Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 28ª Reunião da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento n° 34, de 2023, de minha autoria e de outros, para debater o tema "Os direitos humanos e a comunidade LGBTQIA+". A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211. Enquanto estão chegando ainda os nossos convidados, eu faço sempre uma fala de abertura, que é chamada fala do Presidente, para situar os telespectadores e todos aqueles que estão nos acompanhando pela TV Senado, Rádio Senado e Agência Senado. Senhoras e senhores, segundo dicionários, enciclopédias, juristas, especialistas, a discriminação é a conduta de transgredir os direitos de uma pessoa baseando-se em raciocínio sem conhecimento adequado, tornando-a injusta e infundada. Está em toda a sociedade. O cenário mais comum se dá através da discriminação social, cultural, étnica, política, religiosa, sexual ou etária, que pode, por sua vez, levar à exclusão e a muitos outros tipos de discriminação. Ainda por essas fontes, preconceito é uma opinião formada precipitadamente, sem maior ponderação; um conceito formado antes de se ter os conhecimentos necessários, não baseada em dados e experiência própria ou histórica. É um conjunto de atitudes que geram, favorecem ou justificam um comportamento de discriminação lamentavelmente. A discriminação e o preconceito com a comunidade LGBTQIA+ são tópicos que afetam diretamente a vida de muitas pessoas em todo o mundo. Infelizmente, são muito comuns e têm efeitos negativos gravíssimos sobre a saúde mental, a autoestima e a qualidade de vida das pessoas LGBTQIA+. A exclusão social, o bullying, a violência física e sexual, a recusa de serviço e oportunidades, a falta de proteção legal, são baseados em estereótipos e preconceitos sobre a pessoa LGBTQIA+. Segundo o Observatório de Mortes e Violências LGBTI+, o Brasil registrou, ao menos, 273 mortes violentas - 273 mortes violentas em 2022! Desses casos, 228 foram assassinatos; 30, suicídios; e 15 outros, por causas como morte decorrente de lesão por agressão. A média é de um morto a cada 32 horas. |
| R | Travestis e transexuais representam boa parte dos mortos (58%), seguidos por gays (35%), lésbicas (3%) e homens trans (3%). Ainda há a pequena porcentagem de pessoas não binárias (0,4%) e outras designações também (0,4%). Os desafios são enormes para a comunidade LGBTQIA+. Ela precisa ser respeitada e ter os seus direitos garantidos. A sociedade precisa ser educada, precisamos de campanhas de conscientização pública, programas de educação sobre diversidade e inclusão, espaços seguros. O Estado brasileiro não pode se omitir. A luta da comunidade LGBTQIA+ é uma questão de justiça social, é uma questão de direitos humanos, é uma questão de políticas humanitárias. Buscamos uma sociedade mais justa e inclusiva, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. Lembro que amanhã, 17 de maio, é o Dia Internacional de Combate à LGBTfobia. O tema deste ano, escolhido no âmbito internacional, é "Juntos sempre: unidos na diversidade". No Brasil, a data entrou no calendário oficial por meio do Decreto Presidencial de 4 de junho de 2010. Essa é a introdução do tema e, claro, quem vai falar aqui são os painelistas. Eu faço um comentário produzindo aqui pela Consultoria do meu gabinete. Pediram-me pelo e-Cidadania que eu fizesse a leitura de algumas perguntas que chegaram - e isso pediram que eu adotasse em todas as audiências públicas -, porque, se algum dos painelistas quiser se debruçar sobre elas, poderá também respondê-las. Perguntam-nos: - Bruna Taísa, do Paraná: "Como os direitos humanos tratam a LGBT?" - Isabela Brettas, de São Paulo: "Como funciona a questão do registro civil para pessoas trans?" - Daniel Nogueira, do Distrito Federal: "Haverá mais medidas para a proteção da comunidade LGBTQIA+?" - Camila Ribeiro, de São Paulo: "O Senado tem propostas mais avançadas para combater os ataques a comunidade homoafetiva?" - Luís Lago, de São Paulo: "A Constituição Federal de 88, no seu art. 5º, já diz que todos são iguais... Qual a intenção de estratificar os seres humanos?" As perguntas ficarão à disposição dos convidados para, se assim entenderem, se posicionar. Se não, depois a Consultoria aqui da mesa responderá às perguntas. Mas o bom seria que os convidados, cada um deles, escolhesse uma ou duas e colocasse o seu ponto de vista. Convido, para a primeira mesa, Lucas Costa Almeida Dias, Procurador Regional dos Direitos do Cidadão no Acre, Ministério Público Federal. Seja bem-vindo, Lucas! (Palmas.) Convido Sérgio Caetano Conte Filho, Defensor Público Federal e membro do Grupo de Trabalho LGBTQIA+ da Defensoria Pública da União. (Palmas.) |
| R | Sejam ambos bem-vindos. Teremos até o momento já pronto para entrar de forma virtual, em videoconferência, o Jan Jarab. O Jan Jarab é Representante Regional para o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos na América do Sul. Então, vamos começar com o Dr. Lucas Costa Almeida Dias. Como é de praxe, eu dou dez minutos, com mais cinco, se assim o convidado entender, o painelista, o que daria 15 minutos. Então, de imediato, passamos a palavra ao Dr. Lucas Costa Almeida Dias, Procurador Regional dos Direitos do Cidadão no Acre, Ministério Público Federal. O tempo é seu. O SR. LUCAS COSTA ALMEIDA DIAS (Para expor.) - Obrigado, Senador. Bom dia a todas, todos e "todes". Eu sou membro do Ministério Público Federal. Atualmente, eu sou Procurador Regional dos Direitos do Cidadão no Acre e também coordeno o grupo de trabalho sobre as questões LGBT dentro do Ministério Público Federal. Então, para mim é uma honra e um prazer participar dessa audiência pública, Senador Paulo. Eu também cumprimento as servidoras e os servidores desta Casa, que nos receberam muito bem, e cumprimento os que nos acompanham aqui presencialmente e virtualmente. Senador Paulo, tem uma frase que eu gosto muito, de um escritor transexual. O nome dele é Paul Preciado e ele diz que médicos e juízes continuam a negar a realidade do corpo LGBT e afirmam a existência de um regime binário de gênero, e dizem que a lei existe, o documento existe, a família existe e até Deus existe, mas meu corpo trans não existe. É interessante pensar na fala do Preciado, sobretudo porque ele escreve sobre a exclusão das pessoas trans e das pessoas LGBTs, de qualquer pessoa que fuja desse regime binário e dessa invisibilidade que nos cerca. Porque quando nós falamos em LGBT, em diversidade, a gente pensa muito no emblema do arco-íris, no colorido, na diversidade, mas é preciso prestar atenção em como essa história é recheada de luta, de sangue, de ruptura de tudo que é binário e de tudo que é colonial. Nós precisamos lembrar do nosso passado, precisamos lembrar da Revolta de Stonewall, precisamos pensar nas marchas e paradas da diversidade, precisamos pensar na luta da epidemia do HIV e da aids, mas a gente precisa pensar no futuro, no que a comunidade, no que o Estado pensa que sejam necessários para a comunidade LGBT. E eu digo isso, senador Paulo, porque o regime conservador e fascista continua muito disposto e muito forte para retirar os nossos direitos. Um recente levantamento realizado pela Folha de S.Paulo indica uma ofensiva contra os direitos das pessoas LGBTs de em torno de 70 projetos de lei, tanto no plano federal, quanto no plano estadual e no plano municipal, que atacam a nossa existência. São direitos básicos, direitos mínimos, como o uso do nome social, a utilização de banheiro por pessoas trans, a própria retirada de alguns direitos que já foram conquistados judicialmente, como o casamento homoafetivo, a adoção de crianças por famílias homoafetivas. E nós precisamos mudar isso, Senador. |
| R | É preciso entender que, conforme o senhor já fez essa introdução, o Brasil é o país que mais mata as pessoas LGBTs no mundo. Nós estamos em primeiro lugar nesse ranking, muito infeliz, há 14 anos consecutivos. E nós não vislumbramos nenhuma política pública séria do Estado, seja do Executivo, seja do Legislativo, seja do próprio Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, que consiga retirar o Brasil desse ranking. Então, formalmente, quando a gente pega esse levantamento de dados mundo afora, o Brasil realmente seria um país excelente para as pessoas LGBTs viverem, porque nós temos todos esses direitos civis, políticos, já conquistados. Mas pergunta para alguma pessoa LGBT como é viver no Brasil. Nós podemos não morrer por pena capital, porque o Estado não nos mata oficialmente, mas a gente morre nas ruas. E essas cifras que o senhor leu no início são, em grande verdade, subnotificações, porque o país, incrivelmente, não registra essas mortes, essas violências, de forma oficial. Não registra nem a nossa existência - e eu já vou passar um pouco por isso, porque o censo demográfico do IBGE não contempla essas questões - e nem a nossa morte, porque os boletins de ocorrência, os registros policiais nos invisibilizam. Então, nós não sabemos, na verdade, se essa cifra é verdadeira, ou se não é. A democracia é o único regime político e social que objetiva ampliar os direitos a alguma comunidade. A Corte Interamericana de Direitos Humanos já determinou aos Estados latino-americanos que ampliem, que incentivem, que fomentem a proteção das pessoas LGBTs. E o Brasil segue no descumprimento desse comando internacional. Pelo Ministério Público Federal, Senador, nós fizemos algumas atuações. Então, recentemente, nós editamos, inclusive, a partir da provocação do Prof. Dr. Toni Reis, da Aliança Nacional LGBT... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Já que ele anunciou, então eu convido para a mesa, já, Toni Reis, Diretor-Presidente da Aliança Nacional LGBTI+, que insistiu muito que a audiência fosse no dia de hoje. E nós, naturalmente, concordamos. O SR. LUCAS COSTA ALMEIDA DIAS - Bom dia, Toni. O Toni, Senador, como o senhor sabe, que eu faço questão de cumprimentar aqui oficialmente, é uma das maiores lideranças no combate à LGBTQIA+fobia, no Brasil, na América Latina e, quiçá, no mundo. Então, para mim, também, é realmente uma honra dividir essa mesa com ele. Toni, eu falava também sobre as atuações que o Ministério Público Federal fez, principalmente a partir da provocação da Aliança Nacional. Editamos uma nota técnica sobre o uso da linguagem neutra. Essa é uma questão que, recentemente, tem ganhado bastante espaço na pauta conservadora, que é a proibição da utilização de algumas palavras sem o gênero masculino ou feminino. Então, por alguns projetos de lei, inclusive, recentemente, por um ato do então Secretário de Cultura, Mário Frias, era proibida a utilização da linguagem neutra. Então, era proibido falar "todes", por exemplo, numa peça de teatro financiada pela Lei Rouanet. |
| R | Eu fico impressionado com o fato de isso causar tanto incômodo quando, na verdade, a gente não tem problema em falar, por exemplo, "instagramável". Isso violenta, de alguma forma, a língua portuguesa, essa língua que tanto se modifica e que tanto já se modificou? Fizemos uma nota técnica a respeito disso, inclusive, com o apoio da Academia Brasileira de Letras. Essa nota técnica foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal. Também fizemos uma nota técnica sobre a dupla filiação nos documentos oficiais, para que se deixe de constar "mãe" e "pai" e passe a constar "filiação um" e "filiação dois". Respondendo a uma das perguntas que foi feita pela internet, acho que foi a pergunta da Isabela Brettas, de São Paulo - "Como funciona a questão de registro civil para pessoas trans?" -, nós fizemos também uma nota técnica, porque o Conselho Nacional de Justiça editou um provimento que torna bastante burocrática e demorada a alteração do nome civil das pessoas trans. Inclusive, esta semana, vamos lá, presencialmente, conversar com a corregedoria do CNJ com o objetivo de alterar esse provimento e permitir ou facilitar a alteração desse nome pelas pessoas trans. Fizemos uma ação coordenada com as polícias pelo Brasil inteiro para incluir esses dados oficiais nos boletins de ocorrência. Encontramos algumas resistências, inclusive, em alguns estados. Expedimos, agora, no início deste mês, uma recomendação ao Ministério do Desenvolvimento Social para inclusão do nome social, que já é previsto num decreto federal há mais de cinco anos e ainda não consta no CadÚnico; e também a inclusão de marcadores de orientação sexual e identidade de gênero. Além disso, nós também ajuizamos uma ação civil pública em relação ao Censo Demográfico do IBGE. Esse é um ponto muito importante. Foi iniciativa da Defensoria Pública da União, em 2018. Essa ação foi julgada improcedente. E, no Ministério Público Federal, nós propusemos novamente essa ação a partir da experiência internacional, de alguns países. Senador, a gente fez um trabalho manual mesmo, incluindo país por país, para entender como o censo demográfico era realizado e como esses marcadores sobre a comunidade LGBT eram questionados, porque o IBGE dizia que não sabia como questionar. Mas isso também aconteceu em outras perguntas do censo, como a cor de pele. Antigamente, o IBGE deixava essa pergunta aberta, e várias pessoas se designavam de formas diferentes: eu tenho a pele morena clara, eu tenho a pele morena escura, eu sou amarela. (Soa a campainha.) O SR. LUCAS COSTA ALMEIDA DIAS - Posteriormente, o IBGE... Eu tenho mais um minuto, Senador? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, mais cinco. O SR. LUCAS COSTA ALMEIDA DIAS - Está bom. Posteriormente, o IBGE editou um provimento, uma instrução normativa para melhorar essa questão da quesitação. Inclusive, tramita aqui no Senado um projeto de lei a respeito disso. E penso que seja uma boa oportunidade para a gente refletir sobre isso. O Estado brasileiro não sabe quem somos, quantos somos, onde estamos. Então, nós precisamos, de alguma forma, pensar em mudar esse quadro inicial que eu disse. Percebam como todos os avanços que a comunidade conseguiu, alcançou, conquistou, foram todos 100% através do Poder Judiciário. Muito pouco se avançou dentro do Poder Legislativo a respeito desse tema e, na verdade, grande parte dos retrocessos vêm de vários projetos de leis que foram propostos nos últimos quatro anos e no início deste ano. |
