18/05/2023 - 12ª - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 12ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para instruir o Projeto de Lei 3.453, de 2021, que altera a Lei 8.038, de 28 de maio de 1990, e o Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para dispor sobre o resultado de julgamento em matéria penal ou processual penal em órgãos colegiados e sobre a concessão de habeas corpus de ofício, conforme o Requerimento nº 11, de 2023-CCJ, de autoria dos Senadores Sergio Moro e Weverton.
A presente reunião será semipresencial, sendo permitida a participação remota das Sras. e dos Srs. Senadores e dos convidados por sistema de videoconferência para exposições e debates.
Esta reunião será realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria, 0800 0612211.
Esta reunião é híbrida. Nós temos aqui alguns convidados que estão de forma presencial, que quero convidar para a mesa.
O Sr. Américo Bedê Freire Júnior... (Pausa.)
Ele está de forma remota.
Convido o Sr. Antonio Henrique Graciano, Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.
O Sr. Américo Bedê Freire Júnior está de forma remota.
Convido o Sr. Bruno Calabrich, Procurador Regional da República.
Convido o Sr. Carlos de Almeida Castro, Advogado Criminalista, mais conhecido como Kakay.
O Dr. Eugênio José Guilherme de Aragão, Jurista, ex-Ministro da Justiça e ex-Procurador da República, está, neste momento, em uma audiência e, logo em seguida, entrará também de forma remota.
E o Sr. Lenio Luiz Streck, Jurista, Professor e Palestrante, também está de forma remota.
Podem ficar à vontade.
De acordo com o art. 94, §§2º e 3º, do Regimento Interno, a Presidência adotará as seguintes normas: os convidados farão suas exposições; em seguida, abriremos a fase de interpelação pelas Senadoras e pelos Senadores inscritos. A palavra às Senadoras e aos Senadores será concedida na ordem de inscrição. Os Senadores interpelantes dispõem de até três minutos, assegurado igual prazo para resposta do interpelado, sendo-lhe vedado interpelar os membros da Comissão.
Concedo a palavra ao Sr. Antonio Henrique Graciano Suxberger, Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, para sua exposição, pelo tempo de até dez minutos.
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O SR. ANTONIO HENRIQUE GRACIANO SUXBERGER (Para expor.) - Muito obrigado. Muito bom dia a todos e a todas.
Senador Weverton, agradeço muito pelo convite. Eu parabenizo a Comissão de Constituição e Justiça pela oportunidade de debater esse importante projeto e destaco aqui que o Senado cumpre, de fato, aquilo que dele se espera quando promove um debate público qualificado, enfim, que permita de fato o aprimoramento do sistema de Justiça. Agradeço o convite, a oportunidade de fazê-lo justamente para debater essa proposição e, igualmente, cumprimento os colegas que brilhantemente abrilhantam esta mesa, todos profissionais que eu admiro muito por suas trajetórias, por seus trabalhos. Para mim, é um verdadeiro privilégio estar com os senhores.
Falo da proposição. Eu, primeiro, me permito um comentário inicial a respeito dessa proposição, porque, de fato, me parece que o sistema de Justiça criminal brasileiro precisa passar a ser visto como um problema público. E, quando eu me refiro à questão do problema público, me refiro ao fato de que nós temos uma série de questões tocando o necessário aprimoramento do sistema de Justiça, e essas questões não têm recebido exatamente o trato como problema público, ou seja, a apresentação de alternativas ao seu aprimoramento.
E aqui faço uma crítica, embora na melhor das intenções. A proposição, de fato, traz, mas não me parece que essa proposição tal como deduzida se preste como uma alternativa de aprimoramento do sistema de Justiça criminal brasileiro. O que a proposição, de fato, realiza - e falo isso com todo respeito ao esforço de aprimoramento do nosso funcionamento nos tribunais, tanto superiores como igualmente tribunais ordinários - é justamente ajustar ou corrigir as situações em que deliberações em tribunais resultem em empate.
A pergunta que se coloca é a seguinte, a justificar a proposição: será que o empate realizado dentro das cortes, de fato, sempre deriva de uma dúvida jurídica ou da impossibilidade de se alcançar um consenso ou muitas vezes esse empate deriva de uma conveniência da gestão dos serviços judiciários? Essa é a pergunta que tem que se colocar, porque, se a resposta é afirmativa para primeira questão - a dúvida no processo de deliberação deve favorecer o imputado no sistema de Justiça criminal? -, não há dúvida de que tem acerto a proposição do favor rei, quando se projeta, como regra de julgamento, que a ideia de que a dúvida deva favorecer o cidadão em face do aparato persecutório do Estado. Mas, quando nós verificamos o que seja o comportamento dos tribunais, a segunda assertiva se mostra mais destacada, ou seja, os empates realizados em cortes têm muito mais a ver com a gestão dos serviços judiciários do que propriamente uma dúvida no processo de construção da decisão.
Destaco isso porque, em rigor, o que a proposição pode acabar ensejando é justamente uma contingência que pode afastar o processo decisório ou a deliberação sobre determinada causa. Os tribunais são compostos por turmas, por câmaras, cuja presença de quórum e necessária realização de votações de suas deliberações observam muitas vezes situações em que legal e validamente ministros e desembargadores estão afastados de suas funções para funções igualmente relevantes e públicas. E a pergunta que se coloca é: será que construiremos um bom sistema de Justiça, caso as decisões sejam tenham conclusões que derivem de contingências? Parece-me que a resposta é negativa. Digo isso porque há alguns pontos a serem destacados aqui na proposição.
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O texto da proposição não diferencia aquilo que na gestão judiciária é fundamental: a recorribilidade interna da recorribilidade externa. Uma mesma demanda é decidida, e, por contingência e repetição - e me refiro aqui aos recursos interativos, ou seja, recursos que devolvem ao próprio tribunal a apreciação da matéria -, o resultado da decisão pode se alterar. Eu chamo aqui a atenção ao fato de que o Senado Federal produz e induz boas políticas públicas, e o faz quando considera evidências, considera dados. Quando se vê o Justiça em Números 2022, tem esse lado de todos os dados da Justiça brasileira de que, quanto maior a instância, maior o índice de recorribilidade, tanto interna quanto externa. Eu colho aqui do relatório: "Os Tribunais Superiores acabam se ocupando, predominantemente, de casos eminentemente recursais, os quais correspondem a 86,6% de suas cargas de trabalho". Seguem aqui os percentuais mais detalhados e aí vem, na sequência, no mesmo relatório, na p. 131: "Os índices de recorribilidade externa tendem a ser maiores entre o segundo grau e os tribunais superiores do que entre o primeiro grau e segundo grau". E aí vem o ponto: "[...] os números variam significativamente entre os segmentos de justiça". O Corte Aberta, do Supremo Tribunal Federal, igualmente demonstra o número de casos e o afogamento por que passam hoje os tribunais, com o nítido prejuízo ao processo de deliberação. Basta ver, por exemplo, a ampla utilização hoje dos chamados plenários virtuais e, inclusive, a utilização - às vezes, exagerada - dos processos de deliberação monocrática, em prejuízo do que seja a deliberação dentro da corte, a ensejar inclusive insegurança dentro da corte. Eu pergunto: será que esses processos de deliberação serão mais sofisticados ou qualitativamente melhores se unicamente forem resultado de eventuais empates? E me parece que a resposta é negativa. Ao se levar a regra do empate do habeas corpus para todos os julgamentos, sem diferenciação de impedimento, ausência e suspeição, cria-se aqui uma situação em que a corte pode vir a trocar o que seja a decisão e a deliberação por uma contingência ou uma falha institucional. Nós vamos trocar uma decisão justa por uma decisão contingente? Essa é a pergunta. Eu assumo aqui a importância de que igualmente o Senado Federal considere os compromissos que o Brasil tem - e o Brasil é devedor desses compromissos - impostos pelos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos. Nós já vamos caminhando para a nossa 12ª condenação na Corte Interamericana de Direitos Humanos. E, diferentemente do que acontece com outros países vinculados à Organização dos Estados Americanos, as condenações que o Brasil experimentou não derivam exatamente de abusos ou situações de falha do exercício do direito de defesa ou falha do exercício do que seja a consideração dos postulados desses acusados. Eu não estou dizendo que as falhas não ocorram. Elas existem. Todos os países têm problemas de construção de injustiça, mas o ponto que se coloca é: convencionalmente o sistema de Justiça criminal brasileiro atende as obrigações que nós temos? A resposta é negativa.
Eu colho aqui da Corte Interamericana de Direitos Humanos a ideia de que interessa não apenas o sentido normativo dos enunciados legais, mas igualmente a maneira pela qual os atores do sistema de Justiça o aplicam, seja para frustrar, seja para reforçar o sentido normativo dessas disposições. A corte menciona a expressão "impunidade". O direito à tutela judicial exige que os juízes dirijam o processo de modo a evitar que dilações e congestionamentos indevidos conduzam à impunidade, frustrando assim a devida proteção judicial dos direitos humanos. Isso são pelo menos mais de 20 casos julgados pela Corte Interamericana versando sobre isso. E esse sentido de impunidade deriva igualmente do que seja a construção de atividade interpretativa dessa corte. Nós estamos falando aqui de uma repetição crônica de violações de direitos humanos e de um quadro de indefensabilidade de vítimas e familiares.
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E aqui o ponto que se coloca: ao se construir uma proposição em que nós troquemos o processo de deliberação, o processo de decisão sobre o que seja um processo de empate, pensemos aqui naquilo que a proposição, se aprovada, pode vir a ocultar. Explico. O funcionamento do sistema de Justiça se dá de acordo com enunciados normativos, certo. Mas pesquisas empíricas, sobretudo as de natureza qualitativa, têm demonstrado que não adianta nós termos um olho no enunciado legislativo; eu preciso ter um olho no comportamento das cortes. E quando se olha o comportamento das cortes se percebe lá a importância que tem, por exemplo, a gestão dos serviços judiciários, o controle da agenda da corte, o que seja o chamamento de processos. E aí fica a pergunta: o que hoje se tem de maneira clara e controlável o projeto pode lançar na penumbra, ou seja, a construção de um empate que não seja exatamente, repito, resultado de uma dúvida sobre a causa, mas sim, uma falha contingencial de uma instituição que, como todas, presta serviço público ao cidadão.
(Soa a campainha.)
O SR. ANTONIO HENRIQUE GRACIANO SUXBERGER - Eu já cumpro aqui o meu tempo, Senador Weverton, parabenizando porque a proposição ao menos se presta para refletirmos sobre esse ponto. E de resto, acredito que o Senado tenha outras pautas mais relevantes ou mais próprias a aprimorarem o sistema de Justiça.
Obrigado pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Eu agradeço, Dr. Antonio Henrique Graciano, que é Promotor de Justiça do Ministério Público Federal.
O Sr. Lenio Luiz Streck está remoto. Eu convido, então, o Sr. Lenio Luiz Streck, jurista, professor e palestrante.
O senhor tem o tempo de até dez minutos.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Por videoconferência.) - Conseguem me ouvir?
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Perfeitamente.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Para expor. Por videoconferência.) - Muito bem.
Senador, bom dia. Acompanho seu trabalho e cumprimento seu trabalho, cumprimento todos os Senadores, Senadoras, os parceiros juristas presentes, especialmente o Kakay, que está aí. Ele mandou antes uma mensagem para o grupo lá e esqueceu que eu estava presente, então eu estou anunciando: Kakay, eu estou aqui, bom dia!
Muito bem. Senador, caros colegas, esse projeto é muito bom, e é bom tratar desse assunto, embora seja uma gota d'água no oceano de tudo que nós vivemos. O colega que me antecedeu falou que, mais que na lei, nós temos que ficar com o olho no comportamento das cortes. Esse aí é o grande problema, Senador, nós olhamos demais para as cortes, e o direito do Brasil virou... Não existe quase direito no Brasil ou não existe direito mais, o direito só existe depois que ele é transformado em teses, súmulas e outras decisões, quer dizer, nós jurisprudencializamos o direito.
