14/07/2022 - 4ª - Comissão Temporária Externa para investigar, "in loco", as causas do aumento da criminalidade e de atentados na região Norte.

Horário

Texto com revisão

R
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 4ª Reunião da Comissão Temporária Externa criada pelo Requerimento nº 474, de 2022, que tem por objetivo investigar in loco, no prazo de 60 dias, as causas do aumento da criminalidade e de atentados contra povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos na Região Norte e em outros estados, assim como fiscalizar as providências adotadas diante do desaparecimento do indigenista Bruno Araújo e do jornalista Dom Phillips.
A presente reunião destina-se a obter informações sobre a crescente criminalidade na região do Vale do Javari e a atuação da Funai, assim como ouvir as famílias das vítimas e fiscalizar como está sendo o suporte e os contatos com o Governo.
Está presente nesta reunião o Sr. Jader Marubo, liderança indígena e ex-Coordenador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Ainda participará remotamente desta audiência a Sra. Beatriz Matos, esposa do indigenista Bruno Pereira.
Desse modo, eu concedo a palavra por 20 minutos, mas pode ficar à vontade, Jader, para fazer sua exposição da situação atual do Vale do Javari, da situação das ameaças que você e as lideranças da Univaja têm sofrido, enfim, e das circunstâncias que levaram ao assassinato de Bruno Pereira e de Dom Phillips. Fique à vontade, o microfone é seu.
R
Estão estabelecidos 20 minutos, mas esta Presidência terá a tolerância que for necessária.
O SR. JADER MARUBO (Para expor.) - Bom dia a todos os presentes.
Ainda estamos na nossa região como conhecidos e amigos do Bruno, um pouco ainda enlutados por toda a situação e um pouco ainda com receio de falar, mas, se não falarmos, outros momentos iguais a esse podem acontecer. Então, estou aqui para ajudar no que for preciso, para relatar os problemas da nossa região.
Agradeço ao Senador Randolfe, à Comissão Externa, porque deram visibilidade junto ao Governo Federal para que algumas ações comecem a ser tomadas. Até então, não tínhamos nenhuma resposta do Governo para que pudéssemos garantir a nossa segurança e o bem-estar dos povos indígenas do Vale do Javari.
Eu conheci o Bruno quando ele chegou à Funai, em 2010, após ele ser contratado por concurso público. À época, como coordenador, o recebi e fizemos uma acolhida aos funcionários que acabavam de chegar, naquele momento, ao Vale do Javari. Mas eu vi, naquele momento em que chegava, uma pessoa que vinha disposta a ajudar na luta dos nossos direitos, na proteção da terra indígena Vale do Javari, porque ele vinha com a boa vontade, por já estar apto a andar na floresta.
Em conversas particulares que tivemos na nossa amizade, ele contava um pouco do que ele fazia antes de entrar na Funai, que ele trabalhava coletando sementes para fazer reflorestamento da floresta, e ele se orgulhava, naquele momento, de fazer um outro trabalho, que seria lutar pela proteção dos povos isolados e dos povos indígenas que estavam na terra indígena Vale do Javari.
A partir do momento em que ele vestiu a camisa e a boa vontade dele de lutar pelo território, ele mexeu com pessoas poderosas da nossa região, pessoas essas que lutam para ter o poder. De forma errada ou certa, mas esta é a forma da região: políticos, comerciantes, narcotraficantes, pescadores, caçadores... Então, isso que o Bruno fez.
Garimpeiros...
R
Também cito aqui que a nossa terra está sendo invadida pela parte sul do território por grandes quantidades de garimpeiros, com dragas, que podem fazer uma extinção em massa nas nossas espécies de pesca. E eles estão adentrando num território onde existem bastantes índios Isolados também. E, lá, naquele local onde ele fez a primeira excursão, onde a Polícia Federal queimou dragas, mais de 30 dragas de mineração de garimpeiros, ele mexeu com coisa grande, não é? Nós não tínhamos esse conhecimento porque a região sul fica muito distante do território no qual a gente mais atua. Ficamos sabendo disso depois, porque ele não estava na região, ele estava aqui em Brasília, na Coordenação-Geral de Índios Isolados e, após isso, ele foi demitido, segundo o que sabemos. Com qual interesse ele mexeu não sabemos também.
Então, o Bruno, comigo, a gente atuou, desde 2010, numas ações de direitos aos povos indígenas e à defesa dos povos isolados. À época, a primeira ameaça que tivemos foi numa atuação de direitos políticos dos povos indígenas, o direito ao voto. Naquela época, em 2012, ia ter uma eleição municipal e teve um grande assédio às comunidades indígenas da região, Senador. Ali, naquele momento, vieram mais de 150 canoas de indígenas ao porto do Município de Atalaia do Norte, onde, sem nenhum auxílio de higiene, água potável, etc. morreram... Naquela época, deu isso em cadeia nacional, a Força Nacional de Saúde, se eu não me engano, compareceu porque morreram seis crianças no porto de Atalaia do Norte por rotavírus. E, naquele momento, o Bruno e eu, à época, como coordenador, nós lutamos para que não houvesse mais aquela forma de atuação dos políticos junto às comunidades indígenas, e lutamos para que fossem implantadas as urnas eletrônicas -não digo eletrônicas -, mas as urnas nas próprias comunidades indígenas. Foram implantadas, à época, Senador, sete urnas em pontos estratégicos, que foram determinantes para que não houvesse mais uma situação como essa.
Lembro-me de que, à época, nós fomos ameaçados. Se o Prefeito não fosse empossado, ele iria ceifar nossas vidas, eu principalmente. Fizemos uma denúncia no Ministério Público, fizemos boletins de ocorrência, identificamos vários atos de compra de voto e, eu não sei por quê, não tivemos êxito. Nós tivemos êxito apenas na implantação das urnas, e isso foi muito importante. E, desde aquela época, nós vínhamos sofrendo com a atuação de pessoas que ameaçavam a gente diretamente, que queriam nos matar.
Outro ponto importante foi que ele mexeu também com o brio dos comerciantes locais.
R
Nós fizemos uma denúncia também, e teve uma ação muito grande da Polícia Federal, porque comerciantes estavam captando e tomando posse dos cartões dos indígenas. Vários comerciantes estavam ficando com os cartões dos indígenas, e nessa ação também fomos ameaçados.
Então, o Vale do Javari, Senador, se tornou um problema para esses criminosos, porque quem luta para proteger e preservar aquele território está procurando problema para si, que foi o que aconteceu com o Bruno. Os interesses são enormes, o narcotráfico está instalado, e nós não vemos uma ação...
Na questão do meio ambiente, o Governo retirou a única base do Ibama. Nós não temos uma polícia ambiental, a Polícia Federal, com um número reduzido... Então, eu fico pensando, como cidadão daquele local, como indígena que luta pelos direitos dos meus pares, no que a gente pode fazer. O que a gente deve fazer?
Muitas vezes, nós fomos denunciar ao Ministério Público Federal, que, dentre outras funções, deve proteger o cidadão, e o próprio Procurador dizia assim: "O que eu pude fazer eu já fiz. Agora, eu não posso fazer mais nada". E isso nos revoltava, porque ficávamos pensando: se o responsável, o Procurador, que a gente acha que pode nos ajudar, diz isso, imaginem outras pessoas...
A gente procurou muitos... O senhor sabe que existem vários documentos já com denúncias. Já foi dito e escrito há vários dias, há vários meses, há vários anos que esse crime iria acontecer. Poderia não ter sido o Bruno, poderia ter sido eu, poderia ter sido outro colega indigenista, poderia ter sido outro indígena, mas, infelizmente, aconteceu com o Bruno e com o Dom.
Eu estou aqui, nesse momento... Ninguém da minha família queria que eu estivesse aqui, porque, depois que aconteceu, a gente pensava que a criminalidade iria parar, Senador, mas, quando baixou a poeira das forças militares que estavam lá, voltou ao normal.
Duas semanas após a comprovação das mortes do Bruno e do Dom, estiveram, na sede da Funai e na sede da Unijava, dois cidadãos colombianos que não se identificaram. Na Funai, perguntaram o que ciclano e beltrano faziam e como eles poderiam falar com aquelas pessoas.
R
Felizmente, foi no final do dia, numa sexta-feira, quando alguns estavam fazendo um trabalho externo, e não podia ter acontecido o pior, mas foi feito um boletim de ocorrência pelo responsável da Funai.
Na Univaja, também foram nominalmente perguntar onde estavam ciclano e beltrano, com quem eles queriam falar, para entrar na terra indígena, para conhecer os trabalhos.
Então, assim...
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Isso foi quando, Jader?
O SR. JADER MARUBO - Faz duas semanas, numa sexta-feira.
Também foi feito boletim de ocorrência. Eu tenho aqui foto do boletim de ocorrência - posso passar para o senhor - da Funai. Não tenho o da Univaja.
Isso criou um clima muito pesado na região, principalmente para a gente que faz esse trabalho. Os trabalhos não podem parar, porque o crime não para também, Senador, ele acha outra forma de agir com outras pessoas, e isso nos preocupa, porque o nosso trabalho vai ser, pelo visto, eterno; nós não vamos parar. Hoje sou eu e outros amigos meus, meus parentes, meus primos, o coordenador, que não está na sede - ele está na aldeia, porque é mais seguro você estar na terra indígena, lá dentro, do que fora.
Hoje, Atalaia do Norte, a região do Alto Solimões está muito perigosa. A gente está com os nossos, a mais... Vamos dizer assim, o único direito de liberdade de ir e vir a gente não tem, porque, a qualquer momento, pode acontecer o pior. A gente tem precaução, não saímos, a gente tem uma limitação para ir para qualquer município para resolver alguma coisa. Nós sabemos que o Município de Atalaia do Norte não tem estrutura para ir a Benjamin, ir a Tabatinga. Sabemos, pela mídia também, que o Colômbia foi preso, mas isso não quer dizer que acabou. Nós, que moramos na região, sabemos o poder das pessoas que fazem parte do crime organizado, da forma como eles podem atuar.
