Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. PDT - DF. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 9ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 5ª Legislatura, que se realiza nesta data, 10 de maio de 2023. Comunico que foi apresentado à Comissão o seguinte documento: Ofício GPDL 0424/2023, da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, contendo moção de apelo ao Congresso Nacional para que revise o art. 1º da Lei Federal 11.460, de 2007, possibilitando o plantio de transgênicos em unidades de conservação. Nos termos da Instrução Normativa nº 12, de 2019, da Secretaria-Geral da Mesa, o documento estará disponível para consulta no site desta Comissão, na internet, pelo prazo de 15 dias, podendo ser solicitada pelos membros a correspondente autuação até lá. Começo essa minha breve fala com o trecho da música Coisas da Vida, que, inclusive, é uma das minhas preferidas da inesquecível Rita Lee: "Eu não tenho muito o que perder, por isso, jogo". Ontem perdemos dois grandes nomes do nosso país. Com Rita Lee, perdemos também o saudoso ex-Deputado David Miranda. Os dois foram figuras que lutaram muito pela garantia do nosso direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ele foi um nome relevante, na última legislatura, na luta pela garantia de cuidados mínimos na pandemia e pelo respeito ao meio ambiente. Sua luta pela vida emocionou e ainda emociona a todos nós. Já ela escreveu quatro livros infantis para ensinar o respeito aos animais, às plantas e ao meio ambiente como um todo. Ela também atuava no resgate de animais abandonados e, através de sua música, a primeira que compôs ao sair de Os Mutantes, reforçou a importância do respeito à nossa mamãe natureza. |
| R | Assim como Rita, e tenho certeza de que David também, eu estou no colo da mãe natureza, e ela toma conta da minha cabeça. E espero que esta Casa também volte a pensar assim, espero que o país se volte ao colo da mãe natureza e que a deixemos tomar conta da nossa cabeça. Na audiência pública de hoje, debateremos sobre um assunto de extrema relevância e urgência - a política mineral no Brasil precisa ser revisitada e redesenhada. Nos últimos meses, com a ação emergencial do novo Governo, pudemos ter a dimensão da complexa situação que o garimpo ilegal instaurou na Terra Indígena Yanomami e sabemos que esse não é um caso isolado, nas comunidades não só indígenas, mas em todo o território nacional existem esses problemas. Problemas complexos exigem soluções complexas. Qual é o legado que a atividade minerária tem deixado para o nosso país? Não se contesta aqui a importância do setor, mas, assim como em qualquer atividade produtiva, é preciso respeitar limites ecológicos para garantir o nosso direito constitucional a um meio ambiente ecologicamente equilibrado para essas e futuras gerações. Na esperança de um diálogo propositivo e esclarecedor, desejo a todos uma ótima audiência pública. A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com o objetivo de debater sobre a política mineral no Brasil. A audiência foi requerida com o objetivo de dar publicidade ao relatório elaborado pelos Observatório da Mineração e Sinal de Fumaça, organizações da sociedade civil que tratam o tema. Em atenção ao Requerimento nº 22, da CMA, de minha autoria, eu convido para tomar lugar à mesa a Sra. Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA). (Intervenção fora do microfone.) A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Maurício Ângelo, fundador e Diretor do Observatório da Mineração. Obrigada, Doutor. (Pausa.) Suely Araújo, especialista sênior em Políticas Públicas. (Pausa.) André Marques, Ouvidor da Agência Nacional de Mineração. (Pausa.) Também vão participar, por videoconferência, a Sra. Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA) e a Sra. Rebeca Lerer, fundadora do Sinal de Fumaça. Antes de passar a palavra aos nossos convidados, eu comunico que esta reunião está sendo interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, no endereço senado.leg.br/e-cidadania, ou pelo telefone 0800 0612211. O relatório completo de todas as manifestações estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos nossos expositores. |
| R | Na exposição inicial, cada convidado poderá ter o uso da palavra por dez minutos; e é claro que nós não vamos interrompê-los, então, fiquem à vontade. E, para que os nossos convidados possam responder ao longo de suas exposições a algumas dessas perguntas, ao final de suas exposições, eu vou proceder às perguntas que vierem pelo portal e pelo telefone. Muito obrigada. Então, eu vou passar a palavra para o primeiro expositor, o Sr. Maurício Ângelo, que é o fundador e Diretor do Observatório da Mineração. Seja bem-vindo, Sr. Maurício. O SR. MAURÍCIO ÂNGELO (Para expor.) - Muito obrigado, Senadora Leila, pelo convite, pela oportunidade de estar aqui. Bom, eu sou jornalista, fundei o Observatório da Mineração em 2015, com o objetivo justamente de acompanhar a política mineral no Brasil, e, desde então, nesses quase oito anos, eu acompanho todos os dias o setor e estou bastante acostumado com os argumentos normalmente utilizados pelas mineradoras, pelos políticos envolvidos na cadeia mineral. E o objetivo do relatório, além de colocar em perspectiva os quatro anos do Governo Jair Bolsonaro na política mineral, é também contribuir com a reflexão sobre esse modelo. O que é que o Brasil quer na política mineral para o país, que modelo de desenvolvimento o Brasil quer atualmente? Porque, quando a gente fala em mineração, do que é que estamos falando exatamente? Que setor é esse? Quem são essas pessoas? O que é que tem acontecido nesses anos? Então, é importante lembrar que, de 2015 para cá, nós tivemos o rompimento da barragem de Mariana, que é considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil; o rompimento da barragem de Brumadinho, da Vale, que matou 270 pessoas, considerado o pior acidente de trabalho da história do Brasil; o maior desastre em área urbana no mundo, da Braskem, em Maceió; além da crise humanitária, que todos estão acompanhando atualmente, na Terra Indígena Yanomami, mas também em outras na Amazônia: na Mundurucu, na Caiapó etc.; a situação do garimpo, que começou a ser combatida agora, começou a ser "resolvida", entre aspas - por ser um problema muito complexo, vai levar ainda muito tempo e demanda o esforço coordenado de muita gente para se resolver. Apesar de tudo isso, o setor é relevante? Sim, ele é, mas é importante lembrar que a mineração representa 1,2% do PIB do Brasil, segundo o Ipea. Se você colocar a siderurgia, chegamos a 3%, dados do Ipea de 2021. E o setor minero-siderúrgico consome 11% da eletricidade produzida no país. Representa 3% - somando mineração e siderurgia -, consome 11% da eletricidade e emite mais de 107 milhões de toneladas de CO2, e gera 200 mil empregos diretos; isso são dados do Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), que representa as maiores mineradoras do país. O peso do agro e da mineração em empregos caiu de 21%, em 2000, para 12,9% atualmente, dados do IBGE de 2020. Então, assim, é importante colocar em perspectiva: vale quanto pesa? No que é que a mineração está, de fato, contribuindo para o país? Qual é o legado nas principais cidades mineradoras de Minas Gerais, do Pará, na Bahia, de Goiás, no Mato Grosso? Estou falando aqui da mineração industrial e também do garimpo. A questão do garimpo, realmente, chamou a atenção este ano. O Governo começou a resolver isso, mas você precisa oferecer alternativas econômicas. E mesmo as cidades que vivem da mineração do garimpo há muitas décadas, na verdade, não têm um desenvolvimento humano superior a outras, ou seja, mesmo do ponto de vista econômico, o garimpo e a mineração não legaram um maior desenvolvimento para essas pessoas. |
| R | E eu vejo muito, por exemplo, o discurso de que a mineração pode ser sustentável, inclusive recentemente foi lançada a Frente Parlamentar da Mineração Sustentável. A verdade, infelizmente, é que mineração sustentável não existe. Não há nenhum exemplo que eu possa citar de uma empresa, em alguma região, cuja atividade seja sustentável, porque estamos falando de uma atividade que é, em si, destrutiva, estamos falando de uma atividade que remove montanhas, destrói montanhas, destrói rios, muitas vezes de maneira irreversível. Para você recuperar essas áreas... O garimpo, por exemplo, destruiu centenas de quilômetros de rios na Amazônia. Imagino que todos aqui já tenham visto imagens aéreas de como é que ficam esses rios. As minas em Minas Gerais, as cavas: você não recupera uma área dessa, você não recupera, uma montanha não volta à vida. Então, considerando isso, considerando todo o impacto, que é irreversível, da mineração, seria razoável esperar que, do ponto de vista econômico, desse algum retorno. Ocorre que a mineração, além disso, tem muitos subsídios fiscais, que é outro assunto que quase nunca é dito. Na Amazônia e fora da Amazônia, há um acúmulo de subsídios e incentivos fiscais que as empresas recebem. E hoje nós estamos vivendo, por exemplo, a questão dos minerais críticos. O Brasil, a América Latina, a África, países africanos principalmente, serão os responsáveis por suprir o mundo com esses minerais, minerais que são essenciais para a transição energética, que são essenciais também para as energias renováveis, eólica, solar, carros elétricos. E o Brasil está vivendo uma expansão muito grande nesse setor nos últimos anos, com políticas públicas voltadas para isso, foi uma tônica do Governo Bolsonaro e continua sendo uma tônica do Governo Lula. Essa é uma oportunidade justamente para repensar esse modelo. A expansão da exploração desses minerais críticos, que vai aumentar muito, não pode seguir o mesmo modelo que, repito, nos legou desastres terríveis, como os que já foram citados aqui. Se você apenas replicar esse modelo para esses novos minerais ou expandir a capacidade que o país hoje tem de fornecer matéria prima para a indústria mundial... Quando a gente fala de mineração, está falando de uma cadeia que é mundial, global, isso não fica no Brasil; ao contrário, são empresas multinacionais, a cadeia global da mineração é mundial, então o Brasil fornece matéria-prima essencial para todas as principais indústrias do mundo. Essa exploração de minerais críticos não pode ficar restrita a uma maquiagem verde, como a gente chama, o tal do greenwashing, então é preciso repensar o modelo mineral brasileiro. O setor, nos últimos anos, bateu recordes de faturamento, mesmo na pandemia. O Governo Bolsonaro considerou a mineração atividade essencial logo no início da pandemia, em março de 2020, e o setor lucrou, em 2021, R$339 bilhões, por exemplo; em 2022, R$250 bilhões. São os maiores índices da história, nunca se lucrou tanto fazendo mineração no Brasil quanto agora. O mundo está no meio de um boom de commodities. Será que esse dinheiro não pode, em parte, ser revertido para o bem-estar das comunidades, para pensar em alternativas econômicas à mineração? Porque estamos falando de uma atividade que é finita, a mineração não dura para sempre. As principais minas em cidades de Minas Gerais, muitas delas, vão acabar em poucos anos, em 2030, por exemplo, como Paracatu, que fica aqui ao lado. E o que é que fica para essas cidades? Os exemplos históricos que nós temos dão conta de que muitas vezes essas cidades ficam reféns da mineração, a exploração acaba, você tem um passivo ambiental muito grande, a empresa vai embora, você perde os empregos, e a cidade não tem alternativa, não pensou em alternativa. Então o recurso da Cfem, por exemplo, que é uma discussão importante, ou seja, a compensação que as empresas pagam justamente porque estamos falando de uma atividade que é muito danosa, nociva, deveria ser em parte usado para pensar alternativas, para já começar a compensar esse passivo ambiental, para que a cidade consiga viver sem aquela empresa que muito em breve, em alguns casos, vai deixar de operar ali. Isso não acontece hoje. Então, é preciso regras mais rígidas, por exemplo, para a Cfem. Os municípios, que recebem a maior parte desses recursos, não podem aplicar a Cfem do jeito que eles querem, sem uma transparência mínima, utilizando esses recursos em áreas de salários questionáveis de funcionários, por exemplo. |
| R | O relatório coloca em perspectiva a política do Governo Bolsonaro, que teve o viés ultraliberal, que acompanhou o Ministério da Economia. Você teve a atuação do Bento Albuquerque, que era um Almirante da Marinha. O Governo ampliou muito os incentivos financeiros para a mineração, facilitou a especulação minerária. O Ministério de Minas e Energia tem um programa voltado para isso, o Programa Mineração e Desenvolvimento foi lançado basicamente atendendo aos interesses do setor mineral, literalmente ditados por esse setor, são mais de cem metas, que ainda estão em vigor, que foram ditadas pelos interesses do setor mineral, sem participação da sociedade. Tudo bem, as empresas têm que ser ouvidas, o setor tem que ser ouvido, mas a sociedade precisa também ter um mínimo de abertura, de influência nessas políticas públicas... (Soa a campainha.) O SR. MAURÍCIO ÂNGELO - ... senão fica extremamente restrito, você tem um controle muito grande. O acesso que obviamente essas mineradoras, lobistas têm aqui em Brasília é muito maior do que a possibilidade de que outras instituições da sociedade civil, movimentos sociais têm. Então essas políticas são definidas a portas fechadas e não se revertem, como a gente fala, em bem-estar, em desenvolvimento humano, social, econômico. O Governo Bolsonaro deu acesso livre ao lobby do garimpo em Brasília. Eu cobri muito, teve inúmeras reuniões a portas fechadas para incentivar, por exemplo, mineração em terra indígena. Então, enquanto o povo ianomâmi, as lideranças ianomâmis vinham a Brasília se reunir com o Hamilton Mourão, por exemplo, que hoje é Senador, o Governo estava articulando para aprovar formalmente a mineração e o garimpo em terra indígena. Isso é razoável? A Funai inclusive estava fazendo isto: reuniões a portas fechadas com esse objetivo, incentivando lideranças indígenas a pressionar Deputados, Parlamentares, para aprovar o garimpo em terra indígena. O Governo sabia muitíssimo bem do que estava acontecendo na Terra Indígena Yanomami e em outras na Amazônia. Teve lideranças falando olho no olho para o Governo o que acontecia, tinha relatórios muito detalhados, inclusive com morte de crianças. Essas centenas de mortes de crianças na TI não foram descobertas apenas hoje, já se sabia disso em anos anteriores e não causou nenhum estardalhaço, comoção, não gerou nenhuma ação do Governo. Por que não gerou? Porque o Governo estava empenhado em aprovar, por exemplo, o PL 191, em 2020, que mencionei aqui, de autoria do Bento Albuquerque, de Sergio Moro e de Jair Bolsonaro. Esse PL foi engavetado agora, mas a gente sabe que há articulações para encaminhar outros projetos de lei com esse objetivo. Então é razoável, considerando o histórico que a mineração no Brasil tem, que acabei de citar, é razoável que você realmente abra terras indígenas para mineração industrial, garimpo, agronegócio, hidrelétricas. O Brasil precisa disso, é esse modelo que a gente quer? O país se empenhou em rodadas de negócio fora daqui, no Canadá principalmente, para atrair empresas estrangeiras com esse objetivo, criou uma política de minerais estratégicos, já disse que tem a ver com esses minerais críticos, mas favorecendo empresas que têm um passivo ambiental muito grande que não é segredo para ninguém. Se você analisar o histórico dessas empresas, mesmo assim elas conseguiram um tratamento especial dentro do Governo. Os subsídios bilionários para a indústria do carvão, que foram aprovados pelo Governo Bolsonaro. Esse é o caminho que o país quer para seguir na transição energética justa, razoável, que gere impacto positivo para a sociedade? O aumento em 600% do garimpo em terras indígenas na última década, principalmente durante o Governo Jair Bolsonaro. |