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Então, muitas vezes o Senado e a Câmara aprovam o projeto, e ele é julgado no seu sentido contrário pelos tribunais. Há pouco tempo se fez o Código de Processo Civil: ninguém obedece ao art. 926, ao art. 489, que dá uma espécie de criteriologia para ser seguida. Todos os dias, eles são burlados. Então, eu acho que a gente está olhando demais para a jurisprudência e de menos para a lei. Nós temos que começar a pensar nisso e pensar mais, por exemplo, Senador, nas decisões monocráticas.
Hoje, com a jurisprudência defensiva, tem que matar dois leões por dia, fazer todos os sacrifícios possíveis e imagináveis para conseguir chegar ao STJ, por exemplo, ou ao próprio STF. Eu nem vou falar do TST, em que o relator, sozinho, tem o poder.
Vou dar um exemplo, Kakay. O sujeito é absolto; ele é condenado em primeiro grau, absolvido em segundo grau à unanimidade. O Ministério Público queda-se silente e concorda com a absolvição. Acabou? Não, não acabou, porque aí vem o assistente de acusação, faz um recurso especial para o tribunal. O tribunal não acata o recurso. Terminou? Não. Ele faz um agravo para o STJ. E, lá no STJ, o relator, sozinho, dá provimento ao agravo e julga sozinho o recurso e condena de novo o réu.
Precisamos falar disso, Senador Weverton, mas também precisamos falar disto que está aqui.
Os gregos já sabiam disso. Quando Orestes matou a própria mãe - ele estava totalmente lascado -, ele falou com Deus Apolo e foi falar com a Deusa Palas Atena, que deu um júri para ele, o primeiro júri da história na mitologia. É tão importante o empate e o in dubio pro reo que o resultado do julgamento do Orestes, Senador Weverton, foi 6 a 5 contra ele, e a juíza entrou no julgamento para empatar, deu 6 a 6. E aí ela proclamou o in dubio pro reo. Por quê? Porque o Estado é maior que o cidadão. O Estado é gigante, o cidadão é pequeno. Portanto, o empate, desde os gregos, tem que favorecer - essa é uma questão civilizatória -, sempre tem que favorecer o réu em questões criminais. Não importa se há habeas corpus, não importa em qual deles; tem que favorecer, porque o Estado é maior, o Estado é que tem a responsabilidade.
A contingência do empate é risco da democracia. São fatos sucessos e insucessos. Portanto, quando há empate em qualquer processo criminal, o empate tem que favorecer, como lá na mitologia grega - temos que aprender com os gregos, é de lá que nós viemos, tudo isso -, o empate tem que favorecer o réu.
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Então eu quero passar aqui para só dar esquematicamente a minha posição com relação ao projeto.
Foram apresentadas cinco emendas. A primeira, Emenda nº 1, do Senador Moro, altera o texto proposto para privilegiar a nomeação de substitutos; diz que a justificativa dele sobre a urgência no julgamento de habeas corpus e respectivos de modo que os demais casos deveriam ser suspensos. E o meu posicionamento é contrário exatamente por aquilo que eu disse antes: é um argumento civilizatório, não se pode ceder a leis e muito menos a regimentos internos dos tribunais uma questão que está institucionalizada, que é o in dubio pro reo.
Também há a Emenda nº 2, que afasta a inclusão do art. 647-A, que trata do habeas corpus. E aí há um paralelo traçado entre o habeas corpus incidental e que esse não se harmonizaria de ofício. Essa é outra discussão. O sistema acusatório implica que o Estado democrático de direito proteja sempre os direitos. Acusatório não é simplesmente que o juiz não possa tomar medidas, não; acusatório significa que o Estado tem que tomar todas as decisões para preservar a liberdade. Nós estamos sempre tratando da liberdade.
Isso também acontece na Emenda nº 3, que o texto em votação já leva em conta a preocupação com o juiz natural. Consta do último parecer da Câmara dos Deputados que a autorização legal para a concessão de ordem de habeas corpus de ofício por magistrados deve-se dar no âmbito da sua competência recursal, evitando interpretações que permitam o exercício desse poder por juízes que não guardem qualquer vinculação territorial ou funcional com o fato sob apuração.
Há a Emenda nº 4, também sou contrário à emenda, e o argumento é similar ao contrário à primeira emenda, o direito que não protege o mais frágil em face do mais forte, sendo apenas um instrumento de vontade desse último, é qualquer coisa, menos direito.
E também há a Emenda nº 5, do Senador Girão, novamente reforçando o argumento civilizatório quanto à intenção de punir o adágio, o in dubio de se exaltar um adágio, um princípio que não existe.
Eu quero dizer que no Brasil, Senador Weverton, nós criamos uma ficção, Kakay. Eu desafio há anos que alguém me mostre em que lugar está escrito na Constituição, nas leis, o in dubio pro societate. Não existe isso. E todos os dias as pessoas perdem suas liberdades com base no in dubio pro societate, pois este projeto sobre o empate, que beneficia, que institucionaliza o empate civilizatório, derruba estruturalmente o carcomido que nunca deveria ter sido usado que é o in dubio pro societate.
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Então, nós estamos tratando aqui de Processo Penal, que trata de liberdades, de Estado, Estado contra o cidadão, e o processo é civilizatório.
Essa é a minha opinião inicial, saudando, com carinho, o Senado Brasileiro, os colegas de debate e, principalmente, o Senador Weverton, que preside esses trabalhos.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Muito obrigado, Prof. Lenio Luiz Streck, Jurista, também palestrante.
Eu convido agora para utilizar o mesmo tempo de dez minutos o Sr. Procurador-Geral da República Bruno Calabrich.
O SR. BRUNO CALABRICH (Para expor.) - Bom dia a todos.
Procurador-Geral ainda não, acho que não serei, mas Procurador Regional. Eu agradeço pela apresentação.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - As palavras têm poder. (Risos.)
O SR. BRUNO CALABRICH - Meu bom dia a todos. Obrigado, Senador Weverton.
Minhas saudações aos Senadores e Senadoras presentes e que nos acompanham telepresencialmente; minhas saudações também aos ilustres colegas, professores, profissionais da área jurídica que compõem esta mesa.
É uma satisfação, é uma honra poder participar desta audiência sobre um tema tão importante e tão caro. E espero trazer algumas contribuições para a reflexão dos senhores e senhoras.
Eu não posso deixar de cumprimentar também todos os que nos acompanham nesta sala, cidadãos e cidadãs que também têm interesse no tema.
Como o tempo é bastante curto, vou direto ao ponto.
Eu me lembro, Suxberger, de uma aula que eu tive na faculdade com um professor de Processo Civil muito bom. Ele contava uma história, dizia ele, que era verídica - eu não tenho razões para não acreditar - de um juiz que chegou, recém-empossado, a uma comarca e, entusiasmado, pegou um processo daqueles que esperavam há anos para alguém julgar e começou a analisar. Entusiasmado: "Não, vou julgar. Isso está demorando muito para ser julgado". Os servidores apontaram aquele caso para ele. Ele estudou aquele processo - advogados brilhantes faziam suas peças - e, animadíssimo para decidir, chegou ao final da análise e redigiu sua sentença. Ele disse que os argumentos da parte autora eram excepcionais, convincentes, assim como eram também os argumentos da parte ré. E por isso ele declarava a lide empatada. Custas pro rata. Publique-se. Intimem-se.
O Direito repudia a indecisão, a indefinição. A história é anedótica, mas ilustra bem qual o problema que nós temos diante dessa proposta de alteração legal.
O sistema jurídico, especialmente o sistema jurídico processual penal, rejeita indefinições, indecisões. Não é à toa que nós temos, na estrutura dos nossos tribunais, composições ímpares: nós temos 11 ministros no STF, nós temos 33 ministros no STJ, nós temos no TRF da 1ª Região 27, recentemente, e, agora, 43 desembargadores, e assim em todos os tribunais regionais federais, nos tribunais de justiça. As suas turmas, os seus órgãos fracionários também são ímpares. Por quê? Porque o sistema não convive com a indefinição.
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E eu vou me reportar a uma frase que eu achei bastante interessante: "Tribunal existe para decidir e não para empatar". O problema do projeto, na minha opinião, é que ele normaliza o empate, normaliza algo que deve ser indesejado. Quem disse essa frase não fui eu, não; quem disse essa frase foi o Ministro Gilmar Mendes na Ação Penal 470. Ele disse que tribunal existe para decidir e não para empatar. Ele está correto.
Nós já temos, hoje, no CPP, nós já temos, hoje, na lei que rege os recursos julgados, os processos julgados pelos tribunais superiores, o STF, o STJ, regras para suprir o desempate, eventualmente autorizando ou exigindo o voto daquele ministro que não participou do julgamento, que preside aquele órgão fracionário ou tribunal, ou eventualmente autorizando a convocação de outros magistrados, ou do próprio órgão, ou de tribunais inferiores para permitir um julgamento sem empate. Nós temos a tradição, prevista inclusive nos regimentos, na Lei 8.038, de que, habeas corpus, quando há empate, devem ser julgados favoravelmente ao réu, e isso está correto. É uma tradição de mais de 80 anos e tem todo sentido. Por que tem sentido? Porque os habeas corpus julgam um abuso ou ilegalidade que é provado de plano, um abuso ou ilegalidade que já está acontecendo ou na iminência de acontecer. Então, nós temos, primeiro, uma ausência de delação probatória - é provado documentalmente com a impetração - e nós temos uma urgência. É esse o sentido para que o sistema conviva com decisões pela indefinição pro reo, e isso está correto. O problema é naturalizar, é ordinarizar isso para todo e qualquer recurso criminal.
Nós temos que evitar o empate. Pelo contrário, o projeto tal qual, hoje, concebido - e eu sei que os propósitos são os mais nobres, certamente são os melhores -, mas, tal qual concebido, não contribui para o aprimoramento do sistema. Pelo contrário, ele estimula, pode eventualmente estimular, a busca pelo empate como estratégia de defesa. E isso é essencialmente ruim. E por que isso é ruim? Nós temos hoje, infelizmente, até de maneira bastante recorrente, exemplos de julgamentos em que uma decisão que deveria ser precária, que deveria ser eventual - porque as composições que resultam em empate são, por natureza, eventuais, resultam de um afastamento de um magistrado por férias, porque se aposentou, porque está licença de saúde -, então, isso deveria ser excepcional e deveria ser corrigido pelas regras que já existem hoje, que podem até ser aprimoradas, mas, repito, não devem ser desejadas, não devem ser ordinarizadas.
Nós temos um julgamento - e isso é bastante interessante. Por quê? Porque ele representa, com essas decisões sobre temas de direito e não de fato, e, nos habeas corpus, se julgam principalmente fatos, fatos que são provados de plano, com a impetração -, nós temos um exemplo recente que é o julgamento pelo STF da Reclamação 38.805. O que aconteceu nesse caso? O STF julgou ali uma questão de direito sobre competência, sobre a competência que entendeu o STF, naquele julgamento, o resultado proclamado foi este: que a competência para aquele caso era da Justiça Eleitoral e não da Justiça Federal. O que aconteceu? Esse precedente foi formado por um empate, dois a dois. O Ministro Celso de Mello não participou. Havia dois votos num sentido, dois votos no outro. E, a partir daí, se criou um precedente para se afirmar que casos como esse devem ser todos remetidos à Justiça Eleitoral.
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Bem, essa decisão tem sido a base para a remessa de diversos outros casos para a Justiça Eleitoral, só que é uma decisão precária, porque basta que um Ministro volte a compor aquele órgão fracionário ou, mais interessante ainda, que o Plenário do STF decida aquela questão definitivamente para que todos aqueles casos que se basearam em precedente por empate sejam revertidos. E o processo que foi remetido à Justiça Eleitoral deve voltar à Justiça Federal. E aí nós temos aquele vaivém - e repito a palavra que já disse algumas vezes aqui - tão indesejado.
Autorizar que julgamentos por empate formem precedentes em questões de direito é algo absolutamente nocivo, prejudicial, vai contra a racionalidade do sistema, que nós queremos buscar. Eu reitero que algo que deve ser indesejado, que é o empate, não pode ser ordinarizado, não pode ser normalizado, para que seja aplicado para toda e qualquer decisão, especialmente nas decisões que apreciem matérias de direito. Por quê? Porque o sistema precisa de estabilidade, precisa de segurança, o jurisdicionado precisa saber que uma questão de direito "x" - e não o fato especificamente, aquele fato vai ser apreciado na sua situação concreta -, aquele precedente formado por um empate eventual não pode se estabilizar como um precedente que, daqui a seis meses, vai ser revertido pela simples volta, pelo simples retorno de um Ministro, de um magistrado que estava afastado por licença, por férias ou por qualquer outro motivo.
