24/04/2023 - 7ª - Comissão de Meio Ambiente

Horário

Texto com revisão

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A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Fala da Presidência.) - Boa tarde a todas e a todos os presentes e àqueles que nos acompanham online, já que a nossa reunião será híbrida.
Havendo número regimental - o Senador Confúcio está online -, declaro aberta a 7ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, que se realiza nesta data, 24 de abril de 2023.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com o objetivo de debater as riquezas da Caatinga, em atenção ao Requerimento nº 23, desta Comissão, de minha autoria, Senadora Teresa Leitão, e da Presidenta deste Colegiado, Senadora Leila Barros, que não se encontra presente, porque está acompanhando a comitiva do Presidente Lula a Portugal.
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De início, tenho grande prazer em compor a mesa, convidando as seguintes pessoas: Antonio Marinho, poeta do Sertão do Pajeú; Sr. Alexandre Pires, Diretor de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima; Sra. Márcia Vanusa da Silva, Professora e pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Sra. Maria Auxiliadora de Lima, Chefe-Geral da Embrapa Semiárido, Petrolina.
Remotamente, quero registrar as presenças do Sr. Afonso Cavalcanti Fernandes, engenheiro florestal, assessor para convivência com biomas e representante da Cáritas na Articulação para o Semiárido Brasileiro (ASA); o Sr. John Elton, Professor e pesquisador da Universidade Federal de Campina Grande; e a Sra. Mônica Tejo Cavalcanti, Diretora do Instituto Nacional do Semiárido.
Agradeço muito a presença de todos e de todas.
Farei uma rápida memória desta audiência e por que ela se realiza exatamente no dia de hoje.
A audiência é realizada em alusão ao Dia Nacional da Caatinga, celebrado no próximo 28 de abril. Essa data foi instituída pelo decreto federal de 20 de agosto de 2003, assinado pelo Presidente Lula e pela Marina Silva, então Ministra do Ministério do Meio Ambiente - e parece que a história se repete, realiza-se a audiência com o Presidente Lula e com a Ministra Marina.
Em 2022, a Comissão de Meio Ambiente realizou audiência pública semelhante, também articulada com a Profa. Márcia Vanusa, da UFPE, ela se lembra. E, nessa ocasião, diversas pautas foram levantadas, e que cabe aqui a mim rememorar. Solicitação de duas demandas, duas demandas centrais, todas as duas ainda em curso, mas não podemos já liberá-las, pela importância que todas as duas têm: apoio para apresentação de iniciativa legislativa para tornar a Caatinga patrimônio nacional. Tramita na Câmara dos Deputados a PEC 504, de 2010 - a original é a PEC 51, de 2003, no Senado -, que trata do tema, porém, contempla não apenas a Caatinga, mas também o Cerrado.
Sobre esse segundo bioma, há uma pressão maior, evidentemente, nós sabemos, que, em se tratando de questões de meio ambiente, nós sempre temos tensão, sempre temos pressão dos setores que defendem e dos setores que acham que seriam prejudicados.
A outra demanda é o apoio para inclusão de fármacos e princípios ativos de espécies da Caatinga em lista da Anvisa, já com várias cadeias produtivas tratando disso, com experiência, algumas delas já com apoio das universidades. E, com certeza, nós iremos nos debruçar nesta legislatura sobre ambas.
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Em 7 de dezembro, já agora, de 2022, com parecer pela aprovação do então Senador Jean Paul Prates, foi aprovado nesta Comissão o PLS 222, de 2016, de autoria do Senador Garibaldi Alves Filho, que institui a Política de Desenvolvimento Sustentável da Caatinga.
Essa matéria tramita na Câmara dos Deputados, onde recebeu nova numeração: PL 3.048, de 2022.
Eu fiz questão de fazer essa memória para dar também um pouco da dimensão da nossa luta. Não estamos começando agora nem pretendemos parar por aqui. Há de fato muita coisa a ser tratada, a ser exposta e estudada. E eu, como nordestina e pernambucana, fico muito honrada em poder realizar esta audiência pública, em ter essa proposição muito bem acolhida pela nossa Presidenta, Senadora Leila, levando o Senado a discutir, como vocês viram, mais uma vez, esse tema, as riquezas da Caatinga, esse bioma tão presente no imaginário dos brasileiros e brasileiras com o qual convivem milhões e milhões de pessoas.
Recebo, com muita satisfação, nossas convidadas e convidados para enaltecer o bioma na semana em que se celebra Dia Nacional da Caatinga para discutirmos seus potenciais, estratégias eficazes; para discutirmos a sua preservação também, isso é fundamental; as contradições sociais; e as riquezas culturais surgidas no chão do Semiárido. Fazemos esta audiência, como eu disse, nesta semana em que se realiza o Dia Nacional da Caatinga.
A Caatinga ocupa mais de 11% do território brasileiro e abriga cerca de 27 milhões de pessoas, espalhadas em 1.130 municípios, em 10 estados do nosso país: Rio Grande do Norte, Maranhão, Pernambuco, Sergipe, Paraíba, Alagoas, Bahia, Piauí e o norte de Minas Gerais. O bioma, conhecido pelo clima caracterizado por longos períodos de seca e estiagem, alimenta e abastece milhões de famílias. Com suas ilhas de umidade e solos férteis, permite produção intensa de frutos e alimentos dos mais variados. Sua formação geomorfológica e localização permite a produção de energias renováveis, tão essenciais para o nosso planeta, em especial a solar e a eólica. Há uma riqueza infinita nesse bioma. Pode-se dizer que o Brasil possui um verdadeiro oásis chamado Caatinga.
O imenso potencial para geração de energias renováveis, a busca pela segurança hídrica através das diversas experiências para captação e reuso de água no Semiárido, o potencial medicinal, alimentar e cosmético das plantas nativas desse bioma, o ecoturismo, com imenso potencial para a conservação dos serviços ambientais, além de seus incontáveis sistemas sustentáveis e tradicionais de produção de alimentos tornam a Caatinga um verdadeiro complexo social, cultural, natural, produtivo e econômico, que é preciso ser reconhecido - ser conhecido, muitos não conhecem com essa dimensão, ser conhecido para ser reconhecido - por todos nós. Será decisivo, sem sombra de dúvida para o desenvolvimento da região e do país.
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Concluo fazendo algumas menções a caatingueiros importantes na nossa história, solo fértil de onde brotou a literatura de Graciliano Ramos e a vida seca de seus personagens, vítimas da falta de ação do Estado, até as veredas mágicas do sertão mítico de Guimarães Rosa, dos versos certeiros de Pinto do Monteiro e Louro do Pajeú - e aqui há um herdeiro de Louro do Pajeú - , solo fértil de onde brotaram esses versos e o canto cadenciado de Luiz Gonzaga, terra mítica das aparições de Lampião, dos sermões de Conselheiro, das pregações de Padre Cícero, do Torá do povo indígena. É uma terra culturalmente rica e que enriquece o Sertão nordestino. Não se pode falar do Brasil sem se falar do povo da Caatinga.
Por fim, aproveito para enaltecer, parabenizar e me congratular com todos os povos que chegam hoje a Brasília para a 19ª edição do Acampamento Terra Livre, que reforça essas nossas pautas, que reforça a importância do que vem sendo feito pela Articulação dos Povos Indígenas, a Api, dando fim a um momento recente que nós vivemos, de negacionismo, de dificuldade de diálogo. Eu acho que esta audiência pública também se insere nessa necessidade, nessa afirmação que o Brasil enfrenta de união e de reconstrução.
Uma ótima audiência para todos nós, e, mais uma vez, obrigada pela presença.
Nós vamos abrir a audiência com um momento cultural para o qual convidamos o nosso querido Antonio Marinho, um poeta do Sertão do Pajeú.
A palavra é toda sua.
O SR. ANTONIO MARINHO -
Senhores críticos, basta!
Deixa-me passar sem pejo,
Que o trovador sertanejo
Vai seu “pinho” dedilhar…
Eu sou da terra onde as almas
São todas de cantadores:
— Sou do Pajeú das Flores —
Tenho razão de cantar!
Não sou um Manuel Bandeira,
Drummond, nem Jorge de Lima;
Não espereis obra-prima
Deste matuto plebeu!...
Eles cantam suas praias,
Palácios de porcelana,
Eu canto a roça, a cabana,
Canto o sertão… que ele é meu!
Vocês que estão no palácio
Venham ouvir meu pobre pinho
Não tem o cheiro do vinho
Das uvas frescas do Lácio
Mas tem a cor de Inácio
Da serra da Catingueira
Um cantador de primeira
Que nunca foi numa escola
Pois meu verso é feito a foice
Do cassaco cortar cana
Sendo de cima pra baixo
Tanto corta como espana
Sendo de baixo pra cima
Voa do cabo e se dana
Meu verso vem da lenha
Da lasca do marmeleiro
Que sai do centro da mata
Trazida pelo lenheiro
E quando chega na praça é trocada por dinheiro
O meu verso tem o cheiro
Da carne assada na brasa
Quando a carne é muito gorda
Esquentando, a graxa vaza
É a graxa apagando o fogo
E o cheiro invadindo a casa.
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Aqui é minha oficina,
onde [eu] conserto e remendo.
Quando o ferro é grande, eu corto.
Quando é pequeno, eu emendo.
Quando falta ferro, eu compro.
Quando sobra ferro, eu vendo.
Meu verso é feito a cigarra,
num velho tronco a sonhar,
que canta uma tarde inteira
e só para quando estourar.
Que eu troco tudo na vida
pelo prazer de cantar.
Quem foi que disse,
professor de que matéria
que o sertão só tem miséria,
que só é [seca] e penar?
Que é a paisagem
da caveira duma vaca
enfiada numa estaca
fazendo a fome chorar?
Não pode nunca imaginar
o som que brota
da cantiga de uma grota
quando a chuva cai por lá,
o cheiro verde
da folha do marmeleiro
e o amanhecer catingueiro
no bico do sabiá.
Tem mulungu do vermelho
mais vivo e puro
e tem o verde mais seguro
que tinge os pés de juá,
a barriguda mostrando
o branco singelo
e a força do amarelo
na casca do umbu-cajá.
Criou-se estigma
do matuto pé de serra,
que tudo que fala erra
porque não pôde estudar.
Só fala versos matutos
e obsoletos,
feitos por analfabetos
que mal sabem se expressar.
Falam no Sul com deboche
que isso é cultura
de só comer rapadura
como se fosse manjar.
Saibam que [lá]
tem abelha de capoeira
e [que] o mel da flor catingueira
é mais doce que o mel de [cá].
Temos poesia que exalta
o que é sentimento
e a força do pensamento
de quem sabe improvisar.
Tem verso livre,
tem verso parnasiano
e mesmo longe do oceano
tem galope à beira-mar.
Zefa Tereza me ensinou
que prum caboclo
[cair] na roda de coco
tem que saber rebolar,
soltar um verso na roda,
que se balança,
e, no movimento da dança,
fazer o coco rodar. (Palmas.)
Bom dia, minha gente! É uma alegria, um prazer estar aqui junto com vocês. Quero, de início, expressar minha gratidão à minha querida amiga e, com muita honra, minha Senadora por Pernambuco, nossa querida Profa. Teresa Leitão, que pode arrumar o título que arrumar, mas ela é professora, professora a vida inteira; Profa. Teresa Leitão, nossa querida. Estar aqui por ela chamar já seria motivo de alegria, e estar aqui para discutir e ajudar neste debate fundamental não só para o Nordeste, mas para o Brasil como um todo é realmente motivo de muita alegria.
Para o Brasil como um todo porque a Caatinga é símbolo da identidade brasileira, não é? Todos os biomas são importantes, mas ela tem um simbolismo, a Caatinga começa e acaba no Brasil. E só há esse tipo de vegetação, exatamente como ela é, lá no Nordeste brasileiro. A Amazônia é maravilhosa, mas pega mais de um país; o Pantanal pega mais de um país; o Pampa pega mais de um país. A Caatinga começa e termina no Brasil, e é irrigada e tem sua sede matada pelo São Francisco, que também começa e termina no Brasil. Então, assim como o São Francisco é chamado de rio da integração nacional, eu acho que a Caatinga encarna essa alma brasileira e essa alma nordestina de ser capaz de resistir, de sua resiliência, de fazer graça até da desgraça e enfrentar o desmando, as ausências estatais, as negligências de política pública, e enfrentar tudo isso com uma sublimação existencial muito forte, principalmente a partir da arte, da cultura popular.
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A cultura popular nordestina é o grande símbolo do nosso povo, e é assim como o seu ambiente, como a Caatinga, a capacidade de resistir...
Caatinga significa mata branca na língua dos nossos cariris. Caatinga é mata branca, porque, quando ela seca, ela seca tanto que ela fica branca, ela não fica nem marrom, ela fica branca de tão seca. Mas basta um pingo de chuva para ela, com três dias, estourar uma exuberância extraordinária. Assim é o povo nordestino e o povo brasileiro: basta uma gota de política pública, basta uma gota de atenção do Estado, que a cidadania floresce exuberante, a inteligência e os feitos do povo florescem exuberantes, assim como as flores e os frutos da Caatinga.
