Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 9ª Reunião da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. A audiência pública de hoje vai debater trabalho escravo e expropriação de terras, conforme o PL 5.970, de 2019. A reunião será interativa, transmitida... (Soa a campainha.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania e da internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou por meio do telefone da Ouvidoria, 0800 0612211. Nós estamos construindo aqui. Vamos ter duas mesas, para ver quais os primeiros que serão chamados. Primeira mesa, se estiver algum presente, eu convido para se sentar aqui ao meu lado. Eduardo Nunes de Queiroz, Defensor Público Federal, representante da DPU. Presente? Seja bem-vindo aqui, Eduardo. (Palmas.) Renato Bignami, Auditor-Fiscal do Trabalho e Diretor do Sinait, também está aqui conosco. (Palmas.) Luiz Felipe Brandão de Mello, Secretário de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, que está aqui conosco também. (Palmas.) E, nesta mesa, Luiz Antonio Colussi, Juiz e Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Seja bem-vindo! (Palmas.) Eu vou fazer uma pequena introdução do tema. Esta audiência pública vai debater o Projeto de Lei 5.970, de 2019, que prevê a expropriação das propriedades rurais e urbanas onde se localize a exploração de trabalho em condições análogas à de escravo. Antes esclareço que o autor desse projeto é o Senador Randolfe Rodrigues; e o Relator é o Senador Fabiano Contarato. O texto regulamenta a Emenda 81, do ano de 2014, da Constituição Federal. Esta é a segunda audiência pública, conforme combinado com os Senadores e as Senadoras. Estamos, assim, dando continuidade à audiência pública realizada no dia 29 de março. A previsão, conforme ajustado entre todos os Senadores desta Comissão - já foi pedida vista -, é votar o projeto de lei na próxima quarta-feira, dia 12. |
| R | Nos últimos anos, houve considerável aumento de pessoas trabalhando em situação de escravidão no Brasil. São vários setores, tanto no campo como na cidade, em que se percebeu o avanço do trabalho escravo: lavouras de cana-de-açúcar, pecuária, fumo, cultivo de carvão vegetal, desmatamento florestal, extrativismo vegetal, mineração, construção civil, confecção têxtil, entre outras na cidade. Somente no ano de 2022, foram resgatados 5.575 trabalhadores. Entre janeiro e o último dia 20, foram contabilizados 918 casos, um aumento recorde de 124% em relação ao mesmo período de 2022. Como eu disse, entre tantos outros, claro, podemos lembrar de vinícolas e outras áreas. Entre 1995 e 2022, o Brasil resgatou mais de 60 mil pessoas em situação de trabalho análogo à escravidão. Na semana passada, o Ministério do Trabalho atualizou a lista suja do trabalho escravo. Ela é feita duas vezes ao ano, em abril e outubro. Foram acrescentados 132 novos nomes, a maior atualização desde 2017, totalizando, então, 289 nomes de empregadores. É importante destacar que a Procuradoria-Geral da República pediu ao Supremo que declare o trabalho análogo à escravidão como crime inafiançável e imprescritível. Minha saudação a todos os convidados desta audiência. Que tenhamos um bom encontro! Cito aqui, para reflexão, uma frase do Papa Francisco, abro aspas: "Quantos irmãos e irmãs no mundo estão nessa situação por causa dessas diretrizes econômicas, sociais e políticas? A dignidade não é concedida pelo poder, pelo dinheiro, pela cultura, não. A dignidade é concedida pelo trabalho decente" - fecho aspas. Feita a introdução, nós vamos, de imediato, para ganhar tempo, passar à fala dos nossos convidados. Todos os convidados já se fazem presentes. Vamos realizar o debate com duas mesas. Primeiro, passamos a palavra para Eduardo Nunes de Queiroz, Defensor Público Federal, representante da DPU neste momento. O tempo será de dez minutos. Como são muitos convidados, eu vou fazer um apelo para que todos fiquem dentro dos dez minutos. Quando chegar ao nono minuto, a campainha toca. Daí terá um minuto para concluir. Dr. Eduardo Nunes de Queiroz, a palavra é sua por dez minutos. O SR. EDUARDO NUNES DE QUEIROZ (Para expor.) - Senador Paulo Paim, primeiro de tudo, obrigado pelo convite à Defensoria Pública da União para participar desta audiência pública relativa a um projeto de lei tão importante para a defesa dos direitos humanos no país, que realmente vem atender a uma situação que perdura desde 2014, quando foi promulgada a emenda constitucional que instituiu a obrigação do poder público de buscar a desapropriação e a conversão de bens que são destinados à exploração do trabalho escravo em prol dos trabalhadores resgatados e do bem da sociedade brasileira. |
| R | A apresentação, Senador, que eu vou fazer é rapidamente uma pontuação sobre o papel da Defensoria na temática, com algumas propostas que já foram apresentadas à época do Governo de transição. No relatório que a Defensoria Pública da União apresentou ao final do ano passado, é bem substanciada a situação dos direitos humanos no país, com algumas considerações. Até pelo tempo ser curto e realmente haver outras instituições que têm uma colaboração para trazer com relação ao tema, são apontamentos pontuais em relação ao projeto de lei que está sendo aqui analisado. Pode passar para a primeira. Basicamente, a Defensoria Pública da União no contexto de trabalho escravo tem a sua legitimidade, a sua construção normativa a partir da própria Constituição Federal. O art. 134, que prevê a Defensoria Pública, coloca-a como um órgão de promoção de direitos humanos. Foi uma construção também deste Parlamento, já como poder constituinte derivado da Emenda 80, de 2014, um grande avanço na construção da Defensoria Pública brasileira. Isso também se traduziu em melhorias na estrutura normativa da Defensoria, em sua Lei Complementar 80, que coloca a Defensoria Pública como órgão de defesa dos direitos individuais coletivos de grupos sociais vulneráveis - e aí eu coloco a coletividade, trabalhadores resgatados nessa condição - e também de preservação e proteção às vítimas de qualquer tipo de violência. E aí, sob o viés de promoção não só da proteção, sob o viés jurídico, naquela questão mais usual da Defensoria Pública, que é a defesa em ações judiciais, mas também da busca de uma assistência multidisciplinar para esse público, ela se mostra muito importante, Senador, numa situação posterior ligada ao tema aqui. Particularmente, em relação à questão do trabalho escravo e do combate a essa violação de direitos, a Defensoria Pública da União criou, em 2018, um grupo de trabalho. A Defensoria Pública da União já trabalha em parceria com o Ministério do Trabalho há mais de uma década em parcerias com um grupo móvel. E a gente participa de operações buscando prestar assistência jurídica imediata aos trabalhadores e trabalhadoras resgatados para que eles possam ter acesso aos seus direitos individuais, sem prejuízo das questões coletivas tratadas também pela Defensoria, mas, sobretudo, pelo Ministério Público do Trabalho. Então, foi criado, em 2018, um grupo de trabalho específico para pensar políticas junto à Defensoria e parcerias com outros órgãos para incidência nessa questão, que é o nosso GT de Trabalho Escravo. Em 2021, essa aproximação gerou uma inclusão da Defensoria Pública no Fluxo Nacional de Atendimento às Vítimas de Trabalho Escravo, que foi criado na época pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que estabeleceu um fluxo de instituições que têm de se colocar à disposição e envidar esforços para, dentro de um estudo geral de combate ao trabalho escravo, prestar assistência àqueles que forem vítimas dessa prática criminosa. E a Defensoria Pública, então, foi formalmente incluída nessa rede, que é o Fluxo Nacional. Nesse sentido, até por conta de toda a sensibilidade da atuação na questão de resgate de trabalho escravo, em que há todo um contexto de fragilidade social, de encaminhamento, de conhecimento de rede, a Defensoria Pública criou também um grupo especializado de atuação que são de defensores que passam por capacitações específicas de resgate. Eu mesmo já participei dessa capacitação para atuação realmente em campo, em acompanhamento ao grupo móvel do Ministério do Trabalho e nessas atuações propriamente de resgate. Pode passar. São basicamente os principais marcos normativos disso. Infelizmente, esse eslaide ficou um pouco pequeno, mas são as estatísticas dos dois últimos anos de atuação da Defensoria, ainda em época de pandemia. Em 2021, participamos de 53 ações de resgate, com mais de 1.360 trabalhadores atendidos, sendo mais de 600 resgatados em condições de escravidão. Claro que isso é muito abaixo do que é feito pelo grupo móvel. A gente tem que entender o trabalho importante que é feito. |
| R | A Defensoria Pública, por ainda estar numa situação de estruturação, não tem capacidade de acompanhar todas as ações, mas uma das principais, Senador, foi aqui perto de Brasília, um resgate de mais de cem trabalhadores da fábrica da Souza Paiol, com 116 trabalhadores resgatados. A Defensoria participou disso e assegurou o pagamento de indenizações e acesso a benefícios previstos na própria legislação, como o pagamento de seguro-desemprego e tudo a pessoas que geraram mais de R$7,5 milhões no ano de 2021. Em 2022, estamos começando a qualificar os dados, até seguindo uma orientação do TCU. Participamos de 58 operações em 133 municípios, atendemos mais de 1,8 mil trabalhadores, sendo mais de 580 em situação de escravidão. E a quantidade de verbas que conseguimos que fossem pagas também é superior a R$7,3 milhões. Estamos ainda produzindo... Esses são dados ainda parciais, porque ainda faltam algumas atuações para a conclusão do ano de 2022. Pode passar. Nessa experiência que a Defensoria Pública da União teve relativa ao combate ao trabalho escravo, levamos ao Governo de transição algumas preocupações sobre questões estruturantes de direitos humanos relacionadas ao tema que compuseram um relatório mais amplo, como eu falei no início, que foi apresentado e que envolve algumas propostas ao Poder Executivo para melhoria do contexto de combate ao trabalho escravo no país. Primeiro de tudo, o fortalecimento da participação social na Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), que, durante o Governo anterior, Bolsonaro, foi fragilizada, teve reduzida a sua composição, sua participação social, sua pluralidade, que é tão importante num conselho de participação social - então, foi até recomendada a revogação do decreto -; a facilitação migratória de trabalhadores que vêm do exterior e são resgatados, porque houve uma portaria do Ministério da Justiça, também do mesmo Governo, que condicionou a regularização migratória dos resgatados à colaboração com a investigação criminal, numa situação de revitimização, que é muito preocupante, que a Defensoria indicou; a recomposição orçamentária não só das ações de fiscalização, em que houve mais de 50% de redução entre 2019 e 2022; o fortalecimento também de mais concursos para auditores fiscais do trabalho, que já estão com menos de 60% dos cargos ocupados; também o fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social, que é muito importante para evitar a revitimização e promover a reintegração social dos resgatados, porque há um número muito preocupante de pessoas que novamente incidem, que são novamente vítimas de trabalho escravo, justamente pela fragilidade em que se encontram; e, por fim, no que interessa aqui, a regulamentação da Emenda 81, de 2014. Dentro dessas medidas, recentemente, a Defensoria Pública impetrou mandado de injunção no STF, o Mandado de Injunção 7.440, que foi justamente... Mandado de injunção, para quem não é da área do direito, é uma ação que é feita direto no Supremo para que se reconheça a demora do Legislativo em regulamentar matérias da Constituição, para que o STF, reconhecendo isso, proteja as pessoas que têm direito a ter essa matéria regulamentada. Esse mandado de injunção foi justamente ajuizado pela Defensoria no mês passado. Houve um pedido com o foco de que não há precedentes judiciais de desapropriação de imóveis onde há pessoas em trabalho escravo. |
| R | A União vem resistindo a aplicar analogicamente a legislação, já que se trata dos imóveis que são usados para a exploração de cultura de drogas. E a própria Corte Interamericana de Direitos Humanos também, já em duas oportunidades, no caso Fazenda Brasil Verde e no caso José Pereira versus Brasil, recomendou ao país que regulamentasse essa questão para fazer um enfrentamento efetivo da situação de trabalho escravo,... (Soa a campainha.) O SR. EDUARDO NUNES DE QUEIROZ - ... por reconhecer ser uma grave situação de direitos humanos no país. Houve um pedido de liminar para que fosse imediatamente aplicada a lei que trata dos imóveis que são destinados à cultura de drogas para imóveis onde há trabalho escravo, mas, infelizmente, esse pedido foi negado pelo Ministro Luiz Fux, que é o relator do caso. Pode passar. Então, só para concluir, dentro do espectro do PL 5.970, o que a Defensoria vê como pontos relevantes. Primeiro de tudo é resolver realmente uma mora de quase uma década na regulamentação desse artigo, que, como colocamos em nosso mandado de injunção, envolve uma obrigação a que o Brasil já foi duplamente instado a observar pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Além disso, há um valor muito importante, porque aprofunda o conceito de trabalho escravo em sintonia com as convenções da OIT que tratam do tema... (Soa a campainha.) O SR. EDUARDO NUNES DE QUEIROZ - ... e, também, entra na ordem do dia porque é um tema de repercussão geral reconhecido no STF, onde há uma discussão sobre provas dos caracteres que compõem o crime do art. 149 do Código Penal, que é a redução à condição análoga à condição de escravo, porque há ainda muito conflito na jurisprudência sobre os elementos que caracterizam isso, e tem que ser assim... Há ainda alguns termos um tanto quanto abertos para isso. Então tem seu valor, porque trata de elementos específicos, de circunstâncias que caracterizam o trabalho escravo. E há, Senador, questões de que eu acho que é importante tratar - eu não sei se é possível nesta oportunidade um aprofundamento. Eu tratei anteriormente, quando falei dos problemas que foram indicados, de questões relativas aos déficits orçamentários, do que se pode tirar de benefício econômico para além da recuperação de imóveis, para essa destinação de imóveis da reforma agrária, que é até o meu último eslaide. (Soa a campainha.) O SR. EDUARDO NUNES DE QUEIROZ - Trata-se de destinar esses valores também para fortalecer não só a rede de proteção, que é o Ministério do Trabalho, o Sistema Único de Assistência Social, mas também para um financiamento, talvez dentro do espectro do FAT, do Fundo de Amparo ao Trabalhador, de uma requalificação profissional específica para esse tipo de trabalhador resgatado - é uma causa de grande revitimização, de nova vitimização nesse caso -, ou seja, essas pessoas, além de serem resgatadas, têm que receber uma oportunidade profissional, há de haver um programa estruturado para isso. Por fim, realmente, dentro... E aí eu trato de um ponto que me é muito caro, porque estou lidando muito com isso: tentar dar outras fontes para restabelecer a política de acesso à terra no país, porque, como se pode ver - só colocar o último eslaide -, o acesso à terra, o assentamento de pessoas pela reforma agrária, está num patamar praticamente inexistente no país, sobretudo de 2014 para cá. Então, para além de toda uma política de reforma agrária que precisa ser restabelecida no país, a obtenção de novas áreas para o assentamento de trabalhadores rurais é fundamental para uma política que envolve realmente toda a questão de opressão e violência aos trabalhadores rurais do país. Muito obrigado. Desculpem se foi muito corrido. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Eduardo Nunes de Queiroz, Defensor Público Federal, representante da DPU! |
