10/08/2022 - 30ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

R
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência. Por videoconferência.) - Bom dia a todos e a todas!
Declaro aberta a 30ª Reunião da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 4ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura.
A audiência pública de hoje será realizada, nos termos dos Requerimentos nº 5, de 2020, da CDH, e nº 44, de 2022, da CDH, ambos de autoria do Senador Paulo Paim, para um ciclo de debates sobre democracia e direitos humanos, com foco hoje na situação das comunidades quilombolas do Brasil.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800-0612211.
R
Participarão hoje como nossos convidados presenciais: Márcia do Angico, Coordenadora Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq); Célia Cristina da Silva Pinto, Coordenadora Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq); Katia Penha, Coordenadora Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq); Maria Rosalina dos Santos, Coordenadora Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq);
Ainda participarão presencialmente também: Ronaldo dos Santos, Coordenador Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq); Roberto Potácio Rosa, Coordenador Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq); Antonio Mendes, Coordenador Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Dada essa pequena informação, também na linha das informações, farei a abertura da audiência, situando a todos, falando aqui sobre o tema, em torno de cinco minutos. Depois passaremos a palavra aos nossos convidados, que terão também de cinco a oito minutos. Num segundo momento, teremos debates e, por fim, os encaminhamentos e o encerramento.
Faço a minha fala da abertura sobre o tema. Quero, em primeiro lugar, agradecer ao Presidente, o Senador Humberto Costa, e ao Vice-Presidente, o Senador Fabiano Contarato, da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, e a toda a equipe de funcionários aqui da Comissão, que estão sempre à disposição. Agradeço pela realização desta audiência pública, que tem como objetivo debater a situação das comunidades quilombolas no Brasil.
A palavra "quilombo" é originária do idioma africano quimbundo e significa "sociedade formada por jovens guerreiros que pertencem a grupos étnicos arrancados de suas comunidades". A Constituição Federal, no art. 68... E eu fui Constituinte, eu estava lá, ajudei a escrever esse artigo, junto com a bancada negra - Benedita da Silva, Carlos Alberto Caó, já falecido, e Edmilson Valentim. O art. 68 do ADCT diz o seguinte: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos".
R
No Brasil, não se sabe ainda ao certo quantos quilombolas existem. Segundo levantamento da Fundação Cultural Palmares, são em torno de 3,6 mil grupos. Apenas 154 foram titulados. De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), 1,7 mil grupos estão aguardando a conclusão dos estudos antropológicos ou a emissão de laudos técnicos para conquistar o título de forma definitiva.
Cuidar do meio ambiente é também proteger e respeitar os povos originários - quilombolas, indígenas e os povos das florestas -, que combatem o desmatamento e a degradação ambiental. Os movimentos sociais denunciam o descaso do Brasil com o meio ambiente. E o país é o quarto no mundo que mais mata ativistas ambientais, como ocorreu recentemente no Amazonas, de acordo com o relatório da ONG Global Witness, que dá esses dados que aqui eu estou apresentando para o Brasil via todo o sistema de comunicação do Senado.
A pesquisa informa ainda que o ano de 2020 foi o mais letal desde o início do levantamento, em 2012, onde 227 pessoas foram assassinadas, uma média de quatro mortes por semana - crime hediondo!
O Estado brasileiro precisa agir e proteger quem protege o nosso meio ambiente. Não podemos nos calar! Pelo contrário, na Amazônia Legal são destruídas por dia - e aqui eu continuo denunciando - mais de 1,5 milhão de árvores e há perda diária de em torno de 2,7 mil hectares de florestas. Vejam a gravidade dos fatos! Os dados são do painel PlenaMata.
No ano de 2021, o Governo brasileiro editou uma instrução normativa para acabar com a proteção dos territórios quilombolas. Assim, junto com as bancadas de oposição e do Partido dos Trabalhadores e trabalhadoras - bancadas de oposição! -, assinado por todos os membros do Partido dos Trabalhadores e trabalhadoras, encaminhamos o PDL nº 226, de 2021, que susta essa atrocidade. Porém, ainda a matéria não foi apreciada devidamente na Casa.
R
O descaso ambiental, muitas vezes direcionado aos povos originários, foi denominado, há mais de 40 anos, pelo líder afro-americano dos direitos civis Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr., no ano de 1981. Dizia ele do racismo ambiental, que é a discriminação racial na elaboração de políticas ambientais, aplicação de regulamentos e leis, direcionamento deliberado de comunidades negras para instalações, inclusive de resíduos tóxicos, com presença de venenos e poluentes e com risco de vida a comunidades, e exclusão de pessoas negras da liderança dos movimentos ecológicos. É uma denúncia muito, muito grave.
O exemplo que podemos aqui destacar é o Quilombo Rio dos Macacos, que delata, todos os dias, as múltiplas formas de violência que sofre há décadas. O quilombo é localizado na mesma área onde foi construída a Base Naval de Aratu, em Simões Filho, Região Metropolitana de Salvador.
A Constituição Federal, a nossa Constituição Federal, repito... Fui Constituinte e sou um dos poucos em plena atividade no Congresso Nacional desde que promulgamos a Carta Magna até hoje. Estou aqui desde aquele período histórico e nunca saí por motivo nenhum. Muitos saíram para serem Governador, Presidente, Secretário de Estado e voltaram. Mas eu sou um dos poucos, eu diria - não cabem em uma mão -, que foram Constituintes e ficaram dentro do Congresso desde aquele período até hoje. Então, conheço bem o que estou falando e o que está acontecendo.
A Constituição Federal, no art. 225, §3º, diz que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados". Isso se dá independentemente da obrigação, é claro, de reparar os danos causados. Apesar da norma, os infratores continuam agredindo o meio ambiente, a natureza, as comunidades, e me parece que não se intimidam porque não há o papel fundamental que o Estado deveria fazer.
Com a pandemia, as luzes se ascenderam para as desigualdades históricas do país, como o racismo e suas variáveis. Estamos às vésperas das eleições de 2022, e as candidaturas das mais variadas siglas partidárias e mandatos precisam garantir, em seus planos de ações de governo, políticas públicas para a preservação do meio ambiente e para a segurança de suas lideranças. Infelizmente, lideranças negras e as das comunidades dos povos indígenas são assassinadas covardemente.
O Estado não pode pensar em saneamento sem a proteção do meio ambiente, sem moradia decente, sem iluminação pública, sem saúde, sem comida nas panelas, sem educação, sem trabalho digno, sem um salário mínimo decente. Infelizmente acabaram até com a política de salário mínimo, que eu ajudei a construir - viajei todos os estados do país -, que era inflação mais PIB. Ela não existe mais. E o salário mínimo, que tiramos de US$60, depois, na época de Fernando Henrique, positivamente construímos os US$100, depois continuamos avançando, com a inflação mais PIB, e chegamos a US$350, hoje está recuando. Já estamos em torno de US$330, US$300... Estamos em torno de US$230, US$240.
R
As comunidades quilombolas e todos os povos originários precisam estar na agenda da paz, da solidariedade, da harmonia, da fraternidade, do atendimento com tratores, com máquinas agrícolas; têm que estar no Orçamento da União, porque eles estão lá produzindo e protegendo o meio ambiente. Estou me referindo aqui à importância de uma agricultura familiar que englobe a todos, agricultores, brancos, negros, quilombolas, indígenas. A proteção do planeta é fundamental. Enfim, que ventos novos nos tragam a esperança novamente.
Estamos aqui fazendo a abertura desta audiência. Axé! E um grande e um bom debate para todos nós.
Enquanto aguardo a chegada dos convidados, eu vou agora aproveitar este momento para ler o voto de pesar que apresentei no Plenário do Senado e que apresento também aqui, porque essa é a Comissão de Direitos Humanos, que também será lido e encaminhado aos familiares pelo Senado da República.
Requeiro, nos termos do art. 221 do Regimento Interno do Senado Federal, inserção em ata de voto de pesar pelo falecimento de Sirmar Antunes, bem como a apresentação de condolências a seus filhos e ao Governador do Estado e à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Eu sou o autor desse requerimento, sou aqui do Rio Grande do Sul. E sou uma daquelas pessoas que diz que o Brasil e o mundo precisam ainda saber a verdadeira história dos lanceiros negros. Sirmar era, eu diria, um símbolo dos lanceiros negros. Ele era ator.
O ator gaúcho Sirmar Antunes morreu na manhã desse sábado, aos 67 anos, na Casa do Artista Riograndense, onde estava morando. Com quase 50 anos de carreira de teatro, no cinema do estado, o artista teve um infarto por volta das 6h e não resistiu. Sirmar Antunes era natural de Porto Alegre. Iniciou sua carreira artística como ator de teatro nos anos 70. Morou em São Paulo, onde trabalhou na TV Bandeirantes e na Casa de Cultura Leide das Neves como voluntário, tornando-se arte-educador para jovens de menor renda, na área do teatro. No cinema, integrou o elenco de obras clássicas, como: O Dia em que Dorival Encarou a Guarda, Netto Perde a sua Alma, outro filme, e Lua de Outubro. E como eu disse antes, ele era considerado o símbolo dos lanceiros negros. E foi dele que eu recebi a lança dos lanceiros negros, aqui em Porto Alegre, e também numa apresentação que ele fez nesta Comissão de Direitos Humanos, aí no Senado.
R
Fica aqui o meu carinho, o meu abraço aos familiares. Tenho muito orgulho de ter nele um amigo, um guerreiro que representou, digamos, nos tempos atuais, como ninguém, a história, a saga dos lanceiros negros.
Eu apresentei projeto sobre os lanceiros negros, aqui no Congresso, para que eles estejam entre os heróis da pátria, já que eles foram assassinados covardemente no momento em que era acertada, combinada a paz, em que foi prometido a eles liberdade, que não seriam mais escravos. Mas, infelizmente, não foi o que aconteceu. Quando eles entregaram as armas, foram covardemente assassinados, porque havia, na época, um medo da elite da época de que aquele momento, que foi antes da abolição da escravatura, pudesse ser um laço - digamos -, um rastilho de pólvora que poderia, em todo o Brasil, assegurar a liberdade permanente dos negros na nossa pátria.
No Festival de Cinema de Gramado, no ano passado, ele recebeu o Troféu Leonardo Machado, pela sua carreira no cinema gaúcho. Com esse prêmio, pretendemos fazer jus à estimável contribuição de Sirmar Antunes, negro, para o cinema gaúcho, um ícone cuja história se confunde com a de nosso cinema e cuja imagem está eternizada em tantas obras que marcaram a nossa produção, justificou o júri do evento.
Sirmar era chamado de operário das artes porque desempenhou, na sua carreira artística, funções, como um farol iluminador, e foi diretor de grandes peças de teatro e de cinema. Ele retratou parte da história do povo e dos artistas negros do Rio Grande do Sul e do Brasil.
Pelas redes sociais, a Casa do Artista Riograndense lamentou a morte de Sirmar e falou da sua bonita história de vida. A cultura brasileira perde um ícone dos palcos, das telas, das palavras, da nobre arte de interpretação.
R
Sirmar Antunes, negro, símbolo de uma luta que ainda não terminou. Eu diria, como botei no meu Twitter: "Segue em paz, velho lanceiro negro, com teu telurismo universal de amor e igualdade". Ficam aqui meus sentimentos aos familiares desse símbolo da história dos lanceiros negros.
Colocados esses dois momentos, da abertura e da homenagem que fizemos a Sirmar, a partir de agora, com os convidados já presentes do Plenário, eu vou começar a passar a palavra sobre o tema o qual já descrevi aqui para todos os nossos convidados.
Eu passarei a palavra, para falar sobre as comunidades quilombolas, na amplitude da abertura que eu fiz, de imediato, se ela estiver presente, à Márcia Angico, Coordenadora Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). (Pausa.)
Chamarei, então, o Sr. Roberto Potácio Rosa, Coordenador Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
O tempo é seu, meu querido amigo Roberto Potácio. O limite são oito minutos, mas você fique à vontade para falar de cinco a oito minutos.
O SR. ROBERTO POTÁCIO ROSA (Para expor.) - Quero dar uma boa tarde aí ao pessoal deste gabinete, que faz esse dia a dia desse gabinete; saudar também o Exmo. Sr. Paulo Paim, Senador do Rio Grande do Sul, meu estado; saudar as demais lideranças quilombolas de outros estados - hoje nos somamos nessa empreitada de estar aquilombados aqui em Brasília -; saudar também a companheira Terezinha Lopes Paim, que é a Coordenadora Executiva da Federação das Associações das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Estado do Rio Grande do Sul; e os demais componentes que vão compor esta mesa.