| R | Recentemente, inclusive, o Deputado Federal mais votado no Brasil utilizou a Câmara dos Deputados para proferir um discurso que, em nossa visão, foi transfóbico, e nós precisamos estar alertas em relação a isso. Cinquenta anos depois do massacre de Stonewall, nos Estados Unidos, a polícia de Nova York foi a público para pedir desculpas à comunidade LGBTQIA+ pelos atos policiais praticados naquela época. Há uns quatro, cinco anos, na Austrália, o Congresso Nacional e a polícia fizeram uma moção pública de pedido de desculpas à comunidade LGBTQIA+. E, além de uma moção de desculpas, os congressistas e policiais se comprometeram a se capacitar sobre o tema a partir de aulas fornecidas, enfim, ministradas pela própria comunidade, privilegiando o nosso lugar de fala. Então, Senador Paulo Paim, vou aproveitar a sensibilidade do senhor para convidar esta Comissão a refletir sobre a possibilidade de aprovação de uma moção de um pedido público de desculpas à nossa comunidade e, mais do que isso, mapear os projetos de lei que estão em trâmite neste Poder Legislativo - é uma ofensiva extremamente perigosa à nossa existência - e atuar no sentido de coibir essa violência institucional. Para finalizar, eu vou citar uma frase que eu gosto muito de uma autora negra, feminista, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura, que escreveu, depois das eleições de 2004, do George Bush, a seguinte frase: Essa é justamente a hora em que os artistas trabalham. Não é tempo de desespero, não é tempo para ter pena de si mesmo, não há necessidade de silêncio, não há espaço para medo. Nós falamos, nós escrevemos, nós nos expressamos. É assim que as civilizações se curam. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Parabéns ao Lucas Costa Almeida Dias, Procurador Regional dos Direitos do Cidadão no Acre, Ministério Público Federal. Eu ia propor, se o Toni também concordar, que esta Comissão, porque é a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa - qualquer entidade, em nível nacional, pode entrar nesta Comissão com um projeto de lei, até com a questão do IBGE -, se vocês concordarem, vocês entram com o projeto. Eu sou Presidente da Comissão, avoco alguns e outros encaminho para o Relator, que tem compromisso com as políticas humanitárias. Então, seria muito bom porque a lei seria do movimento, e nós aqui assumiríamos o compromisso, claro. Vamos trabalhar para aprovar e indicar Relatores comprometidos com essas propostas, tanto as duas que você colocou como essa do IBGE também. O SR. LUCAS COSTA ALMEIDA DIAS (Fora do microfone.) - Perfeito. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k. Pode ser assim? O SR. LUCAS COSTA ALMEIDA DIAS (Fora do microfone.) - Pode. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É só chegar aqui. Se precisar de alguma ajuda de consultoria, também temos. Sei que vocês não vão precisar pelo nível dos painelistas e pelo que você representa em nível internacional. Mande os projetos assinados pela entidade, eu chamo para mim, indico o Relator ou, se vocês entenderem, eu mesmo assumo a relatoria. |
| R | Vamos, de imediato, agora, passar a palavra para o Sr. Sérgio Caetano Conte, Defensor Público Federal e membro do Grupo de Trabalho LGBTQIA+ da Defensoria Pública da União. Se assim você concordar, Toni, em seguida, eu boto alguém por videoconferência, e, depois, você faz a última fala desta mesa. Por favor, Dr. Sérgio. O SR. SÉRGIO CAETANO CONTE FILHO (Para expor.) - Obrigado, Senador Paulo Paim. Meu nome é Sérgio Conte, sou Defensor Público Federal em Rondônia e sou membro do Grupo de Trabalho Igualdade de Gênero e Cidadania LGBTI da DPU (Defensoria Pública da União). Primeiramente, eu queria agradecer, Senador, pelo convite à Defensoria Pública da União. É importante diferenciar uma coisa que muitas pessoas, pelo senso comum, acreditam, que é que o foco da Defensoria é processo criminal para defender pessoas menos favorecidas, mas a Defensoria tem um papel fundamental na proteção de direitos humanos. Não à toa, é previsto expressamente na Constituição que a Defensoria Pública é um instrumento da democracia. Daí, eu acho, parte o primeiro ponto que eu gostaria de falar. Eu vou fazer uma fala só complementando o Dr. Lucas, porque já foi bem elucidativo, mas eu acho que é preciso rever, principalmente nos tempos atuais, com esse ressurgimento de um neonazismo, de um ideal autoritário, que a democracia não é simplesmente a votação e a imposição da opinião da maioria sobre a minoria. Uma releitura constitucional disso deve ser vista como a democracia sendo a vontade da maioria desde que não afronte a minoria. E digo minoria falando no sentido bem lato do termo. A gente nem gosta de usar essa expressão para não menosprezar ou diminuir um grupo que já é tão estratificado e diminuído, e, então, vamos usar a expressão grupos vulneráveis. É importante ter isto em mente: a democracia não significa a vontade da maioria pura e simplesmente. A Constituição deve ser respeitada, e há diversas previsões de direitos humanos. Dito isso, eu acho importante destacar que... Vou até responder à pergunta da Bruna Taísa, do Paraná, em que ela pergunta como os direitos humanos tratam a comunidade LGBTIA+. Eu falo agora especificamente no campo brasileiro. Eu acho que tem uma problematização muito maior em relação às pessoas LGBTIA+. Alguns grupos vulneráveis, como mulheres e negros, possuem legislações que podem não ter a efetividade que se espera, mas existem na teoria leis que protegem esses grupos, o que não acontece com a comunidade LGBTIA+. Nenhum projeto favorável à comunidade passa pelo Parlamento. Então, como que os direitos humanos tratam? Os direitos humanos internacionalizados têm todo um arcabouço que protege e garante a participação e a proteção das pessoas LGBTIA+, contudo, dentro do território brasileiro, todas as garantias que foram previstas são garantidas pelo Poder Judiciário, em um controle nitidamente contramajoritário, justamente para assegurar direitos mínimos que o próprio Parlamento, nessa ideia de que precisa assegurar a vontade da maioria, deixa de lado e não dá andamento nesses pedidos. |
| R | É uma situação muito peculiar, porque a sensação, que não é uma sensação, é uma realidade... A comunidade é rotulada e é usada quase como um bode expiatório. Qualquer tipo de problema é repassado para a comunidade. A questão do próprio censo: a sensação é que não vamos mexer nisso, porque não precisa realmente, não é uma omissão simplesmente por desconhecimento ou por não haver uma vontade nisso; ao contrário, é uma omissão intencional, pois, de uma forma pensada, se exclui para diminuir os direitos da comunidade. Isso é uma situação que, eu acho, é bem relevante de ser falada. Por outro lado, a gente cresce com um ensinamento familiar, tradicional, patriarcal que é difícil de simplesmente desconsiderar e fingir que nunca existiu. Eu sempre falo que essa desconstrução, que é necessária para que a gente aprenda sobre direitos humanos, aprenda sobre respeito à comunidade LGBT ou qualquer outro grupo vulnerável, passa por um processo de racionalização. Muitas vezes, em qualquer área da nossa vida ou para qualquer grupo, a gente acaba tendo algum tipo de conduta preconceituosa ou discriminatória que nós nem percebemos. Então, até que isso se torne uma coisa natural nossa, é necessário racionalizar, e a gente não tem que ter vergonha disso. Pare e pense antes de falar! Agora, parece que a ignorância está sendo valorizada, e a pessoa não liga mais. Eu digo que esse processo de desconstrução é realmente um processo, ele não acontece da noite para o dia. A própria Defensoria Pública da União, que deveria ser o exemplo de garantidora de direitos humanos, tem que passar por esse processo de racionalização. Tem situações que nunca aconteceram, que a gente não sabe como tratar. Então, nós precisamos investir na parte de capacitação e em toda a parte de apoio, realmente, a quem faz atendimento, aos defensores. E isso é para todo o Estado brasileiro. Como atender uma pessoa trans? Como atender um caso de homofobia? Quais são as providências a serem tomadas? Tudo isso é uma coisa que, muitas vezes, um defensor no interior do Norte do país não vai saber, porque ele nunca mexeu com esse caso. Então, é necessário que haja esse tipo de instrução. Na Defensoria Pública, nós temos o caso de uma defensora, casada com outra mulher, que foi pedir a licença de maternidade, mas não tem precedente. Se não tem precedente, a gente faz o quê? Então, indefere? Não, vamos repensar. Então, são casos que acontecem dentro da própria instituição e que pegam a instituição de surpresa. Por isso, eu digo que é preciso racionalizar até que isso seja inerente à nossa própria atividade cotidiana. Dentro desse contexto de a gente passar por uma história que sempre nos trouxe esse arcabouço preconceituoso, a gente acaba minimizando piadas, minimizando condutas que até pouco tempo eram aceitáveis. Então, se assistia a um programa de humor que tinha um humor jocoso em relação ao homossexual, o que atualmente é uma coisa que é inconcebível, que você não aceita mais. Quando você olha alguma piada, você já se sente mal. E isso é o processo. Você vai racionalizando, deixando de fazer, até você perceber que isso não tem graça nenhuma. E isso faz parte de todos os grupos vulneráveis. |
| R | Eu acho que, nesse aspecto, é importante que a gente realmente se coloque, fale, exponha, ensine, eduque... O Dr. Lucas falou da manifestação do Deputado usando uma peruca em Plenário. A reação, a não ser dos grupos que realmente militam a favor da causa LGBTIA+, foi de que "é uma piada" ou, então, de que "ele tem razão na...". Não! É uma piada extremamente fora do contexto. Utilizar o Dia da Mulher para fazer uma piada ou uma brincadeira jocosa em tom de crítica, realmente, desconsiderando a expectativa de vida de 35 anos de uma mulher transexual, é uma coisa que assusta! E eu digo que a comunidade acaba sendo utilizada como bode expiatório por questões pontuais, como linguagem neutra. Você encontra, na internet, o pessoal criticando demais o uso de um "todes", mas não critica o fato de a transexual ter 35 anos de expectativa de vida, enquanto o restante da sociedade tem quase 80. Então, isso é quase um diagnóstico de que a sociedade está doente e precisa mudar. Eu termino minha fala, justamente, em relação à necessidade de fortalecimento dessas instituições que, realmente, prestam esse serviço. E isso não só em relação a instituições estatais, como a Defensoria, o Ministério Público ou o próprio Governo Federal, mas também em relação à sociedade civil. Então, tudo que puder ser incentivado, financiado, patrocinado para que possa ser difundido o conhecimento, tudo isso é relevante para que a gente diminua esse preconceito que é inerente à própria sociedade. E não dá para dizer que não existe preconceito. Todos nós sabemos que é nítido, é no dia a dia, e vai desde um comentário preconceituoso até, realmente, a proteção da vida da pessoa. Então, eu termino a minha fala só em relação a isso. Também agradeço ao Toni, pela nota que a Aliança Nacional LGBTI publicou em favor da Defensoria, nesse período de limitação orçamentária, porque realmente é necessário. A gente não consegue chegar aonde a gente quer chegar. O grupo de trabalho tenta fazer da melhor forma possível para tentar, com os recursos limitados que a gente tem, conseguir chegar ao maior número de pessoas, e, mesmo assim, a gente não consegue questões básicas. Só para finalizar de vez, seguindo esse panorama de que é necessário difundir conhecimento, eu já vou antecipar que amanhã teremos o lançamento da cartilha da DPU, que é justamente uma tentativa de trazer um conteúdo, de forma simples, explicado, para as pessoas saberem que têm direitos, porque a primeira questão a se regulamentar, a se definir, quando se quer proteger um direito, é a pessoa saber que tem esse direito. Então, amanhã, terá o lançamento oficial dessa cartilha, que vai instruir o atendimento e os assistidos, quando chegarem, para saberem os direitos que lhes assistem, desde o campo familiar, a adoção, a questão da retificação do registro civil, questões criminais... Então, tudo isso já está compactado na cartilha. |
| R | É isso. Agradeço a participação novamente, Senador. E estamos à disposição para tirar dúvidas ou discutir mais matérias sempre que possível. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Parabéns, Sérgio Caetano Conte, Defensor Público Federal e membro do Grupo de Trabalho LGBTQIA+ da Defensoria Pública da União. Eu vou passar em seguida para um convidado virtual, mas eu vou comentar aqui o que eu comentei com o Toni. A qualidade, o alto nível das palestras é uma aula para todo o Brasil. Quem não assistiu a esta audiência pública e está me ouvindo neste momento deve assistir a ela do início ao fim. É saber, é conhecimento! Vocês estão dando aqui, permitam-me dizer, uma aula das políticas humanitárias do combate a essa crueldade que existe no mundo. Vocês aqui com uma capacidade enorme... E o Toni dizia: "É assim que nós estamos ganhando algumas causas no Supremo, Paim, porque nosso pessoal é muito capacitado". Eu vou passar a palavra agora para o Sr. Jan Jarab, Representante Regional para a América do Sul do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos. O SR. JAN JARAB (Por videoconferência.) - Bom dia! Vocês me ouvem bem? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Bom dia! Ouvimos perfeitamente. O SR. JAN JARAB (Para expor. Por videoconferência.) - Prezado Senador Paulo Paim, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, membros do Senado, da mesa, prezados painelistas, caras pessoas defensoras dos direitos das pessoas LGBTQIA+, "todes", todas e todos presentes, é uma honra, para mim, poder participar desta audiência pública. Todo dia 17 de maio é comemorado mundialmente como o Dia Internacional contra Homofobia, Bifobia, Intersexofobia e Transfobia, que levam à violência, ao discurso de ódio, à perseguição, a ameaças, aos assassinatos. No Brasil, as estatísticas que foram mencionadas, mais de 200 mortes violentas em 2022, são terríveis. São 14 anos consecutivos no primeiro lugar nas mortes violentas no mundo, como mencionou o Dr. Lucas Costa Almeida Dias. Isso é inaceitável. Na véspera do 75º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, isso é condenável. A Declaração, que foi a aspiração dos Estados, afirma que todos os seres nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Vários mecanismos de direitos humanos se basearam nesse princípio para apontar as obrigações dos Estados e os deveres de terceiros, como também as empresas. As empresas, independentemente de seu tamanho ou da estrutura do setor em que operam, têm a responsabilidade de respeitar o direito de todas as pessoas, inclusive as pessoas LGBTQIA+, para que sejam tratadas de forma justa e para que a discriminação seja eliminada. Sabemos que o próprio Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos ainda tem muito a evoluir. |
