gente chegou ao momento em que é possível ter uma maior representatividade negra e indígena tanto na Câmara quanto no Senado. Acho que este Governo nos fez sofrer um bocado, mas também fez algumas pessoas acordarem, fez algumas pessoas repensarem algumas posturas, alguns discursos, etc. Eu quero registrar a minha gratidão por participar deste momento e dizer que, em dois momentos de minha vida, o Senador Paim foi muito importante e, em um deles, fundamental: no reconhecimento do Quilombo dos Silva, quando instalou a Presidência do Senado lá dentro do quilombo. Era a primeira vez no país que a gente tinha um Senador no quilombo... O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Belas lembranças, hein? Belas lembranças. Gostei. A SRA. BERNADETE LOPES (Por videoconferência.) - ... e quando chamou ao gabinete o representante da Aracruz Celulose, que queria de todo jeito tirar os quilombolas de São Mateus, e hoje eles têm uma parte da terra e ninguém os incomoda mais, não foi homologada ainda, não foi entregue, mas... |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Será no ano que vem sem falta. Eu estou prevendo um novo Governo. Então... A SRA. BERNADETE LOPES (Por videoconferência.) - É. E a Dulce Pereira - que tem um compromisso com a gente, para o qual eu estou convidando você para estar junto também -, quando ela estava em Portugal, a gente colocou uma placa com o nome dela numa comunidade quilombola aqui de Pernambuco. A briga para conseguir a terra era com Nossa Senhora de Nazaré. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem. A SRA. BERNADETE LOPES (Por videoconferência.) - Não era registrada, não. E isso ajudou um tanto a essa comunidade quilombola. Quando ela esteve aqui para o congresso do MNU, ela se comprometeu de voltar, e a gente ir lá à comunidade de Timbó. E aí eu estou aqui convidando todos, mas de forma assim bem enfática o Senador Paulo Paim - Dulce Pereira e Paulo Paim -, porque ele sabe o número de fãs que ele tem aqui em Pernambuco. Meu abraço a todos. Contem comigo sempre. Estamos aqui na luta. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem. Estamos juntos, querida Dra. Bernadete. Belas recordações. E, como você tratou do tema aí da usina, a assessoria da Comissão resgatou para este momento de encerramento: A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, S. Exa. o Sr. Ministro Bento Albuquerque, Ministro de Minas e Energia. Assunto: solicitação de informação sobre a instalação da usina nuclear no interior do Estado de Pernambuco. [Você foi uma provocadora desse assunto. E eu, na época, presidia a Comissão de Direitos Humanos e encaminhei ao Ministro o seguinte ofício.] Sr. Ministro, a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal realizou, no dia 5 de junho de 2020, live com o seguinte tema: Dia Mundial do Meio Ambiente: o Brasil pede socorro; é hora de agir pela natureza, pela vida [como estamos fazendo neste momento]. Na oportunidade, foi noticiado que o Governo Federal estaria preparando projeto de instalação de uma usina nuclear no Município de Itacuruba, Estado de Pernambuco, na beira do Rio São Francisco [como a senhora descreveu aqui], onde passa o canal de transposição do rio. Nesse local habitam, há séculos, comunidades indígenas e quilombolas. Representantes dessas comunidades se queixam da falta de participação nesse debate dessa tal usina, o que deixa a população insegura quanto ao seu futuro. Sendo assim, solicito informação a respeito do mencionado projeto para que este Colegiado parlamentar possa acompanhar e envolver a população do município na mais ampla discussão sobre essa situação. Na expectativa de sua manifestação, antecipo o agradecimento. Então, a senhora já nos alertava lá atrás. E a gente fez o movimento, felizmente não aconteceu. Eles deram uma bloqueada. Esperamos que não aconteça. Bom, meus amigos e minhas amigas, foi um prazer enorme. Deram para mim, para encerrar aqui, dois provérbios, mas são frases curtas. Eu vou ler os dois, e vocês vão decidir qual preferem. Um deles diz o seguinte... |
| R | Cadê os dois provérbios, meu Deus do céu, no meio desta confusão? Achei, achei! Estão aqui ó! Um deles, um provérbio africano, diz: "Pouco a pouco, a lagarta consegue devorar a folha da árvore". Aí vem a análise: "Acredito que será assim que iremos combater o racismo, as desigualdades em nosso país, como as lagartas que trabalham diariamente para atingir os seus objetivos". Mas precisamos que os objetivos do nosso povo negro... Para eles serem atingidos, eles precisam estar vivos. Vidas negras importam! O outro, que me trouxeram, diz: "Pouco a pouco, as abelhas constroem a colmeia e produzem o mel". "Acredito que será assim que iremos combater o racismo, as desigualdades em nosso país, como as abelhas que trabalham diariamente para atingir seus objetivos." Vocês sabem que estão matando as abelhas no Brasil e no mundo. Muitas abelhas estão sendo mortas no Brasil. "Nós continuaremos resistindo de uma forma ou de outra. Vamos em frente!" E vamos dizer: "Não esqueçam que, se matarem as abelhas, vocês estão matando o planeta. As abelhas precisam estar vivas. Vidas negras importam!". Os dois, de formas diferentes, têm o mesmo objetivo. Meus amigos, termino. Como sempre digo, para mim é muito bom. Estou dizendo de coração isso. Eu lacrei essa frase na minha alma, ouviu? É muito bom saber que, no mundo, existem pessoas iguais a vocês. É isso que anima a gente a estar em um combate permanente. Uma salva de palmas para vocês! (Palmas.) Vidas negras, de negros e negras, importam! Um abraço a todos! Encerramos aqui. (Iniciada às 10 horas e 01 minuto, a reunião é encerrada às 11 horas e 53 minutos.) |

