22/05/2023 - 31ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 31ª Reunião da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 39, de 2023, da CDH, de minha autoria e de outros, para celebrar o Dia Nacional da Luta Antimanicomial, comemorado em todo o país no dia 18 de maio.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria 0800 0612211.
Já agradeço a presença aqui dos nossos convidados.
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Permitam-me - e os senhores poderão comentar também, se assim entenderem - que eu mostre, nesta abertura dos trabalhos da Comissão de Direitos Humanos do Senado, no Brasil, a minha indignação, a minha revolta, porque não dá para falar só em solidariedade. Eu quero aqui, à distância, dar um grande abraço no jogador brasileiro Vinicius Jr., do Real Madrid, vítima, mais uma vez, de racismo na Espanha. No jogo entre Real Madrid e Valência, grande parte do estádio, acho que 80% do estádio, segundo informações que nos chegaram, gritavam o chamando de macaco. Com a coragem, a firmeza desse jovem - que tem 22 anos, se não me engano -, ele diz que vai continuar lutando contra o racismo, seja na Espanha, seja em outro lugar a que ele vá. Não deixará de ser um lutador, eu digo até um herói, porque nem todo jogador, no mundo, assume essa bandeira, seja um negro, seja um branco. E o Vinicius hoje é considerado pela crônica esportiva como, eu diria, o melhor jogador do mundo. E ele assumiu essa bandeira não em nome dele - porque poderia muito bem viver uma vida como bem entendesse -, mas em nome de todos aqueles que sofrem atos de racismo.
Então, esta Comissão de Direitos Humanos repudia, veementemente, esse ato covarde e desumano que aconteceu ontem, em Madrid, na Espanha, por grande parte do público contra o Vinicius, esse jovem atleta brasileiro. É inaceitável que situações como essa continuem acontecendo. É necessário punir os responsáveis. Onde está a FIFA? Onde está a FIFA? Porque não é a primeira vez; essa já é a 20ª; no caso do Vinicius, eu acho que é até a 30ª. E continua acontecendo isso, principalmente na Espanha, um ato fascista, em relação ao qual o mundo tem que se pronunciar de forma contundente. Lembro que ontem, no encontro do G7, os Presidentes dos países que lá estavam, inclusive o Lula - principalmente o Lula, porque é brasileiro -, já fez uma fala mostrando toda a nossa indignação...
Infelizmente, o racismo é um problema em muitas partes do mundo, maculando de forma, eu diria, até terrorista, que é para desestabilizar o jogador. Preocupa-nos que isso esteja acontecendo no cenário esportivo e em qualquer área. Aqui no Brasil, estamos descobrindo agora, só este ano, 1.350 trabalhadores sob o regime de escravidão. Mas, enfim, é de responsabilidade das autoridades espanholas - e refiro-me aqui até à Embaixada da Espanha no Brasil -, é responsabilidade, sim, das autoridades espanholas, investigar. E não é só investigar: "Pois é, fiz um processo", mas agir o mais rápido possível. E tem que haver punição. Perder mando total de campo por um ano, dois anos, três anos, quem sabe? A FIFA também tem um papel importante de promover a igualdade e a inclusão no futebol. Essa entidade possui regulamento. Se não possui, é mais vergonhoso ainda. Que adote o regulamento e as diretrizes que visam a combater o racismo, o preconceito e a discriminação! Se tiver que endurecer a lei, que endureça. Isso não pode continuar acontecendo. Portanto, é fundamental que sejam aplicados os regulamentos, que a lei seja ampliada, de forma rigorosa. Não podemos mais admitir omissão. Omissão é concordar. Primeiro, é um ato de covardia. Segundo, você está concordando, sim, com aquele ato criminoso, com tantos atos criminosos, principalmente na Espanha.
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A conscientização e a educação são elementos para combater o racismo, no esporte e na sociedade como um todo. O mundo precisa de ações de sensibilização, programas de educação e campanhas antirracismo. A missão de todos nós, Parlamentos, Governos, sociedade, é promover campanhas contra o racismo. Temos que expressar sempre a nossa solidariedade a todos aqueles que são discriminados. É importante mostrar apoio e encorajar e exigir mudanças também no campo esportivo.
Basta de racismo! Sejamos todos antirracistas. Quem é racista não é democrata, não é libertário, não é um abolicionista no mundo. Quem é racista é covarde. Usam de um instrumento que já está amaldiçoado no mundo todo aqueles que cometem atos de racismo.
Era isso.
Tem um pequeno vídeo, se vocês permitirem - está pronto para passar -, que eu achei muito interessante quando vi ontem à noite. Quando o treinador foi entrevistado, veja a reação dele. A repórter queria falar de futebol, e o treinador dizia: "Não, eu quero falar do ato racista que aconteceu aqui". Mas vamos ao vídeo. Aí fica a interpretação de cada um.
Ela quer falar de futebol, e ele quer falar do ato.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Uma salva de palmas para o treinador do Madri, que disse... (Palmas.)
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Queriam falar de futebol, e ele queria falar do crime cometido contra o Vinicius.