| R | Em nível mundial, podemos dizer que os direitos das pessoas LGBTQIA+ são os direitos que mais avançaram nas últimas décadas, mas também sabemos que a própria Convenção não menciona de maneira explícita essas pessoas e os seus direitos e também as convenções e pactos não fazem referência explícita. O importante é que os órgãos dos tratados, os comitês que seguem com os estados cumprem com suas obrigações, na sua interpretação, sim, estão dando, cada vez mais, essa ênfase nos direitos dessa categoria de pessoas. Na América do Sul, também houve avanços importantes, nas últimas décadas, para proteger os direitos das pessoas LGBTQIA+, como as leis que proíbem a discriminação, que reconhecem o casamento igualitário, a identidade de gênero, a adoção por casais do mesmo sexo. Entretanto, como já se mencionou, as pessoas continuam a enfrentar altos níveis de discriminação e violência. Por meio da análise de dados e do diálogo contínuo com organizações da sociedade civil, puderam-se relatar discursos de ódio, discriminação no emprego, acesso limitado a atendimento de saúde adequado, bem como violência extrema, assassinatos, impunidade em casos de crimes de ódio. E os dados coletados ainda não são suficientes para se visibilizar como se mencionou. Em 2022, o Comitê para Eliminação da Discriminação Racial, órgão do tratado que segue as obrigações dos estados, desde a Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, observou, na revisão do Brasil, que os métodos atuais de coleta de dados no Brasil não refletem com precisão a situação daqueles que sofrem discriminação interseccional, incluindo afro-brasileiros, povos indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência ou que se identificam como LGBTQIA+. Além disso, a legislação antidiscriminação, na região da América do Sul, nem sempre está em conformidade com os padrões da legislação internacional dos direitos humanos, não é abrangente, não incorpora uma perspectiva interseccional, como no caso da lei antidiscriminação do Chile, que, conforme observado pelo Comitê para Eliminação da Discriminação Racial, não reconhece as formas indiretas de discriminação. É essencial que a abordagem para análise e proteção dos direitos das pessoas LGBTQIA+ seja interseccional, ou seja, que leve em conta os múltiplos aspectos que a discriminação pode ter. Além disso, é essencial garantir a participação efetiva das pessoas LGBTQIA+ nos debates e no desenvolvimento de medidas legislativas e administrativas que lhes afetem. A fim de promover uma cultura de respeito e inclusão e de garantir o pleno cumprimento dos direitos dessas pessoas, os Estados devem cumprir a obrigação de proteger contra o discurso de ódio. |
| R | O Comitê para Eliminação da Discriminação Racial expressou preocupação com as ameaças no espaço físico e virtual, assédio e violência contra mulheres afro-brasileiras - em particular contra aquelas consideradas LGBTQIA+ que aspiram ou ocupam cargos públicos de seu comitê - ou com a falta de responsabilização por tais violações. É essencial garantir que as pessoas defensoras LGBTQIA+ possam trabalhar em um espaço cívico que respeite os direitos e liberdades fundamentais e que os mecanismos de proteção tenham uma perspectiva interseccional. Diversos órgãos estatais, cooperação internacional e agências do sistema das Nações Unidas, por meio de iniciativas, como a campanha Livres & Iguais, unem-se a esse objetivo. Portanto, reiteramos ao Senado Federal e ao Parlamento brasileiro, que, assinado o compromisso com os direitos humanos e a vigência da Declaração Universal, em seus 75 anos, unam-se à campanha global que o nosso Alto Comissário lançou e trabalhemos juntos para eliminar o estigma da discriminação, das práticas nocivas e da violência contra as pessoas LGBTQIA+. Muito obrigado. Reiteramos nossa disposição de contribuir para esse objetivo. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, muito bem, Dr. Jan Jarab, Representante Regional para a América do Sul do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos. Digo a V. Exa. que pode contar com esta Comissão. Estaremos juntos. Tenho certeza de que o Governo do Presidente Lula também estará junto nessa campanha que ultrapassa fronteiras. Eu sempre digo que direitos humanos não têm fronteiras. Nós estaremos juntos, com muito orgulho, nessa caminhada. Parabéns, Dr. Jan Jarab, que falou aqui em nome do Comissariado da ONU. É com muita satisfação que, neste momento - ela já está à mesa. Quando ela chegou, eu pedi à minha assessoria que a colocasse à mesa -, e já está conosco essa Líder, que é a Raquel Mesquita, que é representante da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL). Ela está conosco, e a recebemos com uma salva de palmas. O tempo é seu agora, por 10 minutos mais 5, por 15 minutos. Se precisar de mais, a gente saberá ser tolerante. (Palmas.) A SRA. RAQUEL MESQUITA (Para expor.) - Obrigada, Senador Paulo Paim. Estou muito honrada pelo convite. Eu preparei um breve discurso, para organizar a fala e para conseguir sintetizar tantas coisas que nós da comunidade LGBT temos a dizer em tão pouco tempo. Então, eu preparei este discurso para isto: para conseguir dizer o máximo no menor tempo. Então, bom dia! Bom dia a todos! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas vá com enorme tranquilidade. O compromisso aqui é tranquilo. A SRA. RAQUEL MESQUITA (Para expor.) - Tá bom! Bom dia a "todes", todas e todos! É com imensa alegria que recebi o convite para representar a Liga Brasileira de Lésbicas. Inclusive eu queria saudar a companheira Léo Ribas, Articuladora Nacional da LBL, que me deu essa missão... (Palmas.) ...muito honrada. Esta audiência pública é especialmente relevante neste momento de reconstrução do Brasil, devastado por anos de obscurantismo. E a LBL sempre esteve do lado da democracia. Eu me chamo Raquel. Eu sou sapatão e eu sou uma privilegiada - privilegiada porque eu sobrevivi, ao contrário de muitas companheiras, como Luana Barbosa, morta numa abordagem policial, e Taylane Costa, espancada a caminho de casa, aqui no entorno do DF, enquanto ouvia: "Se você quer ser homem, vai morrer como homem". |
| R | O Brasil é o país que mais mata LGBTs. E por que é assim? Então, hoje a minha fala é direcionada a esta pergunta: por que não podemos ser nós mesmas nas ruas e dentro de casa? Sim, ao contrário de outras formas de discriminação, a LGBTfobia, na maioria das vezes, começa dentro de casa com nossos os familiares mais próximos: pais, mães, irmãos; ou seja, LGBTfobia é um preconceito que se espraia pela esfera pública e pela esfera privada, sendo constitutiva de nossa cultura patriarcal. Por isso, hoje proponho uma reflexão sobre o patriarcado e sobre nós mulheres sapatão, cis e trans. O patriarcado é, antes de tudo, uma forma de dominação simbólica que incide sobre o nosso processo de subjetivação desde o útero. Afinal, meninas vestem rosa e meninos vestem azul, certo? Não, errado, vestem arco-íris. Meninas vestem rosa porque esta cor, que não tem gênero - aliás, foi, historicamente, associada à mulher, reforço, historicamente -, meninas não é algo natural e sempre foi assim. Na Idade Média, inclusive, era o contrário: o azul era a cor das meninas, e o rosa era a dos meninos por ser uma cor derivada do vermelho. O mesmo processo ocorreu com o salto alto e com outros acessórios; ou seja, temos uma construção histórica de símbolos associados à feminilidade padrão que nos são impostos à medida que nós somos socializadas enquanto meninas. E se a mulher rejeita esses símbolos? Ela é menos mulher? Não. Trata-se de formas distintas de expressão de gênero; isto é, expressões não hegemônicas da mulheridade. Isso não quer dizer que queremos ser homens. O gênero tem várias camadas. A identidade de gênero e a expressão de gênero, por sua vez, não têm relação com a orientação sexual. Outra apropriação simbólica do patriarcado é o falo, o pênis. Veja bem, sem a construção simbólica, trata-se apenas de uma parte do corpo de algumas pessoas; porém, historicamente, o pênis se tornou símbolo do prazer e do poder. Como a linguagem opera por espelhamento, o contrário do poder do falo é a submissão da mulher; ou seja, a vulva representa, antes de tudo, uma ausência de poder e de prazer. Ora, numa relação entre lésbicas cisgênero não há falo. Então, haveria sexo? Claro que sim, mas, para a construção patriarcal, para a estrutura patriarcal cisheteronormativa, não há. Sexo é visto como sinônimo de penetração, logo não haveria sexo sáfico. Nós lésbicas não existiríamos por uma impossibilidade lógica. Eis a origem da nossa invisibilidade que é tanto falada. A mulher, no patriarcado, serve para o prazer do homem, ela é uma boneca inflável que fala e, talvez, pensa. Sente? Não importa, porque ela não é um agente histórico. É nesse sentido que uma violência específica cometida contra nós, mulheres lésbicas, é o dito estupro corretivo, que consiste na violência sexual para ensinar a gostar de homem; ou seja, ensinar a se sujeitar ao patriarcado. Luana Barbosa e Taylane Costa ousaram desafiar a cishetronormatividade e o patriarcado. Quem matou Luana e espancou Taylane, portanto? Eu defendo que quem fez esses crimes foi toda a sociedade brasileira. Quando reproduzimos estruturas simbólicas patriarcais, contribuímos para a morte de Luana e para o espancamento de Taylane. |
| R | A linguagem e os símbolos do patriarcado são uma realidade, mas não são imutáveis. Eles só existem enquanto a sociedade os reitera, os reproduz. Como parar de reproduzi-los, então, se é algo tão constitutivo? Ora, um dos recursos é o que estamos fazendo aqui hoje, é a política. Por isso, audiências públicas como esta são tão relevantes. A política é, antes de tudo, uma arena de luta entre grupos organizados, que disputam espaço nas políticas públicas. Por sua vez, o Estado seria uma espécie de "comitê gestor" do grupo dominante, qual seja, dos homens, cis, brancos, heterossexuais, sudestinos e de meia idade. E o que esse "comitê gestor" faz? Ele escolhe quais grupos organizados, na luta política, são os vitoriosos e merecem acessar as políticas públicas. O ciclo de políticas públicas começa pelo levantamento das necessidades da população alvo da política. Como esse levantamento ocorre? Como se identifica quais são as prioridades daquele grupo? Desde o final do século XIX, nos países ocidentais, o Estado começou a se preocupar com a sua população. Ele coleta, periodicamente, dados demográficos, surgindo assim os órgãos públicos de pesquisa, que, no caso brasileiro, é o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que foi criado em 1934. Quando, nas pesquisas demográficas, o IBGE não pergunta, diretamente, a todas e a todos os entrevistados, a orientação sexual, nem a identidade de gênero, ele não faz à toa. Na verdade, isso é uma decisão da bionecropolítica, na formulação da Profa. Berenice Bento, que faz viver parte da população e, no nosso caso, LGBTs, faz morrer. Ou seja, Luana Barbosa foi morta pelo Estado; não só porque foi assassinada por um policial, mas também porque não foi objeto de políticas públicas que contemplassem a manutenção de sua vida. Sua vida não era importante. Assim como não é importante a minha vida, nem a vida de muitas e muitos de nós aqui reunidos. O Estado não se importa quando morre um LGBT. Nós não somos reconhecidos, enquanto cidadãos brasileiros, plenamente. Quantos somos? Desafio qualquer estatístico brasileiro a estimar a população LGBT brasileira. Não há dados suficientes para isso. Não tem como. O IBGE alega que, por se tratar de um tema socialmente sensível, perguntar a orientação sexual e a identidade de gênero iria comprometer a coleta de dados. Tal argumento não se sustenta num país racista como o nosso. Por muitos anos já foi um tema sensível perguntar a raça de grande parte da população brasileira que não reconhecia a própria negritude. Atesta isso o fato de a população negra ser a que mais cresce no Brasil, não por crescimento vegetativo, mas por termos mais pessoas que, antes se declaravam brancas e agora, se declaram pretas e têm orgulho disso. Provavelmente, o mesmo fenômeno vai acontecer com os LGBTs. Vai-se observar um crescimento daqueles que se declaram LGBTs ao longo do tempo, à medida que mais pessoas terão orgulho de ser quem somos. E isso não justifica não perguntar, porque é o primeiro passo. Se há uma desinformação, se não se sabe muito bem, e outro argumento é que as pessoas não sabem o que é ser lésbica, não sabem o que é ser gay, o que é ser trans, não têm ideia das definições. Faça uma política pública antes que informe, que fale: Olha, ser heterosexual é gostar do gênero oposto. Ser lésbica é ser uma mulher, cis ou trans, que goste de mulheres. Explica! Então é a política pública para a coleta de dados que, por sua vez, vai subsidiar outras políticas públicas lá na frente. |