Estava dizendo ao Sr. Senador que a nossa vinda, a nossa estada aqui em Brasília, não é meramente o acaso, mas, sim, uma situação de grande preocupação, uma vez que, nesse curto espaço de três para quatro anos, todos os avanços e as conquistas sociais da população negra e da população quilombola especificamente retrocederam e desapareceram, haja vista que a gente não tem nenhuma menção de nenhuma política ou de nenhuma preocupação com a questão quilombola, com a demanda dessa população que busca, no seu dia a dia, o reconhecimento dos seus territórios.
R
Desde então, é assegurado pela Carta Magna, lá no art. 68, esse direito. Apesar dos avanços, mais uma vez enfatizo, não logramos o êxito de avançar nessa proposta nesse curto espaço de tempo, desses três para quatro anos. O que nos resta dizer é que o que tinha enquanto política de titulação, de demarcação para as comunidades quilombolas, foi esvaziado, haja vista o orçamento que se tem; mal apenas dá para o Incra visitar uma ou outra comunidade, mas não tem nenhuma participação de advocação do Incra no que tange a tocar os procedimentos administrativos na questão da demarcação do território.
Preocupa-nos também o grau de dificuldade e de abandono em que estão jogadas essas comunidades por ausência da presença pública da participação do Governo com políticas públicas que venham a atender a demanda, a necessidade dessas comunidades. Temos, por exemplo, a questão da produção, a questão da agricultura de subsistência, nós temos a questão da educação, a questão da saúde, entre tantas outras políticas públicas que retrocederam e hoje estão longe do alcance dessa população. É um Governo que tudo faz para nos invisibilizar cada vez mais, é um Governo que produz na sua agenda a extinção de tudo que é política que possa atender a demanda dessa população.
Por isto a nossa vinda a esta Casa: por entendermos que esta Casa, como guardiã da Constituição, esta secretaria de recursos humanos, pode ser, sim, o nosso refúgio na busca pelas garantias daquilo que na Carta Magna está consignado enquanto direito social dessas comunidades.
Temos também um vasto abandono na questão urbana, a questão dos quilombos urbanos, a falta da política pública de saneamento básico, habitação. E aí a questão da habitação e do saneamento inclui também as comunidades rurais. E nós estamos, então, num total abandono dessas políticas. Mesmo tendo essa proposta garantida pela Constituição de 1988, passamos e atravessamos essa dificuldade de gestão ou má vontade do Governo que aí está em não querer atender a demanda dessas comunidades. Por isso, a nossa estada aqui hoje nesta secretaria de direitos humanos, da qual V. Exa. está comandando os trabalhos, é um grito; não só é um pedido de socorro, mas também é uma denúncia deste Governo que aí está e do desmonte que está sendo feito em todas as conquistas sociais, em todos os avanços conquistados de lá até então. Precisamos sair dessa inércia e buscar alternativas que possam minimizar a situação que ora estamos vivenciando em nossas comunidades tradicionais.
Sem mais para o momento, espero que os outros colegas possam ilustrar um pouco mais isso que trouxe para a análise desta Casa e desta secretaria.
R
Agradeço pelo pronto acolhimento, entendendo e reconhecendo o papel do Senado Federal, o Senado da República, como guardião da Constituição, de estar vendo e corrigindo essas distorções sob o ponto de vista daquilo que diz respeito às comunidades tradicionais.
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO POTÁCIO ROSA - Agradeço pelo tempo concedido e estou à disposição.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - O Potácio Rosa tem toda a razão. Eu tenho me debruçado sobre esse tema. A comunidade quilombola é considerada quase uma comunidade invisível, cuja titularidade da terra não avançou, o atendimento às comunidades também infelizmente só piorou. E vocês estão cobertos de razão quando fazem esse debate aqui no Congresso, fazendo as denúncias que você tão bem aqui descreveu. Nós, nos encaminhamentos finais, daremos os próximos passos para que esse quadro não se mantenha tão triste quanto aos interesses das comunidades quilombolas e naturalmente também dos povos indígenas.
Eu passo a palavra agora... Eu sei que estão formando a mesa. Eu estou presidindo virtualmente, eu estou no Rio Grande do Sul. E os senhores, naturalmente, à medida que vão falando à mesa, poderão ir se revezando, conforme eu já acertei aí com o Secretário da Comissão, o Christiano. Então, eu creio que já estão à mesa. Eu, enquanto vocês estavam chegando, para ganhar tempo e dar mais espaço para vocês, fiz a minha fala, fiz a introdução e discorri sobre como é que nós pretendemos encaminhar esta nossa audiência pública.
Fica aqui um abraço carinhoso e muito forte, um axé. Vejo que o plenário está lotado, porque vocês se movimentaram em Brasília para outros eventos, mas também para este aqui na nossa Comissão de Direitos Humanos. Um abraço a todos! Estamos juntos nesta luta hoje e sempre.
Eu passo a palavra agora ao Antonio Mendes, Coordenador Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
O SR. ANTONIO MENDES (Para expor.) - Saudações quilombolas.
Este momento é um momento, antes de tudo, de marco histórico das comunidades quilombolas do Brasil, em que as comunidades quilombolas aquilombam em Brasília, mas aquilombam com um sentimento de muita injustiça, e essa injustiça é secular.
As pessoas não compreendem a importância que as comunidades quilombolas têm para a manutenção dos nossos patrimônios, sendo patrimônio material, cultural, ambiental. Então, as comunidades quilombolas exercem um papel, antes de tudo, da garantia da existência do povo brasileiro, mas, infelizmente, o povo quilombola neste país é tratado como um povo não digno de estar neste país. E aí, quando eu falo de não ser digno, infelizmente a gente apresenta os números, os dados. Todos os investimentos são para fragilizar as nossas comunidades quilombolas.
R
E nós estamos nesta Casa aqui por entendermos a importância desta Casa como guardiã da Constituição Federal, mas, acima de tudo, uma Casa que tem como objetivo proteger a população brasileira. E, quando nós falamos de proteger a população brasileira, nós também estamos falando daqueles e daquelas que são invisíveis. E aí nós não sabemos por que o Estado brasileiro tem tanta dificuldade de fortalecer o povo que realmente é patriota, porque, se a gente vai falar de conceito de patriota, patriota é aquele que defende os bens do nosso povo, patriota é aquele que produz para que as pessoas se alimentem, patriota é aquele ou aquela que cuida. E aí, pessoal, eu digo com muita certeza, sem nenhum pingo de medo de errar: se tem alguém que cuida e que preserva esse povo, são as comunidades quilombolas, que cuidam desde o primeiro navio negreiro que a este país chegou.
Eu não vou falar do processo de estupro, não vou falar do processo de agressão, não vou falar do processo de negligência, não vou falar do processo de escravidão, porque infelizmente só é mais dor que a gente traz, mas eu queria trazer aqui um recado, um recado em nome da Conaq, um recado em nome de todas as comunidades quilombolas deste país: se este país, se este planeta quiser se salvar, aprenda com os quilombolas como cuidar, porque, enquanto os grandes capitais, as grandes empresas industriais estão preocupados em extrair com a máxima rapidez sem se preocupar com o futuro, nós, nas nossas comunidades, estamos preocupados com o hoje, com o amanhã e com os nossos netos, com nossos tataranetos e - por que não dizer? - os de cada um de vocês. Porque se nós estamos preservando recursos hídricos, serve para nós, mas serve para vocês; se nós estamos preservando os patrimônios naturais, é para todos nós; acima de tudo, se nós estamos produzindo alimento para alimentar, é para todos nós e para todos vocês.
Nós não podemos admitir que o Brasil, o país que mais produz alimento, esteja com sua população no Mapa da Fome. E aí nós perguntamos: produzir para que e para quem? Enquanto o nosso povo aqui está passando fome, as nossas carnes, as nossas produções estão sendo exportadas para produzir alimento para animais - enquanto o povo brasileiro está passando fome! E a nossa recomendação é que seja respeitado o direito aos territórios quilombolas, porque, ao ser respeitado o direito aos territórios quilombolas, o que está previsto na Constituição Federal, como nosso grande amigo, nossa grande liderança Potácio coloca, a gente vai estar cuidando de todos e de todas.
O recado que os quilombolas estão dando hoje em Brasília, nesse grande Aquilombar... E eu queria dizer que nós estamos aqui com mais de 5 mil quilombolas e que, infelizmente - infelizmente -, no mesmo momento em que nós quilombolas promovemos um ato de paz, um ato de trazer nosso recado, nós estamos dividindo, a poucos metros, com a grande bancada ruralista e com o atual Presidente, que também fez um ato para nos amedrontar... Mas nós estamos aqui! Nós estamos aqui para dizer que vamos resistir, que vamos continuar lutando, mesmo no Aquilombar provisório em Brasília.
R
Todos dizem que esta Casa é do povo, que este ambiente é do povo. A pergunta que nós fazemos é: que povo? Que povo?! Os quilombolas, infelizmente... Tem poucas pessoas que defendem o direito das comunidades quilombolas.
Eu queria parabenizar o Senador Paulo Paim e outros parceiros que abraçaram este momento e abriram este espaço...
(Soa a campainha.)
O SR. ANTONIO MENDES - ... para que as comunidades quilombolas pudessem dar o seu recado.
Obrigado.
Vamos juntos aquilombar em Brasília!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem! Meus cumprimentos, líder Antonio Mendes, Coordenador Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que fez aqui uma fala, para mim, brilhante, fazendo uma retrospectiva desde os tempos em que os negros, infelizmente, eram raptados na África e aqui tratados como escravos. Nós vemos até hoje como a escravidão não foi concluída. Concordo plenamente com você, dizendo que os quilombolas têm que estar no Orçamento da União, têm que estar incluídos, sim, no Orçamento da União. Parabéns, Antonio Mendes!
Pela orientação que recebi da organização do evento, neste momento, passamos a palavra à Katia Penha. A Katia Penha é a Coordenadora Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
O tempo é teu, Katia, de cinco a oito minutos. Fique à vontade!
A SRA. KATIA PENHA (Para expor.) - Muito obrigada, Senador Paulo Paim.
Aqui, em nome de cada mulher quilombola que está presente no Aquilombar e em todo o território nacional, cumprimento o senhor e cumprimento aqui o Humberto Costa e o Fabiano Contarato, que é meu conterrâneo, Senador que está aqui nesta Casa, junto com a Comissão de Direitos Humanos.
A gente está em Brasília com um único objetivo. Nós estamos há dois anos sofrendo as piores violações de direitos dentro das comunidades quilombolas - a violação que é a negação da vida. Então, é só para reafirmar que, quando o Presidente da República se negou a nos colocar como prioridade na vacinação, nós resistimos! Resistimos por aqueles que se foram, porque nós perdemos muitas companheiras e muitos companheiros para a covid pela falta de acesso à saúde em nossas comunidades, mas a gente resistiu, a gente continuou na vida. Acharam que iam nos matar, mas a gente nos quilombos prometeu não morrer! Então, em nome daqueles que se foram por essa negação, é que nós também estamos aqui aquilombando.
R
Nós estamos aqui dizendo para o Estado brasileiro que existem milhões de quilombolas em todos os biomas deste Brasil, de norte a sul, plantando, produzindo o alimento que vai para a mesa de cada brasileiro e brasileira deste Brasil; que a gente faz a preservação do meio ambiente; que a gente cuida da terra; mas que a gente também faz política, porque tem vários e vários Vereadores e Prefeitos quilombolas dentro dos municípios. A gente também precisa trazer e fazer essa referência a esses quilombolas que estão na política, que colocaram a sua história, a sua vida para defender a nossa causa dentro dos municípios, dentro dos estados, dentro das Câmaras de Vereadores e que estão sendo perseguidos a todo momento, porque defendem a vida e a territorialidade dos quilombos.
Neste dia, para nós é muito importante estar em Brasília, mas também estar aqui junto ao Senado Federal, junto ao Congresso Nacional, junto com os Deputados que ainda têm a simplicidade de ainda defender a causa, porque a gente tem vários Deputados e Senadores que defendem a causa quilombola, que defendem o povo negro no Brasil.