| R | O Ministério de Minas e Energia, por exemplo, defende revisão de um parecer da AGU para permitir mineração em florestas nacionais. Então, é razoável... (Soa a campainha.) O SR. MAURÍCIO ÂNGELO - ... nós abrirmos todas as terras indígenas, florestas nacionais e outras áreas de importância estratégica para a atividade mineral? Me parece que não. Então, esses são meus comentários iniciais. É um setor realmente complexo. É um setor que merece, e que precisa ser muito mais debatido do que ele é, publicamente. Então, eu agradeço a oportunidade de estar aqui. Espero podermos entrar em outros pontos muito importantes. Obrigado. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada pela participação, Sr. Maurício. Antes, eu quero cumprimentar o Senador Giordano, que está presente aqui na nossa audiência, Senador pelo Estado de São Paulo, e o Senador Jaime Bagattoli, que é do Estado de Roraima. Sejam muito bem-vindos... Rondônia, desculpa. Rondônia, me desculpa, Senador. Sejam bem-vindos. Vou passar a palavra agora para a Sra. Rebeca Lerer, que é do Instituto Sinal de Fumaça. Seja bem-vinda, Sra. Rebeca. A SRA. REBECA LERER (Por videoconferência.) - Bom dia. Bom dia, Senadora e presentes. Obrigada pelo convite e pela oportunidade de participar desta audiência. Bom, meu nome é Rebeca Lerer. Eu sou jornalista, ativista de direitos humanos, atuo na comunicação de causas socioambientais desde 1996. E em 2020, nós criamos o monitor Sinal de Fumaça, que é um site que organizou quase 700 notícias no formato de uma linha do tempo justamente para acompanhar o agravamento da crise socioambiental, a chamada "boiada", como foi verbalizado numa reunião interministerial, durante a gestão de Jair Bolsonaro. A gente percebeu logo cedo que tanto a área socioambiental como outras áreas das políticas públicas brasileiras estavam sofrendo uma verdadeira doutrina de choque, com desregulamentação, esvaziamento das agências de controle civil, erosão dos mecanismos de governança, de participação social, de transparência, criminalização de movimentos sociais, além de discursos de ódio, de desinformação. Uma mistura de táticas muito agressivas, ao mesmo tempo em que existia uma estratégia de lobby bastante sofisticada para avançar projetos de lei, decretos, medidas provisórias que facilitassem o acesso a terras no Brasil, vinculado a um projeto político muito predatório do uso da terra no Brasil, tanto para atividades agropecuárias quanto para a mineração. Então, durante o nosso monitoramento, a gente foi percebendo que, embora houvesse uma atenção da sociedade para essa "boiada", a política mineral - com exceção do escândalo do garimpo em terra indígena - das grandes empresas transnacionais, dos minerais estratégicos, de mudanças na lei, da abertura para exploração privada de minerais como o urânio, por exemplo, estava sendo pouco documentado e pouco debatido pela sociedade. |
| R | Então, a gente juntou forças com o Observatório da Mineração, que faz esse acompanhamento especializado, e, junto com o nosso acompanhamento cronológico, geramos esse relatório "Dinamite pura", que traz esse panorama do que aconteceu na política mineral, entre 2018 e 2022: mostra o que a gente concluiu analisando essa linha do tempo que é o total descontrole no uso da terra para a mineração no Brasil; os casos mais extremos, como as crises humanitárias que a gente vê em terras indígenas, não só no território ianomâmi, mas na região dos mundurucus no Pará, dos caiapós, na região do Rio Madeira; e outros projetos minerais, como o da Potássio Brasil, que ameaçam povos como os muras, todo o transporte de minério de ferro que é feito pelo Pará e pelo Maranhão afetando centenas de comunidades rurais e tradicionais. No nosso relatório, a gente traz o dado de que a atividade mineral impacta cerca de 700 mil pessoas por ano no Brasil, não só com a poluição da água e do solo, mas com problemas graves de saúde, de contaminação por mercúrio, por materiais radioativos, pessoas que são atingidas diretamente por barragens e vivem sob esse espectro de novos desastres e crimes ambientais envolvendo barragens de rejeitos de mineração. A gente ainda se vê preso numa discussão sobre se a mineração pode ser sustentável ou não, quando a gente deveria estar discutindo, como ele também colocou, qual é a estratégia do Brasil de longo prazo, de médio-longo prazo, que contemple a emergência climática que está colocada sobre nós, para a gente fazer uma transição econômica, social, energética na maneira como a gente usa a terra nesse país, rumo a uma economia de baixo carbono com justiça climática. Então, como que a gente, nesse momento de retomada da governança brasileira, vai cumprir as garantias constitucionais que até hoje não foram cumpridas incluindo aí a demarcação de todas as terras indígenas, a titulação de todos os quilombos, a criação das unidades de conservação, das reservas extrativistas tanto na Amazônia, como no Cerrado, na Mata Atlântica, na Caatinga, em todos os biomas? Como que a gente vai garantir a proteção dessas populações tradicionais, cujo direito à terra está sacramentado na Constituição Federal? Como que a gente vai garantir a saúde dessas populações? A saúde pública é um outro direito garantido na Constituição. Há a Lei da Reforma Agrária, que agora querem discutir novamente, uma reforma agrária popular que nunca foi 100% implementada no Brasil. E a gente ainda convivendo com ameaças legislativas, como o PL do licenciamento ambiental, que tem tudo a ver com esses grandes projetos de mineração. A quem interessa enfraquecer o licenciamento ambiental, numa situação já bastante catastrófica e de violação de direitos humanos e territoriais tanto do setor agropecuário, quanto do setor mineral e de outros grandes empreendimentos, quanto todo esse pacote legislativo que visa a incentivar a exploração em terras indígenas e outras áreas de conservação, como as florestas nacionais? |
| R | Então, cumprindo o nosso trabalho de sociedade civil de prestar testemunho qualificado e documentar a realidade, com base nos melhores dados científicos disponíveis e ouvindo as comunidades diretamente impactadas, a gente trouxe esse documento para chamar a atenção de todos vocês, para que a gente coletivamente consiga buscar as melhores respostas para colocar o Brasil no caminho de um desenvolvimento sólido, com inclusão, com geração de emprego de qualidade, de renda, de formação para o povo brasileiro que rompa com esse ciclo ainda bastante colonial de exploração de commodities primárias, que gera pouco emprego e deixa pouco valor agregado para nós brasileiros. E ainda convivemos com todos esses riscos e impactos negativos da política mineral da forma como ela é feita hoje, há muito tempo, não é? E deu uma piorada forte aí nesses últimos quatro anos. Então, para abrir minha participação aqui na audiência, era essa a minha primeira mensagem. Mais uma vez, agradeço o espaço, a oportunidade e estou à disposição. Muito obrigada. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada, Sra. Rebeca Lerer, que é fundadora do Sinal de Fumaça. Passo a palavra agora para a Sra. Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas. Seja bem-vinda. A SRA. SUELY ARAÚJO (Para expor.) - Obrigada, Senadora. É uma honra participar da audiência. Eu vou tentar fazer uma lista dos pontos principais, quatro ou cinco eixos principais do relatório que foi produzido pelo Observatório da Mineração, em conjunto com o Sinal de Fumaça, mas tentar direcionar, no final, para o que isso tem a ver com medidas no âmbito do Legislativo. Eu sou do Observatório do Clima desde 2020, após a minha aposentadoria, mas eu tenho três décadas de Consultora Legislativa na Câmara dos Deputados, na área de meio ambiente, e sou também ex-Presidente do Ibama, o pessoal me conhece mais por isso, mas eu sou uma pessoa do Legislativo, a minha alma sempre esteve por aqui. E continua. Então vou tentar direcionar, fazer a relação com discussões aqui no âmbito do Legislativo. Bom, o relatório começa lembrando que no início do Governo Bolsonaro, nós temos a tragédia de Brumadinho. Brumadinho é um sinal de não aprendizado do que ocorreu na tragédia de Mariana, não é? Em Brumadinho, com um número de mortes absurdo, mais de 270 pessoas. Em Mariana, foram só 19. Só que o dano ambiental em Mariana foi muitas vezes maior, 600km de problemas ambientais aí deixados, sem muita solução até agora, porque os programas estão andando num ritmo bem lento, os programas de recuperação ambiental e de compensação. A partir dessas duas tragédias, Mariana e Brumadinho, e a partir especificamente de Brumadinho, o Parlamento começa a agir. Inclusive a lei que foi aprovada, ajustando a legislação de segurança de barragens, o projeto principal era da Senadora Leila. Foram geradas proposições legislativas na Câmara e no Senado. No final, se agregou um conjunto delas e se aprovaram alterações na Lei das Barragens, o que foi um avanço, com certeza. Só que as proposições geradas à época tinham uma série de outros temas. Na verdade, era um conjunto de projetos de lei, e uma parte deles se reuniu nesse processo e se ajustou à Lei das Barragens. Tem mais coisa para ajustar na legislação? Acredito que sim, nem que seja parcialmente. Por exemplo, tem um projeto que foi gerado pela Comissão Externa de Brumadinho, na Câmara, sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos minerários. Vem a pergunta: o caminho é aprovar a lei geral do licenciamento ou a mineração precisa de uma lei específica para o licenciamento de empreendimentos minerários pelas suas especificidades? |
| R | O licenciamento de mineração é bem diferente dos outros porque você vai, ao longo da licença, concedendo outras autorizações para a expansão da mina. Então, ele é, provavelmente, o tipo de licenciamento mais complexo que tem, porque você tem sempre demandas do empreendedor junto ao órgão licenciador. Aquilo vai permanentemente, até o fim da vida útil do empreendimento. Depois, você tem uma autorização, um licenciamento, na prática, específico para a desativação, que no nosso país permanece só em teoria. É só sobrevoar, de helicóptero - fiz isso várias vezes, no Ibama -, o trecho entre Pampulha e Mariana, olhar para baixo, e ver a quantidade de buracos parados sem recuperação ambiental que tem lá embaixo. É um monte de cavas sem solução. Você vê que estão desativadas e que não foram devidamente enfrentadas, em termos de solução final, para a recuperação da região. Então, tem como discutir ainda propostas da época, que foram geradas no Parlamento da época, mas é fundamental, nesse ponto, debater as implicações da lei geral do licenciamento, que está aqui no Senado, em relação ao setor da mineração. Nós temos o processo do PL 3.729, de 2004, da Câmara, que se transformou no PL 2.159, de 2021, aqui no Senado, em que se pretende gerar a lei geral do licenciamento. Eu, pessoalmente, nas minhas três décadas de Câmara dos Deputados, sempre defendi que precisávamos de uma lei geral do licenciamento. Hoje em dia, a minha posição é a de que, se for para aprovar o que está aí, eu prefiro lei nenhuma. Prefiro continuar brigando na Justiça, porque pelo menos eu sei como o Supremo tem se portado em licenciamento, como o STJ tem se portado. Então, a confusão é grande. Isso demandaria ajustes em legislação, sim, mas o texto que está aqui no Senado é um texto que privilegia a não licença, com uma lista extensa de empreendimentos que teriam isenção de licença ambiental e privilegia o autolicenciamento na forma da licença por adesão e compromisso, que é uma licença feita em vários estados e que deveria ser aplicada só a empreendimentos muito simples, repetitivos e normatizados por normas técnicas. Eu tenho norma da ABNT sobre postos de gasolina em área urbana. As licenças meio que repetem o que está na ABNT. Nesse tipo de situação, você consegue trabalhar com licenças mais simples se for garantida a vistoria. Mas a forma como o texto olha para isso tem uma generalidade que, na verdade, vai levar à aplicação da licença automática, da licença por apertar um botão, de mais de 90% dos processos de licenciamento pela nossa análise em relação a algumas secretarias estaduais do meio ambiente. A licença para mineração é dada essencialmente pelos órgãos estaduais. O Ibama só licencia empreendimentos que pegam mais de um estado ou empreendimentos dentro de unidades de conservação federais - que é o caso de Carajás, uma floresta nacional. Então, a mineração é licenciada, quase na sua totalidade, pelos estados. Mas essa lei geral abrange tudo. Então, tem que se ter muita atenção para o conteúdo desse PL que está no Senado, porque o texto da Câmara, realmente, quando nós pensarmos especificamente na aplicação à mineração, ele é assustador - é assustador! Ele é assustador em geral, mas, em mineração, que é, por essência, um empreendimento impactante - e é mesmo -, e a mineração tem a sua importância para o país, ela tem que existir, ela pode, sim, ser estratégica, mas ela tem que ter regras de licenciamento rigorosas pela característica do empreendimento. |
| R | Você vai minerar, você cava. Aquilo nunca vai voltar a ser exatamente o que era, porque você cavou. Então, isso quer dizer que não pode ter empreendimento minerário? De forma alguma. Pode. Só que o licenciamento tem que ser feito com muita cautela e se afastar dessas soluções de apertou o botão, imprime a licença. Então, esse é o primeiro alerta. Eu tenho uma preocupação especial com o pós-licença, com o acompanhamento de empreendimentos licenciados. Quero só lembrar que Fundão e a barragem em Brumadinho tinham licença da Secretaria Estadual de Minas. Então, eram empreendimentos regulares só que com evidente deficiência em termos de fiscalização nos pós-licença, porque, senão, o órgão ambiental estadual teria pegado mais cedo os problemas existentes nas duas barragens. Então, essa questão do pós-licença, até chamo a atenção da Senadora Leila, tem dados no relatório, no "Dinamite pura", que mostram que, após Brumadinho, após a aprovação... Logo depois de Brumadinho, aprovou-se a legislação, acho que quase um ano depois, mas os dados mostram que as vistorias e empreendimentos minerários têm caído e não aumentado. Logo depois de Brumadinho, aumentaram, mas, hoje, nós estamos com uma queda e isso é muito preocupante. Mesmo que se justifique que nós pegamos pandemia, que estamos com deficiência de pessoal - e isso, no caso da ANM é claro, é evidente; a ANM precisa de ajuda em termos de garantir pessoal. É uma situação inaceitável, porque o Governo - isso foi Governo Temer, eu estava na Presidência do Ibama... Transformou-se o DNPM em agência, mas a ele não se deu estrutura de agência. Essa é a questão. Então, eles têm dificuldade mesmo, mas nós não podemos justificar o problema assim: "Olha, eu não tenho pessoal para fiscalizar". Eu tenho que garantir isso. Nós estamos num ano especial para garantir isso, porque é o ano da elaboração do Plano Plurianual. O Governo Lula vai divulgar, dia 11, amanhã, a primeira minuta do Plano Plurianual para consulta pública e o Parlamento tem uma função importantíssima de estruturar os programas prioritários que vão garantir recursos para todas as atividades de controle necessárias, sejam da área mineral, sejam da área ambiental. O PPA tem reflexos nas leis orçamentárias anuais dos quatro anos seguintes. E aí, se a gente não cuida do PPA, quando chega nas LOAs, nós ficamos chorando: "Ah, eu quero R$15 milhões a mais aqui, R$10 milhões a mais ali", que não vão resolver esse problema, gente! |