Esse problema, Senador Weverton, é especialmente grave nas Cortes superiores. Nos Tribunais Regionais Federais e nos TJs - e eu trabalho, convivo com essa realidade todos os dias...
(Soa a campainha.)
O SR. BRUNO CALABRICH - ... já encerrando, esse problema tem sido resolvido com razoável eficiência pela convocação de juízes de primeiro grau que compõem, que integram aquelas vagas circunstancialmente não preenchidas. Nos tribunais superiores, isso acontece com mais frequência, especialmente no STF. E a consequência nociva disso é que questões de direito firmadas pelas Cortes superiores acabam se solidificando ao longo do tempo apenas porque, no momento, aquele Ministro que desempataria não estava presente.
Eu agradeço a todos pela atenção.
Estou à disposição para os debates que vão seguir.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Eu que agradeço, Dr. Bruno Calabrich, Procurador Regional da República.
Convido agora, de forma remota, o Sr. Américo Bedê Freire Júnior, Juiz Federal, em substituição ao Sr. Vladimir Aras, Procurador Regional da República, do Ministério Público Federal.
O senhor tem, Sr. Américo Bedê, até dez minutos para fazer a sua exposição.
O SR. AMÉRICO BEDÊ FREIRE JÚNIOR (Por videoconferência.) - Conseguem me ouvir? Todos conseguem me ouvir bem?
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Perfeitamente.
O SR. AMÉRICO BEDÊ FREIRE JÚNIOR (Para expor. Por videoconferência.) - O.k. Bom dia a todos.
Quero cumprimentar o Sr. Senador Weverton, cumprimentar a todos.
Vou ser bem objetivo pela questão do tempo também.
Quero falar que é muito importante que o Senado se preocupe com o processo penal. Nós temos que levar a sério o processo penal no Brasil. Não é razoável. A gente critica muito a Justiça, mas precisa muito do Legislativo. É indispensável alterações legislativas no processo penal.
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Dito isso, eu tenho uma preocupação muito grande com esse processo, especificamente da forma como está redigido, pela seguinte situação: ninguém discute que o in dubio pro reo deve prevalecer no processo penal; ninguém discute que não existe e não deve existir in dubio pro societate. Isso é civilizatório, estamos todos de acordo quanto a isso. O problema é definir se o empate é uma situação de dúvida para in dubio pro reo. Uma situação por exemplo: o Prof. português Jorge de Figueiredo Dias é expresso em falar que in dubio pro reo é em matéria fática; in dubio pro reo não é em matéria de direito. Você aplica in dubio pro reo numa situação sobre os fatos.
Outro aspecto que eu quero levantar é que vamos imaginar as consequências práticas se esse projeto estivesse hoje em vigor. Nós sabemos que, atualmente, uma turma do Supremo Tribunal Federal só tem quatro Ministros, em virtude da aposentadoria do Ministro Lewandowski. Se essa turma termina em dois a dois num julgamento... Vamos imaginar, o STJ julgou por unanimidade: cinco Ministros do STJ decidiram, cai um recurso para essa turma do Supremo manter a decisão do STJ. Veja que é a funcionalidade do sistema. A regra, nós falamos muito bem, sistema de precedentes, nós precisamos estar vinculados à regra de que as turmas obedeçam às decisões dos tribunais superiores. Para eu manter essa decisão, eu preciso de um três a um. Eu estou criando um quórum de 75%, um quórum de três quartos para manter uma decisão judicial. É um quórum maior do que para emendar a Constituição; emenda-se a Constituição com três quintos. Para eu manter uma decisão, se o projeto estiver dessa forma, com o empate da defesa hoje, se estivesse em vigor hoje, alguém julgado no STJ, de modo unânime, para o Supremo, para essa turma do Supremo, precisaria de três de quatro para poder, então, manter a decisão - para manter uma decisão.
Então, é preocupante a forma prática também da realização desse projeto, porque o cerne da questão é este: o tribunal não foi feito para empatar; o jogo é até os 45 do segundo tempo. Se está dois a dois e são cinco, tem que terminar o jogo. Eu não tenho que interpretar: "Olha, o jogo não acabou". O jogo não acabou; esse é o ponto. No dois a dois, o jogo não terminou; no empate o jogo não acabou. Você precisa terminar por completo. Aí, sim, ninguém discute. O último novo ministro, novo desembargador tem que aplicar in dubio pro reo. Todo mundo está de acordo, se ele tiver dúvida.
O problema, no Brasil, hoje, é que as pessoas querem falar não só no dois a dois; tem autores que defendem três a dois, que já não é maioria, é uma maioria apertada, deveria ser in dubio pro reo. Tem autor que escreveu artigo: quatro a três no júri deveria absolver. Ora, se um Presidente, se um Governador é eleito por 51%, ele não é 51% Governador, ele é 100%, ele é 100% Presidente.
Então, vamos votar por completo, vamos terminar o julgamento, e não abreviar o julgamento dizendo: "Houve um empate, acaba aí".
Sou torcedor do Paysandu. Infelizmente, várias vezes, o Paysandu... A gente brinca com isso nos grupos: "Acaba, pelo amor de Deus! Acaba, pelo amor de Deus! Não deixa acabar isso, não. Não deixa terminar o jogo". Tem que terminar o jogo, seja para a defesa, seja para o MP; seja para a sociedade, seja para a vítima. Mas vamos terminar o julgamento. Isso é importante.
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Olhem, a passagem de Palas Atena, do voto de Minerva, é fundamental, e ninguém nega a origem grega do voto de desempate, mas eu só quero lembrar uma coisa: ela votou. Ela votou! Ela não disse: "O jogo acabou no empate". Ela deu o voto dela e usou o critério do voto dela. Mas ela votou.
Então, é preciso terminar o jogo; é preciso que haja um fundamento e que se tenham as cortes por completas, justamente para evitar essa disfuncionalidade.
Então, o processo penal precisa olhar para os dois lados. Se tem que fazer justiça, é nenhum inocente condenado, nenhum culpado impune.
A matéria de que eu dou aula aqui, no mestrado e doutorado da FDV (Faculdade de Direito de Vitória), é sobre garantismo. Eu brinco que Ferrajoli disputa com Kelsen quem é mais citado e menos lido. Todo mundo fala de garantismo no Brasil, quase ninguém lê o Ferrajoli.
Ferrajoli não é abolicionista. Condenar alguém e respeitar todas as garantias é civilizatório, é garantismo.
Então, o ponto... Não se está querendo jamais in dubio pro societate, definir que vai condenar de qualquer jeito... Se quer que o julgamento esteja completo.
Nos Estados Unidos, por exemplo, no caso de empate, a Suprema Corte Americana, se empatar, prevalece a decisão recorrida. Qual é o lógica do sistema norte-americano para falar que, no caso de empate, prevalece? Precedentes. Eu não presumo que a corte anterior errou. Eu não presumo que há erro. Ainda mais que, eventualmente, a corte anterior julga por unanimidade.
Então, é possível reformar, nós devemos reformar, nós precisamos reformar o processo penal.
O Prof. Maurício Zanoide publicou recentemente a tese dele de Professor Titular da USP, e a primeira frase é uma frase que choca a todos nós. A sociedade pode perguntar: não tem nenhum juiz, nenhum promotor, nenhum advogado, nenhum cidadão que está satisfeito com o nosso sistema de Justiça. Ele consegue desagradar - o processo penal - a todos. Todos os operadores do direito no Brasil têm queixas e críticas ao sistema. Então, nós precisamos mudar, e essa mudança passa pelo Parlamento. Princípio 1 do garantismo: legalidade. O Parlamento é o responsável por isso.
Agora, é uma escolha. Eu não vou dizer que é inconstitucional o projeto. Não. Mas eu não acho que seja a melhor escolha. A melhor escolha me parece que é esperar a convocação e ter um julgamento completo. A corte julga por inteiro. Empate não é critério para nada. Empate é empate! Vamos terminar logo! Acabou!
De novo, usando metáforas do futebol: se acabou com o gol fora. Por que é que se acabou com o gol fora como critério de desempate? Porque não está certo empatar. Empatou! Nenhum ganhou!
Então, um novo juiz, um novo ministro, um novo desembargador com critérios objetivos. Claro: botou antiguidade. O mais antigo está convocado. É um critério objetivo de sucessão, como é hoje no Regimento do Supremo: o ministro de uma turma compõe a da outra. Mas precisamos terminar os julgamentos.
Tribunal não foi feito para empatar. Empatar não é para naturalizar. Empate significa julgamento incompleto. Empate não significa vitória de ninguém. Empate é empate. E que a justiça seja feita, que o voto de desempate faça justiça.
Então, é só esse o ponto que nós precisamos observar. E, como eu já falei, para uma boa parte da doutrina no Brasil, em Portugal e na Europa, o in dubio pro reo é só em matéria fática, não é em matéria de direito.
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E, falando em Europa, a Corte Europeia de Direitos Humanos julgou o caso contra o Chipre no qual o cidadão foi condenado pelo empate, e ela considerou que não viola direitos fundamentais. Eu não concordo com a decisão da Corte Europeia, eu só acho que nós não devemos regulamentar empate. Para mim, a decisão tem que ser por completo.
Agradecendo e me colocando à disposição ao debate, eu só termino com aquela frase, lembrando de Palas Atena: ela votou. Ela votou, ela não disse que o empate apenas termina, ela desempatou. Então, é preciso que tenhamos desempate.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Obrigado, Dr. Américo Bedê Freire Júnior, Juiz Federal. Eu agradeço sua participação.
Convido agora, para utilizar o tempo de até dez minutos, o Dr. - já pedi logo licença a ele para chamar logo de Dr. Kakay, porque todo mundo só o conhece por Kakay - Antônio Carlos de Almeida Castro.
Eu gostaria de lembrar aos Senadores que acabaram de entrar na sessão híbrida, nesta audiência pública, que, no encerramento das falas dos convidados, todos os Senadores, através da sua inscrição feita na Mesa, terão o tempo de até três minutos para fazer a interpelação ao convidado, que terá até três minutos também para fazer os seus comentários.
V. Sa. tem até dez minutos.
O SR. ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO (Para expor.) - Bom dia.
Obrigado pelo convite, Senador Weverton, na pessoa de quem eu cumprimento todos os Senadores presentes e o Senado Federal.
Eu sou advogado criminal e tenho algumas observações a fazer. São dois pontos. Não é tão somente a questão do empate, que está sendo a tônica maior, mas também a possibilidade de habeas corpus de ofício.
Em primeiro lugar, para mim, em direito penal, nós temos que pensar como um todo, Senador. Nós não podemos pensar no direito penal que está espetacularizado, no direito penal que está na mídia, do juiz que gosta da mídia, do promotor que gosta da mídia e do advogado que gosta da mídia. Nós temos que pensar naquele cidadão que é o cliente principal do direito penal: o negro, o pobre, o invisível.
Quando nós falamos em processo, nós não podemos pensar, com a devida vênia - é claro que temos que pensar também -, naquilo que está só nos tribunais, porque, se nós não tivéssemos uma Defensoria extremamente competente, os processos chegariam aos tribunais sem nenhuma defesa! Nós temos até pouco tempo... Eu fui autor da primeira ADC, a ADC 43, e, depois, tive a honra de estar junto com o grande Lenio, que é o maior pensador, do meu ponto de vista, da nossa área. Nós levamos ao Supremo Tribunal Federal a necessidade de manter a prisão só após o trânsito em julgado e, principalmente, a presunção de inocência, porque nós tínhamos quase 1 milhão de pessoas presas no Brasil. Essas são as pessoas em que nós devemos realmente pensar ao julgarem esses processos.
O princípio do in dubio pro reo, que é um princípio secular, com que acho que todos concordam, é um princípio que tem que valer! Se o Estado, com toda a sua força, com todo o seu poder, não consegue fazer a prova para condenar, é óbvio que o empate tem que prevalecer a favor do réu. Isso seria elementar se nós estivéssemos falando de um Estado democrático de direito e de um processo penal democrático. Como é que você pode usar toda a estrutura do Estado para condenar uma pessoa que, às vezes, não tem nem defesa, que não se consegue condenar? E o empate vai fazer o quê? Vai esperar chamar alguém, Sr. Presidente?