| R | Então, continuando: a nossa luta é, portanto, para sairmos da invisibilidade, para termos orgulho e sermos cidadãos plenos. (Soa a campainha.) A SRA. RAQUEL MESQUITA - Nós somos "brasileires", brasileiras e brasileiros e, como tal, merecemos respeito. Que esta audiência não seja um episódio isolado, mas, sim, o início de uma maior interlocução... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu só lembro que, quando toca a campainha, tu tens mais cinco minutos. A SRA. RAQUEL MESQUITA - Não, está tranquilo. Estou terminando. (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tens mais cinco. A SRA. RAQUEL MESQUITA - Que esta audiência não seja um episódio isolado, mas, sim, o início de uma maior interlocução entre esta Casa e a sociedade civil aqui representada. Somos muitas e queremos ter voz, para que não sejamos definitivamente silenciadas, como Luana e Tailane. Coloco-me à disposição das senhoras e dos senhores para eventuais dúvidas e questionamentos. Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Parabéns! Raquel Mesquita, representante da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), que falou do mundo real e dá um esclarecimento, com a maior tranquilidade, que o Brasil merece. Parabéns, viu? Mais do que nunca, quando você falava, já na mesma linha dos que antecederam... O IBGE precisa fazer esse levantamento. Eu, como negro, sou testemunha da história. Os seus dados são corretíssimos. Eu me lembro... Eu venho lá de 1950, viu? Só para vocês terem uma ideia, vamos ficar por aqui. Eu sou de 1950. As pessoas tinham vergonha de serem negros e negras, na minha época de colégio, inclusive. Eu já tinha que fazer embate e briga dentro do colégio por professor querer me convencer de que o negro não tinha a mesma capacidade que o branco - professor! Eu fazia uma guerra, porque eu já era presidente de grêmio em sala de aula e consegui. Naquele caso, a diretora me ajudou e o enquadramos. Ele queria me tirar da sala de aula e a diretora disse: "Não, se alguém tiver que sair, vai ser você, porque o Paim está certo". Então, parabéns pela firmeza e pela coragem. Isso é ser verdadeiro. Por isso, merece as nossas palmas. (Palmas.) Passo a palavra, agora, para Toni Reis, Diretor-Presidente da Aliança Nacional LGBTI+. Toni, permita-me que eu diga: eu estou aqui há 40 anos dentro do Congresso. Eu fui Constituinte e, desde então, eu o vejo caminhando aqui dentro, peleando, peleando, peleando e avançando nas propostas das causas justas que você defende. Meus cumprimentos, Toni. O SR. TONI REIS (Para expor.) - Primeiro, muito obrigado, Senador Paulo Paim. Há três anos, eu soube que o Senador Paulo Paim não ia mais concorrer. Eu fiquei supertriste e fizemos um apelo, lá no Plenário, para que ele continuasse. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não só fizeram o apelo como ajudaram, no Rio Grande, tu sabes disso! O SR. TONI REIS - Muito bem! Então, o senhor tem história na conquista dos direitos humanos. Não tem direitos humanos LGBTI, direito dos negros, dos índios, das mulheres, das pessoas pobres... Existem direitos humanos e o senhor é um defensor intransigente dos direitos humanos. Então, muito obrigado ao senhor e à sua equipe, que nos tratam muito bem. A gente é muito bem acolhido, aqui nesta Comissão, e pelo senhor, que nos aceitou. Então, eu quero saudar o meu querido Procurador Regional dos Direitos Humanos, o Lucas, que é um dos nossos salvadores da pátria. Sabe aquela pessoa que pega o material, vai lá e faz? É ele! O Lucas mora no meu coração e não paga aluguel. (Palmas.) Isso é o Estado funcionando, sabe? É a PGR funcionando. |
| R | Também quero saudar o Sérgio Conte, Defensor Público da União. A DPU, para nós, também tem sido um ancoradouro da cidadania. Em todas as ações que a gente ganhou no Supremo Tribunal Federal ela estava lá como amigos da Corte... Então, superobrigado. (Palmas.) As Nações Unidas... O Sr. Jan Jarab falando é muito importante. A gente tem que agir localmente no Brasil, mas a gente tem que pensar no que está acontecendo na Nicarágua, no que está acontecendo em Uganda, no que está acontecendo nos países onde ainda a homossexualidade é crime. E quero saudar aqui a minha querida Raquel, que eu não conhecia, mas eu vejo como é importante... Está aqui também a nossa querida Ludymilla, representando a Fonatrans; a Raquel, a LBL, mostrando que a Aliança Nacional nós precisamos trabalhar... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me... Eu desconto seu tempo. O SR. TONI REIS - Ótimo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mais tempo para você. Eu vou convidar para a mesa, de imediato, porque talvez não caiba, mas eu já achei a solução: onde eu estou cabe uma cadeira aqui do lado. Então, essa cadeira vai ter que ser aqui. Então, convido a Ludymilla Santiago, representante do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros, para que ela venha para a mesa. (Palmas.) O SR. TONI REIS - É algo importante o que a Ludymilla representa. Sempre que a gente vai compor uma mesa, não pode, as mulheres não podem... Tem que ter as mulheres presentes e tem que ter pessoas negras presentes. Isso, para a gente, é um princípio dentro da Aliança Nacional. Quero aproveitar, rapidinho, para saudar... Nós temos aqui, Senador Paulo Paim, a nossa querida Vereadora de Florianópolis, Santa Catarina, uma lésbica de força... (Palmas.) Vereadora pelo Partido dos Trabalhadores lá de Florianópolis. Também quero citar o nosso Secretário, Diretor e coordenador das políticas públicas de Alagoas, o Messias, com a sua equipe. Seja bem-vindo aqui. O Diego Babinski, negro, bacana, lá do Paraná, atuando juntamente com o Lucas Siqueira... Seja muito bem-vindo! Christovam... (Palmas.) ... representando a CNTE, que está fazendo um trabalho muito bacana na área da educação. Também quero citar a Kátia Guimarães, grande lutadora do HIV pelo menos nos últimos 30 anos. A Rose, querida funcionária desta Casa. A Rose é aquela menina que tem as informações. Nós nos articulamos aqui dentro. Obrigado, Rose! Fazia tempo que não a via. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ela me pressiona toda hora se eu não abrir todas as portas aqui dentro. (Palmas.) O SR. TONI REIS - Olha! Muito bem! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Uma pressão legal. O SR. TONI REIS - Sim, o nosso Presidente do Instituto Ouroboros. Seja muito bem-vindo! A nossa equipe da área jurídica, o gaúcho lá, o Gabriel. Muito bem! Seja muito bem-vindo! E também o Daniel. O Gabriel é gaúcho lá da sua terra. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu bati palmas para todo mundo. Por que não vou bater para ele? (Palmas.) O SR. TONI REIS - Eu quero dizer que eu estou muito feliz. Quando você estava fazendo o discurso... Como é bom a gente arejar a democracia, arejar a liberdade de expressão, respeitando a dignidade humana. Como é bom a gente estar num outro clima! Nós passamos seis anos no nosso país com a maior dificuldade de diálogo, a maior dificuldade... Nós permanecemos fazendo o diálogo, mas era muito difícil, era muita censura, era muito não, mas a gente persistiu, e estamos aí. Eu fiz uma apresentação porque eu falo demais. Sou professor, e então eu gosto de fazer bem direitinho para fazer bem bonitinho. Pode passar? Então, eu vou fazer uma apresentação de um pouco da situação problema, as nossas conquistas, que já foram colocadas aqui, as nossas perspectivas e desafios e uma pequena reflexão. Eu vou querer os meus cinco minutos sobressalentes. Pode passar a minha apresentação? Então, por que hoje... |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vai ter dez. O SR. TONI REIS - Olha aí, por isso que é bom a gente ser conhecido assim. Nesses últimos 40 anos em que eu frequento esta Casa... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Estamos desde a Constituinte aqui dentro. O SR. TONI REIS - Muito bem. Estávamos aqui com o João Antônio Mascarenhas, que foi o primeiro - um gaúcho, advogado, que foi o primeiro homossexual... Na época nós falávamos "homossexual" - homossexual a falar aqui neste Congresso, quando a gente tentou colocar "orientação sexual" no art. 3º da Constituinte. Conseguimos 149 votos, mas perdemos. Mas a gente não perdeu a esperança de que um dia a gente esteja na Constituição Federal. Por que nós estamos aqui hoje? Porque amanhã é o nosso dia internacional e o Dia Nacional de Enfrentamento à LGBTfobia. Aqui, no Brasil, a gente conseguiu com o Presidente Lula, no primeiro mandato, que ele fizesse um decreto. Na época ele viajou, e o Vice dele na época, o José Alencar, falou: "Não vou assinar, por causa da minha religião". E aí, tudo bem, a gente aceitou. Mas, assim que o Lula voltou de viagem, deu o "chamegão" e hoje nós temos o Dia Nacional da LGBTfobia. Então, obrigado ao querido Presidente Lula. Por quê? Porque nesse dia a Assembleia Geral das Nações Unidas, aliás, a Organização Mundial de Saúde nos retirou da Classificação Internacional de Doenças 10, que nos colocava como doentes. Então, lésbicas e gays deixaram de ser considerados doentes oficialmente; e as pessoas trans só deixaram de ser consideradas doentes em 2018. Então, é importante para a gente - o decreto está ali: "Fica instituído...", no dia 4 de junho de 2010. Pode passar? Eu quero fazer, neste momento, uma grande homenagem ao nosso gay, negro, David Miranda. Ele foi uma pessoa maravilhosa, uma pessoa que atuou, foi Coordenador da nossa frente parlamentar, e que infelizmente nos deixou, com apenas 37 anos. Neste momento, então, a minha homenagem ao querido David Miranda. (Palmas.) Que Deus o tenha, que Deus o guarde! Muito bem. Próximo. Muito bem, a situação-problema. Eu acho que nós temos que sempre ter um diagnóstico muito claro para as pessoas, para a gente estar ciente do que nós estamos falando. Pode passar? Pessoal, esta é uma tríade. Eu participei de uma banca de mestrado e eu gostei muito disto; gostei, quer dizer, de ter essa sistematização. Então, nós temos um resumo histórico. A homossexualidade foi considerada um pecado mortal. Nós éramos mortos na fogueira. Depois, fomos considerados criminosos e doentes. Doença, ali, até 17 de maio de 1990; as pessoas trans, até 18 de junho de 2018. Pode passar. Agora eu quero explicar um pouquinho. Aqui, pessoal, há esta linha do tempo. Pecado. Então, na Idade Média, a sodomia era considerada um pecado pela religião cristã. Então, iniciou-se aqui no Brasil, em 1536, a Inquisição. Nós éramos subordinados às Ordenações Filipinas, Livro V: "Toda a pessoa, de qualquer qualidade que seja, que peccado de sodomia per qualquer maneira commetter, seja queimado". Então, nós éramos queimados na fogueira. Isso é importante, pessoal. Eu, agora, depois do meu segundo pós-doutorado, estou voltando, fazendo História. A gente tem que saber de onde que vem o preconceito e a discriminação, e por que pessoas ficam repetindo esse discurso de ódio. Então, a gente tem que trazer essas pessoas que fazem esse discurso de que a gente tinha que ser queimado na fogueira. Então, quando você fala da Luana, quando a gente vai falar amanhã, na Câmara dos Deputados, sobre a Dandara, a gente tem que lembrar de onde que vem. A Inquisição passou a ficar responsável por aplicar a lei do Estado que criminalizava a sodomia. Em 1821... (Soa a campainha.) |
| R | O SR. TONI REIS - Em 1821 acaba a Inquisição. Tivemos a Independência. E aí tem o Código Criminal do Império, em que o crime da sodomia deixou de existir. E aí a questão da homossexualidade como doença também deixou de existir. Pode passar. Aí nós temos os três santos que foram muito complicados para nós, LGBTI+. São Paulo falava que sexo só no casamento entre homem e mulher e que os homossexuais não iriam para o céu; Santo Agostinho ensinou que toda relação era irracional, antiespiritual e vergonhosa, mesmo no casamento, e ele sugeria abstinência geral e irrestrita; e Tomás de Aquino falava que nós éramos antinaturais e que era um pecado mortal porque não servia para a procriação. A gente tem que saber disso para a gente saber se defender. Eu sou muito tranquilo e eu converso... Sou católico apostólico romano praticante, respeito muito o povo evangélico, respeito muito o povo católico, não tenho problema nenhum de discutir a religião cristã. Inclusive vou passar aqui: nós fizemos um manual para discutir, um manual do cristianismo LGBTI+. Nós temos que discutir com 30% da população brasileira, que são as pessoas evangélicas, e nós vamos ter que discutir isso. Será que é isso mesmo ou não é? Nós queremos... Podem considerar pecado, mas nós somos cidadãos, e é isso que nós queremos - e o Estado é laico, é importante que se diga. Pode passar. Aqui, pessoal, na educação. Inclusive, na quinta-feira, vamos ter uma reunião com o Ministério da Educação e a Unesco para eles trabalharem estes três dados aqui. Setenta e três por cento da nossa comunidade sofre bullying nas escolas. Bullying é aquela violência psicológica repetitiva. Uma piadinha é bom. Eu sou muito piadista, sou do Estado do Iguaçu, estado gaúcho dentro do Paraná, então a gente fala muita piada, mas se a piada magoa, machuca, ela não é mais piada, ela é bullying. Trinta e seis foram agredidos fisicamente; 36% da nossa população é agredida nas escolas e 60% se sentem inseguros de irem para as escolas. Eu quero colocar esses dados aqui, porque é isso que nós queremos trabalhar nas escolas. Nós não queremos transformar ninguém em gay, não queremos destruir família de ninguém, nós não queremos legalizar a pedofilia, o que nós queremos é tratar deste problema: a violência nas escolas. Queremos uma escola acolhedora, uma escola que respeite todos e todas independentemente da condição... É isso que nós queremos. (Palmas.) E isso não estou falando, pessoal... E nós estamos em um momento em que estamos na era da ciência. Hoje estamos sob um governo não negacionista, nós temos que saber, é dado. Se me falarem o contrário, a gente pode negociar, mas aqui estão os dados. Pode passar. Aqui, dois depoimentos rapidinhos. O depoimento de um estudante transexual do Rio Grande do Sul: "Obrigado por tudo, mas não vai ser agora a ajuda de vocês que vai fazer eu parar de me cortar ou parar de querer morrer." Olhem que depoimento... É muito pesado, pessoal! Eu, quando li isso aqui, não parava de chorar. Olhem o depoimento de uma lésbica de 14 anos: "Às vezes eu sinto vontade de levar uma arma para o colégio e me suicidar lá." Com certeza, os nossos colegas e as nossas colegas LGBTI+ se sentiram nesses depoimentos. Isso é muito importante, pessoal! "Penso em me matar quase todos os dias, não aguento mais ser chamado de veadinho na escola." É disso que nós queremos tratar. Nós não queremos saber de kit gay, nós não queremos saber de doutrinação, nós não queremos transformar ninguém em LGBTI+, nós queremos cidadãos e cidadãs que respeitem a comunidade LGBTI+ em todos os locais neste nosso país. (Palmas.) Pode passar. Aqui, pessoal, só peguei uma ideia da minha tese de doutorado, que é "o silêncio está gritando". O nosso silêncio está gritando através das nossas 250 paradas em todo o país. |