Eu vou formatar a mesa, mas cada um de vocês poderá, se assim entender, comentar.
Mas, se vocês me permitirem... Ontem o esporte no mundo todo ficou de luto, porque foi um crime covarde o que aconteceu. Eu tomaria a liberdade, nesta abertura, de propor que nós nos levantássemos e fizéssemos um minuto de silêncio. Esse minuto de silêncio é porque nós estamos de luto pelo crime cometido contra o esporte, contra negros e negras, contra todos aqueles que são discriminados, contra, infelizmente, grande parte do povo brasileiro. Por isso peço um minuto de silêncio em repúdio ao ato de ontem, ato que nos coloca de luto hoje.
Peço que se marque um minuto de silêncio, de luto pelo que aconteceu na Espanha e de solidariedade ao Vinicius.
(Faz-se um minuto de silêncio.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k., muito obrigado a todos.
Vamos retomar neste momento os trabalhos da Comissão.
Farei uma fala também depois sobre o tema, mas vamos à primeira mesa.
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Convido, para a primeira mesa, o Sr. Paulo Gabriel Godinho Delgado, Professor, Cientista Político e Sociólogo brasileiro. Foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Por Minas Gerais, foi Deputado Federal durante seis mandatos e foi, também, junto comigo, Deputado Federal constituinte. Tivemos a satisfação de estarmos lá.
Até, outro dia, você me mostrava um artigo... Porque são tão poucos, não é? Acho que Senadores são dois que ainda estão aqui na atividade e, na Câmara, são seis Deputados. E quem está em plena atuação é também o Constituinte Paulo Delgado.
Quero dizer para o Paulo Delgado que é uma satisfação enorme ter você aqui. Você é o autor dessa lei, não é? Estou correto? E lembro que você na época me convenceu, e eu me convenci ligeirinho com o seu argumento, o autor da lei. Então, temos aqui o autor da lei.
Vamos convidar também, já presente, o Sr. Leonardo Penafiel Pinho, membro da Mesa Diretora do Conselho Nacional de Direitos Humanos e Diretor do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Não sei se tem mais alguém que já chegou dos convidados. Se tiver mais algum, eu chamo para a mesa. (Pausa.)
Está bom.
Chamo também o Sr. Fábio Gomes de Matos e Souza, Professor, com mestrado em Medicina - Farmacologia pela Universidade Federal do Ceará e doutorado/PhD em Psiquiatria pela Universidade de Edimburgo.
Parabéns! Seja bem-vindo.
Sejam todos bem-vindos aqui.
Paulo, como você é o autor da lei, se você me permitir, eu tinha uma introdução para fazer. Posso fazer? (Pausa.)
Pergunto se posso fazer porque ele é o autor da lei. Como autor da lei, ele... Olha, eu insisti muito, e ele disse: "Não, eu vou sim. Segura lá que eu vou".
Então, só para situar os nossos telespectadores - já que eu não me segurei e disse o que eu tinha que dizer sobre o ato cometido, criminoso, contra o jogador Vinicius, que é considerado hoje o melhor jogador do mundo -, vou falar sobre o nosso tema de hoje.
Em 18 de maio, foi celebrado o Dia Nacional de Luta Antimanicomial, que remete ao encontro dos trabalhadores da saúde mental ocorrido na cidade de Bauru, Estado de São Paulo, em 1987. Nesse evento, surgiu a proposta de reformar o sistema psiquiátrico brasileiro, a qual já estava em discussão desde os anos 70.
Esse movimento é uma resposta à violação dos direitos humanos e da dignidade dos internados em manicômios, que eram submetidos a tratamento desumanos, como isolamento, eletrochoque, lobotomia, entre outros.
Em 2001, foi sancionada a Lei 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona, assim, o modelo de atenção em saúde mental no país. Foram criados serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos, como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e as Unidades de Acolhimento (UAs).
Nesse mesmo ano, conforme o Ministério da Saúde, havia cerca de 70 mil pessoas vivendo em hospitais psiquiátricos no Brasil. De lá para cá, houve uma grande redução da população manicomial do país devido à implantação da reforma psiquiátrica e à criação de novos serviços de saúde mental comunitários.
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O Censo de Saúde Mental de 2017 mostra que o número de leitos em hospitais psiquiátricos no país é de cerca de 14 mil. Estimativas apontam que existiam cerca de 35 mil pessoas em tratamento nessas instituições.
Os desafios ainda são enormes - temos que enfrentá-los - na área da saúde mental do país. Precisamos, cada vez mais, promover a inclusão social, a dignidade e o bem-viver. Façamos a boa luta por cidadania, igualdade, justiça social e direitos humanos das pessoas com transtornos mentais.
Humanizar o tratamento psiquiátrico significa colocar o paciente no centro do cuidado e garantir que as suas necessidades sejam levadas em consideração durante todo o processo de tratamento, considerando os aspectos emocionais, sociais, culturais e psicológicos que influenciam a saúde mental, proporcionando, assim, um ambiente acolhedor, respeitando a individualidade de cada paciente.