| R | O PPA é a hora de você priorizar que programas e prioridades de políticas públicas o país tem que ter. Então, eu queria chamar a atenção também para isso. Então, no PPA, nós temos que olhar as atividades de controle ambiental, temos que olhar as atividades de controle... (Soa a campainha.) A SRA. SUELY ARAÚJO - ... setorial das atividades minerais. Bom, a partir daí, das barragens, eu queria chamar a atenção, no relatório, para a questão da extrema "ajuda", entre aspas, que o Governo Bolsonaro buscou dar às atividades de garimpo. O olhar era muito garimpo, mais do que a mineração em grande escala. A mineração em geral foi apoiada, mas você tem várias iniciativas voltadas ao garimpo, tentando simplificar legislações, tentando simplificar controles. Então, tem o PL n° 191, que o o Maurício comentou, que já foi retirado pelo Governo Lula, mas a pressão ainda continua. E a situação do garimpo, realmente, hoje, é de descontrole. Eu costumo falar que o garimpo deixa cicatrizes eternas. Vendo um garimpo pelo alto, às vezes um garimpo desativado pelo Ibama, e passando lá 10 anos depois, você vê que ele está com a mesma cara. Ele mata de vez, ele é mais dolorido de olhar, em termos de resultado de degradação, do que o desmatamento, porque você vê e o dano está lá. E quem vai recuperar tudo aquilo? Não se sabe. Vai ter que ser o poder público no caso do garimpo, e nunca vai ter recursos suficientes. Eu acho que, no caso do garimpo, o chamar atenção é para a gravidade da situação. Nós temos mapeados mais de 2,5 mil garimpos irregulares, só na Amazônia. A situação, em alguns locais, é de tragédia humanitária. A TI Yanomami acho que mostrou isso para todos os brasileiros, mas aquela situação não está só na Terra Indígena Yanomami. Então, acho que os brasileiros têm que acordar e, em tudo que se for legislar sobre isso, ter muito cuidado com a gravidade dos efeitos do garimpo. O garimpo é muito mais difícil de você cobrar responsabilidade de recuperação ambiental do que da grande mineração. Na prática, é! Então, a gente tem que tomar muito cuidado com benesses dadas ao garimpo. Vamos lá! Em geral, o que você sente, nos últimos anos, é uma pressão muito grande em termos de desregulamentação, de flexibilização de regras de mineração em geral. Isso está bem claro em alguns atos normativos do Governo Bolsonaro, mas está claro também nas pressões para a aprovação do Novo Código de Mineração, que está sendo debatido na Câmara dos Deputados. Saiu uma lei que eu considero até que está na hora de ser feita, porque a lei é bem antiga... As normas anteriores são bem antigas, mas o texto,,, (Soa a campainha.) A SRA. SUELY ARAÚJO - Eu vou terminar. Não vou demorar muito. Mas o texto que está sendo debatido ignora, na prática, a questão ambiental, coloca um predomínio da atividade de mineração sobre outras atividades que não se justificam de forma alguma. Quer dizer, por que minerar é mais importante do que ter uma Floresta Nacional? É um pouco a pergunta que o Maurício fez, não é? Essas coisas têm que ser analisadas com muito mais seriedade. Então, com certeza, é um tema aí que, nos próximos anos, o Parlamento tem que ter atenção. |
| R | O pessoal, na época do Governo Bolsonaro, não sei se continuou a usar o termo, falava em guilhotina regulatória. Tem no relatório. Então, guilhotina é tirar, não é para tornar mais rígido, é o contrário. É guilhotina em cima das regras. Então, isso tem que ter uma atenção muito grande, não só na questão ambiental, na questão social, no próprio controle de que os empreendedores têm condições de levar cada empreendimento minerário adiante e arcar com as responsabilidades pelos efeitos daqueles empreendimentos e não só na parte de meio ambiente. Ele tem que mostrar que ele vai finalizar, que o que ele está falando que vai minerar, ele vai mesmo. Nós temos que tirar aventureiros dessa atividade se nós não quisermos tratar com tragédias o tempo todo. Só para terminar, eu queria chamar a atenção: a tal guilhotina regulatória só vai levar mais insegurança jurídica e mais judicialização. Nós temos certeza de que leis muito flexíveis nessa área vão direto para o Supremo. Nós já temos como exemplo no Supremo, na lei que garantiu a compra antecipada, não foi bem subsídios... (Soa a campainha.) A SRA. SUELY ARAÚJO - ... para o carvão mineral em Santa Catarina, gerou uma ação direta de inconstitucionalidade, atual programa de transição energética justa, que de transição energética justa não tem nada, era mais barato pagar 5 mil famílias que têm empregos diretos, todo mês dar salário de graça para elas não trabalharem, porque seria melhor no país - essa é a minha opinião pessoal. Nós não precisamos de carvão mineral, ele pega um percentual muito pequeno da nossa matriz elétrica, eu acho que o caminho é desativar aos poucos. E temos uma recente, só para finalizar, decisão importante que foi capitaneada pelo Ministro Gilmar Mendes, o que nós estamos chamando de ADI do ouro, que é uma ADI movida por dois partidos políticos pedindo a supressão, a desconsideração de um parágrafo da Lei 12.844, que... (Soa a campainha.) A SRA. SUELY ARAÚJO - ... é o parágrafo que garantia a boa-fé à primeira aquisição do ouro. Se você declara que a origem é legal, assina um papel e sua lei dava como boa-fé de quem estava declarando. E isso é a origem de grande parte da ilegalidade do ouro no país. O Supremo acabou de dar por unanimidade a liminar para tirar esse dispositivo do mundo jurídico, então nós estamos tendo decisões positivas do Supremo nesse campo e a expectativa é que, se o Congresso flexibilizar a legislação, o destino vai ser o Supremo. E nós vamos lutar para que essas flexibilizações caiam no Supremo Tribunal Federal. Acho que é isso, Senadora. Desculpe por demorar, eu falo sempre demais, perdão. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Muito obrigada pela participação, Sra. Suely, que é especialista sênior em políticas públicas. Eu vou passar agora a palavra para o Sr. André Elias Marques, que é ouvidor da Agência Nacional de Mineração. Seja bem-vindo, André. O SR. ANDRÉ ELIAS MARQUES (Para expor.) - Senadora, bom dia, muito obrigado pelo convite para que nós possamos representar a Agência Nacional de Mineração aqui, a todos os colegas presentes também. Bom dia aos componentes da mesa. Já pegando um gancho na fala da colega Suely, que fala que hoje a Agência Nacional de Mineração precisa de estrutura e precisa ser olhada com carinho, nós temos alguns pontos a discutir, pedir o apoio do Legislativo para que esteja conosco nessa luta, para que a gente de fato consiga uma mineração do jeito que a gente espera, com respeito ao meio ambiente, com respeito às políticas públicas e que garanta justamente à sociedade todo o retorno esperado na Cfem, como o próprio Maurício falou. |
| R | A gente sabe que hoje nós temos desafios e oportunidades, como essa transição da matriz energética a uma energia limpa. E a mineração é um carro-chefe. Recentemente, a ANM esteve no Canadá. O Hemisfério Norte dá um spotlight, dá um highlight no hemisfério sul em busca desses minerais, e a Agência Nacional de Mineração é quem vai tratar, vai executar todas as políticas públicas de mineração. Hoje todos sabem que a Agência Nacional de Mineração está abandonada, está sucateada. Foi criada em 2018, no Governo Temer, com bem falado pelos colegas, mas de lá para cá o que a gente vê é que é uma agência ainda com uma estrutura muito defasada e muito aquém das demais agências reguladoras. Nós ainda estamos com um orçamento efetivo de estrutura de cargos e salários do extinto Departamento Nacional de Produção Mineral. Dentro desses desafios e oportunidades que nós temos, a gente traz aqui números da mineração. Os números que são contundentes, em termos de arrecadação... Passou aqui um eslaide a mais do que eu gostaria. Deixa ver se consigo voltar. Se não voltar, não tem problema, depois a gente fala um pouco sobre os números. Mas a Agência Nacional de Mineração hoje é o terceiro em arrecadação dentre as agências reguladoras. Nós temos um recorde, em 2021, uma arrecadação de R$10 bilhões, um pouco acima de R$10 bilhões; e, em 2022, R$7 bilhões. Toda essa arrecadação volta, em alguns percentuais, para os municípios mineradores, para os estados mineradores, para a própria União e cabe, também, ao poder público, ao Legislativo também e aos Tribunais de Contas nos municípios e nos estados cobrar a efetiva aplicação desses royalties em desenvolvimento social, em segurança pública, em transporte. A ANM arrecada e repassa esses valores e esses valores muitas vezes são indevidamente aplicados ou deixam de ser aplicados naquilo que é importante dentro das políticas públicas dos municípios, dos estados e do próprio país. Aqui nós temos dados das principais commodities: o ferro, o ouro e o cobre. Então, é sempre muito importante falar que, ainda que a mineração traga esse impacto, esse impacto ambiental que a gente fala... O Maurício aponta de forma muito contundente todo esse impacto que a mineração tem hoje no meio ambiente, mas também a gente não tem como sobreviver, desenvolver e ter uma tecnologia aplicada em nosso país sem a mineração. Então, de que forma? Existem "n" formas de a gente pensar com tecnologia com estrutura, mas, em especial, o órgão que regula o setor precisa estar pronto para esse desafio. O órgão, hoje, a ANM não está pronta, está sucateada e não está pronta para receber o desafio de fiscalizar e regular o setor de forma adequada. Os investimentos chegam, são bilionários, em pesquisa mineral. A gente tem uma busca incessante agora pelo lítio das baterias de celulares, notebooks e dos carros movidos à eletricidade. E de que forma a gente vai receber? De que forma o país está preparado para receber o investimento e dar uma resposta também em termos de fiscalização para que a atividade não saia de dentro das normas que nós esperamos em respeito ao meio ambiente, em respeito ao social? Nós tivemos a legislação de barragens, que foi proposta aqui pela Senadora Leila, e que de forma muito rápida já deu uma resposta ao que a gente espera de uma mineração controlada. As barragens, hoje, de rejeito não podem mais ser continuadas a montante, está proibido. Nós estamos descaracterizando e nós estamos - desculpa - descomissionando essas barragens. |
| R | O eslaide não está passando. Eu estou ficando um pouco ansioso, porque eu estou apertando aqui, e ele não está indo para a frente. Vocês me desculpem. Estou tentando passar aqui. Acho que eu tenho que apertar com um pouquinho mais de força. Então, essa grande corrida pela grafita, alumínio, níquel, lítio, manganês, cobalto... A gente vê essa corrida ferrenha, em que todo o Hemisfério Norte está olhando para o Hemisfério Sul e vem buscá-los nos países africanos e nos países sul-americanos, como o Maurício bem frisou. E de que forma a gente consegue recepcionar esses investimentos e estarmos preparados? Olhem aí: essas são diversas notícias que colocam sobre acordos fechados para baterias de veículos elétricos. O Canadá e os Estados Unidos buscando esses minerais críticos em todo o planeta, e o Brasil tem, o nosso subsolo tem minerais críticos para a gente poder suprir essa busca incessante pela transformação da matriz energética numa energia limpa. Bom, entre as atribuições, as principais competências da ANM, nós temos que regular e fiscalizar pesquisa, lavra e comercialização dos bens minerais; outorgamos e controlamos esses títulos minerários; subsidiamos o desenvolvimento da política mineral e executamos as políticas da mineração em nosso país; regulamos, fiscalizamos e arrecadamos as participações governamentais; mediamos conflitos entre os agentes da atividade de mineração; acompanhamos o desempenho econômico do setor com a nossa equipe de economia mineral; e, em especial - e eu trago para esta Comissão essa discussão -, a fiscalização e vistoria de barragens e pilhas de rejeitos, o devido fechamento de mina, que acho que vai ao encontro da fala da Suely - esses garimpos abandonados, por serem garimpos irregulares e não terem a atuação da ANM, consequentemente, vão ser garimpos em que a gente não consegue atuar, promover, provocar, fiscalizar e cobrar o fechamento adequado de mina -, e a lavra, claro, sempre em acordo com os aspectos ambientais. Com isso, a gente tem que falar um pouco da estrutura que a ANM tem em orçamento, a estrutura que a ANM tem para atender a esses desafios. Nós sabemos que o setor de mineração é pujante, como bem colocado pelo Maurício, mais de R$300 bilhões em arrecadação, nos últimos anos, só que, se você pegar por estrutura das agências para atender - o gráfico ali embaixo mostra a nossa estrutura de cargos -, nós estamos em penúltimo para uma agência que é a terceira em arrecadação. Em orçamento, nós também estamos aí entre as últimas posições, e é uma agência que arrecada o que arrecada, isso sem considerar toda a sonegação de Cfem que nós temos, tem muita sonegação por falta de pessoal, para que a gente possa estar em campo, tem muita coisa que passa despercebida pela Agência Nacional de Mineração, porque não há o interesse no investimento em sua estrutura. Nós temos aí uma evolução do passivo em outorgas de mineração que só cresce, e o nosso efetivo só reduz, porque nós ficamos com um gap de 27 anos sem concurso público na Agência Nacional de Mineração. Já estamos aí com o último concurso, sem ser esse último específico para barragens, para fiscais de lavra e para outorgas em pesquisa que foi em 2010. Já estamos há 13 anos sem recompor o nosso quadro, sendo que cerca de 30% hoje do nosso efetivo já estão em abono de permanência, podem se aposentar amanhã, se quiserem. E isso traz uma preocupação muito grande para a gente: como é que vamos responder a esse cenário que está colocado nesse quadro? Cinco fiscais apenas para a Cfem. Fiscalizamos apenas 17 empresas, em 2022. Então, são cinco servidores para todo um contencioso de Cfem num arcabouço de 12 mil processos. Nós demoraríamos perto de 60 anos para conseguir analisar isso. Nós temos 39 mil operações de lavra no país, 86 mil processos em fase de pesquisa, e nós não temos um efetivo. Hoje, nós temos cerca de 630 servidores, já considerando também os administrativos - não é só a área finalística -, para dar cabo de toda essa corrida pelos minerais críticos, pelos minerais de commodities, pela pequena mineração, como é que nós conseguimos responder. Então, a nossa arrecadação está colocada ali em segundo lugar, apenas atrás da ANP, enquanto vocês podem ver que nossa despesa com tecnologia da informação está em antepenúltimo. |