| R | Meus cumprimentos pelo parecer. Vou tocando direto, pessoal, porque esse é um tema recorrente, como a gente fala, porque lá atrás, eu trabalhei já na Câmara pela regulamentação da Emenda à Constituição, lá não deu, viemos para o Senado e daí, junto com o Paulo Rocha, fui Relator. Não deixaram votar, e felizmente o Randolfe recuperou aquele substitutivo, apresentou, e o Contarato é o Relator. A intenção é esta: trabalho escravo confirmado, perde a terra, seja na cidade, seja no campo. Vamos em frente. Passo a palavra para o Dr. Renato Bignami, Auditor-Fiscal do Trabalho e Diretor do Sinait. O SR. RENATO BIGNAMI (Para expor.) - Boa tarde. Boa tarde, senhoras, boa tarde, senhores, boa tarde, Senador Paim. Ao cumprimentar S. Exa. o Senador Paim, cumprimento os demais integrantes da mesa também e já parto diretamente para a minha fala. O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho é o legítimo representante das auditoras e dos auditores fiscais do trabalho de todo o Brasil. Nossa cobertura é territorial, portanto, isso nos faz interessados no tema e nos traz aqui hoje para debater. Eu gostaria primeiramente de traçar um breve relato histórico. Eu costumo dizer que, no combate à escravidão, no abolicionismo em todo o mundo, mas principalmente aqui no Brasil, a gente tem algumas fases históricas. A primeira eu tenho chamado de proto-história, época do surgimento mesmo dos primeiros diplomas legais que proíbem de certa forma, restringem a exploração do tráfico de pessoas e a escravidão. Aí entra a Lei Áurea, diversos tratados no séc. XIX, mesmo os tratados da ONU de 1926 sobre a escravidão e a Convenção 29, que proíbe trabalho forçado no âmbito da OIT. A pré-história eu tenho chamado aquela fase em que você não encontra mais tanto surgimento de normas legais, mas sim de uma militância forte, que foi fundamental para que nós tivéssemos construído um sistema nacional de enfrentamento ao trabalho escravo. Aí eu trago sempre à memória as famosas denúncias da Comissão Pastoral da Terra, dos anos 60, 70, 80, nas figuras emblemáticas como D. Pedro Casaldáliga, Frei Henri ou posteriormente o próprio Frei Xavier, que aqui está presente e logo vai falar, e o D. Flávio também, que foi tão bem retratado num filme essencial para aqueles que querem conhecer essa história no Brasil, o filme Pureza, do diretor Renato Barbieri, que também está aqui na plateia, Senador. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Merece os nossos aplausos, se puder levantar, o diretor Renato Barbieri... (Palmas.) Eu iria registrar presença, mas o Renato também, de Renato para Renato... Muito bem. O SR. RENATO BIGNAMI - Enfim, são situações interessantes. O filme retrata parte dessa história também, é importante lembrar essa história sempre. E daí eu já pulo para a nossa fase histórica, que seria a partir de 1992, 1993, 1994, do reconhecimento por parte do Governo brasileiro da existência de práticas semelhantes à escravidão no território nacional. Obviamente, uma vez que reconhece, ele passa para a ação de enfrentamento. |
| R | Aí se constrói o sistema nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas e trabalho escravo no Brasil. E aí, lembrando, enfim, que nesse contexto se prepara finalmente o Brasil para uma nova fase, que é essa que inicia aí no comecinho do século XXI. Em 2001, nós temos a PEC 438, de 2001, que vai, em 2014, apenas 13 anos depois, reverter a Emenda Constitucional nº 81, da qual estamos agora também, quase dez anos depois, tratando da regulamentação. Então, esse é outro período, um período histórico importante. Em 2003, nós temos pela primeira vez a publicação do cadastro de empregadores flagrados em situação de submissão do trabalhador à condição análoga de escravo, que é a famosa lista suja. E temos também a reforma do Código Penal, para detalhar um pouco melhor o tipo penal do art. 149. Então, esse é o cenário. Esse cenário de uma normatização um pouco mais acurada, que se inicia lá em 2001, eu reputo não ter terminado ainda. Precisamos ainda de outros títulos legais importantes, assim como a regulamentação da Emenda Constitucional nº 81. É essencial também que o Brasil ratifique o Protocolo Adicional da Convenção 29, da OIT. O Brasil já avisou que ratificaria. Ficou ratifica, não ratifica, retira, não retira. Não ficou claro para o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho se o Governo atual ratifica efetivamente o Protocolo Adicional e o põe em prática. Digo isso porque o Protocolo Adicional trata das cadeias produtivas, as cadeias de fornecimento, que é, a meu ver, a nova fronteira do enfrentamento da sociedade brasileira ou do sistema nacional de enfrentamento ao trabalho escravo para fins de garantir uma maior efetividade das operações. Então, vejam, essa para mim é uma questão fundamental, que o sindicato enxergue essa questão como fundamental. É necessário que o sistema brasileiro avance para abordar de uma forma um pouco mais qualificada as cadeias de fornecimento, justamente para buscar as diversas responsabilidades que ocorrem em determinada cadeia. Não pode ser que apenas o empregador imediato daquele trabalhador sofra com a responsabilização. Até mesmo porque há diversas cadeias trabalhando. Muitas vezes, os fornecedores trabalham exclusivamente em nome dessas grandes empresas, que têm todas as condições, ou deveriam ter, para garantir um grau de vigilância sobre os diversos elos da cadeia que garantisse a prevenção desses casos graves de violações de direitos fundamentais. Dito isso, eu queria dizer também, já caminhando aí para o final, que essa questão é uma questão que trata da gestão dos fornecedores ou da gestão dos terceiros, sempre pensando aí, a doutrina tem utilizado alguns nomes: devida diligência, dever de vigilância, devido cuidado, dever de cuidado, em direção à cadeia de fornecimento. Esse dever é fundamental para ampliarmos a efetividade do combate ao trabalho escravo no Brasil, além obviamente da melhoria do entorno jurídico normativo, que ficaria bastante mais completo com a regulamentação da Emenda 81, que é o objeto aqui da nossa audiência pública. |
| R | Dito isso, eu digo mais ainda, quer dizer, que na verdade seria essencial - e essa é uma visão bastante clara dentro do Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho -, para aumentar a efetividade da inspeção do trabalho, do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, de mais auditores. Isso tem sido falado em vários fóruns. Não é novidade que temos mais de 1.700 vagas em aberto, não é novidade que temos metade do corpo fiscal do que tínhamos nos anos 1990, Senador. Veja, com um mercado de trabalho mais reduzido, tínhamos mais auditores; com um mercado de trabalho maior, que é o de agora, há mais de dez anos não há concurso para Auditores Fiscais do Trabalho. Então, não há como ampliar a efetividade da inspeção do trabalho sem concurso para auditores. Os auditores seriam extremamente úteis não apenas para o combate direto ao trabalho escravo, mas também para a prevenção a ele, para que ele não ocorra. A inspeção do trabalho é uma das melhores ferramentas, juntamente, talvez, com os sindicatos representantes dos trabalhadores e das trabalhadoras, de promoção de trabalho decente e de garantia de justiça social no nosso país. Então, é fundamental que promovamos esse tipo de medida, a par das demais que se vêm discutindo aqui. Só para encerrar, eu queria lembrar a fala de Kevin Bales, que é um dos maiores abolicionistas modernos. Ele diz que resgatar não é apenas retirar trabalhadores de um local e levar para outro, resgatar é garantir plena cidadania, garantir educação, garantir qualificação profissional para esse trabalhador, que é mais uma página que nós precisamos, também, virar nessa questão. É ampliar as oportunidades de qualificação e requalificação, pós resgate, desses trabalhadores, para permitir... (Soa a campainha.) O SR. RENATO BIGNAMI - ...que eles tenham acesso a um mercado de trabalho melhor, decente, com postos de trabalho decentes e com todas as garantias constitucionais de seus direitos avalizadas. Era isso, Senador. Muito obrigado. O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, uma vez mais, agradece a oportunidade de voltar a falar no tema. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Renato Bignami, Auditor Fiscal do Trabalho e Diretor do Sinait, que fez a sua exposição. Eu queria reforçar essa ideia de nós termos mais auditores fiscais do trabalho, porque, senão, não adianta apenas aprovarmos uma lei se nós não comprovarmos, lá na ponta, que estavam sob o regime de trabalho escravo. Aí o camarada me diz: "Então, prove-me, Paim". Aí, só vocês para me socorrerem. O SR. RENATO BIGNAMI - Aí a lei fica sem efetividade. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Fica sem efetividade se não tivermos um corpo de funcionários que façam essa fiscalização. Muito bem. Não sei se ele já está na tela. Queria convidar agora o Leonardo Sakamoto, Repórter Brasil. Vamos intercalando um presente e um virtual. Leonardo Sakamoto. O SR. LEONARDO SAKAMOTO (Por videoconferência.) - Estou aqui. Boa tarde, Senador! Boa tarde a todos e a todas! Vocês me ouvem? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora sim. Seja bem-vindo. É com você, por 10 minutos. O SR. LEONARDO SAKAMOTO (Para expor. Por videoconferência.) - Antes de mais nada, quero cumprimentar os presentes na pessoa do Senador Paulo Paim. Quero agradecer muito o convite para conversar com todo mundo sobre esse assunto tão importante que é a questão da regulamentação da antiga PEC do trabalho escravo, hoje Emenda 81, de 2014. |
| R | Vou trazer um pouco da visão não apenas da sociedade civil, porque também fui, durante dois mandatos, representante da América Latina e Caribe no Fundo das Nações Unidas para trabalho escravo em Genebra e da comissão montada pelas Nações Unidas para debater o trabalho escravo no setor financeiro - como o setor financeiro e o setor de investimentos podem combater o trabalho escravo de forma global - em Nova York. Então, também tem um pouco disso, porque é possível afirmar, sem dúvida nenhuma, que o Brasil é visto pelo sistema das Nações Unidas como um dos principais exemplos globais no combate ao trabalho escravo contemporâneo. Ele é citado repetidas vezes não apenas nos fóruns da Organização Internacional do Trabalho, mas no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, entre outras organizações, como um exemplo global no combate ao trabalho escravo. Agora, é um exemplo global por quê? Porque a gente conseguiu avançar. Eu acho que quem me antecedeu foi muito claro, como o Renato, que acabou de me anteceder - também o saúdo na mesa. Temos uma fiscalização do trabalho forte. Temos indenizações trabalhistas levadas a cabo pelo Ministério Público do Trabalho, pela Defensoria Pública da União. Temos as multas aplicadas pela inspeção do trabalho. Temos uma lista suja, que garante a transparência dos nomes dos flagrados cometendo esse crime, lista essa que teve a constitucionalidade validada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal há dois anos e alguma coisa. Temos o art. 149 do Código Penal, bastante claro a respeito do conceito de trabalho escravo, também reconhecido e saudado pelas Nações Unidas, por outros organismos internacionais, utilizado e respaldado também nas cortes superiores do Brasil. Temos proibição de crédito rural para quem se utilizar desse tipo de mão de obra análoga à de escravo, regulamentada, inclusive, pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central. Temos um projeto aprovado, depois de 19 anos de diferentes trâmites, que é a antiga PEC do trabalho escravo, que, depois, desaguou na Emenda 81. Temos leis estaduais e leis municipais que combatem o trabalho escravo contemporâneo, como a lei paulista de combate ao trabalho escravo, inclusive sancionada pelo então Governador Geraldo Alckmin, hoje Vice-Presidente da República, que bane, por dez anos, negócios e sócios de terem negócios no Estado de São Paulo após terem confirmada condenação por trabalho escravo. Temos leis municipais, como a lei paulistana de combate ao trabalho escravo, que pode impor multas de até R$100 milhões e cassar o alvará de funcionamento. Temos mais de 60 mil resgatados e um grupo móvel de fiscalização que também é considerado um exemplo global no combate a esse crime. Agora, se o Brasil é, por um lado, um exemplo global no combate a esses crimes até agora - de 1995 até hoje, ele é considerado um exemplo -, corremos o risco de não sermos mais um exemplo de combate a esse crime, porque nós avançamos bastante durante décadas, mas, como o próprio Renato agora acabou de lembrar, o mundo está avançando a partir de onde o Brasil também parou: debate sobre a questão de responsabilização de cadeias produtivas, da obrigação de as empresas olharem para as suas cadeias de valor, due diligence compliance, essa sopa de letrinhas em inglês, que, no final do dia, significa evitar que os negócios atrapalhem a qualidade de vida das pessoas e dos trabalhadores e que os negócios sirvam para o desenvolvimento econômico da sociedade, e não para simplesmente a acumulação das mais primitivas possíveis. |