A humanização do tratamento psiquiátrico pode incluir o incentivo à participação da família e amigos no tratamento e a promoção da autonomia do paciente. Cada paciente é um indivíduo com sua própria história de vida.
Lembro-me da Dra. Nise da Silveira, mulher que revolucionou o tratamento mental por meio da arte. Ela humanizou o tratamento psiquiátrico e era contrária às formas agressivas, como o eletrochoque. Publicamente admiradora de Carl Jung, um dos pais da psiquiatria, a Dra. Nise foi uma das primeiras mulheres a se formar em Medicina no Brasil, em meados de 1940. Ela foi pioneira na terapia ocupacional.
Palavras delas, abro aspas:
Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas ajuizadas.
É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade.
Essa é uma parte da fala da Doutora que eu citei.
De imediato, nós vamos passar a palavra para o Sr. Paulo Gabriel Godinho Delgado, que, como já disse aqui, é Professor, Cientista Político, Sociólogo brasileiro e um dos fundadores do PT. Por Minas Gerais, foi Deputado Federal por seis mandatos e foi Deputado Federal constituinte junto comigo. É o autor desta lei.
Já informo que também está convidado para a mesa o Sr. João Mendes, Coordenador de Desinstitucionalização e Direitos Humanos do Departamento de Saúde Mental.
Encontra-se? Por favor, é convidado para a mesa.
Enquanto isso, o tempo é seu, sempre Deputado Paulo Delgado.
O tempo de cada um vai ser de 15 minutos.
O SR. PAULO GABRIEL GODINHO DELGADO (Para expor.) - Senador Paim, muito bom dia.
É um prazer muito grande voltar aqui ao Congresso Nacional pelas suas mãos. Fico muito honrado. Chegamos juntos aqui em 1986, depois daquela bela eleição de 1985, em que regrediu o sistema ditatorial brasileiro e iniciou o processo de redemocratização. Você é um dos remanescentes. Permita-me que a taquigrafia transforme todo "você" em "V. Exa.", porque a nossa amizade é muito longa. E é muito interessante que os dois mais emblemáticos Parlamentares do PT na Constituinte estejam até hoje no Congresso Nacional: a Benedita da Silva e você. Não foi o Florestan Fernandes, um dos maiores intelectuais brasileiros; não foi o Plínio Arruda Sampaio, um político tradicional, forte, conhecido em São Paulo; não foi o Lula, o Presidente da República, que decidiu ir para o caminho do Executivo e hoje tem também um Constituinte de Vice. Ou seja, não há desculpa para não cumprir a Constituição brasileira. O Presidente é Constituinte e o Vice-Presidente é Constituinte.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode ser um detalhe, mas muito interessante, que nem eu tinha percebido. O Presidente é Constituinte e o Vice é Constituinte.
O SR. PAULO GABRIEL GODINHO DELGADO - E o Vice-Presidente da República, o médico Geraldo Alckmin, é o Relator da minha lei na Câmara dos Deputados. E quem sancionou a lei, quem indicou ao Presidente da República da época, Fernando Henrique Cardoso, que sancionasse a lei foi um não médico, José Serra, Ministro da Saúde, e hoje o país tem um não médico no Ministério da Saúde. São coincidências que têm tudo a ver com essa mesa e essa conferência que a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa faz e que V. Exa. destacou de maneira muito clara num discurso da Dra. Nise, que eu tive a honra de conhecer e que foi a primeira pessoa a quem eu entreguei o projeto. Lá no Rio de Janeiro, no bairro de Botafogo, na casa dela, ela leu e concordou com muita coisa, fez sugestões. E a Dra. Nise falava que o mundo está muito sufocado por lógica, talvez seja a hora de o mundo se interessar pela intuição, pela sensibilidade.
E aí eu queria dedicar estes meus 15 minutos a duas pessoas. Ao Vinicius Jr., que recebeu essa solidariedade aqui da Comissão, ativa, uma solidariedade ativa. O jogador do Real Madrid mostra que o esporte pode ser um desastre humano. O esporte não nasceu como um desastre humano. E a Espanha é um país desenvolvido, um dos países democráticos da Europa, que tem tudo a ver com a América Latina, porque a maioria dos nossos países é de origem espanhola, nossos vizinhos todos, com exceção da Guiana Francesa, que não é de origem espanhola.
E o torcedor do Real Madrid... Desculpem-me, senhores e senhoras torcedores do Real Madrid, mas os senhores não estão pensando sobre vocês, sobre os senhores e as senhoras, porque duvido que não tenham sofrimento, duvido que não sejam vítimas de algum tipo de injustiça e duvido que não sofram de alguma coisa e podem estar transferindo esse sofrimento para outros com uma doença pior que existe no mundo, porque a doença pior que existe no mundo é negar a patologia de comportamentos. Tem comportamentos patológicos, contaminadores, e eles podem vir num olhar, podem vir num gesto, podem vir num simples aperto de mão dado com desdém. Imagina uma patologia coletiva que visa produzir a incredulidade de um atleta que é um atleta querido e que dá a impressão, por ser coletivo, de que ali se pratica um racismo recreativo, um racismo impune, como o técnico falou claramente. E a repórter não entendeu, a repórter que o entrevistava não entendeu a gravidade do que ele disse. Ele falou "Não vai dar em nada", porque isso é considerado recreativo, xingar as pessoas no escuro. Os adolescentes faziam isso nas salas de cinema, não xingavam antes de entrar, e, quando se reuniam, juntos, começavam a produzir esse tipo. É uma espécie de patologia.