Nós estamos há dois anos sem nos reunirmos, sem nos encontrarmos. É neste momento que nós estamos nos reunindo para reafirmar a nossa luta, a nossa causa. Um ano difícil, complexo e perigoso, porque fazer militância neste Brasil se tornou perigoso. Defender a terra neste Brasil se tornou perigoso. Ser defensor de direitos humanos no Brasil hoje, principalmente para nós, tornou-se perigoso, porque nós somos, para muitos, o atraso do desenvolvimento, mas a gente sabe o potencial que a gente tem para construção deste Brasil e para ele estar hoje do jeito que está.
Disseram que a boiada estava passando no tempo da pandemia - quantas frases nós ouvimos de casa -, mas nós estávamos em nossos territórios fazendo a cerca para que essa boiada não chegasse a nenhum território. A legislação ambiental se tornou um atraso, porque decretos, leis, normativas dos grandes empreendimentos chegaram a nosso território usando a pandemia como pano de fundo para entrar em vários territórios explorando a mineração, explorando o petróleo, com desmatamento do Cerrado, da Amazônia e de todos os biomas.
Só 2021, Senador Paulo Paim - são dados já tabulados -, foi o ano em que mais teve desmatamento no Brasil. E esse desmatamento tem indicação geográfica: está nos territórios não titulados das comunidades quilombolas. Se tivesse a titulação desses territórios, esses territórios não teriam os desmatamentos, porque nós estaríamos lá preservando, mas a terra ainda não está conosco, o título ainda não está conosco.
E, para falar de título, para falar de terra... E, quando o senhor fala no Orçamento, é preciso o Congresso, é preciso o Senado brasileiro rever o Orçamento que se tem na Casa. Qual é a votação... É aqui que votam o Orçamento do Brasil! Então, quando chega o Orçamento, é preciso olhar para essas comunidades, para esse povo que está no campo defendendo o meio ambiente, defendendo a vida, produzindo o alimento que vai para a mesa dos brasileiros e das brasileiras.
Hoje é muito triste a gente estar em pleno 2022 e dizer que nós temos 38 milhões de brasileiros...
(Soa a campainha.)
A SRA. KATIA PENHA - ... passando fome - passando fome! A gente retrocede a isso! É retroceder! E muitos desses que estão passando fome são negros e negras, são os que estão nas periferias, mas também muitos estão nos quilombos, porque não têm terra para produzir.
R
Então, é neste sentido e com este objetivo que nós quilombolas saímos de nossos estados para estar aqui e dar o recado ao Congresso, ao Senado, a todos os Deputados que estão se candidatando: nós vamos continuar resistindo, mas nós temos também a consciência de fazer o nosso papel como eleitores. Cabe a nós agora repensar quem virá representar o povo quilombola nesta Casa de leis.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Essa foi Katia Penha, Coordenadora Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Parabéns, Katia!
Embora para muitos possa ter soado que não é bem assim, é bem assim sim quando ela diz que milhões são quilombolas e que todo cidadão negro, como eu, tem que entender que ele é descendente de quilombolas e, consequentemente, é um quilombola. A comunidade negra neste país hoje está em torno de 56% da população.
Teve um dado assustador aqui no Rio Grande do Sul que nós levantamos para um debate que fizemos nas Comissões, sobre verba das Comissões para o orçamento em relação aos quilombolas: de centenas de comunidades quilombolas que nós temos, somente quatro foram titularizadas definitivamente. Isso é uma vergonha para o Estado brasileiro - para o Estado brasileiro.
Por isso, Katia, você tem toda razão quando aponta ainda para a democracia, porque a democracia tem o coração também no Congresso, tem o coração nas urnas, tem o coração no voto para que a gente vote em homens e mulheres comprometidos com a terra, com o meio ambiente, com a vida, em combater a fome, a miséria, em dar qualidade de vida para toda a nossa gente. Por isso, você tem toda razão. Que, neste outubro, a gente eleja também homens e mulheres comprometidos com essa luta. E a comunidade negra está se mobilizando. É incrível que a gente tenha um número tão pequeno de negros e negras no Congresso. No Senado, você não enche uma única mão, você não tem o correspondente a uma única mão. Na Câmara, talvez, comprometidos com a luta de negros e negras, você terá em torno de umas duas dúzias no máximo, em 513, não é? E aqui no Senado - eu sou Senador - nós somos 81.
Parabéns, Katia, pela sua fala, que tocou em todos esses temas!
Eu queria chamar agora - não sei se está presente - a Célia Cristina da Silva Pinto. (Pausa.)
Então, eu chamo neste momento, por favor - só confirmei, e ela já está na mesa -, a nossa líder Célia Cristina da Silva Pinto, também Coordenadora Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
O tempo é seu, de cinco a oito minutos.
R
A SRA. CÉLIA CRISTINA DA SILVA PINTO (Para expor.) - Bom dia a todos e todas!
Obrigada ao Senador Paulo Paim e aos quilombolas e "quilombelas" que estão nesta plenária.
As falas da Katia e do Antonio trazem muito esta questão do que é, para nós, hoje estar aqui nesta Casa e estar aqui em Brasília, com todos esses descasos, com todos esses desrespeitos, e nós estamos aqui numa Casa onde nós estamos exatamente numa audiência com a Comissão de Direitos Humanos.
E, de tudo isso que já foi falado pelo Antonio, pelo Sr. Potácio, pela Katia, aí a gente se pergunta: de quais direitos humanos nós estamos falando? Eu sempre me faço essa pergunta quando a gente vai fazer esse debate sobre direitos humanos. Quais direitos humanos são esses? Para quem são esses direitos humanos? Porque, do que já foi dito aqui e do que mais eu poderia dizer, são direitos humanos ou direitos desumanos?
Quando os nossos territórios são todos os dias sucateados, quando a gente está aqui, agora, sentada, as centenas, milhares de pessoas que aqui estão hoje deixaram os seus territórios, deixaram a sua família, mas nós estamos aqui em corpo, porque o nosso espírito, o nosso pensamento está lá no nosso território.
De milhares de nós que estamos aqui, os nossos territórios hoje estão com fazendeiro lá dentro, com grileiros, com pistoleiros. Famílias e famílias sendo ameaçadas. Famílias e famílias fora dos seus territórios, amparadas por um programa de proteção de direitos humanos que não protege e que, em vez de nos garantir segurança, nos deixa mais inseguros ainda e faz com que nós tenhamos que deixar nossas casas, nossas famílias, e viver escondidos, mudar de nome, mudar de vida... Então aí a gente se pergunta: quais direitos humanos são esses dos quais tanto se fala?
Direitos humanos? - enquanto nós, mulheres, nós mulheres negras, nós mulheres quilombolas, que somos as guardiãs dos nossos territórios, somos vítimas de violência todos os dias, violência física, violência psicológica principalmente. Hoje a gente vive... Além da violência física, do assassinato das lideranças mulheres, porque são as mulheres hoje que estão, na maioria das vezes, na frente da luta, na frente das suas associações, na frente da luta na sua comunidade, na produção, são essas mulheres que estão sendo assassinadas hoje. São essas mulheres que estão sendo violentadas hoje.
Então, gente... E aí o apelo, quando forem se discutir direitos humanos, é pensar exatamente isto que já foi falado por Katia, já foi falado por Antonio: precisamos de dignidade, precisamos de respeito, porque é o que não se tem - precisamos de respeito.
R
Como bem disse o Senador, nós população negra somos a maioria neste país. Em alguns estados, nós somos a maioria da população. Nós quilombolas somos a maioria da população, e, mesmo assim, a gente, há mais de 500 anos... E, às vezes, podem até dizer que, quando a gente vem para esta Casa, é só para trazer lamúrias, falar disso, daquilo outro, mas é exatamente esse o nosso dia a dia. Existimos porque resistimos. E essa resistência se dá todos os dias.
Então, a gente quer dizer o seguinte: precisamos, sim, de orçamento; precisamos, sim, de políticas que venham respeitar essa população; de saúde, educação, ambiente; principalmente, da garantia dos nossos territórios; principalmente, da regularização do nosso território, direito esse constituído, direito esse garantido pela Constituição, mas direito adquirido por nós, como disse o nosso colega que nos antecedeu.
Nós somos cidadãos brasileiros forçados, mas somos cidadãos brasileiros, porque, se nós não fôssemos forçados, os nossos antepassados não fossem forçados a vir da África para cá, talvez nós não seríamos brasileiros. Mas nós garantimos um direito, nós constituímos esse direito e nós queremos que esse direito, de fato, saia de uma folha de papel.
(Soa a campainha.)
A SRA. CÉLIA CRISTINA DA SILVA PINTO - Nós queremos que esse direito, de fato, aconteça lá na ponta, que chegue à regularização fundiária, que chegue à educação digna de qualidade, que é a educação que nós pautamos, a nossa educação, a educação escolar quilombola, que respeita a nossa dignidade e respeita a nossa identidade enquanto população quilombola neste país.
Quero agradecer este momento e dizer que eu me contemplo na fala do Antonio e na fala da Katia, mas quero dizer, sim, que queremos respeito, porque, sem esse respeito, não vai haver direitos humanos para a população quilombola neste país.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem! Meus cumprimentos à líder Célia Cristina da Silva Pinto, Coordenadora Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que falou também muito bem, mostrando todo o potencial das lideranças negras, mulheres e homens comprometidos com a liberdade, com a justiça, com a igualdade, com o direito à titularidade de suas terras, o que foi muito bem enfatizado por você e que denunciou a violência contra as mulheres.
A gente lembra aqui que a Lei Maria da Penha completou 16 anos, agora no dia 7 de agosto, e, hoje à tarde, o Plenário do Senado vai votar uma série de projetos para fortalecer a Lei Maria da Penha e a luta das mulheres. E, no dia 29 de agosto - você falou também em educação, importantíssima a sua fala; a educação liberta, como a gente fala sempre, não é? -, a política de cotas vai ser homenageada. Eu vou pedir uma sessão do Senado em relação à política de cotas, para que ninguém pense em regredir. Pelo contrário, nós queremos que se avance mais, que sejam mais 10, mais 20, mais 30, até que realmente a gente consiga fazer com que os negros e as negras tenham acesso pleno à universidade. Quem não quer ter um diploma? Quem não quer chegar à universidade? E a política de cotas é um caminho fundamental.
R
Por isso, meus cumprimentos por toda a sua fala - no conjunto dela, todos estão de parabéns!
Eu vou passar a palavra agora para Ronaldo dos Santos, Coordenador Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Podem ver que eu estou repetindo sempre, mas é para marcar mesmo, para mostrar que as comunidades negras rurais quilombolas estão organizadas e muito bem organizadas via Conaq.
Líder Ronaldo, com a palavra.
O SR. RONALDO DOS SANTOS (Para expor.) - Bom dia a todos e todas!
Nossa saudação ao Senador Paulo Paim, uma grande referência da luta negra dentro deste Congresso Nacional, um grande líder - e a nossa memória se remonta a muitos anos, quando nós viemos para cá discutir as questões quilombolas, e o Paulo Paim sempre foi um interlocutor combativo, sempre pronto a nos receber e sempre pronto a acolher e reverberar a nossa fala aqui dentro. Saúdo esta mesa - o meu companheiro Roberto Potácio, Antonio Crioulo, Katia e Célia - e todos os companheiros e companheiras aqui presentes.
Bom, o dia de hoje é muito importante para nós. Mais uma vez nós ocupamos esta Casa, que é dita a Casa do povo. E, apesar de que a gente atravessa um dos piores momentos da nossa história recente, um dos piores momentos da história da nossa República, onde esta Casa chamada Congresso Nacional traduz essa piora significativa da nossa história, com bancadas inteiras se colocando como inimigas do povo - essa é a era que nós atravessamos -, apesar disso, nós não podemos abrir mão de ocupar esse espaço e de chamar de Casa do povo, porque esta Casa é nossa, ela foi construída por nós, ela é mantida por nós. Então, nós vamos ocupar todos os espaços que pudermos, mas sem tirar o pé daqui de dentro, e aqui dentro fazer ecoar nossa voz mais uma vez e quantas vezes mais forem necessárias.
R
Esta audiência pública, muito importante, acontece em ocasião de uma mobilização histórica que a Conaq realiza no dia de hoje, que é o Aquilombar, onde milhares de quilombolas, vindos de todos os cantos do Brasil, ocupam o Planalto Central e vêm dizer que o Brasil é quilombola, vêm dizer que nós precisamos de ser respeitados e vêm dizer que este Estado tem uma dívida com o nosso povo. Este Estado tem uma dívida com o povo negro brasileiro, este Estado tem uma dívida especial com o povo quilombola brasileiro. E é sobre isso que vimos falar. Vimos ao ato Aquilombar, em todo dia de hoje, em toda a programação, que está rica, incluindo esta audiência pública.