| R | Então, não é lógico para nós que a Agência Nacional de Mineração siga no estado de abandono em que se encontra... (Soa a campainha.) O SR. ANDRÉ ELIAS MARQUES - ... e que a gente continue conseguindo arrecadar, trazer mais empregos formais para o país diretos e indiretos, trazer mais riqueza para o nosso país. Não estamos conseguindo também fiscalizar as riquezas que estão sendo levadas para fora, que passam por baixo dos nossos olhos, que passam por baixo do pano. Então, é muito complicado que a gente venha aqui falar não só de meio ambiente, da questão social, mas também da riqueza que o nosso país está deixando de represar aqui para o país, que está indo embora para outros países. Saem aí pelos portos a todo dia em cargas clandestinas, em contêineres clandestinos, o nosso manganês, o nosso ouro. Como é que a gente consegue dar uma resposta efetiva? Então, a gente traz uma proposição de medidas necessárias, claro que não são todas as medidas, mas é aquela que nós, enquanto ANM, vemos como ideal. Nós temos aí... hoje a ANM está no topo da Lista de Alto Risco, que a administração pública federal trouxe para nós em relatório. Dentro da administração pública, a ANM, hoje, é a agência com maior alto risco. Tem alto risco por baixos índices de governança, por baixos índices de resposta. Então, tem uma série de acórdãos: Plenário do TCU, temos recomendações da CGU, o Ministério Público, a própria OCDE trouxe recomendações de que o país precisa investir no órgão que hoje regula o setor de mineração. Então, a preocupação que a gente traz aqui hoje para esta Casa, para o Legislativo é para que a gente consiga o apoio e consiga também uma interlocução com o Executivo Federal para que eles atendam aos nossos pleitos. Corre hoje um projeto de lei em que foi proposta uma parte dessa solução de salários dos servidores, estruturas de cargo e também orçamento para a Agência Nacional de Mineração. Nós, infelizmente, tivemos derrotas, tivemos vetos no Governo Bolsonaro, também no atual Governo, com quem a gente ainda está discutindo e tentando trazer uma solução para o caso, mas a gente precisa contar com o apoio do Legislativo, a gente precisa contar com esse voto de confiança, porque a gente começa a resolver boa parte desses problemas citados pelo Maurício, pela Suely, pela Rebeca, investindo numa agência reguladora forte, que possa dar respostas e possa trazer à sociedade aquilo que a gente realmente espera de uma mineração limpa, de uma mineração sustentável. Eu discordo um pouco do Maurício quando ele fala que não existe mineração sustentável. A gente tem que entender que a mineração traz todos os outros aspectos de conforto que a gente precisa para a nossa vida: tecnologia, transporte, rodovias, construção civil. A mineração é importantíssima, ela é indústria de base para tudo que nos cerca - para tudo que nos cerca! Só que, claro, a gente precisa ter uma atuação muito forte enquanto reguladores do setor para que essa mineração seja feita de forma racional, de forma que dê retorno social e também precisamos do apoio do Legislativo para que cobrem a aplicação da Cfem de forma correta, que traga desenvolvimento social para todos esses municípios mineradores, para os municípios afetados, o que hoje é de uma grande importância para nós, tanto que trouxemos para a lei o repasse da Cfem aos municípios afetados. |
| R | Então, para uma fala inicial, a contribuição que eu queria fazer com vocês é: olhem para a ANM. Olhem atentamente. Nós temos onze agências reguladoras, mas nós temos dez com tratamento "x" e a ANM com tratamento "y", muito diferenciado, muito aquém, muito abaixo e sucateado. Precisamos do apoio do Legislativo, precisamos dessa interlocução do Legislativo com o Executivo federal, para que atendam os nossos pleitos e todos os vetos que estão aí postos possam ser derrubados por esta Casa, com apoio também da Câmara dos Deputados. E, se não for possível derrubar os vetos, que haja uma pressão muito grande para que seja feito um projeto de lei ou uma medida provisória que resolva a situação da Agência Nacional de Mineração. Nós não queremos outro acidente com barragens. Nós não queremos que pilhas de rejeitos passem a ser um problema para o país. Nós queremos ter estrutura para dar uma resposta à altura dos desafios que estão por vir. Essa é a minha primeira fala, é a fala inicial. E agradeço a oportunidade mais uma vez. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós que agradecemos, André, pela sua participação aqui, falando em nome da nossa Agência Nacional de Mineração. Eu quero também cumprimentar o Senador Omar Aziz. Acredito que vocês queiram falar ao final. É a nossa última expositora agora. É a Sra. Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA). Seja bem-vinda, Sra. Juliana! A SRA. JULIANA DE PAULA BATISTA (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, Senadora Leila! Agradeço imensamente o convite. Também começo a minha fala prestando as minhas homenagens às três grandes perdas que nós tivemos esta semana, porque, além do Deputado David Miranda, que sempre fez um trabalho incrível pela defesa do meio ambiente, e da cantora Rita Lee, nós também perdemos o Marcelo Zelic, que foi quem descobriu o Relatório Figueiredo e lutou, durante muitos anos, pelo reconhecimento das violações de direitos dos povos indígenas na ditadura civil-militar brasileira. São, com certeza, perdas inestimáveis para as nossas lutas, para a cultura brasileira. Também perdemos aí pessoas que sempre se dedicaram muito a vocalizar as nossas lutas pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado e pelos direitos dos povos das florestas. Mas começando aqui pelo foco da audiência pública de hoje, o relatório "Dinamite pura" traz alguns elementos para a gente refletir um pouco sobre o que foram os últimos anos tanto aí das ações relacionadas com o Poder Executivo, mas também com o Poder Legislativo. Eu acho que ele também traz alguns elementos para a gente refletir sobre a questão da mineração no país agora e aí nos próximos anos. Vou fazer uma breve retrospectiva para lembrar algumas coisas que os colegas que me antecederam também já pontuaram. É curioso que o Governo Bolsonaro comece com um grande acidente de uma grande barragem de rejeitos, que foi o acidente de Brumadinho. Eu acho que, em qualquer país minimamente sério, um acidente daquele porte traria para um começo de Legislatura uma reflexão muito séria sobre por que aquele acidente aconteceu e o que a gente pode fazer para evitar que ele se repita. Mas, infelizmente, não foi o que a gente viu acontecer nos anos seguintes. A gente viu uma tentativa imensa de desregulamentar e precarizar legislações que trazem garantias para que isso não volte a acontecer. |
| R | Então, a gente viu, nos últimos quatro anos, o Congresso Nacional, uma parte dos Parlamentares trabalhar fortemente para o enfraquecimento da legislação que regula o licenciamento ambiental, por exemplo. A gente teve o Governo Bolsonaro apresentando o Projeto de Lei 191, de 2020, que busca regulamentar uma série de atividades altamente impactantes em terras indígenas como mineração, exploração de petróleo e gás, garimpo, plantação de transgênicos, enfim, uma multiplicidade de atividades altamente impactantes que transformaria as terras indígenas em grandes obras, em canteiros de obras e que tirariam delas, inclusive, a própria dimensão de terra indígena tal como prevista na Constituição. E o que é mais, talvez, revoltante é que a gente passou quatro anos tendo um Governo que deu uma verdadeira licença política para a mineração e para o garimpo ilegal dentro de áreas protegidas. Aí, não à toa, a gente vê que, por exemplo, até 2018, a área destruída pelo garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami tinha um acumulado de 1,2 mil hectares. Em dezembro de 2021, esse acumulado já atingia 3,272 mil hectares. Em 2021, por exemplo, foi o pior ano da invasão garimpeira dentro da Terra Indígena Yanomami em 30 anos. O garimpo ilegal cresceu 41% em relação a 2020. Aí a gente tinha um Governo que falava tanto em soberania nacional, em defesa da pátria, em defesa do território nacional, mas não teve ações propositivas para combater o garimpo ilegal e a invasão garimpeira dentro da Terra Indígena Yanomami, uma terra indígena que está situada em área de fronteira, uma área estratégica para a defesa nacional. E a gente viu tudo o que aconteceu nessas terras nos últimos anos. Foram dezenas de assassinatos. A gente está assistindo a uma crise humanitária imensa e sem precedentes, que ainda não acabou. E essa crise humanitária já vinha sendo denunciada, pelo menos desde 2021, no começo da pandemia, pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), pelas organizações da sociedade civil, especialmente a Hutukara Associação Yanomami. E a gente não teve respostas adequadas do Governo durante esses anos. E o que também é chocante é que a atividade do garimpo ilegal vem acompanhada de diversas atividades que estão relacionadas com o tráfico de drogas, com o tráfico de armas, com o tráfico de substâncias de controle regulado no país. E nada foi feito para combater, eficientemente, essa invasão garimpeira. Então, eu acho que uma das questões que a gente tem que ter em mente, quando a gente fala de garimpo e de mineração, é que, em primeiro lugar, a gente não tem uma estrutura eficiente para fiscalizar e combater a ilegalidade. |
| R | Além disso, a gente também tem uma estrutura de governança política, na proteção territorial dessas áreas, que é extremamente frágil, e que foi muito fragilizada durante os últimos quatro anos. E eu acho que esse é um ponto que a gente tem que ter no horizonte. Como a gente pode começar a falar em regulamentação desse tipo de atividade, se as estruturas do poder público e de comando e controle não apresentam condições para combater a ilegalidade? Eu acho que esse é um ponto importante para a gente ter no horizonte e nas discussões que a gente faz sobre o tema daqui para frente. A simples discussão sobre a regulamentação já gerou uma invasão maior, um ataque maior a essas áreas protegidas, e o poder público não demonstrou nem capacidade, nem vontade política de combater essa ilegalidade. A gente não pode simplesmente admitir que o país vire um bangue-bangue, dominado por facções criminosas e pelo que a gente vem chamando de narcogarimpo, principalmente em áreas de fronteira, em áreas estratégicas, em áreas onde vivem populações extremamente vulneráveis. Uma coisa que a gente sempre tem que ter em mente quando a gente fala, por exemplo, de ianomâmi, é que os ianomâmis são povos considerados de recente contato. O que é isso? São povos que têm um contato muito intermitente com a sociedade nacional e que, também, ainda vivem de uma forma muito, geograficamente, isolada. E os povos de recente contato, assim como os povos indígenas isolados, que são aqueles que não têm contato, a grosso modo, com a sociedade nacional, ou têm contatos muito raros e esporádicos, são populações que têm características muito peculiares, são muito vulneráveis. Não são populações que vão ter condição de vir comprar frango no supermercado, quando não tiverem peixe nos rios ali, dos quais depende a sua sobrevivência física, mas elas também têm problemas relacionados - questões, não são problemas -, questões relacionadas com a própria imunidade. Essas populações não têm a mesma memória imunológica que nós que estamos aqui na cidade temos. Então, um contato com garimpeiro ilegal pode levar doenças para as quais essas comunidades não têm o que a gente, grosso modo, chama aqui na cidade de resistência. E isso pode dizimar populações inteiras. Então, a gente tem situações, quando a gente fala de populações indígenas, que são extremamente delicadas, porque eu trabalho com povos indígenas na Amazônia há mais de dez anos, e eu escuto sempre eles dizerem que a floresta é o supermercado deles. Então, a mineração traz um alto impacto nessas áreas, e os projetos de lei que vêm sendo pensados para regulamentar essas atividades não têm considerado essas questões, e que essas comunidades dependem desses territórios para ter a sua sobrevivência física e cultural. E eles também não têm considerado que, quando a gente fala de garimpo e mineração em terras indígenas, a Constituição adotou o princípio da restritividade constitucional. |
| R | Então, você vê que, por exemplo, existem regras gerais para a mineração e para o garimpo em todo o território nacional. Mas essas regras, quando a gente vai pensar sobre essa possibilidade em terras indígenas, trazem uma série de travas que essa legislação deve observar e que não vem observando. Então, um dado, por exemplo, que o relatório traz, que eu achei bastante interessante, é que apenas um terço do território nacional - deixe-me até pegar aqui o dado exato - foi objeto de pesquisa para a busca de minérios. A gente deveria, primeiro, ter uma justificativa real para que se possa pensar em mineração em terras indígenas, porque a mineração em terra indígena deve ser a exceção da exceção da exceção da exceção. A gente não pode começar uma discussão sobre isso pensando nas terras indígenas, porque, para que uma mineração nessas áreas pudesse ser passível de regulamentação, deveria não ter outra alternativa locacional, não existirem outras jazidas, não existir possibilidade de exploração em outras áreas, ser uma coisa extremamente necessária para a produção mineral no país naquele momento. Então, tem que existir uma justificativa técnica muito bem fundamentada. Essa legislação também precisa considerar todo esse escopo de vulnerabilidade. Mas é incrível que os setores - e aí quando eu falo os setores eu não falo só do mineral, mas eu falo, principalmente, do agro - querem pensar qualquer questão de desenvolvimento nacional começando pelas terras indígenas e não começando por todo o restante do território nacional. E essa é uma questão também para a gente ter nas discussões dos próximos anos. Por fim, eu acho que a gente tem que pensar de forma séria sobre a regulação da cadeia do ouro - como a Suely falou, o STF acaba de suspender um dispositivo que permitia que essa comercialização fosse feita unicamente com uma presunção de boa-fé de quem compra -, e também como a gente pode pensar a proteção territorial das terras indígenas para que se evite que novas invasões e novas crises humanitárias possam acontecer, como essa que a gente vem assistindo aí na Terra Indígena Yanomami. É isso, pessoal. Muito obrigada. O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - AM) - Senadora Leila... A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Pois não, Senador Omar. Obrigada, Sra. Juliana Batista. Vou passar a palavra para os dois Senadores que estão presentes. Senador Jaime Bagattoli, o senhor quer agora, Senador? Senador Omar, é porque ele está há mais tempo. Peço perdão. Vá lá, Omar. Seja bem-vindo, Senador! O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - AM. Pela ordem.) - Idade aqui é posto. Então, ele é um pouco mais velho do que eu... O Jaime é da nossa região, é lá do Estado de Rondônia. Primeiro, quero cumprimentar a Presidente desta Comissão, Senadora Leila Barros, cumprimentar os convidados que estão aqui presentes e semipresencialmente também, e falar que os governos são oito ou oitenta: um governo pode tudo, deixa tudo, e o outro vem e diz que não pode nada. E têm algumas coisas, para quem vive na Amazônia, como eu vivo no meu estado e conheço... Não falo do meu estado por não conhecer, eu conheço as regiões, conheço as etnias. Meu estado tem 77 etnias indígenas, cada uma de um pensamento diferente e com os seus dialetos diferentes. Nheengatu é uma língua que eles falam. |