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Então, minha homenagem ao Vinicius Jr., minha solidariedade, e também à Espanha, que não faz isso, porque nós não podemos reduzir a Espanha àquele estádio de futebol de ontem ou de anteontem.
E a outra pessoa que eu quero rapidamente homenagear é o Franco Rotelli. Franco Rotelli morreu em Trieste agora, no mês passado, aos 80 anos. O Franco Rotelli é a minha "Dra. Nise" internacional. O Franco Rotelli era muito meu amigo. E o Franco Basaglia, que foi o criador da Lei 180, que me ajudou muito a elaborar a brasileira, passou a direção dos serviços de Trieste e daquela região de Veneza, da Itália, para o Rotelli. O Rotelli veio muitas vezes, era consultor da OMS e nos ajudou muito.
Então, a Vinicius, a Franco Rotelli e a V. Exa., Paulo Paim, o nosso Constituinte em atividade, você e Benedita, lá na Câmara... Aqui também foi Constituinte o Renan Calheiros, e a Câmara tem cinco Constituintes, esse é um levantamento que eu fiz.
Bem, eu quero cumprimentar o Leonardo também - desculpe aí -, o Dr. Fábio Gomes e o nosso Haroldo Caetano aqui.
Tem épocas em que não existe nenhuma grandeza. Tem épocas em que reduzem a nada a conduta do desejo. Tem épocas em que não adianta você querer, desejar, sonhar. São épocas frias, são épocas digitais. É essa época em que nós estamos vivendo. Os sentimentos estão todos transferidos para algoritmos, para tecnologia. As pessoas acham que mandar emoji é a mesma coisa que abraçar uma pessoa. Elas estão perdendo a noção de que, entupidas de informação, estão cada vez mais desinformadas.
Esta é a maior doença mental do mundo moderno: a tecnologia. Ela vai nos levar ao desespero, vai haver um colapso de informação. Já existiu na Finlândia um colapso no sistema financeiro, onde se bloquearam os bancos; aqui em Brasília mesmo, há um mês, um banco aqui do Distrito Federal ficou fora do ar três dias - ninguém sabe -, e eles foram obrigados a pagar fortunas para aqueles que foram sacar recursos e não havia como conferir os saldos.
E quando os aeroportos entrarem em colapso? Quando os aviões não puderem descer, tiverem que voar até morrer? Será que as pessoas estão imaginando que quem está manipulando o sistema de comunicação do mundo são as fake news? Não! São as verdadeiras news, não são as fakes, são os verdadeiros criadores, e isso é um tema forte, Presidente, para a Comissão de Direitos Humanos.
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Nós precisamos dar uma freada nessa ideia de que o conhecimento é mais importante que o desejo, que o conhecimento é mais importante que a imaginação, que a lógica supera a humanidade, que o remédio pode ser mais importante que o afeto. Água com açúcar dada com amor faz mais efeito que remédio dado com indiferença. Tem pessoas que se salvam com sopa, tem gente que se salva com beijo, tem gente que se salva com abraço. E nós estamos vivendo numa sociedade em que as pessoas não aprendem nada do pior que está ocorrendo.
Por isso, nós precisamos ficar atentos. E é isso o que eu posso falar da atualidade dessa lei, que eu tive a honra de escrever - e ela, evidentemente, não me pertence, porque eu não sou médico, não sou psiquiatra, não sou terapeuta, não sou assistente social, não sou autoridade de serviço hospitalar; eu sou candidato a paciente. E, se eu pirar, eu quero ser tratado com humanidade; eu espero que não me internem num hospital psiquiátrico e me entupam de remédio e me transformem num repolho sem vontade.
Porque hoje quem quiser ser psiquiatra tem que ser relíquia, porque, antigamente, você prendia o paciente para o psiquiatra ficar solto; hoje, você solta o paciente, o psiquiatra tem que ficar preso a ele. Se ele atende o telefone toda hora, o WhatsApp, se ele manda mensagem, se ele vai, monta grupos, grupos de tudo, por que é que ele não pode atender o paciente? Que psiquiatras são esses que estão dominando a medicina da mente? Não só psiquiatras, mas terapeutas também, autoritários. Há a ideia de que a salvação virá por outros motivos ou de que eu preciso me curar de tudo, como disse aí, na sua fala, a Dra. Nise da Silveira. Por que me curar de tudo? Às vezes o que me equilibra é o meu defeito. O meu defeito não pode é ofender os outros.