Então, eu tenho medo. Como eu falei, na visita dos senhores ao Vale de Javari, nós temos um alvo, sim, nas costas, e nós temos medo. Eu tenho medo.
Sobretudo, nas melhorias, a Funai daqui, de Brasília, que poderia fazer alguma coisa, em nenhum momento, até hoje, não vimos uma página, uma folha escrita, uma palavra dita pelo presidente ou por seus diretores, em solidariedade àqueles que estão lá, porque eu conheço as pessoas que estão lá, que estão fazendo de tudo para que haja um trabalho efetivo, e Brasília não está dando nenhuma resposta.
No sábado passado, chegou um efetivo da Força Nacional. Eles iriam fazer um reforço na sede da CR, para a Base Curuçá, mas, para a Base Curuçá eles não foram, porque nós não temos uma embarcação potente para levá-los e tampouco sabemos, a gente que trabalha nessa região, que vai haver conflito, vai haver apreensão.
R
A gente sabe que, se nós não tivermos uma embarcação, uma logística adequada, não vamos ter êxito nos trabalhos, a gente vai fazer apenas um trabalho paliativo. Nós podemos fazer a segurança apenas da base, não podemos atuar de fato como deveria ser feito para a proteção de um território gigante que é o Vale do Javari, de 8,5 milhões de hectares.
Então, apenas isto que aconteceu de bom: chegou a Força Nacional para fazer a segurança da sede da Funai. Ainda não foram, ainda a base não sabe por que... Não sei. Nós não temos embarcação, a Funai não está disponibilizando recurso para isso, para que seja comprado. Tivemos agora, está com três dias, Senador, os índios isolados, eles estão aparecendo numa aldeia. E os indígenas locais do povo kanamari estão pedindo a presença da Funai, nós não podemos nos deslocar para que haja um diálogo, porque não temos embarcação. Então, assim, que Governo é este que não protege nem o seu território, não fomenta o trabalho para que seja feito de forma adequada?
Então, assim, é isso que eu tenho a colocar.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Jader, só para...
Se algum colega Senador quiser se inscrever para fazer questionamentos ao Jader, esta Presidência faculta.
Enquanto não tem e antes mesmo de passarmos para Beatriz, que está online aqui para falar conosco, permita-me, Jader, já antecipar alguns questionamentos.
Um dia após a confirmação da morte de Bruno e de Dom, o escritório para os direitos humanos da ONU cobrou, isso precisamente no dia 16 de junho, que autoridades brasileiras reforçassem os órgãos federais responsáveis pela proteção dos povos indígenas. Em relação a essa recomendação do escritório das Nações Unidas no Brasil, em relação à proteção das florestas, dos povos indígenas, o que teve de providências da parte do Governo Federal antes do ocorrido, durante o ocorrido e após a confirmação do assassinato de Dom e de Bruno? Na atualidade, houve alguma mudança? Qual é a realidade da segurança local sua e dos povos do Javari?
O SR. JADER MARUBO - Nada, Sr. Senador. Como eu disse para o senhor, como relatei aqui, chegou um contingente da Força Nacional para fazer a segurança da sede e de alguns funcionários da Funai, e só isso foi feito.
Como eu falei para o senhor, não tivemos a hombridade de nenhum dirigente da Funai, de nenhum representante do Governo brasileiro falando pelo menos uma palavra, a não ser os Srs. Senadores e Deputados que estiveram lá, da Comissão Externa, para ser solidários conosco. Como eu estou falando, não houve nenhuma melhoria. Houve uma perseguição; em vez de haver um apoio, tivemos uma perseguição junto à Funai e aos funcionários que estão fazendo esse trabalho local.
R
Houve foi uma perseguição, porque não poderiam falar, não poderiam externar sua preocupação com a sua própria vida.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Após isso e na atualidade, quais medidas foram tomadas pelo Governo, pelas forças de segurança para garantir a sua integridade física, a dos dirigentes da Univaja, a dos povos do Vale do Javari, sobretudo a dos povos não contactados?
O SR. JADER MARUBO - Nenhuma, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Nenhum tipo de providência?
O SR. JADER MARUBO - Não foi tomada nenhuma providência.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Jader, em manifestação pública, a Polícia Federal, em primeiro lugar, tinha informado que não haveria mandante no assassinato do Bruno e do Dom. Depois essas informações foram retificadas. E, pelo contato que esta Comissão teve com o Procurador da República designado pelo Procurador-Geral para acompanhar o caso, a percepção, pelo menos pelo que sabemos, do Ministério Público Federal é de que há características de mandantes.
No dia 8 de julho, o Sr. Rubens Villar Coelho, conhecido como Colômbia, foi detido após apresentar documentos falsos na sede da Polícia Federal em Tabatinga. Ele já era investigado por suspeita de tráfico e envolvimento com pesca ilegal na região do Vale do Javari. A Polícia Federal agora suspeita que Amarildo, Oseney, Jeferson e outras cinco pessoas já indiciadas seriam empregados de Colômbia na região.
Diante disso, eu lhe pergunto: sendo a Univaja conhecedora profunda da realidade local, por que razões Bruno Pereira e Dom Phillips teriam sido vítimas de uma organização criminosa? O senhor teria informações mais relevantes sobre o assassinato que indicariam essa autoria?
Em relação a essa pergunta, Jader, se você não se sentir à vontade em relatar para nós aqui em público, a gente se coloca à disposição para depois reservadamente conversar contigo, está bom?
O SR. JADER MARUBO - Senador, como eu disse para o senhor, eu moro nessa região. E, como falei quando vocês estiveram presentes na sede da Univaja, nós tememos falar em público porque, querendo ou não, você sabe que uma organização criminosa tem membros. E eu temo por mim, pelos outros e não...
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Assim... Então, não precisa detalhar, não. Em seguida... Não precisa detalhar esses fatos, não. Em seguida, nós daremos outros encaminhamentos no âmbito desta Comissão.
Eu só lhe pergunto: na sua percepção e pelo que você relata, por que a Univaja e as lideranças da Univaja têm sido os principais alvos do crime organizado na região do Vale do Javari? Porque todas as ações da... Acho que está mais do que patente a existência de uma casta criminosa que envolve diversas ramificações - pesca ilegal, caça ilegal, garimpo e conexões com o narcotráfico, por que o alvo principal... Pelo que nós vimos quando estivemos lá no Vale do Javari, pelo que nós temos visto dos depoimentos de vocês e pelo que temos visto da atuação de Dom e sobretudo de Bruno, por que os indigenistas, membros da Funai e por que vocês são os principais alvos do crime na região?
R
O SR. JADER MARUBO - Porque fazemos um trabalho de proteção do território, fazemos um trabalho de lutar pelos direitos dos povos isolados que ainda não podem falar por eles. E esse território do Vale do Javari é rico em tudo - não é? - em madeira, pesca, e ele é estrategicamente situado na fronteira do Peru. Então, a Univaja e os membros da Univaja e os funcionários da Funai que estão naquele local fazem uma proteção de um território onde há interesses de várias pessoas diferentes.
E esse trabalho, Sr. Senador, ele não é nosso, ele não era para ser nosso: ele é um trabalho que tem que ser feito pelo Estado brasileiro. Essa ausência do Estado brasileiro fez com que a Univaja vestisse a camisa e fôssemos lutar pelo nosso território, proteger o nosso território. E essa luta fez a gente colocar um alvo nas costas da gente.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - E, em outras palavras, é correto afirmar que a Univaja e os povos do Vale do Javari são a barreira entre a concretização do crime e a atuação dos criminosos?
O SR. JADER MARUBO - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - É a Univaja que tem atrapalhado o serviço deles?
O SR. JADER MARUBO - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Perfeitamente.
Só mais uma última pergunta... Está inscrito aqui o nosso Relator, o Senador Nelsinho Trad. Acredito que o Senador Humberto também deva ter perguntas. Vou passar... Antes de passar para o Senador Nelsinho e depois para o Senador Humberto e, em seguida, ouvirmos a Beatriz, me permita só fazer mais uma pergunta.
Notícias veiculadas na imprensa dão conta de que a Univaja havia articulado um pedido de implementação do protocolo de Garantia da Lei e da Ordem no Vale do Javari. Para que todos compreendam o que significa uma GLO, trata-se de uma missão de segurança nos casos em que há esgotamento das forças tradicionais de segurança pública. E, nesse sentido, eu lhe pergunto: os assassinatos de Dom e de Bruno seriam o reflexo da situação de ausência de lei e de ordem, de atuação do Estado? Na opinião sua e da Univaja, a segurança na região estaria comprometida pela presença das organizações criminosas, do narcotráfico, além de grupos criminosos ligados ao desmatamento, à pesca e a outros tipos de crime?
O SR. JADER MARUBO - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Perfeitamente, Jader.
O Senador Nelsinho está inscrito. O Senador Nelsinho é o Relator desta Comissão. Vou passar para o Senador Nelsinho formular as questões a você, Jader. Em seguida, passo ao Senador Humberto. Em seguida, ouviremos a Beatriz.
Senador Nelsinho Trad, a palavra é com V. Exa.
R
O SR. NELSINHO TRAD (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MS. Como Relator. Por videoconferência.) - Bom dia, Senador Randolfe. Bom dia ao Jader Marubo, que ora faz o seu depoimento, e a todos os colegas que, porventura, estejam participando da sessão presencial ou remotamente.
Eu estou acompanhando desde o início e observei uma certa sensibilidade - até entendo isso - no que tange a responder algumas perguntas. Compreendo isso também, mas eu penso que esta aqui seria interessante que ele respondesse, pois é em relação à estrutura da Funai que atua na região: ele enxerga que realmente existe um sucateamento e quais seriam as medidas mais urgentes para poder reverter essa situação? Essa é a pergunta. As outras, Senador Randolfe Rodrigues - minha assessoria preparou mais seis perguntas -, eu vou determinar à minha assessoria que está aí acompanhando presencialmente que as entregue nas mãos do Sr. Jader para que ele possa responder de uma forma mais reservada para nós.