| R | Mas eu, que fui Governador do meu estado - eu fui tudo que um político poderia ser no Estado do Amazonas, de Vereador a Governador - e, como Governador, eu tive a oportunidade de ter muitas reuniões e participar de muitos eventos junto aos indígenas, tanto do Rio Negro como do Solimões, como do Madeira. E essas etnias.. O meu estado tem a maior população indígena do Brasil, mas lá é indígena mesmo, o cabra que mora mesmo, não é aquele que se veste, bota um cocar e vem aqui e diz que é índio, ou aqueles que querem falar por eles. Nenhum de nós tem o direito de falar por eles. Eles falam por eles próprios. Ou a gente trata essa questão, com essa Agência Nacional de Mineração, com respeito, dando as condições para trabalhar, e aprova, aqui, leis que regulamentem essa questão, ou nós vamos perder essa guerra, porque nós estamos perdendo ali em todos os pontos - não é na mineração, pessoal. Hoje, o narcotráfico emprega mais do que muita prefeitura na Amazônia. Então, não adianta a gente querer aqui achar que nós vamos resolver esses problemas sendo contra ou a favor. Não é questão de ser contra ou a favor, é questão de ver uma realidade diferente. Em alguns estados brasileiros, a população indígena foi diminuindo. Por que? Porque chegou a devastação de uma forma bastante rápida, e o que vai acontecer... Eu vou dar alguns dados aqui para V. Exas. e para quem está nos vendo neste momento, vamos lá: o maior investimento - investimento que você tira a curto prazo - é uma draga para explorar ouro. É uma draga. Uma draga - pequena draga - tira até em torno de 30kg de ouro no Rio Madeira ou no Japurá, ou no Solimões, ou no Rio Negro. Vamos lá, mas agora vamos para a prática, o que acontece, não é para a teoria, sabe aquela teoria... e não anda? Trinta quilos. Hoje, o ouro está em torno de R$300, R$320 o grama. Pegue 30kg e multiplique por mil - porque 1kg tem mil gramas de ouro -, dá em torno de R$9 milhões. Uma draga custa R$2 milhões, R$3 milhões. Então, em um mês, o cara tira o investimento que ele fez para trabalhar ali. Coloca lá três, quatro... Hoje, não se precisa mais mergulhar, mas antigamente mergulhava. Se o cara não queria dividir o ouro, ele cortava o oxigênio, porque ele tinha que mergulhar com peso - ele não conseguia subir sozinho, Leila; o cara mergulhava com 40kg, 50kg para segurá-lo lá embaixo, porque, se não, o rio ia arrastá-lo, a correnteza levava. Agora não precisa mais disso. Uma pequena draga está tirando 30kg. Eu diria para você que deve ter umas 3 mil ou 4 mil dragas no meu estado, hoje, tirando ouro. Vocês já viram operações da Polícia Federal e das ambientais, já não viram? Já, não é? Fizeram o quê? Queimaram as dragas, não é isso? Pode queimar 50 mil, 2 mil dragas, porque se constroem novas dragas, porque se tira o investimento a curto prazo, e o curto prazo é 30 dias de trabalho, Senador. Não é como um empresário que faz um investimento que demora cinco, dez anos para tirar o investimento. Não, aquilo lá é rápido! E fazer uma draga daquela é a coisa mais fácil do mundo. Você precisa de um motor a diesel. O diesel é trocado por ouro. A prostituição lá é ouro. O comércio é ouro. E aí não tirem os indígenas disso, pessoal, porque, vejam bem, quando a política pública não chega a eles, eles vão dar um jeito de ter uma vida com uma qualidade melhor, e dinheiro é que dá uma qualidade melhor para eles. Dizer que a floresta é o supermercado deles é ledo engano. Desculpe-me a senhora que falou, há pouco, mas não é assim. Não é assim! Essas pessoas precisam comprar roupa, elas precisam de medicamento. Por mais que os povos tradicionais tenham o conhecimento da floresta para tirar, mas tem medicamentos que... |
| R | E mais, eles, hoje, estão antenados, não se iludam de que eles não têm notícia do que está acontecendo no mundo. Eles, hoje, têm televisão, têm internet. Poucas ou quase nenhuma tribo isolada não tem comunicação. O que aconteceu no Vale do Javari? Além do ouro, o pescado e o transporte do pescado, que, ali do Alto Solimões, é muito mais fácil levar para o Peru e para Colômbia e vender do que trazer para o grande centro, porque o custo inviabiliza o preço do pescado, porque o cara tem que condicionar, tem que ter gelo, tem que ter frigorífico, tem que ter isso... E o custo do quilo do peixe vai lá para cima. A maior reserva do mundo é a Reserva de Mamirauá, que fica no meu estado e pega do Alto Solimões ao Médio Solimões. Lá você tem a despesca e você vê a dificuldade que o pescador, que o caboclo, que o índio vive - muita dificuldade. Então, a facilidade com que, hoje, existe essa exploração mineral, que não é regulamentada e não será regulamentada, porque - eu iniciei a minha palavra dizendo, Senadora Leila - é oito ou oitenta, ou pode tudo ou não pode nada. A Polícia Federal tem uma base chamada Base Anzol, no Alto Solimões, lá no meu estado. Entra droga de manhã, de tarde e de noite. Quando prendem duas toneladas, parece que resolveram o problema. Eu pergunto aos senhores e senhoras que estão aqui ou estão nos ouvindo: vocês viram já quantas operações da Polícia Federal em Terra Yanomami? Quantas agora, lá em Roraima? Várias! Vocês viram alguém prender 10g de ouro? Mostraram na televisão? "Olha, conseguimos pegar 10g..." Esse ouro está saindo pela Venezuela. Do que o Brasil está perdendo de riqueza não se tem noção. Se eu estou colocando aqui uma média de 30kg de ouro em uma balsa, imaginem a quantidade. Eu estou falando do meu estado! Eu só estou falando do Amazonas. Eu não estou falando de Roraima, de Rondônia, não. Eu estou falando do meu estado. O Rio Madeira, que o Senador conhece bem, se não tiver umas três, quatro mil balsas lá, eu mudo de nome. O Rio Japurá tem mais de mil, na fronteira com a Colômbia. Como você não regulamenta, o que é que é? Torna-se o ouro - que é vendido, clandestinamente, a um preço menor e não vai custar R$300 ou R$320; eu não sei quanto é que está na Bolsa o ouro, hoje, o grama -, um preço muito menor. Então, nós teríamos, Senadora Leila - aí é uma questão do Congresso Nacional... Eu acho que potencializar a Agência Nacional de Mineração é importante demais, até porque ela tem que trabalhar pela população, não pelo empresário, como outras agências aqui no Brasil trabalham. Quando você vai para a Anac, a Anac trabalha para dono de empresa de aviação. Você vai para a Aneel, que tem uma superestrutura, o consumidor é o último a ser pensado. Eu até digo: tem que repensar essas questões de agência, qual é o papel realmente delas e quem está fiscalizando essas agências. Nós, no Senado, a gente sabatina, vota nome, mas não fiscaliza. E depois tem que ligar para marcar uma audiência com um cara que veio aqui e pediu o voto da gente. Então, nós temos que ver, Senadora Leila, e eu fiz questão de vir aqui hoje para dizer o seguinte: ninguém vai... Não tem polícia que acabe com a mineração clandestina, com a exploração ilegal. Não tem polícia, não é lei. As leis existem já, e não se cumprem; não é que não se cumprem, é que se passa por cima, porque não há como fiscalizar isso. Não tem fiscal. E aqueles que poderiam ser os nossos grandes aliados - e eu falo da população indígena - muitas vezes são cooptados pela necessidade, como hoje os nossos jovens estão sendo cooptados pelo narcotráfico, porque a necessidade de ganhar um dinheiro no final da semana e sustentar o pai e a mãe, que estão desempregados, é muito grande. Então, nós temos a questão social, nós temos a questão legal e nós temos uma questão de perda de fortuna, que o Brasil está perdendo diariamente. Hoje tem vários municípios no meu estado que são sustentados por essa exploração mineral ilegal, porque as pessoas estão trabalhando nisso; vão para dentro do rio, estão trabalhando. Quer ver o Japurá? É um exemplo aqui. O Rio Japurá fica na fronteira com a Colômbia, as balsas estão ali perto da fronteira da Colômbia. Fica um olheiro lá na boca da entrada do Rio Japurá; quando eles veem alguém da Polícia Federal se mobilizando, vão lá e avisam; eles atravessam a fronteira e ficam lá na Colômbia esperando a polícia... A polícia não vai ficar lá ad aeternum, ela vai e sai - e quando sai voltam as balsas para trabalhar normalmente. Ali no Rio Madeira, em que vocês devem ter assistido a várias queimadas de balsa, já queimaram muito, e vai continuar. E isso... Aí envolve a lavagem de dinheiro, o narcotráfico e outras coisas que... Do ponto de vista social, é ruim para nossa sociedade. |
| R | Mas eu peço a vocês, e digo isto, Senadora Leila: está na hora do Congresso... Não pode ser oito, não pode ser oitenta, mas nós temos que ver. Vou dar um exemplo aqui para vocês: a maior mina de potássio do mundo está no meu estado, no município de Autazes, a 80km de Manaus. É terra indígena. Se você discutir com os índios, ver se eles querem ou não a exploração sustentável... E pode, sim, Sr. Maurício, até porque o Canadá faz exploração sustentável do potássio. Hoje tem tecnologia para que a gente possa fazer exploração sustentável. É lógico que você não pode medir a nossa região... Hoje você tem como fazer. Agora, se não fizer de uma forma sustentável, ela será explorada de uma forma criminosa, mas será explorada, e nós não vamos ter como coibir. A gente escolhe: ou meio legal ou a ilegalidade, porque irá continuar, e não há governo... E digo isso... Pode haver a maior boa vontade do Governo, do Ministério do Meio Ambiente, de todo mundo, vai lá, reprime... Tivemos uma audiência com o Ibama há duas semanas - não foi, Senador? - para tratar das questões dos estados da Região Norte em relação ao agronegócio, à produção, à pecuária, à produção de grãos. É difícil a comunicação! A gente respeita... Que todo mundo ali está trabalhando corretamente não é verdade, muita gente está trabalhando de forma incorreta, que tem de ser coibida, e aqueles que estão trabalhando dessa forma têm de ser penalizados. Mas tem muita gente que quer fazer a coisa certa, mas não consegue fazer a coisa certa porque tem dificuldade. Há que se pensar a mineração na Amazônia? Há que se pensar. É muito fácil dizer que somos contra porque vai acontecer isso, isso e isso. Não vai acontecer, está acontecendo! Não é que vai acontecer, já está acontecendo! Já está saindo dinheiro do Brasil, minérios do Brasil... Vejam bem, vocês acham mesmo que, nessa quantidade de ferro que a gente exporta para a China, não vai ouro dentro? É muito ouro! Hoje a China compra nióbio do Brasil para estocar, estoca ferro, porque são bens finitos, não são bens infinitos, vão acabar um dia, e a China se prepara para isso. A China é o maior comprador de minério do Brasil não é à toa. E a gente vende para a China o ferro e depois importa o aço! É uma graça este país também! A gente não produz, nós não temos capacidade de produzir o aço que a gente usa aqui. Então, para exportar, a gente exporta commodity, depois vai buscar o óleo de soja; a gente exporta soja e tem de comprar o óleo de soja de volta. |
| R | Montaram agora uma indústria de aço lá no Pará. A Usiminas não dá suporte à necessidade, mas ferro nós estamos mandando, e haja mandar ferro, haja mandar ferro do Pará, alumínio e outros e outros minérios que só o Brasil detém. A cassiterita, por exemplo, sobre a qual vi matéria. Ali, a 80km de Manaus, no Município de Presidente Figueiredo, há uma das maiores minas de exploração de cassiterita do Brasil. É sustentável? Foi aprovada como... É sustentável. Já foi da Paranapanema, depois a Previ comprou, vendeu e, agora, ela hoje está com uma produção muito pequena. Agora, não é em qualquer terra indígena que se entra. Eu quero ver entrarem na terra dos uaimiris-atroaris, eu quero ver! Os ianomâmis de São Gabriel da Cachoeira... Vão ver como eles vivem: eles não vivem mal, não; e tem muito minério na terra deles, mas muito! Os ianomâmis de Roraima enfrentam dificuldades. A maior tribo de ianomâmis que nós temos é no Município de Santa Isabel, lá está a maior quantidade de ianomâmis do Brasil. Aí você vai para o Solimões, onde está o ticuna, o corubo, você vai lá para o Vale do Javari, onde teve esse problema em que mataram um jornalista e um servidor do Ibama, da questão ambiental... |
| R | A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Da Funai. O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - AM) - Da Funai. E não se iludam, criou-se aquele vale, criou-se aquela reserva, e o Estado brasileiro - eu digo o Estado brasileiro não para culpar o Governo não, isso foi criado pelo Fernando Henrique, o Vale do Javari -, de lá para cá, não houve ocupação, o que houve foi colocar dois ou três fiscais lá que têm que fazer o papel deles e se indispor com a população nativa da região. O cara vai lá, porque é o papel dele, prende a rede, prende o motor de rabeta, toca fogo nisso e vai criando inimigos, e ele é sozinho, porque não tem uma política de inclusão social daquelas pessoas. E essa política não existe, Leila. É muito mais séria a situação. Ou a gente toma decisões de tentar resolver esse problema de forma pacífica ou nós vamos perder a guerra, como já perdemos para o narcotráfico. Não adianta vir com conversinha de dizer que se armar o povo vai resolver, não, pelo contrário. Nós sabemos que as ocupações hoje não são só no Rio de Janeiro, são no Brasil todo. Hoje, para entrar em alguns bairros de Manaus, você tem que pedir autorização do chefe do tráfico, senão você não entra. O Estado não ocupa esses espaços e, quando alguém não ocupa o espaço, outro alguém vai ocupar. Enquanto o Governo não ocupar os espaços para levar assistência verdadeira à população indígena, alguém vai lá ocupar e vai fazer o benefício. Então hoje um cara é morto num bairro, no dia seguinte o assassino está solto e ainda está ameaçando a mãe do morto. Aí quem vai lá tomar satisfação é o chefe do tráfico, ele que resolve, não é a polícia mais que resolve. Nós estamos vivendo isso e não é no Governo Lula, não são esses quatro meses de Governo, isso é histórico. Ontem estava aqui o Ministro da Justiça tratando desses assuntos todos e não dá para chegar e dizer: Flávio, você é o culpado, em quatro meses, pelo que está acontecendo. Não. Não há, desde a redemocratização, desde Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique duas vezes, Lula duas vezes, Dilma duas vezes, Temer, Bolsonaro, nós não tempos uma política pública de Estado para a segurança pública, é tudo conversinha. Cria-se o programa não sei o quê, cria-se o programa, resultado... Olha só o que ontem tive que ouvir de um ex-ministro: "Ah não, nós conseguimos reduzir de 50 mil mortes para 49 mil". Vejam bem, o cara se vangloriando porque reduziu de 50 mil. Não, nós conseguimos reduzir de 50 mil para 0, aí sim dá para falar que um programa deu certo. Você evitar sazonalmente o assassinato de mil pessoas não quer dizer que está resolvendo problema nenhum. "Ah, nós conseguimos queimar mil balsas", mas tem mais 3 mil para queimar. No dia seguinte, vai ter mais 2 mil porque, Leila, fazer investimento, eu estou falando para você, pelo preço do material, pode queimar que o cara vai fazer outra, porque, em um mês, ele paga esse investimento tranquilamente. |