Então, tem gente... Eu, por exemplo, fiquei em dúvida: eu tiro o band-aid ou não do meu nariz? Porque eu estou sempre metendo o nariz onde não sou chamado, Paim. Então, eu fui fazer aqui uma pequena cirurgia, deu um buraco, coisa e tal, vou fazer uma cirurgia hoje à tarde - até pedi ao Presidente para não ficar o tempo todo na conferência por isso. Eu pensei: eu tiro ou não? Eu devo aparecer com o meu defeito? É a minha ferida do momento, felizmente não é tão grave.
Portanto, é preciso não deixar a doença se alojar dentro de nós. É preciso ajudar os outros para que, ao ajudar os outros, você não participe da desordem de que você reclama. Muita gente reclama da desordem do mundo: "Não tem jeito, o mundo piorou", não está isso? Está uma moda de falar mal do mundo, mas é preciso saber qual é a nossa responsabilidade na desordem do mundo, o que é que eu tenho feito ou não tenho feito para produzir esse tipo de problema.
E aí o nosso desafio são as boas escolhas, e boas escolhas dependem de boas procuras. É preciso ter informação. A sociedade de oferta excessiva não deixa, às vezes, a pessoa escolher menos. Não há necessidade de comprar tudo. Tem gente que entra num supermercado, entra num mall, num shopping center, entra em loja errada, e compra; descobre uma coisa boa numa loja errada. Essa compulsão está levando as pessoas a uma dependência do mundo bancário, do sistema tecnológico e do sistema de comunicação digital, que pode produzir alguma coisa mental, que é um novo tipo de sofrimento, ou seja, o mundo atual é mesclado, fragmentado, veloz, dissociado, camuflado.
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Se eu puder dizer alguma coisa para os senhores e para as senhoras que se interessarem pela reforma psiquiátrica brasileira, é que fiquem de olho na sua capacidade não aproveitada; não busquem segurança para as coisas, busquem oportunidade de ajudar. Quem ajuda é ajudado.
E por que o doente mental...
Por que eu me sinto, assim, honrado, Presidente Paim, de ter sido convidado por você e fiquei emocionado? Porque você ligou para mim, Paim. Tem autoridades hoje tão metidas que eu fico com vergonha de conhecê-las. Eles não falam, eles não recebem, eles dão canseira nas pessoas, como se o fato de você estar no poder... Nós estamos no poder transitoriamente; você, não, Deus quis que você fosse permanente. Eu fiquei vinte e tantos anos aqui, é uma parte importante da minha vida, mas eu não posso incorporar essa pessoa jurídica.
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Mais cinco minutos.
O SR. PAULO GABRIEL GODINHO DELGADO - Por que eu fico honrado de ter vindo aqui? Porque a luta antimanicomial não acabou. E por que a luta antimanicomial não acabou? Porque isso que ocorreu com o Vinicius acontece com os doentes mentais ou com quem sofre de doença mental todos os dias. São dois estigmas que se encontram.
No caso do futebol, um dos estigmas pode ser abolido rapidamente pelo prestígio que o futebol tem e porque, certamente, a Liga Espanhola, a Liga Europeia vai deter esse tipo de comportamento. Mas o que não muda no modelo manicomial brasileiro que ainda existe? Quer dizer, o velho não predomina, mas o novo ainda não domina. O velho não está aí, o velho Inamps e as AIHs não estão aí, mas o Caps não predomina, porque ao estigma de estar doente se soma o estigma de ser maltratado. São o estigma da pessoa e o do hospital - esse é o grande problema da reforma psiquiátrica.
É preciso tirar o estigma do tratamento para que a pessoa não tenha vergonha de dizer: "Eu estou fazendo um tratamento", e a medicina não tenha vergonha de dizer que não é capaz de curar, porque, se eu quebro a perna, eu uso uma bengala; se nós somos míopes, nós temos óculos. Os óculos são o olhar de quem é míope, a cadeira de roda é a perna de quem não anda. Por que na doença mental as pessoas não podem dizer: "Não, eu sou meio doidinho mesmo."? Mas doido pela vida; não me custa nada, só me custa a vida esse sofrimento.
Então, acho que é muito oportuno homenagear o 18 de maio, que é uma data mundial que a OMS incorporou da reforma psiquiátrica, e que a Lei 10.216 possa cada vez mais ser aperfeiçoada, e nós possamos ajudar a derrubar estes dois estigmas: o estigma de que adoecer é anormal e o estigma de que ser maltratado é normal. Adoecer é normal, o que não é normal é não ter tratamento para a doença.
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Ninguém pode ter vergonha de adoecer, porque a solidariedade ajuda, a medicina ajuda, o remédio ajuda, sim, a evolução da medicina, mas nem tudo é farmacologia. É preciso escuta, como você disse na abertura, Presidente, a escuta do sofrimento, ter tempo para os outros, deixar fluir, deixar a pessoa falar, porque quem fala de si não fala contra si, fala contra aquilo que a maltrata, que a incomoda. Por isso é que nós começamos a chamar de sofrimento mental. É uma doença, uma patologia, mas é um sofrimento, às vezes, muito maior do que a própria doença.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Esse foi o Constituinte Paulo Gabriel Godinho Delgado. Repito, ele vai ter que sair um pouco antes. É professor, cientista político, sociólogo brasileiro, foi um dos fundadores do PT e, por Minas Gerais, foi Deputado Federal durante seis mandatos. Eu estava lá junto, a partir de 1986, e nos elegemos em 1986 e assumimos, em 1987, na Assembleia Nacional Constituinte.