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Ora, nós temos o princípio, também constitucional, da duração razoável do processo; o cidadão tem o direito de ver o seu processo ser julgado rapidamente.
Fiquei estupefato ao ver, na Emenda nº 1, na sua justificação, o Senador dizer "em ações penais que não são matérias urgentes"... Todo processo penal é urgente. Quem sofre processo penal tem o direito de que o Estado julgue e julgue rápido, porque o fato de estar sendo condenado já é uma pré-condenação, especialmente nos processos midiáticos, nos processos em que a condenação se dá pela mídia, nos processos em que existem uma espetacularização. Então, nós temos que pensar no processo penal democrático como um todo.
É absolutamente bem-vinda essa proposta de prevalecer a favor do réu o empate, até porque - fico muito feliz de ver o juiz falar aqui; eu brigo por nos tribunais há muito tempo, e também o Lenio falou - não existe in dubio pro societate. Essa é uma criação que não existe em nenhum lugar. Eu sustentei na tribuna do Supremo, até defendendo um Senador da República, com muita honra, que esse princípio não existia, e o Ministro Lewandowski disse: "Eu dou aula há anos e falo desse princípio; e vou repensar, porque realmente não existe". E ganhamos esse processo por dois a dois, não foi recebida a denúncia por dois a dois.
Essa deve ser a regra, porque, vejam bem, o Estado, poderoso, tem o direito de fazer a acusação, tem o dever de fazer acusação e tem o dever de fazê-la em tempo o mais rápido possível. Submeter um cidadão indevidamente a um processo penal por um longo tempo... Veja bem, como é que pode falar em conjuntura, com a devida vênia, se naquele momento o Estado não propiciou a possibilidade de ter um número ímpar? E o que o cidadão vai pagar com isso? Por que o cidadão vai continuar preso? Por que que o cidadão vai sofrer um processo penal por tempo indeterminado?
O empate é civilizatório. O in dubio pro reo eu penso que define essa questão de certa forma, porque, a partir do momento em que não se decidiu fazer a prova, não se conseguiu fazer a prova da parte do Estado, está tendo julgamento, sim, com a devida vênia. O empate é julgamento, sim! Significa que existe uma dúvida, porque, senão, haveria uma maioria contrária ao réu. Eu penso que esse ponto é fundamental.
O cidadão que está submetido a um processo penal... E, repito, na grande maioria, muitas vezes sem ter condições sequer de ter um advogado; se não fosse a Defensoria Pública, nós teríamos um caos maior ainda. O que acontece é uma visão punitivista do processo penal, uma visão que privilegia o espetáculo, que privilegia que o cidadão vá preso mesmo sem ter culpa formada.
Felizmente, nós temos um Congresso altivo, soberano, que está enfrentando as questões principais como tem que enfrentar.
Vou tocar, en passant, também em outro ponto que me parece fundamental: da possibilidade de existir a hipótese do habeas corpus de ofício. Isso é absolutamente fundamental. É bom que conste, Senador, do texto, sim. Por quê? No meu ponto de vista, o juiz que vê que há uma ilegalidade quando o cidadão está preso, por exemplo, e não toma uma providência está prevaricando. Aquele cidadão que está sendo submetido a qualquer problema que seja de ilegalidade tem o direito que o Estado tome providências imediatas.
Foi citado aqui o Ministro Gilmar na 470, e é muito bom ler o que o Ministro Gilmar tem julgado hoje, com o brilhantismo que o caracteriza, com a seriedade, com a coragem - aqui eu quero prestar as minhas homenagens - tanto na questão do empate quanto na questão do juiz que tem o direito e o dever - e o dever - de julgar quando há obviamente uma ilegalidade patente, que o juiz pode, sim, resolver através do julgamento do habeas corpus de ofício.
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O habeas corpus é um requisito essencial para a liberdade. Felizmente os tribunais foram aumentando. Para muitos, ainda, o habeas corpus deveria ser só para quem está preso. É um atraso civilizatório. Nós usamos o habeas corpus - e usei inclusive em nome de um Senador da República - para, por exemplo, trancar uma ação penal, porque existiam provas ilícitas. Hoje, felizmente os tribunais aumentaram a possibilidade de se usar o habeas corpus. Sempre que há no fundo o direito de liberdade em julgamento e quando o processo penal está em andamento, está se falando de processo penal que pode levar alguém a ser preso. Como é que se pode dizer que o processo penal não é urgente? Todo processo penal é urgente.
O que nós temos que pensar - e aí eu falo, com a devida vênia, com o conhecimento tão somente advogado para esta Casa, que eu respeito tanto - é que é necessário que nós tenhamos a visão do processo penal democrático. No Estado democrático de direito, não se pode ter um processo penal punitivo, um processo penal em que seja privilegiado, além do excesso do poder do Estado - e assim que é, na realidade - também o tempo contra o réu, contra o cidadão que está sendo acusado. É muito fácil dizer: "Não, esse processo penal não tem prioridade de tempo". Tem prioridade de tempo, sim.
Até na investigação, felizmente os tribunais agora, Senadores, felizmente o Supremo Tribunal Federal agora começa a arquivar investigações que duram por tempo indeterminado, investigações de dois anos, de três anos, sem que o Estado consiga sequer fazer a convicção para poder fazer a denúncia. Felizmente, nós hoje temos o Ministério Público, e espero cada vez mais que denuncie com convicção de prova e não com convicção pessoal, porque, até muito pouco tempo atrás, de triste memória, nós tínhamos procurador da República denunciando por convicção, sem prova. Isso não é processo penal. Isso não é Estado democrático de direito.
Eu penso que esse projeto vem em muito boa hora, na verdade para consolidar muitas das coisas que os tribunais já têm dito, sobre as quais o Ministro Gilmar tem falado, sobre as quais o Ministro Lewandowski tem falado, sobre as quais o Ministro Toffoli tem falado também. Eu acho que há a necessidade de ter uma visão humanista, uma visão real. Vamos parar de pensar que o processo penal é aquele que está nas televisões. Vamos parar de pensar que o processo penal é aquele que está espetacularizado por juízes que gostam mais da mídia do que do Código de Processo Penal. Vamos falar do processo penal que atinge o cidadão, quase 1 milhão de pessoas que estão presas em verdadeiras masmorras Brasil afora.
Eu tive que ir, Presidente, até com certa vergonha, mas fui, em nome de um cliente, ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, para tentar impedir uma extradição para o Brasil, alegando a miserabilidade dos presídios brasileiros, e consegui a liminar lá - olha que tristeza para o país -, alegando inclusive uma decisão, junto com o meu querido amigo Geraldo Prado...
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO - Vou terminar.
... do Supremo Tribunal, que julgou o estado de coisa inconstitucional dos presídios brasileiros.
Peço a V. Exas., agradecendo a possibilidade de falar aqui, que vejam o Estado penal democrático, que vejam o cidadão que está preso nesse sistema carcerário que envergonha o Brasil e que vejam que é necessário que nós possamos dar agilidade. O princípio do empate é in dubio pro reo, que é um princípio secular e aceito por todos, e evidentemente o direito de o juiz dar um habeas corpus de ofício é quase uma obrigação, é mais do que um direito do cidadão.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Eu agradeço, Dr. Kakay, advogado criminalista.
O último convidado já está já está conectado. Eu gostaria de convidar e dar o tempo de até dez minutos para o Dr. Eugênio Aragão, ex-Ministro da Justiça, ex-Procurador da República e jurista.
O SR. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO (Por videoconferência.) - Alô? Está me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Já o estamos ouvindo.
O senhor tem o tempo de até dez minutos, Dr. Eugênio Aragão.
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O SR. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO (Para expor. Por videoconferência.) - Senador, muito grato pelo convite, me sinto honrado de poder realmente compartilhar algumas ideias com essa digna Comissão de Constituição e Justiça, num tema tão relevante quanto esse que nós estamos agora tratando.
Realmente, em primeiro lugar, o processo penal é consabidamente um instrumento de uma natural desigualdade entre as partes. De um lado, nós temos um Estado todo-poderoso, que tem a seu dispor uma máquina de investigar, tem a seu dispor um Ministério Público com poderes extraordinários, prerrogativas muito além, às vezes, do que a própria independência do julgador, que se baliza entre a tese do autor e a tese do réu; o Ministério Público não tem esses balizamentos. Portanto, a máquina persecutória do Estado é um verdadeiro leviatã. Frente a essa máquina do Estado, o indivíduo só tem a seu favor as garantias processuais fundamentais.
Ontologicamente, não existe um princípio de paridade de armas no processo penal. Não existe. Isso é um princípio que talvez valha para o processo civil, em que as partes são iguais, mas não existe igualdade entre as partes do processo penal. Vejam vocês que, se nós podemos falar de paridade de armas, talvez isso valesse como numa luta de gladiador, em que o Ministério Público tem um escudo, um tridente e uma rede, e a defesa tem a sua pequena espada para proteger. Essa pequena espada são as garantias fundamentais. Portanto, essa é a paridade de armas existente entre os dois, são coisas distintas. Agora, claro, em tese - em tese -, superada a questão da culpabilidade, o que a defesa às vezes tem - às vezes - é o conhecimento do fato, enquanto o Estado está tateando no escuro, procurando, na verdade, materialidade e autoria. Essa é a grande diferença.
Bom, mas diante, vamos dizer, desse desempoderamento natural do indivíduo no processo penal - isso não é uma especialidade brasileira, isso aqui é universal, esse desempoderamento -, é fundamental que nós cuidemos dessas garantias fundamentais, portanto, dessas garantias processuais constitucionais, aquelas previstas nos tratados internacionais de direitos humanos também, como realmente direitos humanos no processo penal. E o Estado tem a responsabilidade de resguardá-los.
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Por isso, é evidente que, no caso de haver um empate de posições dentro do processo penal - isso não deve valer apenas para o habeas corpus, isso vale também para a ação penal -, havendo uma situação de empate, é evidente que o indivíduo culpado deve prevalecer diante da tese acusatória. Por uma razão muito simples: só se pode condenar alguém, como diz a máxima britânica, beyond any reasonable doubt, ou seja, além de qualquer dúvida razoável. E o fato é que, quando há empate, existe dúvida razoável.
Então, não é a gente querer forçar, com todo esforço, com todo empenho, que: "Não, vamos desempatar isso, vamos desempatar isso". Isso parece, realmente, às vezes, vamos dizer, um movimento que, por si só, nega essa naturalidade do descompasso entre defesa e acusação.
E, olha, eu vou lhe dizer, eu fui do Ministério Público durante 30 anos, eu estive do outro lado desse balcão. Hoje eu sou advogado, mas estive do outro lado desse balcão. E eu sei, perfeitamente, como o Ministério Público tem mais poder do que a defesa. É só lhes dar um exemplo: nos tribunais em que eu atuei - eu atuei muitos anos no STJ -, o Ministério Público senta ao lado do Presidente da turma. O advogado tem que ir lá, humildemente, fazer seu pedido lá na tribuna. Ao lado do Presidente da turma, existe, muitas vezes, um compadrio. O membro do Ministério Público cochicha no ouvido do Presidente. Está ali fazendo o lobby da sua tese, muitas vezes criticando o pouco desempenho, o baixo desempenho do advogado. E, depois, o membro do Ministério Público ainda vai para o lanchinho dos ministros, enquanto o advogado fica lá do lado de fora, no intervalo, esperando a sessão continuar. E o Ministério Público no lanchinho tem liberdades de falar com os ministros. Portanto, é uma situação de uma desigualdade até social a capacidade do Ministério Público de chegar que o advogado não tem.
Então, é minimamente razoável a gente respeitar o empate sempre pro bono, pela parte. É o mínimo diante desse enfraquecimento, dessa debilidade do acusado diante dessa máquina acusatória do Estado.