| R | Então, o que acontece? Uma série de outros países conseguiu avançar bastante nessa questão. Temos a lei francesa - eu não vou entrar em detalhes, mas quem quiser depois pesquise -, a lei francesa de devida diligência, a holandesa, a do Reino Unido, a alemã. Temos o desenvolvimento de uma lei na própria União Europeia. Temos leis nos Estados Unidos que impedem, inclusive, a entrada de produtos com trabalho escravo, como já aconteceu, inclusive, com produtos brasileiros como o carvão. Temos leis na Austrália. Então, o que acontece? Por que o Brasil está ficando de fora? Por que o Brasil está começando a perder terreno? E é ruim perder terreno - um pequeno parêntese - não apenas pela qualidade de vida dos trabalhadores, senhores e senhoras. A qualidade de vida dos trabalhadores, é claro, é a grande prioridade, mas o fato de a gente combater trabalho escravo e ter resgatado mais de 60 mil pessoas nos últimos 28 anos garantiu também para os produtos brasileiros uma certa proteção. A lista suja do trabalho escravo garante uma proteção, impedindo que sejam erguidas barreiras comerciais, tarifárias e não tarifárias, sobre setores econômicos inteiros. Com a lista suja acaba todo o argumento. Eu fui convidado para falar no Congresso americano, e um monte de gente queria: "Não, temos que erguer barreira ao aço". Não, não precisa. A lista suja está aí; é só você olhar para a lista suja e ir em cheio, de forma cirúrgica. É claro que isso irrita quem está querendo erguer medidas protecionistas aos produtos brasileiros no exterior, mas mostra, ao mesmo tempo, que o combate ao trabalho escravo, do qual a lista suja é consequência, com uma fiscalização forte e parruda garante a proteção aos produtos brasileiros no exterior. Então, o que acontece? Por que a gente está ficando para trás? - para retomar. Primeiro, porque falta, como a gente está falando, uma lei de devida diligência mais forte no Brasil; falta um marco legal de direitos humanos em empresas; e, para isso, vou até alertar do Projeto de Lei 572, de 2022, que tramita aí no Congresso Nacional, que vai nesse sentido e poderia suprir essas demandas. Falta o quê? Falta mais garantia de recursos orçamentários. Nos últimos anos, a fiscalização acabou aumentando a sua atuação, e não diminuindo nos últimos anos, nos anos Bolsonaro, muito por conta não da alocação de recursos por parte do Governo - porque houve retirada -, mas porque o próprio Congresso Nacional, senhores e senhoras, garantiu recursos via emenda para fiscalização. Falta garantir auditores fiscais em números suficiente, é claro -, estamos com 48% das vagas de auditores fiscais abertos, o que significa dificuldade de resgatar pessoas -; mas também, para a gente poder retomar o ritmo e continuar sendo um exemplo global no combate ao trabalho escravo, promovendo a qualidade da vida dos trabalhadores e trabalhadoras, mas também garantindo proteção aos produtos brasileiros, falta a aplicação de leis e de normas. E aí eu destaco, de forma quase que... Faço um apelo exatamente no sentido de regulamentar a Emenda Constitucional 88, a antiga PEC do trabalho escravo. Eu acompanhei durante todo o tempo o seu trâmite, desde as propostas, como bem falou o Senador Paulo Paim, lá atrás, das propostas do Senador Paulo Rocha lá atrás, em 1995; depois, a outra proposta do Senador Ademir Andrade; e aí vai, apensa, tramita; tem a Chacina de Unaí. A PEC do trabalho escravo, vamos lembrar, foi aprovada graças também à comoção popular que ocorreu quando, em 28 de janeiro de 2004, quatro auditores, quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego foram mortos no noroeste de Minas Gerais, naquilo que ficou conhecido como a Chacina de Unaí, enquanto faziam uma fiscalização no feijão local. Então, o que acontece é que houve várias tragédias que empurraram a PEC do trabalho escravo para ser aprovada, porque a população, na verdade, falava que queria dar um basta. E toda vez que acontecia uma dessas tragédias, a PEC caminhava mais um pouco, a despeito de qualquer travamento, de qualquer demora, porque as pessoas falavam: "Não, a PEC do trabalho escravo é necessária, porque ela é simbólica". Ela foi chamada durante muito tempo, senhores e senhoras, de segunda Lei Áurea no Brasil. Quantas vezes o próprio Senador Paim também não se referiu à lei falando da segunda Lei Áurea, que ela representaria a PEC? |
| R | A PEC - também para tranquilizar os senhores e as senhoras - não vai trazer insegurança jurídica para o homem e a mulher do campo de maneira alguma. Pelo contrário, ela vai ajudar a combater a concorrência desleal no campo, porque, se há pessoas que se utilizam de mão de obra análoga à escrava, isso significa que tem pessoas e empregadores que estão cometendo dumping social, dumping trabalhista nos empresários e empresárias do campo que pagam seus impostos, que arcam com suas responsabilidades e que garantem uma boa qualidade de trabalho, um bom ambiente de trabalho, o que custa dinheiro - o que gera produtividade, mas que custa dinheiro. E há pessoas que furam isso, que tentam fazer uma concorrência desleal, economizando de forma ilegal, economizando através do trabalho escravo, do trabalho análogo ao de escravo. Então, o que acontece é que a PEC do trabalho escravo, bem pelo contrário, ajuda a restabelecer o apoio aos bons produtores, garantindo que os maus produtores tenham um desincentivo. Uma vez regulamentada a PEC, há um desincentivo grande. Olha, as pessoas vão pensar duas, três, quatro, cinco vezes antes de operar de uma forma totalmente ilegal, colocando em risco a vida dos trabalhadores e também a própria economia brasileira. Então, o que acontece é que a própria discussão da PEC do trabalho escravo - e houve discussões longas a respeito da sua regulamentação - é exatamente para ter certeza de que não haveria problemas ou de que ela geraria algum tipo de insegurança jurídica. E a gente acredita que no texto, do jeito que está colocado, não há insegurança jurídica. Por final, só para a gente não se estender muito, acho que é importante a gente falar... (Soa a campainha.) O SR. LEONARDO SAKAMOTO (Por videoconferência.) - ... que, num momento de vulnerabilidade social muito grande, como foi a pandemia de covid-19, aumenta a vulnerabilidade dos trabalhadores para o trabalho escravo. Mas - e isto é quase um contrassenso, mas é verdade, as pesquisas apontam isto - os resgates de trabalho escravo crescem no momento em que há um aumento da atividade econômica, porque, assim, as pessoas querem produzir, querem aumentar a sua área de produção, querem aumentar a sua produção de forma rápida, e muitas vezes acabam utilizando formas ilegais para isso. A gente espera que... Bem, estamos saindo de um ciclo de crise grande, através da pandemia, e vamos entrar num ciclo de crescimento econômico - não estou nem falando que estamos fazendo alguma coisa para isso; isso simplesmente acontece pelo fato de que estávamos numa economia deprimida. E, neste momento, neste exato momento em que a gente tem essa perspectiva de crescimento da economia, e, portanto, uma perspectiva de crescimento ainda maior dos quadros de trabalho escravo, é que elementos de desincentivo, como a regulamentação da Emenda 81, se fazem necessários. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado dizemos nós, Leonardo Sakamoto, Repórter Brasil, reconhecido internacionalmente pelo belíssimo trabalho que faz, sendo convidado a fazer palestras sobre esse tema. |
| R | Ele gostaria de estar presente, mas não pôde, mas deu a sua contribuição, com a competência de sempre. Vamos, agora, para Luiz Felipe Brandão de Mello, Secretário de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego. O SR. LUIZ FELIPE BRANDÃO DE MELLO (Para expor.) - Boa tarde a todos. Boa tarde a todas. Cumprimento a mesa na pessoa do Senador Paim. Obrigado pelo convite, Senador. Acho que, há dez anos, eu participei de uma audiência também promovida pelo senhor. Tratava-se da discussão da PEC do trabalho escravo. A aprovação acho que foi em 2013, se não me engano, ou no final de 2012. Agora, não me lembro. De novo, estamos aqui numa audiência para debater isso. Passou a PEC, foi aprovada a PEC... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sinal de que somos teimosos, não desistimos. O SR. LUIZ FELIPE BRANDÃO DE MELO - Estamos, de novo, discutindo, incrivelmente, a questão do trabalho escravo no Brasil. Admitir uma chaga dessas, em pleno 2023, é uma coisa... E o pior é que, quando a gente começa a olhar os números, a coisa que a gente pensa que está melhorando piora. O senhor citou os números aqui. Vou repetir, Senador, porque é importante: em 2020, 938 resgatados; 2021, 1.959; 2022, 2.575; e até sexta-feira agora, passada, eram 1.127 resgatados, quer dizer, nós já estamos aí com quase 50% do que foi resgatado o ano inteiro passado. E eu acho que merece uma reflexão: o que está acontecendo? Por que, neste momento, tem esse aumento tão expressivo do número de resgatados, como tem ocorrido nestes três meses e meio, que nós temos? O último resgate foi agora, em Minas Gerais, com cento e poucos trabalhadores, no final do mês. Um dos motivos o Leonardo Sakamoto já citou ali: parece que, com a pandemia e tudo mais, nós temos uma população mais vulnerável, e esse trabalhador fica mais propenso a cair na cilada do trabalho escravo; falta de opção às vezes, sabe que está correndo risco e acaba caindo na cilada. Acredito também que discursos como os que a gente escutou muito por aí, de que o importante era ter trabalho, não direitos, têm colaborado muito para o que tem acontecido neste momento. Falta do Estado, de alguma forma. Eu não vou falar de auditor fiscal, porque já falaram por mim e não tenho que fazer essa fala aqui. Já fui bem representado na fala do pessoal. Mas, quando falo na falta do Estado, eu não digo só na questão de estar na repressão; isso vem lá desde o início. O Estado parece que está pecando muito. Se nós temos tantos trabalhadores vulneráveis, de alguma forma o Estado vem pecando já antes. Então, acho que nós temos que pensar nessa questão da falta do Estado, em como agir para que a gente não tenha uma população tão vulnerável como a que estamos tendo hoje. Sem dúvida alguma, tem acontecido também e acredito que são as mudanças de ares que a mídia tem tratado de modo diferente, tem dado mais atenção para essa questão do combate ao trabalho escravo, e aí o trabalhador, daqui a pouco, está escutando a mídia: "Mas essa situação está muito parecida com a minha. Será?" É a vizinha que vê uma empregada doméstica que está há muito tempo em uma situação complicada, e vê que está muito parecido com um caso que foi divulgado na imprensa. Também me parece que é uma coisa que tem influído bastante nessa questão. |
| R | Porém, acho que nós temos que pensar muito também na reforma trabalhista, que, até este momento, não foi citada. Nós tivemos uma reforma trabalhista, e entre tantas coisas, como por exemplo o enfraquecimento das entidades sindicais - eu acho que é do conhecimento de todos que, com a reforma, os sindicatos se fragilizaram em algum momento - e junto a tantas outras coisas que a gente poderia citar aqui da reforma, que não tem mais assistência nas rescisões contratuais, o que mais pega para mim e que está influenciando muito é a questão da terceirização, e aí entra na questão das cadeias, e tudo o mais. Não me parece coincidência que a grande maioria desses 1.127 trabalhadores que foram resgatados, grande parte deles, a maioria deles, são terceirizados. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O dado que a gente tem é que, de cada dez trabalhadores libertos da escravidão, nove são terceirizados. O SR. LUIZ FELIPE BRANDÃO DE MELLO - Nós não temos esse levantamento, Senador, não sei se chegou esse dado, mas, com certeza, a grande maioria hoje desses trabalhadores que são resgatados são terceirizados. Então, quando a gente pensa na aprovação da emenda à Constituição, que sem dúvida vai ser um fator essencial para o combate ao trabalho escravo, eu acho que a gente tem que pensar em outras coisas junto, como lidar com essa questão da terceirização, como rever alguns pontos da reforma, que enfraquecem o movimento sindical e que fragilizam os trabalhadores lá na ponta. A Inspeção do Trabalho já se manifestou. O processo passou por nós para nos manifestarmos em relação à regulamentação da emenda à Constituição. Fomos a favor, mas achamos que junto com isso temos ainda que pensar em outras medidas que seriam fundamentais para o combate ao trabalho escravo. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Meus cumprimentos, Luiz Felipe Brandão de Mello, Secretário de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. Mande meus cumprimentos - peço a você que mande um abraço para o Luiz Marinho. Ele foi ao Rio Grande do Sul. A equipe dele foi, naturalmente, junto, e ele foi àquela região toda onde houve aquelas últimas denúncias de trabalho escravo. É importante, porque ele fez um diálogo - permita-me que eu fale - com empregados, com empregadores. Enfim, fez um belíssimo trabalho. A repercussão da ida dele lá no estado foi muito positiva. Parabéns. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E seguem aparecendo outros trabalhos escravos lá. Parabéns. Por favor, passamos agora para o Dr. Luiz Antonio Colussi, Juiz, Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), que participou hoje pela manhã em uma outra audiência pública exatamente sobre terceirização. O SR. LUIZ ANTONIO COLUSSI (Para expor.) - Boa tarde, Senador Paulo Paim, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal. Boa tarde a todos os integrantes da mesa: Eduardo, Renato, Leonardo Sakamoto, telepresencial, e Luiz Felipe. E saúdo também os que virão, Senador, ainda não pude anotar o nome de todos eles. |