Muito obrigado, Deputado Constituinte Paulo Delgado. Você me deu uma impressão - e espero que aos ouvintes e aos telespectadores também - de que continua com uma oratória brilhante, com argumentos, e mostra que tem conhecimento do que fala, e não só nesse tema, mas em todas as vezes que você me deu a oportunidade de falar com você aqui no Senado e na Câmara também.
Mas você fez uma fala que eu sou obrigado a comentar: você disse que eu liguei para você, mas eu sou um pouco como você. Quando eu sei que o cara não vai me dar nem retorno, eu já não ligo. "Ah, mas você nunca ligou para mim." Sim, se não dá retorno quando deixo recado, então não ligo mais, pronto. Eu ligo para quem me dá retorno.
No meu gabinete, eu tenho um sistema: Parlamentar do meu tempo ou fora do meu tempo sempre eu vou ouvir e vou receber, seja Senador, seja Deputado, seja Prefeito, seja Governador. Aqui dá para a gente falar, não é? Então eu estou na tua linha aí. É bom quando a gente dá um telefonema e nos dão um retorno. O mínimo é isso que a gente pede, não é? Dar um retorno. Nem que diga: "Olha, eu vou te atender só o ano que vem", mas tudo bem, deu um retorno já, e dali a um ano atende a gente.
Já está conosco na mesa o Dr. Haroldo Caetano, Mestre em Direito pela UFG, Doutor em Psicologia pela UFF, Promotor de Justiça do MPGO, representante do GT Saúde Mental, do Conselho Nacional de Justiça.
Eu passo a palavra de imediato agora... Como nós temos uma lista aqui, eu vou intercalar, se vocês concordarem, um presencial e um online. Então, eu convido, neste momento, Adilson Gonçalves da Silva, representante da comissão operativa do Monula Oficial - Movimento Nacional dos Usuários da Luta Antimanicomial (Monula).
Por favor, o tempo é seu, Dr. Adilson, por 15 minutos.
O SR. ADILSON GONÇALVES DA SILVA (Para expor. Por videoconferência.) - Oi, bom dia para todos, para todas, para "todes"!
Eu sou Adilson Gonçalves da Silva, eu estou falando aqui de São Paulo, da região leste da capital. Eu não sou doutor, eu sou representação do Monula Oficial, que é o movimento nacional de pessoas, usuários e familiares da luta antimanicomial...
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você é usuário da rede, não é? E está tendo esse tratamento, é isso? Pode continuar, Adilson.
O SR. ADILSON GONÇALVES DA SILVA (Por videoconferência.) - ... usuários e familiares, da saúde mental antimanicomial.
Queria agradecer o convite aí para estar nesta Comissão tão importante do Senado Federal e ao Senador Paulo Paim, às pessoas que intermediaram o nosso convite para estar hoje nesta mesa falando do Dia da Luta Antimanicomial, às pessoas aí também, nossos antecessores, que ajudaram a construir todo este projeto de saúde mental antimanicomial brasileira e também da reforma psiquiátrica antimanicomial. Queria também aqui agradecer aos técnicos que nos permitiram o acesso pelo aplicativo Zoom. É difícil a gente conseguir entrar por essas redes sociais hoje, mas foi bom que a gente entrou sem nenhuma dificuldade.
Vou falar um pouquinho do Monula Oficial, que é um movimento nacional que surgiu em 2001, a partir da iniciativa de pessoas usuárias da saúde mental, que já era de dentro do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA). Mas, buscando mais autonomia das pessoas usuárias e familiares, se formou o movimento específico de usuários e familiares. De 2001 para cá, ele era um pouco mais parado, fazia alguns trabalhos, mas ali, com apoio de alguns técnicos apoiadores, tipo reivindicando direitos tanto dentro da luta antimanicomial quanto dentro do tratamento de saúde mental, a partir desse processo agora de pandemia de covid-19, 2020, a gente começou a reorganizar o movimento, fizemos uma carta de princípios mais elaborada e um regulamento de funcionamento interno. Estamos organizando também uma conferência livre nacional de saúde mental e pessoas usuárias e familiares para a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, e vamos fazer o lançamento desse relatório no dia 24 de maio de 2023, agora também, a partir das 18h.
Também nós fizemos um pedido de comitê para participar no Ministério da Saúde, com ancoramento dentro do Ministério da Saúde, no Departamento de Saúde Mental, para que as pessoas usuárias e familiares antimanicomiais da Rede de Atenção Psicossocial possam também estar participando da construção das políticas públicas de saúde mental antimanicomial e de outras políticas que se associam à saúde mental.