Então, é esse o bioma que me alimenta, é esse o bioma que tem dado sentido a essa luta, porque ele é o retrato do discurso também. A Caatinga é a pintura do nosso discurso. Quando eu digo "nosso", quero dizer essa voz nordestina.
Eu vinha no carro quando cheguei hoje pela manhã conversando com o Pedro e falando da cantoria de viola, do repente e tal, que precisa ainda de muita força, de ser reconhecido e tal. E ele falou em Pinto, falou em Louro e, aí, eu me lembrei: a Caatinga muitas vezes não é entendida, ou é entendida como aquele lugar da seca, aquele canto seco que basta botar uns pipas d´água para o povo não morrer de fome e pronto, quando, na verdade, ela passa pela solução de muitas coisas.
Aí, Louro e Pinto foram cantar, Teresa, na casa de um sujeito, de uma família lá no Sertão, e é costume até hoje perguntar ao casal dono da casa: "Quer que cante sobre o quê? Qual é o assunto que quer que cante?" Aí o dono da casa disse: "Eu quero que cante sobre Botânica." Com todo respeito, esse é um cabra chato da moléstia! (Risos.)
Ele não pediu natureza não; ele não pediu floresta não; ele pediu Botânica.
Isso é comum por dois motivos. Primeiro: muita gente acha que cantador de viola é aquele velhinho analfabeto - "deixa eu tirar onda com ele aqui para ver o que ele faz" - e ficam testando cantoria. Segundo: muita gente acha que não é de improviso, porque é tão absurdo o que eles fazem de improviso, de repente, que eu posso passar dez anos pelejando com uma estrofe que eu não faço igual, e eles fazem na hora. Então isso é comum. Não estou dizendo que foi o caso do dono da casa, mas isso é como o teste da cantoria: "cante sobre Botânica" - isso é um povo danado!
Essa é a Caatinga, que consegue surpreender. Louro pegou a viola e imediatamente disse: "Botânica é uma ciência de elevado valor, da raiz até a fronde eu sei cantar com o senhor; pistilo, estame e carola são as três partes da flor."
Aí Pinto, de lá, disse: "Pois enganou-se o senhor falando assim tão errado; você dizendo 'carola' muito tem se confessado, parte da flor é corola, precisa ter mais coidado."
Aí Louro disse: "Para não ser só um errado, errei eu, erraste tu, erra Pinto do Monteiro e Louro do Pajeú, e da palavra 'coidado' tira o 'o' e bota o 'u'." (Risos.)
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Então, essa capacidade de sorrir diante da onça caetana, como nos dizia outro grande catingueiro, que era Ariano Suassuna, nosso amigo e mestre, essa capacidade de sorrir e de sublimar... Tem gente que sublima de várias formas, pelo trabalho... O Nordeste sublima pela arte, o povo nordestino sublima pela arte. E, quando eu digo isso, grande parte não são artistas, artistas profissionais que vivem disso, como no meu caso, como tanta gente.
Tem gente que faz arte na enxada. Tem gente que faz arte porque não consegue não fazer. Poesia não é o que a gente consegue dizer, é o que a gente não consegue não dizer. Pelo menos assim eu acredito, é o inevitável que sai.
Então, é um povo que está fazendo show sem plateia. Às vezes só tem a Caatinga para ouvi-lo mesmo, ou para ouvi-la. E disso vem o canto das lavadeiras, disso vêm as rezadeiras, disso vêm os aboios do vaqueiro e a irmandade forte com o meio com a Caatinga. Isso, para mim, acho que é o principal ponto dela.
Para além das negligências, das ausências de Estado, das ausências de políticas públicas, para além disso tudo há uma relação muito íntima entre cotidiano e meio, entre povo e habitat. Pode ser que alguém consiga viver destoando do seu habitat, mas na Caatinga eu acho que é impossível, porque ela alimenta esse ciclo. A culpa não é da seca não, a seca é tão normal quanto a chuva. A culpa é da falta de muitas outras coisas. E a gente, ao invés de ficar se lamentando, a gente criou o nosso simbolismo, o nosso sistema de comunicação.
O Prof. Luiz Beltrão, lá de Pernambuco, jornalista, fundador do curso de Jornalismo da Católica, o primeiro doutor em Comunicação no Brasil, doutor aqui na UnB inclusive, o Prof. Luiz Beltrão falou folkcomunicação. A escola da Comunicação brasileira é a folkcomunicação. Deixada ao lado e à margem das decisões, o povo não ficou lamentando e só achando ruim. Quando o Patativa dizia: seu doutor, me dê licença para a minha história contar, não era de cabeça baixa não. Patativa dizia: ei, menino, faz 500 anos que tu come aí, sai daí que agora sou eu. Essa altivez. Então, isso está muito gravado, muito forte no nosso povo.
E aí, para concluir essa minha primeira fala, eu quero trazer outro poema também falando lá da região e da mata, do mestre Rogaciano Leite, que diz assim:
Eu nasci lá num recanto
Do meu sertão — que amo tanto!
Onde o céu desdobra um manto
Feito de rendas de anil;
Onde o Firmamento extenso
É um grande espelho suspenso
Refletindo o rosto imenso
Da minha Pátria — o Brasil!
(...)
A minha casa paterna
Não é a casa moderna
Onde somente governa
Gente da aristocracia;
É um casarão de biqueiras,
De esteios, de cumeeiras,
De travessões e soleiras,
Linha, ripa e caibraria!
É um casarão barrentio,
De labrojeiro feitio,
Desconforme, luzidio,
[...] [Pintado] de rubra cor;
As suas fulgentes telhas
Flamejam como as centelhas
Dessas lágrimas vermelhas
Que sol derrama, ao se pôr.
[...] [Existe à frente] um baixio
Onde um sonolento rio
Descansa em dorso macio
Numa esteira de cristal;
[...]
[Onde a juriti chorosa]
Junto à “asa-branca”, nervosa,
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Cantava triste e [dengosa],
À sombra de um braunal!
Ah! Que tempo de alegria
Quando, bebendo poesia
De calça curta, eu corria
À margem do Pajeú,
Comendo jaboticaba,
Melão, mamão e goiaba,
Cambuí, jambo e quixaba,
Maracujá e umbu!
Ah! Que tempo de fartura
De carne, de rapadura,
De [queijo] e manteiga pura,
Coalhada grossa, escorrida…
Tempo de cascão de queijo,
— O manjar do sertanejo —
[...]
Ah! tempo velho que vejo
Retratado em minha vida!
Lá nas caatingas fechadas
Foi onde eu vi as boiadas
Correndo desesperadas
Com sobrosso do curral…
Onde o vaqueiro disposto
Num cavalo bem composto
Entre paus maneja o rosto
Num drama fenomenal!!...
[...]
Estes quadros que aqui pinto
São quadros que não têm fim...
[Meu Deus!] Quanto orgulho que sinto
De poder dizer assim:
— Nasci fitando as colinas
Onde as águas cristalinas
[Despejam] pelas campinas
O pranto que o céu chorou;
Onde a terra forma um adro
Mostrando a risco de esquadro
O mais invejável quadro
Que a mão de Deus desenhou!
No meu sertão [altaneiro]
Foi onde eu ouvi primeiro
O cantador violeiro
[Dedilhar] uma canção;
Fazendo da alma — cigarra,
Da garganta — uma guitarra,
Da vida — uma eterna farra,
Do Brasil — o coração!
Obrigado, gente. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Nós que agradecemos, Antonio Marinho.
Acho que é a terceira ou a quarta geração, não é? A quinta geração de cantadores de uma mesma família, inclusive cantadoras também, não é? Como a mãe de Antonio Marinho.
Antes de passar a palavra para os demais convidados, eu quero comunicar que esta Reunião será interativa, transmitida ao vivo pela TV Senado e aberta à participação de interessados e interessadas por meio do Portal e-Cidadania na internet. O endereço é: senado.leg.br/e-cidadania ou pelo telefone: 0800 061 2211.
Algumas perguntas, inclusive, já nos chegaram.
Informo também que o relatório completo, com todas as manifestações, estará disponível no portal, assim como as apresentações.
Quero combinar aqui com os nossos ilustres convidados se dez minutos de apresentação inicial fica bem para vocês.
Pronto, então vamos iniciar.
Ao fim da palavra da Mesa, nós podemos abrir para algumas perguntas.
Então, depois de Antonio Marinho, vamos iniciar passando a palavra para Alexandre Pires, Diretor de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Dez minutos e eu passo um breve comunicado.
O SR. ALEXANDRE PIRES (Para expor.) - Dez minutos para o povo do Pajeú é meio difícil. (Risos.)
Mas boa tarde a todos e a todas que nos acompanham pela TV Senado e a todos que estão aqui presentes.
Eu queria agradecer inicialmente à Senadora Teresa Leitão - por quem tenho muita estima e uma amizade de longas datas, pelo convite para estar aqui - e cumprimentar a companheira Márcia, a Auxiliadora, da Embrapa, da Federal, o Antonio Marinho, meu conterrâneo, eu sou lá de Jabitacá, Distrito do Município de Iguaracy, no Pajeú, e estou aqui nessa missão, junto à Ministra Marina, de tocar o Departamento de Combate à Desertificação dentro da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e de Desenvolvimento Rural Sustentável.
Eu escrevi o que eu vou falar para ser mais correto com o tempo, mas mesmo assim eu acho que... Vamos lá.
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Primeiro, eu acho que é importante a gente reconhecer que a Caatinga é a maior floresta tropical seca da América do Sul. Possui uma diversidade substancial de plantas, e são registradas cerca de 123 famílias botânicas pela pesquisa, em um levantamento que precisa ser atualizado obviamente. Mas a gente vê um bioma com aproximadamente 178 espécies de mamíferos, 591 espécies de aves, 177 de répteis, 79 espécies de anfíbios, 241 espécies de peixes e 221 de abelhas. Isso mostra apenas um pedacinho do quanto é diverso esse nosso bioma, tão importante para uma perspectiva biológica, mas, sobretudo, para a perspectiva sociocultural, a qual Antonio Marinho acabou de descrever para nós nos seus versos e na sua fala.
Muitos tipos e subtipos de vegetação provavelmente resultam da grande variedade biofísica da nossa região da Caatinga. Por exemplo, são 135 áreas geoambientais únicas, ou seja, a Caatinga não é homogênea, ela tem seus microambientes e seus ambientes especiais. E foram identificados nessa região. Essa extraordinária heterogeneidade desse ambiente possivelmente é a principal razão pela qual a região da Caatinga é uma das terras secas tropicais mais biodiversas do mundo. E mantém milhares de espécies, muitas das quais não são encontradas em nenhum outro lugar. Não é à toa que a Caatinga é um bioma exclusivamente brasileiro. E aprendi uma outra hoje: começa e termina no Brasil.
Toda essa diversidade se traduz nas riquezas - e aqui eu quero fazer um destaque muito especial, porque se a gente fosse falar das riquezas da Caatinga, a gente ia falar sob muitas perspectivas. Mas nós escolhemos uma perspectiva para trazer para cá como uma contribuição de dados do IBGE, em 2020, que mostram a potencialidade da carnaúba, que é conhecida como a árvore da vida. No ambiente semiárido da Caatinga, principalmente nos vales dos rios do Nordeste e planícies inundáveis, na época das chuvas, se concentra essa produção da carnaúba. No entanto, a gente precisa dar atenção especial a esse processo de extrativismo que é feito, pois a espécie vem sendo alvo de colheita insustentável, uma vez que o método consiste na retirada praticamente de todas as folhas da planta, que é uma palmeira, para obter o pó que produz os seus derivados e o material comercial.
Então alguns dados que são interessantes, que eu quis trazer aqui para a gente, mostram que, em 2020, somente em 2020, na Região Nordeste, foram comercializadas 19,4 mil toneladas de pó da carnaúba, o chamado pó cerífero, que produz a cera, no valor de R$235 milhões comercializados, e 805 toneladas de cera, comercializadas a um valor de R$17 milhões.
Quando a gente faz a conta desses valores, a gente identifica que a cera tem um valor quase o dobro daquilo que é comercializado pelo pó cerífero, que não foi beneficiado. E aí a gente fica se perguntando, Senadora Teresa e demais participantes desta audiência, em que medida as políticas públicas e o investimento, de fato, estão olhando para a gente desenvolver tecnologia no Brasil? E aí gente tem centros de excelência, como as universidades, o Insa, a Embrapa, que têm produzido conhecimentos, tecnologias, em que a gente precisa investir cada vez mais para que, ao invés de exportar a matéria-prima, a gente consiga produzir e beneficiar essa matéria-prima aqui, gerando muito mais renda para o nosso povo.