| R | Eu queria só dar essa colaboração dizendo que eu sou a favor da preservação. Eu sou uma pessoa que sempre defendeu isso. Como Governador, eu tinha uma política indígena muito forte, eu criei uma secretaria indígena. Eu criei uma secretaria de mineração e fiz esse trabalho conversando com as comunidades. Infelizmente, você sabe que a solução de continuidade quando se troca governo tanto federal, como estadual, como municipal... A política, o cara quer aparecer durante quatro anos porque o maior crime que a gente comete é manter a reeleição. Eu sou contra a reeleição. Aumenta o mandato por mais um ano, dá cinco anos, mas a reeleição fez com que o Brasil se tornasse um país de ódio. Um país que dividiu as pessoas, as famílias brigaram por causa de uma reeleição. Quebra o país, se fazem programas eleitoreiros que não têm continuidade. E é isso que nós vivemos. Nós temos como resolver? Não, não creio que se resolva isso tão facilmente. É muito difícil resolver. Cada pensamento é um pensamento. Ninguém manda em índio, não se iludam. Ninguém manda neles. Eles ouvem, mas depois vão fazer o que achar da cabeça deles. Eles não seguem orientação, muito menos da gente. Eles têm pensamentos próprios, têm sua cultura própria e não adianta a gente querer mudar a cultura de um povo. Ninguém muda a cultura de um povo. E os índios que eu conheço e conheço bem, conheço por obrigação, por tê-los governado, por ter uma relação muito aberta com eles, posso dizer a vocês: eles precisam de alternativa. E a alternativa quem está dando não são os governos. Não estou culpando o governo atual, longe de mim. Quem está dando essa alternativa muitas vezes é o narcotráfico, é o minerador irregular, é o cara da balsa e outras coisas mais que a gente... Se você analisar bem, o Brasil não produz cocaína, Leila, mas é o maior corredor de cocaína do mundo. E todo mundo sabe por onde essa cocaína vai. A cocaína que é vendida aqui em Brasília não é produzida em Brasília não, pessoal. Ela vem de fora. Entra aqui. Então, eu queria dar essa contribuição, Leila, entendendo que é uma matéria que interessa a gente discutir, interessa muito. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - A todos nós. O SR. OMAR AZIZ (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - AM) - A gente não fala para agradar. As pessoas falam aquilo que vivem e sentem e que podem mudar. É uma luta difícil, mas tem uma coisa que eu não entendo. Por exemplo, nós temos lá o potássio. Para você produzir o fertilizante NPK é nitrogênio, potássio e fósforo. E a gente tem o nitrogênio do gás. O Amazonas é o maior produtor de gás do Brasil. Tem a maior jazida de gás do Brasil o Amazonas. E nós temos o potássio. E, com isso, você podia ter uma cadeia produzindo fertilizante e levando ali pelo Rio Madeira para todo o Centro-Oeste brasileiro. Diferente de ficar esperando da Ucrânia, da Rússia ou do Canadá esse fertilizante. Mesmo assim, isso aí não comove ninguém. Muito obrigado, Senadora. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Senador Omar, é sempre um prazer ouvi-lo, até por todo o seu histórico político, por tudo que o senhor representa na política e o quanto o senhor vivencia muito as pautas aqui na Casa. |
| R | Na verdade, esta audiência foi proposta pelo Observatório de Mineração, e o intuito aqui é iniciarmos um debate sobre o que o senhor justamente falou: "Entra Governo libera tudo, sai Governo entra outro não libera nada" e eu acho que o senhor conhece bem o perfil desta Senadora aqui que vos fala, não é? Então, o meu intuito aqui é dar voz à seguinte temática: a política do Governo anterior de abrir a porteira não dá mais. Nós falamos e nós ouvimos as falas de todos os nossos expositores aqui, e é importante falar que a ANM está sucateada, abandonada, é um absurdo cinco fiscais para cuidar de toda a fiscalização de um país continental como o nosso. Então, nós entendemos que, no Governo que passou, a política de mineração que foi implementada não existiu. Ela não existiu. Então, realmente o que nós estamos fazendo aqui dentro da CMA é revisitar, sim, essa temática e vamos buscar remodelá-la. Um dos projetos que tem ligação direta com essa questão é o PL da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, falado aqui pela Suely. Nós estamos iniciando, nós vamos debater e daremos voz a todos para que tenhamos um consenso dentro desta Casa do que é melhor para a sociedade e não entra Governo e sai Governo. É o pensamento nas futuras gerações, é o pensamento dos nossos recursos naturais e também valorizar a atividade de mineração, que sabemos que é importante, sim, mas precisamos ter órgãos de fiscalização, de controle, fortes para termos uma política racional, uma política responsável com relação ao meio ambiente, sim. Nós vamos e peço... É muito importante ouvir do senhor, como Liderança dentro deste Senado, porque o senhor é uma das vozes fortes, inclusive da Região Norte, que é a maior temática, a que mais se tem ouvido no início deste Governo, justamente com a questão do garimpo ilegal, da morte dos ianomâmis e garimpeiros. Vamos encarar essa temática com responsabilidade e nós vamos precisar, sim, da participação de vocês Senadores de lá da região, para que, junto com os nossos convidados que sempre estarão nas audiências, possamos fazer um debate claro e transparente. É importante que a sociedade e também aqueles Senadores que estão com os relatórios sejam subsidiados para apresentarem esses trabalhos para esta Casa. Então, quero agradecer a sua fala. Já vou passar também a palavra para o Senador Jaime Bagattoli. Jaime, eu estou falando assim até mais tranquila, porque todo mundo fala Jaime "Bagáttoli", Jaime "Bagattóli", então seja bem-vindo. Obrigada, Omar. Grata pela participação. Por favor, Senador Jaime. O SR. JAIME BAGATTOLI (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - RO. Para interpelar.) - Quero cumprimentar a Senadora Leila Barros, Presidente desta Comissão da CMA; o André Elias Marques, que é Ouvidor da Agência Nacional de Mineração; o Sr. Maurício Angelo, que fez uns comentários sobre a questão de mineração, o prejuízo que causa ao meio ambiente; e também cumprimentar a Suely Araújo e dizer para vocês que eu respeito todas as pessoas, a opinião de cada um. Eu acho que isso é muito importante, nós temos que ouvir a opinião de cada um. |
| R | Mas eu quero dizer para vocês o seguinte: talvez, aqui dentro desta sala, poucas pessoas não são funcionários públicos ou políticos, que vivem, que recebem do Governo do estado, da União, dos municípios, do estado, enfim. Eu quero dizer que nós estamos numa situação cômoda, viu, Suely? Eu ouvi a senhora falando aqui que a senhora trabalha há mais de 20 anos, e a senhora vai ter uma aposentadoria, vai ter uma garantia no seu futuro, igual a mi, que tenho não como político, mas da iniciativa privada. Eu quero dizer para vocês o seguinte: eu ouço falar tanto da questão de mineração, de reserva indígena; quero dizer para vocês que eu sou a favor da preservação, até porque nós, na condição de produtor rural, nós temos que obedecer a uma legislação que o Brasil tem, que é a melhor legislação. Não tem nenhum país do mundo que tem uma legislação para a área de preservação, para o produtor rural, igual à que nós temos. Mas eu quero dizer para você, Sra. Suely, que nós não podemos considerar só nós como médios e grandes produtores, que estamos com o privilégio de estar com as nossas propriedades regularizadas. Eu quero que vocês entendam primeiramente, antes de eu entrar na questão da mineração, como é que nós vamos fazer com milhares, são milhares de pequenos produtores. Porque eu escuto sempre o Governo do Lula falar que quer defender a agricultura familiar. O que vocês vão fazer com milhares de agricultores - são milhares - da agricultura familiar nos seis estados do Norte que hoje serão expulsas do campo? Noventa por cento vão ser expulsos do campo, porque não vão conseguir a regularização fundiária da forma com que está sendo implantada. Já fizeram, no passado, já foi tentado de todas as maneiras regulamentar essas propriedades, já faz mais de 25 anos, e não se consegue regularizar essas propriedades aí. Então eu quero dizer para vocês, olha o que está acontecendo nos seis estados da Região Norte. Só o Estado de Rondônia, que tem praticamente 128 mil cadastrados no Bolsa Família, com praticamente 260 mil com carteira assinada. E o Estado de Roraima está de igual para igual, em torno de 70 mil para 70 mil. Os demais quatro estados têm mais Bolsa Família do que carteira assinada. O que vai acontecer com esse povo nosso, do Norte? De onde vai sair o dinheiro para pagar todo esse pessoal? Porque o povo não quer Bolsa Família, o povo quer trabalhar, o povo quer ter dignidade. O povo quer ter um trabalho e quer ter o seu sustento. E eu não estou falando para grande produtor, não; estou falando para agricultura familiar. Quanto à mineração, tudo na mineração é complicado. Eu vi aqui tanto o discurso da Rebeca, quanto o da Juliana, tudo para eles é impossível. Tudo para eles, do que elas falaram aqui, é impossível. Não se pode explorar reserva indígena, não se pode mexer com garimpo, não se pode fazer... E a cada dia que essa legislação não for ampliada, não for regulamentada, nós vamos ter mais garimpeiros e mais gente na ilegalidade. |
| R | Por que não? Qual o motivo? Vocês acham que os indígenas que estão lá hoje, de toda a etnias... Eu vou falar aqui dos cintas-largas. O senhor falou que o Brasil arrecadou pouco mais de 10 bilhões - não foi isso? - no último ano. Eu gostaria de saber da reserva dos cintas-largas quanto é que tem, porque é a maior reserva do mundo de diamantes. É a maior, o senhor sabe disso. É a maior reserva do mundo. Agora vocês acham que os índios não vão garimpar? Vocês estão por fora. Vocês estão redondamente enganados se acharem de não legalizar a reserva para eles. Eles têm não índios lá dentro? Tem. Mas vocês acham que eles não querem legalizar? Vocês acham que o índio não quer ter um plano de manejo florestal? Nós temos hoje aproximadamente 120 milhões de hectares. Eu vejo aí falando em uma degradação de 2,5 mil hectares, mas 2,5 mil hectares se recuperam, 3 mil hectares se recuperam. Agora, nós temos que colocar essa mineração na legalidade. O que nós não podemos deixar é continuar da forma como está. Quando o Senador Omar Aziz falou aqui, para vocês entenderem sobre o potássio... Disse ele que tem.... Eu sei na foz do Madeira com o Amazonas, eu não sabia dessa dentro da reserva indígena de que ele falou aí. Mas nem na foz do Amazonas nós não temos conseguido explorar. Toda a questão ambiental trava, tudo é travado pela questão ambiental. Não neste Governo, travou no Governo Bolsonaro, travou para trás, sempre travou. Vocês sabiam que de potássio o Brasil só tem 10% de produção nacional? Noventa por cento do potássio é importado. E eu sou produtor rural. Nós tivemos a maior dificuldade quando deu a crise, esse ano passado, com a guerra da Ucrânia com a Rússia. Para vocês entenderem, saiu de US$400 para US$1,3 mil o potássio. E nós temos a jazida, mas não podemos explorar. Para nós tudo é impossível, para nós nada pode ser legalizado. Olhem a que ponto nós chegamos. Se a polícia vir um caminhão carregado de madeira, um toureiro, e um cara com 50 quilos de cocaína, corre atrás do caminhão que está com duas toras de madeira, duas árvores, e deixa o cara da cocaína ir embora. Em que Brasil nós estamos vivendo? Em que país nós estamos vivendo? Eu não estou falando nada disso para ter vantagem como Senador. Não quero explorar reserva indígena, nunca explorei. Fui madeireiro, sou neto de madeireiro. Nunca entrei numa reserva indígena para explorar madeira, nunca. Até porque isso o meu pai sempre falou, que enquanto não houvesse a legalidade, não poderíamos entrar. Então, nós pegamos esse princípio. Só que chegou a um momento - eu quero que vocês entendam - que nós temos que legalizar a reserva indígena, nós temos que legalizar esse pequeno garimpeiro. O pequeno garimpeiro, esse que está lá com as balsas no Rio Madeira, não quer trabalhar ilegalmente. Ele não quer trabalhar na ilegalidade! E ele quer arrecadar imposto para a União. Só que, se nós não os legalizarmos, nós só queimarmos as balsas, nós não arrumarmos um mecanismo para legalizá-los... E, dentro disso, a União vai arrecadar. Os estados vão arrecadar. Eu quero dizer para vocês, eu ouvi falar... Ela falou tanto em carvão mineral... Ela falou que é melhor pagar as pessoas... Eu ouvi. E me desculpe, se, talvez, eu não entendi, mas eu a ouvi, falando que é melhor pagar as pessoas para não explorarem o carvão mineral do que se explorar o carvão mineral. Ora, o que aconteceu na Alemanha? Ou a notícia é fake news na Alemanha? Teve o problema do gás e eles voltaram a explorar o carvão mineral. Ou foi fake news? Eu vi isso, lá, na Alemanha, que é um país que protege, que fala tanto em proteção ambiental! |
| R | Gente, nós temos que mudar. Nós temos que pensar, nós temos que proteger... Nós temos que proteger nossas florestas. Nós temos que preservar as nascentes d'água. Nós precisamos entender... Todo mundo fala do clima mudando na Amazônia. Vocês sabem o que aconteceu este ano? Neste ano? No ano passado? Eu estou lá há 50 anos, eu nunca vi aquele negócio mudar, em 50 anos. Eu moro no Município de Vilhena. Vai fazer 50 anos que nós estamos lá no ano que vem. Sou produtor rural. Fui madeireiro. Sou empresário, comerciante de outras atividades. Eu só vejo... Este ano, começou... Chove em setembro, outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro, março, abril, maio. Está chovendo. Choveu ontem. Não dá mais nem a seca que dava no passado. Não sei o porquê. Eu vi, no passado, fui madeireiro, fui motorista de caminhão. No passado, chegava a dar 120, 150 dias de interrupção, sem chuva. Não dá mais isso. Não passa de 90 dias. Não me pergunte por quê. Não sei como que isso veio acontecer. Agora, temos que preservar, sim. Mas, olha, como é que nós vamos fazer com essas... Nós temos lá mais de 20 milhões de pessoas na Amazônia. Nós temos, hoje, pouco mais de 600 mil índios. Nós temos, praticamente, 120 milhões de hectares de áreas indígenas. Nós temos aí esse... O que está no Supremo aí para votar, essa questão das reservas indígenas. Eu a ouvi falando aqui. Gente, a União tem tanta terra devoluta! Agora, não vamos, mais uma vez, tirar esses produtores, esses pequenos produtores, que estão lá, há 100 anos, em cima de uma propriedade - pessoas que vão perder suas propriedades. Enfim, eu quero dizer para vocês o seguinte. Se nós, como falou o Senador Omar Aziz... Não pode ser oito, mas também.... Não pode ser oito ou oitenta, mas nós temos que achar um mecanismo. O Governo passado tentou encontrar, mas não é aprovado... Aonde se vai, se encontra barreira, como o Governo de agora vai encontrar barreira também. Mas nós não podemos, também, ser radicais e acharmos que tudo não pode neste país. Eu vou falar para vocês o seguinte. Nós estamos a um colapso da maior crise já vista na história deste país. O segundo semestre vai mostrar isso para nós - o segundo semestre! A indústria está desacelerando dia a dia. Realmente, a inflação vai cair, vai cair! Eu sou empresário e tenho absoluta certeza disso: a inflação vai cair. Nós não vamos ter geração de emprego. Essa é a maior preocupação nossa. Não é só na questão de exploração mineral não; é na indústria, em todos os segmentos que estão caindo, que estão sendo retraídos. A indústria, hoje, se você quiser comprar de uma agulha a um avião, você compra o que você quiser, hoje, no mercado. Vamos pensar no Brasil! Vamos pensar no futuro e vamos preservar as nossas florestas, mas vamos ter que fazer leis que possam dar segurança para quem... Só para terminar, eu quero falar para vocês o seguinte - e já falei isso em uma outra audiência: exploração de manejo florestal eu conheço, eu sei o que é o segmento. Se fizesse em 100% das propriedades o manejo florestal, daqui a 100 anos a mata estava preservada. Mas nem o manejo florestal consegue trabalhar direito, porque, neste Brasil, se vende dificuldade para receber facilidade. Infelizmente, é isso! É neste governo, é no outro. Isso aí já vem de anos assim. |