| R | Nós vamos ter agora, no dia 10, a maior parada do mundo, lá em São Paulo, com 4 milhões. A gente vai estar gritando e, olha só, em um grupo focal com professores, porque eu sei, eu tenho 35 anos de carreira e não me lembro de nenhuma parte desse caminho em que a gente teve que sentar, em nível de escola, com esse tipo de problema, resolver essas questões, abordando esse tema. Isso significa silenciamento e invisibilização. Pessoal, nós existimos, nós estamos sofrendo e nós queremos políticas públicas na educação. Então, esse é um pedido. É muito importante a gente falar isso. E isso é verbalizado. Os professores e professoras estão com medo de falar, porque alguém vai filmar e, daí, vão fazer aquelas balbúrdias nas Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas. By the way, nós estamos com 67 Vereadores e Vereadoras que estão sendo processados pelos Ministérios Públicos Estaduais. Não vamos nos calar! Cada vez que fizer o discurso, o nosso setor jurídico já faz o pedido, já manda para o Ministério Público para investigar se ele não está infringindo a Constituição Federal. Pode passar. Aqui, então, a religião, que eu coloquei, lá da Idade Média, que as pessoas não estão atualizadas, não estão aggiorornate, não estão updated, usando a palavra de Deus para nos discriminar e fazendo... O Ministério Público tirou todas essas propagandas de ódio. Pode passar. "Alvo de campanha de ódio, família de garoto trans tem a casa apedrejada em Poções". A gente está acompanhando, pessoal. Vocês imaginem uma criança de 12 anos, porque pediu o nome social na escola - é um menino trans -, e a comunidade, incentivada por um Vereador religioso, foi apedrejar a casa da professora. Então, minha homenagem aqui à mãe, que protegeu o menino, ao Ministério Público, que atuou, e à Defensoria Pública, que atuou na Bahia. Pode passar. (Palmas.) Muito bem! Obrigado. E, aí, resumindo, pessoal: um LGBTI+ é agredido no Brasil a cada duas horas; a taxa de suicídio na nossa comunidade é de 8%; a cada 19 horas, uma pessoa é assassinada no Brasil; e a expectativa de vida das nossas companheiras e companheiros trans é de 35 anos. Então, pessoal, é sobre isso que nós estamos querendo conversar. É isso que nós queremos neste dia: mostrar... E nós temos as soluções que eu vou passar aí para concluir. Pode passar. Aqui, pessoal, o mundo. Hoje, nós temos, na cor azul, a parte que tem leis que protegem. Nós, graças aos nossos esforços e do STF, a gente está bem na figura. Nós somos o oitavo país do mundo na conquista dos direitos. Então, temos muitos desafios, mas nós temos ainda 11 países em que é pena de morte para a nossa comunidade LGBTI+ e 68 países em que é criminalizada a homossexualidade. Pode passar. As conquistas. E, aí, eu vou concluir. Pode passar. Então, aqui, nós conseguimos a união afetiva; o casamento através do CNJ; a adoção, de que eu fui protagonista com o meu esposo, quando adotamos as nossas três criancinhas, que agora já estão adultos, todos na universidade; nós conseguimos o direito à identidade de gênero para as mulheres trans e travestis; foram criminalizados os atos LGBTIfóbicos; o direito a doar sangue; derrubamos todas as leis da Escola sem Partido e da escola que tentava censurar a comunidade de professoras e professores nas escolas; e a medida liminar que adéqua para garantir o atendimento das pessoas trans. Pode passar. Perspectivas e desafios. Aí, eu concluo. Pode passar. O que nós queremos fazer, pessoal? Cumpra-se! Agora, nós queremos cumprir a Constituição Federal e as decisões do STF. Se a gente cumprir isso, pessoal, nós vamos estar no céu. Agora nós estamos em um purgatório, mas a gente quer o paraíso da cidadania, certo? |
| R | Pode passar. Nós precisamos aqui no Congresso... Nós estamos com 206... Estamos com 26 Senadores e Senadoras que assinaram a frente, mais 190 Deputados e Deputadas. Então, a frente parlamentar vai ser estabelecida aqui no Congresso Nacional no dia 28 de julho, Dia do Orgulho LGBTI+. O que nós queremos? Positivar todas as leis através do Estatuto da Diversidade e do Estatuto das Famílias. Inclusive esses projetos estão prontos, estão arquivados, porque a gente - nesses últimos quatro anos - pisou no freio e ficou na retaguarda, mas agora a gente vai tirar as manguinhas para fora e vamos colocar os projetos para rodar. E, por estratégias de algumas lideranças, nós também vamos fazer projetos específicos, porque a gente sabe que os estatutos são muito difíceis - o senhor sabe, Senador, como foi difícil o Estatuto Racial. Todos. Então a gente vai fatiar. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - De dez a quinze reuniões cada uma. O SR. TONI REIS - Exatamente. Então nós vamos ter os dois estatutos, mas também vamos fazer os projetos fatiados. Então, criminalização, casamento, direito à identidade, a frente parlamentar e as duas... Pode passar. O que nós queremos no ambiente educacional? Nós o queremos acolhedor, sem violência, sem discriminação e, principalmente, sem bullying, e nós queremos efetivar a Lei 13.185. Eu quero que vocês guardem - nós estamos aqui com várias lideranças, de vários estados brasileiros - essa Lei 13.185, de 2015, do Governo da Presidenta Dilma, que institui o programa contra o bullying. Pode passar. Muito bem. (Soa a campainha.) O SR. TONI REIS - Na educação... Nós queremos educação inicial nas faculdades, educação continuada, queremos mais pesquisas de como trabalhar isso nas escolas, dialogando, inclusive, com essa sociedade patriarcal, machista. Como a gente vai dialogar com esse povo? Tendo material didático e campanhas. Pode passar. Unificação dos boletins de ocorrência, sensibilização dos policiais e dados oficiais. Inclusive sobre isso, o nosso querido Flávio Dino, nosso professor de direito, tem dado shows aqui no Congresso sobre como se defender dos conservadores. Vai haver dados oficiais sobre assassinatos e violações de direitos humanos, o que hoje é feito por organizações não governamentais. Pode passar. E o tripé da cidadania, em que nós queremos coordenação estadual, plano estadual e conselho. Inclusive, amanhã, vai tomar posse o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Senador Paim, com 19 organizações da sociedade civil e 19 ministérios. Então, é um conselho extremamente bem organizado, está bem articulado, porque o nosso movimento é muito diverso - tem de "a" a "z", ideologicamente, mas a gente está junto. Então, com esse povo unido, a gente vai vencer. Pode passar. Respeitar o Estado laico, pessoal. Liberdade de religião para todo mundo, mas o Estado laico tem que funcionar. Pode passar. Como se falou das Nações Unidas, a gente deve cumprir os acordos internacionais. Pode passar. E para refletir, concluindo - pode passar -, temos o direito de ser iguais quando as diferenças nos inferiorizam. Então, a gente tem que pegar a Constituição na mão e falar: "olha, nós não somos inferiores a você, temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza". Eu acho que é muito importante nós termos essa noção de sermos iguais nos direitos e sermos diferentes nas nossas vidas e nos nossos gostos. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem. Esse é o Toni Reis, Diretor-Presidente da Aliança Nacional LGBTI+. |
| R | O SR. TONI REIS - Eu queria só uma oportunidade de entregar então o Manual de Cristianismo e LGBTI+, que está na internet, busquem no Google, e vocês podem passar; o Manual de Educação LGBTI+, onde está toda a legislação internacional e nacional; o Manual de Comunicação LGBTI+, para jornalistas, paras as emissoras de televisão e jornais; e o Manual de Advocacy, Litigância Estratégica, Controle Social e Accountability LGBTI+ - uma palavrinha chique agora é accountability. O Governo tem que ser monitorado, e ele tem que ser avaliado, e a gente tem que dar nota. Então nós estamos fazendo isso. É isso que nós queremos. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu agradeço aqui. É a Comissão que agradece. Ficarão aqui nos arquivos da Comissão de Direitos Humanos. Agora nós vamos passar a palavra... O Toni Reis, não tem comentário, não é? A melhor forma de comentar é fazer o quê? (Palmas.) Eu passo a palavra, neste momento, à nossa última convidada da mesa, a nossa líder Ludymilla Santiago, representante do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans). Por favor, o tempo é seu. A SRA. LUDYMILLA SANTIAGO (Para expor.) - Obrigada. Bom dia a todas. (Palmas.) Líder, não é? É forte receber esse elogio aqui nesta Casa. Muito obrigada, Senador. É muito complexo, muitas vezes, quando vamos falar sobre as nossas existências, porque fica parecendo que sempre temos que trazer a questão dos malefícios que se passam nas nossas vidas. Mas só que também é impossível não falar sobre isso, sendo que é isso que a gente vive no nosso dia a dia. É inconcebível uma mulher trans, uma travesti, uma pessoa trans ter que entender que todos os dias, ao sair de casa, precisa ter muitos cuidados, porque outros acham que a minha existência, que o meu corpo, que o meu existir não pode entrar ou não pode estar nesses espaços assim, não é? E aí, é muito perturbador, porque a grande maioria dos espaços que a gente coloca são espaços públicos - espaços de comunidades, de população -, onde eu deveria me incluir de uma forma muito natural, como qualquer outra pessoa dentro de várias questões. Eu acho que Toni e Raquel são muito assertivos quando trazem dados falando sobre as nossas vivências, sobre as nossas resistências e existências, porque falar sobre LGBTQIA+ no Brasil é muito complexo. Ao mesmo tempo, como o Toni mostra, que a gente está ali entre países que têm a garantia do direito muito bem estabelecida, a gente ainda continua no ranking também de país que mais mata essas pessoas. E aí, é muito surreal, porque a gente viu ali que tem países que criminalizam a existência da pessoa LGBT. E como é isto: dentro da garantia de direitos que a gente tem, num país que entende e reconhece vários desses direitos, ter um país que também ainda permite que as pessoas nos matem livremente, como se nada tivesse acontecido e como se isso fosse uma questão muito normal, não é? A Keila Simpson tem um dizer muito forte. Ela fala das nossas existências como existências abjetas, como se a gente fosse descartável dentro desse processo, a ponto de qualquer pessoa poder fazer ou realizar as suas questões mais macabras, e não ser punida por isso. É muita loucura pensar que isso, de fato, é normalizado dentro dessa sociedade. |
| R | É importante dizer, Senador, que grande parte das nossas conquistas vem via Judiciário, o que não é um fluxo normal de entendimento. A gente tem uma casa executiva que deveria fazer com que essas questões fossem tratadas de forma muito natural, mas isso a gente consegue ver que, a todo momento, as nossas questões são colocadas em xeque, são feitas de moedas de troca para que direitos básicos sejam garantidos dentro disso. E aí a gente precisa de uma Defensoria, de uma Procuradoria para estar ali o tempo todo dizendo para este Estado e dizendo para as três forças, para os três Poderes, que não, que não é assim que deveria acontecer. Como qualquer outra pessoa, a gente deveria, sim, ter essas questões muito bem-dadas, porque, quando a gente vai falar da expectativa de vida de uma pessoa travesti ou de uma pessoa trans, é muito inimaginável eu ter que conceber que eu só posso viver metade da vida de um cidadão comum ou uma cidadã comum dessa sociedade, porque a média de vida de pessoas ditas certas e normais, dentro da nossa sociedade, vai para 74, 75 anos. Então, a gente não consegue viver nem metade disso! É inconcebível eu ter que falar, eu ter que comentar com uma pessoa trans que a expectativa de vida dessa pessoa é de 35 anos. E não estou falando necessariamente somente deste corpo, da Ludymilla, porque, por incrível que pareça, a Ludymilla ainda consegue furar várias bolhas e está aqui hoje - no Senado Federal, do lado do Senador, com uma mesa repleta de autoridades como esta -, rompendo várias bolhas e falando sobre uma questão de existência. A minha preocupação fica, como eu sou aqui do Distrito Federal, para a minha mana que está lá no Sol Nascente, que não faz ideia muitas vezes de que ela tem direito e acesso a essas políticas que estão dadas e que ela tem que entender que a expectativa de vida dela é de 35 anos. E ela tem que conceber isso e achar isso muito natural e sorrir. Porque é isso, as travestis e transexuais ainda escutam o tempo todo que elas são violentas. Ninguém consegue entender que isso é um processo de reação. É muito fácil falar: "Elas estão lá se prostituindo. Elas estão no mundo da marginalidade". Mas ninguém procura saber por que elas estão lá. É muito simples julgar e falar que aquele lugar é um lugar de escolha, que é um lugar de marginalização. E quem é que vai escolher um processo de ter que se colocar em situações, mais uma vez, inimagináveis dentro de várias questões para conseguir o básico, que é comer, que é morar, que é sobreviver? Porque é isso que a prostituição traz para as pessoas que estão na prostituição. Ela não traz uma vida de luxo, não traz uma vida de conhecimento, de saber, de prazeres. Não é isso que a prostituição traz. Ela traz uma subsistência. E por que travestis e transexuais não criminalizam e não subjugam a prostituição? Porque se não fosse esse lugar, muitas de nós não existiriam. Muitos de nós não existiriam, porque isso também, infelizmente, é uma realidade dos homens trans. |