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É um produto com um padrão de movimentação econômica gigante. Estou falando de um produto da Caatinga, apenas, que é a carnaúba. E precisa ser avaliado quanto à sua sustentabilidade. A gente entende isso porque não existe hoje, consequentemente, uma ação de investimentos em recursos com planos de manejo que ajudem a gente a avançar na preservação na mesma medida em que se faz a extração, o benefício dessa cultura. E aqui a gente pode citar várias outras, como o babaçu, o licuri, que são plantas, também, da Caatinga. O licuri é chamado de palmeira sertaneja. Por exemplo, do babaçu foi produzido, também, no ano de 2020, 37 mil toneladas, enquanto que do licuri foram produzidas 1.067 toneladas, movimentando a casa dos milhões de reais, mas sempre de uma forma ainda incipiente, ainda frágil, sem a gente, de fato, aproveitar o potencial desses produtos da Caatinga. Esses produtos ocorrem no bioma Caatinga.
Na agenda do combate à desertificação, à degradação da terra e à mitigação dos efeitos das secas, tratar as múltiplas possibilidades do uso sustentável é uma condição estratégica e central. Combater a desertificação demanda que seja fomentado um conjunto de ações que atuem na preservação das ações, para que a gente possa frear o processo de degradação das terras, de desmatamento da Caatinga, garantindo a sustentabilidade socioambiental desses territórios.
Aqui a gente diz o seguinte: sair do espaço da ação pontual de investimento e evoluir para o desenvolvimento de marcos estruturantes para a conservação, a partir do manejo sustentável dos recursos naturais, a partir do reconhecimento e do fortalecimento dos saberes tradicionais como importante imperativo para que a gente tenha essa preservação.
Não há possibilidade de a gente pensar em qualquer estratégia de conservar, de cuidar do bioma Caatinga sem incluir de forma intrínseca a relação que isso tem com a geração de renda, com a garantia da segurança alimentar e hídrica, com uma energia que não seja degradadora nem desterritorializadora dos povos e a melhoria geral da qualidade de vida do povo que vive aqui.
E, quando a gente fala do povo, assim como é diversa a Caatinga, também é diverso o povo do Semiárido, também é diverso o povo da Caatinga. Nós temos 90 etnias indígenas vivendo na Região Nordeste, a grande maioria no Semiárido, na Caatinga. São 270 territórios indígenas. A Região do Nordeste do Brasil concentra quase 50% das terras e territórios quilombolas do país - quase 50% -, para ser mais preciso, pouco mais de 1,7 milhão de estabelecimentos da agricultura familiar camponesa deste país. Então, olhar para esse ambiente não é olhar de forma homogênea ou pensar que todos são iguais e têm as mesmas necessidades. É preciso pensar em políticas que assegurem, garantam essa diversidade.
Como no Ministério do Meio Ambiente eu estou há apenas um mês e pouquinho, lá no Departamento de Combate à Desertificação, a gente assumiu um compromisso com a Ministra Marina - obviamente que é um compromisso do Presidente Lula -, de retomar a implementação da Política Nacional de Combate à Desertificação...
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(Soa a campainha.)
O SR. ALEXANDRE PIRES - ... retomar o início da nossa Comissão Nacional de Combate à Desertificação, que foi desarticulada pela gestão passada, e, também, algo que não está na nossa Secretaria, mas está na Secretaria Extraordinária de Combate ao Desmatamento, que é a criação de um plano de combate ao desmatamento da Caatinga. São medidas que estão sendo tomadas dentro do Ministério para que a gente contenha esse processo de devastação da Caatinga, esse processo de desmatamento desse bioma tão importante para a gente.
Nos meus 30 segundos que restam, eu queria aqui, de forma muito singela, prestar uma homenagem também a um grande pernambucano. Vocês estão vendo que o negócio aqui está meio Pernambuco, não é? (Risos.)
Isso é porque Márcia e Auxiliadora ainda não falaram, mas eu acho que, ao falar da Caatinga, a gente tem que fazer uma memória extremamente relevante ao Prof. Vasconcelos Sobrinho.
O Prof. Vasconcelos Sobrinho foi uma figura, eu acho, inspiradora para todos nós que somos estudiosos. Eu sou biólogo. Então, estudei na Universidade Rural, estudei um pouco de botânica e, para a gente, pensar na Caatinga nos remete a essa memória e a todo o trabalho histórico, como ecologista, como professor, como um dos fundadores da Universidade Federal Rural de Pernambuco e um dos grandes preocupados com essa agenda da preservação da Caatinga que foi o Prof. Vasconcelos Sobrinho.
Então, aqui nessa memória que a gente faz ao Dia Nacional da Caatinga - é porque eu estou com o Dia de Combate à Desertificação no juízo também, ouviu? -, ao Dia Nacional da Caatinga, uma memória ao Prof. Vasconcelos Sobrinho por sua contribuição para que a gente chegasse aqui hoje, fazendo todo esse debate tão importante.
Então, quero agradecer, mais uma vez.
Estou à disposição.
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigada, Alexandre, pela lembrança, inclusive, do Prof. Vasconcelos Sobrinho e também pelas suas exposições tão precisas, com tantos dados importantes para nós.
Em seguida, eu vou passar a palavra para a Profa. Márcia Vanusa da Silva, Professora e Pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco.
A SRA. MÁRCIA VANUSA DA SILVA (Para expor.) - Boa tarde a todos.
Em nome da Senadora, e também professora, a gente contempla toda a mesa, a Profa. Teresa leitão, nossa Senadora de Pernambuco.
E eu gostaria de colocar uma apresentação, Senadora, para me guiar na minha fala, por favor.
Eu não sei se também tem o auxílio do passador do eslaide. Isso facilitaria a gente a fazer essa apresentação nos dez minutos. (Pausa.)
O nosso trabalho é falar dessas riquezas da Caatinga, destacando aqui a flora nativa. Eu falo em nome de um conjunto de pesquisadores nesta audiência tão importante para falar das riquezas, que tem tudo a ver - ouviu, Antonio? - com a botânica.
Então, a gente está falando aqui de uma floresta sazonalmente seca. A gente divide essa floresta também com o continente americano, mas, como Alexandre falou, a nossa Caatinga tem uma similaridade muito baixa. Por isso que, cientificamente, a gente pode dizer dessa exclusividade. E essa baixa similaridade faz com que 23% da sua flora seja exclusiva desse bioma.
Aí a gente tem, do ponto de vista científico, uma vantagem e uma desvantagem. A vantagem é que os ingredientes que a gente pode ter com aplicações biotecnológicas são exclusivamente brasileiros. E o problema é: se a gente perde essa biodiversidade, a gente está perdendo a do planeta. E isso é muito grave do ponto de vista da flora. A gente já perdeu 46% dessas plantas endêmicas que a gente não vai buscar em canto nenhum, e a gente sequer estudou o seu potencial. Então, é sobre essa flora rica e única, de que é estratégia nossa, infelizmente, ter baixa conservação, unidades de conservação dentro da Caatinga, o que remete a essa alta perda de biodiversidade da flora.
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Então, em cima dessa proposta, nós criamos em 2013 o Núcleo de Bioprospecção e Conservação da Caatinga, uma união de várias instituições e universidades do Nordeste, principalmente, mas também fora dela, com a perspectiva de conectar pessoas e criar possibilidades.
O nosso objetivo principal é buscar novos ingredientes, induzir arranjos produtivos locais e, principalmente, validar o conhecimento tradicional dos povos do Semiárido, tão importante para essa conservação do que ainda nos resta. A gente precisa enaltecer o conhecimento dos povos tradicionais e aí a gente está trazendo os indígenas, quilombolas, comunidades, enfim.
Então, em cima desse conhecimento tradicional, que é tão frágil, Senadora, principalmente porque a gente já fez esse trabalho. Ele é, na sua essência, um conhecimento feminino, é idoso e tem uma fragilidade quanto ao passar desse conhecimento para as próximas gerações, por ser oral.
Então, a gente precisa buscar esse conhecimento e empoderar as próximas gerações, dentro do Semiárido, com um conhecimento tão importante. Só para vocês terem uma ideia, 90% desse conhecimento são validados pelo nosso grupo nas universidades, mostrando a riqueza desses saberes populares.
E aí a gente vê uma possibilidade difícil de a gente elencar em valores, possibilidade de novos fármacos, de novos defensivos agrícolas naturais, novos ingredientes para cosméticos e, principalmente, em uma segurança alimentar desses povos e, sequer, brasileiro também. A gente pode começar a produzir alimento.
Então, esse é o retrato desse saber tradicional dessas mulheres. E, por ter uma fragilidade por ser oral, eu acho que está na hora de a gente registrar, fazer vídeo e levar essa educação para as escolas do Semiárido desse conhecimento tradicional.
A gente vem publicando, de uma certa forma, para resguardar esse conhecimento etnobotânico, principalmente, em comunidades ao entorno de unidades de conservação por dois motivos: pela riqueza do conhecimento popular e por ter uma possibilidade de acessar essas plantas e validar esse conhecimento.
Alguns dos nossos resultados, para a gente não se alongar - a gente precisa falar dele -, é o da Spondias tuberosa, mais conhecido como umbu. A gente tem um conhecimento tradicional vasto sobre a casca, a entrecasca, a folha, principalmente, para gastrite, a gente viu na literatura que não havia validação científica e, só para vocês terem uma ideia, a gente fez um experimento validando, sim, o extrato da folha, da casca do umbuzeiro como um gastroprotetor natural.
A gente também não pode deixar de falar do licuri, ouricuri, o Syagrus coronata, outra planta nativa, endêmica da Caatinga. Tem muito conhecimento tradicional sobre ela, principalmente do uso do óleo para cicatrização, inflamação, infecção. A gente está mostrando para o mundo esses potenciais. O óleo do licuri tem uma atividade antibiótica extraordinária. A gente pegou bactérias de infecções hospitalares, em que há um alto índice de resistência aos antibióticos já utilizados na clínica atualmente, e a gente mostra claramente nesses experimentos que existe um ingrediente dentro desse óleo que tem esse poder antibiótico. A gente hoje tem a parceria de um laboratório, de uma central analítica do LNBio, que vem isolando essa molécula. A gente precisa destacar que a infecção hospitalar, principalmente o desenvolvimento de resistência, é uma crise mundial. A OMS já destacou isso. Se, dentro de 30 anos, não houver o desenvolvimento de novos fármacos, com atividade antibiótica, a gente vai voltar para a década antes da penicilina, com mortes em escala.
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Um outro saber popular, saber tradicional, é a cicatrização com óleo do licuri. Então a gente mostra nesse experimento, inclusive colocando uma marca comercial, que o óleo do licuri ainda acelerou o processo de cicatrização em ferida em ratos. Quando a gente vai estudar casos humanos - e esse é um caso que a gente vem estudando, algum deles, como o de um pé de um diabético, por exemplo; a gente sabe da amputação altíssima de pessoas diabéticas crônicas, também com hipertensão -, a gente mostra aqui alguém passando o óleo do licuri, sem formulação nenhuma, e fechando uma ferida aberta há décadas.
A gente vem mostrando também que a ciência precisa avançar mais no conhecimento dessas espécies. Aqui é um jatobá. Acho que o companheiro Alexandre já conhece. É uma espécie de jatobá já descrita desde 1920 e que só recentemente foi catalogada cientificamente pelos botânicos. Viu, Antonio?! Aí a gente foi e conseguiu buscar essa planta, extrair o seu óleo essencial e publicar que ela possui um ingrediente, o muleno. E a gente conseguiu mostrar que esse óleo essencial tem a mesma ação que a indometacina, um importante anti-inflamatório e analgésico utilizado na clínica.
A gente também sabe que, em relação aos anti-inflamatórios, igualmente aos antibióticos, a gente tem muita resistência e que para muitos pacientes os fármacos hoje não funcionam. A gente tem aí o óleo de uma Hymenaea cangaceira, uma outra planta nativa, com esse potencial farmacológico.
Uma outra planta, que está sob sigilo, porque a gente conseguiu extrair um óleo e ele é azul. Esse óleo é um azuleno. No mundo, o azuleno tem uma importância enorme pelo controle do HIV e pelo controle de algumas cepas de algumas células tumorais.
Vejam, mostrando aqui, o potencial farmacológico dessas espécies, que são nativas e exclusivamente brasileiras.
Então, essas espécies estão no MMA desde 2018, quando foi lançada uma lista de plantas para o futuro na Região Nordeste. A gente precisa, Senadora, desenvolver a região não com as espécies introduzidas, retirando a Caatinga nativa e introduzindo as espécies comerciais de outros biomas, que demandam tanta necessidade, principalmente hídrica, mas incentivar a bioeconomia dentro das espécies nativas.
(Soa a campainha.)