Peço a compreensão de vocês no que tange a isso, porque a questão da segurança lá é muito sensível.
Era isso.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Perfeito, Senador Nelsinho. Como são perguntas mais sensíveis, obviamente até para proteção do próprio Jader, eu peço à assessoria para encaminhá-las depois para o Jader e para o Jader respondê-las aí, para o conhecimento do nosso Relator. Reitero, como são perguntas mais sensíveis, a opção do Relator - e assim nós o faremos - é não dar a publicidade, até para própria proteção do nosso depoente.
Senador Humberto.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para interpelar.) - Não, eu não teria muitas considerações a fazer, apenas eu me lembro de que, na primeira sessão que nós fizemos para oitiva de pessoas que foram convocadas e convidadas, nós tivemos a presença do Eliesio Marubo, que é o assessor jurídico da Univaja. E ele declarou, muito peremptoriamente, primeiro, que as ameaças continuavam contra as pessoas; e, segundo, que ele não queria ser profético, mas ele achava que outras situações como essa iriam acontecer, nos falando no sentido de que medidas precisavam ser tomadas por parte do poder público.
O que eu pergunto ao Sr. Jader Marubo - e também responda se for possível responder - é, primeiro, se essas ameaças continuam; se ele pensa da mesma maneira, que é provável que situações como a de Dom Philips e Bruno Araújo possam se repetir em um espaço de tempo curto; e, terceiro, se, em relação àquela colocação do Eliesio que falava da necessidade de ações concretas por parte do Estado, elas estão sendo tomadas ou foram tomadas depois dessa tragédia que mobilizou o Brasil e o mundo inteiro.
R
O SR. JADER MARUBO (Para expor.) - Bem, eu gostaria de responder ao Senador - eu não me recordo o nome - que falou há pouco.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Senador Nelsinho Trad, o Relator desta Comissão.
O SR. JADER MARUBO - Senador Nelsinho Trad, sobre a questão do que é preciso ser feito na Funai, é uma estruturação completa: haver um contingente maior de pessoas, principalmente uma estruturação logística. Como eu falei para os senhores, nós não temos embarcação de grande porte, enquanto os criminosos na região têm embarcações de grande porte; as bases têm que ter uma estrutura muito adequada ao trabalho que cabe a elas, e nós não temos. Eu sou conhecedor de causa naquela região, e aquela Coordenação Regional Vale do Javari não tem recurso para que isso seja feito, o recurso é mínimo. Então, seriam estes os pontos adequados: maior contingente de pessoas, uma estrutura em cada base, uma estrutura adequada, melhorias. Só para o senhor ter uma observação, Sr. Senador, nem fardamento temos para fazer identificação de que somos da Funai; nem fardamento básico temos para os agentes que estão lá na ponta, lá nas bases, que estão correndo perigo.
Então, assim, é muito triste que o Governo hoje, pelo que eu conheço... Não por ser eleitor, mas como cidadão e como indígena, eu fico triste que em campanha mesmo o Presidente Bolsonaro falou que ele iria "ceifar". Hoje entendemos o que é ceifar a Funai; ele desestruturou a instituição principalmente naquele local, e isso está prejudicando. E, por causa dessa desestruturação, no ponto vista nosso, dos indígenas do Vale do Javari, ela tem direto, direto... Essa frase do Presidente dizendo que ceifaria a Funai - e essa ceifa, essa forma de falar está desestruturando a instituição - é direta atribuída à morte do Bruno, porque, se tivesse uma Funai forte, se tivesse uma Funai atuante, se tivesse uma Funai que fizesse o trabalho para o qual ela foi criada para fazer, hoje o Bruno estaria vivo. Então, sobre a Funai eu tenho a dizer isso.
Ao que você falou, Senador, não digo profetizar, mas Deus vai nos proteger, porque cabe a ele todo poder, mas tudo indica que pode acontecer de novo sim, porque, como eu coloquei aqui, não só eu, mas o próprio Eliesio, que é meu parente, e outros líderes da região do Vale Javari, outros funcionários de que a Comissão é conhecedora, temos o nome na lista dos criminosos para serem mortos. Não vai acontecer amanhã, não vai acontecer daqui a uma semana, daqui a um mês, mas vai acontecer sim, se nada for feito.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Obrigado, Jader.
Jader, só duas últimas questões.
R
Na nossa diligência ao Vale do Javari, nos impactou muito o depoimento de um indigenista em que ele dizia que a região estava sendo objeto de uma série de invasões, e essas invasões de criminosos de diferentes naturezas estavam ameaçando sobretudo os povos isolados lá da região. No depoimento desse indigenista, ele chegou a completar e dizer o seguinte: "Estamos prestes a ter aqui uma enorme tragédia humanitária, estamos prestes a ter aqui um enorme genocídio, por conta da invasão na terra indígena de diferentes agentes e do contato que tem tido com povos isolados".
Eu queria ouvir de ti, assim, o que tu testemunhas sobre isso e se essa é uma circunstância real, de fato, se essa ameaça existe.
O SR. JADER MARUBO - Senador, existe. Existe, porque a história do Vale do Javari já fala por si só. Para que aquela terra fosse demarcada, foram encontrados três corpos de indígenas isolados, mortos por madeireiros, pela Polícia Federal. Isso correu o mundo à época - eu não me recordo do ano, mas correu o mundo à época -, e a pressão externa fez com que o Governo brasileiro demarcasse a Terra Indígena Vale do Javari. E hoje esses povos isolados andam todo o território, eles não têm uma identificação do que pode e do que não pode. Com certeza, vai haver, se nada for feito. Os índios isolados, como conhecedor da região e como conhecedor dos povos indígenas, não têm a mesma imunidade que temos. Uma simples camisa, um simples facão, qualquer objeto que seja tocado por uma pessoa como eu, mesmo indígena, e entregue à mão deles vai desencadear uma série de doenças dentro da comunidade, onde eles não têm uma imunidade adequada para essas doenças, que são do branco e que foram trazidas há 500 anos com a abordagem dos portugueses dentro desta nossa terra chamada Brasil. O indígena não tem essa imunidade contra essas doenças. Uma simples gripe pode desencadear o extermínio de uma população inteira, que tem uma cultura, tem uma língua, tem toda uma história que não conhecemos. Eu mesmo, como líder e como indígena do Vale do Javari, não conheço a história nem a cultura desse povo, mas respeito a presença deles, respeito a autonomia deles de estarem isolados por vontade própria.
Então, isso é preocupante e pode, sim, acontecer, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Por fim, Jader, pode falar um pouco mais da sua relação com o Bruno, qual a importância do Bruno para você e para os povos do Vale do Javari e qual era a sua relação pessoal com ele?
O SR. JADER MARUBO - Bem, o que eu posso dizer para vocês é que, ano que vem, vai haver grandes encontros em cada povo. O povo canamari, aquela música que o Bruno canta... Eles querem fazer um encontro de agradecimento e também de luto. Querem fazer uma festa cultural em homenagem a ele no dia do desaparecimento dele, porque aquela música marinawá que o Bruno canta é do povo canamari. Então, vai ter essa festa. Será uma festa cultural em homenagem ao Bruno na Terra Indígena Vale do Javari, e cada povo - o povo marubo, o povo matis, o povo mayuruna - também vai fazer. Eu não posso determinar a data, porque ainda estamos fazendo a relação para que não seja uma próxima da outra, mas uma certeza que eu tenho é a de que os canamaris vão fazer e o movimento indígena vai estar todo presente pela relação do canto que ele cantava e pela amizade.
R
O que eu aprendi com o Bruno, primeiro, foi lutar pelo meu território, lutar pelos povos indígenas. Ele me abraçou num momento em que o movimento indígena na nossa região estava muito fraco. Caminhamos bastante de mãos dadas. E falar do Bruno... Ele foi meu amigo e ele ensinou muito aos povos indígenas como lutar e defender a sua terra.
É isso o que eu posso dizer.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Obrigado, Jader.
Ato contínuo, então, passamos a ouvir a Beatriz, viúva de Bruno Pereira.
Beatriz, você nos ouve?
A SRA. BEATRIZ MATOS (Por videoconferência.) - Oi, sim. Bom dia.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Bom dia.
A SRA. BEATRIZ MATOS (Por videoconferência.) - Vocês me escutam?
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Nós escutamos bem, alto e claro.
Fique à vontade. O tempo aqui é de 20 minutos, mas fique à vontade para falar pelo tempo que quiser, para externar, enfim, para relatar o que achar que pode e o que deve para contribuir com os trabalhos desta Comissão.
A palavra está com você.
A SRA. BEATRIZ MATOS (Para expor. Por videoconferência.) - Está bem.
Primeiramente, agradeço aos Senadores, cumprimento o movimento indígena no Vale do Javari, o Jader, meu amigo também. Cumprimento o meu colega também, o Leonardo Lenin, que está aí na audiência, representando a nossa organização, a OPI.
Eu gostaria, primeiro, de dizer que essa fala do Jader no final me comoveu muito, porque me comove muito a solidariedade, o carinho e o respeito que os povos do Javari têm demonstrado ao Bruno e porque a gente sabe que a dedicação dele era completa ao Vale do Javari, aos trabalhos lá. Então, eu fico muito comovida com esse reconhecimento.
Eu trabalho no Vale do Javari desde 2005. Então, eu conheço bem a região, conheço bem também o movimento indígena, as pessoas que estão lá e que participaram das buscas e essa rede de solidariedade e preocupação com o Bruno e com o Dom.
R
Então, eu gostaria de aproveitar este momento e este público para agradecer não só a Univaja, mas todos os indígenas nossos amigos, que se empenharam dessa forma. Quando o Jader fala que vão fazer esses rituais em homenagem ao Bruno, isso me comove muito, me deixa muito feliz, muito agradecida.