| R | E aí as pessoas só se questionam: "Ah, mas é sempre isso, não é? Sempre a questão da prostituição sendo envolvida". E aí quando a gente tem, sei lá, um programa como o Transcidadania, que surgiu aí, vira aquele alvoroço: "Mas tanta gente morrendo, mas tanta gente precisando, e o Governo está lá, fazendo uma experiência com esses corpos abjetos! Por que esses corpos abjetos precisam de atenção?". E é muito surreal! E aí, lógico que nesse lugar, hoje, enquanto representação do Fonatrans, não tem como não fazer o recorte de que travestis e transexuais pretas e pardas são as que mais sofrem dentro desse quesito. E aí não sou eu, Ludymilla, que estou trazendo esses dados; esses dados estão aí enquanto população, enquanto o próprio IBGE, como bem a Raquel trouxe aqui. E aí, Raquel, tentando corroborar um pouco com a sua fala, essa questão de o IBGE não conseguir nos catalogar é proposital. Ela é proposital, porque a partir do momento em que o Estado começar a dizer quantos somos, o Estado vai ser obrigado a fazer políticas públicas para lidar com essa população. (Palmas.) E aí é muito nesse sentido, porque qual é a ideia perturbadora de um entrevistador perguntar para você sobre a sua orientação ou sobre a sua identidade? Porque é isso, parece que está escrito muito bem detalhado nas nossas testas e aí, quando vai se falar, então, de LGBTs, as nossas genitálias mudam de lugar, elas sobem para a testa, não é? Porque é muito isso, assim, a preocupação... Eu posso fazer o que for, eu posso ter formação, eu posso ter graduações, mestrados, pós-doutorados, ter vários tipos de conhecimento, mas é a genitália da minha testa que importa e diz qual é o lugar em que eu vou poder participar e entrar. E é muito maluco, assim, quantas dessas pessoas que nem sabem quem eu sou vão ter esse processo de minimamente me conhecer por nome e, quiçá, chegar a uma intimidade? (Soa a campainha.) A SRA. LUDYMILLA SANTIAGO - E olha que loucura... E aí fica parecendo que tudo tem que rodar em torno desse processo da sexualidade, porque, enquanto seres sexuais e assexuados também, de pessoas que estão nesse processo, mas que também são excluídas dentro disso, de todo um contexto, fica parecendo que é só isso que a gente sabe fazer. A gente é reduzido somente a uma questão sexual. E aí é muito louco, porque a gente consegue ver dentro das estruturas como isso acontece. Então, é uma estrutura racista, é uma estrutura misógina, é uma estrutura LGBTfóbica, que coloca você nesse lugar, como se essa questão de ser homem ou de ter o falo é o que te coloca nesse ápice, nesse centro de poder. E é muito surreal, não é? Porque se fosse tudo isso, corpos trans, muitas vezes, estariam dentro dessa lógica de pirâmide. Mas é um medo tão surreal, como o Toni colocou aqui, que fica parecendo que é como costumam dizer e colocam a todo momento que a gente prega e constrói uma ideologia em que a gente só de olhar para as pessoas vai transformá-las em LGBTs. E é maluquice isso, não é? Imagina, meu Deus! Eu não posso me aproximar porque... E aí é isso, assim, você usa de uma moralidade pífia, porque, quando a gente vai falar de questões de moralidade, não são as travestis e transexuais que estão naquela esquina simplesmente promovendo essa perversão, como se coloca. Se elas estão ali ou se a prostituição existe, é porque tem uma classe moral que vai atrás desse lugar, e é essa classe moral que faz com que esse lugar continue sendo do jeito que é, porque quanto mais escondido, quanto menos regulamentado, mais essa moralidade vai poder satisfazer as suas bizarrices. O que pessoas querem chamar de fetiches, de desejo, são bizarrices, porque é o mesmo cara que não me contrata para trabalhar na padaria dele que sai do seu estabelecimento e vai procurar essa diversão com o meu corpo. É o mesmo. É o mesmo cara que está dentro da sua grande empresa que sai com seu carro chique, com o seu terno de corte fino e importado, e chega lá com uma lingerie muito mais bonita do que a minha, que sou garota de programa, querendo satisfazer as suas bizarrices. E aí a estranha ainda tem que ser eu. E aí ainda se coloca nesse contexto: "Ai, eu sou o defensor das morais, dos bons costumes e da família". Que família? Sabe... A gente já evoluiu a ponto de entender que família vai muito além dessa ideia de um homem, de uma mulher e filhos. |
| R | Eu sou uma pessoa que foi criada extremamente pelas mulheres da minha família. Eu não tive aí essa conjunção desse tal progenitor que precisa ser exaltado. Se não fosse pela minha mãe e pelas minhas irmãs, eu não teria chegado aonde eu estou e aonde eu consigo acessar, porque foram elas que trabalharam duro, foram elas que aguentaram todo esse processo misógino dentro de uma sociedade, para dizer que mãe solteira não podia ter seus filhos, não podia criar seus filhos, que mulheres não dão conta de fazer as suas atividades. E aí, enquanto isso, têm três, quatro, cinco jornadas - e dão conta! É por conta dessas mulheres, é por conta desses processos que a gente existe. E aí essa família vai além de parentalidade muitas vezes, porque quando a gente vai falar de pessoas LGBTs, muitas vezes, a família que a gente reconhece são os nossos. Quantas travestis, quantas pessoas trans, quantas pessoas LGBTs só estão vivas porque foram abarcadas por outras pessoas LGBTs? (Palmas.) E aí, quando a gente vai falar de um processo, muitas vezes, que envolve a prostituição, é muito simples criminalizar travestis, como cafetinas. É lógico que eu não estou aqui romantizando esse processo. O que é errado precisa ser investigado, precisa ser julgado e precisa ser condenado, mas não venham me dizer que é por conta das cafetinas que as travestis e as transexuais estão aí em um processo de subalternas e de não conseguirem acessar vários processos enquanto sociedade. A gente não acessa porque as políticas e as leis deste país são simplesmente superficiais quando se trata das questões LGBTs. (Soa a campainha.) A SRA. LUDYMILLA SANTIAGO - E aí a gente agora tem um processo que equipara a transfobia com o racismo. E olha que loucura: equipara com mais um processo que a gente aí há anos vem tentando fazer com que aconteça na nossa sociedade. Até pouco tempo atrás o Brasil se dizia um país que não era racista. Olha que maluco isso! "Não, não somos racistas. Eu até tenho uma amiga preta. Eu até tenho uma amiga travesti." Não, gato, ninguém aqui é bichinho de zoológico para dizer que você tem ou que você precisa ter. O que a gente está aqui conversando, falando, explanando e querendo são direitos garantidos. Eu não preciso que você diga que tem uma pessoa trans ou que tem uma pessoa preta como amigo ou que convive com essa pessoa. Eu quero que essa pessoa seja respeitada simplesmente pelo fato de ser quem é, como eu fui ensinada, dentro dos meus conceitos, fugindo à lógica da família tradicional, que o respeito era mais importante que muitas coisas que a gente tem dadas enquanto constituição, enquanto processo de construção de uma sociedade. E isso não necessariamente é em um processo de escola que a gente vai aprender, como a gente vê muito hoje acontecendo. É muito lindo querer ser pai, querer ser mãe, e a gente usa de uma política de um desejo muito egoísta e próprio, e aí, na hora de educar essas crianças e adolescentes, a gente empurra isso para as escolas, como se as escolas fossem capazes de dar toda a base que um ser humano precisa. E aí a gente esquece que nós, enquanto adultos, somos responsáveis por essas crianças e por esses adolescentes, independentemente de qual seja a conjuntura, de qual seja a configuração. |
| R | O Toni mesmo trouxe. Ele adotou três crianças, e as crianças hoje são adultas e estão aí nesse processo de vivência. (Soa a campainha.) A SRA. LUDYMILLA SANTIAGO - Então não venham me dizer que pessoas LGBT não são capazes de educar pessoas, porque nós somos muito capazes. Dentro disso eu me despeço. Era mais para trazer algumas questões. Muito nervosa nesse sentido. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Foste muito bem. A SRA. LUDYMILLA SANTIAGO - E aí eu sou muito prolixa. Se eu ficar aqui, eu vou ir e voltar, ir e voltar. Mas eu acho que é importante a gente prestar atenção nisso. Do mesmo jeito que o Toni deixou para você, Senador, alguns materiais, todas as instituições LGBTs possuem materiais para falar sobre as nossas vivências, sobre as nossas resistências, sobre o que queremos e o que precisamos, porque o que a gente está pautando é existência, é dignidade, é respeito. E aí o que vem depois disso, aí sim, a gente senta e conversa de uma maneira política para decidir quais são os processos que podem e devem acontecer para constituir uma sociedade melhor. Obrigada! (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Parabéns, Ludymilla Santiago, representante do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans). Isso é porque ela disse que estava nervosa. falou, deu um show do mundo real, do dia a dia das nossas vidas. Como é o nome da assessora da Senadora Teresa Leitão, que está aqui? (Pausa.) Camila. Camila, eu vou interromper um segundo para dizer que eu gostaria muito que o relatório, embora eu não esteja lá presencial, da nossa querida Senadora Teresa Leitão... Ela é a nossa Relatora. Eu não digo minha, porque é nossa, porque a causa é enorme, lá na Comissão de Educação. Eu não posso estar lá, mas faço um apelo para que ela fale com o nosso Líder lá, Senador Flávio Arns, companheiro nosso de muitas lutas. Vou explicar o que é. A Senadora Teresa Leitão vai dar o seu parecer em um projeto que escreve o nome de Nelson José da Silva, Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Lage e Ailton Pereira de Oliveira no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Por que isso? Eles são heróis da luta contra a escravidão. Está registrado na história que eles são os heróis da chacina de Unaí, onde os quatro aqui homenageados por nós foram assassinados a mando de fazendeiros da região porque eles não queriam que as pessoas ficassem lá sob o regime de escravidão. Infelizmente, foram assassinados os quatros. Fizemos um projeto - a Teresa Leitão me ajudou, e ela é a Relatora - para que eles entrem como heróis da pátria, porque lutaram contra a escravidão. |
| R | Fica aqui uma salva de palma a eles, lá no alto; às mães que nos visitaram nesta Comissão; à minha querida Senadora Teresa Leitão e também ao Presidente Flávio Arns. (Palmas.) Pronto! Fizemos um pequeno entendimento aqui na mesa na seguinte linha - porque eu sempre abro, quando possível, um espaço para o Plenário falar, e eles estão aqui, na primeira fila -: nós vamos abrir a palavra, por cinco minutos, para cada um: Lucas Siqueira, Coordenador de Juventude da Aliança Nacional LGBTI+; Gabriel Borba, da Comissão Nacional dos Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Gabriel Dil, OAB-Rio Grande do Sul, Coordenador Jurídico da Aliança Nacional LGBTI+; e aqui foi colocada, claro, com nosso total apoio, Carla Ayres, Vereadora por Florianópolis, Santa Catarina. Então, começamos com o Lucas. Lucas, cinco minutinhos. O SR. LUCAS SIQUEIRA (Para expor.) - Bom dia, pessoal, a todas as pessoas. Fico muito feliz de estar neste espaço. Meu nome é Lucas Siqueira, estou Coordenador de Juventude da Aliança Nacional LGBTI+ e queria começar minha fala dizendo que, no ano passado, nas eleições, nós tivemos que defender democracia e ciência muito forte e quase perdemos, mas ganhamos. Então, acredito que o Brasil está no caminho da democracia; se está no caminho da democracia, está no caminho da diversidade; se está no caminho da diversidade, está no caminho do diálogo; e estamos no caminho da ciência também ou pelo menos voltamos a estar. Então, precisamos trabalhar com dados. Mas, falando um pouco mais do meu segmento de juventude, eu quero falar de quatro questões principais. Quando muitos políticos falam de juventude, sempre usam a frase "a geração do futuro". Pessoal, o futuro ainda é muito abstrato, o presente é concreto. Eu tenho medo de andar na rua hoje, eu tenho medo de ir à escola hoje, eu tenho medo da homofobia hoje, não no futuro. Então, nós temos que pensar em políticas públicas para o presente. Aprendi com Toni Reis que a política tem seu tempo. Alguns estatutos demoram 15 anos, 10 anos, mas acredito que a nossa democracia, a nossa militância e o nosso Congresso amadureceram para entender que alguns direitos humanos não podem esperar tanto tempo. Eu conheço na pele a homofobia na escola, eu sofri muito com a homofobia na época do ensino médio e eu sei que a LGBTfobia pode arrancar a adolescência de uma pessoa, fazendo com que ela não exista ou com que ela seja traumatizada. E nós não podemos deixar que falar em educação e em diversidade seja um tabu. Temos que estar na área da educação e nas universidades também. E uma coisa muito importante é que a nova ideologia de gênero, que foi demonizada no passado, agora são pessoas trans nos esportes. Isso está acontecendo muito internacionalmente, está chegando ao Brasil, e querem demonizar a participação de pessoas trans nos esportes, falando que há diferenciação. Novamente, o caminho da ciência. Todo mundo que estuda diversidade sabe que, para pessoas trans participarem das competições, existem requisitos técnicos muito bem definidos para que haja igualdade. Então, novamente, temos que pedir que essa Câmara e este Senado, este Congresso Nacional, não tenham medo de fazer esse debate em defesa da ciência, em defesa das pessoas trans nos esportes também. Que a juventude não seja só uma geração do futuro, mas que seja uma geração do presente, e que eu não espere tantos anos para ver algumas conquistas como foram algumas conquistas que alcançamos hoje. Muito obrigado. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Os meus cumprimentos, Lucas Siqueira, da área da Juventude da Aliança Nacional LGBTI+. Eu achei muito bonito, Lucas, quando você falou que sofreu na própria pele. Todos nós que temos colegas e amigos dão o relato que você deu, de como foi triste. Alguns tiveram até que mudar de cidade, para não fazer aquelas frases... Quem colocou as frases aqui? Foi você? (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Devido àquelas frases... Então, olha, parabéns! (Palmas.) Tenho orgulho de dizer que você é Vereador hoje! Passamos a palavra, agora, ao Gabriel Borba, da Comissão Nacional dos Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem de Advogados do Brasil. O SR. GABRIEL BORBA (Para expor.) - Bom dia a todas as pessoas. Primeiramente, eu gostaria de cumprimentar a Mesa, na pessoa do Senador Paulo Paim, e já, de antemão, registro os cumprimentos da Dra. Silvia Souza, que é Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos, e que não pôde estar presente, mas me enviou para representar a CNDH do Conselho Federal. A minha fala vai ser rápida, eu não tinha preparado nada para hoje, mas eu acho que o primeiro ponto é a gente pensar sempre nas estatísticas das violências contra as pessoas LGBTQIA+ no Brasil. Se a gente tem muita revolta, por exemplo, com a pauta das pessoas trans nos esportes, a licença maternidade ou paternidade para casais homoafetivos, a gente não tem a mesma revolta com a expectativa de vida de 35 anos para mulheres trans e pessoas trans em geral. A gente não tem uma revolta com os dados coletados pela Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos sobre a violência contra as pessoas LGBTQIA+, em especial as pessoas trans do Brasil no último ano, que é gritante para um país democrático como o nosso. Para além do que a Aliança fala do Programa Cumpram-se do STF, é sempre importante a gente trazer também o "cumpram-se" das decisões internacionais de direitos humanos que, partindo da soberania do Estado, o Brasil se sujeitou à jurisdição da Corte Interamericana, da Comissão Interamericana, tanto na competência contenciosa quanto na competência consultiva. E não são poucas as decisões que a gente tem, por exemplo, na Corte: o caso Duque, o caso Flor Freire, Atala Riffo, Azul Rojas, que tratam sobre as pessoas LGBTQIA+ e, mesmo assim, os Estados fazem vista grossa, em especial o Brasil. Além disso, temos a Opinião Consultiva nº 24 também, que, partindo da soberania do Estado, reconheceu a competência da Corte Brasil para emitir esse tipo de opinião sobre diversos temas dos direitos humanos, e o Brasil também não cumpre a opinião consultiva que, embora emitida para outro Estado-membro da OEA, também se aplica a todos os outros que reconheceram essa competência. A Comissão Nacional dos Direitos humanos há muito já vem fiscalizando o cumprimento dos direitos humanos voltados para as pessoas LGBTQIA+, tem feito diversos relatórios, diversas pesquisas. E hoje eu venho para reforçar o compromisso da CNDH do Conselho Federal, com o Brasil, com as pessoas LGBTQIA+, com o cumprimento dos direitos humanos dessas pessoas, que nos é tão caro para atingir um país democrático, uma sociedade livre, como a que é dita em nossa Constituição Federal. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Os meus cumprimentos ao Gabriel Borba, da Comissão Nacional dos Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que dá um visual rápido, mas importante. É um alerta a nós todos que atuamos na área dos direitos humanos. |