A SRA. MÁRCIA VANUSA DA SILVA - No nosso trabalho a gente vem se preocupando muito com as ODS. A gente faz um trabalho de voltar para as comunidades esses saberes validados, para que elas se empoderem dele - a juventude principalmente - numa volta de ciência às escolas públicas, onde possa assim ser disseminada.
Então, a gente tem umas demandas urgentes.
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A primeira delas - é o porquê estamos aqui - é o reconhecimento da Caatinga como patrimônio nacional; a implementação, Senadora, de viveiros educativos, principalmente em ambientes escolares, nas escolas do Semiárido.
Investimento em pesquisa. E aqui eu estou falando enquanto pesquisadora. Existe aí um celeiro de possibilidades - cosmética, farmacológica e alimentar - ainda não descritas.
Fomentar a bioeconomia, principalmente com essas espécies nativas.
E promover a ação dos ODS no Semiárido brasileiro.
Aqui a gente tem alguns dos nossos parceiros.
Grande parte desses experimentos é desenvolvido pelo Programa do PPGCB da UFPE, mas a gente tem várias unidades, inclusive o Insa como nosso parceiro.
Alguns apoios. A cadeia produtiva do MCTI, entre outros, e o NBioCaat, esse grupo que agradece e dedica todo esse trabalho ao sertanejo, e é por ele que ainda temos, ainda, remanescentes dessas plantas da Caatinga.
E viva o Dia da Caatinga!
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigada a você, Márcia.
Acho que os desafios são grandes, mas bem consolidados. Acho que esse poder de articulação, que foi demonstrado, é importante para a gente dar consequências a esses desafios.
Vou passar a palavra agora para a nossa terceira expositora presencial - depois a gente passa para os online -, Maria Auxiliadora Coêlho de Lima, Chefe Geral da Embrapa Semiárido Petrolina Pernambuco.
Não sei por que esta mesa está toda pernambucana. (Risos.)
A SRA. MARIA AUXILIADORA COELHO DE LIMA - Esse é um bom encontro.
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - É um bom encontro, não é, Auxiliadora?
Pois não, Auxiliadora. Pode iniciar.
A SRA. MARIA AUXILIADORA COÊLHO DE LIMA (Para expor.) - Boa tarde, Senadora! Boa tarde a todos presentes!
É uma satisfação estar aqui comemorando e tratando de Caatinga. A gente fala aqui em nome de uma equipe de pesquisadores da Embrapa Semiárido e a gente dá um enfoque, nesse caso, às potencialidades e a algumas contribuições da pesquisa também para o bioma.
De início, as potencialidades, o que a gente entende, no componente global da Caatinga. E tudo nasce, ou tudo gera, a partir dessa adaptação ao ambiente.
O que a gente tem de diferencial é o ambiente, o Bioma Caatinga como um todo, e como as plantas interagem com ele nos aspectos de resistência ou tolerância aos estresses hídrico, térmico e de insolação, frequentes nesse bioma, e que geraram nessas plantas mecanismos muito próprios, mecanismos voltados para a modificação de folhas, para um sistema radicular mais profundo, para captar água... Há plantas que têm algumas estratégias, inclusive, de se manterem verdes, mesmo no período mais seco do ano; estruturas específicas de acúmulo de água, como os xilópodios; e atividades fotossintéticas alternativas, fora do mecanismo da grande maioria das plantas...
Além disso, temos estratégias também de tolerância à dessecação presente em algumas espécies, que ajustam o seu metabolismo, através, possivelmente, de uma reprogramação da expressão de genes, para se manterem vivas, mesmo com restrição hídrica muito forte e, como bem mencionado aqui, com um mínimo de água, brotarem e manterem-se vivas com o tempo, ativas, e fornecendo suporte para a fixação do homem no campo.
Essas características diferem entre os ambientes, porque há uma grande distribuição geográfica entre as espécies. As caatingas são diferentes entre si e, com isso, obviamente, temos espécies ou sementes com características próprias de dispersão, de proteção contra essas características do ambiente, mantendo-se vivas por longo tempo.
Como a gente utiliza isso para se beneficiar dessa estratégia? - então é um grande modelo, um grande exemplo de resiliência, de sobrevivência em ambientes com restrição de água e, principalmente, de temperatura. É trabalhar isso nos seus potenciais genéticos e biotecnológicos. Como esclarecer melhor esses mecanismos das espécies da Caatinga, para a gente trazer isso para o ambiente das espécies cultivadas e fortalecer, então, a atividade econômica da agropecuária no Semiárido, com as suas diferentes realidades e formas de aproveitamento.
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No que se refere ao aproveitamento alimentar, a gente tem uma diversidade de componentes aí. As espécies da Caatinga são fontes ricas de nutrientes, vitaminas, sais minerais, fibras, de compostos bioativos que têm alta proteção antioxidante e, portanto, podem proteger o nosso organismo preventivamente de algumas síndromes ou algumas doenças. E hoje nós temos uma limitação, poucas espécies sendo utilizadas efetivamente para essa alimentação, embora haja uma diversidade ampla no Semiárido com potencial de incluir várias outras espécies, além do umbu, do maracujá-do-mato, por exemplo, que são as mais disseminadas. Então, existe uma diversidade, e a gente precisa difundir isso, colocar de forma acessível na mesa do consumidor.
Além dos frutos, a gente tem as estratégias, como a Profa. Márcia falou, de compostos bioativos presentes em cascas, folhas e outras estruturas da planta. No caso do umbu e outras espôndias, existe um levantamento, já feito dentro de alguma equipe nossa também associado ao potencial citotóxico dessas folhas, desses ramos, contra alguns tipos de agentes de doenças crônicas. Então, isso traz um potencial fantástico de aproveitamento farmacêutico dessas espécies.
Existe o potencial madeireiro no sentido da incorporação ali dentro de um sistema integrado da produção do sertanejo. A produção de pigmentos também é possível em algumas espécies, com uma riqueza muito grande de componentes - o potencial cosmético aromático de fragrância foi mencionado. E tudo isso na perspectiva de gerar bioinsumo, gerar componentes que tragam renda para essas comunidades, numa estratégia de manejo sustentável, de manejo equilibrado, que preserve, use a Caatinga, preservando-a para extrair esses bioinsumos necessários ao melhor desenvolvimento econômico. As espécies são várias e é possível extrair componentes que são biopesticidas, bioestimulantes, promotores de crescimento em várias espécies vegetais, mas também nos microrganismos presentes no solo. Existe um potencial apícola e meliponícola também fantástico entre essa diversidade de espécies presentes.
E, no que se refere aos microrganismos, as relações que promovem fixação de nitrogênio para as espécies em que esses microrganismos se associam, promoção de crescimento pela indução de compostos derivados do metabolismo de organismos que interagem com as raízes e, portanto, facilitam o estabelecimento das plantas no solo, inclusive, nos períodos mais críticos do ano.
O potencial forrageiro de várias espécies da Caatinga que tem sido estudado e tem sido uma estratégia para fortalecer a pecuária no Semiárido, seja ela extensiva ou seja ela uma pecuária semi-intensiva, mas que use o sistema Caatinga como forma de interagir preservando essas espécies também.
A possibilidade de utilização de fibras, óleos e ceras de várias espécies, algumas são emblemáticas como é a carnaúba.
O potencial ornamental fantástico, e aí o exemplo do caruá, que é uma planta belíssima, as flores são fantásticas e que flora antes das outras, em pleno mês de setembro, em que tudo está seco.
E o potencial artesanal, algumas fibras de algumas espécies da Caatinga sendo aí utilizadas como geração de renda para essas comunidades.
Nesse espaço das potencialidades, a gente destaca aqui algumas contribuições para fortalecer a atividade produtiva preservativa, digamos assim. Então, uma delas é conciliar isso tudo com o cenário de mudanças climáticas, em que os desafios para o Bioma Caatinga podem ser ampliados. E a gente precisa se preparar para isso.
Então, alguns estudos têm sido realizados, observando aí a capacidade regenerativa de espécies nativas. E a gente tem aí estudos associados, o desenvolvimento das plantas desde a germinação até o crescimento, estabelecimento no ambiente, a partir de condições de temperaturas mais elevadas do que a atual, a partir de cenários e restrição hídrica ainda mais intensos, alterações na ocorrência e distribuição de problemas fitossanitários. Mesmo no ambiente de Caatinga, a gente tem pragas e doenças de algumas espécies, e a gente tem que estudar isso melhor. E os avanços em relação a mapeamento daquelas populações que são mais vulneráveis para que a gente possa preservá-la de maneira mais consciente.
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Há também estudos enfocando as diferentes espécies ameaçadas de extinção ou que estão sob risco de extinção. A gente já teve perdas de algumas espécies, e, aí, a proteção e o cuidado com aquelas que estão sob ameaça são necessários para que a gente tenha estudos da fenologia cada vez mais detalhados, para que a gente possa entender qual é o período correto de estabelecimento dessas plantas no campo e do que elas precisam para se estabelecer.
A atuação dos polinizadores como elemento fantástico na natureza para manter essas plantas, a sobrevivência e a dispersão delas; os mecanismos associados à dispersão natural; e os planos de manejo, que são a grande contribuição que a ciência, que a pesquisa, que a academia podem dar. Planos de manejo para as diferentes espécies do bioma, estabelecendo essas plantas de maneira mais efetiva no campo, a partir, claro, das características próprias das sementes de cada uma dessas espécies, de produção de mudas e disseminação dessas mudas entre as comunidades.
Como a gente falou, a microbiota da Caatinga é uma microbiota diversa, fantástica, com leveduras, fungos e bactérias com potencial também muito importante interagindo com as plantas. E a gente tem identificado alguns fungos e leveduras que são bastante efetivos no controle de pragas e doenças das culturas estabelecidas no Semiárido, mas também com potencial de atender outras espécies, outras culturas de outros biomas. Isso serve de base para a geração de bioinsumos, que envolvem tanto essas bactérias promotoras de crescimento quanto os óleos essenciais com propriedade biopesticida, por exemplo, e outras.
O aproveitamento agroindustrial vai desde este aproveitamento relacionado à indústria farmacêutica, cosmética e alimentícia a outros que a gente pode explorar dentro do bioma e com possibilidade de ampliar na medida em que a gente reconhece que há muito ainda a se estudar em relação a essas plantas.
Particularmente no nosso caso, a Embrapa Semiárido avançou para registrar quatro cultivares de umbu que têm tamanho acima da média, potencializando uma atividade econômica voltada para a produção, voltada para o consumo in natura; há também o BRS Sertão Forte, que é uma variedade de maracujá da Caatinga. Então aí estabelecem-se características genéticas fixas, digamos assim, dessas variedades, desses cultivares, e que podem dar vez a programas de melhoramento que estabeleçam outras estratégias para essas culturas.
(Soa a campainha.)
A SRA. MARIA AUXILIADORA COELHO DE LIMA - Os sistemas de produção integrados são outro componente importante, pegando lavoura, pecuária e floresta. Os sistemas agroflorestais e o manejo de abelhas nativas são outra contribuição importante.
Nós temos o monitoramento das condições climáticas da Caatinga por meio de uma torre agrometeorológica que monitora não só clima, mas também as respostas fenológicas e os fluxos de carbono emitidos pela Caatinga nativa em diferentes condições do ano - essa é uma foto recente, mas, ao longo de vários anos, isso tem sido monitorado e documentado.
E nós temos os bancos de germoplasma, que também são uma fonte rica da característica genética dessas plantas. Umbuzeiro, umburana de cheiro e faveleira são espécies com diferentes tipos distribuídos pela Caatinga que a gente conserva como estratégia para uma futura exploração ou um futuro direcionamento para outras estratégias de pesquisa. E isso também é voltado para a necessidade de capacitação das comunidades rurais para uma maior conscientização da preservação, conciliando aí uma estratégia que a gente entende que é necessária: saberes do sertanejo e do caatingueiro, a ciência e o compartilhamento de conhecimento. Esses três elementos precisam andar juntos para a gente evoluir e ter segurança nessa preservação a longo prazo e ter a Caatinga duradoura e trazendo seu potencial para a gente, para as gerações aí de outros tantos anos e outras tantas décadas e centenas de anos que a gente pretende por aí, alinhando obviamente aos objetivos de desenvolvimento sustentável. Boa parte deles é aderente às questões de preservação de um bioma tão rico quanto o nosso.
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Então, eu agradeço a atenção de vocês e me coloco à disposição.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigada, Maria Auxiliadora.
Com a exposição de Auxiliadora, nós concluímos a fase de exposições presenciais. Nós temos três expositores que farão a sua apresentação online, e, por motivo de horário, nós vamos começar com a Sra. Mônica Tejo Cavalcanti, Diretora do Instituto Nacional do Semiárido (Insa).
Boa tarde, Mônica! Seja muito bem-vinda!
A SRA. MÔNICA TEJO CAVALCANTI (Para expor. Por videoconferência.) - Olá, boa tarde a todos!