| R | Nós fazemos parte, Senador Paim, da Conatrae. Somos um dos representantes da sociedade, lá na Conatrae, que realiza esse trabalho tão importante, esse trabalho de resistência e de força efetiva do combate ao trabalho escravo. Então, é uma honra para nós, Anamatra, participarmos, por isso, estamos aqui com tranquilidade absoluta para apoiar integralmente o PL 5.970. Se V. Exa. me permitir, ainda, gostaria de saudar o Renato Barbieri, não é, Renato? Acabamos, nesse tempo todo, nos tornando amigos, amigos-irmãos de uma causa comum. O seu trabalho no filme Pureza é um exemplo disso, dessa luta, porque todos nós contribuímos, de uma forma ou de outra, para o filme, com os meios materiais, mas a qualidade e a competência do cineasta, do Diretor Renato Barbieri não há como quantificarmos. Não apenas a qualidade, mas a persistência, a força de um filme que tem Dira Paes representando a Pureza de forma magnífica - a D. Pureza, que eu tive a oportunidade de conhecer num evento lá no CNJ. Parabéns! Nós precisamos de mais ações dessa natureza para mostrar à sociedade, para dividir com a sociedade as agruras do trabalho escravo. No ano passado, Luciana Conforti e eu - Luciana é a vice-Presidente da Anamatra, está licenciada, porque ela é a candidata à minha sucessão na Anamatra e será a futura Presidente, uma vez que é chapa única - escrevemos um artigo para um livro do Superior Tribunal de Justiça tratando do Bicentenário, justamente em homenagem ao Bicentenário. E aí a gente citou várias questões importantes, várias referências. O texto aqui é longo, e eu não posso discorrer mais sobre ele, mas me chamou a atenção, por exemplo: O trabalho degradante é aquele que ofende a dignidade, avilta, humilha, desconsidera a humanidade, afeta a honra objetiva e subjetiva, coloca em risco a vida, a saúde e a integridade do trabalhador. Segundo já reconhecida jurisprudência dos tribunais superiores. Eu disse aqui alguma novidade? Eu disse aqui alguma coisa que não seja verdadeira, que nós não estamos vendo ou não estamos presenciando? Não, não disse. E essa é a verdade. Mas o que me chamou a atenção, Senador - e por isso que eu estou fazendo questão de fazer essa transcrição - é porque isso está assinado no Supremo pela Ministra Rosa Weber, no Inquérito 3.412, de Alagoas. Tem também uma manifestação do Ministro Herman Benjamin, do STJ; e um recurso de revista, do TST, de relatoria do Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, ou seja, os tribunais superiores estão com essa questão. |
| R | Temos aqui - é muito interessante; o colega Eduardo o mencionou - o caso em que nós fomos denunciados, que o Brasil foi denunciado, da Fazenda Brasil Verde, e fomos condenados porque não temos ação, não temos trabalho efetivo contra o trabalho escravo. E agora nós estamos ainda, em razão de uma decisão do TRF1, se eu não estou enganado, que, apesar de aparecerem as diversas situações flagrantes de trabalho escravo, que caracterizam o trabalho análogo a de escravo, o Tribunal acaba por concluir que não há prova, e aqui o trabalho fundamental dos auditores fiscais do trabalho. Eu reforço e já escrevi até mesmo um artigo para a Revista Proteção abordando este aspecto da falta de auditores fiscais, porque são eles lá na linha de frente. Outro aspecto importante do grupo móvel de trabalho é a participação coletiva de diversas entidades - Ministério Público do Trabalho, Defensoria, auditores fiscais do trabalho, Procuradoria da República e assim por diante -, e isso faz a referência. Participei de um evento realizado pelo Senai, no dia 28 de janeiro, lembrando dos 19 anos da chacina de Unaí, e até hoje sem condenação ou pelo menos sem cumprimento de pena. Então, todas essas questões... E concluo ainda aqui que nós estamos agora no Supremo, nessa matéria do Tribunal Regional Federal, onde é reconhecida a repercussão geral dessa matéria tão relevante em que nós temos que trabalhar. Agora esperamos que, lá na frente, o Supremo dê a resposta afirmativa dessa necessidade. Colocado isso tudo - e o tempo, de fato, é muito rápido -, então, nós ressaltamos a importância do PL. Eu acho, Senador Paulo Paim, que nós temos que fazer aqui um reconhecimento ao Senador Randolfe Rodrigues, Senador brilhante, que teve a humildade ou a capacidade de reconhecer todo o trabalho que o senhor havia feito e os demais Senadores, porque passou pelas Comissões, para reproduzir um projeto de lei, para, finalmente, buscarmos, e determinarmos, e termos um dispositivo legal que determine a expropriação das terras daqueles que permitem, concordam, praticam o trabalho na condição análoga a de escravo. Então, isso é muito importante. |
| R | Eu não posso deixar, Senador, de falar da importância e da necessidade de reconhecermos a competência da Justiça do Trabalho. Nesse PL 5.970, nós encontramos o relatório do Senador Fabiano Contarato - brilhante relatório também -, apoiando, aprovando o projeto e sugerindo uma emenda ao art. 1º. Talvez tenhamos que alterar também o art. 8º para dizer que a expropriação somente poderá ocorrer pela via judicial em ação específica de natureza penal ou trabalhista e fica condicionada ao prévio trânsito em julgado de sentença condenatória por exploração de trabalho em condições análogas à de escravo. Infelizmente, a demora é muito grande. Vejo que aqui não é o foro para nós discutirmos, mas, na visão da Anamatra, todo trabalho escravo, tudo o que envolve o trabalho escravo deve ser de competência da Justiça do Trabalho. Há outros projetos de lei, agora recentes inclusive, da Deputada Reginete Bispo, lá da Câmara, tratando da competência da Justiça do Trabalho. Nós podemos discutir lá na frente. Aqui, sem prejuízo do trabalho da Justiça Federal, do importante trabalho da Justiça Federal, que pode ficar com os aspectos penais, mas permitir que a Justiça do Trabalho também tenha... quando ela tem conhecimento, via de regra... (Soa a campainha.) O SR. LUIZ ANTONIO COLUSSI - ... ela tem conhecimento anterior e julga antes, e, se ela reconhece a existência do trabalho escravo, ela pode também determinar a expropriação. É como se fosse a execução da sentença. Nós temos, na Justiça do Trabalho, o processo de conhecimento e a execução. E lá, na execução, nós determinamos a expropriação de bens, a arrematação ou levar a leilão, e aqui nós poderíamos e devemos, sim, ter essa competência. O Senador Contarato aponta isso com clareza. A demora é prejudicial, a demora não é justiça. E aí a Justiça do Trabalho se coloca como parceira, se coloca à disposição para esse trabalho da maior relevância. Agradeço a atenção, muito obrigado a todos e a todas. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Dr. Luiz Antonio Colussi, Juiz Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Você tem razão, na Câmara deve ter - Leandro, você que esteve lá, me convidaram, mas eu não pude ir, a agenda é uma loucura - uns três ou quatro projetos lá também. Eu me lembro do da Fernanda Melchionna, também gaúcha, do da Reginete Bispo, também gaúcha, e tem um de outro Deputado que apresentou também e pediu que eu desse uma olhada, com o mesmo objetivo. O do Senado é que está mais avançado no momento, porque, além de estar na segunda audiência pública, combinado com o fórum dos Senadores desta Casa, tem data, dia e hora para votar. Na próxima quarta-feira nós queremos votar, às 11h, esse projeto. Daí, ele vai para a Comissão de Assuntos Sociais, e lá já marcamos, com o nosso querido Senador e amigo Humberto Costa, também uma audiência pública para instruir o projeto. Esta primeira mesa terminou. Eu peço aos senhores que retornem ao Plenário, de preferência na primeira fila, se puderem, porque depois teremos um segundo momento. Eu vou, agora, para a segunda mesa. Obrigado a todos. Uma salva de palmas pelo brilhantismo desta mesa. (Palmas.) |
| R | Convido para a mesa, João Daldegan Sobrinho, Presidente do Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA). (Palmas.) Fique bem à vontade aqui. O primeiro a ser chamado escolhe o lugar. Convido Yuri Santos Jesus da Silva, Diretor de Combate à Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial. (Palmas.) Tem toda uma razão de ser, pois 90% são negros ou pardos dos que são libertados em trabalho escravo. Ana Carolina Alves Araújo Roman, Procuradora da República, integrante do Grupo para o Combate ao Trabalho Escravo da 2ª Câmara de Coordenação do Ministério Público Federal. Ela terá uma participação remota. Convido para a mesa, Aristides Veras dos Santos, Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Seja bem-vindo, Aristides! (Palmas.) Gabriel Bezerra Santos, Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar). (Palmas.) O Frei Xavier Jean Marie Plassat está? Muito bem, Frei. Vamos botar uma cadeira para o Frei aqui. (Palmas.) Sempre tem espaço para mais um aqui onde eu estou. Eles pensam que eu estou muito gordinho. Não! Eu emagreci um pouquinho. (Risos.) Vamos botar o Frei aqui do lado, em qualquer lugar. Aqui tem espaço. É que essas cadeiras não mexem. Acho que o melhor é aqui. Aí não vai ter lugar. Frei, acho que vai ter que ser aqui, porque a minha cadeira mexe. As outras não mexem. Ok, Frei? Frei Xavier Jean Marie Plassat - agora ele ajudou, senão não ia sair nunca -, Frade Dominicano francês, Coordenador da Campanha Nacional contra o Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra. Eu, nesse intervalo, quero fazer a minha homenagem rápida ao filme Pureza também. Já foi registrado. O diretor Renato Barbieri está aqui, mas só o meu gabinete manda, porque eles fizeram questão... Em 2016, esteve na CDH, apresentando o filme. E algumas cenas foram gravadas lá no meu gabinete. Eu me lembro disso. E esteve lá você e, inclusive, a atriz Dira Paes. Muito bem. Uma salva de palmas mais uma vez. (Palmas.) Eu estava até pensando se não seria possível, no momento adequado, passar o filme aqui no Petrônio Portela, num movimento com todas as entidades, e fazer um debate. Se você concordar, vamos pensar, vamos pensar nisso, aqui no Petrônio. Vamos de imediato para a segunda mesa. João Daldegan Sobrinho, Presidente do Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA), dez minutos, por favor. É com você. O SR. JOÃO DALDEGAN SOBRINHO (Para expor.) - Obrigado, Senador Paim. Agradeço o convite ao SindPFA, como Presidente que sou, para participar desta discussão de um projeto de lei tão importante, ainda tramitando, o que significa que já poderia estar estabelecido. Ainda não está institucionalizado, mas ainda é tempo, e vamos fazer uma discussão. |
| R | Eu gostaria de fazer uma apresentação. É possível colocar em tela? A gente preparou algo aqui para poder falar um pouco sobre isso. Enquanto isso, Senador, o senhor me roubou uma fala. Eu iria sugerir exatamente que o filme fosse apresentado aqui no Auditório Petrônio Portella, com a presença do diretor. Nós vamos até colocar nessa apresentação alguma coisa... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Como eu roubei o seu pensamento, uma salva de palmas para você também. O SR. JOÃO DALDEGAN SOBRINHO - Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sinal de que estamos avançando. O SR. JOÃO DALDEGAN SOBRINHO - Estamos sintonizados, o que seria muito importante, porque nada como uma retratação também, visualmente, mostrando a saga dessa senhora, da D. Pureza, nessa luta na busca do seu filho, resgatando o próprio filho, não é? A apresentação está pronta? Por favor, se puder botar em tela... (Pausa.) Bom, enquanto isso, esta audiência pública, que já temos aí colocada... Por favor, o próximo. (Pausa.) Bom, somos uma carreira de engenheiros agrônomos do Incra, que são os peritos federais agrários, criados pela Lei 10.552, de 2002. Temos hoje em atividade, aproximadamente, 650, e no aguardo aí de um concurso público que talvez seja anunciado pela Ministra Esther Dweck. Talvez - apostamos, queremos - uns 270 novos colegas poderão ingressar no Incra para nos ajudar a fiscalizar, na nossa atuação da função social - e eu vou destacar isto com mais detalhes no próximo eslaide -, mas que não só fiscaliza a função social no meio rural obviamente, mas também faz a regularização fundiária, a avaliação de imóveis rurais, a ratificação de títulos em terra, em faixa de fronteira, certificação do georreferenciamento, entre outras questões em que a gente atua no Incra. Por favor, o próximo. Bom, na questão da função social da propriedade, no art. 186 - e é em função dele até que a nossa carreira existe, enquanto peritos federais agrários, porque nós fazemos essa fiscalização -, a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, os seguintes requisitos: além da questão da produtividade e do meio ambiente, o terceiro e o quarto tratam bem dessa questão atual que nós estamos aqui discutindo hoje, que é a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores nas propriedades rurais deste país, no qual o perito federal agrário, no cumprimento do art. 186, faz a sua faz a sua função, o seu trabalho. Próximo. Ainda dentro dessa função social própria da supremacia do interesse público sobre o particular que rege a vida em sociedade em um Estado democrático de direito moderno, vale a pena citar uma frase do jurista doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello, que coloca que o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular é o princípio geral de direito inerente a qualquer sociedade e também de condição da sua existência, ou seja, um dos principais fios condutores da conduta administrativa, pois a própria existência do Estado somente tem sentido se o interesse a ser por ele perseguido e protegido for o interesse público, o interesse da coletividade. Por que isso? Porque nós vamos discutir exatamente o interesse aqui da propriedade rural. Vamos lá. |