Quero, antes de prosseguir, também mandar um abraço para a minha comunidade, Campinho da Independência, que fica no Rio de Janeiro, e é a primeira comunidade titulada naquele estado, há 23 anos. A nossa titulação é de 21 de março de 1999. Eu falo isso com alegria, mas eu também falo isso com tristeza, porque, passados 23 anos - a minha comunidade foi o primeiro quilombo titulado naquele estado -, nós ainda temos apenas três quilombos titulados naquele estado. Essa é uma dura realidade da grande maioria dos estados brasileiros, sendo que, em alguns deles, temos um número significativo de comunidades quilombolas presentes sem nenhum título emitido.
Então, eu saúdo a minha comunidade, que neste momento, neste dia, também recebe uma visita ilustre, que é a Deputada Federal Benedita da Silva. E eu falo isso porque, para mim, estar aqui foi uma decisão bastante complexa, porque estar no meu território, recebendo alguém da grandeza da Deputada Benedita da Silva era algo que realmente eu precisava fazer. Mando um abraço à Bené, que, no alto dos seus 80 anos de idade, está aí fazendo política e defendendo o povo negro.
Decidi vir a Brasília, confiando, obviamente, que na minha comunidade tem lideranças, tem os nossos mais velhos, tem o nosso pessoal para acolher a Bené como ela merece ser acolhida. Decidir vir para Brasília com uma delegação, para mim, foi a decisão que eu não poderia deixar de tomar, porque aqui tem meus irmãos e minhas irmãs do Brasil inteiro, dando as mãos e unindo as vozes para dizer que esse estado de golpe que nós vivemos há quase uma década... A gente fala muito pouco sobre isso.
O veto ao Orçamento, os 20% do veto ao Orçamento neste ano de 2022, em que o Executivo Federal vetou um quinto do orçamento, que era perto de nada, do que estava destinado à nossa política, nos chama atenção e nos mobiliza.
Gente, essa ação faz parte de um estado de golpe que nós atravessamos há quase década. E a gente não pode esquecer isso, porque senão a gente para de denunciar a estrutura...
(Soa a campainha.)
O SR. RONALDO DOS SANTOS - ... do que tem nos colocado nas condições que nós estamos.
Em 2017, eu e muitos de nós aqui fizemos parte do grupo que foi denunciar o hoje Presidente da República; antes, apenas um Deputado inexpressivo, que disse lá, no Vale do Ribeira, terra do meu companheiro Oriel, que está aqui presente, nosso advogado, que os quilombolas lá não faziam nada, não serviam nem para procriar - vocês se lembram disso, não é, gente? - e que o mais leve lá pesava sete arrobas.
R
Isso não foi um discurso perdido no tempo, pessoal, isso foi o anúncio de uma lógica a ser implementada no Estado brasileiro.
Já foi anunciado aqui que o meu tempo terminou, mas eu quero dizer o seguinte: quando a Presidenta Dilma Rousseff...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Vai tranquilo, porque eu vou dar mais uns dois, três minutos, viu? Está muito boa a sua fala. Por favor.
O SR. RONALDO DOS SANTOS - Obrigado, Senador.
Quando a Presidenta Dilma Rousseff disse que o golpe não era contra ela, mas que era contra o povo brasileiro, ela estava certa; aliás, ela não estava certa, ela esteve certa em tudo, em todas as suas posturas, em todos os seus posicionamentos. (Palmas.)
Foi um fato. E o que nós vivemos hoje, o que nós atravessamos hoje, pessoal, é um estado de golpe neste país, é um estado de golpe contra o povo preto, contra o povo pobre, contra o povo da periferia.
O assassinato, o extermínio da juventude negra só cresce! A depredação das casas de cultos de matriz africana só cresce! E a gente vê a bancada da Bíblia, da bala e do boi se unindo e se fortalecendo, muitas vezes arrancando voto lá dos nossos territórios. A gente precisa, neste momento, reverter esse estado de golpe que nós vivemos. Não que antes não houvesse racismo estrutural, não que antes não houvesse a dívida histórica, não que antes não houvesse violação de direitos humanos. Essas coisas sempre existiram desde que o Brasil é Brasil e, aliás, desde que deram esse nome a esse país, porque esse lugar já existia e tinha povos e tinha culturas. Mas, desde que tudo isso ganhou o formato que ganhou, foi sustentado nesses valores ou falta de valores.
Então, eu não estou dizendo que reverter o estado de golpe é entrar no paraíso. Não, a gente vai voltar para aquele estado brasileiro que a gente conhece e em que a gente vai ter que continuar lutando para garantir titulação de terra de quilombo, para garantir a defesa do nosso direito.
(Soa a campainha.)
O SR. RONALDO DOS SANTOS - Mas é importante, sim, a gente recuperar a nossa democracia, o nosso sonho democrático, o nosso projeto democrático, porque nele a gente estabelece o diálogo e avança. E precisamos avançar.
Eu vou deixar aqui, para finalizar, a nossa pauta central: precisamos regularizar mais de 6 mil comunidades quilombolas em solo brasileiro. Essa é a agenda que nós temos para o Estado brasileiro para desde então... E o nosso compromisso é ajudar a derrubar esse estado de golpe, recuperar a democracia e avançar na construção daquilo que a gente nunca deveria ter perdido.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Você ficou no tempo, Ronaldo. Você ficou em torno de oito minutos, e eu tenho dado de cinco a oito minutos.
Ronaldo dos Santos, essa liderança que aqui agora falou, é um dos Coordenadores Estaduais da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que fez uma fala muito pontual, destacando, no final - o que achei importante, Ronaldo -, a defesa da democracia, e dizendo que quer a titularidade das terras quilombolas.
R
Veja, casualmente, a situação do Rio em número de quilombolas regulamentados, título na mão, é insignificante comparando o número de comunidades. Isso é muito semelhante ao Rio Grande do Sul. No Rio Grande do Sul, nós temos mais de uma centena, e há quatro que têm realmente o título assegurado. E você fala que no Rio de Janeiro é muito semelhante.
Você falou da Benedita, permita que eu diga que eu gostaria de dar o destaque aqui da minha companheira Benedita também. Sabe que, quando eu cheguei no Congresso na Constituinte, eu era um menino negro aqui, claro, era líder sindical, era já de direito nacional, estava na secretaria-geral, e fui vice na CUT, a Benedita que me recebeu. Ela me ligou. E, quando ela me ligou, eu quero dizer que foi um momento de emoção, porque eu já sabia da história da Benedita, uma grande mulher negra, empregada doméstica e uma grande liderança. E ela disse: "Paim, soube que foi eleito. É mais um guerreiro aqui na nossa luta". E é por isso que eu queria aqui enfatizar que o papel da Benedita no Congresso Nacional e para todo o povo brasileiro é fundamental.
E termino dizendo que eu tive muito orgulho de ir à África do Sul exigir a libertação de Nelson Mandela, ser recebido pela Winnie Mandela - não só eu, mas uma delegação: Paulo Paim, Rio Grande do Sul; João Herrmann, São Paulo; Edmilson Valentim, Rio de Janeiro; Domingos Leonelli, Bahia; Benedita da Silva, Rio de Janeiro; e Carlos Alberto Caó, já falecido, que foi também um grande lutador da comunidade negra. A Lei Caó, que até hoje a gente aprimora, é dele; e eu tive a alegria de ser um dos consultores, junto com essa bancada que chamávamos de bancada negra.
Parabéns, Ronaldo, pela tua fala, na mesma linha de outros que se manifestaram hoje aqui e outros que vão falar, creio eu, com a mesma competência, uma fala qualificada, uma fala que aponta para a frente e cobra, sim, as dívidas que este país tem com o nosso passado. Nós temos ainda uma luta pela chamada abolição não conclusa. Parabéns, viu?
Eu queria agora chamar a Deputada Estadual da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, que pediu a palavra e vai falar, Andréia de Jesus.
Eu queria também... Como faltaram alguns que estavam aqui na minha lista, Ronaldo, você que está na tela comigo neste momento, se você quiser indicar para substituir aqueles mais umas quatro pessoas do plenário, eu daria cinco minutos para cada um para que eles possam também usar a palavra. Eu espero que chegue à mesa, se tiverem disposição de falar mais três, quatro pessoas. Eu abriria essa oportunidade, senão, claro, nós vamos continuar o debate entre nós. Eles falariam do plenário, se assim vocês entenderem necessário.
Eu passo a palavra agora à Deputada Estadual da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, líder Andréia de Jesus.
A SRA. ANDRÉIA DE JESUS (Para expor.) - Licença, minhas mais velhas, meus mais velhos. Bênção aos mais novos aqui.
Cumprimento o Senador Paulo Paim. Emociona-me entrar aqui no Senado e saber que tem um companheiro negro para abrir a porta para a gente, mas também já reivindico que nós precisamos ser 50%, no mínimo 50% de negros ocupando esses espaços de Poder.
R
Senador, eu estou hoje como Presidenta da Comissão de Direitos Humanos em Minas Gerais, uma mulher que hoje também sofre violência política de gênero, por ocupar um espaço em que a minha principal missão também é denunciar, mas, mais do que isso, reivindicar que o povo negro entre no orçamento. Esse é um desafio que a gente tem aprendido juntos e juntas. E eu quero saudar aqui o companheiro Vanderli, que tem, inclusive pedagogicamente, "aquilombado" o mandato, para ajudar a gente a perceber o quanto o Estado de Minas Gerais não é só um estado quilombola, mas também o quanto o Estado de Minas Gerais, os Poderes Legislativo, Judiciário e também o Executivo continuam a perseguir os povos quilombolas, que não esperaram a lei da Princesa Isabel para constituir território; saíram antes. Então, não esperam leis para agir, mas o Estado precisa agir.
E a gente tem acompanhado de perto, Senador, as visitas que a Comissão de Direitos Humanos tem feito e sentido de perto a perseguição dos territórios tradicionais pela mineração, pela monocultura, seja de soja, de eucalipto, e principalmente do agronegócio, jogando veneno na cabeça dos quilombolas, que passam agora... Estão pulverizando, usando drone. Mas nós estivemos no norte de Minas e fomos atacados... Eu peço licença para falar, mas é isto: fomos atacados quando a gente acompanhava comunidades que estão sendo perseguidas pelo quarto poder, que é o poder econômico, empresas que estão crescendo e querendo ocupar o norte de Minas, seja com placa solar, mas também explorando a água do subsolo, e nós estivemos lá presentes e fomos atacados pelas Forças Armadas do estado. São policiais que hoje trabalham para fazer um manto protetor em cima de fazendeiros, mas também de especuladores.
Então, são tão graves as violências de direitos humanos no Estado de Minas Gerais, porque elas são acobertadas pelo próprio estado, usando, sim, policiais treinados para estarem lá, ameaçando os quilombolas. E tentaram impedir a presença da Comissão de Direitos Humanos. Tanto é que agora reforçaram a minha segurança, e, para que eu possa circular no Estado de Minas Gerais, é necessário escolta policial, porque a perseguição econômica controla o Estado de Minas Gerais.
E nós também temos identificado uma série de situações que não foram superadas com a Lei Áurea, como o resgate de pessoas em trabalhos análogos ao trabalho escravo, mas a gente usa a palavra análogo para tentar diminuir, mas é um trabalho escravo. Então, o café gourmet, que é vendido ainda na Europa, ainda está sendo colhido por mãos negras escravizadas, e a maioria são mulheres quilombolas e homens quilombolas. (Palmas.)
Mais uma denúncia grave que tira o sono e que parece que a gente está secando gelo, é questionar o papel do Incra em não avançar com as titulações. Nós estivemos pessoalmente conversando com a sede do Incra em Minas Gerais, e o que a gente ouviu dos técnicos é que não tinha gasolina para sair de dentro da sede.
R
Discutir orçamentos é pensar como que esses instrumentos construídos para garantir que os direitos quilombolas sejam efetivados hoje não só foram sucateados, mas também naturalizaram que esses equipamentos não funcionam. Nem com emenda parlamentar, nem com gestão compartilhada com o estado, mesmo com gestões passadas, gestões progressistas, esses instrumentos não avançaram em Minas Gerais.