Olá, Senadora. Cumprimento a todos na pessoa da Senadora Teresa Leitão. Eu faço um cumprimento especial para todos que estão nos assistindo de forma online e também de forma presencial.
Eu sou Mônica Tejo, estou como Diretora do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), que é a unidade de pesquisa do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Estamos localizados em Campina Grande, Paraíba, mas atuamos nos dez estados que compõem o Semiárido brasileiro, que tem o Bioma Caatinga como sendo um dos biomas principais a serem atendidos pelo nosso Insa.
Então, vou aqui compartilhar a minha tela.
Venho conversar um pouco com vocês, relacionado às riquezas da Caatinga: nossos colegas os quais eu também saúdo, a Maria Auxiliadora, da Embrapa Semiárido; a Profa. Márcia Vanusa, que tem parceria aqui com o Insa, da Universidade Federal de Pernambuco; e os demais, que eu também saúdo de forma especial por estarem estudando e compartilhando conosco as ações relacionadas ao nosso Bioma da Caatinga.
Eu tenho muito orgulho e agradeço imensamente por estar aqui com o Insa falando um pouco sobre o nosso Semiárido, sobre a nossa Caatinga. E tenho a honra de carregar no meu nome, Mônica Tejo, o bicho bravo da Caatinga que é o teiú, também conhecido. E assim eu o represento com muito orgulho, eu e minha família toda, que somos amantes da Caatinga, amantes do Sertão, amantes do nosso Semiárido brasileiro. E tenho muito orgulho de estar aqui com todos vocês.
Então, com relação à Caatinga, nós temos aí o nosso representante que muito bem falou a respeito da nossa cultura, e também foram passadas informações com relação à nossa região. Nós temos os biomas brasileiros e, dentre eles, temos a Caatinga como sendo um bioma muito rico e importante, único no mundo. Temos aí 10%, 11% do território nacional ocupante por esse bioma e com mais de 27 milhões de pessoas que habitam a nossa região.
Eu vou falar um pouco da Constituição Federal. No seu art. 225, cita a importância de se ter um patrimônio nacional relacionado a esses biomas e exclui os Biomas do Cerrado, Pampas e Caatinga. Mas a Senadora Teresa Leitão muito bem nos relatou que já existe uma outra PEC que está aí transitando dentro do Congresso e vai fazer com que nossos biomas sejam contemplados como patrimônio nacional, fazendo com que a gente tenha benefícios, principalmente com relação a planejamento, a conservação e outras ações relacionadas à Caatinga
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Só um momento, porque não está passando.
Então, como foi falado, do tupi, Caatinga significa mata branca. E os colegas relataram muito bem a diversidade ou a biodiversidade relacionada a esse sistema, dando aí ênfase relacionada ao que a gente tem de espôndias - o que também foi falado pela Embrapa Semiárido -, umbu, seriguela e todas as frutas relacionadas a essa família tão rica. E também as outras frutas, que têm um potencial biotecnológico, com bioativos importantíssimos a serem explorados a partir de sua bioprospecção, dos conteúdos dos bioativos específicos.
E o licuri, como também foi relatado pela professora, em que a gente tem aí o óleo de licuri e toda uma cadeia produtiva da bioeconomia, podendo ser extensiva e trazendo desenvolvimento regional para a população que está inserida dentro do nosso bioma da nossa região.
E tantos outros frutos que também possuem potencial. E tanto o Insa, como as universidades, os institutos parceiros e a Embrapa vêm também estudando e fazendo ações relacionadas às suas potencialidades.
E eu aqui destaco também e principalmente a questão de bioprodutos relacionados aos micro-organismos, micro-organismos esses que são autóctones, que são específicos - quiçá vou chamar até de terroir do Semiárido -, podendo ser utilizados na biotecnologia, também no solo, como em alguns trabalhos que estão sendo realizados, e em alimentos também, para que possamos preservar a nossa vocação produtiva e também os nossos sabores e saberes do Semiárido brasileiro.
Temos no Insa hoje um estudo com o índigo, que é um corante natural azul, que estamos cultivando de uma forma bem resistente na nossa Caatinga, em consórcio com algodão orgânico, para que possamos potencializar esse corante tão rico e tão disputado pela indústria, principalmente têxtil e de plásticos.
Também temos a Caatinga com potencial para forragens nativas, que podem ser aí uma alternativa para a utilização proteica, ao milho e à soja principalmente. E a gente vai ter uma diversidade de culturas que são nativas da Caatinga com esse potencial, como sabiá, gliricídia e várias outras, das quais, no Insa, a gente tem vários estudos relacionados com potencial de aplicação.
E principalmente a nossa palma forrageira. Então temos um projeto de difusão de palma forrageira no Semiárido brasileiro, onde, no Insa, nós temos um banco de germoplasma com mais de 150 acessos. Estamos estudando a questão de nutrição dessa palma, para que consigamos ter um rendimento de produção maior. Também melhoramento genético de palma, em parceria com vários outros pesquisadores inseridos no nosso Nordeste, nos estados do Nordeste. E a gente vem difundindo essa cultura e esse potencial no Semiárido, que também é considerado como riquíssimo.
Alinhados ou acoplados à questão da palma, da difusão de cactáceas, principalmente com potencial produtivo, a gente tem também aspectos relacionados aos recursos hídricos, com sistemas para que a gente possa reutilizar as águas dos nossos efluentes, sejam eles totais, das águas residuárias totais, incluindo vaso sanitário, e se possa ter uma segurança de manipulação, com a redução dos seus patógenos, e assim, a gente conseguir reutilizar a água em sistemas de produção.
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O Insa vem, em parceria com diversos outros órgãos e organizações sociais, fazendo com que essa tecnologia seja difundida e a gente a acopla, principalmente, com a produção de palma, de espécies forrageiras, frutíferas e também madeireiras. Hoje, temos mais de 80 unidades familiares já instaladas no Semiárido brasileiro, nos dez estados, e estamos em parceria com o Fida para que a gente possa, até setembro, implantar 110 unidades aí, também, no Semiárido brasileiro, para que várias famílias sejam contempladas com essa tecnologia.
Também temos a aplicação de outras tecnologias que a gente apoia de forma bem veemente, do Insa, como, por exemplo, as cisternas e outras tecnologias que já viraram políticas públicas, e também testamos tecnologia, como no caso do Programa Água Atmosférica, em que a gente instalou equipamentos que foram doados por Israel em escolas públicas municipais, em parceria com a Fiocruz. Essa água está lá sendo testada para características de insegurança hídrica nessas escolas de quatro estados do nosso Semiárido brasileiro, e, assim, a gente tem aí uma potencialidade de utilização muito alta.
Também temos a nossa biodiversidade animal com raças nativas, de alta resistência, com capacidade de adaptação a altas temperaturas, capacidade de aproveitamento de plantas nativas em forragens para esses animais, e que também vem sendo muito estudado, como, por exemplo, o curraleiro pé-duro, que é uma raça bovina daqui da nossa região. No Insa a gente tem um curral com mais de 150 animais, sendo referência em genética para o nosso país. Além disso, espécies de caprinos, de aves, de ovinos, de cavalo. Estamos aí com a rede do cavalo nordestino sendo reativada, que também é uma riqueza do Semiárido brasileiro, da nossa Caatinga e da nossa história.
E não podíamos deixar de falar do potencial energético que a gente tem na nossa Caatinga e que também nos preocupa muito pelo fato da pouca discussão relacionada aos impactos ambientais que vem causando a instalação de algumas usinas solares, de alguns parques eólicos na nossa região. A gente precisa trazer isso para a pauta, Senadora Teresa, para que a gente possa, além de potencializar o desenvolvimento regional, também fazer com que ações que impeçam esse impacto sejam realizadas em paralelo. E o Insa está à disposição para essas discussões, principalmente com a utilização de energia solar, da eólica, extração de biogás e também as grandes usinas que estão sendo construídas, principalmente no Estado do Ceará relacionadas ao hidrogênio verde.
Além disso, temos um potencial energético tremendo com utilização de novas leguminosas e oleaginosas, como o exemplo do cártamo, que está sendo testado aqui no Rio Grande do Norte pela UFRN e tem um rendimento muito alto para a sua utilização em biocombustíveis.
E a contribuição do Insa, que aqui eu socializo e também já coloco à disposição da Senadora como Presidente da Comissão de Meio Ambiente, é que nós fizemos um levantamento, uma Agenda Estratégica para Sustentabilidade e Inovação do Bioma Caatinga, em que reunimos mais de mil atores dos dez estados que compõem o Semiárido brasileiro e traçamos ações de curto, médio e longo prazo para se atingir visões de futuro relacionadas ao tema. A gente a socializa e já aproveita a oportunidade para, quando for a Brasília, poder conversar mais e apresentar essa agenda para a senhora e para toda a Comissão, porque eu acredito que, como servidores públicos, como órgãos públicos que somos, a gente precisa estar junto, caminhando de mãos dadas para atingir um cenário muito mais otimizado diante de um planejamento.
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Dessa forma, a gente fez um desenho de quem está estudando a Caatinga, de quem está estudando o Semiárido brasileiro relacionado aos temas de proteção ambiental, do meio ambiente de uma maneira geral, e montamos essa agenda, esse road map tecnológico com esses atores, que está disponível para que a gente possa utilizar e planejar nossas ações.
E também foram mapeadas quais as ações ou quais os impedimentos do passado, do presente e também do futuro para que a gente possa discutir as ações em parceria e trazer essa rede de pesquisadores, de atores da sociedade para as nossas mesas de discussão para conseguirmos ter ações mais positivas.
Eu não poderia deixar de falar do potencial da Caatinga como geração de crédito de carbono, onde vários grupos de pesquisa, inclusive em parcerias com os nossos pesquisadores e tecnologistas do Instituto Nacional do Semiárido, vêm descobrindo, publicando e fazendo com que se tenha um arcabouço acadêmico relacionado ao potencial de sequestro de carbono do bioma Caatinga, com evidências relacionadas à comparação do bioma com outros biomas e também a função de cobertura e o uso da terroir no Semiárido com uma rede de vários pesquisadores que vêm há mais de dez anos estudando esse trabalho, esse tipo de ação relacionada ao carbono, relacionado ao nosso bioma Caatinga e comparado com os demais.
E não podia deixar a oportunidade de dizer o quanto é nítido para o Semiárido também ter o Insa como uma grande riqueza para o nosso bioma e para a nossa região.
Dessa forma eu finalizo a minha apresentação, agradecendo imensamente a oportunidade e também deixando o Insa, as nossas ações, pesquisas e desenvolvimento à disposição de todos vocês.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Nós é que agradecemos, Mônica, sabendo do seu limite de horário. Agradecemos e, evidentemente, nós vamos dar consequência e avançar em muitos aspectos citados na sua explanação.
Vamos ouvir agora o Sr. Afonso Cavalcante Fernandes, também online, engenheiro florestal, assessor para convivência com biomas e aqui representando a Cáritas na articulação para o Semiárido brasileiro.
Então, com a palavra, Afonso Cavalcante Fernandes.
O SR. AFONSO CAVALCANTI FERNANDES (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde, Senadora.
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Boa tarde.
O SR. AFONSO CAVALCANTI FERNANDES - Boa tarde, senhores e senhoras presentes a esta audiência.
Quero agradecer pelo convite e quero parabenizar o Plenário da Caatinga.
Falar depois de tantos especialistas é mais difícil, mas eu vou falar aqui como uma pessoa trabalhou, que dedicou a sua vida ao manejo dos recursos naturais do Semiárido assessorando famílias.
Uma coisa que a gente sempre diz e sempre lembra é a coisa de o Semiárido ser um bioma único no planeta, da sua importância para o planeta, mas pouco a gente faz no sentido de mostrar isso para o mundo.
Então, eu acho que essa audiência tem também esse papel: como dizer isso para o mundo? Ou seja, a gente fala muito de Amazônia, fala muito bem de Mata Atlântica, mas fala pouco do Semiárido, do bioma Caatinga. Então, é preciso dizer isso para o mundo.
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Uma outra questão que a gente tem que trazer é sobre o seu povo. Uma das riquezas desse bioma é o povo nordestino, o povo caatingueiro. A gente vive num bioma que é um bioma único no mundo, um dos semiáridos de maiores potencialidades. Como a gente viu aí dito pelos especialistas, é um dos climas semiáridos onde mais chove, não é? E isso, de certa forma, propiciou também a sua ocupação. Hoje ele tem 1.262 municípios segunda a nova delimitação do Semiárido, só que 90% desses municípios têm apenas 50 mil habitantes. Então, essas populações são populações urbanas, mas com um grande vínculo com o Bioma Caatinga, ou seja, são agricultores que dormem em casa, mas passam o dia nas suas roças. Então há uma relação muito forte dessa população com o seu bioma, e isso não deve ser desprezado, não é?