| R | Na função social, a lei que regulamenta os arts. 184 e 186 da Constituição é a Lei 8.629, que basicamente é o nosso arcabouço, uma das principais leis com que nossa categoria dos peritos federais agrários atua, esse é o nosso manual de trabalho. E, no art. 9º, nos §§4º e 5º, coloca-se o seguinte: §4º A observância das disposições que regulam as relações de trabalho implica tanto o respeito às leis trabalhistas e aos contratos coletivos de trabalho como às disposições que disciplinam os contratos de arrendamento e parceria rurais". E no 5º: "§5º A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel". Por favor, o próximo. Também nessa lei, eu queria destacar aqui o art. 2º: "Art. 2º A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais". E: "§1º Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social". Ou seja, já temos o arcabouço legal necessário, a legislação que enseja a desapropriação de imóveis rurais. Isso ainda não acontece na prática, mas está na lei. Isso aqui já foi colocado, é uma forma vil mesmo de exploração, de captação da mais-valia da forma mais primária possível que se pode ter, que é o trabalho escravo. É ridículo, nos tempos atuais, isso ainda acontecer no Brasil. Então, esses são dados que já existem, já foram comentados, eu deixo aí só como observação para constar. Próximo eslaide, por favor. Já a Emenda Constitucional 81, que já foi aqui citada, foi exatamente essa que, além do cultivo de plantas ilegais psicotrópicas, acrescentou a exploração do trabalho escravo na forma da lei para justificar a expropriação e a destinação à reforma agrária. Essa começou a tramitar em 1999, levou 15 anos neste Congresso - como já foi comentado, é a segunda Lei Áurea, não é? O próximo. Isso é algo que nos afeta diretamente enquanto profissionais que trabalhamos com a reforma agrária, que trabalhamos na fiscalização da função social nas propriedades rurais deste país. O Incra é um órgão que existe desde a década de 70 ou, antes até, através da junção de outros órgãos que existiam, mas foi criado na década de 70. Nós temos uma expertise de quase 53 anos de fiscalização dessa função social das propriedades rurais deste país. Então, para nós é muito importante, ficamos muito sensibilizados... E lançamos, Senador, a nossa própria campanha de regulamentação do art. 243 já, cujo lema é "Trabalho análogo à escravidão: reforma agrária é a solução". Por que é a solução? Não é solução enquanto... Já foi até colocado aqui pelo colega que falou anteriormente, da DPU - ele mostrou até um gráfico da quantidade de terras, como caiu a obtenção de terras, como isso diminuiu a partir do Governo Dilma -, mas seria impressionante se a gente pegasse todas as terras em que há situação análoga à escravidão... Se já existir um montante desse, nessa quantidade, seria suficiente para tratar do passivo de pessoas, de famílias que precisam ser assentadas no país. Se isso acontecesse, se a gente tivesse terra suficiente para tratar do nosso passivo pela obtenção de terras por expropriação, então estaria caracterizada uma revogação tácita da Lei Áurea. |
| R | A gente não espera que isso aconteça, mas por que é importante e por que a gente conta isso como um potencial de obtenção? Porque eu acredito, Senador Paim, porque, quando se colocar mesmo a expropriação do imóvel rural, dois ou três casos já serão suficientemente claros à sociedade, às propriedades rurais que assim praticam para se regularizarem. Até hoje o crime compensa porque, pela lei atual, numa fiscalização de auditor, na aplicação da lei, são multas. Ele põe na planilha financeira do Excel se compensa pagar multa pelo potencial de produção que ele tem. Ele deve fazer algumas contas ali e acha que compensa, qualquer fiscalização aqui a gente paga a multa e está tudo resolvido. Mas não, a expropriação seria um caso drástico, um remédio amargo necessário neste momento... (Soa a campainha.) O SR. JOÃO DALDEGAN SOBRINHO - ... porque aí sim, dois ou três casos assim já passariam como um recado claro à sociedade e a questão ficaria muito mais regulamentada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Assim também eu creio, viu? Por isso é que é fundamental essa aprovação. Quero dar uma salva de palmas a esse foco que foi dado aqui. Que sirva de lição: ou eles recuam ou vão perder a propriedade mesmo. (Palmas.) O SR. JOÃO DALDEGAN SOBRINHO - Exatamente. O próximo já foi comentado. D. Pureza, nesse caso, que foi atrás do seu filho Abel, até um nome muito interessante nessa questão. Podemos passar o próximo. Por favor, o próximo. O tempo já está acabando. Aí é uma foto dela com seu filho na época. A sua premiação, a sua odisseia, esse trabalho todo, o que já virou documentário retratado, virou filme. Próximo. E está aí a situação do próprio filme aqui no Senado, a sua premiação. Por favor, o próximo. Aqui são os PLs citados, Senador, que o senhor comentou agora. Estão aí, inclusive também no Judiciário, com ação direta de inconstitucionalidade e mandado de injunção coletivo, que também está acontecendo, por omissão, que é uma coisa muito interessante. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Por uma questão de justiça, eu citei só três, mas você trouxe o quadro completo: Senador Randolfe; Senador Rogério Carvalho, que também resgatou um antigo e pediu que eu assinasse junto, eu assinei; Deputado Felipe, que eu me lembrei que também tinha um; e a Bancada do Psol, que é Fernanda Melchionna e a Reginete Bispo, por questão de justiça, minha suplente. Ela é suplente de Senador e se elegeu Deputada Federal. O SR. JOÃO DALDEGAN SOBRINHO - Pois bem, nós fizemos o dever de casa acho que muito bem. Próximo, por favor. Então, nós trazemos como sugestão para esta Casa, em homenagem até a essa batalhadora, essa cidadã, essa guerreira, que, se por acaso, a lei passar aqui, poderíamos colocar, como sugestão, o nome da própria pessoa, Pureza Loyola, como Lei Pureza Loyola. Isso seria um grande feito. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É uma sugestão. De minha parte, já tem apoio. (Palmas.) O SR. JOÃO DALDEGAN SOBRINHO - Legal. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vamos fazer o coletivo aí. O SR. JOÃO DALDEGAN SOBRINHO - Pois bem, agora, no próximo, a gente encerra a nossa apresentação. Fica aí a nossa contribuição nessa campanha pela regulamentação do art. 243. Senador, conte com os peritos federais agrários do Incra, que são os engenheiros agrônomos do Incra, para poder trabalhar nessa questão até junto com os auditores fiscais, em qualquer caso, para que a gente possa colaborar para a eliminação e a erradicação do trabalho escravo, essa mais vil forma de se capitalizar, pela mais-valia, de uma forma cruel. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Covarde até, permita-me que eu diga - covarde. (Palmas.) Muito bem, Dr. João Daldegan Sobrinho, Presidente do Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA). Eu fico querendo ler tudo e não pegou a sigla final, que é PFA. Yuri Santos Jesus da Silva, Diretor de Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial. |
| R | O SR. YURI SANTOS JESUS DA SILVA (Para expor.) - Muito obrigado, Senador. Boa tarde a todas e a todos. Eu queria saudá-lo pela iniciativa tanto da luta histórica que vem realizando no Parlamento em defesa dessa pauta, como também de toda a população negra em outras pautas nas quais estivemos juntos e juntas nas fileiras e nas trincheiras. Eu queria saudar a Comissão, saudar todos os presentes aqui na mesa, na pessoa do Frei Jean Marie Plassat, figura importante dessa luta. Eu queria falar da importância da discussão de um projeto de lei dessa natureza, de regulamentação da Emenda 81, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues, relatado, como já foi dito aqui, brilhantemente pelo Senador Fabiano Contarato, que trata sobre o endurecimento de pena para quem for condenado em casos de processos transitados em julgado por prática de trabalho análoga à escravidão. Eu queria parabenizá-los pela coragem de, no exercício do cargo, do mandato dado pelo povo brasileiro, ter a coragem de enfrentar oligarquias e poderosos na proposição de tamanha pauta legislativa. Bom, o trabalho análogo à escravidão é uma chaga social, uma doença das relações humanas e trabalhistas no Brasil, que se relaciona diretamente com a origem escravista deste país, o último país das Américas a abolir oficialmente o sistema socioeconômico escravista, depois de quase 400 anos de escravidão negra e massacre desta população, um fato histórico que marcou para sempre e marca para sempre as relações raciais do Brasil em infinitas dimensões. Então, nós falamos de números vultosos e, portanto, de um impacto igualmente enorme, já que esse modelo de trabalho baseado na escravidão trouxe 5 milhões de pessoas do continente africano, de diversas partes, para o Brasil, um dado que nos ajuda também a entender o impacto disso na nossa constituição social, na nossa existência e na forma com que o Brasil e o brasileiro se relacionam com o trabalho. Daí também há o assombroso legado histórico do racismo estrutural brasileiro, com todas as suas características peculiares à Casa-Grande & Senzala. Portanto, Senador, discutir a punição severa de quem ainda pratica trabalho análogo à escravidão em plena terceira década do século XXI é essencial para o processo de acumulação de conquistas que vai resultar, mais cedo ou mais tarde, no devir, no horizonte que todos nós miramos da superação do racismo e no banimento dos seus signos, dos seus símbolos da nossa convivência social no Brasil. Mas é muito curioso - eu pensava quando fazia anotações para essa fala aqui hoje - como as práticas da escravidão negra das Américas, que teve o Brasil como seu principal polo, se repete em casos como os que nós temos visto de trabalho análogo à escravidão ou por que não da escravidão negra moderna. Casos que foram revelados recentemente e têm sido revelados aos montes, especialmente em episódios dos últimos dias, das últimas semanas. |
| R | Todas nós e todos nós sabemos que a retirada do povo africano da sua terra por meio do tráfico transatlântico se deu por meio de uma violência cultural enorme, desconectando aquelas pessoas, seres humanos, das suas raízes, das suas tradições, dos seus costumes, dos seus modos de vida. E a iguais práticas são hoje submetidas dezenas, centenas, milhares de vítimas do trabalho análogo ao da escravidão, no Brasil, por meio da prática do aculturamento que, entre os séculos XVI e XIX, foi empregada contra a população africana escravizada, negando-lhe o direito à religião, negando-lhe o direito aos seus cânticos, à cultura de uma forma geral, e misturando vários povos distintos em cativeiros comuns. Ela continua sendo perpetrada, nos casos de trabalho análogo ao da escravidão - por quem pratica esse crime -, por meio das próprias caracterizações que comumente nós fazemos para identificar casos como esses que estão previstos no projeto de lei do Senado Randolfe Rodrigues, pela restrição da liberdade, pelo isolamento geográfico, pela superlotação dos alojamentos e das moradias, pela submissão à moradia coletiva entre famílias diferentes, pela retirada dos trabalhadores do seu território. Isso sem falar de outras condições igualmente degradantes, precárias, também previstas na caracterização acumulada pelos estudiosos, pelos pesquisadores e prevista no PL, como o pagamento de salário abaixo da legalidade, a sujeição a armazenamento de alimento em locais inadequados e, o caso mais grave, talvez, que são as agressões físicas e psicológicas contra trabalhadores e trabalhadoras; também a falta de água potável, a falta de instalações sanitárias adequadas. Os paralelos entre as formas antigas e modernas do que eu chamo de escravidão negra não param por aí, basta a gente observar os próprios dados que já foram trazidos aqui, em detalhes. São mais de 1.100 casos somente nos três ou quatro primeiros meses de 2023, um número que é recorde em comparação a anos anteriores, dos últimos 15 anos, sendo superado, talvez, só pelo dado de 2008, quando 1.400 pessoas, nesse mesmo período, foram resgatadas nessas condições. Desde 1995, como o Sakamoto trouxe, mais de 60 mil pessoas foram resgatadas em situação de trabalho análogo à escravidão. Entre os mais recentes, as 207 pessoas resgatadas nos alojamentos de empresas que prestavam serviços para as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, e de outras cinco pessoas que trabalhavam na montagem do festival musical Lollapalooza, em São Paulo. Também outros casos em Goiás e no próprio Rio Grande do Sul, que foram os Estados onde foi encontrado o maior volume de trabalhadores em situação análoga a de escravo este ano. Só em Goiás, 365 pessoas, em lavouras, usinas de cana de açúcar, em diversos municípios. Os números que eu trago aqui revelam - e era aqui que eu queria chegar para consolidar os paralelos das práticas antigas e modernas da escravidão - que cerca de 84% das vítimas desse crime são pessoas pretas e pardas, portanto pessoas negras. E, em casos como o de Bento Gonçalves, esses números chegam a ultrapassar 95% de pessoas pretas e pardas. Fica evidente, então, Senador, que a gente está diante de uma forma moderna de escravidão da população negra, como eu disse, que precisa ser punida com a severidade necessária para que a chaga do racismo, que engenhosa e vergonhosamente se mantém entre nós, seja enfraquecida, com a finalidade da sua superação. |
| R | É por isso que o recém-criado Ministério da Igualdade Racial, por meio da sua Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas e Combate e Superação do Racismo, onde está situada a diretoria de combate e superação do racismo que eu lidero e na qual será tratada essa pauta, está atuando, de forma atenta, nos casos e na construção de alternativas de fortalecimento do combate ao trabalho análogo à escravidão. Para encerrar, a gente pode informar que, no bojo dessa atuação, nós oficiamos a diversos órgãos, solicitando informações acerca das providências tomadas nos casos recentes, a saber: a Procuradoria-Geral da República; a própria Comissão de Direitos Humanos da Câmara e a do Senado; as secretarias de justiça e direitos humanos dos Estados da Bahia e do Rio Grande do Sul, que se relacionam com o caso de Bento Gonçalves; os ministérios públicos estaduais e o Ministério Público do Trabalho; e, mais recentemente, o Governo do Estado de Goiás, onde casos foram revelados nos últimos dias. Também estamos, no âmbito do Executivo, em diálogo... (Soa a campainha.) O SR. YURI SANTOS DE JESUS DA SILVA - ... com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, com o Ministério do Trabalho e Emprego e com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, para que se forme uma frente no Executivo com a finalidade de planejar ações efetivas no que tange à responsabilidade do Poder Executivo no combate ao trabalho escravo no Brasil. Além disso, nós estamos compondo também, como convidados permanentes, pelo motivo de sermos um ministério novo, a comissão nacional de combate ao trabalho análogo à escravidão, a Conatrae, e acompanhando, a partir de agora, o Fluxo Nacional de Atendimento, junto com diversos outros órgãos dos poderes constituídos. Também iniciamos diálogos com o TST e com o TRT, com a Presidência do TST, no sentido de montar um grupo para formular ações concretas que promovam direitos para os resgatados de situação análoga à escravidão. E é aí que eu queria chegar para finalizar a fala... (Soa a campainha.) O SR. YURI SANTOS DE JESUS DA SILVA - ... e expressar que a regulamentação do art. 243, por meio da Emenda 81, e do projeto de lei do Senador Randolfe, relatado pelo Senador Contarato, e também outros projetos no âmbito da Câmara que foram listados aqui são ações muito importantes para o enfraquecimento das redes de aliciamento e das organizações criminosas que se formam para explorar mão de obra barata por meio de um processo primitivo de acumulação de capital que está aí tipificado no trabalho escravo moderno. A gente também tem defendido, e vamos defender, por meio da nossa Ministra Anielle Franco, que o Brasil ratifique a sua adesão ao Protocolo da Convenção 29, e da 181, da OIT, e, além disso, estamos à disposição de todas as organizações para debater e incidir sobre a aprovação de projetos que tratem desse tema. Por fim, nós acreditamos que a sanção de expropriação de terras é uma punição importante que deve ser combinada com outros mecanismos perenes e estruturais de reparação dessas vítimas, que deem conta de restituir a dignidade e a cidadania delas para além de várias possibilidades que foram citadas aqui. Por isso, eu queria saudar a iniciativa desta Comissão, desta grande Comissão de Direitos Humanos do Senado, o Senador Paulo Paim, que preside este colegiado tão brilhantemente - está sempre do lado da população negra do Brasil -, e frisar que existe um exército de pessoas escravizadas de forma moderna nos termos da caracterização do PL, em todo o Brasil e também nas áreas urbanas, no trabalho doméstico e no setor comercial, e é preciso que a gente possa dar respostas a esses casos que ultrapassam somente o ambiente rural. |