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Da mesma forma o artigo que diz respeito ao habeas corpus de ofício. O habeas corpus de ofício é um dos instrumentos mais poderosos que a defesa pode apresentar, pode ter, porque o habeas corpus de ofício é capaz de ultrapassar toda a burocracia processual - que muitas vezes desfavorece a defesa, dentro do trâmite da ação penal e dos seus recursos -, para ver reconhecido pelo relator ou pelo juiz que está manuseando, manejando aquele processo a concessão de uma ordem, reconhecendo uma questão de ordem pública que implica uma nulidade absoluta.
Não se pode dizer que isso daí deva depender de, vamos dizer, submissão, turma, nem nada. Ali é o Estado reconhecendo que errou, e é importante que esse instrumento seja honrado, e não limitado diante dessa enorme desigualdade.
É claro que há quem - principalmente no lado do punitivismo, daqueles que têm uma verdadeira admiração por essa máquina de moer gente, que se chama Processo Penal, que ali existe um fetiche - acredite que o bandido - como se não houvesse uma coisa chamada presunção de inocência - não merece refresco, tem que ir para cima com toda a força. Isso daqui demonstra um profundo desconhecimento da natureza do processo penal. Profundo desconhecimento. E normalmente quem está desse lado do acusado é um pobre coitado, defendido pela Defensoria Pública - e isso aqui é a maioria dos brasileiros. É disso que se trata.
Então, Sr. Senador, caríssimos participantes, caríssimas participantes, eu fico por aqui, sustentando que o projeto deve realmente ser aprovado na sua formulação origina, ou seja, preservando plenamente o habeas corpus de ofício e também o princípio do desempate pro reo e pro bono.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Eu agradeço, Dr. Eugênio Aragão, ex-Ministro da Justiça, ex-Procurador da República e jurista.
Todos os convidados utilizaram o tempo de até dez minutos. Agora nós iremos conceder a palavra aos Srs. e às Sras. Senadoras.
Eu começo pelo Senador Sergio Moro, que é o autor, juntamente comigo, do requerimento de audiência para que pudéssemos fazer esse debate riquíssimo para este projeto no dia de hoje.
Então, Senador Sergio Moro, o tempo é de até três minutos, mas como V. Exa. foi um dos autores dessa audiência, nós seremos tolerante com o tempo.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para interpelar.) - Então, Senador, muito rapidamente, porque na verdade viemos para ouvir os expositores. Cumprimento a todos os expositores, quer concorde ou não com eles, mas agradeço a presença aqui.
O que me chamou a atenção foram dois argumentos técnicos bastante relevantes aqui sobre essa temática e até alguns pontos que eu não tinha, confesso, prestado atenção nesse projeto. Um deles colocado foi o problema de o empate gerar o precedente jurídico, porque, quando os casos se diferenciam pelos fatos e pelas provas, essa é uma situação específica, cada caso é um caso.
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Agora, em relação ao Direito, gera aqui uma grande preocupação de em um caso julgado num tribunal - vamos supor o Supremo, vamos supor o STJ, ou mesmo um tribunal regional ou um tribunal estadual - nós tenhamos possibilidade de ter um precedente sobre uma tese jurídica baseado num caso que deu empate. E, depois, a gente pode até pensar: "Sim, mas é só fazer a pesquisa e a diferenciação". Mas hoje as pessoas, nas matérias de jornais, por exemplo, leem os títulos; em precedentes de tribunais, leem as ementas, muitas vezes não consultam o caso em profundidade para saber exatamente o que foi decidido.
Então, o que me preocupa aqui - e esse argumento eu pediria, acho que foi o Dr. Bruno que desenvolveu, que pudesse explorar um pouquinho mais - é esse risco de o empate gerar precedente jurídico e influenciar indevidamente outros julgados posteriormente.
E a outra situação que me chamou bastante atenção, que foi colocada pelo Procurador Suxberger, é o problema da recorribilidade interna.
(Soa a campainha.)
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Eu acho até que o doutor foi bastante técnico aqui e acho que é importante jogar um pouco mais para a planície, doutor, porque, embora nós tenhamos aqui muitas pessoas formadas em Direito, esta é uma Casa do Povo, é da Federação, mas também do povo. E a indagação, a preocupação é: tá, vamos supor, então, uma ação penal na qual há uma condenação, por três a dois, do acusado. Entra-se com embargos de declaração. E a gente sabe, Senador Weverton, que embargos de declaração não é para ter efeitos infringentes, de modificar o julgado, mas, na prática, é isso que acontece. O que a gente vê de casos julgados em embargos de declaração que alteram o julgado originário, quando eram só para aclarar uma dúvida... Isso acabou se tornando rotina. E aí eu tenho o risco de ter um caso de três a dois e, de repente, num caso de embargos de declaração, ser julgado dois a dois e gerar a desconstituição da condenação anterior.
E o grande problema que me parece aqui, Senador Girão, é o risco de manipulação da agenda do Judiciário - esse é o grande problema. E, claro, a gente não vai desconfiar de ninguém, dos juízes, desembargadores, ministros, advogados, promotores, nada disso. Mas, se a gente tem regras que possam favorecer a manipulação, não se tem dúvida de que tem também pessoas mal-intencionadas.
Nós estamos agora com uma CPI, lá na Câmara, das apostas esportivas, por manipulação de resultados de jogos. Claro, aqui é uma coisa diferente. Mas a gente vai aprovar uma legislação que torna possível, que facilita eventuais manipulações de resultados, porque, eventualmente, o desembargador... o quórum não está completo e não se pode esperar para a sessão seguinte para que o desembargador ali compareça, para que nós tenhamos jurídica e não gerar um precedente efêmero dentro da nossa jurisprudência. Às vezes é um caso rumoroso, Senador Weverton, um acusado famoso, quer de um lado ou de outro, que de repente tem uma decisão que a sociedade espera - e aqui não estou falando nem crime de colarinho branco, estou falando num caso de assassinato, um assassinato brutal, um grande traficante de drogas. E aí o caso vai para julgamento, e a sociedade espera uma resposta da Justiça. E, de repente, a resposta vem num julgamento de empate? Isso afeta a credibilidade, a meu ver, e a confiança que a gente tem nas instituições de Justiça.
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Então, eu pediria aos convidados, se pudessem, para explorar um pouco mais esses dois temas, especificamente o do precedente jurídico e da recorribilidade interna, pedindo aqui, Dr. Suxberger, que nós tratemos um pouco mais na planície.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Eu agradeço as palavras do Senador Sergio Moro.
A partir de agora, nós vamos começar a cumprir o prazo regimental dos três minutos, por conta do tempo que nós combinamos, aqui, com os convidados para que eles pudessem participar desta reunião.
Eu vou conceder, Senador Girão, com a vênia de V. Exa., a palavra ao Dr. Bruno e ao Dr. Henrique Graciano para que eles pudessem fazer o comentário sobre a pergunta e o questionamento, aqui, do Senador Sergio Moro. E aproveito também para pedir, de forma resumida, que o Dr. Kakay também faça o seu comentário, juntando a dúvida e a pergunta dele também com a minha.
Passo a palavra ao Dr. Bruno Calabrich.
O primeiro inscrito é o Senador Girão.
Como é: paz e bem?
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Fora do microfone.) - Paz e bem!
O SR. BRUNO CALABRICH (Para expor.) - Posso começar? (Pausa.)
Agradeço, Sergio Moro, pela pergunta, porque dá a oportunidade de eu reforçar alguns pontos que acho que são cruciais para compreender essa matéria.
Tem dois artigos que eu recomendo sobre isso, um escrito pelo colega Vladimir Aras, que não pôde estar aqui hoje, e outro pelo Prof. Américo Bedê, publicado no livro Filosofia e Direito, de 2014, justamente sobre o tema do empate nos julgamentos. Eu ouvi, nas exposições - e parabenizo a todos os colegas de mesa, foram exposições brilhantes -, sendo muito repetido o argumento de que in dubio pro reo; nós temos que sempre beneficiar o réu, na dúvida, pro reo. A pergunta que eu me faço é: o Judiciário pode ter dúvida sobre a aplicação de direito? O juiz pode dizer: "Olha, não dá para julgar, não, porque eu estou na dúvida se você tem direito ou não, autor ou réu"? Não existe isso. O in dubio pro reo é regra para o julgamento de fatos. Se o fato não foi suficientemente provado, se julga a favor do réu.
Dizer que um tribunal pode ficar na dúvida sobre a aplicação da lei ou da Constituição, para mim, é um contrassenso. Nós não podemos desejar o empate. Nós já temos regras hoje que podem ser aprimoradas - essa proposta do Sergio Moro parece caminhar nesse caminho -, mas nós já temos hoje regras no CPP, na Lei nº 8.038 e nos regimentos internos do STF, do STJ e dos tribunais que apresentam soluções para a situação de empate. Por quê? Porque todas essas normas se inspiraram neste princípio, o princípio da vedação do non liquet. O non liquet é uma expressão latina: não está claro e, por isso, não julgo. Isso é rechaçado, repudiado pelo Direito. O empate é, como o Prof. Américo Bedê disse, um não julgamento. Aceitar isso, desejar isso para habeas corpus é compreensível, porque se está diante de uma ilegalidade que restringe a liberdade de alguém e, por isso, deve ser corrigida de imediato, não se pode esperar.
E, pegando um pouco da fala do...
(Soa a campainha.)
O SR. BRUNO CALABRICH - ... já encerrando - e pegando um pouco da fala do nobre advogado Antônio Carlos, que falou há pouco-, o processo penal, sim, deve ser resolvido com celeridade - o princípio é constitucional -, mas nós sabemos que os processos se arrastam há anos, infelizmente.
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Por isso mesmo, nós não podemos, em situações em que os processos se arrastam há anos, de afogadilho entender que o empate resolverá questões de direito, naturalizar esse tipo de solução.
Agradeço, mais uma vez, a oportunidade.
O SR. WEVERTON (PDT/PDT - MA) - Obrigado, Dr. Bruno.
Passo imediatamente a palavra ao Dr. Antonio Henrique.
O SR. ANTONIO HENRIQUE GRACIANO SUXBERGER (Para expor.) - Obrigado, Senador Weverton.
Comento aqui um ponto específico, e eu me coloco aqui absolutamente de acordo, inclusive, com as colocações do Dr. Antônio Carlos de Almeida Castro, do próprio Prof. Lenio Streck a respeito da inexistência de um in dubio pro societate no Direito brasileiro. Não há. Concordo, absolutamente. Inclusive, o in dubio pro reo, de fato, é uma regra que impõe que a dúvida favoreça o julgamento a favor do réu. Mas há uma premissa aqui a ser observada: julgamento de culpa se faz em sentença, à luz de uma instrução probatória. Estender esse raciocínio ao que seja o funcionamento de tribunais em falha contingencial de decisão, ou seja, empate, desculpa, é um equívoco de raciocínio. A premissa não é essa. A premissa é: culpa se faz no juiz que aprecia com oralidade, concentração, imediatidade na produção da prova que seja culpa do acusado. O restante que se faz ali é revisão de apreciação do fato e, nessa revisão, não há como se afirmar que a dúvida favorece o acusado se, na verdade, dúvida não há, mas, sim, empate, repito, contingencial.
O ponto a que me referi, do comportamento interno dos tribunais, Senador, e eu agradeço a oportunidade de bem aclarar isso, é aquilo que muitas vezes aparece como anedota da nossa tragédia. Os embargos de declaração dos embargos de declaração dos embargos de declaração dos embargos de declaração do agravo regimental do agravo de instrumento contra negativa de seguimento... É disso que eu estou falando. Porque nós jogamos o processo penal, espera-se, a partir das regras do jogo. Se as regras do jogo dizem que o empate favorece ou determina a decisão, eu vou insistir no lance em que eu já perdi quantas vezes forem necessárias até alcançar aquilo que me favorece.
E eu pergunto: que justiça há numa decisão alcançada por uma Corte que já apreciou o meu pleito e eu insisto, insisto, insisto dentro da Corte, fazendo o quê? Das duas, uma: ou o próprio desembargador ou ministro que já votou vote diferentemente do que entendera apenas para não se alcançar o empate, o que é, de todo, indesejável... Imaginem os senhores um desembargador que vota: "Eu entendo que essa madeira é dessa cor", e, na sequência de repetição de julgamento, ele vai ter que dizer que é de outra justamente pelo fato de que se trata unicamente de uma repetição.
(Soa a campainha.)