E, para finalizar, eu acho muito importante este espaço ser ocupado, estar aqui trazendo a voz dos meus, dos nossos para que as agendas que até então foram construídas avancem E aí há o Bolsa Permanência nas universidades, a eletrificação de territórios que ainda não têm luz - veio a pandemia, com aula remota em territórios aonde a luz não chegou, a energia elétrica não chegou -, o acesso à água potável, as estradas... Aí o caminhão-pipa também não chega, porque não tem estrada. Nós estamos falando de bens fundamentais, é o mínimo da dignidade humana; e são direitos humanos a partir daí. É o acesso ao caminhão-pipa, o acesso à água! Há muitas vezes poços construídos dentro de territórios de fazendeiros que não deixam a água chegar, e foram autorizados a fazer os poços para atender os quilombolas, mas os fazendeiros põem uma cerca, impedem. A gente busca o Judiciário, que não sai do lugar.
Há um complô entre Judiciário, Legislativo e Executivo em perseguir, para que esses territórios sejam também evadidos, que é a última denúncia: vários jovens, várias mulheres, vários homens têm deixado seus territórios para trabalhar, às vezes fora de Minas Gerais, às vezes nas grandes cidades, justamente por falta de acesso. As pessoas não estão abandonando seus territórios; elas estão buscando subsistência. Então, a manutenção desses territórios hoje é enfrentar o agronegócio, a monocultura, a mineração, mas também é dar condições para sobreviverem nesses espaços - sobreviver, não; viver, porque a gente não quer mais sobreviver.
E aí nós precisamos também discutir e trazer a pauta fundamental que é a democratização da tecnologia. Então, o acesso à internet não pode ser privilégio, não pode ser considerado bem de consumo. Nós estamos falando de direito fundamental. É acesso à informação, acesso por meio de estradas, mas também acesso a coisas que para alguns é natural, como abrir uma torneira e tomar banho quente. Eu vi homens e mulheres chegarem a quase 80 anos de idade e nunca terem tomado um banho quente, nunca terem tomado banho de torneira, porque não tem água potável e não tem eletrificação em territórios...
E vamos, sim, ocupar a política. Chega também de falarem em nosso nome! Nós precisamos ter voz e vez nesses espaços. Então, nós também vamos trabalhar para que mais de 50% do povo negro, organizados em terreiros, organizados em reinados, perseguidos pela Igreja Católica de forma abusiva, perseguindo as festas tradicionais, estejam aqui com suas vestes, com a sua tradição e com a sua oralidade, de fato, fazendo leis para atender aos nossos.
R
Obrigada por esse espaço.
Eu sigo lutando, nem um minuto de silêncio. Nem um minuto de silêncio, porque eu não ando só. Meus passos vêm de longe. E nós vamos seguir não só denunciando, mas também construindo juntos estratégias de hackear o Estado. Muito já fizemos. Nós descobrimos como o Orçamento funciona. Vários territórios quilombolas hoje fazem gestão direta do Orçamento do Estado. Chega de ONG amiguinha, chega de branco muito cheio de boas intenções, mas pegando recurso para ir lá fazer oficina de chita! Agora eles estão lá produzindo tecnologias avançadas e ocupando as universidades.
Obrigada, gente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, Deputada Estadual da Assembleia Legislativa de Minas Gerais Andréia de Jesus. Parabéns pela fala contundente, firme, corajosa. Ela fala daquilo que o povo quer saber, desde a comida no prato à falta de água, água para o banho, água para tomar - o acesso, quando tem que atravessar por outras terras, é bloqueado -; ela fala da internet, fala da tecnologia, fala do número de Parlamentares negros.
Eu queria dizer que, inspirado no nosso querido e inesquecível Abdias, apresentei um projeto, sim, de cadeiras negras no Parlamento. Oxalá, a gente chegue à proposta que você colocou aqui de, no mínimo, 50%, mas eu coloquei que, em um primeiro momento, pelo menos um terço dos Parlamentos no Brasil tem que ser ocupados por negros e negras. Vamos torcer para que o Congresso vote isso. E são cadeiras mesmo, não é só percentual de vagas do partido para concorrer, pois sabemos bem como funciona muitas vezes. Você sabe muito bem como funciona muitas vezes em relação a recurso de rádio e TV, enfim. Não é em todos os partidos, mas sabemos como infelizmente funciona. Agora, se tivermos cadeira, um terço de cadeiras para o primeiro debate, como existe em muitos países, para que negros e negras tenham o direito livre e soberano de debater o país, o programa, as propostas na sua extensão e complexidade...
Eu queria cumprimentar o Senador Izalci Lucas, que entrou por duas vezes já e está acompanhando o debate; o Senador Flávio Arns; e o Senador Angelo Coronel.
Já chegou aqui para mim a lista de mais quatro painelistas que vocês indicaram, porque eles vão falar como painelistas. Eu, com muita satisfação, vou passar agora a palavra para eles. Depois nós vamos para os encaminhamentos.
O primeiro inscrito do plenário, que vai falar do próprio plenário - o pessoal vai orientar aí de forma tal que eles falem do microfone do plenário, com cinco minutos cada um -, é Manoel Oliveira dos Santos, Coordenador Nacional de Alagoas.
Líder Manoel, a palavra é sua.
O SR. MANOEL OLIVEIRA DOS SANTOS (Para expor.) - Saúdo a mesa, na pessoa do grande Coordenador Ronaldo, do Rio de Janeiro, e em nome de todos os quilombolas deste país, em nome de Zumbi, de Ganga Zumba e de Dandara.
R
Sou de Alagoas, Senador Paulo Paim. Tenho acompanhado muito sua batalha no Senado e também a da Deputada Benedita da Silva, que já visitou o meu município, Traipu, em Alagoas, em busca de ajudar o povo negro daquele município e daquele estado. Então, saúdo também a mesa, na pessoa do Senador Paulo Paim, e a Senadora Benedita da Silva.
Quero dizer a este Congresso que precisamos de ações urgentíssimas, porque as comunidades quilombolas estão sofrendo, estão morrendo aos poucos, em todos os segmentos, da terra à educação, à saúde, ao saneamento, e também, para ser sincero, pelo racismo e pelo preconceito que acuam pesadamente em todo este nosso país.
A demarcação da terra é o primeiro passo, mas não só a demarcação da terra como as políticas públicas. Alagoas, a terra de Zumbi, de Ganga Zumba e Dandara: de 72 comunidades quilombolas, só tem uma titulada, e nem completamente, porque ainda falta parte para completar o título. E isso é um descaso com um estado onde temos um Patrimônio da Humanidade como a Serra da Barriga.
Não vou aqui dizer que os quilombolas de Alagoas ou do Brasil estão bem, começando pelos governos municipais, porque poucos governos municipais aplaudem a luta quilombola. Eu levei mais de 12 anos na luta pelos direitos desse povo e dessa gente, agora é que começamos a ter um pouco de reconhecimento. Hoje, atualmente, somos três secretários de um quilombo atuando - nas áreas de educação, de eventos e de turismo, cultura e igualdade racial, em que sou eu o Secretário - em Traipu, colocados pelo Prefeito Lucas Santos. Fizemos um trabalho realmente de ponta com a população quilombola e a população negra daquele município, mas não é fácil, falta recurso, e precisamos...
E não é só isso: precisamos também, Senador Paulo Paim, que este Congresso veja o que acontece com a Fundação Cultural Palmares - em Pernambuco e Alagoas mesmo, e sei que em todo o resto do país - na questão das cestas alimentares, que não chegam. Com este Governo, foi apenas uma vez por ano, quando nós, emergencialmente, recebíamos seis vezes por ano. Mesmo o STF tendo, via Conaq, acatado que a Fundação Cultural Palmares teria que fazer as cestas chegarem às comunidades durante os seis meses, até agora não chegaram para ninguém. E nós precisamos. Não se morre só pela cesta, mas também pela água que falta.
(Soa a campainha.)
O SR. MANOEL OLIVEIRA DOS SANTOS - Então, eu quero deixar aqui isso registrado e pedir para que o Congresso olhe pelo nosso povo, olhe pela nossa gente, em nome de Ganga Zumba, em nome de Zumbi dos Palmares. (Palmas.)
R
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, Manoel Oliveira dos Santos, Coordenador Nacional de Alagoas, com a mesma elegância, com a mesma classe, com a mesma categoria... Permita que assim eu diga, porque eles têm a mania de dizer que nós não estamos preparados. Vocês estão demonstrando aí que nós estamos, sim, preparados para o bom debate em todas as áreas. Parabéns, Manoel, pela contribuição que você dá ao Brasil neste momento, porque discutir a questão quilombola e o racismo estrutural interessa a todo o povo brasileiro, brancos e negros. Quem não entendeu isso não entendeu nada ainda da vida. Por isso, eu quero aqui deixar o meu carinhoso abraço a esse movimento que vocês estão fazendo.
Passo a palavra agora ao José Amaro da Silva, representante da Coordenação da Paraíba.
O SR. JOSÉ AMARO DA SILVA (Para expor.) - Boa tarde ou bom dia ainda, Paulo Paim - e me arrisco até a dizer: "Ah, se todo o estado brasileiro tivesse um Senador assim". Parabenizo aqui e dou boa tarde a toda a mesa, nas pessoas de Katia, Célia e Deputada Andréia.
Eu venho lá da Paraíba, lá do Alto Sertão da Paraíba. Saí de lá domingo de manhã, às 7h da manhã, e cheguei aqui ontem quase à noite, 2,6 mil quilômetros de ônibus, para estar aqui hoje defendendo aquelas comunidades, aquelas famílias que temos hoje lá, mais de 6 mil famílias quilombolas na Paraíba.
E quero dizer que nós estamos na luta, Senador; quero dizer que nós estamos na luta, Ronaldo, Antonio, e precisamos ser unidos. Quero dizer também que nós estamos articulados, Katia. Nós estamos correndo todos os dias, não é? Hoje chegou o dia de estar aqui em Brasília, no Aquilombar, nesse ato bacana, feito com muita luta, com determinação, que é uma vitória - ele poderia ser maior, mas quem sabe no próximo ano nós não estaremos aqui em uma quantidade duas ou três vezes a mais.
Quero pedir aos nossos irmãos quilombolas de todo o Brasil - temos o censo quilombola aí nas portas -: autoidentifiquem-se, para nós mostrarmos à nossa mãe pátria que nós existimos. Há muita gente presente no Brasil, nas comunidades, pessoas carentes, pessoas que precisam de nós lideranças, de vocês políticos A ou B, que lutem pela causa. Pena que eu não posso chegar aqui e parabenizar Senadores do meu estado, mas quem sabe, no próximo ano ou nos anos seguintes, eu vou chegar aqui e dizer que ele está junto com a nossa luta, com a nossa Coordenação Estadual na Paraíba, que é a Ceneq, com a Coordenação Nacional, que é a Conaq, defendendo os direitos dos quilombolas, um direito que é de garantia e de lei do Estado brasileiro.
Estou vindo lá de Catolé do Rocha, 2,6 mil quilômetros. Vamos dizer assim: de lá para cá, lá onde o filho grita e a mãe não escuta, mas, como não estava escutando, eu vim aqui a Brasília deixar o meu recado e dizer que estou aqui na luta juntamente com todos vocês.
Um grande abraço e até a próxima. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem. Parabéns. Obrigado pelas considerações, José Amaro da Silva, representante da Coordenação da Paraíba.
R
Quanto à sua fala, eu queria dizer que, de fato, estou recebendo aqui informações de que, na maioria dos estados - no seu, não é diferente -, não se chega a meia dúzia de terras dos quilombolas efetivamente tituladas. E o mesmo ocorre no meu estado, o Rio Grande do Sul, pelo levantamento que me passaram aqui algum tempo atrás.
Com essa preocupação, eu entrei no próprio plano de metas do Orçamento, e uma das metas tem que ser, sim, a garantia da titularidade e da melhoria de vida do povo quilombola. Foi aprovado com o apoio de algo em torno de 16 Senadores, que assinaram esse encaminhamento que fiz, e foi votado esse plano de metas, para garantir que a comunidade quilombola esteja contemplada efetivamente no Orçamento.