Eu queria dizer também que é importante para esta Comissão e para todos que estão acompanhando as investigações que justamente estejam em sintonia, escutando bastante tanto a Univaja, especialmente pessoas da Univaja que estiveram muito presencialmente ali no momento das buscas. Por exemplo, vocês falaram que ouviram o Eliésio, o Jader, também tem o colega Beto Marubo, que é uma pessoa que acompanhou muito de perto, foi ele que me deu a notícia, a primeira notícia do desaparecimento logo no domingo, logo no dia 5.
E preciso dizer que, desde esse primeiro momento, desde as primeiras horas - o Bruno e o Dom deveriam chegar cerca de 9h da manhã em Atalaia do Norte -, desde o primeiro momento, o pessoal da Univaja, o Beto, todo mundo estava lá já na busca pela embarcação deles, por eles, desde a hora um. Isso é muito importante. O Poder Público começou a atuar efetivamente a partir da quarta-feira, se não me engano. Então, é importante que a gente... É claro que a Comissão acompanha a investigação e os desdobramentos daqui para frente, mas é importante também apurar, eu acredito, essa certa demora na ação efetiva do Exército, enfim, do poder público, da segurança, etc.
Eu acho importante também, como família, representando toda a família do Bruno, deixar muito claro que a sociedade, que o... A gente vê esse reconhecimento dos povos indígenas do Vale do Javari, com quem ele estava trabalhando mais proximamente, mas também o reconhecimento dos xucurus, dos pankararus, que estiveram no funeral. Vários movimentos indígenas do país renderam homenagens. Isso mostra que há um reconhecimento de que a luta, que o trabalho que o Bruno exercia vai para além do próprio Vale do Javari, no sentido de que é uma luta em defesa da própria floresta, das condições de vida desses povos indígenas, que, na verdade, são os grandes responsáveis para que haja diversidade no país, para que os biomas estejam preservados; a gente sabe disso. Eles são os grandes responsáveis por essa biodiversidade brasileira e eles não têm sido respeitados. O trabalho de cuidado, de cuidar da terra, de cuidar dos territórios que os povos indígenas exercem tem sido cada vez menos respeitado. Enquanto o mundo reconhece o valor e a importância do trabalho de cuidado desses povos indígenas, nosso país reconhece cada vez menos; muito pelo contrário, criminaliza esse trabalho.
Então, a gente tem visto que a própria Univaja, nesse seu esforço de montar uma equipe de vigilância, uma equipe de monitoramento do território muito voltada para a proteção dos povos indígenas isolados sim... Porque é protegendo o território, o entorno desses povos que se protege o modo de vida deles, autônomo, o modo de vida que eles escolheram, de não estar em contato direto com a nossa sociedade. Então, é através do monitoramento do território, da proteção da fronteira do território, de não permitir que haja essas invasões, não é? Esse trabalho que o Univaja vinha fazendo, que o Bruno vinha fazendo junto com o Univaja é muito voltado para que se garantam as condições de vida desses povos isolados, mas também se garantam as condições de vida dos povos indígenas da região e, em última instância, de todos nós, porque sabemos que, com a destruição desses biomas, nós não temos a menor chance de ter uma vida minimamente decente - estou dizendo enquanto humanidade, e é isso que o mundo tem reconhecido.
R
Eu acho que a luta do Bruno foi reconhecida pelo mundo, e do Dom também, que estava ali reportando isso, denunciando, etc. Então, a luta do Bruno e do Dom tem sido reconhecida mundialmente por isso, porque estamos tendo cada vez mais consciência dessa importância global dessa luta, enquanto o nosso país, não. Nosso país tem criminalizado esse tipo de ação dos povos indígenas.
Nesse sentido, eu acho que... Eu queria só, complementando o que o Jader já falou, destacar essa importância mesmo do trabalho que Bruno e que Dom vinham fazendo. Eu acho que isso não pode ser perdido de vista nunca. Nesse sentido também, eu acho que, enquanto família, enfim, representando a família do Bruno, para mim, é muito importante que esta Comissão, não só isso que vocês estão fazendo, acompanhando as investigações, os desdobramentos... Claro, esse crime não pode ficar impune, assim como até hoje está impune o crime que foi cometido contra o Maxciel, colega de Bruno, colega do Jader, colega nosso que trabalhava também na fiscalização das terras do Vale do Javari.
Lembro que essas balsas de garimpo, por exemplo, que foi a ação que Bruno desencadeou como Coordenador de Isolados da Funai e em que Maxciel também trabalhou, em algumas dessas ações, como colaborador da Frente de Proteção no Vale do Javari, são, por exemplo... Essa região do garimpo é uma região muito próxima de onde se concentra a maior parte da população de isolados do Vale do Javari. E a diversidade de povos ali... São vários povos isolados ali naquela região próxima a esses garimpos, não é?
Então, quando a gente pensa na magnitude da invasão garimpeira ali no sul da terra indígena e na importância daquele lugar como um dos lugares de vida de grande parte desses povos isolados do Vale do Javari... Boa parte está lá, muito próximo à exploração garimpeira. Então, vocês veem que a gente, às vezes, fala de um genocídio silencioso, porque você pode ter mortes de várias pessoas ali sem que a gente fique sabendo, através de contaminação por doenças, ou pelo próprio garimpo, e violência mesmo, ataques mesmo a esses povos, conflitos desses povos com os invasores. Então, a gente está falando de coisas muito grandes que o trabalho do Univaja, junto com o Bruno, e o trabalho do OPI também, o nosso trabalho como OPI... Eu sou membro dessa organização que o Bruno fundou junto com vários colegas. Está aí o Leonardo Lenin, presente, representando a gente também. É esse tipo de trabalho... A importância desse trabalho eu gostaria que ficasse clara.
R
Portanto, para mim, considero que, além de entender com que tipo de coisas o Bruno estava mexendo e por que a morte dele é mais do que uma questão local, acho que é importante colocar isso no âmbito desta Comissão, como é uma questão para além da questão local, do Itaquaí, de onde aconteceu, é uma questão que tem a ver com a segurança, com a proteção desses povos isolados, que tem a ver, como o Jader bem falou, com a total falta de ação do poder público em relação à proteção dessa terra indígena, em relação à proteção dos povos que ali vivem, em relação aos povos isolados que ali vivem.
Como o Jader bem falou, a Univaja vinha realizando um trabalho que deveria ser feito pela Funai, em colaboração com os indígenas, claro, sempre com o protagonismo dos indígenas, mas deveria ser política pública, e a Univaja tomou para si, já que essa política pública não estava sendo realizada. Mais do que isso: é por ter feito esse trabalho, é por fazer esse trabalho que Bruno e Dom foram assassinados. Então, deveria ser política pública, e não fonte de ameaça para as pessoas que estão fazendo isso. Também a gente não pode perder isso de vista.
Outra questão que eu considero muito importante é essa de que... Espero que - eu estou me repetindo - a sociedade veja essa importância. Portanto, eu gostaria que o Presidente do Brasil, que o Vice-Presidente do Brasil e o Presidente da Funai se retratassem, que tivessem de se retratar em relação às declarações indignas, absurdas que eles fizeram concernentes ao trabalho do Bruno, do Dom, da Univaja, e por aí vai. A gente sabe que até processo administrativo... Sei lá, o Presidente da Funai falou em ilegalidade da presença deles ali. Enfim, o Presidente da República falou coisas que eu me recuso repetir aqui. E eu acho que isso não é só uma questão, digamos assim, menor; é uma questão muito séria. É o Presidente da República, é o Vice-Presidente da República, é o Presidente do órgão que deveria representar... É o Presidente da Funai. Eles não estiveram... Sabe, a família não recebeu uma palavra de condolência. No funeral do Bruno, tinha representantes do Governo municipal, do Governado estadual, e não tinha do Governo Federal. Com exceção de vocês, Senadores, e dos Deputados, da Comissão da Câmara também, a gente não teve nenhum apoio.
O Bruno era um funcionário público dedicadíssimo, seriíssimo, hipercomprometido com o trabalho dele. Por isso que os funcionários da Funai estão indignados, estão em greve, estão em movimento. Eles consideram que... Gente, nossos representantes... O Presidente da Funai acusa o funcionário de estar fazendo alguma coisa, em vez de tomar para si a investigação, a proteção, a indignação, o cuidado com a família, com os filhos, enfim. É indignante a falta de apoio que a gente teve da esfera federal deste país. É indignante. A gente viu a manifestação do Primeiro-Ministro britânico, sabem? Então, eu gostaria, como família, de uma retratação sim, mas, é claro, também não sei se esse é o âmbito, enfim. Agora eu estou quase desabafando aqui. Vocês me perdoem se não for o fórum adequado.
R
Outra coisa que eu queria destacar também, sobre que o Jader falou, é que a gente tem quase mais de um mês do acontecimento, e a gente não tem ainda a execução de um plano emergencial para a segurança do Vale do Javari. Os funcionários da Funai lá estão desprotegidos. O movimento indígena está desprotegido. Os próprios indígenas estão desprotegidos. Sobre isso, o Jader deu o depoimento dele. Eles estão lá. Vocês têm que imaginar que é a terra deles, onde eles vivem, onde os avós deles vivem, os bisavós, onde os bisavós foram enterrados. É o lugar de vida dessas pessoas há milênios, há muito tempo. Antes de ter Brasil, os marubos estavam lá, construindo sua vida, sua cultura, tudo que eles são hoje, antes de ter a fronteira Brasil e Peru ali. E nesses lugares, eles não estão podendo transitar, certo? Não é um lugar estranho, é o lugar em que eles vivem, é o lugar deles, e eles não estão podendo andar com segurança. Então, o tamanho do absurdo disso é inominável. São lugares que são anteriores ao próprio Brasil, e eles agora não podem nem andar ali? São deles antes de ser propriamente Brasil ou Peru. Então, enfim...