Outra coisa que a gente tem que considerar é que mais da metade dos domicílios rurais só têm 5ha ou até 5ha. Assim, como o Alexandre falou, a gente viu um mosaico agroambiental, e nesse mosaico ambiental a gente tem propriedades muito pequenas que precisam ser realmente manejadas de acordo com cada condição ambiental desse mosaico. Isso é outra questão que a gente precisa considerar.
Como muito bem disse o poeta, com quem também eu convivi no Sertão do Pajeú... Também morei 25 anos em Pernambuco, Senadora, e também sou um pernambucano de certa forma nesta audiência, não é? E uma coisa que a gente deve considerar que é uma riqueza no Semiárido, uma riqueza do Bioma Caatinga, é a sua gente, ou seja, é essa gente que 20 anos atrás desconstruiu o paradigma da indústria da seca, desconstruiu a ideia de combater a seca, e construiu um novo paradigma, que é o paradigma de conviver com as condições ambientais nesse bioma, conviver com esse clima - que a gente o considera seco, mas ele tem anos chuvosos que têm enchentes e geram muita vida, como o poeta falou. Então, a gente precisa considerar isso nessa nossa discussão sobre o Bioma Caatinga, sobre o Semiárido. Esse povo é que desconstruiu esse paradigma da indústria da seca, do combate à seca, e construiu um milhão de tecnologias de captação de água de chuva para as pessoas beberem. Isso é essencial para a vida dessas pessoas no Bioma Caatinga, não é? Sem água, sem segurança hídrica não é possível manter-se no bioma.
Outra questão que é uma riqueza que foi construída também por esse povo, de certa forma, é a luta por uma educação contextualizada no Semiárido, ou seja, os meninos precisam falar sobre raposa, sobre preá, e não de elefantes, não é? Quando eu cheguei na região, eu escutava muito "elefantes", "rinocerontes", quando a gente tem, na verdade, preás, a gente tem asa branca, e outras questões mais, enfim.
Como os outros especialistas já falaram dos potenciais, fica difícil falar sobre isso, mas é importante lembrar do potencial de gerar calor da Caatinga, ou seja, é uma vegetação lenhosa, com muito poder de gerar energia, através da lenha, e de gerar carvão. Uma questão que nós precisamos debater é como esse potencial está sendo explorado. Precisamos discutir formas de manejo sustentável, de modo que esse potencial de gerar energia seja potencializado.
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A gente tem um bioma, de fato, com muitas espécies arbóreas, herbáceas, com potencial forrageiro gigantesco de gerar alimento para os animais. Se você pegar os estudos do Prof. João Ambrósio, da Embrapa de Sobral, você vai ver um trabalho fabuloso de manejo da vegetação para alimentação animal, você vai ver os relatos que ele fez em relação à ocupação do Semiárido como uma região produtora de carne, de proteína, ou seja, um vasto potencial pela superexploração da pecuária, que está tendendo a cair cada vez mais.
Eu me lembro de uma planta que foi citada, o cambuim, que é uma espécie da Caatinga pouco conhecida dos catingueiros hoje justamente porque, no processo de desmatamento, no processo de reintrodução de novas áreas para a agricultura, ela foi sendo desvalorizada. Mas é uma planta com alto poder oxidante. A gente precisa considerar esse poder farmacológico que a Caatinga tem com várias outras espécies, um potencial farmacológico para corantes, óleos - os óleos vegetais, eu mesmo cresci em frente a uma usina de algodão - e extratos, como a carnaúba, como a oiticica. Eu acho que poucas pessoas hoje conhecem um pé de oiticica no Semiárido, no nosso Bioma Caatinga. Então, a gente precisa extrair a riqueza desse potencial que esse bioma oferece.
Do ponto de vista de turismo, isso é pouquíssimo explorado. A gente tem potencial para turismo ecológico gigantesco. Tem aí o Vale do Catimbau, o Geoparque Seridó, que é reconhecido hoje pela Unesco, e diversos e diversos outros atrativos naturais que a gente poderia estar utilizando para gerar renda, minimizando os efeitos da pobreza e melhorando a vida do sertanejo e da sertaneja, não é?
A gente também tem um potencial muito grande para o turismo de aventura. Quixadá, por exemplo, é a capital hoje do voo livre no Brasil, com um potencial incrível no Ceará. A gente tem um potencial incrível também do turismo comunitário. As pessoas têm muito o que mostrar. A nossa cultura é riquíssima, principalmente a do Período Joanino. A nossa poesia, os nossos cantadores, os nossos reisados são manifestações culturais muito importantes que poderiam ter uma exploração de forma que gerassem divisas para a região, que valorizassem mais essa região.
Do ponto de vista da produção, eu sempre destaco a questão da produção apícola. Há exemplos bons de projetos em larga escala, por exemplo, no Piauí, de geração da produção de mel e derivados, mas há uma difusão enorme de produção "melipônica" e apícola e de méis que poderiam enriquecer tanto a alimentação na região, como poderiam gerar riquezas e colaborar para a recuperação do bioma, para a manutenção dos recursos do bioma.
Mas a gente tem também um outro potencial muito grande, que são 2,8 mil horas de luz por ano produzidas nesse bioma. Isso é fantástico, não é? São coisas que a gente explora muito pouco. Se por um lado esse sol de alguma forma castiga um pouco a vida exposta a ele, por outro lado é um gerador de riqueza. Nós somos uma das poucas regiões no mundo que produz duas safras e meia de uva com esse potencial de sol que a gente tem, de luz do sol.
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A gente poderia aproveitar mais os aluviões, as áreas sedimentares do Semiárido, do Bioma Catinga, para produzir riqueza e melhorar a vida da população local. Eu acho que é outra coisa que a gente precisa considerar como riqueza desse bioma fantástico, esse mosaico agroambiental.
Do ponto de vista do sequestro do carbono, eu vi os colegas falaram também aí, e as pesquisas recentes dão conta de que o nosso bioma é um dos mais eficientes no sequestro e no armazenamento de carbono, por quase não ter umidade, o solo também é um potencial nesse sentido.
E, para finalizar a minha fala, eu queria falar do potencial de energias renováveis. É um potencial gigantesco tanto o solar como o eólico para a produção de energia renovável, mas é preciso analisar tanto os impactos que esse modelo de geração de energia tem gerado na vida das comunidades rurais - ou seja, alterando meios de vida das comunidades -, como também os impactos diretos sobre os recursos naturais do ambiente.
Uma das coisas que são necessárias para a implantação desses parques é a supressão da vegetação natural. Com a supressão da vegetação natural, a gente tem todos os impactos advindos, que são erosão, arrastamento de solo, empobrecimento do solo, expondo as camadas mais férteis, e aí a gente tem todo um desequilíbrio, principalmente porque grande parte desses parques de geração de energia são instalados em área de preservação permanente, que são os topos de serra.
Então a gente precisa rever. Eu acho que esta Comissão precisa discutir essa questão. Faço um convite à Senadora para que a gente possa visitar esses parques e de alguma forma amenizar esses impactos através de um sistema de geração de energia mais justo, inclusivo, popular e sustentável.
Existem possibilidades hoje em dia, Senadora - e vou finalizar mesmo, agora - que são os sistemas descentralizados de geração de energia. Existem experiências no Estado da Paraíba já funcionando, através do Cersa, que comprovam que cooperativas comunitárias também são capazes de gerar energia, distribuindo entre os seus associados.
Obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Nós é que agradecemos, Prof. Afonso.
Realmente essa questão da energia já está começando a provocar a necessidade desse estudo de danos, alguns, inclusive, imediatos e outros a médio prazo. Sem sombra de dúvida, é uma questão importante que poderemos debater mais adiante.
Vou passar agora para o nosso último expositor, o Sr. John Elton, Professor e Pesquisador da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba.
O SR. JOHN ELTON (Por videoconferência.) - Boa tarde a todos!
Espero que estejam me escutando bem.
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Estamos o vendo e ouvindo-o.
O SR. JOHN ELTON (Para expor. Por videoconferência.) - Vou acessar aqui a minha tela. Ela está liberada para compartilhar? (Pausa.)
Enquanto não a liberam...
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Está liberada.
O SR. JOHN ELTON - ... vou saudando todos da bancada que me antecederam pelas excelentes contribuições.
Também saúdo a Senadora Teresa Leitão e a Leila Barros pelo convite da UFCG, de nos incluir nesse debate. Eu acho que isso é muito oportuno, pois são várias instituições que estudam esse bioma.
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Fiquei muito feliz quando vi o tema, as riquezas da Caatinga, porque, de fato, a gente tem que olhar os nossos valores locais e procurar o que temos de riquezas aqui - e vai se acontecer o que aconteceu hoje: ver essa explosão de oportunidades para o desenvolvimento da região.
Quero me apresentar aqui rapidamente. Eu sou o John Cunha, sou Professor da UFCG e estou lotado no Centro de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido, que fica na cidade de Sumé, estou cercado pela Mata Caatinga, essa mata exuberante que me surpreende todos os dias quando a gente a estuda e caminha por ela.
Bom, o nosso estudo tem sido conduzido sempre em áreas experimentais. Desde a década de 1980, quando implantamos a primeira área experimental no município de Sumé - isso numa bacia-escola, uma bacia experimental onde tinha uma fazenda nesse local -, eu percebia os impactos das alterações de cobertura do solo nas variáveis hidrológicas, percebendo o que mudava na vazão dos rios, especialmente o que gerava de sedimentos. Esses experimentos foram continuados depois no Município de São João do Cariri, numa parceria que a UFCG tem com a UFPB, também numa fazenda-escola, e isso também permitiu que tivéssemos um histórico de cerca de 40 anos de monitoramento de dados, o que é um desafio enorme.
Eu já trago isto para esta Comissão, no caso, da importância de se manter esse estudo de longo prazo, porque o nosso clima é muito sazonal, tem uma variedade enorme, e é preciso ter um monitoramento de longo prazo para poder compreender bem o que está acontecendo aqui.
Num passo mais recente, o nosso grupo também implementou torres de monitoramento atmosférico para também trabalhar com esta componente, sair do solo-água-planta, para entrar na do solo-planta-atmosfera. Então, entender melhor o que está acontecendo nesse bioma
Aqui a gente conta com uma quantidade enorme de parceiros, porque a necessidade de estudos interdisciplinares para esse bioma é impressionante, pois tudo está muito intrínseco ao comportamento da planta, à variedade do clima, aos tipos de solo. Então, temos parceiros da área de botânica, da engenharia ambiental, da engenharia da computação, biólogos e engenheiros florestais para poder nos auxiliar no entendimento desse bioma.
Para vocês terem uma ideia da nossa abordagem nos nossos estudos, nós estamos sempre dependendo do dado experimental que é coletado em campo. Em geral, no nosso caso, são sempre sedimentos, vazão, evapotranspiração e carbono da atmosfera, para alimentar modelos que são equações que tentam descrever o comportamento dessas variáveis ao longo do tempo. A gente calibra pelo que a gente tem de dados, mas a ideia é simular para o passado e entender melhor o funcionamento de todo o ecossistema durante o período. Usamos muitos dados de sensoriamento remoto também, para poder sair da escala experimental para a escala regional, e a ideia é sempre trabalhar com todo o Bioma Caatinga, apesar de ele ser bastante heterogêneo, como já foi comentado aqui pelos nossos colegas que me antecederam.
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Então, o que a gente está observando nesse bioma? Falar para vocês que as áreas florestais são as que produzem mais água numa bacia hidrográfica talvez já seja um consenso, mas aqui na Caatinga isso ainda é mais exacerbado. Por quê? A evapotranspiração aqui corresponde a quase 95% da precipitação: de tudo que chove, 95%, é perdido por evaporação. Então, quando eu tenho uma área florestal densa, isso diminui para 74% da precipitação. Significa o quê? Que eu vou ter muito mais água no rio e muito mais água disponível para atividades que vocês vão ver que dependem do reservatório. Então, para indústrias e para tudo que há para a mitigação da seca, que muitas vezes ocorre, esse custo seria muito menor se tivesse mais áreas florestadas.
Pensando também na questão do balanço de carbono, que já foi falado por alguns aqui, as nossas áreas têm indicado uma assimilação de carbono, uma fixação de carbono em torno 3,5 toneladas. Há outros estudos no Pernambuco e no Rio Grande do Norte que indicam até 5 toneladas por hectare. Então, esse é um valor considerável, nada fora do comum para outros biomas, mas que pode trazer uma vantagem para a Caatinga, já que muitas atividades econômicas não são produtivas em todos os locais.