Com isso, a sua fala, querido amigo - permita que eu assim diga - José Amaro, como a de todos que estão aí, é uma fala de compromisso. Você fala que viajou tantos e tantos quilômetros, vindo lá da Paraíba até aqui, viajando à noite toda. Isso se dá pelo compromisso com causas, não é? Eu sempre digo que o homem que não tem causas não sabe qual é o destino da sua própria vida. Nós temos que defender causas, causas humanitárias! As causas humanitárias é que nos unem aqui, neste momento, neste plenário. Oxalá isso se espalhe! Como a gente fala aqui no Rio Grande, que se espraie por todo o Brasil a justa luta das causas da comunidade quilombola!
Passo a palavra agora a Lucas Marcolino da Silva, Presidente da Associação Quilombola Agropastoril Cultural de Araçá-Volta, na Bahia.
O SR. LUCAS MARCOLINO DA SILVA (Para expor.) - Pela nossa Constituição, pela democracia, pelos nossos direitos, pela nossa existência e pela sobrevivência do nosso território, bom dia, Senador Paulo Paim!
Bom dia a todos os companheiros que estão aqui! Vamos à luta!
É lamentável que, com quase 40 anos de Constituição, o Decreto 68 só tenha sido regulamentado em 2003, a partir do Decreto 4.887! É lamentável isso!
Infelizmente - eu não preciso falar isto, todos nós conhecemos aqui, mas vamos ser repetitivos por necessidade -, o Estado brasileiro não tem interesse em regularizar, em regulamentar os territórios tradicionais, porque o Estado brasileiro tem um serviço de inteligência que sonda cada canto deste país e que pensa em alongar as fronteiras agrícolas, como Matopiba e como outros territórios. Avança sobre biomas sensíveis. O Estado brasileiro não tem interesse em regulamentar isso e nos coloca, como bem falaram os companheiros aqui - na mesa, nós somos bem contemplados com a fala de cada um, Senador -, como aqueles que estão atrasando o desenvolvimento do nosso país. E a sociedade brasileira nos enxerga assim mesmo, infelizmente! Nós somos tratados como aqueles que não se interessam pelo desenvolvimento do país, quando isso não é verdade. Nós temos, nos Estados Unidos, na Europa, em outros países, principalmente nos da Europa, a temperatura subindo. E nós vamos repetir isso mesmo no Brasil também!
Quero trazer aqui, Senador, o que é de conhecimento do senhor: o Estado da Bahia se destaca como gerador de energia, de energias renováveis. Quero parabenizar aqui a CPT, que teve o interesse, na Bahia, de trazer um curso de formação e de capacitação para os líderes comunitários, de comunidades quilombolas tradicionais, e trouxe dados assustadores, Senador.
R
O Estado da Bahia hoje está regulamentando terras do estado em favor de empresas; está agredindo as comunidades tradicionais, como as comunidades ali de Irecê, as comunidades quilombolas ali daquela região. E o próprio Estado da Bahia não se interessa também em fazer a regularização fundiária.
Nós estamos, Senador, sendo... O nosso Território Araçá-Volta está sendo cortado por uma ferrovia, a Fiol, que abriu seu processo em 2008 e que até hoje, Senador, permanece sem um PBAQ. E para nos assustar, Senador, para nos assustar ainda, nós temos uma IN dentro do Incra que está sendo reformulada, que não reconhece as comunidades tradicionais que estão ali dentro dos seus territórios resistindo há anos; não reconhece a Convenção 169. E dizem que só vão consultar para o licenciamento as comunidades que têm RTID, quando nós temos mais de 5 mil comunidades certificadas e apenas 5%, Senador, que têm RTID. Então, quem vai ser consultado?
E eu pergunto: vale a Convenção 169? Eu falo aos companheiros aqui: nós temos que demarcar nossos territórios. Nós temos que fazer valer a Convenção 169. Nós temos que resistir nem que para isso a polícia precise de entrar dentro das nossas casas, como entraram dentro da minha casa - minha esposa quase desmaia.
Nosso Município Bom Jesus da Lapa, o Território Araçá-Volta - eu falo em nome do Território do Velho Chico, ali na região da Bahia -, estão todos mapeados com energia. E a CPT criou um aplicativo, que eu vou compartilhar com os companheiros depois, em que você consegue entrar e acessar ali, ver os empreendimentos que estão ali em construção, os que estão operando. E é uma invasão. O Estado brasileiro não se interessa em fazer a regularização fundiária. Ele entende, Senador, que nós estamos travando o desenvolvimento do país, quando isso não é verdade.
(Soa a campainha.)
O SR. LUCAS MARCOLINO DA SILVA - Eu agradeço ao Senador Paulo Paim por ampliar as vozes dos nossos irmãos quilombolas aqui e digo: é importante. Tem muitos companheiros que estão aqui querendo falar; tem muitos companheiros que saíram da sua casa aqui querendo falar um pouco aqui, Senador.
Mais uma vez eu quero agradecer ao Senador por sua sensibilidade e dizer aos companheiros que nós temos que demarcar nossos territórios, nós temos que fazer valer. E nós resistimos à ferrovia, estamos resistindo à ferrovia, estamos resistindo aos parques eólicos, parques de energia solar e vamos resistir ainda. Se preciso for, entregaremos a nossa vida pela nossa causa.
Obrigado, Senador. Obrigado, companheiros. E vamos aquilombar! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Bela fala, Lucas Marcolino da Silva, Presidente da Associação Quilombola Agropastoril Cultural de Araçá-Volta, Bahia, que realmente demonstrou aí todo o seu compromisso com a regulamentação das terras quilombolas e a defesa do meio ambiente, de forma contundente aí com tudo que falou!
Vamos ter que cada vez mais, como já dissemos aqui, ampliar o número - por que não ser direto, não é? - de homens e mulheres negros e negras e quilombolas no Parlamento, para avançarmos com tudo que você colocou aí com muita precisão.
E quero dizer, sobre o que você propôs, que, se for o caso - eu sou daqueles... eu digo que eu não tenho pressa para defender causas justas -, se tiver mais dois, depois desses quatro, que entenderem que precisam falar, nós vamos abrir para mais dois, sim, porque eu sei que vocês vieram de longe. Como disse aí, se eu não me engano, a Deputada, eu venho de longe - eu, com a minha idade, também vim de muito longe. Eu já estou com 72. Só de Parlamento eu vou para 40 anos. E sei a importância que é esse momento. Eu sei a importância de vocês falarem aqui pelo sistema de comunicação do Senado. Vida longa à democracia! - porque só com a democracia é que nós podemos ter momentos como esse. E aqueles que atacam a democracia, atacam a liberdade, atacam a justiça, atacam aqueles que querem fazer denúncias justas. E por isso eu digo: com a democracia tudo, sem a democracia é a barbárie.
R
Parabéns, Lucas, pela sua fala!
Celenita Gualberto Pereira Bermieri, Coordenadora Quilombola, do Estado do Tocantins.
A SRA. CELENITA GUALBERTO PEREIRA BERNIERI (Para expor.) - Bom dia a todos, a todas e a "todes".
Obrigada.
Quero aqui cumprimentar a nossa representatividade na mesa, nas pessoas da Penha, da Célia e da Andréia, que me antecederam. Cumprimento o companheiro Evandro, que vem da Coordenação Estadual de Povos Quilombolas no Estado do Tocantins. Estamos aqui em caravana para somar com o Aquilombar, em Brasília.
Eu sou uma laurinda de uma comunidade do interior do Tocantins que trago no meu peito a bandeira da luta de uma mulher quebradeira de coco que também está no Bico do Papagaio. Aqui eu faço alusão à Camila, à Maria de Fátima, à Juscelina, mulheres que morreram lutando por um movimento, lutando por visibilidade da mulher preta, da mulher quilombola, no Estado do Tocantins, encabeçando as organizações que hoje são depredadas, são violentadas, estão sendo emparedadas para que, de alguma forma, não estejam atuando pelos direitos do nosso povo quilombola no Brasil.
Nós estamos falando de desigualdades. A gente luta esse tempo todo, como o companheiro muito bem lembrou, há décadas, há século, mas sempre aquém das nossas forças, da condição que é dada à nossa representatividade neste país. A gente sabe que nós somos, enquanto fazemos a luta, violentados. Então, a violência é dupla, é tripla, e a gente sofre ao vir, a gente sofre ao deixar o nosso quilombo à mercê de quem possa estar, na nossa ausência, acometendo contra o nosso povo.
E assim nós seguimos contra um projeto que é genocida, que mata, que fere, que tem discurso de ódio contra mulheres, contra jovens que são os nossos futuros líderes e que são ameaçados com esse discurso e amedrontados o tempo todo, para que a nossa organização se fragilize.
Felizmente, nós viemos para lutar. Nós sabemos a nossa missão, o nosso compromisso em terras brasileiras. Nós sabemos a nossa missão, o nosso compromisso na organização de um povo quilombola no Brasil. Então, nós somos convocados pela nossa ancestralidade, somos convocados a somar e a continuar um projeto que é de um povo que luta sempre, dando a vida por uma liberdade, pela visibilidade das nossas construções, do nosso conhecimento, das nossas práticas culturais, das nossas práticas tradicionais, nas bases, nos interiores, nas comunidades periféricas, porque muitos do nosso povo, quando não têm o território valorizado, estão indo para a periferia das grandes cidades. E ali a gente enfrenta tanto quanto a gente enfrenta a ausência de política pública nos interiores.
Então, o que eu quero trazer e dizer? Que nós hoje somos povo fortalecido e sabedor do que nós viemos fazer, Deputado. Nós agradecemos a sua oportunidade, agradecemos o espaço nesta Casa que é nossa e essa sensibilidade de podermos trazer por nós, pela nossa voz, o nosso discurso. Que ninguém mais possa nos oprimir, de modo que não possamos falar por nós mesmos. E o nosso desafio, gente, é respeitar a vida, a vida que tem num território quilombola. E eu estou falando de vida, de corpos que saem do quilombo, porque se faz quilombo em Brasília, se faz quilombo no Senado, se faz quilombo onde estamos, onde quer que queiramos estar. Mas se faz vida também no ambiente, na mata, no alimento que comemos, nos animais que criamos, no remédio que usamos para as nossas doenças e os nossos dias difíceis.
R
Então, que nós possamos respeitar a vida, que nós possamos respeitar a natureza e que sigamos...
(Soa a campainha.)
A SRA. CELENITA GUALBERTO PEREIRA BERNIERI - ... firmes pelo reconhecimento desse povo que construiu um Brasil melhor e que continua construindo e propondo isso.
Avante, povo quilombola! Avante contra as ameaças! Avante porque nós somos a promessa, nós somos a defesa dos nossos corpos!
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem! Parabéns pela bela fala! - uma fala com conteúdo e com sentimento, não é? É uma fala... Eu gosto de ler poesia. Vai na rima e na poesia, falando a verdade para todo o Brasil neste momento. Parabéns, Celenita Gualberto Pereira Bernieri, Coordenadora Quilombola do Estado do Tocantins!
Tem uma frase de que eu gosto e uso muito. Eu digo que a política da violência, a política da desconstrução, a política do ódio só leva à derrota; e a política do amor, da solidariedade, da fraternidade, de saber dividir com o próximo é a política do amor, e é essa política que vai nos levar à vitória. Assim eu penso e assim eu creio. Parabéns!
Neste momento - eu estou preocupado aqui e me alertaram sobre a agenda de vocês -, se vocês entenderem, porque não há mais ninguém inscrito, eu remeteria à mesa as suas considerações finais, em nome desse belo evento que eu tive a alegria, o orgulho, a satisfação, a felicidade de presidir. Então, eu queria passar, para as considerações finais, a todos os nossos convidados que aqui, de forma brilhante, usaram a palavra.
Eu começaria, se vocês assim concordarem...
Disseram-me, então, que tem mais três inscritos. Sem problema. Depois desses três inscritos, nós vamos passar para a mesa as considerações finais desse evento. E, com certeza, a tudo que foi dito aqui será dado um encaminhamento às autoridades competentes, inclusive ao Congresso Nacional.
Estão inscritos aqui: José Carlos Galiza, Coordenador Nacional da Conaq, Estado do Pará; Wellington Quilombola, Coordenador Estadual, de Sergipe; e Xifroneze Santos, Coordenadora Estadual, também de Sergipe.
Então, se vocês assim entenderam, assim eu vou encaminhar.
Passo a palavra, por três minutos, para José Carlos Galiza, Coordenador Nacional Estado do Pará. Depois. Vão para a mesa as considerações finais, e eu darei três minutos para cada um dos que estão na mesa.