O SR. ANTONIO HENRIQUE GRACIANO SUXBERGER - É a isso que eu me refiro em relação a induzir um comportamento ruim dentro das Cortes.
Agradeço a oportunidade e fico à disposição, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Muito obrigado, eu passo, imediatamente, a palavra ao Prof. Dr. Lenio Luiz Streck, que também utilizará até três minutos.
Em seguida ao Dr. Lenio eu já chamo o Dr. Eugênio Aragão.
Dr. Lenio.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Para expor. Por videoconferência.) - Muito bem. Bem rápido.
Essa questão que o Senador Moro levanta sobre embargos de declaração é impossível de acontecer. Um resultado que está três a dois não teria uma reversão num empate em embargos de declaração. É impossível isso acontecer no Brasil. Acho que com esse problema nós não precisamos nos preocupar. Se por três a dois alguém é condenado, mesmo se se fizer embargos de declaração com efeitos infringentes e for dois a dois, é porque os embargos não foram deferidos, mas porque os embargos têm características próprias. Parece-me que, nesse caso, não haveria esse problema.
E outra: quero dizer para o caríssimo Bedê que a Palas Atenas votou, sim. Mas sabe por que ela votou? Ela votou para empatar. Aí deu 6 a 6, e, com esse empate, ela proclama o resultado in dubio pro reo. Entendeu? Ela não votou para desempatar. Há um equívoco na leitura, isso acontece seguido. Há anos, eu até tinha lido também a peça desse modo, mas eu recebi agora uma tradução com notas de rodapé, e fica claro que era 6 a 5; ela empata para 6 a 6. É tão importante o empate que ela vota para empatar, para depois dar a absolvição no sentido in dubio pro reo.
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Era só para registrar isso.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Agradeço ao Prof. Lenio.
Eu passo ao Dr. Eugênio Aragão. O senhor tem até três minutos, Prof. Eugênio.
O SR. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO (Para expor. Por videoconferência.) - Senador, duas questões.
Em primeiro lugar, não existem essas certezas do direito, como o Dr. Suxberger estava dizendo, como se fosse madeira clara e madeira escura. O direito não é nenhuma ciência natural, e é normal que se divirja.
Os colegiados judiciais entre nós são colegiados impróprios no sentido que empresta essa expressão o administrativista Vignocchi, italiano. Ou seja, cada voto é um voto de qualidade. Não há um colegiado que vote unissonamente. Nossos debates são feitos presencialmente; não são feitos em câmeras, como em certos países europeus.
Isso significa o quê? Que cada juiz tem o seu voto e cada voto tem uma influência própria no resultado final. Sendo assim, não há propriamente que se falar em princípio de colegialidade. Princípio de colegialidade é uma traição à independência do julgador, que não é apenas um direito dele, mas é um dever dele também de ser independente. Então, ele não tem o direito de se submeter a uma suposta maioria.
Então, vou deixar isto aqui muito claro.
Da mesma forma também, Senador Moro, eu não posso partir do princípio de que advogados e julgadores vão apenas dar uma olhada superficial no antecedente, no precedente jurisprudencial para daí fazerem conclusões erradas de que aquilo não foi um empate, e, sim, realmente, foi uma decisão por maioria da turma. É claro, Senador Moro, que quem aplica o direito é obrigado a pesquisar, a olhar e verificar todo o histórico daquele precedente. Isso é um cuidado mínimo que nós, profissionais, devemos ter com o direito.
Posto isso, eu não vejo novidade sob o sol. A verdade é a seguinte: sim, há dúvidas, muitas vezes, na aplicação do direito, o que é natural, e há dúvidas na questão de fato. Cada instância é uma instância; isso é que se chama duplo grau e, às vezes, vale multiplicidade de grau, de jurisdição. Em cada um deles, as dúvidas podem ressurgir, sim. Não existe simplesmente uma tábula rasa. E, por isso, volto a dizer: in dubio pro reo é um princípio geral. Não se pode restringir matéria de direito ou matéria de fato.
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Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Muito obrigado, Dr. Eugênio Aragão.
Eu passo imediatamente a palavra ao Juiz Federal Dr. Bedê Júnior.
O SR. AMÉRICO BEDÊ FREIRE JÚNIOR (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde a todos de novo.
Na verdade, eu queria falar três coisas, rapidamente.
Um coisa é... Prof. Lenio, realmente, há divergências quanto ao mito, mas não podemos esquecer que o julgamento era por humanos. Então, inicialmente, a ideia era de os 12 votarem. Há versões gregas que falam, inclusive, que ela votou antes, anunciando anteriormente qual era o seu resultado.
E, na Revista Brasileira de Psicologia, para quem gosta, para estudar não só Direito, para quem vai para a Psicologia, a Revista Brasileira de Psicologia 30, no penúltimo volume, tem um artigo mostrando que a Palas Atena não é um voto de desempate no sentido tradicional, feito pelo Direito, digo, para o mais benéfico, mas a Palas Atena vai no sentido psicológico do consenso de uma mudança de uma sociedade patriarcal para matriarcal na Grécia.
Então, só contextualizando que há correntes. Só para deixar claro isso.
Agora, uma outra questão que me parece importante: é como nós vamos interpretar a palavra "mais benéfica", porque, muitas vezes, muitas questões que chegam aos tribunais são de conflito de competência, Justiça Federal e Justiça estadual, por exemplo. Eu não consigo enxergar que é mais benéfico para o réu estar numa Justiça ou noutra. Ambas as Justiças têm obrigações de respeitar a Constituição, a lei e os precedentes. Então, como é que eu vou aplicar essa regra num 2 a 2, num julgamento de conflito de competência, por exemplo, para dizer que é mais benéfico ser julgado pela Justiça A ou pela Justiça B, já que ambas precisam respeitar igualmente as regras do jogo?
Então, a nossa grande preocupação é justamente com esta definição do alcance que nós estamos dando ao princípio do in dubio pro reo. Não há dúvida de que só existe o in dubio pro reo, não há dúvida de que seja na fase de pronúncia, seja no recebimento, com muito mais razão na fase de sentença. O problema é que nós estamos usando o in dubio pro reo não agora como técnica de julgamento, como o Suxberger bem falou, mas como um critério de fixação de resultado para desempate em tribunais, que pode ser usado, eu não nego isso no artigo. Poderia ser o voto do decano, poderia ser o presidente desempatar, poderia... Os critérios são variados. A dúvida é: este é o melhor critério realmente ou o melhor critério é a proposta alternativa - o que me parece - de esperar o quinto julgador?
Você pode discutir os três meses que estão na proposta, podem ser 30 dias. Agora, eu quero lembrar que a Corte Interamericana, quando fala em duração razoável do processo, não fala em duração razoável do processo só para o réu. A Corte Interamericana especificamente fala em duração razoável do processo para a vítima. Não se trata de condenar alguém apenas. A vítima também tem direitos fundamentais. E a duração é razoável para ambas.
Inclusive na minha fala. É outro exemplo de duração razoável dentro dos 15 segundos. (Risos.)
Então era isso.
Agradeço a todos. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Agradeço ao Dr. Bedê.
Quero lembrar ao convidado que nós, rigorosamente, com todos, cumprimos aqui o tempo e quero agradecer, porque todos foram extremamente pontuais.
Passo aqui imediatamente a palavra ao Dr. Kakay.
O SR. ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO (Para expor.) - Muito obrigado por esta oportunidade.
Primeiro eu quero dizer aos Senadores, especialmente pela fala do Senador, que Direito Penal não é para dar resposta à sociedade. Direito Penal é para aplicar a Constituição e aplicar a lei. Nós temos que ter um cuidado danado para não espetacularizar o processo penal, com um prejuízo seriíssimo para a sociedade, especialmente para aquele que está sofrendo na mão do Estado.
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Depois, eu acho que sobre a questão de contingenciar que o nosso colega falou vejam bem: se o Estado não provê as condições de julgamento de forma isenta e rápida, o cidadão não pode ser prejudicado por isso. Isso me parece evidente. O Estado democrático de direito presume um processo penal democrático. Nós temos que pensar nisso. Hoje, nós temos uma dificuldade muito grande... Eu conversei com o Ministro Sebastião do STJ hoje: tem 35 habeas corpus sendo distribuídos com pedido de liminar, Senador Girão, por dia. É uma questão até de desumanidade com o Poder Judiciário, muitas vezes. O advogado serve, às vezes, só para poder destacar a tese.
Nós temos questões que temos que enfrentar. Por exemplo, falou-se aqui na hipótese de manipulação da agenda do Judiciário. Isso é gravíssimo! Aquele que manipula a agenda do Judiciário, seja através de uma interpretação que interessa a alguém, seja através do conluio com uma das partes, como o Ministério Público, tem que ser investigado! Nós não podemos partir do pressuposto de que vai haver uma manipulação na agenda do Judiciário. Nós temos que dar ao Judiciário a credibilidade que ele merece.
E nós não podemos menosprezar, com a devida vênia dos meus colegas que discordam, a dimensão do que é o in dubio pro reo. Isso significa que o Estado, com todo o seu poder, não conseguiu fazer a comprovação da culpabilidade, nesse caso, em tempo mais rápido possível, é claro que a vítima também tem o mesmo direito, mas especialmente aquele que sofre um processo penal e que sofre muitas vezes um processo penal injusto, esse cidadão tem o direito de ver a decisão ser feita. Um empate, no caso concreto... Evidentemente, isso não vai ser a regra...
(Soa a campainha.)
O SR. ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO - Isso vai ser uma jurisprudência que vai ser seguida naqueles casos raríssimos ou, pelo menos, ocasionais de empate. Nesse caso, Sr. Presidente, é necessário que se tenha a dimensão do que é a dor de um processo penal e privilegiar, sim, o in dubio pro reo, pois esse atende, para mim, os anseios da sociedade.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Muito obrigado, Dr. Kakay.
Passo imediatamente a palavra ao Senador Girão. O senhor tem até três minutos para utilizar a palavra.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Para interpelar.) - Muitíssimo obrigado, Presidente desta sessão, Senador Weverton.
Eu quero cumprimentar aqui a todos os convidados, que, de forma respeitosa, promoveram aqui esse esclarecimento para a gente. Eu acho que a regra da boa convivência é o respeito, e esta Casa está sendo respeitada neste momento.
Eu queria apenas colocar o seguinte. O grande problema que a gente tem hoje na nação, Senador Weverton, no meu modo de entender, a grande crise que a gente vive não é uma crise econômica, não é uma crise política, não é uma crise social, apesar de essas crises serem preponderantes; a grande crise é a moral. E o sentimento hoje no Brasil é de impunidade! Esse é o sentimento predominante na nação. Esta Casa Legislativa, tão criticada pela população... E, muitas vezes, eu compreendo e dou razão à sociedade. Com todo o respeito, Senador Weverton, a gente poderia estar analisando aqui, por exemplo, a questão do retorno à prisão em segunda instância. Isso aproximaria a Casa da sociedade. O sentimento... Nós fomos eleitos pelo povo brasileiro, diretamente pelo povo brasileiro. Então, não é uma questão de se dar resposta, é uma questão de a gente procurar blindar a questão da corrupção e da impunidade no nosso país, que é a chaga que deixa de joelhos esta nação para o mundo.
Por exemplo, é muito controversa esta questão de o empate favorecer o réu com gente poderosa aqui. Eu preciso relembrar. Eu sei que o tempo é curto, mas eu lhe peço, já que são poucos Senadores que hoje puderam estar aqui...
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Com aposentadoria de Marco Aurélio Mello, em julho, Cármen Lúcia saiu da 2ª Turma para ocupar a vaga dele na 1ª Turma do STF. A partir de então, com apenas quatro ministros...
(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - ... julgamentos que resultam em empates beneficiam os réus, muito deles de empresários e políticos corruptos. Com o empate de 2 a 2, a 2ª Turma mandou para a Justiça Eleitoral, por exemplo, um processo no qual Eduardo Cunha, ex-Deputado, já havia sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro pelo recebimento de R$4 milhões de propina na venda de um campo de petróleo na Petrobras, na África. O juiz que recebeu o caso poderá rever a condenação de 14 anos de prisão.
Da mesma forma, no fim de agosto de 2021, a 2ª Turma arquivou o inquérito contra Aécio Neves que investigava repasse da Odebrecht para a sua campanha à Presidência em 2014.