| R | Agradecendo pela oportunidade... (Soa a campainha.) O SR. YURI SANTOS DE JESUS DA SILVA - ... fico à disposição para qualquer esclarecimento. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Yuri Santos de Jesus da Silva, Diretor de Combate e Superação do Racismo, do Ministério da Igualdade Racial. Parabéns pela sua exposição e leve também um abraço muito carinhoso de toda a Comissão à Ministra Anielle Franco, que vai estar conosco aqui dia 12, 9h da manhã. Fizemos o convite e ela gentilmente, de pronto, aceitou. Então, eu agradeço a ela. E também aproveito para dizer que amanhã, às 11h, vamos ter a instalação da Frente Parlamentar Mista Antirracismo, Câmara e Senado, aqui na Comissão. Vai ser nesta sala, mas é um evento entre Câmara e Senado, e reconheço aqui o apoio que tem nos dado o Presidente Rodrigo Pacheco. Ele foi um dos primeiros signatários quando nós pedimos a assinatura. Ele disse: "Assino, sim". O Presidente Rodrigo Pacheco é um dos signatários dessa frente... (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... que nós vamos instalar aqui no próximo dia 11, amanhã, às 9h. Vamos em frente. Eu soube agora, a respeito da Ana Carolina Alves Araújo Roman, Procuradora da República, integrante do grupo de apoio para combate ao trabalho escravo da 2ª Câmara de Coordenação do Ministério Público Federal, que caiu a sua internet e ela, me parece, não vai poder entrar. Então, de imediato, agora, seguindo aqui a minha lista de convidados, passo a palavra ao líder Aristides Veras dos Santos, Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). O SR. ARISTIDES VERAS DOS SANTOS (Para expor.) - Obrigado, Senador Paulo Paim, quero o cumprimentar, cumprimentar toda a Comissão de Direitos Humanos; quero agradecer pelo convite à Contag para participar deste debate. E quero cumprimentar também o Gabriel, e assim estendo os cumprimentos a todos os integrantes da mesa aqui, para economizar no meu tempo. Cumprimento todos os presentes aqui e os que nos acompanham pelas redes sociais, os debatedores que falaram à distância e outros que nos seguirão ainda nesta tarde. Bom, a Contag é uma confederação nacional de trabalhadores rurais, agricultores e agricultoras familiares. Nós temos quase quatro mil sindicatos filiados à confederação em nível nacional, representamos uma base de aproximadamente 15 milhões de agricultores e agricultoras familiares. Até 2018, nós éramos uma instituição mista, onde a gente coordenava os trabalhadores rurais, os agricultores e agricultoras familiares mais os assalariados e assalariadas rurais. Em 2019 - não é, Gabriel? Não estou errando os anos, não, não é? -, fizemos... Em 2015, é ainda um pouquinho mais para trás, em 2015 - é que o tempo passa muito rápido -, nós fizemos um debate interno e, pelas diferenças que existem entre as duas categorias, assalariados rurais e agricultores e agricultoras familiares, nós preferimos fazer um processo negociado internamente e fizemos o que nós chamamos de dissociação, ou desmembramento das duas categorias, e foi constituída uma outra confederação, cuidando assalariados e assalariadas rurais, que se chama Contar. Daqui a pouco vocês ouvirão o nosso companheiro Gabriel, que é o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas, do Brasil. |
| R | Dito isso, a Contag tem, neste debate, dois momentos na história. Tem o de antes, até 2015, de coordenar também e de representar os assalariados e assalariadas rurais. Nós chegamos a criar, inclusive, um portal, em 2012. Esse portal dos assalariados era aberto para as pessoas fazerem denúncias de trabalho escravo. Esse portal foi um sucesso tão grande, Senador Paim, que o próprio Ministério do Trabalho depois acabou criando o seu sistema inspirado nesse portal que a Contag criou. Então, nós podemos dizer que, ao longo da história... Inclusive registro aqui nesse Plenário o companheiro que trabalha na assessoria da Contag aqui no Senado Federal, que é o companheiro Urbano, ex-Presidente da Contag. Ele, que é do Rio Grande do Norte, foi Presidente da Contag. Então, ao longo da sua história, junto a outras entidades da sociedade civil, do meio público, da Justiça do Trabalho, da luta daqueles que sempre lutaram pelos direitos humanos no Brasil e no mundo, nas nossas relações internacionais também, a Contag tem trabalhado fortemente para que o campo seja respeitado e para que o trabalho análogo ao trabalho escravo possa ser banido. O nosso combate tem sido firme nesse processo. Aqui muitas das coisas que eu imaginava dizer já foram ditas e não precisam se repetir. Mas o importante é deixar claro que o trabalho escravo tem cor e tem aspecto de renda, ou seja, está caracterizado: são as pessoas pobres e - nós temos dados - a grande maioria são homens, a grande maioria são negros; são pessoas pobres. Nos últimos anos, a situação se complicou um pouco mais, porque é como se o mal tivesse sido incentivado, como se o desrespeito fosse incentivado. É como se fosse uma tese de que, apesar de no trabalho escravo ter brancos também, porque aqui o critério só é de renda - se foi pobre, não escapa da escravidão -, o número maior de negros é verdade. Mas têm brancos aqui também. São quase 40%. Então, a pobreza é a situação social dessas pessoas que levam essa situação. Mas com essa visão de que o branco é mais importante que o negro acaba, nessas condições também, ficando pior a situação. Então, quando você percebe que tem um homem negro, dependendo da situação, ele é tratado diferente do homem branco, mesmo que a condição social de renda seja a mesma. Quando tem uma mulher negra em relação à branca, quando ela é negra, a situação dela é ainda pior, além do preconceito e de tudo o mais. Então, acho que é um processo que a gente precisa compreender. O que a gente lamenta, como já foi dito aqui também, é que nós não podemos tolerar, conviver ou aceitar esse tipo de comportamento. Por quê? Porque, para nós, é além da questão trabalhista. É uma questão de direitos humanos, como já foi dito aqui. Isso a gente não pode tolerar. Então, para coibir o trabalho escravo, todas as medidas que forem possíveis, do ponto de vista criminal, do ponto de vista da perda econômica, de expropriação de bens, acho que nós temos que fazer. A sociedade tem que colaborar e esse Congresso Nacional tem que nos ajudar. Não dá para ficar dez anos para regulamentar uma emenda, uma lei tão importante para coibir algo assim muito danoso, muito, muito... Não tenho nem palavras para dizer o significado disto: como é que se escraviza uma pessoa. Aí vem a reforma trabalhista. |
| R | O que é o trabalho intermitente? Tem regras ali absurdas. Essa coisa da precarização do trabalho, através da terceirização; a liberação do armamento. Você vê agora este último caso, lá do Estado de Santa Catarina, de um jovem que toma uma atitude daquela. Quer dizer, coisas que a gente não via no país. É como se, em seis anos ou, principalmente nos últimos quatro, autoridades importantes no país aguçassem nas pessoas o que elas têm de pior, quando cabe às autoridades, a quem tem representatividade, a quem forma opinião, a quem influencia os jovens, às pessoas que possam influenciar as pessoas, tirar delas o que elas têm de melhor, e não o que elas têm de ruim. Então, acho que a gente vive um momento... Espero que o projeto de lei que vai ser analisado, junto ou separado dos demais, Paim, nesta dinâmica que vocês vão dar aqui... A Contag vem analisando, junto com a Contar, o Projeto de Lei, que está sendo pautado aqui, que é o de Randolfe, 5.970, de 2019. Nós vamos analisar todas as emendas, vamos dar a nossa contribuição e vamos acompanhar cada Comissão, cada debate, para a gente ajudar neste processo, pela experiência que a Contag tem, pela relação que a gente tem com a Contar e pela solidariedade que todos nós temos que ter com uma pauta tão importante, para ver se, um dia, isso se reduz a números muito pequenos. Só de 1995 a 2022, pelos dados que a gente tem aqui, só no campo, mais de 46 mil pessoas foram retiradas dessa situação. Mais de 46 mil, de 1995 a 2022, num período de que o Sakamoto falou ali, em que a gente já atuou, com legislações, com ações do Estado, com punições. Mesmo assim, os números são altos. Claro que o número é alto exatamente por conta da fiscalização. E, nos últimos anos, nós tivemos problemas. E quero me somar aqui aos auditores fiscais, aos sindicatos na defesa de mais concursos. E em outras áreas também. O serviço público no Brasil foi bastante atacado nos últimos anos. E a gente precisa recuperar, seja no INSS, seja na Justiça do Trabalho, seja na parte da fiscalização da lei trabalhista, do trabalho, seja com os peritos do Incra, da reforma agrária, em todas as áreas. Se a gente não tiver recomposição nessas áreas, na estrutura do Estado brasileiro, a gente não vai fazer a implementação digna da política pública. Podemos até criar, aqui no Parlamento e no Executivo, mas, se não tiver as condições para que o serviço público funcione... Para isso, tem que ter servidores, servidoras, para que a gente possa fazer esse trabalho direitinho. Por último, Paim, para economizar aqui, acho que ainda tenho alguns minutos. Muito poucos. Pensei que ainda tinha muitos... (Soa a campainha.) O SR. ARISTIDES VERAS DOS SANTOS - Vamos nos somar, nesta luta, nesta batalha, e, junto com o Incra, junto com a sociedade, precisamos resolver um dos grandes problemas que causa muitos outros crimes no Brasil, que é o fato de o Estado brasileiro não ter feito a reforma agrária. Só 23% das áreas agricultáveis no Brasil estão na mão dos agricultores e das agricultoras familiares. Então, a gente precisa trabalhar essa perspectiva. E, para todas as medidas possíveis de arrecadação de terra, a gente tem que enfrentar o processo da desapropriação. Há muita terra nas mãos de muitas pessoas só para especulação. O Incra, a sociedade, todos nós vamos juntos, movimentos sociais, fazer a luta e a boa pressão para que a gente consiga recuperar programas importantes da reforma agrária e conseguir mais terrenos para aqueles que precisam plantar, precisam colher e ajudar no combate à fome, produzindo alimentos saudáveis para, inclusive, baixar o preço no supermercado e diminuir a carestia também. Obrigado pela oportunidade. Estamos aqui. Se precisar, a gente volta, Paim. |
| R | Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Presidente Aristides Veras dos Santos, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Fez também uma bela exposição. Eu vou passar de imediato a palavra agora para Gabriel Bezerra Santos, Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar). O SR. GABRIEL BEZERRA SANTOS (Para expor.) - Boa tarde a todos e todas. Quero cumprimentar de forma muito especial o nosso Senador Paulo Paim, nosso companheiro lá do Rio Grande do Sul, e saudar toda a mesa aqui. Na pessoa do Senador Paim, eu saúdo o Senado e toda a nossa mesa aqui. É importante fazer este debate. É um debate de extrema importância, principalmente para os assalariados e assalariadas rurais, até por serem o grande público alvo do trabalho escravo, infelizmente, no nosso país. Acho que é importante a gente iniciar esta fala dizendo que trabalho escravo é crime e é incabível nos dias de hoje. Acho que isso a gente precisa cada vez mais dizer. E tem que ser muito claro isto para a nossa sociedade brasileira: trabalho escravo é crime - e é um crime muito grave. A gente precisa, Senador Paulo Paim, falar um pouco dessa história. Nós representamos em torno de 4 milhões de assalariados e assalariadas rurais no Brasil. Desses trabalhadores, Senador, 60% estão na informalidade. É lamentável a gente dizer, mas infelizmente são dados atuais: 60% dessa categoria são informais, estão sem carteira de trabalho assinada ou sem qualquer tipo de proteção. Acho que é importante também a gente resgatar os níveis a que nós chegamos nos dias de hoje, a situação no país. Precisamos resgatar isso, Senador, e mais uma vez falar aqui do próprio processo do golpe. Se nós olharmos a linha do trabalho escravo, ela começou a dar uma acentuada no processo do golpe. É claro que sempre tivemos casos de trabalho escravo no Brasil, mas logo após o golpe na Presidente Dilma, esses dados crescem, e logo depois crescem mais ainda. Então, para essa linha do tempo, infelizmente, a gente precisa ter um olhar - e ter um olhar com muito cuidado -, porque são questões que acabam mexendo na vida do trabalhador. Outra questão, Senador: a gente precisa ter um olhar para a própria precarização das relações de trabalho que houve no Estado brasileiro. Nós tivemos uma reforma trabalhista aprovada, Senador, e aí eu lembro que, naquele momento, quando a gente estava fazendo esse debate da reforma trabalhista, nós aqui no Senado Federal, e muitas vezes entrando, Senador... Eu lembro que, em um momento, chegamos a ficar presos numa sala, e só saímos porque o Senador acabou tendo uma indisposição. Eu me lembro muito bem desse dia, do dia da votação da reforma trabalhista, que foi aprovada no Senado e na Câmara dos Deputados. Mas nós sempre dissemos, Senador, que infelizmente essa reforma iria gerar precarização das relações de trabalho e não geraria emprego. Infelizmente, Senador, nós estávamos certos. O que nós dizíamos se concretizou. A reforma trabalhista foi aprovada, não gerou emprego nenhum e precarizou as relações de trabalho não só no meio rural, mas também no meio urbano. Acho que essa é uma questão importante que a gente precisa lembrar. Por outro lado, Senador, quando falamos - e eu vou me deter muito aqui a falar sobre o trabalho escravo na área rural, para a gente não cometer nenhuma injustiça de falar alguma coisa sobre a qual não tem conhecimento - na área rural, a gente precisa fazer esse resgate. Eu lembro que, na mesa anterior, alguns companheiros aqui falaram do próprio destaque na mídia. Eu acho que esta é uma questão importante: a gente precisa, sim, ter um olhar na mídia, mas também da sociedade. A sociedade brasileira precisa encarar e ajudar a combater o trabalho escravo no Brasil. Nós precisamos, de uma vez por todas, botar um ponto final nessa situação. |