Essa garantia da segurança, e não só a segurança, digamos assim... Ninguém quer ficar andando escoltado lá. As pessoas querem viver lá como elas vivem. Então, é garantir essa segurança estrutural, ou seja, que o Estado esteja presente não só através da Força Nacional, mas através de ações de manejo do pirarucu ali, para essas populações ribeirinhas, para que elas não sejam cooptadas pelo tráfico, para que se tenha alternativa de aquelas pessoas viverem sem ter que invadir a terra indígena, sem invadir a terra indígena, sem que a opção do crime seja muito mais atrativa e muito mais lucrativa, apesar dos riscos que eles estão correndo. Obviamente, eu não estou justificando nada aqui, mas estou dizendo que a gente sabe muito bem que onde não tem Estado o crime domina estruturalmente, organizacionalmente, dá trabalho para as pessoas e dá... Ali não é diferente de uma comunidade urbana onde isso acontece. Então, isso é a falta de Estado, mas não do Estado no sentido só da segurança ostensiva. Isso também, porque, agora, no momento, a gente precisa disso, mas estruturalmente, com ações de estímulo e incentivo para que as pessoas tenham alternativas de vida naqueles lugares, e, é claro, principalmente, os próprios indígenas.
Então, eu gostaria, enfim, que houvesse esse tipo de desdobramento, que a morte do Dom e do Bruno, já que teve essa comoção nacional e internacional, que eu acredito que é por causa do reconhecimento da importância do trabalho deles, não é à toa obviamente, pelo menos sirva para que as pessoas, para que todos nós, como sociedade, possamos construir uma alternativa ali, naquela região, pelo menos, para que a vida melhore ali e seja possível transitar, como o Jader falou, sem sofrer violência. É um absurdo o que está acontecendo ali neste momento!
R
Então, a falta de ação imediata de um plano emergencial de segurança ali para os povos indígenas do Vale Javari e para os funcionários da Funai eu acho que é um empenho que a gente tem que ter. Também não sei bem se é o fórum adequado aqui, mas, enfim, vocês, como Senadores da República, de uma maneira geral, mesmo que não como Comissão, mas pelas suas atuações, podem se preocupar com isso.
E, por fim, também queria chamar a atenção para essa questão geral dos isolados no país. Atualmente, a gente tem uma série de territórios que são ocupados por esses povos isolados, que estão na figura de restrições de uso etc. e que não têm sido renovadas, que, na verdade, deveriam ser terras demarcadas para esses povos isolados. Os estudos deviam continuar, e isso não está acontecendo. São restrições de uso que estão vencidas e o governo não renova. Atualmente, a coordenação de isolados da Funai não está operante. Então, a gente tem situações lá.... O Jader acabou de falar aí que tem notícias de possíveis contatos que podem acontecer ou isolados aparecendo perto de aldeias de povos não isolados, como o Jader mencionou. E que tipo de plano de ação se tem para isso? A gente está vendo que não há um governo nesse sentido. Então, eu acho que a gente precisa cobrar que a Funai, como o Jader bem falou, seja reestruturada no sentido de... Que o setor de isolados e tal seja... Porque isso era muito a luta do Bruno também.
Então, como família, eu agradeço mesmo a vocês, a esta Comissão. Acho fundamental, acho que o que a gente precisa é não deixar esse crime impune e garantir a segurança dos indígenas e dos funcionários da Funai, dos funcionários do Estado ali na região. Eu acho isso fundamental. E, claro, cobrar a celeridade das investigações, cobrar que essas redes sejam desmanteladas, que a gente consiga... Lembrando também - é a última coisa que eu vou falar - que a Univaja denunciou. Tem uma série de ofícios para o Ministério Público do Amazonas...
Certo! Quinze segundos...
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Beatriz, pode ficar à vontade. Esse aviso de quinze segundos aqui é automático. Pode se estender, pode ficar à vontade, não se limite pelo tempo.
A SRA. BEATRIZ MATOS (Por videoconferência.) - Não, mas é um pouco... Eu acho que é isso.
Assim, eu só queria chamar a atenção de que essas denúncias foram.... Ou seja, que se leve a sério as denúncias que a própria Univaja já produziu antes, esses ofícios em que eles vêm demonstrando que essas pessoas já haviam ameaçado os funcionários da Funai.
A gente tem o episódio do assassinato do Maxciel e, depois, a gente tem episódios de invasores que passaram atirando na base de proteção. Então, vai acontecendo uma escalada, digamos, de permissividade, ou seja, vai acontecendo.... É como se eles estivessem testando: atiram na base, fazem isso, e aí a Univaja denunciava, os funcionários locais da Funai, da frente de proteção alertavam Brasília etc., e nada acontecia. Então, era um crime anunciado infelizmente. Como o Jader falou, aconteceu com o Dom e com o Bruno, mas poderia ter acontecido com outras pessoas.
E é isso! É irreparável a nossa perda, é irreparável a perda do Bruno para o indigenismo brasileiro, para a política de isolados. Ele era uma figura que tinha 41 anos; ele tinha ainda, pelo menos, 30 anos de trabalho pela frente.
R
Então, é inestimável o que a gente perdeu em termos da política para isolados, do trabalho lá na terra do Vale do Javari, da reflexão sobre a relação do estado com os isolados, enfim... O que dizer dos meus filhos? O que eles vão perder? Enfim, isso eu não vou nem colocar aqui na esfera pública, mas eu digo na questão do indigenismo brasileiro, do trabalho mesmo. Ele tinha pelo menos 30 anos de trabalho pela frente. Eu tenho certeza de que, se isso não tivesse acontecido com ele, ele ia ser reconhecido como um grande indigenista que ele era. Não sei agora, mas daqui a 20 anos, entendeu? Ele iria ter prêmio, iria ser reconhecido internacionalmente, iria ter muito trabalho pela frente, dedicação total.
Por isso que são muito indignantes essas declarações que menosprezam o trabalho dele e do Dom, sabe? Eram pessoas muito sérias, muito comprometidas. Eu posso falar pelo Bruno: ele era absolutamente comprometido com o trabalho dele.
Então, assim, eu quero que isso fique muito claro e que a memória dele, que o legado dele seja também muito respeitado.
Eu acho que é isso e agradeço muito a oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Obrigado, Beatriz. Nós que agradecemos.
Antes, parece-me que está inscrito o Senador Eduardo Velloso para fazer perguntas.
Senador Eduardo, nos escuta? (Pausa.)
O áudio está desligado, Senador. (Pausa.)
Senador Eduardo, o seu áudio está desligado. (Pausa.)
Acho que agora sim.
O SR. EDUARDO VELLOSO (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - AC. Por videoconferência.) - Estão me escutando agora?
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Agora estamos.
A palavra está com o senhor, Senador. Fique à vontade.
O SR. EDUARDO VELLOSO (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - AC. Para interpelar. Por videoconferência.) - Perfeito.
Obrigado, Senador.
Primeiro, a gente escutou o depoimento do Jader Marubo. Isso é muito importante para que a gente possa, de alguma forma, através desta Comissão, colaborar. A D. Beatriz Matos também...
Eu gostaria de complementar a colocação que o nosso nobre Senador Nelsinho Trad fez em relação à proteção mesmo. O que a gente observa é que realmente é unânime, assim: o pessoal da Univaja, os próprios índios, o pessoal da Funai, o movimento indígena, todo mundo teoricamente está ameaçado, certo?
E, para que nós possamos melhorar o nosso relatório e pedir alguma providência nesse sentido - nós escutamos também que isso vem há vários anos, talvez até mais de 20 anos, desde a remarcação; existe essa fragilidade em relação a essas pessoas, à vida dessas pessoas -, eu gostaria de saber do Sr. Jader qual foi o momento, qual foi o ano em que esse povo se sentiu mais seguro? Qual foi a política usada para que a gente possa cobrar do Estado? Então, assim, eu queria saber qual foi o momento, qual foi a atuação e como foi a atuação do Estado nesse momento, alguma sugestão mesmo para que nós possamos complementar o nosso relatório no sentido de dar algum caminho para que isto ocorra o mais rápido possível: a proteção de vocês.
Era isso o que eu tinha para perguntar, Senador.
Obrigado.
R
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Obrigado, Senador Eduardo.
Jader...
Depois ainda há mais duas perguntas para fazer a Jader e também a Beatriz.
Aliás, Jader, não somente para você responder ao Senador Eduardo, mas, aproveitando, o desaparecimento de Dom e Bruno ocorreu no dia 6 ou 7 de junho?
O SR. JADER MARUBO (Para expor.) - No dia 5.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - No dia 5 de junho.
Logo após o desaparecimento, quais foram as ações por vocês empreendidas e a partir de quando começaram a se organizar as buscas por ambos? A partir de quando os órgãos do Estado brasileiro iniciaram as buscas por ambos e qual foi a atuação, nesse momento, dos povos do Vale do Javari? Mas essa é uma pergunta subsidiária.
Eu peço que você responda primeiro à pergunta do Senador Eduardo; e aí, em seguida, se puder, gostaríamos de ouvir esse seu depoimento sobre as buscas a Dom e Bruno.
O SR. JADER MARUBO - Senador Eduardo, nós tínhamos uma vida, vamos dizer assim, um pouco melhor até meados de 2010, 2015, mais ou menos. A gente tinha, vamos dizer assim, uma liberdade de ir e vir de forma tranquila. Nós tínhamos uma relação, vamos dizer assim, não efetivamente da forma como deveria ser, mas a gente tinha uma relação tranquila com os populares daquele município. Mas, como eu falei anteriormente, começamos a mexer com os brios políticos e comerciantes locais e, a partir de 2012, veio essa situação muito ruim.