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Também eu queria aqui já pedir para esta Comissão, que é de legislação, de direitos humanos e de legislação constituinte, que o Senador pensasse junto com a gente do movimento, tanto do movimento de base quanto do movimento mais institucional, em uma forma de trabalhar uma lei para que também se transformem os modelos de curatela aqui no Brasil, transformando tudo para tomada de decisão apoiada, como a exemplo do México, que já conseguiu essa vitória. Então, fica aí já esse pedido para que a gente, através do Monula Oficial e junto com esta Comissão, num grupo de trabalho, possa trabalhar isso aí.
E, assim, eu não tenho muitas... Eu quero também agradecer pela rede que a gente tem hoje, que é uma rede ampla. Quero dizer também que no Brasil muitas coisas boas aconteceram, estão acontecendo e podem acontecer, mas que tanto o Congresso Nacional, o Senado Federal, o Governo Federal e os ministérios lutem para que cada vez mais melhore a situação da Rede de Atenção Psicossocial brasileira, pois houve o seu sucateamento, de 2016 para cá, no Brasil inteiro; se isso aconteceu nas capitais que têm uma rede ampla, imagine para dentro dos interiores dos estados onde ainda não têm uma rede ampla de saúde mental. E, mesmo em estados mais ricos, como o de São Paulo, que é onde eu estou, ainda existe município que não tem rede: não tem um Caps III, não tem um Caps II, não tem um Caps I, ainda não tem rede, funciona ainda como laboratório. Quando vai para a Região Nordeste, a situação fica pior, porque nem todas as capitais do Nordeste têm ainda Caps adulto - Caps Álcool e Drogas III -, ou uma rede básica também que dê apoio à Rede de Atenção Psicossocial, ou essa rede matriciada com a Rede de Atenção Psicossocial.
A rede hoje ainda faz muitos encaminhamentos para hospitais psiquiátricos ainda existentes, para manicômios e também para serviços implantados hoje que são considerados serviços ainda violadores de direitos humanos, como as novas instituições de tratamento de políticas de drogas no Brasil, as chamadas clínicas terapêuticas ou comunidades terapêuticas.
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Então vai ter que ter um esforço muito grande por parte do Governo Federal, por parte das Casas Legislativas e também do Poder Judiciário para que a gente mude essa situação e transforme a política de saúde mental no Brasil e políticas sobre drogas e álcool em políticas de Estado, e não em políticas de governo. Cada governo que entra tem a sua política, tem o seu plano de saúde mental, e saúde mental deve ser universal: ela deve ser equânime, deve ser igualitária para todas as pessoas que acessam os serviços do Sistema Único de Saúde, da assistência e de outras políticas necessárias - SUS e Suas, previdência e assistência social.
Eu acho que a gente precisa avançar muito ainda e recuperar as várias perdas que tivemos de 2016 para cá, com o avanço e a quebra de políticas sociais que estavam sendo construídas para que melhorasse a situação da saúde mental, principalmente das pessoas usuárias da saúde mental antimanicomial brasileira.
Eu vou parar por aqui e vou ficar esperando qualquer pergunta para a gente. E qualquer resposta que eu puder passar eu também passo aqui, na medida do meu possível.
Muito obrigado, Senador Paulo Paim, e muito obrigado a quem intermediou a nossa participação hoje nesta mesa e nesta Comissão extraordinária.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Adilson Gonçalves da Silva, representante da Comissão Operativa do Monula Oficial - Movimento Nacional dos Usuários da Luta Antimanicomial (Monula).
Ele aqui me explicava à mesa que era um usuário, que foi beneficiado por essa lei; era um caso grave. E ele acabou podendo neste momento até fazer uma palestra para nós dentro da realidade dele.
O autor da lei, que é o Constituinte Paulo Delgado, vai ter que se retirar neste momento. Então, eu peço uma salva de palmas para ele, agradecendo a bela contribuição. (Palmas.)
Eu vou pedir, se o nosso pessoal puder, para tirar uma foto - uma foto com ele saindo.
E ele disse que quer um presente.
O SR. PAULO GABRIEL GODINHO DELGADO - Eu já falei que, quando não tem honorário, tem que ter honraria. Eu quero levar esta placa aqui. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu, com orgulho, fui Constituinte com ele e vou segurá-la com ele. Se tiver que pagar, eu pago - porque é do Congresso isto aqui. (Pausa.)
Valeu, Paulinho! Quero contar contigo outras vezes aqui, viu, Paulo? (Palmas.)
Quando eu for a Minas, vou visitar o seu escritório e quero ver essa placa em cima da mesa.
O SR. PAULO GABRIEL GODINHO DELGADO (Fora do microfone.) - Mas não vou dar prejuízo, não; vou levar só o papel.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não; leva! Leva! Leva que eu assumo.
Ele vai levar. Vale, e eu assumo. É só eu pagar! (Risos.)
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Grande Paulinho, obrigado.
Agora nós vamos passar a palavra para o Dr. Leonardo Penafiel Pinho, que é da mesa diretora do Conselho Nacional dos Direitos e Diretor do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Lá do Silvio, não é?
O SR. LEONARDO PENAFIEL PINHO - Isso.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está lá com o grande Silvio, que deu um show quando esteve aqui. Arrasou! Foi aplaudido de pé aqui, no final. Mande um abraço para o Ministro.