Em mais uma decisão favorável a Lula, a 2ª Turma do STF desbloqueou os bens dele. Foram liberados um total R$3 milhões do atual Presidente e mais R$3 milhões em nome de Marisa Letícia, a mulher dele que faleceu em 2017.
No início de dezembro de 2021, a 2ª Turma do STF impôs outra derrota à Lava Jato, que é um patrimônio do povo brasileiro de enfrentamento à corrupção e à impunidade. É um símbolo internacional, positivo para o Brasil. Retirou essa 2ª Turma de Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal, os processos da Operação Fatura Exposta, que investigou fraudes na secretaria de saúde do estado e que tinha entre eles, entre os alvos, o Governador, o ex-Governador Sérgio Cabral. Quem não se lembra daqueles empates que aconteceram na 2ª Turma, quando o Ministro Celso de Mello... Se eu não me engano, vários empates que foram... Um deles foi a questão do Joesley Batista.
Quando o in dubio pro reo é natural de um Colegiado, eu vejo que é um princípio natura do juízo, porém quando observasse que pode estar havendo - aqui, de fato, em tese - uma articulação... A gente não pode negar: a pessoa vai tirar uma licença, o cara pode esperar. Isso aí faz parte do jogo. Se a gente colocar isso na regra do jogo, vai fazer parte do jogo. Espera aquele juiz durão tirar uma licença, joga um processo lá. E aí? Como é que vai ficar a situação? É justo isso? Nisso vai haver justiça? Não pode esperar um tempo para que seja recomposto? Não tem uma gestão da Justiça?
Então, com todo respeito, eu acho que a gente precisa - dessa forma, Senador, já sendo o senhor muito bem benevolente, eu já estou encerrando -, aqui no Senado Federal, caminhar, fazer um caminho junto à população brasileira no aspecto de defesa de princípios e valores pela Justiça do Brasil.
Então, eu acho muito importante esta sessão. Agora acredito que isso, com todo respeito, não é prioridade neste momento. Isso pode causar um constrangimento maior para esta Casa, enquanto esta Casa já está em uma situação em que não é bem-vista pela sociedade. E eu acredito muito que a gente precisa ter respeito. A regra da boa convivência é o respeito, respeito às instituições e respeito também a esta Casa.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Eu agradeço, Senador Girão, esclarecendo que a audiência pública é para esclarecer as dúvidas e eventual construção de acordos que nós poderemos fazer nesse texto, o qual eu tive a missão de relatar aqui nesta Comissão de Constituição e Justiça.
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Quero também registrar aqui ao colega Senador que, como não é o objeto da nossa audiência pública, há controvérsias e o Senador Moro sabe que, ainda quando Ministro da Justiça, eu tenho as minhas totais reservas. Claro que, num debate, numa audiência pública ou até em nossas sessões ordinárias, nós poderemos aqui falar sobre esse patrimônio que V. Exa. e muitos falam que é do país. Houve, e todos sabem, sim, questionamentos. Claro que não é a pauta desta audiência pública, então eu me reservo para, no momento desse debate, nós podermos falar aqui de forma muito franca.
Como é uma Casa democrática, todos aqui eleitos, representando seus estados, terão a oportunidade de levar à população o que pensa. Eu pelo menos entrei aqui e, desde o início - e V. Exa., por quem eu tenho o maior carinho e respeito, sabe -, eu sempre disse: a segunda instância tem que ser discutida, assim como a gente tem que discutir lá na ponta como é que nós estamos fazendo de verdade aqui para que o nosso mandato produza escola de qualidade para as nossas crianças pobres lá na periferia, que às vezes, por falta de uma educação de tempo integral, de que o Brizola já falava há 50 anos, lá atrás... E a gente não conseguiu hoje produzir o resultado concreto para chegar lá na pontinha de Coreaú, ou lá no cantinho lá do Maranhão, ou lá no cantinho do estado de V. Exa., ou lá do Paraná, ou de qualquer outro estado do Brasil. A saúde pública, a segurança, o direito de ir e vir, enfim, a esses invisíveis que nós também iremos elencar vários exemplos de cidadãos negros, pobres, que tiveram, de forma injusta, muitas das vezes, de ficar encarcerados por conta da demora do Estado na questão de que trata o seu direito individual.
Tenho certeza de que esta audiência pública foi esclarecedora.
Cumprindo o compromisso que nós fizemos de encerrar esta sessão até as 11h, eu quero, assim, passar, se todos concordarem, para que cada um tenha os seus dois minutos para fechar - o Senador Moro também terá o tempo de até três minutos para poder fazer as suas colocações -, e já aproveitar para encerrar.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Eu queria fazer uma sugestão antes de caminhar para o encerramento.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Claro.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para interpelar.) - Nós ouvimos aqui os expositores, e, perfeito, o princípio in dubio pro reo é uma conquista civilizatória. Discussões sobre a limitação e alcance: claro que a gente tem presente que, no campo da prova, se não tem prova, acima de qualquer dúvida razoável para a condenação, tem que ser absolvido.
A preocupação em relação a esse projeto que existe aqui da minha parte também e de vários outros são riscos de que, apesar das boas intenções, ele gere consequências danosas para o processo, como foi colocada aqui a questão do precedente, abra espaço à manipulação. Assim, nós fazemos regras e não são necessariamente para anjos. A gente não pressupõe a manipulação, mas que ela é uma possibilidade - ela é uma possibilidade. Então, nós temos que nos preocupar com esse aspecto.
Eu aqui faria uma sugestão, Senador Weverton. Seria rogar aos nossos expositores - os advogados, os Procuradores, o Juiz - se pudessem pensar em alguma emenda, em alguma proposta redacional que pudesse de alguma maneira manter o projeto, mas evitar esses nossos riscos e essas preocupações em relação a precedentes jurídicos, em relação a risco de manipulação de resultado, em relação a risco de utilização desse instrumento na recorribilidade interna, através de eternos embargos de declaração.
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Na verdade, eu ouvi aqui até o que foi colocado por um dos expositores: de fato, embargos de declaração não são para alterar o resultado do julgamento, mas de fato alteram. E tem "n" exemplos em que isso aconteceu na jurisprudência recente dos nossos tribunais, em que alguém foi condenado numa ação penal, vêm embargos de declaração, e a condenação caiu. Pode até se dizer: "Não, nos embargos de declaração era justa a decisão", mas aqui nós estamos falando de um risco de alteração de um resultado anterior em decorrência de um empate. E aí realmente fica algo que gera perplexidade.
Então, a minha sugestão, apenas aqui rogando aos expositores... Não vim discutir Lava Jato, prisão em segunda instância, acho que tem que se tratar disso, mas não nesse momento, mas objetivamente, para esse projeto, existem, sim, receios de que a aprovação dele possa levar a resultados injustos no processo. E quanto ao lado de que tem 1 milhão de pessoas presas - acho que são 700 mil hoje em dia -, mas existem também vítimas, vítimas do crime, a quem o Congresso tem que dar uma resposta. E aqui não é só crime de corrupção, é crime de assassinato, é crime de tráfico de drogas. São vítimas que clamam também por justiça e que têm que ter os seus direitos contemplados por esta Casa, assim como esta Casa tem que se preocupar com os direitos do acusado.
Então, fica uma sugestão aos expositores, a todos eles, de, se possível, se pensarem, se cogitarem isso, porque são mentes aí muito capacitadas, apresentarem sugestões - preferivelmente em formato normativo, não é, Senador? -, que facilita o nosso trabalho, para que nós possamos, então, quem sabe, incorporar nesse projeto.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Eu agradeço. Fica aberta a sugestão. Caso tenham alguma sugestão a dar, dentro dessas quatro emendas, para que possam ser melhoradas, a fim de que a gente possa construir um eventual acordo, nós não temos dificuldade nenhuma de recebê-la e analisá-la.
Eu passo a palavra ao Dr. Suxberger - agora acertei.
Dr. Suxberger, o senhor tem até dois minutos para fazer a sua despedida, sua fala.
Em seguida aqui, logo, o Prof. Kakay, para poder também já se ausentar, porque ele vai pegar um voo agora.
O SR. ANTONIO HENRIQUE GRACIANO SUXBERGER (Para expor.) - Obrigado, Senador Weverton.
Agradeço mais uma vez a oportunidade e parabenizo esta Casa pelo debate republicano, um debate de ideias, de alto nível. Sinto-me verdadeiramente privilegiado e agraciado por dividir a tribuna em temas tão relevantes.
Comprometo-me a apresentar, Senador, o que seja um texto que diferencie essas hipóteses de empate contingencial do que seja o empate decorrente do não alcance de deliberação. Acredito que a chave aí esteja presente na distinção entre o que seja a razão do empate, se por ausência, por impedimento, por suspeição, por falha contingencial na formação do quórum da corte, daquelas situações em que não se alcance um posicionamento majoritário. Acho que isso pode ser traduzido num texto.
O processo penal brasileiro, o direito penal, o sistema de Justiça Criminal precisa ser objeto de reflexão, ele precisa ser problematizado num debate público qualificado. Eu tomo aqui a preocupação dos números escorchantes apresentados às cortes no Brasil. Não é possível apostar num sistema de Justiça Criminal...
(Soa a campainha.)
O SR. ANTONIO HENRIQUE GRACIANO SUXBERGER - ... preocupado em aumentar demandas em tribunais, como faz essa proposição. Em verdade, deveríamos estar discutindo como produzir uma melhor decisão nos juízos de primeira instância, e acredito que pauta não falta para tanto.
Senadores, muito obrigado mais uma vez. Parabéns pelo debate!
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Agradeço.
Passo imediatamente a palavra ao Dr. Kakay.
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O SR. ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO (Para expor.) - Desculpe-me, Senador. Eu vou ter que me ausentar, porque tenho um voo agora.
Em princípio, vejo com muito bons olhos - podem-se apresentar alguns adendos - a proposta. Eu, se Senador fosse, subscreveria exatamente como está. Acho que isso é bom para a sociedade, isso é bom para o processo penal brasileiro, para tentar atingir um processo penal também democrático. Mas, evidentemente, estar aqui discutindo com V. Exas., para mim, é uma honra e um prazer.
Eu sou só advogado, faço direito criminal a vida inteira e, aproveitando a fala do Senador Girão, a quem eu rendo as minhas homenagens, eu acho que nós temos que enfrentar, sim, a questão da Lava Jato. A Lava Jato não acabou. Ela foi julgada pelo Supremo num momento importante, e agora nós temos um longo caminho ainda para responsabilizar aqueles que a Lava Jato ainda não responsabilizou. Eu tenho dito que, inclusive, advogados que, na minha visão, estavam agindo como assistentes do Ministério Público naquele momento trágico do Brasil.
Eu agradeço. Peço desculpa realmente por ter que me ausentar, mas acho que este é o papel do Senado: fazer uma discussão aberta e séria. E, realmente, Senador Weverton, eu acho que são importantes estes dois pontos: o empate, sem dúvida nenhuma, privilegiando o in dubio pro reo, privilegiando o réu quando o Estado não conseguiu provar a culpabilidade; e do habeas corpus de ofício, que é extremamente relevante num processo penal caótico como o que nós vivemos, com essa quantidade de gente processada. Penso até que o juiz que vê que existe uma ilegalidade tem a obrigação e o dever de dar o habeas corpus de ofício.
Peço desculpas por me ausentar.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Agradeço ao Dr. Kakay.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Para interpelar.) - Só, Presidente, antes que o Dr. Kakay saia, um segundo só, porque o senhor falou... E eu concordo: a Lava Jato não acabou.
O SR. ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO - Claro.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Para interpelar.) - É uma discussão que está na sociedade. O brasileiro está atento, porque mexeu com o Brasil aqui.
Justamente por isso - o senhor acabou de dar mais um motivo - que eu acredito que esse projeto não cabe nesse momento, porque, se a indicação for do Zanin, que foi advogado do Lula, vai dar empate. Vamos supor que aconteça um empate no plenário, e aí? Ele vai se declarar impedido? Como vai ser a situação?
Então, a gente já viu esse filme aqui em outras situações. Eu acredito que a gente tem que ter muita serenidade nesse momento delicado da nação.
Muito obrigado. Faça uma boa viagem.