Então, uma política de crédito carbono, por exemplo, na Caatinga poderia ser até muito mais eficiente, porque não teria uma concorrência tão grande nas atividades econômicas quanto para outras atividades. E essa vegetação tem uma taxa de fixação impressionante, 54%. Agora, como o Prof. Afonso falou da eficiência, a eficiência comprovada da Caatinga é quando você compara com a quantidade de água disponível no sistema e quanto ela assimila. Então, ela consome pouca água, porque não tem muita água disponível, mas consegue fixar muito pela quantidade que recebe. E, comparada a outros biomas, ela se destaca muito em relação aos outros por ela ter um desempenho muito elevado e o uso eficiente da água para se desenvolver, e isto pode ser uma estratégia muito interessante: compreender a fisiologia dessa vegetação, porque produção de biomassa é produção de alimentos. Então, eu tenho uma vegetação que está muito adaptada a viver com pouca água e ela produz muita biomassa. Será que isso poderia ser transladado para as atividades que geram alimentos? - porque a gente tem uma produtividade muito alta com pouca água. Isso, num período de mudanças climáticas, pode ser uma estratégia muito interessante
Pensando no estoque, o que acontece? A árvore isolada já é um benefício enorme, como a gente já viu, mas o problema, quando a gente perde a vegetação, é que a gente perdeu apenas um terço do estoque de carbono daquele local: dois terços estão no solo. Com a vegetação saindo, eu digo que é como se ficasse a tampa do reservatório aberta, e a erosão eólica e hídrica vai poder, aos poucos, remover tudo aquilo que foi depositado de forma lenta. Também a radiação contribui para isso. Então, manda-se carbono para a atmosfera. O carbono vai também para o reservatório, junto com os sedimentos, e aí degrada os nossos reservatórios e reduz a sua capacidade de armazenamento.
Como exemplo, Campina Grande recebe água do Boqueirão para as pessoas, e há 50 anos ele tinha 500 milhões de metros cúbicos; hoje, tem 400 milhões. Então, 100 milhões de metros cúbicos foram perdidos por sedimentos que foram depositados no fundo do reservatório, reduzindo sua capacidade de armazenamento. O problema é que remover sedimento de reservatórios tem um custo enorme, não é o mesmo custo de construir, porque eu vou colocar os sedimentos onde? - porque eles tendem a voltar, não é? Então, é quase que perda de manancial e um prejuízo enorme para as atividades econômicas.
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Aqui a gente fez uma simulação em pequenas bacias hidrográficas no Município de São João do Cariri, para perceber como é a distribuição e ver o impacto na vegetação. Fiquem aqui no ponto A com a condição atual, e no ponto D com uma área toda vegetada. Então, a diferença é muito grande na produção de sedimentos. A gente tem pontos com 4 mil toneladas por hectare, para 50 toneladas por hectare, nas condições de preservada. É claro que o preservado é muito difícil, às vezes, de alcançar completamente, mas, se você teve alterações pontuais - que a gente fez aqui em algumas propriedades que estavam tendendo à mudança e aceitavam práticas conservacionistas -, isso já teve um impacto significativo, reduzindo para mais da metade em caráter de sedimentos.
Então é possível ter uma política pública para poder tentar pagar por serviços ecossistêmicos e ter agricultores que queiram se beneficiar disso, e aí reduzir essa carga de sedimentos que traz prejuízo enorme.
Aqui é para poder indicar de onde começa o problema. O desmatamento é o ponto inicial, mas a gente também tem a variabilidade climática atuando, e esses dois são vetores que vão levar para uma espiral que é cada vez de mais degradação. Então é preciso encontrar alternativa para sair dessa espiral de degradação, que vai nos levar para a desertificação.
Então, pensando nessas alternativas, nosso grupo tem tentando sair daquelas áreas experimentais para modelar isso regionalmente. Este aqui é um exemplo de um aplicativo que desenvolvemos para monitorar evapotranspiração para toda a Caatinga. Então, a gente consegue aqui, clicando em um ponto desse qualquer da Caatinga, saber a evapotranspiração, dia a dia, para qualquer ponto da Caatinga. Isso pode ser uma estratégia interessante para monitorar a outorga de água, para poder ver se eles estão usando a quantidade adequada, e também para perceber mudanças no clima - não é? - e respostas da vegetação a algumas alterações.
Aqui tem vários outros trabalhos que nosso grupo desenvolve, todos sempre nessa proposta de uma abordagem de compreensão do ecossistema e de ter uma plataforma de divulgação desses dados, para poder ter acessibilidade para um grupo maior de pesquisadores. Então, o BioClimate foi um deles.
Este segundo é um artigo que eu coloco aqui, da Remote Sensing of Environment, identificando quando ou o momento da alteração na cobertura, porque nossos estudos precisam disso, não é?
Outro que destaco é o acervo desses 40 anos de dados das duas bacias experimentais, que foi compartilhado aqui na Hydrological Processes. Então, isso está disponível para toda a comunidade científica estudar. São muitos artigos que a gente vem identificando, muitos trabalhos.
E este outro, da fenologia, percebendo quais são as alterações entre diversos pontos da Caatinga. Percebam que ela é bastante heterogênea e tem respostas diferentes, e é preciso ter áreas experimentais desses pontos, mas com características diferentes, para poder compreender o ecossistema e poder modelá-lo melhor e compreender de fato a sua riqueza.
Então, obrigado por esse momento aqui, e espero colaborar com a Comissão sempre que necessário,
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Nós é que agradecemos ao Professor e Pesquisador John Elton, da Universidade Federal de Campina Grande
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Eu vou proceder, antes de passar de volta a palavra aos nossos expositores, ao que nos chegou pelo e-Cidadania: dois comentários, dois do Distrito Federal, um de Ilzilene Maria, que faz o destaque de que a nossa Caatinga merece uma política agrícola com um olhado de preservação, e um de Fábio Coura, que propõe a criação de uma política agrícola visando desenvolver a agricultura de sequeiro na Caatinga - temas já abordados aqui pelos nossos expositores.
E temos algumas perguntas, que eu vou ler. Também acredito que algumas delas já tenham sido respondidas, mas, no retorno para as considerações finais - ou transitórias, porque o mundo está mudando muito; hoje é final, mas amanhã pode não ser -, quem quiser responder qualquer uma delas pode ficar à vontade.
A primeira é de Nathaly Silva, de Pernambuco: "Quais são os desafios enfrentados na gestão integrada dos recursos hídricos na Caatinga, considerando as variações climáticas da região?".
A outra é de Emily Silva, de Goiás: "Qual o impacto [...] [que o] desmatamento na área da Caatinga pode causar para outros biomas?".
A terceira é de Emanoel Martins, da Paraíba: "Quais ações estão sendo desenvolvidas na prática para acabar com o desmatamento na Caatinga?".
A quarta é de Carol Pinsetta, de São Paulo: "Devido a grande porcentagem da vegetação do Brasil ser a Caatinga, qual o impacto do desmatamento dessa área?".
De Conrado Gomes, de Minas Gerais: "Como a vegetação da Caatinga se adaptou ao clima semiárido?".
E, por fim, de Itamar de Carvalho, de Pernambuco: "[...] Quais as iniciativas que estão sendo tomadas para melhorar a convivência com o Semiárido?".
Então, nós vamos proceder agora à devolução para a mesa. Vamos fazer a ordem inversa, que aí a gente termina com o presencial. Pode ser, Elton?
Então, passo a palavra inicialmente para Afonso Cavalcanti Fernandes, depois para John Elton, explicando que a Sra. Mônica Tejo já teve que sair, pois ela tinha um limite de horário.
Então, para suas considerações, podendo responder ou se posicionar sobre as perguntas que foram feitas, eu devolvo a palavra para Afonso Cavalcanti Fernandes, Assessor para Convivência com Biomas e representante da Cáritas na ASA.
O SR. AFONSO CAVALCANTI FERNANDES (Para expor. Por videoconferência.) - A gente deve considerar que essa diversidade que o Alexandre falava no início deve ser um imperativo para tudo que a gente vai fazer, ou seja, eu estou em um ambiente diverso e, para cada situação, há uma possibilidade de uma intervenção. Então, isso deve ser considerado.
Há uma relação estreita entre vegetação e recurso hídrico; há uma relação estreita entre a agricultura no Semiárido e conservação de recursos naturais; então, para tudo que venha a ser feito, para qualquer intervenção nesse ambiente frágil, é necessário que se considerem essas questões, ou seja, que se considere que a gente está em um ambiente muito diverso e que alterar essas condições também pode ter repercussões que a gente não espera.
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Por exemplo, uma das questões que a gente considera na agricultura agroecológica como primeiro passo nesse processo de conservar os recursos do bioma é recuperar os serviços ambientais, ou seja, antes de fazer agricultura, a recuperação dos serviços ambientais é essencial para criar as condições de o agroecossistema reproduzir a vida. Então, isso deve ser levado em consideração antes de qualquer coisa. Mas, acima de qualquer questão, o ambiente precisa hoje necessariamente barrar o desmatamento, ou seja, a supressão florestal; precisa recuperar alguns desses ambientes. Na situação de desertificação do Brasil, a gente tem três grandes polos onde a desertificação atingiu sua situação mais severa. Essa é uma questão que a gente precisa considerar.
E o que é bom nisso tudo? É que a gente pode aliar ações de recuperação das condições ambientais com ações de melhoria da vida das pessoas, ou seja, você tem condição de erradicar a pobreza, melhorar as condições de vida das pessoas, melhorando o ambiente. Isso a gente deveria levar em consideração e, obviamente, levando em consideração tudo o que os especialistas falaram. Por exemplo, ao invés de queimar a Caatinga para fazer tijolo, é muito mais interessante buscar os potenciais farmacológicos, oleaginosos desse potencial todo natural. E por aí vai.
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigada, Professor. E me desculpe porque eu esqueci de pactuar o tempo, mas a gente está prevendo três minutos para essas considerações finais.
Passo a palavra agora para John Elton, Professor da Universidade de Campina Grande, para os seus três minutos finais.
O SR. JOHN ELTON (Para expor. Por videoconferência.) - Em relação às perguntas que foram feitas, foram tantas... Algumas eu acho que terminaram casando um pouco com o que foi apresentado.
Uma delas pergunta aqui sobre as consequências do desmatamento para o clima, que foi um tema que eu tentei abordar na minha apresentação, porque a gente percebe que os serviços ambientais... Como o Afonso destacou, os recursos hídricos seriam tremendamente impactados com a perda da floresta. E tem uma supressão muito grande de floresta nessas áreas, muitas vezes com atividade de baixo retorno.
Eu presencio muitos caminhões passando com toras, ainda, de madeiras, e a gente fica abismado com a perda que é, porque isso demora muito tempo para recuperar.
E aí isso vai ter impacto direto na disponibilidade hídrica na região. Então, como eu estava falando, em se tendo mais florestas presentes na área de Caatinga, como ela é adaptada às condições climáticas, ela consegue controlar melhor a umidade. Em uma área que não tem vegetação, toda a radiação, toda a transferência de calor que chega para aquele local é motivo de levar água para a atmosfera. Na mata, não. Ela controla, ela está acostumada com isso. Então, ela fecha estômatos, não libera água naquele momento, e isso conserva água naquele local. Então, fica mais água disponível no rio para as vidas.
A outra questão é que, sem a mata, o sedimento aumenta muito e isso reduz a nossa capacidade de armazenamento do manancial.
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Além disso, chega uma carga poluidora de nitrogênio - poluidora, porque é natural, mas terminam indo muitos nutrientes para a água, e a gente vê um reservatório com muita eutrofização. Então, vai ter um custo maior para o tratamento de água.
Então, eu acho importante a gente perceber a mata também com o benefício que ela presta e o valor que ela tem econômico...
(Soa a campainha.)
O SR. JOHN ELTON (Por videoconferência.) - ... porque, nesse mundo capitalista, a gente tem que monetizar as coisas para poder, de fato, chegar a um bom termo e ter uma política de compensação para quem protege de fato.
Eu acho que a Caatinga pode ser um ambiente muito estratégico para isso. Como eu falei, tem muitas atividades que são de baixo retorno econômico. Então, você poderia, talvez, ainda com baixo valor, conseguir um efeito enorme.
Como a gente monitora algumas áreas por satélites, a gente percebe que houve, ao longo da década de 2000 a 2010, uma melhoria da vegetação. Teve mais áreas sendo abandonadas da prática agrícola mais predatória e aí elas foram se recuperando... Isso talvez tenha sido já por mudanças como o Bolsa Família - ou coisas do tipo -, que incentivou as pessoas a deixar algumas práticas como queimar a madeira ou vender o carvão, por exemplo. Então, isso é um dos pontos.
O outro que eu vou insistir - é o finalzinho, porque eu sei que passou o tempo -: é preciso ter experimentos de longo prazo. Dentro de um ambiente tão variável como é a Caatinga, a gente precisa ter experimentos mais seguros - é você ter por dez anos monitoramento -, e não ficar sempre dependendo da escassez que acontece de recursos e tudo para. Manter esses experimentos por 40 anos foi um desafio enorme para o meu grupo. E eu vivenciei isso aqui na prática com o desafio de manter isso. Então, é muito importante para a ciência ter estudo de longo prazo.
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigada, Professor.
Agora, vamos para as exposições presenciais aqui na nossa sala da Comissão, passando para a Profa. Márcia Vanusa da Silva, pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco, para suas considerações.