| R | Então, o que nós precisamos é regulamentar, nós precisamos ter seriedade. E volto a frisar para vocês: vamos cuidar do pequeno produtor do campo. Se nós não regularizarmos essas áreas... Vai ter outra audiência, lá no Congresso Nacional, só da Região Norte, hoje, às 17h. Se nós não regularizarmos os pequenos produtores da Região Norte, principalmente da Região Norte e de parte da Região Centro-Oeste também, nós vamos ter um problema seríssimo, no futuro, de desemprego. E, nessa questão do Bolsa Família, eu quero ver da onde vai sair esse dinheiro para pagar tanta gente que não vai ter recurso. Vocês podem ter certeza disso. Meu muito obrigado. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada, Senador Jaime. Eu tenho algumas perguntas aqui aos nossos expositores e, depois, eu deixo alguns minutos finais para vocês, enfim, indagarem as colocações dos Senadores aqui. Podemos fazer assim? Porque temos algumas perguntas. Tramita aqui, nesta Casa, o projeto de lei que pretende instituir a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Eu gostaria de aproveitar a presença e a expertise dos nossos convidados para indagá-los sobre quais os aspectos de uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental seriam imprescindíveis ou, por outro lado, prejudiciais para indicadores de sustentabilidade e a que aspectos eu e os meus colegas devemos nos atentar ao analisar essas proposições legislativas. A outra: os dados do Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração, vinculado à ANM, apontam que, das 920 barragens em nosso território, apenas 458 estão contempladas por uma política de segurança de barragens. Essa política é a garantidora de padrões de segurança de barragens, de forma a reduzir a possibilidade de acidentes e suas consequências, além de regulamentar as ações e padrões de segurança. Nesse cenário, quais seriam as ações emergenciais para garantir a segurança à população brasileira, dados os riscos iminentes relacionados às barragens em nosso país? Eu vou, primeiro, nessas duas perguntas, que são dos nossos consultores. Eu pergunto quem gostaria de responder. (Intervenção fora do microfone.) |
| R | A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Tá, Maurício e Suely, que, enfim... (Intervenções fora do microfone.) A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - E, a de Barragens, o André. O SR. MAURÍCIO ÂNGELO (Para expor.) - Certo, vou falar muito brevemente sobre os dois aspectos. Sobre a Lei de Licenciamento Ambiental, brevemente, como a Suely disse, os estados são os principais responsáveis por essas aprovações ou não e eles sofrem uma pressão terrível das empresas mineradoras. Em Minas Gerais, por exemplo, eu cobri muito essa questão. As mineradoras se infiltram dentro da Secretaria de Meio Ambiente e ditam como as regras devem acontecer. Não é por acaso que vários rompimentos aconteceram em Minas Gerais e essa questão, mesmo depois de Mariana e de Brumadinho, não mudou. Essa semana mesmo, ontem, eu estava dando entrevista sobre uma barragem da ArcelorMittal, em Minas Gerais, na região metropolitana de Belo Horizonte, que está em nível 3 de risco de rompimento, que é o maior nível possível. Há risco iminente de rompimento. A Justiça embargou a barragem, obrigando a empresa a retirar os trabalhadores da área da exploração, ou seja, estamos em maio de 2023 e barragens continuam em risco. Nós temos dezenas de barragens em risco. Além dessa barragem, em Itatiaiuçu, nós temos outras duas, pelo menos, em nível 3: em Barão de Cocais, que... (Soa a campainha.) O SR. MAURÍCIO ÂNGELO - ... é da Vale, e em Ouro Preto, que também é da Vale; ou seja, mesmo os projetos de lei que o Congresso analisou, aprovou, etc., essa questão não foi resolvida. As empresas precisam, de fato, desativar, descomissionar as barragens em tempo hábil. Esse prazo já foi expandido, inclusive, pela ANM e em nível estadual também. E, a Lei de Licenciamento Ambiental, a Suely pode falar muito bem sobre isso, o setor mineral está pressionando para incluir a mineração, porque ficou de fora no Congresso, quer incluir aqui no Senado. E isso representa um risco bastante grave para a continuidade, justamente, desses empreendimentos, incluindo as barragens que eu acabei de citar. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada, Maurício. Suely. A SRA. SUELY ARAÚJO (Para expor.) - Bom, vamos lá. A licença ambiental é o... (Soa a campainha.) A SRA. SUELY ARAÚJO - ... principal instrumento para a prevenção de danos que tem na nossa legislação. Eu considero o principal instrumento operacional da Política Nacional do Meio Ambiente. Ela está prevista desde 1981 como aplicação nacional e até nos estados começou antes disso. O que tem no projeto que está tramitando agora que preocupa muito mesmo? É uma preocupação com a lentidão do licenciamento, que é real, há problemas de lentidão, há problemas de processos não padronizados em termos de, às vezes, requisitos que são demandados de um empreendimento que deveriam ser do outro, nem sempre tem a mesma padronização, deixando claro que mais de 90% do licenciamento ambiental no país está a cargo dos estados. O Ibama dá cerca de 600 licenças por ano. Por que o Ibama aparece muito? Porque ele faz a licença de Belo Monte, do leilão que vai de Belo Monte até o Rio de Janeiro, por isso que ele aparece. O que me preocupa no que está no texto, principalmente o que me chama a atenção: é você não querer resolver esses problemas do licenciamento não organizando as equipes, não padronizando os processos, mas liberando de licença, liberando o empreendedor de responder por impactos indiretos, que são muitas vezes o pior impacto. Às vezes, um grande empreendimento, o pior impacto não vai estar na obra em si, no asfaltamento de uma grande rodovia na Amazônia, por exemplo, o principal impacto vai estar no desmatamento, que é indireto. E o texto tende a excluir a responsabilidade do empreendedor por esses impactos indiretos. Ou um grande afluxo populacional em uma cidade como Tucuruí, quando construiu a obra. A cidade multiplicou por dez de tamanho em cinco anos, Senadora. Então, você vai falar que o Prefeito vai resolver isso? |
| R | Tem uma série de pontos, mas os principais são o autolicenciamento, a parte da isenção das licenças, a desconsideração de impactos indiretos e a pouca atenção para problemas como patrimônio histórico, unidades de conservação, o que a gente chama de autoridades envolvidas, os órgãos que não são licenciadores e que se manifestam no texto que está no Senado. Eles têm o seu poder praticamente excluído, inclusive os órgãos que tratam da questão indígena. É um texto que precisa ser reconstruído. Eu vejo até dificuldade de resolver com emendas pontuais. Para mim, nós temos que caminhar para um substitutivo, considerando que, sim, podemos ter uma lei de licenciamento e temos uma responsabilidade enorme em tentar ajudar até... (Soa a campainha.) A SRA. SUELY ARAÚJO - ... isso a ser um pouco mais padronizado, a correr, fluir melhor, mas nunca retrocedendo numa ferramenta que é aplicada no país há 40 anos. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Perfeito, Suely. Obrigada. Agora, a palavra para o André Marques. O SR. ANDRÉ ELIAS MARQUES (Para expor.) - Em relação às barragens, a pergunta que foi feita, apesar de nós termos 920 barragens no país, mas cerca de 50% delas só estarem incluídas na Política Nacional de Segurança de Barragens, o que determina que uma barragem seja incluída ou não na política são as suas dimensões, categoria de risco, dano potencial associado, são as características da barragem. Então, não necessariamente é porque apenas 50% estão na política que a gente vai deixar de fiscalizar os outros 50%, isso não existe. A ANM fiscaliza 100% das barragens se necessário for, as 920, de acordo, claro, com alguma que possa estar com o risco eminente de rompimento, que esteja oferecendo algum risco à sociedade. O que nós temos a falar em relação a garantir a segurança dessas estruturas é que, por mais que nós tenhamos tido um concurso recente para contratação de fiscais na área de barragens de mineração, ainda não é o suficiente. A gente ainda está muito aquém da nossa capacidade de fiscalização de barragens. Pode ser realizado um novo concurso, a gente pode destinar parte da equipe para essa atividade, mas ainda estamos aquém. A resposta que a gente tem que dar é que seja garantida à Agência Nacional de Mineração um número suficiente, mínimo, de servidores que possa fiscalizar essas barragens, que possa dar uma resposta à sociedade trazendo uma condição de maior segurança. As barragens de mineração a montante já não estão mais podendo ser criadas novas barragens. Aquelas que já existem já estão em descomissionamento e descaracterização, e a gente tem que apertar o cerco, fiscalizar com mais critério, com um maior nível de detalhe e, para isso, a gente precisa de investimento, gente. É investimento na Agência Nacional de Mineração, é investimento em concurso, é investimento em salário, é investimento em uma série de coisas que garantam à Agência Nacional de Mineração dar segurança a toda a sociedade, em especial àqueles que estão residindo próximo a estrutura de barragem de mineração. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Perfeito. Pergunto à Juliana se quer responder, acrescentar mais alguma coisa, pergunto à Rebeca também, à fala da Suely, do Maurício e do André. (Pausa.) Juliana. Por favor, Juliana. A SRA. JULIANA DE PAULA BATISTA (Para expor. Por videoconferência.) - Acho que não existem mais perguntas, talvez a gente pudesse partir para as considerações finais. |
| R | A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Perfeito, até pelo avançar mesmo da hora. Eu agradeço aos nossos expositores. O que faremos agora? Teve uma participação muito bacana na audiência de hoje. Eu vou ler aqui as perguntas dos nossos internautas e deixar aqui para que vocês possam encaminhar essas respostas, se puderem, para a nossa Mesa da Comissão, que eles encaminharão aos internautas que perguntaram, para que a gente possa dar uma resposta mais célere. Rebeca. A SRA. REBECA LERER (Por videoconferência.) - Senadora, se me permite, eu tenho que sair daqui a dez minutos. Se eu puder já fazer minha fala final, agradeceria o espaço. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Pois não. Por favor. Depois, eu faço as perguntas. Pode falar. A SRA. REBECA LERER (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigada. Eu queria fazer alguns comentários, especialmente a partir da contribuição dos Senadores. Um é lembrar que, nesses últimos quatro anos, a gente viu, consistentemente, os aumentos dos índices de desmatamento, de violência no campo, de violência armada, de violência letal, uma miríade de crimes ambientais, apesar das seguidas edições de decretos de garantia de lei e ordem, a partir de 2019; ou seja as Forças Armadas estavam com um mandato oficial e orçamento para fazer o controle na Região Amazônica e, em alguns momentos, também no Pantanal, e, mesmo assim, todas as estatísticas mostram o absoluto descontrole sobre as atividades de uso da terra na Região Amazônica, nesses últimos quatro anos. Eu coloco esse ponto porque tudo volta, vem esse argumento do narcotráfico, vem o argumento de que nada pode, quando, na verdade, é o oposto: tudo foi possível, tudo que quiseram fazer foi feito. Apesar das GLOs e apesar do discurso de combate ao crime, nacionalista, não, o que a gente viu foi uma entrega do patrimônio nacional, roubo de ouro, roubo de terra. Eu acho que a ideia desta audiência era a gente discutir a política mineral e as políticas de uso da terra no Brasil do ponto de vista das leis que já existem: existe um Código Florestal, existe uma Lei de Crimes Ambientais, existe uma lei de licenciamento, que está sendo esvaziada, como a Suely bem colocou, como a Juliana colocou. O que a gente está pedindo aqui como sociedade civil é justamente a governança, que está colocada na Constituição e não é implementada, e novas leis que fortaleçam essas garantias constitucionais. Quem está incentivando o uso ilegal dos recursos ou a exportação de recursos como commodities que geram poucos empregos, empregos de baixa qualidade para a população brasileira são os setores que têm agido nesses últimos quatro anos - desde sempre, mas com muita força aí nesses últimos quatro anos, a partir de 2017, especificamente -, para ter acesso a esses recursos que são tão estratégicos e valiosos para o Brasil num contexto mundial, em que o Brasil ainda é um dos poucos países que detêm esse tipo de recurso na escala que a gente tem e que poderia ser o líder, em termos de tecnologia, de inovação, de geração de condições de vida melhores para as pessoas da Região Norte, mas também para as das Regiões Centro-Oeste e Nordeste, de todos esses lugares. |
| R | Eu morei em Manaus, inclusive quando o Senador Aziz era Vice-Prefeito, no final dos anos 90, início dos anos 2000. Eu conheço a região de Vilhena também. Então, nós somos pessoas preocupadas com o nosso país, é isso que nos traz aqui, é isso que nos motivou a escrever esse relatório, tantos outros documentos que foram produzidos com responsabilidade no sentido de documentar o que aconteceu para que haja reparação. Sem memória, não existe justiça e nem reparação. Então, eu gostaria muito, mais uma vez, de agradecer pela atenção de vocês e eu sigo na esperança de que os debates políticos nesta Casa, nas outras casas legislativas, dentro do Executivo, sejam de compromisso com o respeito aos direitos territoriais e humanos e com as metas de redução do desmatamento das emissões que provocam as mudanças climáticas que colocam em risco todos nós. Muito obrigada e um bom trabalho para vocês que seguem na audiência. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós que agradecemos a sua participação, Rebeca. Sigamos firmes. Teremos aí muitos debates, muitas audiências nessa temática e queremos muito contar com a sua participação, sempre presente conosco aqui na nossa Comissão. Eu vou fazer as perguntas e, passo as perguntas aos nossos expositores e vou passar depois, dando a eles quatro minutos para as exposições finais. José Pedro, do Distrito Federal: "Como combater a [...] [exploração] de minerais preciosos em terras indígenas? Como garantir a recuperação ambiental de terras concedidas?". Nathaly da Silva, de Pernambuco: "Como são definidos critérios para a concessão de direitos [...] [na área de mineração] no Brasil?". João Victor, do Distrito Federal: "A política mineral no Brasil está incluída no plano plurianual? Quais os programas temáticos referentes a essa política?". Tem um comentário aqui do Daniel Moreira, de Minas Gerais: "A política mineral no Brasil deve garantir a preservação de áreas de relevante interesse histórico, geológico e paisagístico". Fábio Luiz, do Rio de Janeiro: "Quais são as políticas de médio e longo prazo para o desenvolvimento do setor?". Newton Barreto, de Rondônia: "Qual é a estratégia do Estado brasileiro para promover o desenvolvimento sustentável e a preservação ambiental na política mineral do país?". Beatriz Loureiro, do Rio de Janeiro: "Como [...] [as mineradoras serão fiscalizadas]?". Enfim, tema complexo exige soluções complexas. E não será fácil para nós aqui esse debate, principalmente nesses próximos dois anos. Mas estamos muito seguros de que devemos fazê-lo. Eu vou passar às considerações finais. Primeiramente, os nossos expositores aqui na Mesa, como falei, por quatro minutos. Vou começar pelo Maurício. Por favor, Maurício. O SR. MAURÍCIO ÂNGELO (Para expor.) - Perfeito. Bom, infelizmente, o Senador Omar e o Senador Jayme precisaram se ausentar, eu só queria comentar alguns pontos importantes da fala dos dois. Primeiro, as principais reservas de fertilizantes do Brasil estão fora de terras indígenas, segundo o próprio Plano Nacional de Fertilizantes, lançado no Governo Bolsonaro. Então, o Brasil não precisa explorar terra indígena para aumentar a sua produção de fertilizante. Esse é um mapeamento que já foi feito, o Governo tem todos os detalhes técnicos disso. Sobre a questão da representatividade indígena, inclusive, sem dúvida os indígenas falam por eles e muito bem. Nos últimos anos eu entrevistei, conversei com centenas de lideranças indígenas, acabamos de ter aqui em Brasília o ATL, o acampamento indígena que é a maior mobilização indígena do mundo, reunindo milhares de indígenas de várias partes do país. E se você olhar as principais organizações indígenas, a Apib, a Coiab, as organizações locais como as do povo mundurucu, dos caiapós, dos ianomâmis, todas elas, rigorosamente todas elas são contra a exploração mineral em terra indígena, são contra o garimpo em terra indígena, fazem denúncias não só contra o garimpo, mas contra empresas multinacionais. A Alessandra Munduruku acabou de ganhar um prêmio internacional, o "Nobel" do meio ambiente, por fazer o combate contra o interesse da Anglo American, que é uma empresa multinacional dentro da Terra Indígena Mundurucu. |