José Carlos, o tempo é teu.
R
O SR. JOSÉ CARLOS DO NASCIMENTO GALIZA (Para expor.) - Quero saudar a mesa - bom dia a todos - e saudar o Senador Paulo Paim, de cujo compromisso com nossa causa e nossa luta somos sabedores.
Estou passando para dizer, Senador, que nós estamos vivendo o ápice do racismo ambiental, nós estamos vivendo o ponto mais alto do racismo ambiental, um conflito com grandes projetos, com o agronegócio, com a mineração em todas as partes do nosso país, em todos os nossos territórios coletivos. Esse povo quer o nosso território para destruir, território que os nossos ancestrais deixaram para nós e que nós, quando os titulamos, tiramos do mercado, porque pensamos nesses territórios para os nossos filhos, para os nossos netos e para aqueles que virão. Pensamos em deixar a floresta em pé.
Eu venho da Amazônia, lá do Estado do Pará. A Amazônia sofre, a Amazônia está sendo destruída, assim como todos os outros biomas. Então, precisamos garantir com que todos os territórios coletivos sejam titulados e protegidos. Se não chegar nenhuma política pública mais, nós ainda conseguiremos viver mais 200 anos, Senador e todos que estão presentes.
Meu muito obrigado. Agradeço pela abertura desses três minutos para garantir a minha fala.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem! A sua fala, José Carlos Galiza, Coordenador Nacional da Conaq do Pará, foi muito precisa, muito firme e bem objetiva - ficou nos três minutos.
Como você falou... Vou aproveitar seu gancho quando mencionou mais de 200 anos, porque me perguntaram aqui pelo WhatsApp: "Quando vocês falam de outros tempos?". Não é só a nossa idade, são outros tempos de gerações, gerações e gerações seculares que nós aqui representamos nessa luta. Por isso que muitos falam aqui que nós viemos de outros tempos. São muitos e muitos anos, séculos de luta, e ainda nos encontramos nessa realidade que vocês aqui muito bem relataram.
Eu passo a palavra agora para o Wellington Quilombola, Coordenador Estadual de Sergipe, por favor.
O SR. WELLINGTON QUILOMBOLA (Para expor.) - Bom dia a todos e a todas.
Bom dia, Senador. Gratidão por ter aberto esse espaço para receber o povo quilombola do Brasil. Como já foi colocado, estamos aqui com representantes quilombolas de todo o país, de todas as regiões do país.
Eu venho de Sergipe, da cidade de Estância - Quilombo Porto d'Areia. Nós temos uma fala em que dizemos que queremos o nosso território com tudo que nele há. E, nesse território, há vida; nesse território, há natureza; nesse território, há rio; nesse território, há cultura; nesse território, há religiosidade; nesse território, há ancestralidade; nesse território, há nossa vida. A gente não entende por que parte das pessoas se elegem para defender a Constituição, inclusive o Decreto 4.887 e o art. 6º da OIT. Eles são eleitos para defender a Constituição Federal e as leis que nos protegem. E essas leis não são fiscalizadas, essas leis não são respeitadas, sobretudo nos estados e nos municípios. Os problemas maiores, além de no federal, estão nos municípios, que é onde nós temos os nossos contatos diretos.
Como o nosso tempo é curto, eu quero propor ao senhor e propor à Comissão de Direitos Humanos que deem uma olhada, façam uma fiscalização ou procurem saber como está o Incra, a estrutura do Incra, como está a estrutura da Fundação Palmares, como está a estrutura do Iphan. São organizações que foram criadas...
R
(Soa a campainha.)
O SR. WELLINGTON QUILOMBOLA - ... para trabalhar para o nosso povo e, infelizmente, não funcionam por falta de estrutura.
E, por fim, quero dizer que nós quilombolas lutamos e queremos as parcerias no que diz respeito a cestas básicas, mas, de verdade, o que nós queremos é a nossa terra e o nosso território com tudo que nele há, porque nós temos sabedoria, nós temos força de vontade, nós estamos na terra, mas as políticas públicas não nos dão o direito de trabalhar com essa terra. Então, em vez da cesta básica, nós queremos o que é nosso de direito para produzir e oferecer as demais comunidades ao Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - (Falha no áudio.) ... Quilombola, Coordenador Estadual.
Wellington, eu procurei tomar nota aqui, pedi que a gente olhasse com carinho, vou aqui recapitular: Iphan, Fundação Palmares, Incra, ainda a Funai - eu colocaria a Funai também, viu? -, e naturalmente toda a política de direitos humanos. Mas quero te dizer que eu tenho muita esperança, eu tenho muita esperança porque este ano é um ano eleitoral. Eu espero que o resultado seja aquele dos meus sonhos e que a gente possa, então, fazer a mudança de vida nesses órgãos, que eu sei que vai acontecer. E que eles tenham compromisso com as políticas humanitárias. Se fizerem isso, com certeza avançaremos. Então, fica aqui o meu carinho, o meu abraço pela tua fala. E nós vamos olhar com carinho o que você falou, mas eu diria muito mais numa perspectiva a partir de 1º de janeiro.
Eu passo a palavra agora para a última convidada a usar o tempo, neste caso, de três minutos, Xifroneze Santos, Coordenação Estadual de Sergipe.
A SRA. XIFRONEZE SANTOS (Para expor.) - Bom dia. Bom dia, Senador. Bom dia a todos desta Casa.
Quero saudar a Mesa na pessoa do Senador Paulo Paim e dos companheiros que estão lá nos representando, em especial as companheiras Katia e Célia.
Então, eu venho aqui para reforçar a fala. Sou de Sergipe, sou lá do Quilombo Caraíbas, no Município de Canhoba, na região norte do estado. E, assim, é muito difícil estar num espaço como este, que sabemos que é a Casa que defende o povo, e a gente está aqui nesse momento fazendo denúncia e buscando apoio para a aplicabilidade da política.
Então, estou contemplada na fala dos que me antecederam, mas também quero trazer aqui, em forma de denúncia, a questão do Incra, porque o Incra foi criado para dar sustentabilidade aos territórios quilombolas, e nós estamos em Sergipe passando por um processo de criminalização muito sério. Se esse processo der certo em Sergipe, vai atingir as comunidades quilombolas do Brasil todo. Então, fomos denunciados por acessar uma política pública de direito das comunidades quilombolas, que foi o acesso ao recurso que está dentro do Plano Nacional de Reforma Agrária, os benefícios de primeira necessidade e os benefícios de fomento, que exigem que as comunidades tenham o seu direito de produzir. E nós estamos sendo criminalizados por isso. Fomos denunciados à Polícia Federal, oito lideranças do estado, se não me falha a memória, estão respondendo por essa situação, e a gente precisa que esta Casa defenda esse direito, que é nosso, de forma que não venham a nos atacar, porque a Casa que é para construir direito está, na maioria das vezes, atacando as comunidades quilombolas. Então, Sergipe está aqui também para demarcar esse território, junto com os demais companheiros, buscando apoio.
R
(Soa a campainha.)
A SRA. XIFRONEZE SANTOS - E aí a gente sabe que podemos contar, Senador, com o senhor e com os demais companheiros que o senhor citou aí anteriormente.
Então, é com essa fala que eu aqui encerro a minha fala e agradeço esse espaço para que a gente possa sair daqui fortalecidos e fortalecidas com a certeza de que a gente vai conseguir. E ainda mais: dizer para nós, para nós mesmos, que esta Casa precisa ser ocupada por nós. A gente precisa estar fazendo leis e executando para que essa política chegue de fato.
Então, os quilombolas, o aquilombar precisa sair daqui consciente de que ano que vem é ano de eleição, e a gente precisa mudar esse cenário.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, muito bem, muito bem... A líder Xifroneze Santos, Coordenação Estadual de Sergipe, deixou o encerramento dessa fala: nós estamos em ano eleitoral. É agora, praticamente, em 45 dias. E vamos eleger. E oxalá, oxalá, não tem como eu não dizer que a gente possa ter de volta um Presidente comprometido com o nosso povo, com a nossa gente, que combata todo tipo de preconceito e olhe não só para o seu time, mas para todo o povo brasileiro, que vocês aqui muito bem representam, que vocês aqui muito bem representam.
Parabéns, viu? Parabéns a todos!
Agora nós vamos às considerações finais dos nossos convidados. Eu vou seguir a lista que eu tenho em mãos.
Para os seus três minutos de considerações finais, começo aqui com Célia Cristina da Silva Pinto, Conaq. Estou resumindo aqui: Conaq. (Risos.)
A SRA. CÉLIA CRISTINA DA SILVA PINTO (Para expor.) - Bom, as minhas considerações finais vão ser muito rápidas: simplesmente mesmo agradecer esse momento, agradecer esse espaço e dizer para o nosso povo que está aqui nesta plenária: aquilombar é preciso, aquilombar estamos e aquilombar iremos fazer sempre, porque só aquilombando, é com essa resistência que nós vamos conseguir, de fato, reverter o que está posto para nós. É com essa força, é com essa união, é com essa garra que a gente vai conseguir vencer.
E as eleições estão aí, e o recado está dado: vamos saber quem... Se nós queremos, de fato, que tenha essa mudança e que tenhamos o respeito que merecemos, vamos para, porque nós temos o poder do voto. O poder está em nossas mãos. Então, vamos usar dessa arma que temos, que é o voto, para mudar essa realidade.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, muito bem.
Sabe, querida Célia Cristina da Silva Pinto, o mesmo Governador do Rio Grande, o único Governador negro, tivemos, lá atrás, há muito, muito tempo, o Presidente da Assembleia, que é o Carlos Santos, que chegou também a ser, assumiu como Governador, mas o Governador negro aqui foi Alceu Collares, e ele tem uma poesia muito linda. Eu vou tentar, e o Collares que me desculpe... Eu não vou declamar a poesia, mas vou dizer um pedacinho dela no meu jeito, não é?
R
Ele fala mais ou menos o seguinte que você falou, Célia Cristina: teu único instrumento de luta é o teu voto. Este é teu instrumento, está ao alcance da mão. Está ao alcance da mão, esse é o teu principal instrumento de luta, é o teu voto.
E aí eu digo: o governo que você elege que vai decidir a educação, que vai decidir a saúde, que vai decidir política de emprego, que vai discutir a titularidade do povo quilombola, que vai discutir a realidade do povo indígena, que vai discutir a realidade dos sem-teto, dos sem-terra, que vai discutir as nossas vidas. Por isso, o ex-Governador, que eu respeito muito, sempre meu parceiro de luta, e não é do meu partido, mas falo aqui com ele com muito carinho, o ex-Governador Alceu Collares. E nessa poesia dele ele vai mais fundo. E aqui eu não estou nem falando, só dei uma síntese. Ele disse que o instrumento principal de luta nosso neste momento é o voto.
Vamos em frente.
Passo a palavra para Katia Penha, Coordenadora Estadual da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Por favor, a líder Katia Penha.
A SRA. KATIA PENHA (Para expor.) - Companheiros, companheiras quilombolas de todos os estados, aquelas que não vieram nas delegações, aqui eu vou parafrasear a nossa música do Aquilombar, porque foi tudo o contexto de todos que a gente falou aqui. Então, é por não parar de lutar. Nós não vamos parar de lutar pelos territórios dos meus ancestrais. Derrube o veto, derrube o teto, derrube as cercas dos nossos quintais. Nós não vamos parar de lutar pela liberdade dos nossos iguais. Enegrece a mente, aquilomba o chão, o mundo mais justo está em nossas mãos.
É com essa música que nós estamos aqui em Brasília; é por essas frases que nós estamos aqui em Brasília; é por todos que não vieram, por aqueles que morreram pela covid, pelas nossas crianças que ficaram sem ir à escola que nós estamos aqui. Nós estamos aqui em luta, em resistência por um Brasil mais justo, igualitário, sem violência, e pelo direito democrático de a gente dizer "não", dizer "sim", sem nos matar.
Então, em nome do meu Estado, Espírito Santo, quero agradecer ao Senador e a todos da Comissão de Direitos Humanos. Nós não vamos parar de lutar! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Bem representa aqui a Conaq pelo brilhantismo do conjunto da obra desta sessão aqui na CDH.
Bom, eu passo a palavra ao Ronaldo dos Santos, também representante da Conaq.