| R | E aí a gente precisa falar - todos aqui já sabem, mas vale reforçar - que o trabalho escravo, Senador Paulo Paim, não acontece em cadeias produtivas pobres. O trabalho escavo, acontece em cadeias produtivas ricas, que têm condições de formalizar os contratos e de ter uma melhor relação de trabalho. Acho que isso é uma é uma questão importante. Por outro lado, a gente precisa falar do agronegócio - agronegócio 4.0, agronegócio de desenvolvimento, agronegócio que cresce, que gera PIB, que gera exportação, mas que muitas vezes, ainda, nos dias de hoje, tem trabalho escravo. É lamentável isso. E aí, Senador, a gente precisa olhar melhor para essas questões. A gente consegue fazer uma rastreabilidade do próprio animal, quando ele está lá na propriedade, de onde ele chega e para onde vai essa carne, mas a gente não consegue ter esse olhar na cadeia do trabalhador. Então, acho que esta é uma questão importante de a gente dizer: o trabalho escravo ocorre em cadeias ricas. E, quanto ao trabalhador, não é dada uma importância para essa categoria, que tem um papel importante, mas que infelizmente não é reconhecido. Então, eu acho que a gente precisa, sim, penalizar as empresas, os empregadores, que têm esse tipo de situação. E a gente precisa ter um olhar mais atento. Eu acho que o Estado brasileiro tem um papel importante. Por outro lado, a gente precisa olhar e agradecer aos auditores fiscais pelo papel que tem a auditoria fiscal no Brasil e o papel que teve a auditoria fiscal nos últimos tempos. Se nós não tivéssemos, Senador, auditores fiscais comprometidos nesse último período, a situação com certeza seria muito pior - muito pior mesmo. Então, acho que a gente precisa agradecer o papel dos auditores. Por outro lado, a gente já tem conversado com o nosso Ministro do Trabalho, Luiz Marinho - e ele tem comprometimento com isto -, sobre nós recompormos os auditores. E a Contar tem uma posição muito clara sobre a recomposição de auditores. Precisamos imediatamente ter concurso público para recompormos os auditores fiscais. Temos muitas vagas em aberto, e a função dos auditores é uma função claríssima. Eles têm um papel importantíssimo. Por outro lado também, Senador, a gente precisa falar que nós chegamos a uma barbárie tão grande que nós chegamos a não ter Ministério do Trabalho. Às vezes a gente tem até deletado isso, mas nós chegamos a ficar, por um período, sem ter um Ministério do Trabalho. Por outro lado, Senador, a gente precisa ter um olhar importante também para o próprio desmonte do movimento sindical brasileiro. A reforma trabalhista, que precarizou as relações de trabalho, ao mesmo tempo desmontou uma grande parte de sindicatos, tirando a sua autossustentação, tirando a possibilidade de muitos sindicatos estarem na base e estarem dialogando com os trabalhadores e com as trabalhadoras. Essa é uma questão fundamental para a qual a gente precisa ter um olhar muito forte. Precisamos reconstruir o movimento sindical brasileiro e, sim, precisamos ter sindicatos atuantes, sindicatos que possam ter diálogo com os trabalhadores e que possam, sim, enfrentar as adversidades e fazer o bom trabalho. E nós sabemos que temos, em especial, os sindicatos rurais, dos trabalhadores rurais, que são sindicatos, sim, comprometidos com o movimento sindical, mas também com a causa dos trabalhadores e das trabalhadoras. Precisamos, Senador, ter um olhar para a Lei da Terceirização. E aqui vou abrir um parêntese, Senador Paim - nós que somos gaúchos -: é uma vergonha o que ocorreu no nosso Estado do Rio Grande do Sul. É uma vergonha! Não tem como dizer que uma empresa não sabia que tinha 200 trabalhadores em situação de trabalho escravo. É uma vergonha para o nosso Estado do Rio Grande do Sul, um estado em que se fala em desenvolvimento, mas que, infelizmente, chegou a essa situação. Então, precisamos ter um olhar - precisamos, sim, Senador - para a Lei da Terceirização. Precisamos, sim, rever a terceirização. A terceirização não é possível no meio rural, e a gente precisa ter um olhar, Senador Paim, urgente. O Ministério do Trabalho precisa ter um olhar, e a gente precisa fazer propostas urgentes, porque não é possível mais. Precisamos ter um olhar para a questão da reforma trabalhista, e precisamos revogar algumas questões que são inadmissíveis nos dias de hoje e que têm precarizado as relações de trabalho. |
| R | Falando ainda em legislação, Senador Paim, precisamos construir uma alternativa para a informalidade no campo. Nós só vamos combater o trabalho escravo se nós combatermos a informalidade. E aí a gente tem chamado a atenção do Governo Federal para que chame os ministérios. E temos políticas e temos alternativas que já construímos como Contag, hoje como Contar - a gente tem se somado -, e vamos pautar ao Governo, como a política nacional dos assalariados e assalariadas rurais. O Governo já propôs a portaria do grupo de trabalho que vai cuidar dessa política, e é uma política que pode, sim, enfrentar o trabalho escravo e a adversidade da informalidade no meio rural. Precisamos ter um olhar para essa questão urgentemente. Uma questão importante: a própria reforma agrária. Se tem um público, Presidente Aristides, que pode, sim, ser assentado da reforma agrária são os assalariados e assalariadas rurais. Esse público conhece a terra, tem experiência e pode trabalhar, sim, Senador Paim. Precisamos, sim, ter um olhar para esses trabalhadores e para essas trabalhadoras que têm um papel importante na sociedade brasileira, mas que, infelizmente, são precarizados nas relações de trabalho e na igualdade. Acho que precisamos olhar a série histórica sobre o trabalho escravo: em 2010, nós tínhamos, em média, 3 mil casos de trabalho escravo por ano; em 2015, chegamos a diminuí-los para menos de mil, Senador Paulo Paim; aí, em 2022, a gente passa de 2,5 mil; e, em 2023, eu aqui vou ser ousado ao dizer - e talvez os auditores possam até indicar -, tomara que eu esteja errado... (Soa a campainha.) O SR. GABRIEL BEZERRA SANTOS - ... mas, se nós seguirmos olhando, nós vamos passar de 6 mil. Então, acho que são questões importantes que a gente tem que olhar. Já para ir para o final, a gente precisa dizer, Senador, que nós temos mais de 62,5 mil trabalhadores resgatados de 1995 até 2022; 48% desses foram resgatados na Amazônia brasileira - esse é um número grave, é um número preocupante -; 95% desses trabalhadores são homens; 88% têm de 18 a 49 anos - então, assim, majoritariamente, homens de 18 a 49 anos, que correspondem a 88% -; 31%, analfabetos; 37% não cursaram até o 5º ano do ensino fundamental - são dados preocupantes também que a gente traz -; 68% dos trabalhadores escravizados têm baixa escolaridade - quando a gente diz baixa, é baixa escolaridade mesmo; muitos... (Soa a campainha.) O SR. GABRIEL BEZERRA SANTOS - ... com dificuldade, muitas vezes, para conseguir assinar o seu próprio nome -; e 57% são trabalhadores negros. E aqui eu estou falando somente de trabalhadores negros; se nós formos olhar pardos, isso vai chegar a um número assustador de quase 90%. Então, acho que são questões que a gente traz com preocupação. É uma pauta permanente dessa confederação. A gente está junto na Conatrae. A gente defende os grupos móveis, que têm um papel fundamental. E aqui a gente tem que destacar, Senador Paim, os parceiros: a Polícia Federal, o Ministério Público do Trabalho, que também tem um papel importantíssimo de ajudar, e o Estado brasileiro. Hoje a gente volta a ter, de novo, o Ministério do Trabalho atuante, que pode, sim, fazer um trabalho importante. Então, eu acho que expropriação de terras é um direito; precisa ser salvaguardado o direito dos assalariados e das assalariadas; e o crime de trabalho escravo não pode ser compensatório. Do jeito que está hoje no Brasil, ele é compensatório. As empresas sabem que não tem fiscalização, que tem dificuldade de fiscalização e que nós não vamos conseguir. |
| R | Já para encerrar a minha fala, Senador, nós só não temos mais casos de trabalho escravo no Brasil porque a gente não tem mais fiscalização. Se nós andássemos em mais estados, nós teríamos mais casos - inclusive em nosso Estado do Rio Grande do Sul, mas também em qualquer outro estado brasileiro. Então, nesse sentido, somos parceiros do Projeto 5.970. Queremos nos somar. Estamos à disposição, olhando as medidas, e estaremos nos somando, somando os esforços da nossa Contag junto com as federações e os sindicatos para, de uma vez por todas, erradicar o trabalho escravo no Brasil. O nosso muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, líder Aristides Veras dos Santos, Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Parabéns pela fala. Quero dizer que hoje, pela manhã, na linha aqui do que praticamente vocês todos falaram, nós fizemos uma audiência pública para discutir o debate no mundo do trabalho com foco na terceirização. E foi unânime que a terceirização é a porta escancarada para o trabalho análogo à escravidão. Nesse momento, vamos convidar o nosso último painelista, Frei Xavier Jean Marie Plassat. O SR. XAVIER JEAN MARIE PLASSAT - Não é bem assim, não. (Intervenção fora do microfone.) O SR. XAVIER JEAN MARIE PLASSAT - Simplificando: Xavier Plassat. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Pronto. O SR. XAVIER JEAN MARIE PLASSAT - Tudo bem, o nome indica que eu sou importado... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Deixe-me complementar então: Frade Dominicano francês, coordenador da campanha nacional contra o trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra. A palavra agora é sua. O SR. XAVIER JEAN MARIE PLASSAT (Para expor.) - Obrigado. Boa tarde e obrigado pelo convite. Como Comissão Pastoral da Terra, estamos visceralmente associados a esse combate desde sempre, inclusive porque esse combate tem tudo a ver com a terra e, por ter tudo a ver com a terra, tem tudo a ver com a propriedade, que é justamente um dos objetos principais deste PL sobre o qual estamos conversando hoje. Nós já estamos na Comissão Pastoral da Terra em campanha desde 1997, ou seja, dois anos depois de o Brasil assumir uma política de combate ao trabalho escravo, reconhecendo a realidade das denúncias que vinham sendo feitas desde o início dos anos 70 pela incipiente Comissão Pastoral da Terra, pela boca de Pedro Casaldáliga e de Henri Burin des Roziers. E nós vamos celebrar, neste fim de semana, mais um aniversário do enterro das cinzas de Henri no acampamento que leva o nome dele lá em Eldorado dos Carajás. Ele foi a força propulsora dessa campanha "De olho aberto para não virar escravo". Abrir o olho é justamente o que precisamos exigir da sociedade brasileira, do Estado e de todos nós, porque o trabalho escravo só prospera na invisibilidade. E o que os fiscais do trabalho nos ajudam a realizar é tirar essa questão da invisibilidade. Eu mostro aqui um desenho que foi pintado por Mike Dottridge, grande militante abolicionista, que foi por muitos anos o Diretor da Anti-Slavery International, primeira organização abolicionista mundial: Brave, que, em inglês, quer dizer indignado, com raiva. Brave também é Brasil Verde. Mike Dottridge pintou esse quadro para celebrar essa sentença brasileira que saiu em dezembro de 2016, depois de uma ação que se alongou praticamente por 15 anos, quando a CPT e o Cejil levaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos esse caso de uma fazenda na mesma na região de um fato anterior que nós levamos à Comissão Interamericana, o caso do Zé Pereira, na região de Xinguara, Sapucaia. O Brasil Verde, durante uma década, recebeu um sem-número de denúncias. Houve três ou quatro fiscalizações. Foi estabelecido, assim, que pelo menos 130 pessoas - 128 - foram consideradas, na sentença do Brasil Verde, escravizadas. |