O SR. ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO - Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Antes do Ministro... É porque eu não vivo lá o dia a dia. Antes do Ministro Kassio, quem era o Ministro que aposentou, cuja vaga abriu?
(Intervenções fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Marco Aurélio.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Para interpelar.) - Eu acho que gente tem que retomar, na verdade, o combate à corrupção. A corrupção faz mal à democracia e à economia. A gente tem que construir um processo penal aqui que resolva essas questões, com atenção ao direito do acusado, mas também com atenção ao direito das vítimas. Então, acho que a Lava Jato realmente não acabou nesse sentido, e a gente precisa retomar essa luta aqui com presteza.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Muito bem.
Eu pergunto: Dr. Américo Bedê ainda está conectado? Em seguida, Dr. Eugênio Aragão se ainda estiver.
Cada um tem dois minutos para poder fazer aqui as suas considerações finais.
O SR. AMÉRICO BEDÊ FREIRE JÚNIOR (Para expor. Por videoconferência.) - Eu queria só agradecer a oportunidade de debater um tema tão importante e colocar justamente essa ideia de que o processo penal precisa abranger os interesses da vítima, da sociedade, do réu. Não se pode falar em processo penal unilateral, olhando apenas um único lado.
É claro que a gente pode e precisa aprimorar o direito penal, não há dúvida. Vários fatos que são crimes nem deveriam ser crimes no país, então precisamos de reformas urgentes. O CPP tem mais de 80 anos, então passou da hora, de fato, de a gente ter reformas profundas que atendam o interesse de todos, porque, se a gente tem uma das maiores populações carcerárias do mundo, por outro lado a gente tem uma das maiores cifras ocultas: uma quantidade de homicídios impunes no país sem precedentes no mundo todo. Então não é possível que a gente fique olhando só para um lado, precisamos encontrar o ponto de equilíbrio.
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E, para terminar, falando sobre o tema, ser impedido ou ser suspeito não é votar. E aí da maneira que está construído, quer dizer, nós já temos um voto presumido pelo fato de alguém ser impedido ou suspeito, porque esse voto necessariamente do empate favorecerá alguém. E criará também quóruns diferenciados para condenar. Então é uma série de problemas que o projeto tem.
Por isso, pedindo vênias, e reconhecendo a competência de todos que falaram, a leniência de todos, queria agradecer a todos.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Eu agradeço.
Dr. Eugênio Aragão, o senhor tem até dois minutos para fazer suas considerações finais. Depois eu vou passar aqui para o Dr. Calabrich e, em seguida, para o Prof. Lenio Streck.
O SR. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO (Para expor. Por videoconferência.) - Exmo. Senador Weverton, eu quero sobretudo agradecer aqui o convite de V. Exa. para participar desta audiência pública; agradeço também ao Senador Girão e ao Senador Moro.
Eu, na verdade, me junto às palavras do Dr. Antônio Carlos Castro, no sentido de que realmente a melhor proposta aqui é exatamente aquela original sem as alterações. Por um motivo muito simples, ela cristaliza, na verdade, o entendimento que já está solidificado nos tribunais. Não temos necessidade aqui de ficar reinventando a roda. São princípios muito caros à nossa prática processual em todos esses últimos anos.
E não podemos aqui querer mudar as regras, porque o Dr. Cristiano Zanin possa vir a ser Ministro do Supremo Tribunal Federal. Afinal de contas, nós não compramos um imóvel para o tamanho do tapete que nós temos e, sim, nós compramos o tapete para o tamanho da sala. Então, não acredito que o fato de o Dr. Cristiano Zanin vir a ser Ministro do Supremo Tribunal Federal - diga-se de passagem, um nome, sem dúvida nenhuma, com todos os atributos para ocupar esse cargo -, que isso deva ser indicativo para uma mudança legislativa.
E, sim, eu também insisto com o Dr. Antônio Carlos Castro em que a Lava Jato não acabou. A Lava Jato não acabou no sentido da responsabilização dos maus agentes públicos que fizeram o Brasil realmente passar por uma crise, infelizmente, transformando o processo penal num circo e processo penal não é circo.
O direito penal é, sobretudo...
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR. Pela ordem.) - Presidente, eu vou pedir vênia aqui ao expositor para não ofender as pessoas da Casa aqui, guardar o respeito e o decoro a esta Casa.
Não aceito esse tipo de ofensa aqui, viu, senhor advogado!
O SR. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO (Por videoconferência.) - ... tímido e acanhado.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Senador Girão, V. Exa...
Faltam só dois aqui dos convidados. Nós conseguimos manter aqui a reunião totalmente respeitosa.
O SR. SERGIO MORO (Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - PR) - Lembrando aqui que o Ministro da Justiça disse uma vez que a corrupção favorece a economia. É uma coisa absurda.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - É, eu gostaria de me prender aqui novamente, de focarmos novamente a audiência pública.
Ele não citou o nome de V. Exa., em momento algum. Ele falou "agentes públicos".
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Então, para encerrar aqui a reunião, eu convido o procurador regional Dr. Bruno Calabrich; por último, o Sr. Lenio Streck; e, encerrando, o Senador Girão.
O SR. BRUNO CALABRICH (Para expor.) - Sendo muito breve, eu agradeço mais uma vez pela oportunidade de debater um tema tão importante. É uma honra voltar a esta Casa. O tema de fato é muito relevante.
Eu encerro dizendo, Senador, que nós devemos buscar um processo penal do equilíbrio, garantismo e equilíbrio. Garantismo não é absolvição do réu a qualquer custo, não é impunidade; pelo contrário, garantismo é assegurar os direitos fundamentais de qualquer réu investigado, mas também assegurar a punição justa a quem cometeu um crime. Um processo penal em que se banaliza e até estimula, eventualmente, o empate como estratégia de defesa é um processo penal irracional. Garantismo é racionalidade para a defesa de direitos fundamentais de todos - de réus, de investigados e também de toda a sociedade - e a justa punição de quem cometeu um crime.
Muito obrigado a todos pela atenção.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Agradeço.
Passo a palavra, imediatamente, ao Prof. Lenio Streck.
O SR. LENIO LUIZ STRECK (Para expor. Por videoconferência.) - Muito bem. Eu não posso concordar que empate seja irracionalidade. Significa que são irracionais, Procurador, aqueles que defendem o empate? Quer dizer, toda doutrina processual que tem um pendor mais democrático e garantido defende o empate como a favor do réu. São todos irracionais? Como é fácil dizer as coisas assim e jogar ao ar, não é?
Outra coisa: direito penal não é para resolver problemas. Direito penal é um problema. Processo penal não é para combater a impunidade. E Judiciário não combate a impunidade, aliás, juiz não combate a impunidade, ministro não combate a impunidade do Judiciário. O que fazem... O seu papel é garantir que a Constituição seja cumprida na sua melhor leitura, na sua melhor luz. Agora, pensar que nós temos que fazer um processo penal para combater a impunidade... Primeiro, não é assim que se trata nos mundos civilizados. O processo penal é uma garantia e não uma arma para ser usada contra o cidadão. E outra coisa: tem muitos processos no Brasil... Bom, por que, no primeiro e no segundo grau, se condena ladrão de galinha por qualquer coisa? Ou, quando o Supremo Tribunal dá um habeas corpus para alguém que pegou maconha de 1,5g e foi condenado a sete anos, é porque temos um problema lá embaixo e não em cima. É contingencial apenas o empate.
E, nesse sentido, eu, fosse Senador, votaria o projeto na sua integralidade, assim como está, sem as emendas.
Muito obrigado, caríssimo Senador Weverton.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Agradeço, Prof. Lenio Streck.
Passo a palavra, para encerrar, ao querido Senador Girão.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Pela ordem.) - Em primeiro lugar, parabéns pela sua condução sempre muito democrática, Senador Weverton. Foi importante o que a gente ouviu aqui, para mim cristalizou mais ainda um posicionamento contra o projeto do jeito que está.
Eu quero, com todo respeito, repudiar a colocação feita pelo colega há pouco tempo, jogando indiretas aqui para o Senador Sergio Moro.
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A Lava Jato, e eu entendo o seu posicionamento, mas esses bilhões de reais recuperados por essa operação, fruto de um trabalho de servidores públicos no país, exemplares, não caíram do céu. Então, a gente precisa olhar e vamos olhar para debater, a verdade vai prevalecer.
Agora, a regra da boa convivência é o respeito. Todos nós que vimos a esta Casa, todos nós respeitamos uns aos outros, nos vestimos bem para entrar nesta Casa, para aqui estar com respeito à liturgia desta Casa. Agora, eu queria dizer que lá fora, Senador Weverton - já concluindo nos segundos que me faltam -, o projeto é conhecido pela população como Projeto Zanin; esse é o papo que rola lá fora. E eu quero acreditar, inclusive, que isso não vai ser necessário, que o Presidente Lula não vai encaminhar para esta Casa o advogado pessoal dele para ser sabatinado aqui, para ir para o Supremo Tribunal Federal. Acho que o Brasil - sem nenhum demérito à pessoa; não o conheço e vejo que é uma pessoa até educada e tudo -, mas absolutamente eu acho que é um conflito muito grande para esta nação.
Então, parabéns! E que a gente possa amadurecer esse projeto e votar depois da prisão de segunda instância, se for possível...
(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - ... se assim for o desejo desta Casa!
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - O bom desta Casa é a democracia - não é, Senador? - e um dia após o outro. Na indicação do Ministro André, que trabalhava também com o Presidente Bolsonaro, V. Exa. não tinha essa opinião, não é? Mas vamos seguir.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Não, não tinha! Ele estava lá no Palácio, trabalhando do lado dele.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Mas aí...
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Esse que é o problema, a gente pessoaliza, fulaniza a cada legislatura. Eu me lembro, naquela época do impeachment da Dilma, eu estava lá na Câmara dos Deputados, e aí, na rua, o Ministro Gilmar era o herói do povo brasileiro, porque ele, naquele momento, tinha uma briga grande com o pessoal do PT. Aí, logo em seguida, depois ele virou... Então, assim, a cada quadra, nós temos aqui vários momentos, mas eu não estou aqui fulanizando.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - É uma função institucional, não é? É diferente.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - O Presidente ainda nem indicou o nome...
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Claro, eu acho que não vai nem indicar.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - ... e nós já estamos aqui falando de um projeto para o nome de alguém que ainda não foi indicado? Mas, enfim, a Casa é democrática...
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Há só uma diferença do Dr. André: o Dr. André estava numa função institucional; é diferente de um advogado pessoal.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Não, não!
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Eu vejo uma diferença aí.
O SR. PRESIDENTE (Weverton. PDT/PDT - MA) - Não, não, não! Um advogado é um advogado. Ele tem OAB, ele estudou, ele se formou, mas, assim, no momento correto, nós vamos fazer a discussão. Eu nem o conheço, tá? Não o conheço! Nunca estive, assim, pessoalmente, para dizer: "Esse aqui é o Zanin". Eu não o conheço, só estou dizendo que é uma coisa que não aconteceu, e nós estamos aqui falando que o projeto já tem um nome, há uma suposta indicação, mas tudo bem.
Respeito V. Exa. sempre terá o tempo que for necessário para expressar a sua opinião, até porque representa, de forma legítima, o seu estado, está aqui eleito para isso. E eu tenho certeza de que, amadurecendo, discutindo, divergindo, nós vamos sempre produzir boas leis.
Eu me lembro, para encerrar, Senador Moro, de uma vez em que eu estava lá na saída da Presidência. E, sobre um determinado projeto, a imprensa veio: "Mas não vai votar semana que vem? Não tem que ser votado logo?". E eu disse: "Vem cá, e, desde quando, votar projeto com pressa é bom para o Brasil e para a nossa técnica legislativa? Desde quando?".
Então, assim, não é o tempo, não é a pressa que vai resolver o problema. Agora, sermos céleres e eficientes, sim. Então, à medida que os debates estão acontecendo - tanto é que fiz questão de logo ceder, juntar aqui as forças para que nós realizássemos esta audiência -, eu tenho certeza de que mais ideias são colocadas e nós vamos clareando e cada um formando melhor a sua opinião.
Então, nada mais havendo a tratar, eu declaro encerrada a presente reunião.
(Iniciada às 9 horas e 16 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 15 minutos.)