O SR. RONALDO DOS SANTOS (Para expor.) - Então, pessoal, chegamos ao final de mais uma audiência pública, uma de tantas outras que ainda faremos. E repito: por mais que o que a gente veja acontecendo muita das vezes pareça aberração, a gente não vai tirar o pé desta Casa, a gente não vai silenciar a nossa voz onde quer que estejamos e aqui dentro também.
R
Senador Paulo Paim, muito obrigado por essa parceria de sempre. Hoje eu entendo um pouco mais - não que tudo tenha começado ali, porque a sua trajetória é muito anterior -, e a forma como o senhor acaba de nos contar como foi recebido nesta Casa ajuda a explicar por que esse compromisso do senhor com esse movimento e com essa luta se faz, se dá há tantos anos. Então, obrigado por essa parceria.
Obrigado a toda a Comissão de Direitos Humanos, que é um espaço em que realmente a gente pode ter como espaço de acesso a esta chamada Casa do Povo.
Coordenação Nacional de Quilombolas (Conaq), todos e todas aqui presentes, a audiência pública está se encerrando, mas o dia de luta não. Nós temos um dia inteiro de Aquilombar pela frente, temos uma caminhada para fazer, temos que gritar nas ruas de Brasília. Lamentavelmente, ao nosso lado, existe um agrupamento reacionário fazendo um evento. Atravessando a rua, eles estão ali, mas não importa. A nossa luta é aquilo que vocês viram ali pela manhã, o tambor de crioula já abrindo o dia. Vamos continuar com essa beleza, com essas cores, com esses cantos, mas dizendo: o Brasil é quilombola e nós não vamos parar de lutar!
Muito obrigado, pessoal.
Vamos à luta! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, Ronaldo dos Santos, que acabou de dizer a sua frase final: "O Brasil é quilombola". Se 56% da população é negra, o Brasil é quilombola. Obrigado, Ronaldo. Parabéns pela sua história, sua luta e sua liderança.
Roberto Potácio Rosa, também da Conaq.
O SR. ROBERTO POTÁCIO ROSA (Para expor.) - Se me permitem o Senador e os demais companheiros quilombolas, tem uma preocupação que está na mente há muito tempo e me veio agora. Primeiro, penso que o foco principal tem que ser a titulação. O território é que tem que gerar política pública, investimento e desenvolvimento para as comunidades e tem que passar pelo crivo da titulação. Os demais são sequência, desdobramentos dessa etapa concluída.
Outra preocupação que não lembrei na hora, pensei que viria na fala de outro companheiro, mas também não lembraram, não veio, é essa preocupação do marco temporal. Isso está criando uma inquietação, porque estão criando um fato novo em cima da existência dos povos originários e depois, consequentemente, da população que mais povoou, que era a maioria. E, como somos maioria, os nossos antepassados, os nossos ancestrais sequestrados da África aqui chegaram para desbravar esse chão, esse território onde nós estamos. Então, estão criando esse fato novo aí do marco temporal.
Acompanhei o desfecho do julgamento do Supremo Tribunal Federal, do julgamento do Decreto 4.887, que culminou com a legitimação do decreto, com a constitucionalidade do decreto e com a boa prática legislativa do decreto, mas, ao final da votação, foi levantada pelo Ministro Dias Toffoli a questão do marco temporal. Não houve a discussão.
(Soa a campainha.)
R
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO POTÁCIO ROSA - Não houve a discussão, os demais Senadores entenderam não ser necessária a discussão de momento, mas penso eu que deve ser outra prioridade, a de estar constantemente vigilante, porque isso pode estar em curso a qualquer momento e nos pegar desprevenidos. E penso que aqui, nesta Comissão, a própria Casa, o próprio Senado tem que estar pensando com carinho essa questão do marco temporal, pois ela vai cercear muitos direitos já conquistados pelas comunidades tradicionais e também pela questão indígena.
E, no mais, quero agradecer ao Senador pela acolhida, sempre de bom acordo na luta, pertencendo, se doando junto com a gente. Agradeço a todos os companheiros e companheiras quilombolas que aqui estão, meus companheiros de mesa, e quero fazer as palavras de cada orador que aqui se expressou minhas também.
Muito obrigado pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, muito bem mesmo, Roberto Potácio Rosa, que falou em nome da Conaq e lembrou aqui questões importantes.
Eu peço que a consultoria, a assessoria da equipe da Comissão reúna os principais encaminhamentos para que a gente possa, depois, conversando com vocês, tomar os devidos procedimentos, inclusive encaminhando o resultado desta audiência pública. Fiquem em contato com a assessoria da Comissão para que a gente faça isso no momento final.
Agora eu passo a palavra ao Antonio Mendes, também Coordenador Estadual da Conaq.
O SR. ANTONIO MENDES (Para expor.) - A gente só quer dar um recado final: é necessário aquilombar, nas não aquilombar no dia de hoje. Nós mostramos para o mundo e para o Brasil que a única maneira de salvar esse planeta é aquilombando. E apesar de todos os ataques, toda a resistência sofrida, nós estamos aqui, e não somos poucos. Nas nossas contas, hoje nós somos milhares de quilombolas no Brasil. Nós tivemos tudo para não existir, mas nós existimos.
E, para fechar este momento, eu queria muito que meus companheiros e minhas companheiras quilombolas fizessem um coro aqui para um hino que nos representa, que diz o seguinte. Eu vou cantar com minha voz de taquara rachada, vocês relevem isso. Mas diz o seguinte.
(Procede-se à apresentação de música.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Por videoconferência.) - Muito bem, parabéns! Parabéns, Antonio Mendes, que encerrou com essa bela letra dessa canção, que marca a luta do nosso povo, da comunidade negra nestes tempos tão difíceis, que haveremos de mudar.
Olha, pessoal, eu queria ver com vocês que estão na mesa, porque me chegou agora - somente chegou agora -, queria que vocês ouvissem aqui... Porque o e-Cidadania sempre remete perguntas que vêm da população. Eu, como sou um democrata, nunca deixo de fazer todas as perguntas, sejam, digamos, positivas para quem falou ou negativas.
R
Eu vou ler aqui as perguntas para vocês, se quiserem, comentar, com respostas curtas, e depois eu vou para o encerramento, porque não dá para gerenciar, porque, se fosse responder de forma pontual, seria iniciar de novo a audiência pública.
Mas vamos lá, em respeito àqueles que mandaram perguntas para nós.
Sabrina Lobato, do Amapá: "Quais as principais políticas públicas brasileiras voltadas para essas comunidades, que são muito importantes para a nossa cultura?" - é uma afirmação muito positiva.
Carla Cristina, do Rio de Janeiro: "Como funciona a distribuição de cestas alimentares para as comunidades quilombolas?".
Reginaldo Noronha, do Amapá: "Quais os entraves enfrentados para reconhecimento dos direitos das comunidades quilombolas, em especial à cidadania e aos direitos humanos?".
Francisco Daniel, do Amapá: "As comunidades quilombolas são muito importantes dentro do cenário cultural brasileiro. Por isso deve o Estado valorizá-las, conforme a lei".
Júlia Alves, de Minas Gerais: "Quais medidas estão sendo tomadas para garantir o direito dos quilombolas?".
Carol Pinsetta, São Paulo: "O racismo estrutural ainda atinge os direitos fundamentais das comunidades quilombolas". E diz mais: "A democracia no Brasil é, na prática, um reflexo de nossa Constituição Federal ou não?". Ela está questionando, claro, o não cumprimento da Constituição, de que vocês falaram aqui.
Leonardo Bezerra, do Ceará: "Quais os mecanismos de divulgação das ações em prol das comunidades quilombolas e dos povos originários?".
E, por fim, só mais duas.
Leidiane Alves, de Goiás: "É direito dos quilombolas ter a sua identidade étnica juridicamente reconhecida, assim como a garantia de posse de suas terras." - também é uma afirmação.
Leonardo Bezerra, do Ceará: "O racismo estrutural é uma das principais mazelas da nossa sociedade".
Vejam, de todas que chegaram aqui, nenhuma crítica, só elogio à luta dos quilombolas. E eu entendo que muitas das perguntas, ao longo desta audiência pública, vocês responderam. Vocês cobraram do Estado, vocês cobraram do Congresso - Câmara e Senado -; vocês cobraram da Justiça, vocês cobraram das forças de segurança a realidade do povo quilombola, que muitas vezes é barrado, inclusive, de defender os seus direitos. Se vocês entenderem que as respostas foram dadas no conjunto da audiência pública, eu vejo com a minha assessoria para responder a eles, baseada na fala de vocês. Ou, se alguém da mesa, em nome do conjunto, quiser fazer um comentário final, eu passo a palavra agora e aí eu vou para o encerramento.
Vocês se sentem contemplados com o encaminhamento que eu fiz? (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k.
Então, muito obrigado a todos.
Permitam-me só que, neste momento, eu registre algo aqui. Não sei se conseguem ver, eu não vou ler, mas reconheço a importância dessa carta. A carta é da Conaq: o Brasil é quilombola. A carta da Conaq - as candidaturas progressistas à Presidência da República - chegou para mim, e eu, naturalmente, em nome da Comissão, vou também remeter a todos os candidatos à Presidência da República, a todos! Vou remeter a todos os candidatos que se habilitaram - o prazo já se encerrou - a disputar a Presidência da República.
R
Por fim, se vocês me permitirem, só para encerrar... Os encaminhamentos, depois, nós vamos ver ali com a Comissão. Permitam-me que eu diga isto, porque eu acho que enobrece, dá um clima de que vale a pena persistir e lutar, como os quilombolas resistiram nesse período todo e vão continuar lutando.
Seguimos em frente, com alma e coração, abrindo caminhos de solidariedade. Diz a canção: "Em cada esquina, um amigo; em cada rosto, tem que ter a igualdade".
Buscamos um Brasil diferente, com dignidade. Acreditamos na verdade. Não acreditamos no ódio; acreditamos no amor. O medo não é maior que os nossos sonhos. Somos da paz, acreditamos na vida e vamos resistir sempre na busca dos nossos direitos. Diz o poeta: "O que a vida quer da gente é coragem". E vamos demonstrar que, com coragem, vamos conquistar a felicidade.
O amor tem o poder de transformar, de abrir novos caminhos. Por isso, vamos esperançar e fazer o bom combate. O nosso grito é de esperança em mil canções de amor e nas flores que estão para nascer. Defendemos a democracia? Sim! A Constituição? Sim! Os direitos humanos? Sim! Um país se constrói com as cores do seu povo. O nosso horizonte é um Brasil generoso e plural, que todos nós aprendemos a amar.
Sim, é tempo de dizer basta, basta aos preconceitos, basta ao racismo! É tempo de cuidar uns dos outros, de dar as mãos. O caminho é o diálogo, é a construção de uma vida para todos, assegurando a titularidade das terras do povo quilombola.
Diversidade não separa; ela junta! A diversidade junta todos e todas num único sentimento, o sentimento que aqui eu destaco, o do amor.
Que o canto dos pássaros, nas manhãs do Brasil, volte às nossas vidas, nos dando sabedoria. Vamos todos juntos defender a natureza, como os quilombolas fazem com muita grandeza.
Fraternidade, inclusão, cidadania! Sejamos fortes, resistentes, como vocês são. Vamos mudar este país! Vamos reconstruir este país! O amanhã é tão somente o presente da nossa capacidade de reconstruir. As respostas estão em nós mesmos e, como dissemos antes, estão ao alcance das nossas mãos.
Temos o direito de viver em paz. Temos o direito de repudiar, de contestar a política de ódio, levando afeição, empatia, compaixão, amor, solidariedade e fraternidade.
As palavras me ensinaram: o medo leva à morte; a coragem nos leva às estrelas.
Estamos juntos com os quilombolas. Eu tenho orgulho de dizer: eu sou um quilombola.
R
Está encerrada a nossa audiência pública.
Vida longa à nação quilombola!
Vamos chamar todos agora para uma grande foto, combinada, aí no telão. Eu ficarei aqui. A turma aí vai organizar. Vamos fazer uma foto coletiva, que vai para a minha biografia e, creio, também para a biografia de vocês.
O Christiano orienta. Eu ficarei aqui.
Será semelhante àquela que ficou muito boa, a dos povos indígenas, como também a dos sindicalistas, que falaram sobre o Estatuto do Trabalho. (Pausa.)
Christiano, oriente da mesma forma aí, porque ficou muito boa. (Pausa.)
Valeu! (Palmas.)
(Iniciada às 10 horas e 02 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 24 minutos.)