A SRA. MÁRCIA VANUSA DA SILVA (Para expor.) - Primeiro, é uma alegria a gente finalizar mostrando toda essa potencialidade de vários aspectos aqui tão bem descrita pelos companheiros de forma online e presencial; mas, enquanto pesquisadora e professora universitária, a gente gostaria de destacar a quantidade de universidades e centros descentralizados de Reuni, do programa muito forte das universidades irem para o interior, principalmente nos Governos Lula e Dilma.
A gente tem um potencial, Senadora, de pesquisa que eu acho que é muito pouco explorado - explorado no sentido de ir buscar, de catalogar, de ver o potencial dessas plantas. Então, a gente poderia fazer um pacto das universidades do Nordeste de se debruçarem nas suas diferentes características, e a gente se debruçar, de fato, a valorizar esse bioma, que, na minha opinião, é um ouro ainda desconhecido.
Só vou destacar aqui, para vocês terem uma ideia, que a gente tem uma planta que é emblemática, nativa do bioma, que é o licuri, Syagrus coronata, cujo óleo tem uma assinatura química de um ácido graxo de cadeia média, o ácido láurico, que no mundo vale US$1,4 bilhão. Então, ele tem um valor... Não precisa a gente ir buscar um valor para ele; já existe um valor mundial de ingrediente para a indústria farmacêutica. E nem a indústria farmacêutica nacional, nem a mundial conhecem que essa espécie, nativa de Caatinga, é uma grande produtora desse ingrediente. Fora outras; o licuri é uma só das centenas de espécies nativas de Caatinga já adaptadas a todas essas limitações de fertilidade do solo, de precipitação, que já estão lá.
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Elas só precisam ser catalogadas, e precisa ser destacado o seu valor. E elas estão lá pela presença muito forte do povo que lá vive.
(Soa a campainha.)
A SRA. MÁRCIA VANUSA DA SILVA - Então, muito obrigada.
Eu acho que essa tarde foi muito enriquecedora. E a gente precisa, Senadora, avançar nessas políticas públicas. E conte com a universidade, conte com a pesquisa, que agora voltam muito fortes com o nosso Governo atual.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigada, Professora.
Passo a palavra agora para a representante da Embrapa Semiárido - Petrolina, Maria Auxiliadora Coêlho de Lima.
A SRA. MARIA AUXILIADORA COÊLHO DE LIMA (Para expor.) - Obrigada, Senadora.
Eu vou aproveitar a pergunta aqui sobre as iniciativas que estão sendo tomadas para melhorar a convivência com o Semiárido para tentar resumir um pouco... não exatamente do que foi falado aqui, porque tem muita coisa - a gente sabe disso e concorda com a Profa. Márcia - para se fazer e muita gente a agregar nessa caminhada.
Quando se fala em convivência com o Semiárido, a gente está falando desses componentes: de considerar o bioma, considerar as espécies e as condições de recursos naturais que nós temos e a inclusão produtiva; a gente está falando do homem nesse seu ambiente. E ele tem, obviamente, que melhorar a sua condição de renda e ter dignidade nessa convivência com o Semiárido. Então, a gente está falando de estratégias que envolvem particularmente uma oferta hídrica ou uma segurança hídrica para essas comunidades rurais. A partir daí, a gente trabalha uma série de outras estratégias. Então, as tecnologias de captação, o manejo e o uso de água de chuva são base para que a gente possa investir em diversas outras...
(Soa a campainha.)
A SRA. MARIA AUXILIADORA COÊLHO DE LIMA - ... inclusive nas estratégias de preservação, quando a gente pensa em multiplicação de espécies, em uma distribuição mais equilibrada dessas espécies no campo.
Então, tudo isso parte de a gente trabalhar como o extrativismo racional, como uma atividade de produção sustentável e integrada com o ambiente, integrada com o bioma podem fazer parte desse contexto da convivência com o Semiárido. Não é apenas a produção agrícola, a produção pecuária em si, mas é a produção agrícola, a pecuária e o extrativismo nesse contexto de diversidade, nesse contexto de uso responsável do bioma, utilizando as espécies de potencial que já existem no Semiárido como uma forma de integrar o homem e oferecer para ele condições básicas de constituir sua família com dignidade a partir dessa integração.
Então, o conceito de bioeconomia da Caatinga traz isso, e ele pode ser fortalecido como uma bandeira forte. A gente tem a bioeconomia da Amazônia como uma bandeira muito nítida ultimamente; a da Caatinga é equivalente, e a gente tem que trabalhar por ela também.
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Muito obrigada, Auxiliadora.
Antes de passar para o Marinho, que vai encerrar também com versos, quero rapidamente fazer uma síntese de alguns aspectos importantes que nós discutimos aqui e que vão exigir posicionamentos desta Comissão, que evidentemente serão feitos já que a nossa Presidenta é bastante envolvida com essas questões.
Eu acho que as falas foram ricas e complementares. Isso é importante, porque dá uma dimensão do nosso desafio. E eu destacaria que três aspectos foram abordados por todos e por todas.
A necessidade da pesquisa. E acho que esse pacto é fundamental. Nós tivemos aqui a presença de duas universidades, a de Campina Grande e a Federal de Pernambuco, mas temos tantas outras, que inclusive foram citadas como espaços importantes de fazer pesquisas de longo prazo.
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O compartilhamento, mais do que a socialização, de toda essa riqueza que, como foi dito por algum dos expositores - acho que foi Márcia -, é na base da oralidade. E toda a cultura da oralidade tem essa riqueza do compartilhamento pessoal, com as experiências de vida, que pode se transformar evidentemente em uma riqueza mais ampla.
E a necessidade de formação, desde a escola até as universidades, de quem vive no cotidiano esse bioma.
Portanto, nós temos a considerar a força potencial da Caatinga, as suas potencialidades e as condições necessárias e urgentes de políticas públicas que possam responder a toda essa necessidade que foi dita aqui.
E, por fim, um informe gastronômico. Quem nunca comeu coma quatro frutinhas que eu vou citar, todas elas pequeninas, todas elas redondinhas, todas elas da Caatinga e todas elas muitíssimo saborosas: araçá, umbu, seriguela e pitomba. Eu tenho uma memória afetiva muito grande com essas frutinhas. E quem não experimentou, indo para as bandas de lá, experimente, porque são todas elas muito deliciosas.
Então, passo a palavra para o nosso... (Pausa.)
Eita, misericórdia! (Risos.)
Eu vi aquele movimento aqui e pensava que todo mundo já tinha falado.
Então, vamos voltar para o nosso querido Alexandre Pires fazer os três minutos de considerações. Depois, então, eu passo para Antonio Marinho.
O SR. ALEXANDRE PIRES (Para expor.) - É, vamos comigo, que é melhor terminar com poesia - sempre é muito bom começar e terminar com poesia. (Risos.)
Então, eu quero, mais uma vez, agradecer à Senadora Teresa pelo convite e à Comissão do Meio Ambiente do Senado.
Quero colocar, para a ASA, Afonso, para o Insa, para a Federal de Campina Grande, Federal de Pernambuco, para a Embrapa, para o Ministério da Cultura e também para o Senado, a disposição do nosso Departamento de Combate à Desertificação. A gente tem um desafio gigante dentro do MMA, que é trazer a pauta da Caatinga para um lugar de cuidado e de atenção, sobretudo pelo fato de a gente ter uma convenção das Nações Unidas, que é a convenção que discute o combate à desertificação, que está vinculada à política nacional e a toda essa estratégia de a gente ter uma estrutura dentro do ministério, que é esse departamento, para cuidar dessa agenda, entendendo que essa é uma agenda importante. Ela é uma agenda estratégica, eu diria, para a questão ambiental, entendendo a questão ambiental como uma questão fundamental para o cuidado com a vida das pessoas, com o nosso planeta, com a questão hídrica, com a segurança alimentar, com a geração de renda para o nosso povo, e é uma prioridade para o Governo do Presidente Lula. Não é à toa que a gente está no esforço exatamente de pensar um conjunto de iniciativas que toque essa dimensão e tenha esse cuidado com a Caatinga, com o plano de preservação da Caatinga e de combate ao desmatamento.
Eu quero dizer que saiu pergunta sobre o desmatamento da Caatinga. É muito importante a gente ter atenção a isso.
Existem competências diferentes entre o Governo Federal e o Governo dos estados. E esses planos de combate ao desmatamento, tanto da Amazônia quanto dos outros biomas, que estão sendo construídos são um grande esforço do Governo de coordenar essa política de combate ao desmatamento, em diálogo, inclusive, com os outros entes federados...
(Soa a campainha.)
R
O SR. ALEXANDRE PIRES - ... que são os governos dos estados e dos municípios. Então, o desafio da gente é pensar como estruturar um sistema nacional de combate ao desmatamento, considerando, inclusive, as perdas que a gente teve, nesse ciclo último, de desmonte das políticas e dos instrumentos de gestão das políticas de combate ao desmatamento e de fiscalização.
E, claro - acho que tem uma pergunta do Itamar, lá de Pernambuco, que fala sobre convivência com o Semiárido -, acho que o Governo está retomando um conjunto de políticas públicas, como Programa Cisternas; o Plano Safra para a agricultura familiar, que tem um impacto direto na agenda do Semiárido e da Caatinga; o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); a retomada do valor melhor do Pnae na compra da agricultura familiar pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar. Então, tem uma série de medidas sendo tomadas. O nosso ministério está retomando a Política de Combate à Desertificação. E isso tudo, em grande medida, é uma contribuição ou uma ação do Estado para a agenda da política de convivência com o Semiárido nesse próximo ciclo nosso.
Acho que é isso que eu queria colocar.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Obrigada, Alexandre. Desculpe-me.
Agora, sim, vamos encerrar com os nossos três minutos de poesia.
O SR. ANTONIO MARINHO (Para expor.) - Muito bem. Eu vou fazer ligeirinho para não chegar na cigarra aí de um minuto, porque eu fui me levantando umas três vezes aqui, durante a sessão, pensando que era o recreio. (Risos.)
Eu, acostumado com a cigarra do recreio que tocava, eu ia me levantando; mas era o negócio do tempo.
Antes do poema, eu queria completar a sugestão de nossa Senadora das quatro frutinhas: quem gostar e apreciar pode acompanhar essas frutas com uma lapadinha de cachaça. Fica bom que é a peste! Viu, rapaz? Um umbuzinho, um cajuzinho, pitomba, seriguela... A gente chama de pé de tira-gosto, no Sertão, essas coisas.
Muito bem. Eu quero encerrar, gente, com uma poesia de Brás Costa, um poeta de lá de São José do Egito; poeta e padre; residente aqui no Distrito Federal, inclusive; um filho do Semiárido, da zona rural. E quero, como introdução do poema, dizer que toda generalização é complicada e, eu diria, até irresponsável. A gente não pode generalizar nada. Mas, que a carapuça caia onde couber.
Brás Costa, meu amigo, disse assim:
Irmã seca injustiçada
Venho te pedir perdão,
Pelos golpes e insultos
E as culpas que te dão.
Dizem que és inclemente
Causticante, e renitente,
Isenta de piedade.
Doadora de sobejos,
Madrasta dos sertanejos,
E mãe da calamidade.
És da fome promotora
Da sede fonte perene,
A maior acionista
Da indústria da Sudene.
Do desespero és a farra,
Inspiração da cigarra,
Patrocínio da discórdia.
Tu és causa de gemido.
Pra sertanejo ferido:
Tiro de misericórdia.
Mas na verdade irmã seca,
Tu não tens culpa de nada.
És bode expiatório,
De uma política safada.
Que diz que só faz o bem,
Roubando de quem não tem,
Depois usando teu nome.
Cria leis só para alguns,
Leis que enriquecem uns,
E matam muitos de fome.
Não irmã, tu não tens culpa
És um fator natural,
No meu nordeste tem seca
Mas é seca de moral.
Temos uma seca crítica
Mas é seca de política
Que almeje o bem comum.
E não nos dê duras penas
Mate de fome centenas
Para saciar só um.
R
Desculpe irmã [...] [os] insultos,
Acusas e maldições.
Protestos que tu recebes
Dos cariris aos sertões
O desespero e a mágoa
Não são por falta de água
E pão que a todos comove.
É por que gente que sonha
E político de vergonha
Há muito tempo não chove.
Viva a Caatinga! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Teresa Leitão. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Viva a Caatinga!
Não havendo mais nada a tratar, agradeço a presença de todos os que estiveram aqui conosco na sala e os que nos acompanharam pela TV Senado. Agradeço, de maneira especial, à Presidenta desta Comissão, Senadora Leila Barros; ao Senador Confúcio; a toda a assessoria da Comissão de Meio Ambiente, que nos ajudou a viabilizar esta audiência.
Declaro, portanto, encerrada a presente reunião.
Boa tarde.
(Iniciada às 14 horas e 15 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 21 minutos.)