| R | Passo a palavra, agora, para Gabriel Dil, OAB-Rio Grande do Sul, Coordenador Jurídico da Aliança Nacional LGBTI+. O SR. GABRIEL DIL (Para expor.) - Bom dia a todos, todas e "todes". Bom dia ao Senador Paulo Paim. Cumprimento, na sua pessoa, a Mesa. Muito me honra estar aqui, nesta manhã, tratando de um tema tão importante, de relevância nacional e internacional, num dos países que mais mata LGBTs no mundo. No Brasil, embora tenhamos já vários avanços, seja por via do Judiciário, seja por algumas resoluções no âmbito dos estados, embora tenhamos conquistas no Supremo Tribunal Federal, como a criminalização da homotransfobia, no Brasil, de norte a sul, a capilaridade do sistema de Justiça ainda não conseguiu efetivar realmente essas decisões em alguns lugares, por conta da ausência de treinamento e de políticas públicas voltadas aos profissionais, seja em delegacia de polícia, seja no próprio Ministério Público. Alguns lugares não têm aquele protocolo inicial de atendimento a pessoas lésbicas, gays, travestis, transexuais no momento da feitura do boletim de ocorrência, para denunciar, para informar que foi vítima de um crime homotransfóbico, por conta de que o sistema de Justiça não avançou, não chegou até os extremos, os municípios e os estados. Então, essa ausência de política pública acaba culminando numa ausência de efetivação desses direitos fundamentais. Embora a comunidade LGBTQIA+ não esteja de forma expressa na Constituição Federal, um dos princípios da Constituição Federal de 1988 é o princípio da dignidade da pessoa humana. E esse princípio da dignidade humana alcança todos, todas as pessoas que estão no território nacional. Por conta disso, esses mandados, esses mandamentos da Suprema Corte, devem ser vistos. Também é importante que sejam positivados esses direitos porque, dentro do próprio sistema do direito, alguns doutrinadores, alguns professores defendem uma tese até majoritária de que a ausência de positivação é caso de não cumprimento de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que criminalizou a homotransfobia pelo princípio da legalidade do direito penal. Por conta dessa fragilidade de efetivação dessa proteção de um preceito fundamental, disposto na Constituição Federal, não basta que tenhamos reconhecida na Suprema Corte essa proteção para que a tenhamos por parte do Parlamento. Neste momento, dá para se dizer que há uma reabertura democrática, depois de quatro anos de uma ausência de discursos e debates em torno dessa população. Então, é muito importante que estejamos aqui discutindo, para trazer este protagonismo também para o Poder Legislativo, para que o Poder Legislativo possa também atender a essa camada da população, que é minoritária, a essa camada da população cujos pleitos talvez não sejam pleitos que angariem muitos votos, de uma maioria, mas são cidadãos e precisam do Parlamento legislando para nós. Então, é com isso que eu encerro a minha fala. Agradeço o espaço e a disposição de todos. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Gabriel Dil, OAB-Rio Grande do Sul, Coordenador Jurídico da Aliança Nacional LGBTI+, que, na linha de outros que já falaram - mas você agora foi contundente -, demonstrou que os pleitos da comunidade são mais aceitos e avançam junto ao Supremo, e têm que avançar mais também no Legislativo. |
| R | Parabéns pela fala. Por fim, Carla Ayres, Vereadora de Florianópolis, Santa Catarina. A SRA. CARLA AYRES (Para expor.) - Obrigada, Senador Paim. Bom dia a todas as pessoas presentes aqui no plenário e as que nos acompanham ao vivo. Queria começar saudando os mais novos e os mais velhos aqui, porque nossos passos vêm de longe e, infelizmente, para que a gente pudesse estar dentro do Senado Federal, hoje, dia 16 de maio de 2023, muitas e muitos ficaram pelo caminho, na luta pelos nossos direitos. Permita-me, Senador, na sua pessoa também, cumprimentar a Raquel e a Ludymilla, porque a luta pela igualdade e pelos direitos humanos da população LGBTQIA+ precisa e necessita estar associada ao feminismo na luta contra a sociedade patriarcal, na luta das mulheres nas nossas pluralidades e também no combate ao racismo. Ludymilla e Raquel me representam muitíssimo. Hoje eu estou Vereadora, pelo Partido dos Trabalhadores, em Florianópolis, a primeira mulher lésbica, assumidamente lésbica, a se eleger Vereadora naquela capital catarinense. Todos e todas imaginam o desafio de estar na capital do Estado de Santa Catarina, no Parlamento, fazendo a defesa dos direitos humanos, da dignidade humana, da população como um todo e da democracia. Mas, quando eu entrei aqui e a audiência já tinha iniciado, num primeiro momento, eu tive quase que uma volta ao passado, com as falas muito pedagógicas do Lucas e do Sérgio, colocando pontuações e teorizando informações que, para nós, já estão, há um tempo, quase que consolidadas. E o que eu queria deixar para esta audiência, Senador, é que nós restabelecemos a democracia ou a possibilidade de lutar democraticamente pelos nossos direitos, em 2022, e nós não paramos desde o golpe contra a Presidente Dilma. Nós continuamos formulando possibilidades dos nossos direitos e elegemos Vereadores e Vereadoras, em diferentes Municípios, que permaneceram fazendo essa luta. Os avanços aqui no Congresso, ou até mesmo do Judiciário, aparentemente, foram estagnados pelo golpe, mas nós seguimos lutando. Nos Parlamentos municipais, nós estamos um tanto quanto sós, ainda lutando também contra a violência política de gênero, contra a violência política que tenta barrar tudo isso, muitas vezes sob os nossos corpos. Mas nós não podemos, a partir do restabelecimento da democracia, começar do zero na luta pela cidadania da população LGBTI+. Nós temos muito acúmulo desses últimos quarenta e tantos anos, como o senhor mesmo colocou, desde a Constituinte. Nós precisamos utilizar esses novos espaços, ou essa reedição dos espaços participativos, para construir estratégias; não mais recapitular só o que nós já formulamos, mas nós precisamos formular estratégias e ações a partir daqui. Precisamos avançar nesse sentido, porque passamos um bom tempo da nossa vida e daqueles que já partiram, falando e falando e falando. |
| R | Precisamos dos dados e precisamos dessas políticas públicas, em um trabalho conjunto, finalmente, entre o Executivo - a partir da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, do Ministério dos Direitos Humanos, e de todos os órgãos públicos aqui reunidos -, este Congresso e o conselho que, na tarde de amanhã, será empossado, juntamente com a sociedade civil. Para além do que o próprio Toni já colocou... (Soa a campainha.) A SRA. CARLA AYRES - ... do ponto de vista da educação, nós precisamos, fundamentalmente, de três pontos que eu acho que são o desafio para este Governo Lula: finalmente, estabelecer o marco legal da cidadania LGBTQIA+ no Congresso Nacional... (Palmas.) ... nós precisamos estar presentes no Orçamento público da União, para constituir políticas públicas para a nossa população; e nós precisamos falar de emprego e renda. Nós precisamos colocar a nossa população, que também sofreu na pandemia, a partir dessa perspectiva. (Palmas.) E nós, nos Parlamentos municipais, estamos sendo a ponte de tudo que vocês formularem aqui. Certamente, contem conosco, sempre que necessário, para fazer essa interlocução. Mais uma vez, parabéns e obrigada pela oportunidade! (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Carla Ayres, Vereadora de Florianópolis, Santa Catarina. As palmas do Plenário e da Mesa dizem tudo da sua fala. Você, em cinco minutos, fez uma bela síntese. Tem uma frase de que eu gosto muito, uma frase simples, do dia a dia das nossas vidas: se olhamos, lá para trás, tudo o que já sofremos, lutamos muito, sofremos hoje, mas estamos avançando. A frase, na verdade, é: fizemos muito, mas temos muito, muito, ainda por fazer, pelas nossas conquistas da democracia plena e sem nenhum tipo de preconceito. Então, neste momento, pediram só para eu ainda registrar o Francival Barbosa, Conselheiro Municipal de Valparaíso. (Palmas.) Agora, nós vamos dar cinco minutos para as considerações finais dos nossos painelistas. É claro que, se alguém precisar de um pouquinho mais, fique tranquilo. Eu dizia ainda aqui para o Toni que as perguntas eu acho que todos já receberam e já comentaram as perguntas. Então, fiquem bem à vontade. Eu vou passar a palavra, de imediato, porque as perguntas acho que todos já leram e eu acho que as li também. No primeiro momento, eu li. Então, eu vou, neste momento, voltar para as nossas falas. Cinco minutos para as considerações finais do Dr. Lucas Costa Almeida Dias. Ele é Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, no Acre, pelo Ministério Público Federal. O SR. LUCAS COSTA ALMEIDA DIAS (Para expor.) - Senador, eu agradeço pela oportunidade de debater este tema que é tão importante para nós, pela nossa existência, pela nossa resistência. O Ministério Público Federal, pelo grupo de trabalho das questões LGBT, está muito atento a todos os retrocessos que nós vivemos, sobretudo nesse período de obscurantismo, como disse o colega. Aproveito a fala da Carla, que eu achei muito objetiva e muito necessária neste contexto, para pensar o que a gente deseja para o futuro. A implementação de um orçamento destinado para essa comunidade tem um papel simbólico, tem um papel muito importante, mas ainda é insuficiente. A gente precisa mapear essa população, a gente precisa estabelecer prioridades... O Toni estabeleceu algumas metas muito concretas. A gente precisa atuar na base, na educação, na saúde, na empregabilidade, na renda... |
| R | E, por isso, eu deixo nosso grupo de trabalho do Ministério Público Federal à disposição. Contem conosco! Eu já lhe entreguei impressas essas notas técnicas, Senador, mas deixo claro também que todo esse material produzido pelo Ministério Público Federal consta do nosso site - tem uma aba lá Grupos de Trabalho, Grupo de Trabalho LGBT. Essas notas técnicas sempre são remetidas para o Congresso e para a autoridade a quem é direcionada essa nota técnica, mas, sobretudo, para o debate da sociedade. Acreditamos que democracia é justamente isto, Senador, participação com o povo, participação com o Parlamento, com as outras instituições do sistema de justiça, a Defensoria Pública e os Ministérios Públicos estaduais. Muito obrigado. E uma boa semana de luta e atividade para todos nós. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Meus cumprimentos ao Dr. Lucas Costa Almeida Dias, Procurador Regional dos Direitos do Cidadão no Acre, Ministério Público Federal. E aqui estão as notas técnicas que ele me entregou, que vão ficar nos Anais aqui da Comissão de Direitos Humanos. De imediato, o Dr. Sérgio Caetano Conte, Defensor Público Federal e membro do Grupo de Trabalho LGBTQIA+ da Defensoria Pública da União. O SR. SÉRGIO CAETANO CONTE FILHO (Para expor.) - Obrigado, Senador. Eu só queria encerrar agradecendo a participação novamente, o convite, e dizendo o quão importante é esta legislação participativa ao dar voz, fazer audiências públicas, deixar o povo falar... Como é impactante ouvir a história de cada um, de cada grupo, o que aqui se fez hoje. E, como a gente viu ao longo de todos os painéis, é uma comunidade que é invisibilizada sempre, em todos os aspectos! É uma comunidade de que tentaram tirar a voz sempre, e aqui, nesta Comissão, hoje, foi dado voz para que pudesse levar esses ensinamentos e a própria história para tentar fazer algo diferente e dar um start para mudar, como sempre é necessário. Então, eu queria agradecer também colocando à disposição a Defensoria Pública da União como instituição e também o Grupo de Trabalho LGBTIA+. Nós estamos sempre abertos não só à Aliança Nacional, ao MPF, de que sempre fomos parceiros, como sempre, mas a toda a sociedade civil. Precisando, entre em contato com a Defensoria, que a gente vai encaminhar para o setor competente, para a gente conseguir fazer a efetivação desses direitos. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Sérgio Caetano Conte, Defensor Público Federal e membro do Grupo de Trabalho LGBTQIA+ da Defensoria Pública da União. Passamos agora para Raquel Mesquita, representante da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL). A SRA. RAQUEL MESQUITA (Para expor.) - Obrigada, Senador. Eu fiquei muito emocionada com a fala de todos. Eu queria parabenizar o Senado pela iniciativa da audiência pública e também por haver uma TV Senado para levar esta audiência pública para os rincões do Brasil. E eu gostaria de encerrar minha fala falando com quem está em casa, com quem é cristão, com quem tem filho... Esse domingo foi o domingo das mães. A gente está falando aqui de direito à vida, porque para o direito à vida não basta estar vivo, mas é ter uma vida boa, é a dignidade da pessoa humana, é o direito de viver e ser feliz, em síntese. Vejam bem. Muitas pessoas conservadoras falam que são contra o aborto, mas, ao mesmo tempo, elas não se importam quando um LGBT morre. Em que momento tem essa ruptura? Vamos supor que exista uma mulher grávida que esteja grávida de um LGBT. Tudo bem, você continua, então, contra o aborto? E, se você é contra o aborto, então, por que é que você deixa essa criança morrer depois? Por que é que, às vezes, você mata essa criança depois? Porque o que acontece é que, quando você não tem acolhimento, tanto acolhimento da sociedade como acolhimento da sua família, você acaba incorrendo no que o Toni Reis trouxe brilhantemente para a gente, em tentativas de suicídio... Então, eu faço um apelo a quem está ouvindo para amar seus filhos, amar suas filhas... (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. A SRA. RAQUEL MESQUITA - ... quem quer que eles sejam, porque o amor dos pais, o amor pela família tem que estar além de qualquer coisa, tem que estar além do que é socialmente imposto. Então, eu faço esse apelo. E aqui, em nível político, para o que a gente está trabalhando é para garantir direitos mínimos. Tem uma das perguntas que dizia: por que estratificar os direitos humanos? A gente precisa de políticas afirmativas, porque somos diferentes. Isso é isonomia, isso é garantir a igualdade na diferença. Agora, a gente não está tendo direito à vida. Se a gente não tem direito à vida, a gente tem que lutar por uma política pública voltada para a nossa população que garanta isso, o que não tem. Por exemplo, as mulheres trans, os homens trans têm expectativa de vida de 35 anos. Isso é ridículo, isso é ridículo, isso é um absurdo! Da mesma forma, nós as mulheres lésbicas... Principalmente as que não performam a feminilidade, elas são mortas; todos os dias, elas apanham, elas são estupradas; elas são estupradas até pelos próprios pais. Imaginem a violência que é isso! O que eu estou pedindo a todos é para serem cristãos, é o mínimo; e ao Estado, para ser laico e garantir os direitos básicos. E são direitos que, se a gente for pensar na história, eles são liberais. Isso é que é o... O direito à vida, à liberdade são direitos que vieram com a Revolução Francesa e que são uma conquista liberal. E, no século XIX, havia um medo da democracia, porque a consideravam a ditadura da maioria, enquanto o liberalismo ia garantir a proteção das minorias. Existia o medo de que, se o povo estivesse no poder, então, o direito à propriedade dos ricos ia ser prejudicado; afinal de contas, a maioria é pobre. Então, o liberalismo é o que a gente está pedindo. A gente está pedindo o mínimo: um Estado democrático, liberal, de direito. E, assim, eu encerro minha fala. Muito obrigada pelo espaço. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, Raquel Mesquita, representante da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL). Meus cumprimentos. E agora eu passo a palavra para o nosso convidado internacional: Jan Jarab, Representante Regional para a América do Sul do Alto Comissariado da ONU. (Pausa.) Desconectou-se. Então, vamos de imediato para a Ludymilla, Ludymilla Santiago, representante do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros. Falei de líder e repito: a líder Ludymilla Santiago. |
| R | A SRA. LUDYMILLA SANTIAGO (Para expor.) - Obrigada, Paulo Paim. Eu tenho que agradecer à Jovanna por me dar essa incumbência, à nossa Presidenta do Fonatrans, Jovanna Cardoso, por acreditar em mim e ver que sou capaz de estar aqui representando esse grande fórum; e ao Toni, por ter feito essa interlocução, entendendo que sou do Distrito Federal. Quero saudar minhas amigas lá do Creas Diversidade, Mirella e Alice, uma política pública de assistência social... (Palmas.) ... aqui do DF. Infelizmente, esse Creas Diversidade é o único que a gente tem no país e é uma iniciativa lindíssima. Se não fosse por esse serviço, dificilmente eu estaria aqui. Esse serviço me ajudou a me construir enquanto um ser político e uma pessoa de liderança, como o próprio Senador colocou aqui. (Palmas.) Agradeço a todas as outras... Kátia, é muito bom te ver também! E aí eu acho que, em nome de todas as travestis que me antecedem, as minhas referências, como Jovanna Cardoso, Keila Simpson, Bruna Benevides, Cris Stefanny e várias outras que a gente tem como nomes potentes nesse processo... A cada dia que passa, só provam o quanto é importante a gente garantir oportunidades de espaços para essas pessoas, porque, a partir do momento em que a gente tem essas oportunidades, a gente consegue demonstrar e dizer a que veio. É muito importante a gente fazer com que essas políticas sejam construídas. E, por isso, Senador, na sua pessoa, agradeço este espaço do Senado para construir uma audiência tão importante e potente como esta. Que a gente consiga chegar aos cantos mais diversos e distantes deste país, porque a gente sabe que, num país de tamanho continental, muitas vezes, é complexo a gente falar de políticas igualitárias, diversas e que cheguem a todos esses espaços. Eu, por exemplo, moradora desta capital, dentro de várias questões, eu tenho vários privilégios por estar perto dessa política, o que não me faz também um ser tão invencível dentro disso, porque, como coloquei aqui na minha fala, essa questão da identidade de gênero me atravessa de forma muito potente a ponto de fazer com que às vezes a minha existência seja subjugada. Então, eu espero que, em outros momentos e em outros espaços, esta Casa seja igualmente aberta para a gente poder debater nossos direitos. E, para quem de fato quiser compreender quem são essas pessoas, quem são esses corpos, colocando-se dispostos a debater e a conversar, a gente tem aí grandes nomes, grandes organizações que podem, sim, trazer dados que mostram o que essas pessoas estão requerendo e trazendo enquanto processo de cidadania. É muito ruim escutar que, todas as vezes que a gente vai falar sobre as nossas vivências e existências, é um mi-mi-mi. Quem quiser entender dessa forma entenda! Eu vou continuar o mi-mi-mi, porque eu vou continuar resistindo e existindo! (Palmas.) Muito obrigada a todas as pessoas. E tenham um bom dia! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa foi a líder Ludymilla Santiago, representante do Fórum Nacional de Travestis e Transsexuais Negras e Negros (Fonatrans). Meus cumprimentos, Ludymilla. |
| R | Agora, acho que alguém pensou: "Ele se esqueceu do Toni". Ele estava no meio da lista, mas eu acho que é mais do que adequado: eu queria que o Toni Reis fizesse a fala de encerramento da nossa audiência pública de hoje. Eu dou um testemunho. Eu cheguei aqui na Constituinte. Eu era um... Naquele tempo, eu era jovem. Eu ia dizer um guri; um guri não, mas eu era jovem. Quando cheguei, na bancada negra, éramos quatro. Éramos eu, o Edmilson, a Benedita e o Caó, que já faleceu. E, aqui, conversamos sobre a luta de tudo quanto é tipo de preconceito. Assim, nos identificávamos a bancada negra, como eu quero que a Frente Antirracismo, que nós montamos, tenha um trabalho conjunto com vocês. Vamos trabalhar juntos mesmo. Ali eu conheci, ligeirinho, você, Toni. E o Toni: "Não, venha cá, por que só negro? Vamos conversar de tudo um pouco". Ele foi nos cativando. E, quanto mais a gente vai vivendo, mais a gente se sente acolhido e vai acolhendo. É mais do que justo que, no encerramento, você faça a sua fala em nome de nós todos. O SR. TONI REIS (Para expor.) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim. Emociona-me isso, porque a gente começa a perceber: meu Deus, quanto tempo se passou, e a gente está aqui. Eu acho que é importante. Isto não estava na minha fala, mas vou colocar que Brecht fala sobre uma questão: as pessoas que lutam um dia são importantes, as pessoas que lutam algum tempo são mais importantes, mas as pessoas que lutam a vida inteira são imprescindíveis. Que bacana isso, não? (Palmas.) É disto que nós precisamos: de mais pessoas imprescindíveis. Você fazer um debate um dia é fácil, mas você estar lá junto... Eu queria, primeiro, agradecer ao Senador Paulo Paim e a toda a equipe. Gentilmente nos atenderam. Obrigado. Você tem uma equipe... Foram todos... (Palmas.) De forma muito legal, arrumando, vendo e trabalhando. Quero também saudar as nossas grandes parcerias. Agradeço às Nações Unidas. Muito obrigado. Obrigado à Procuradoria-Geral da República, dos Direitos Humanos, na pessoa do Lucas, que é esse exímio advogado, defensor dos direitos humanos. Obrigado por sua disposição e por sua agilidade nos processos. Agradeço também à Defensoria Pública da União. Ontem, nós nos posicionamos dizendo que eles precisam de recursos, pessoal. A DPU só está em 33% dos nossos estados, das nossas cidades. A gente precisa ampliar a Defensoria Pública. Quero aqui saudar a LBL e o Fonatrans. Quero mostrar que a Aliança Nacional está aberta a discutir com todas as redes, independentemente dos métodos e das estratégias, porque nós somos pluripartidários. Há umas discussões: "Não, vocês estão falando com a direita". Nós falamos com a direita. Aqui, nós falamos com 81 Senadores e Senadoras e, lá na Câmara, nós falamos com 513 Deputados e Deputadas. Não tem... E aí saiu uma foto, uma vez, com a Senadora Damares. Essa foto roda, e tem dossiês: "O Toni agora é bolsonarista". Ela sabe muito bem que eu não votaria no Presidente Bolsonaro por todos os posicionamentos dele e que não votaria na própria Damares, mas eu considero o respeito fundamental. Então, nesse sentido, eu acho que... Estou falando isto publicamente: eu vou conversar com todo mundo. Então, não estranhem, pois eu vou estar lá levando a nossa questão. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Toninho, quero só dizer, concordando com você, que, aqui dentro, todos votam. O SR. TONI REIS - Claro. É isso, meu amigo! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu só consigo aprovar leis conversando com todos. Independentemente da ideologia de cada um, quero ver o votinho lá nas causas que todos nós defendemos. (Palmas.) O SR. TONI REIS - Muito bem. |
| R | Inclusive, a gente tem que falar com as pessoas que pensam diferente, porque os aliados já estão do nosso lado. Eu tenho que conquistar os fariseus, eu tenho que trazê-los para o nosso lado e fazer isso bem bacana. Agora, só para concluir os meus dois minutos, quero dizer que o Aristóteles fala que a finalidade da vida é ser feliz. Então, vamos lutar pelas nossas felicidades, e a felicidade é você ter o que comer, ter onde morar, ter trabalho, ter dignidade, ter pertencimento, ter autoestima e ter autorrealização, para nós todos. Também quero homenagear a nossa querida Rita Lee, a qual falou que nós somos a ovelha negra da família. Eu quero parafrasear e falar que nós somos a ovelha negra arco-íris do nosso país. Muito bacana. (Palmas.) Para encerrar mesmo, em homenagem ao nosso querido Senador Paulo Paim, o Martin Luther King falou uma frase de que eu gosto muito nestes tempos. Nós precisamos discutir todas as questões, nós temos que apurar todas as questões, nós temos que lutar contra negacionismo, contra fake news. Por isso, a Aliança Nacional é terminantemente favorável à aprovação da lei que aprova a regulamentação das mídias sociais. Se tudo no nosso país é regulamentado, as nossas vidas, os nossos corpos são regulamentados, por que...? As mídias sociais também têm que ser regulamentadas. Respeito à liberdade de expressão, desde que não fira a minha dignidade. Se feriu a dignidade humana, já acionamos a área jurídica, acionamos o Ministério Público, a DPU. E, como lá dentro da DPU e do Ministério Público, estão muito sensibilizados, eles fazem os processos direitinho. Então, a pessoa vai se ver com a lei e com a Constituição Federal. E, para concluir, algo de que gosto muito que é o que o Martin Luther King disse: "A escuridão não pode expulsar a escuridão, apenas a luz pode fazer isso". Então, eu peço para todos aqui: acendam um fósforo, uma velinha, construam uma hidrelétrica! A gente tem que levar luz para alguns seres humanos, alguns setores da sociedade. O ódio não pode expulsar o ódio, só o amor pode fazer isso. Isso é importante, pessoal! Dente por dente, olho por olho, e nós ficaremos todos cegos e todos banguelas. Então, vamos levar o amor. E eu sempre brinco, brinquei com o Pastor Silas Malafaia, dizendo: não tem lá o negócio do amor ao próximo... (Soa a campainha.) O SR. TONI REIS - E se o cara for inglês e tiver um bigode... Eu estou falando do meu esposo, estamos casados há 33 anos. É isso que nós temos que fazer: amar as pessoas, independentemente de qualquer questão. Muito obrigado a todo mundo. Foi um prazer estar com vocês. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Toni Reis, Diretor Presidente da Aliança Nacional LGBTQIA+, que fez aqui a fala de encerramento. De tudo que eu dissesse, eu não chegaria nem perto da história bonita de quem sabe o que fala, conhece o que fala. Isso são políticas humanitárias, isso são direitos humanos! E esta Comissão a que vocês agradeceram pelo espaço... É claro que eu gosto de ver o carinho do agradecimento, o acolhimento, mas teria razão de existir Comissão de Direitos Humanos se não tivéssemos audiências como esta, com todos os setores que são discriminados, que, de uma forma ou de outra, sofrem preconceito ao longo das suas vidas?! Inclusive eu, como negro. Eu sempre digo que quem é negro e disser que nunca sofreu preconceito faltou com a verdade. Então, nós estamos aqui acolhendo a nós mesmos, a nós todos, que temos um compromisso com um mundo melhor para todos. Vida longa à democracia, vida longa às políticas humanitárias. Está encerrada a nossa audiência pública. (Palmas.) (Iniciada às 8 horas e 57 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 17 minutos.) |