| R | Agora, o que o Estado fez com isso? Nada! Nem reparou, nem responsabilizou. Esse foi o motivo da nossa ida à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e depois na impossibilidade de se chegar um acordo entre o Estado e a Comissão, ela agiu como a promotora de justiça que ela é e levou para a Corte Interamericana, que tomou uma sentença exemplar. Eu convido todos vocês a lerem de novo essa sentença. Ela diz tudo, ela diz: "No Brasil, a escravidão não acontece por acaso, não. Ela acontece em decorrência de uma discriminação histórica estrutural". Essa discriminação estrutural é muito bem mostrada num documentário que o Renato, além do Pureza, preparou, um filme que vai sair em breve: Servidão. Eles mostram como isso está no DNA do Brasil. E não é por acaso, inclusive, que a questão da propriedade... Aqui há algumas imagens desses trabalhadores do Brasil Verde. A gente pode dizer: "Sim, mas você está falando de uma situação de 20 anos atrás". Gente, a situação descrita em Bento Gonçalves ou a situação descrita em Santa Catarina, ano retrasado, na cultura da cebola e do alho, vitimizando trabalhadores trazidos do Maranhão, que atravessaram o país inteiro sem ninguém ver, não é diferente da situação descrita na Brasil Verde ou descrita em Pureza. Isso é que é fantástico, porque são os mesmos instrumentos, os mesmos mecanismos, a mesma brutalidade, a mesma desumanidade, que consiste em tirar mesmo a característica humana da pessoa. Ou como dizem muitos deles quando eles batem na porta da CPT para denunciar depois de fugirem: "Eu resolvi fugir porque ele me tratou pior que animal. Aí eu não podia mais". Pior que animal! Olha só, o Brasil foi um dos últimos a abolir a escravidão, em 1888, no final. Mas ele tomou essa decisão em duas circunstâncias bem interessantes. Primeiro, 30 anos antes, ele aprovou uma lei de terra que tirou a possibilidade de o pobre ter uma terra. Tornou acessível a propriedade da terra somente a quem tivesse como adquiri-la, ou seja, deixou, na previsão da abolição, do tráfico, que já estava se processando e da escravidão que viria depois, a impossibilidade de o trabalhador "libertado", entre aspas, vir a tocar a base material da sua sustentação. E por um segundo motivo também, o Brasil - muito bem contado também no Servidão - é um país que, ao fazer a sua independência, na verdade, trocou só de parente na direção do país, e não fez a reforma agrária, e não fez a reforma democrática, e não proclamou a República. Isso tem uma importância fundamental sobre a persistência das mazelas que estão na base do sistema escravagista. Essa consideração de duas categorias: uma que vale e uma que não vale; de dois povos, o que tem acesso à propriedade e o que não tem, e que permite considerar que é possível tratar esse pessoal em condições degradantes, de impor uma jornada exaustiva que coloque em perigo a vida, não somente a saúde das pessoas - como a gente viu muito bem nos canaviais -, de impor, sob o pretexto de uma dívida fabricada, uma corrente invisível, que é muito mais eficiente que a corrente tradicional, e dizer, a partir daí: "Mas o pessoal ali é livre, a sua liberdade não está sendo negada", quando não é, e muitas vezes é também. Mas tudo isso já basta para tirar a humanidade, a dignidade, a característica fundamental da pessoa. |
| R | Em 27 anos, nós encontramos mais de 64 mil pessoas em situação de escravidão. Mais de 60 mil já foram resgatadas. Agora não é um estoque de dizer que, como um iceberg, a gente vai derreter e, no final, não vai sobrar nada. Não, é um fluxo que se alimenta e se retroalimenta ano após ano. Por isso, não é tão fácil erradicar o trabalho escravo. Eu me lembro do Nilmário Miranda, em janeiro de 2003, no Fórum Social Mundial, onde uma oficina reuniu duas mil pessoas sobre a questão do combate ao trabalho escravo, anunciando, com fé: "Nós vamos resolver esse problema em quatro anos". E quatro anos depois nós levamos o Estado brasileiro à Comissão Interamericana... (Soa a campainha.) O SR. XAVIER JEAN MARIE PLASSAT - ... para explicar onde foi que erramos. Erramos muito. Erradicar o trabalho escravo é muito mais que libertar escravo, porque tem que vencer a ganância, que está na base da utilização desse sistema, de, na verdade, violar as regras do "jogo capitalista", entre aspas, para ganhar mais ainda que os demais. É a miséria, que é retroalimentada por esse sistema, e não venham nos dizer, como escutamos esses dias: "Não, é modo rústico de trabalhar. Eles são mais bem tratados na minha fazenda que lá nos acampamentos, onde eles vivem na miséria". Como podemos justificar a miséria pela miséria? E a impunidade, que é justamente um dos objetos do PL atual? Ganância, miséria e impunidade são o motor perfeito que funcionam, que rodam. Esses 64 mil escravos é o número apurado pela CPT, agregando algumas ações realizadas sem a participação de auditores fiscais do trabalho. Olha só: estão no Brasil inteiro. É verdade que o Sul começou mais tarde a revelar essa presença. E muita gente faz de conta que está descobrindo, que começou a existir porque começaram a ver, mas existe desde sempre, meu Deus! |
| R | O que nós vemos nesses números não é a realidade, é o que nós conseguimos perceber dessa realidade, graças ao trabalho fantástico dos fiscais do trabalho, que... (Soa a campainha.) O SR. XAVIER JEAN MARIE PLASSAT - ... apesar de tudo o que foi tentado contra eles, conseguiram tirar leite de pedra nos últimos anos, como bem mostra esse gráfico. Depois de uma queda histórica não do trabalho escravo, mas da fiscalização do trabalho escravo; não da prática do trabalho escravo, mas da capacidade nossa de enxergá-lo, conseguiram Brasil afora, em todos os estados... Nos últimos seis anos, campeões são: Minas Gerais, Goiás, seguidos por São Paulo, Pará, Piauí, Rio Grande do Sul, Maranhão, ou seja - mais um ponto que eu gostaria de frisar -, estados onde brilha especificamente o agronegócio. Que isto seja dito: não é em qualquer atividade que predomina o trabalho escravo. Nós estávamos vendo que, além da pecuária, nós temos a lavoura, a cana de açúcar, onde predomina... Olha, na lista suja que acabou de ser publicada... Se a gente agrega essa lista suja a todas as anteriores, desde 2003, nós temos 1.941 empregadores distintos. Eu calculei: deles, dois terços são do agronegócio. Não é por acaso, gente! Temos que refletir sobre isto: a questão da terra está por trás do trabalho escravo. E também regionalmente nós verificamos que o Norte e o Centro-Oeste dominam na prática do trabalho escravo, na lista suja, como mostram os números disponíveis ano após ano. Por isso eu digo que, ao pegar como foco a questão da propriedade, nós estamos certos. (Soa a campainha.) O SR. XAVIER JEAN MARIE PLASSAT - Propriedade e dignidade estão em balanço, foi esse o debate que nos mobilizou durante todos esses anos, que nos levou inclusive à Esplanada, com a CNBB à frente inclusive, uma certa época para fazer aprovar a PEC 438, do confisco da terra. Então, que possamos dar seguimento consciente e coerente a essa decisão, que foi importantíssima; seria simplesmente fazer jus à história do Brasil. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Parabéns, Frei Xavier Plassat, frade dominicano francês, que é coordenador da campanha nacional contra o trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra. Olha, nós concluímos aqui uma lista de 12 oradores, somente um não pôde participar, que foi a Ana Carolina. Eu confesso que nós estamos com um problema de horário agora, porque eu vou receber, às 17 horas, o Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Sr. Lelio Bentes Corrêa. Ele vem entregar um convite, mas, ao mesmo tempo, conversar sobre os 80 anos da CLT, que tem tudo a ver com este debate. Então eu me sinto... (Intervenção fora do microfone.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu vou dar dois minutinhos ainda. Eu queria ainda agora dar uma oportunidade para que você fale, Renato, desses dois filmes. Vou dar a você cinco minutos para que, daí mesmo, fale sobre o Pureza e o outro filme que você concluiu agora: Servidão. Daí você falaria, olhe bem, do teu trabalho, em nome de todos os convidados, porque nós vamos ter que encerrar agora para eu receber a delegação que vem do Tribunal Superior do Trabalho. A palavra é sua, Renato. O SR. RENATO BARBIERI (Para expor.) - Obrigado, Senador. Saúdo todos aqui, amigos e amigas, senhores e senhoras presentes. Queria agradecer pessoalmente, Senador, seu apoio ao Pureza. Nós filmamos o Senador Chico Campos, porque nós fizemos uma ligação do trabalho escravo na Amazônia com Brasília, com São Paulo, tem o Serjão, que é um empresário paulista, e tem o Senador Chico Campos, que é um Senador escravagista, oculto, que trabalha sob véus. E eu agradeço muito ao senhor por ter cedido o seu gabinete, porque seria impossível filmar o Pureza num gabinete de um Senador escravagista... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aí não dá também, não é... (Risos.) O SR. RENATO BARBIERI - Então essa colaboração foi essencial... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vamos usar o de um abolicionista. O SR. RENATO BARBIERI - Dos abolicionistas. E também nós filmamos o Servidão aqui, e o senhor está presente no Servidão como uma voz abolicionista, com Xavier Plassat, Sakamoto e tantos outros e outras que participaram desse filme, trabalhadores escravizados. O Marinaldo, que vai estar aqui em Brasília na semana que vem, que é de Pindaré-Mirim, Maranhão, que foi treze vezes escravizado, três vezes solto pelo grupo móvel. Incrível um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas o Marinaldo foi resgatado três vezes pelo grupo móvel. O Marinaldo fala muito da vergonha da escravidão, é outro maranhense ilustre. Assim como a D. Pureza é maranhense, o Marinaldo também. D. Pureza é de Bacabal; o Marinaldo é de Pindaré-Mirim. De fato, Senador, eu acho o seguinte: cabe à nossa geração fazer a escrita desse novo livro, não é nem escrita de uma nova página da nossa história, porque nós temos um livro escravagista de mais de 500 anos. Há 134 anos da abolição, essa questão vem sendo empurrada. A sociedade brasileira não se deu conta da necessidade absoluta de transformar este país num país digno, com dignidade para todos os cidadãos, cidadãs, de norte a sul, de leste a oeste, do interior, da capital. De fato, a gente fez esses filmes, Pureza e Servidão, para chacoalhar mesmo, despertar a sociedade, os tomadores de decisão, os vulneráveis de "a" a "z". Filmes com linguagem universal, capazes de atingir diferentes segmentos da sociedade, para ajudar nesse trabalho que vocês estão fazendo aqui de despertar na sociedade, porque é um trabalho da sociedade. Todos nós temos que virar abolicionistas, homens e mulheres. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! (Palmas.) O SR. RENATO BARBIERI - Então é muito bem-vinda essa sugestão de vocês de fazer uma projeção aqui, uma projeção política, aqui no Nereu Ramos... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - No Petrônio Portella. O SR. RENATO BARBIERI - No Petrônio Portella. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Que é maior que o Nereu Ramos. O SR. RENATO BARBIERI - Que é dificílimo encher, hein? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vamos encher. O SR. RENATO BARBIERI - Porque lá é gigantesco, é grande o auditório. Passei Atlântico Negro - Na Rota dos Orixás lá em uma ocasião. Estamos de acordo. A gente tem que chacoalhar a sociedade brasileira de fato para esse tema. Esse não é um tema entre mil temas. Esse é o tema da nossa sociedade. É o tema central. Eu acho que os jornalistas, a grande mídia tem que tratar esse tema como o tema e não um tema entre mil temas. Porque às vezes você compara assim: a nova namorada do Neymar ganha a mesma importância que as vinícolas do Rio Grande do Sul porque vira assim um caldeirão de notícias. Mas não, a sociedade tem que priorizar o combate e a erradicação do trabalho escravo, porque cabe à nossa geração escrever esse novo livro. O Brasil precisa de fato entrar na era contemporânea, enfim, dar dignidade para todos. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Parabéns, Renato Barbieri, pelo seu trabalho. Fica o compromisso de todos de fazer esse grande evento. Eu sempre digo que eu abro as portas, mas quem traz o público são as entidades. Então, todos nós vamos ter que assumir para fazer esse grande evento, para que você passe então o filme ou pelo menos um pedaço de cada um dos filmes, porque são dois. Os dois de suma importância. Você que vai escolher. Pode complementar aí. O SR. RENATO BARBIERI - Eu acho que, como foi mencionado várias vezes, agora com o Pureza, as presenças da D. Pureza aqui, que é uma mulher fantástica, e da Dira Paes seria um grande evento. E o Servidão nós vamos lançar ainda. Nós não lançamos. O Pureza nós lançamos. Está nas plataformas. Está na Globoplay e em outros pay per view, plataformas. O Servidão nós vamos lançar ainda... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, o Servidão, depois que lançar e tudo, a gente faz outro evento. O SR. RENATO BARBIERI - Faz outro evento. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está bom, Renato, obrigado. (Palmas.) Pessoal, o João... O SR. JOÃO DALDEGAN SOBRINHO (Para expor.) - Quero aproveitar e entregar um cartaz aqui da nossa campanha, do sindicato. Como você falou: Trabalho análogo à escravidão: reforma agrária é a solução. A gente espera que isso tome... Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Vamos tirar uma foto coletiva. O SR. LUIZ ANTONIO COLUSSI - Senador... Terminou, meu amigo? O SR. JOÃO DALDEGAN SOBRINHO - Terminei. O SR. LUIZ ANTONIO COLUSSI (Para expor.) - Senador, 30 segundos. É só mesmo para fazer um convite a V. Exa., aos integrantes dessa seleta mesa, a todos que nos assistem aqui no Plenário 2 ou pelas plataformas: no dia 19, na quarta-feira da semana que vem, às 16h30, nós vamos lançar a Agenda Político-Institucional da Anamatra. É um documento que registra o nosso trabalho, tudo aquilo que fazemos de fundamental dentro do Legislativo. Tem também a parte de prerrogativas. E nós gostaríamos muito de contar com a sua presença, que é fundamental para abrilhantar o nosso evento e dar a ela a credibilidade que a agenda merece. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado. É porque é meu amigo que está falando tudo isso. Pessoal, eu queria agradecer muito a todos os convidados. Os Senadores pediram duas audiências públicas sobre esse tema. Nós realizamos as duas e realizamos ainda mais duas sobre terceirização e a questão do mundo do trabalho. Por incrível que pareça, não teve um painelista que foi contra o projeto. E nós liberamos, até faríamos questão que quem pensa diferente mandasse para cá algum painelista com essa visão. Parece-me que ninguém aceitou. Vim dar um depoimento contra o projeto em debate para combater o trabalho escravo. Esse é um bom sinal. Tudo indica que votaremos, na próxima quarta-feira, às 11h, quem sabe até simbolicamente e por unanimidade. Espero que assim seja. |
| R | Como foi dito aqui, aprovar esse projeto vai demonstrar para aqueles que adotam, infelizmente, essa forma de agir para enriquecer - o trabalho escravo - que eles vão perder o que têm. É a desapropriação de fato, tanto no campo quanto na cidade. Por isso, eu tenho muita esperança, enfim, depois de tantos anos dessa briga toda nossa aqui... Sabemos que começamos, lá na Câmara ainda, a discussão da PEC - aqui, eu fiquei como Relator da regulamentação - e não foi votado. Felizmente, agora vai ser votado com esse projeto que está pautado. Vota aqui e, depois, vota na Assuntos Sociais. Eu estou muito confiante de que vamos aprovar de forma definitiva. E, acredito eu, que o Presidente Lula vai sancionar. Então, é um bom momento para a gente aprovar essa matéria. Que a gente possa gritar aos quatro ventos: trabalho escravo não, trabalho escravo é crime! Está encerrada a nossa audiência pública. Muito obrigado a todos vocês. (Palmas.) (Iniciada às 14 horas, a reunião é encerrada às 16 horas e 21 minutos.) |