Em relação a ataques que a gente vem sofrendo desde 2018, por coincidência, a partir do momento em que houve a campanha para a Presidência de 2018, com as propostas do atual Presidente, descaradamente os criminosos ficaram, vamos dizer assim, com mais vontade, eu acredito, de fazer o crime, porque eles se sentiam mais seguros. Eu não sei por que, mas, de 2018 em diante, a gente teve muitos ataques, muitos ataques. E, em 2019, nós vimos que havia, vamos dizer assim, uma falta de ações do Estado e viemos nos articulando para fazer a proteção do território por conta própria, o que a Univaja até hoje está fazendo. Em 2019, após uma pressão no Rio Curuçá pelo Maxwell, pelo Leandro e pela atuação do Bruno, que, à época, eu acredito que estava na Cgiirc, o Maxwell foi assassinado e houve um desmantelo da Funai, porque os servidores ficaram todos abalados. Acho que 50% do contingente à época pediram remoção. Alguns pediram licença médica por problemas - vamos dizer assim - psicológicos. Hoje mesmo eu digo que o coordenador local da frente de proteção de índios isolados, o Leandro, corre perigo. Ele também estava junto com o Maxwell no serviço, o Segat (Serviço de Gestão Ambiental e Territorial). Ele também fazia o trabalho junto com o Maxwell, o Bruno e o Paulo, outro servidor. Muitos pediram para ir embora, e realmente saíram. E eu não tiro a razão, porque como você vai ficar em um local onde você não se sente seguro para trabalhar? A dignidade de você trabalhar se dá pela instituição na qual você está. Ela tem que te dar estrutura para você estar bem no local, para você empregar um trabalho adequado.
R
De 2018 para cá, Senador, a gente vem vendo um declínio da nossa segurança e das invasões. Elas estão sendo mais maciças nessa forma. Os garimpeiros na região, a gente ouviu falar muito, anos atrás, anos mesmo, muitos anos, que uma pessoa, duas pessoas faziam um garimpo - vamos dizer assim - de forma até primitiva, mas hoje nós vemos que grandes empresas, grandes comerciantes estão fomentando isso para que haja uma invasão. A pecuária também, no lado sul da terra indígena, está invadindo a terra indígena e também, aqui pela parte norte, os pescadores, caçadores e madeireiros, e a fronteira toda invadida por narcotraficantes. Então, a gente viu que a partir de 2018 a gente começou a ter dor de cabeça diária, porque a gente sabe que o nosso território, por ter muitos índios isolados em todos os lugares, não é um local... Não é determinado assim: "nesse lugar tem e para cá tudo não tem". Não. Em todo o território do Vale do Javari onde você adentrar, existe vestígio de índios isolados e isso é muito - vamos dizer assim - importante para nós. Nós temos que proteger os nossos parentes. É por isso que a Univaja, por falta do poder público, entrou para fazer a ação de proteção do território.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Obrigado, Jader.
A Senadora Leila Barros, salvo melhor juízo, está inscrita. Senadora Leila?
A SRA. LEILA BARROS (PDT/PDT - DF. Por videoconferência.) - Estou sim, Sr. Presidente.
Bom dia, Randolfe! Bom dia, Jader!
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Bom dia, Senadora Leila. Fique à vontade.
A SRA. LEILA BARROS (PDT/PDT - DF. Para interpelar. Por videoconferência.) - Bom dia, Beatriz, todos os Senadores que estão presentes, presencialmente e no remoto, e todos que nos acompanham nesta audiência.
Primeiro, eu quero externar os meus sentimentos, a minha solidariedade à Beatriz e a toda a família pela perda do Bruno, que de certa forma abalou a todos nós, enfim, fez levantar toda nossa indignação em muitos de nós, aqui dentro desta Casa, muitos liderados por você - não é, Randolfe? -, com a iniciativa desta Comissão tão importante neste momento para a gente estar acompanhando essa investigação e principalmente a questão da segurança levantada ali pelo Jader Marubo, essa preocupação, no Vale do Javari, de toda a comunidade, principalmente dos indígenas que ali vivem.
R
Sobre isso, Jader, eu gostaria de perguntar a você... Nós fomos informados sobre a existência de um plano para as bases da Funai ali no Vale do Javari, desenvolvido pela Univaja. Eu pergunto: vocês poderiam nos falar desse plano, desde a sua elaboração, e o porquê de sua não implementação?
Eu tenho outras perguntas, Randolfe, mas, respeitando também a questão que a gente já entendeu aqui, a questão da segurança, pela integridade do Jader, principalmente a dele, que teve a coragem de estar hoje aqui conosco nesta Comissão, eu também vou pedir para a minha assessoria encaminhar as perguntas para ele e, enfim, depois ele, na medida do possível, vai poder responder para a gente.
Mas eu pergunto sobre a implementação desse plano que, a princípio, a Univaja tinha elaborado, o porquê da não implementação, se ele poderia nos falar um pouquinho desse plano.
É isso. Obrigada, viu, Jader? Bom demais revê-lo aqui conosco.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Obrigado, Senadora.
Jader.
O SR. JADER MARUBO (Para expor.) - É um prazer falar com a senhora de novo, Senadora. Bom dia.
A SRA. LEILA BARROS (PDT/PDT - DF. Por videoconferência.) - Bom dia.
O SR. JADER MARUBO - A questão é... Como eu falei aqui, o trabalho da Univaja... Quando o movimento indígena foi criado, a partir de 1989, nós não tínhamos conhecimento dos nossos direitos. Nós não sabíamos quais eram os direitos dos povos indígenas até 1989, um ano após a Constituição Federal, quando a gente começou a se organizar para fazer a demarcação da nossa terra, porque, a Carta Magna, a nossa Constituição dizia que o território era nosso e tinha que ser reconhecido. Então, a luta começou aí.
E a gente entendia que o movimento indígena, à época, que a Univaja tinha que lutar pelos nossos direitos básicos, tirar documentação, vamos dizer assim, fomentos agrícolas... Então nós ficamos muito nisso.
Depois da demarcação da terra indígena, a gente achava que seria seguro ficar em casa, numa boa, e tal, mas a gente viu que não, porque parece que, quando fizemos a demarcação, fechamos um território que era muito predado à época, porque os indígenas à época, anteriores a mim - meu tio, meus avós, os outros parentes indígenas, de outras etnias -, falavam que eles tinham limite de ir e vir, porque, a partir de um certo ponto, existiam comunidades não indígenas e a gente não podia mais passar por ali. Depois que demarcou, que essas comunidades foram retiradas desses locais, essas pessoas, que conhecem o território, ficam invadido, fomentadas pelo crime organizado.
No que diz respeito à Univaja, é isso. Mas, com a fragilização da Funai, a partir de 2019, que é o órgão diretamente responsável pela proteção, vamos dizer assim, pela proteção do nosso território, nós sentamos, se não me engano, em 2012, em 2015, através do Bruno, como coordenador da CR Vale de Javari, e a gente começou a falar sobre a proteção do nosso território, Sr. Senador, a proteção do território.
Então fizemos dois grandes encontros de lideranças indígenas. O Bruno me ajudou a fazer esse trabalho. Então, desde aquele momento - parece que a gente estava prevendo o futuro -, a gente queria proteger o território porque o Governo não estava fazendo mais um trabalho adequado.
R
A partir de 2015 em diante, a gente vinha fazendo esse planejamento de proteção à revitalização do perímetro da terra indígena, porque esse trabalho de proteção territorial está inserido dentro desse trabalho da Univaja agora, nesse momento: a revitalização, colocar as placas, porque muitas foram arrancadas pelos invasores. Então, a Univaja, através da EVU, ia fazer essa implementação, a revitalização das picadas do perímetro da terra indígena e a proteção em si, porque está no plano a gente construir casas de apoio em locais determinados, onde vão ficar indígenas para fazer a proteção do território de fato, porque a Funai não está fazendo o trabalho dela. Então, a Univaja entrou nesse plano por causa dessa situação. De forma clara, estou colocando aqui que esse plano existe, sim, deu um freada. Os indígenas estão com medo porque como é que você pode fazer um trabalho se você não está seguro, se você não tem segurança para fazer aquele trabalho? Mas, mesmo assim, nós somos guerreiros. A gente está enlutado nesse momento. Na minha cultura, eu não estou aqui com vestimentas adequadas para um grande encontro porque, para mim, em outros momentos, quando a gente vai ao Senado ou vai a alguma instituição, a gente vai enfeitado porque a gente vai falar com pessoas que a gente chama de lideranças, os líderes brancos. O Senador aqui é uma liderança. Eu tinha que vir com a minha vestimenta tradicional, cultural, com a qual eu demonstraria respeito por estar na sua presença, mas eu estou aqui vestido que nem um branco, porque estamos enlutados. Nesse sentido, eu posso dizer que o trabalho deu uma freada por causa da morte do Bruno e do Dom, mas ele vai prosseguir, porque a gente está esperando o pessoal, porque, vamos dizer assim, algumas lideranças indígenas foram às suas comunidades fazer reflexão, fazer pajelança, vamos dizer assim, alinhar o espírito para que a luta continue. Então, vamos ter um retorno, acho que daqui até o final do mês. Vamos sentar e vamos discutir para fazer esse plano de novo para dar prosseguimento aos trabalhos.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Senadora Leila. (Pausa.)
Está sem som. Senadora, está sem som. Está sem som aí.
Agora sim.
A SRA. LEILA BARROS (PDT/PDT - DF. Por videoconferência.) - Rapidamente, Jader. Antes do episódio do assassinato do Bruno e do Dom, eu fui para uma viagem junto com a Senadora Eliziane e a Joenia. Nós fomos visitar as terras ianomâmis sobre aquele caso do estupro da indígena e da criança de três anos que morreu afogada no rio. Nós fomos numa diligência para a Terra Yanomami para acompanharmos a questão do garimpo ilegal lá na região. Passamos lá um dia, dois dias.
Aí eu pergunto para você, com relação ao Vale do Javari: qual é a principal atividade, quais são as principais atividades que ameaçam ali a comunidade? Por exemplo, na Terra Yanomami, era claro: os 20 mil garimpeiros nas terras. Ali no Vale, é a pesca ilegal, o garimpo, o narcotráfico? Você pode assim...
R
É só esta questão: eu gostaria de saber, especificamente, quais são as atividades que, de fato, ameaçam ali a região.
O SR. JADER MARUBO - Certo, Senadora. No Vale do Javari a ameaça direta - hoje! -, neste momento, está sendo o garimpo, a retirada de madeira, a pesca e a caça ilegais, dentro do nosso território, coisas que estão acontecendo neste momento.