| R | Então, sem dúvida, você tem uma organização nacional e mundial. Essas organizações denunciaram, durante o Governo Bolsonaro, várias questões de violações de direitos humanos que estavam sendo cometidas dentro dessas terras indígenas, e nada foi feito. Por fim, o Canadá não faz mineração sustentável. O Canadá não é um exemplo de mineração sustentável. Eu falo com bastante tranquilidade, porque eu investiguei, eu conversei com lideranças do Canadá, assim como eu conversei com lideranças dos Estados Unidos, do Chile e da Austrália, que são países que permitem mineração dentro de terra indígena. O Canadá teve um rompimento de barragem de mineração em 2014 muito grave, que inclusive afetou terras indígenas lá. Eu conversei com essas lideranças. Eu investiguei. Não é exemplo. E o Canadá foi tido como exemplo pelo Governo Bolsonaro e é tido como exemplo pelo Governo Lula. Não é exemplo. As pessoas vendem a ideia de que a mineração em terra indígena nesse país ocorre de maneira supertranquila, razoável, que é superpossível, em harmonia. Isso não é verdade! Basta você analisar os fatos, basta você conversar com as lideranças indígenas e ver o histórico e como funciona, assim como a questão ianomâmi vem lá dos anos 1980. Romero Jucá, que é ex-Senador, foi o autor do projeto de lei, nos anos 1990, do primeiro projeto que queria legalizar a exploração dentro de terra indígena. O genocídio ianomâmi foi cometido nos anos 1980. Não sou eu que estou falando. É a Comissão Nacional da Verdade. Romero Jucá era Presidente da Funai na época, nos anos 1980. Então, você tem ciclos de exploração do garimpo. Os fatos mostram que isso aumentou muito nos últimos anos. Não dá para relativizar porque o número de hectares dentro de... (Soa a campainha.) O SR. MAURÍCIO ÂNGELO - ... uma terra indígena é supostamente pouco em comparação com a infinidade de terras que o agronegócio explora, por exemplo. Então, assim, é preciso sem dúvida nenhuma respeitar a autonomia indígena. Se o Parlamento brasileiro e a sociedade ouvissem as principais lideranças e organizações indígenas, iam se dar conta de que elas são contra a mineração em indígena. E, assim, para a gente seguir no caminho de uma mineração sustentável, não basta olhar para exemplos de países que são considerados um modelo ouvindo apenas as empresas, ouvindo apenas os políticos que são ligados ao setor mineral. É preciso também ouvir e entender o contexto geral, mundial, no qual o Brasil está inserido e respeitar os fatos, respeitar essas lideranças, que estão há anos e décadas contando como as coisas são. Nós precisamos de um novo modelo mineral. Não dá para repetir os erros do passado. Acabamos de sair de dois desastres gigantescos, entre os maiores do Brasil e do mundo, e não é razoável que a sociedade brasileira repita esses mesmos erros em troca de manter um modelo econômico que é mera exportação de commodities. Então, precisamos repensar esse modelo, e obviamente o Parlamento, o Congresso e o Senado são fundamentais nesse processo. Muito obrigado. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós que agradecemos, Maurício, que é o fundador e Diretor do Observatório da Mineração. Muito obrigada pela sua participação. Passo agora para a Sra. Suely Araújo, Especialista Sênior em Políticas Públicas. V. Sa. está com a palavra. A SRA. SUELY ARAÚJO (Para expor.) - Bom, obrigada, Senadora. Eu queria fazer um comentário sobre uma das frases que foi colocada pelos Parlamentares, que é a de que, para o meio ambiente, nada pode ou a de que o meio ambiente atrapalha tudo. Essa visão realmente a gente tem que contestar. É uma visão que vê as normas ambientais como entraves, e que tem que ser afastada. O que ocorre se você operacionaliza essa visão? A responsabilidade pelos danos causados ninguém vai assumir. Então, os efeitos vão cair sobre todos nós - sobre o equilíbrio ambiental, sobre o equilíbrio climático e somos nós que vamos sofrer esses efeitos e ter que responder se o poder público... Nós vamos pagar na hora em que o poder público vai tentar, se puder, trabalhar e recuperar essas áreas todas degradadas, essas áreas contaminadas por metais pesados. |
| R | Então, essa visão de que se tiram as normas ambientais simplifica o mundo, porque todos nós vamos sofrer os efeitos negativos da ação que é feita, dos empreendimentos que são feitos desconsiderando a questão ambiental. Fora de áreas indígenas, ninguém é contra a mineração, qualquer tipo de mineração, desde que feita nas áreas apropriadas, com licença prévia, em que o empreendedor assuma todos os custos gerados pelo seu empreendimento, inclusive os custos em termos de efeitos ambientais negativos. É ele que vai ter que minimizar aquilo, que vai ter que compensar. Se isso ocorre, ninguém é contra a mineração. Em terras indígenas, é outra história. São terras indígenas, e nós temos, sim, que ouvir os indígenas. Aí assino embaixo dos comentários do Maurício de que as principais lideranças indígenas do país são contra a liberação de mineração em terra indígena. Então, eles têm que ser ouvidos. São territórios sobre os quais eles são os primeiros que têm que ser ouvidos. Era isso. Agradeço a oportunidade de participação, em nome do Observatório do Clima. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada, Suely. Grata pela sua participação. Vou passar a palavra, agora, se me permite, André, para a Juliana de Paula Batista, que é advogada do Instituto Socioambiental (ISA). Por favor, Juliana, com a palavra. A SRA. JULIANA DE PAULA BATISTA (Para expor. Por videoconferência.) - Eu também gostaria de retomar algumas questões que foram apontadas pelos Senadores que, infelizmente, saíram. Primeiro, essa ideia de que não se pode nada é uma ideia equivocada. Acho que nenhum de nós, em nenhum momento aqui, defendeu isso. O que a gente vem debatendo é um debate que seja qualificado, que agregue conhecimento técnico, que agregue conhecimento científico e que, principalmente, seja realizado em um diálogo com os povos indígenas. Aí também acho que a gente deve rebater ideias equivocadas de que algumas pessoas colocam o cocar na cabeça e vêm para Brasília fazer de conta que são indígenas. Os indígenas têm seus mecanismos próprios, garantidos pela Constituição, que garante a eles as suas culturas, as suas línguas, as suas tradições, os seus usos e costumes para definir quem são as lideranças representativas que podem falar pela coletividade, como nós também temos os nossos protocolos e regras para definir quem pode votar durante a votação de um projeto de lei no Senado. Eu não posso chegar aí e votar porque eu não sou Senadora, eu não fui eleita, eu não passei por um processo para me definir como uma representante. Os indígenas também têm seus protocolos e estão garantidos pela Constituição. Também a gente não pode desqualificar indígenas que são representantes das suas coletividades porque eles não corroboram as pretensões que determinadas pessoas defendem. Então, acho que este é um ponto que a gente tem que ter no horizonte dos debates: as pessoas que também vão falar por essas coletividades indígenas são aquelas que são livremente escolhidas por eles, e não por nós. Isso é um pressuposto básico de respeito à alteridade, que foi garantido pela Constituição Federal de 1988. |
| R | E uma outra questão, que também vem sendo veiculada e que me parece equivocada, é a ideia de que a gente vai ter fome no país, de que a gente vai ter desemprego, de que as leis precisam ser modificadas, por exemplo, para garantir regularização fundiária para quem está há 20, 30 anos em cima de uma terra. As leis que a gente tem hoje no país já garantem a regularização fundiária para quem está há 20, 30 anos em cima de uma terra, já garantem o processo de regularização fundiária facilitado para os pequenos agricultores. Então, vocês poderiam me perguntar: mas onde está o entrave, se isso tem demorado para acontecer? O entrave está na desestruturação dos órgãos que são responsáveis por essas políticas. Então, não adianta a gente mudar a legislação, se a gente não tem, por exemplo, servidores no Incra, que possam tocar esses processos administrativos. Infelizmente, eles têm que ter algum controle. Não dá para, simplesmente, a pessoa colocar "Aceito" e imprimir um título na impressora da casa dela, porque a gente tem, como os Senadores lembraram, pequenos agricultores, por exemplo, que estão dentro de terras indígenas. E esses pequenos têm que ter direito prioritário a reassentamento nas terras públicas não destinadas. E é justamente por isso que a gente não pode ter um sistema de facilitação da grilagem dessas terras, porque existe aí uma necessidade de planejamento fundiário do país para a gente atender as múltiplas demandas que existem. Por fim, quero lembrar que a gente tem dois terços do território nacional onde não existe pesquisa qualificada sobre disponibilidade mineral e que a gente precisa olhar para o território nacional como um todo. Não dá para pensar, começar a pensar o desenvolvimento de um setor pelas terras indígenas. A gente tem que começar pelo restante do país, onde não existem ainda, muitas vezes, pesquisas. E como alguém que me antecedeu falou muito bem, esses estudos demonstram que, inclusive, a maior disponibilidade mineral, por exemplo, de potássio, está fora das terras indígenas. Então é uma discussão completamente inócua se a gente quer, de fato, resolver problemas com a questão mineral no país, por exemplo. Muito obrigada. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós que agradecemos a sua participação, Juliana, advogada do Instituto Socioambiental (ISA). Agora, eu vou passar a palavra para o nosso último expositor, que é o André Elias Marques, Ouvidor da Agência Nacional de Mineração. O SR. ANDRÉ ELIAS MARQUES (Para expor.) - Bom, Senadora, eu acho que a gente ouviu aqui bastante, em especial, sobre a mineração em terra indígena. E é importante deixar claro que a ANM, como executora de políticas públicas de mineração, atende ao que hoje é previsto nos normativos, que é não autorizar a mineração em terras indígenas. Requerer, qualquer cidadão pode requerer, áreas em cima de todo o território nacional, mas compete a nós, da Agência Nacional de Mineração, retirar as interferências com áreas que queiram, de forma legalizada, explorar em áreas indígenas. Isso não é possível. Então, a Agência Nacional de Mineração atende ao que está na lei e não autoriza qualquer pesquisa mineral ou exploração em terras indígenas, assim como em unidades de conservação de proteção integral e em todas as outras áreas que têm restrição à atividade de mineração. |
| R | Contudo, é importante a gente ressaltar aqui que a lavra ilegal ela acontece. Os Senadores deixaram bem claro aqui: ninguém vai deixar de explorar se a política pública não chega até lá. Então, é importante que nós, enquanto Agência Nacional de Mineração, deixemos um recado: nós vamos executar aquilo que for a política pública de mineração no pais, respeitados todos os vieses, todas as restrições, o que for imposto. O que não dá mais para a gente aceitar é a coisa como está hoje, que a Agencia Nacional de Mineração, sucateada como está hoje, não consiga dar respostas sequer à atividade legalizada, quiçá à atividade ilegal. Nós não temos perna, não temos inteligência fiscalizatória, recursos e pessoal para alcançar isso. Enquanto ouvidoria, eu trago um dado aqui: das mais de 200 denúncias de lavra ilegal que nós tivemos ao longo do ano de 2022, a ANM não conseguiu atender sequer a 10%, por falta de efetivo, por falta de orçamento. Conversávamos aqui antes de a sessão começar que, em Brumadinho, no acidente de Brumadinho, os servidores da ANM não tinham orçamento para pôr combustível na caminhonete para chegar ao ocorrido. Então, esse tipo de situação é que nós não podemos mais aceitar enquanto Agência Nacional de Mineração. Contamos com o apoio do Legislativo, contamos com essa interlocução também com o Executivo para que a Agência Nacional de Mineração tenha, sim, o seu papel de destaque para cumprir com a missão de trazer uma mineração sustentável, uma mineração que respeita técnicas consagradas, uma mineração que entregue de volta à sociedade valores. Não é só a Cfem, não é só o dinheiro, mas também valores em termos de respeito, preservação, para deixar um país melhor para a nossa futura geração, deixar um legado de fato de uma mineração que vem para somar, vem para contribuir. A gente não pode ter mais aquele discurso da mineração vilã do meio ambiente; pelo contrário, a mineração faz parte do meio ambiente. Meio ambiente não é só o verde, meio ambiente é tudo que nos cerca. E a mineração contribui, inclusive, sobremaneira para o conforto da atual e das futuras gerações. E para isso a gente precisa investir... (Soa a campainha.) O SR. ANDRÉ ELIAS MARQUES - ... no órgão que regula o setor, que fiscaliza o setor e que devolve para a sociedade valores importantes não só financeiros, mas também valores de respeito e preservação ao meio ambiente. Muito obrigado. A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Eu é que agradeço a presença, André. Bom, acho que está claro aqui que os nossos convidados vieram trazer luz a um problema que é sério no nosso país, que é essa questão da desregulação da atividade de garimpo, de mineração. A gente tem a exploração ilegal de madeira, tem o garimpo ilegal, a pesca ilegal, a caça ilegal, entre outras atividades ilegais que estão chegando até o tráfico de drogas, que está se tornando uma grande bomba-relógio para nós, enquanto sociedade, atingindo claramente o meio ambiente, principalmente os nossos povos tradicionais, os povos indígenas. Então, qual foi o objeto dessa nossa audiência? Era justamente um pleito feito pelo Observatório da Mineração, com o relatório "Dinamite Pura: como a política mineral do governo Bolsonaro armou uma bomba climática e anti-indígena". Eles deram luz a um cenário de terra devastada e de total, digamos, descontrole e desarticulação dos órgãos de fiscalização, de conservação. Uma delas está aí, é a ANM. E esta Casa vai ter que se debruçar, nesses próximos anos, entendendo que é um tema complexo, mas nós vamos nos debruçar sobre esses temas complexos. |
| R | Quero agradecer a participação de vocês. Eu acho que o Congresso é isso. As ideias nem sempre vão convergir, mas o mais importante é darmos luz a esses debates para que possamos, como falei, não só abrir essa porta para os demais Senadores, mas também, principalmente, subsidiar a gente. A minha maior preocupação hoje é que nós estamos já demandando os relatórios dos Senadores, e eu acho importante que eles possam participar, ouvir a todos, para que eles possam entregar à nossa sociedade o melhor relatório. Foi como vocês falaram aqui, a sociedade precisa ser ouvida, as instituições que representam os diversos setores precisam ser ouvidos, e daremos voz a todos eles. Então, gostaria de agradecer a presença de vocês e, em breve, estaremos juntos em outras audiências aqui. Nada mais havendo a tratar, eu declaro encerrada a nossa audiência. Obrigada. (Iniciada às 9 horas e 14 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 44 minutos.) |