A gente pensava que ia parar, com essa questão do Bruno e do Dom, com a morte deles, mas ainda continua. A poeira baixou, como eu falei. Todas as forças militares e as autoridades se retiraram já da região e parece que nada aconteceu. Como eu falei sobre a questão da Funai também, nada aconteceu.
O que, realmente, de fato, hoje, neste momento, chegou de autoridade foi a Força Nacional, com oito agentes: quatro iriam ficar na sede da Funai para fazer, vamos dizer assim, a segurança; quatro se deslocariam para a Base de Curuçá, onde o Maxciel, morto em 2019, trabalhava. Então, quatro seriam deslocados para lá, mas a gente viu que não seria esse o contingente correto para estar numa base onde a gente sabe que tem uma atuação direta do narcotráfico. Seria você ter um problema.
Então, por serem policiais, a gente sabia que eles iam atuar da forma como eles são, vamos dizer assim, destacados a fazer, mas a gente - os indígenas e a própria Funai local - teve uma reunião dizendo que não era bom quatro pessoas, até porque nós não temos embarcação, nós não temos logística. Se houvesse um conflito ou, eventualmente, alguma ação, de fato, naquela região, nós não poderíamos dar uma resposta rápida, porque, para você chegar à Base de Curuçá, em um barco potente, em uma lancha muito potente, leva-se de sete a oito horas. Então, se você atacar ou fazer um trabalho junto aos criminosos - como falei antes, eles têm uma logística melhor do que o próprio Estado -, a gente está arriscando vidas de agentes de segurança e a gente preferiu que eles não fossem.
São essas as atividades que, neste momento, estão atuando na nossa região, Senadora.
A SRA. LEILA BARROS (PDT/PDT - DF. Por videoconferência.) - Grata.
Obrigada, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Obrigado, Senadora Leila.
Senador Humberto.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para interpelar. Por videoconferência.) - Senador Randolfe, eu, na verdade, queria dirigir a minha pergunta à Beatriz, primeiro, externando a ela a minha integral solidariedade, os nossos sinceros sentimentos e o nosso reconhecimento da importância do papel que Bruno Araújo teve e vai continuar tendo, pelo simbolismo de tudo o que ele fez em defesa da Amazônia, em defesa, especialmente, dos povos originários do nosso país.
R
Existe um fato concreto de que ele, em um determinado momento, por conta de não estar sendo aproveitado naquilo que era sua responsabilidade, seu trabalho, optou por pedir o afastamento da própria Funai.
Eu gostaria de ter uma informação um pouquinho mais precisa sobre o que, de fato, aconteceu. Fala-se da questão de uma operação que teria acontecido para combate ao tráfico, ao comércio ilegal de madeira, e a posição dele teria sido malvista por parte da Funai, e, a partir disso, ele teria sido colocado numa posição de não participar mais ativamente de ações lá na região.
Essa versão confere? Há alguma coisa mais que possa ser objeto da nossa investigação?
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Beatriz, você ouviu o Senador Humberto?
A palavra está contigo.
A SRA. BEATRIZ MATOS (Para expor. Por videoconferência.) - Ouvi, sim.
Então, bom, o Bruno assumiu a coordenação-geral de povos indígenas isolados e de recente contato da Funai, e, justamente, o Jader falou desse momento em que parece que as ameaças e as ações de invasão se intensificam, e é concomitante com o que acontecia aí em Brasília. É por isso que a gente reforça tanto a importância de a Funai estar bem estruturada com pessoas que conhecem o trabalho, que é um trabalho muito delicado e muito específico esse com os povos indígenas isolados e povos de recente contato.
No caso, o Bruno estava coordenando uma série de ações, entre elas uma bem conhecida, que foi essa de desmantelamento de balsas de garimpo no sul da Terra Indígena Vale do Javari. E eu acredito que é essa que o Senador estava mencionando. E, logo depois de ele realizar essa ação, em conjunto com a Polícia Federal e diversas instituições pertinentes ali, ele recebeu o aviso de exoneração, de uma hora para a outra. Ele foi exonerado do cargo de coordenador da Coordenação-Geral de Isolados, e isso já em 2019, justamente.
E aí, na sequência, assumiu um coordenador que era ligado a missões religiosas, a Missão Novas Tribos do Brasil, que são, enfim, instituições que têm um interesse muito mais, digamos, um interesse contrário à política do não contato, à política de proteção territorial dos isolados, porque são instituições que, ao contrário, buscam o contato, buscam a conversão dos isolados, enfim. Então, viu-se que a Coordenação de Isolados começou, então, a... Aí, ele foi designado a voltar para o posto que ele ocupava na base, na Frente de Proteção do Vale do Javari, na unidade da Funai específica do Vale do Javari ali para a questão dos isolados, na Frente de Proteção do Vale do Javari. Então, ele foi exonerado do cargo de coordenador e, imediatamente, ocupou a posição que ele estava, que era ali na Frente de Proteção do Vale do Javari, mas sob esse tipo de ameaça.
Então, além de a vida dele estar sendo ameaçada, e dos demais colegas, houve o assassinato do Maxciel, como o Jader também falou aqui. Ele entendeu isso, que ele estava, começaria a sofrer perseguição, estava sofrendo já perseguições dentro da própria Funai por ter feito ações que eram de responsabilidade dele como coordenador-geral. Então, ele foi exonerado da coordenação, foi para a posição que ocupava antes, mas nessa condição percebendo já essa perseguição em relação a ele.
R
Então, o que ele fez? Tirou uma licença não remunerada para cuidar de assuntos particulares, que é um direito de qualquer servidor, durante três anos. E, justamente, ele não pediu exoneração da Funai, ele era completamente comprometido com a Funai, acreditava na Funai, era totalmente, como a gente chama, "funaiano". Então, ele tinha esse comprometimento com a Funai. O que ele queria era tirar essa licença para assumir essa assessoria à Univaja, que o estava convidando: "Você pode nos assessorar pra a gente se qualificar para poder fazer essas equipes de monitoramento do território e tudo isso?". Esse era um trabalho que ele já idealizava desde quando estava na Funai, sendo coordenador.
Então, ele entendeu que o que ele achava importante fazer no momento ele conseguiria fazer com mais condições nessa posição de assessor da Univaja, a convite da Univaja. Por isso ele pediu essa licença; continuou trabalhando, mas licenciado da execução da frente de proteção onde ele estava lotado. Foi isso que o Jader falou: vários outros colegas também pediram afastamento, pediram exoneração da Funai, coisa que o Bruno não quis. Ele jamais cogitou sair da Funai, ele somente viu que as condições estavam muito difíceis, mas em momento nenhum ele cogitou isso.
Eu falava com ele: "Bruno, pede exoneração, vai trabalhar em outro lugar, porque você tem condições de trabalhar onde você quiser!". Mas ele acreditava mesmo na Funai, ele acreditava que essa política dos isolados devia ser protagonizada pelos indígenas e pelo Estado, inclusive um Estado laico, não por missionários.
Enfim, é isso, ele pediu essa licença temporária, de três anos, para fazer esse trabalho junto à Univaja. É isso: uma licença não remunerada.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Senador Humberto. (Pausa.)
Senador Humberto? (Pausa.)
Senador Humberto, seu microfone...
Agora, sim!
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Por videoconferência.) - Sim, sim.
Quero somente agradecer à Beatriz e, mais uma vez, reiterar nossa solidariedade e nosso compromisso com a luta em defesa dos povos indígenas da Amazônia e, acima de tudo, com o esclarecimento completo desse processo tão brutal que aconteceu e que levou à morte tanto do Bruno quanto do Dom Phillips.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP. Para interpelar.) - Obrigado, Senador Humberto.
Beatriz, permita-me só mais duas perguntas complementares?
O que você poderia falar para nós sobre o relacionamento do Bruno com Dom Phillips? Desde quando existia? Qual era o papel do Dom? No que Dom e Bruno trabalhavam juntos? O que você poderia nos detalhar em relação a isso?
Uma segunda pergunta, se você também puder sobre ela dissertar, sobre a trajetória profissional de Bruno: qual a relação que Bruno teve ou tinha tido com os diferentes governos ao longo do tempo da permanência dele na Funai, incluída, obviamente, a relação que teve ou estava tendo - ou se não tinha - com o Governo atual?
Só para concluir, gostaríamos de ter esses dois esclarecimentos seus.
R
A SRA. BEATRIZ MATOS (Para expor. Por videoconferência.) - Em relação ao Dom: o Bruno tinha, assim... Ele sabia muito da importância da documentação séria, não sensacionalista, não preconceituosa do relato que certos profissionais como o Dom faziam em relação à realidade ali da Amazônia. Ele entendia que isso era uma frente importante para auxiliar na proteção desses povos, especialmente dos povos indígenas isolados, porque, como eles não têm voz própria - enfim, a opção pelo isolamento e a vivência deles obviamente não permitem -, a política é que eles tenham direito a esse modo de vida. Independentemente das instituições brasileiras do Estado e dessa comunicação direta com nós não indígenas, que eles tenham esse direito de viver da maneira como eles entendem. Ali ele entendia que parte dessa força para a proteção era o conhecimento pela opinião pública dessas realidades, da realidade desses povos.
Então, para pessoas como o Dom, que fazia um trabalho documental sério, que ia in loco, que não ficava fazendo reportagens por telefone, mas que participava das expedições, o Bruno abria espaço. Ele abria espaço para alguns profissionais, para alguns jornalistas sérios que têm essa preocupação, que têm esse know-how também de documentação e, enfim, de seriedade. Então, o Dom participou de algumas expedições com o Bruno.
Eles tinham uma relação de amizade. Eu não cheguei a conhecê-lo pessoalmente, porque justamente era mais nesses momentos de expedição mesmo que eles se encontravam. Eu sei que ele fez uma expedição importante com o Bruno em 2018. Enfim, eles tinham sempre uma comunicação por telefone. Eu não cheguei a conhecer o Dom, mas, enfim... Então, eu diria que a relação do Bruno com o Dom era essa parceria mesmo de trabalho e de respeito mútuo, tanto que ele estava acompanhando o Dom num trabalho desse tipo, em que o Dom estava querendo documentar as ações da Univaja, a relação dos indígenas com o entorno. Eles iam entrevistar, se não me engano, pessoas dessas comunidades ribeirinhas. Então, eu acho que era essa a relação - de trabalho, de respeito mútuo e de amizade - que parecia muito clara.
Em relação à trajetória do Bruno, bom, ele trabalhou... Assim, ele tinha essa relação muito forte com o interior, com as plantas, com a mata desde pequeno. Quando ele fazia jornalismo, em Recife, a terra natal dele, ele foi para trabalhar com reflorestamento, até como o Jader mencionou, ainda jovem. Acho que com 20 anos, vinte e poucos anos - não sei direito agora nada -, ele foi, então, para a região de Balbina, trabalhou lá com reflorestamento e tudo.
Depois, em 2010, ele passou no concurso da Funai, que era um sonho dele. Ele sempre falava que tinha esse sonho de trabalhar com os indígenas. Então, em 2010, ele passa no concurso da Funai e vai para Atalaia do Norte. Então, em 2010, ele vai para lá. Em 2010, foi um momento em que a Funai estava sendo reestruturada. Houve uma reestruturação da Funai, e ele rapidamente assumiu a coordenação regional. Acredito que por essa dedicação total dele e por esse comprometimento, rapidamente ele chegou e, logo depois, assumiu a coordenação. Por quê? Por causa da capacidade de trabalho dele, do comprometimento, do envolvimento total que ele tinha ali com a terra indígena. Então, ele assumiu essa coordenação.
R
E, enfim, ele era muito correto, assim, sério, sabe? Não tinha muito esse envolvimento político no sentido... Claro, isso é uma política. O trabalho dele era político nesse sentido, claro, mas eu digo que ele não tinha envolvimento com, por exemplo, políticos locais. Ele fazia o trabalho independente disso, tanto que às vezes contrariava os interesses de alguns políticos locais, ali da região de Atalaia do Norte e tudo.
Isso sempre teve um certo embate ali porque é o que acontece com quem faz um trabalho sério. Se você tem lá um trabalho como coordenador regional da Funai de Atalaia do Norte, você vai de encontro a certos interesses locais que querem justamente explorar a terra indígena, que não querem uma terra indígena preservada, que querem explorar os recursos dos indígenas, a despeito da lei brasileira inclusive.
Então, havia esse tipo de relação local algumas vezes conflituosa e tudo, sempre teve. Acho que todo mundo que trabalha no interior do Brasil com questões delicadas, fundiárias e tal, acaba tendo, quem é sério, funcionário sério. Mas isso, muito comprometimento com a política pública, com o órgão público, com a Funai, com a administração da Funai, com a legalidade das ações, certo?
Então, realmente ele pedir licença da Funai, essa licença que eu falei antes, é algo muito... Ou seja, era muito sério o motivo que o levou a fazer isso, porque ele era muito comprometido com a Funai, sabe? E com essa ideia também da política pública fortalecida, com a ideia de que o Estado tem que ser presente, com a ideia de que a política pública para isolados deve ser incorporada mesmo pelo Estado. No sentido também de que o Estado tem que ouvir as lideranças indígenas sempre porque são eles que conhecem os seus territórios e tudo.
Então, eu acredito que a postura dele não mudava de governo para governo - entende? -, que o comprometimento dele era o mesmo nesse decorrer.
Não sei se eu respondi sua pergunta, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Beatriz, quero agradecer o seu depoimento, ao mesmo tempo em que me solidarizo com Jader pela perda de um amigo, como ficou externado aqui nesta oitiva, eu apresento aqui as solidariedades minhas e desta Comissão a você e aos seus filhos.
Que Deus possa confortar o seu coração. E eu acho que para os seus filhos fica o belo ensinamento do que foi o pai deles, da demonstração de amor. Eu acho que a maior demonstração de amor coletivo e de amor pelos povos, por outros povos, que ele fazia questão de contactar e fazia questão de com eles trabalhar, é a célebre imagem, que é de conhecimento de todos, dele cantando junto com os povos do Vale do Javari - a forma como ele cantava.
Jader, inclusive, me conta uma história sobre a música que era cantada por Bruno e pelos povos do Javari. Era uma música do povo...
O SR. JADER MARUBO (Para expor. Fora do microfone.) - Kanamari.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Kanamari. E que quer dizer o quê, Jader?
R
O SR. JADER MARUBO - Marinawá é Deus no dialeto do povo kanamari. Então é uma música em relação à natureza de Deus.
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP) - Então, Beatriz, eu acho que você tem um ótimo exemplo para dar para os seus filhos, sobre o papel que o pai deles desempenhou e pelo amor que ele teve para com os outros. Eu quero, do fundo do coração, apresentar toda a nossa solidariedade. Acho que nenhuma manifestação humana de conforto é o suficiente para superar a perda de vocês, tanto sua, quanto dos seus filhos. Aliás, nenhuma manifestação humana é suficiente para consolar o coração de vocês, dos seus filhos e dos povos do Vale do Javari, que tinham em Bruno alguém como irmão, como pai. Eu acho que o Bruno teve filhos com você e deixou também vários órfãos no Vale do Javari.
A melhor forma que temos que fazer em homenagem a ele, a ele e a Dom, é o trabalho por justiça e o trabalho na defesa dos povos do Vale do Javari - todos os povos: os povos contactados e os povos não contactados.
Antes de concluir, eu queria fazer aqui dois registros.
Quero registrar a presença do Leonardo Lenin.
Aliás, antes... (Pausa.)
Bom, mas antes nós estamos tentando organizar aqui uma homenagem, de improviso, para terminar esta oitiva, esta audiência pública.
Antes de terminar, teremos alguns requerimentos para apreciar.
Eu queria aqui registrar e agradecer a presença do Leonardo Lenin Santos, do Observatório de Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Contato Recente. Queria agradecer não somente a presença, mas todo o apoio que tem prestado a esta Comissão e o acompanhamento que tem feito aos trabalhos desta Comissão.
Da mesma forma, quero agradecer a presença aqui da Andrea Bitencourt Prado, dos Indigenistas Associados, também do Sindsep, do Distrito Federal. Queria agradecer a presença e a contribuição de ambos para com esta Comissão.
Incluo para apreciação, ainda nesta reunião, os seguintes requerimentos extrapauta.
Requerimento nº 018, de 2022.
Requer que sejam prestadas, pelo Sr. Diretor-Geral da Polícia Federal, Márcio Nunes de Oliveira, informações sobre as operações realizadas na Região Amazônica e onde ocorreu a intensificação das atividades nos últimos anos, em qual quantitativo, em quais áreas específicas, tendo em vista o aumento da criminalidade na região.
Esse requerimento é de autoria do Senador Nelsinho Trad.
As Sras. Senadoras e os Srs. Senadores que concordam permaneçam como estão. (Pausa.)
Aprovado.
R
Requerimento nº 019, de 2022, requer sejam prestadas pelo Sr. Ministro de Estado da Justiça, Anderson Gustavo Torres, informações sobre a atuação da Funai no caso envolvendo o indigenista Bruno Pereira e o Sr. Dom Phillips.
Neste requerimento, especificamente, que sejam prestadas as seguintes informações:
1. Quantas operações foram feitas no Vale do Javari nesses dois anos? Que sejam apresentados os requerimentos comprobatórios dessas operações.
2. Por que Katukina, coordenador interino da Coordenação Geral de Índios Isolados, negou o direito da família de Bruno Pereira ao acesso de informação a todos os processos da Funai relativos às buscas e investigações?
3. Desde o desaparecimento, quantos processos a Coordenação dos Povos Indígenas Isolados (CGIIRC), na chefia do Sr. Geovânio, instruiu sobre o desaparecimento do Bruno Pereira?
4. Relatos de bastidores falam que o único apoio que a CGIIRC fez foi apoio administrativo para auxiliar a equipe do Vale do Javari no fluxo de orçamento. Perguntamos qual o apoio finalístico e que apoio foi elaborado nesse período.
Enfim, é um conjunto de informações sobre Dom Phillips e sobre Bruno Pereira e também sobre o caso de Maxciel Pereira endereçado ao Sr. Ministro de Estado da Justiça.
É o Requerimento 019, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues.
As Sras. e os Srs. Senadores que concordam permaneçam como estão. (Pausa.)
Aprovado.
Requerimento nº 020.
Requer, nos termos regimentais, a realização de reunião especial, no dia 09.08.2022, pela passagem de dois meses do assassinato de Bruno Pereira e de Dom Phillips.
Esse requerimento também é de autoria do Senador Randolfe Rodrigues.
As. Sras. e os Srs. Senadores que concordam permaneçam como estão. (Pausa.)
Aprovado.
Aprovados esses requerimentos, antes de encerrar, queria terminar esta reunião com um vídeo que Jader nos emprestou. É um vídeo que Jader me entregou já no dia de nossa visita à Univarja. É um vídeo com Marinawá, "Deus" na linguagem do povo kanamari, música que ficou muito célebre cantada pelo Bruno. Bruno a apresentou para todos nós, a apresentou para o mundo. Esse vídeo foi apresentado pelo Jader e tem imagens da região. Vamos então, antes de concluir...
(Procede-se à exibição de vídeo.)
R
O SR. PRESIDENTE (Randolfe Rodrigues. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/REDE - AP. Fala da Presidência.) - Antes de encerrar, coloco em votação a Ata da 3ª Reunião, solicitando a dispensa da leitura.
Senadores e Senadoras que aprovam permaneço como estão. (Pausa.)
Aprovada.
Não havendo mais nada a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
Convoco as Sras. Senadoras e os Srs. Senadores para a conclusão dos trabalhos desta Comissão logo após o recesso, na primeira semana de agosto deste ano.
(Iniciada às 11 horas e 02 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas.)