O SR. LEONARDO PENAFIEL PINHO - Mando, sim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É daqueles para quem a gente liga e ele atende, viu?
O SR. LEONARDO PENAFIEL PINHO - Atende, não é? (Risos.)
Obrigado, Senador Paulo Paim. Obrigado, Senadores presentes também aqui para este importante...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita que eu convide já a Dra. Janaína Penalva da Silva, Professora de Direito da Universidade de Brasília, membro da Coordenação do Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação da UnB.
E já está aqui o Senador Styvenson Valentim, prestigiando a nossa reunião. Uma salva de palmas também para a doutora e para o Styvenson. Palmas duplas aqui. (Palmas.)
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN. Pela ordem.) - Obrigado, Senador Paulo Paim.
Eu não iria perder uma audiência, uma reunião como esta, que trata de um tema que realmente tem que ser discutido por aqui, para que não fique restrito só ao Judiciário. Então, vamos discutir aqui, porque a gente tem que buscar essas soluções - não é, Senador? - para todos os lados.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Perfeito, Senador. Obrigado pela presença.
Leonardo, por favor.
O SR. LEONARDO PENAFIEL PINHO (Para expor.) - Obrigado, Senador Paulo Paim. Obrigado a todos os Senadores, organizações aqui presentes também, professores aqui da UnB que trabalham com grupos de saúde mental; o Pedro aqui; o pessoal do Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura; a Perita Bárbara; os demais presentes também; o Conselho Federal de Psicologia; e todos os membros da Mesa.
Senador, eu queria pedir uma licença inicial até por causa do tema primeiro, para manifestar também a posição do Ministro Silvio Almeida, que, ontem à noite, ficou sabendo, viu a repercussão do caso Vini Jr. e da gravidade que tem. Então, vou fazer uma leitura aqui da posição.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - A Comissão agradece, viu?
Para quem chegou agora, nós fizemos toda uma abertura de solidariedade, demonstrando a nossa indignação com o que aconteceu na Espanha com o jogador Vinicius, que é um dos melhores jogadores do mundo.
Muito bom! Faça a introdução, por favor.
O SR. LEONARDO PENAFIEL PINHO - O Ministro Silvio Almeida, ontem, logo quando aconteceu o fato, expressou: "A postura das autoridades espanholas e das entidades que gerem o futebol, no caso, a La Liga, é criminosa, revela inegável conivência com o racismo. Deixo o meu abraço ao Vini Jr. e a certeza de que estarei ao seu lado na luta pela responsabilização dos que o atacam, mas também dos que se omitem".
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Por favor, palmas para o Ministro! (Palmas.)
O SR. LEONARDO PENAFIEL PINHO - Essa foi a expressão do Ministro Silvio Almeida diante desse caso tão grave, porque, Senador, não é a primeira, não é a segunda, não é a terceira vez que isso acontece com jogadores negros em diversas partes do mundo, inclusive acontecendo no campeonato brasileiro também, não é uma exclusividade dos países europeus. E, no caso do Vini Jr., é recorrente isso, e ele ser expulso de campo mostra não só uma conivência, mas também uma tentativa de silenciamento daqueles que se levantam contra o racismo. Essa posição do Ministro Silvio Almeida é para dizer claramente que o Ministério dos Direitos Humanos vai também acompanhar esse caso, um caso de um brasileiro novamente, e que é preciso responsabilizar e chamar à responsabilidade as autoridades espanholas e também a La Liga em relação a isso.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aproveitando o momento - e que você seja o nosso porta-voz -, nós já tínhamos marcado, não foi por causa do Vinicius, uma audiência aqui na Comissão sobre o racismo no esporte, mais no futebol. Então, se você puder levar o convite, nós vamos mandar, para que o Ministro dos Direitos Humanos - e vamos convidar também a da Igualdade Racial - esteja conosco aqui nesta audiência pública que já está aprovada.
O SR. LEONARDO PENAFIEL PINHO - Com certeza, é tema central na promoção de direitos humanos, e ainda mais expressado pelo nosso Ministro Silvio Almeida.
A segunda questão, para iniciar, Paulo Paim, eu queria também - o Deputado constituinte Paulo Delgado fez referência também - na minha fala, lembrar, homenagear a trajetória de Franco Rotelli, uma pessoa fundamental na construção do processo de discussão, inclusive, da reforma psiquiátrica brasileira, uma das pessoas que foi uma referência internacional para o Brasil e ajudou a expressar... Inclusive o Deputado Paulo Delgado também é autor de uma lei que criou o cooperativismo e o associativismo social, também inspirado em Trieste, em Rotelli, em Franco Basaglia, que expressa não só o cuidado, mas a possibilidade de essas pessoas produzirem PIB, trabalharem, produzirem.
Diante das barreiras de acesso a esses direitos, Paulo Delgado, em 1999, antes da lei de 2001, já falava que essas pessoas, além do cuidado em saúde, Senador Paulo, poderiam trabalhar, deveriam trabalhar, deveriam ter inclusão social produtiva. Então, isso é importante - viu, Senador? -, porque, às vezes, a gente trabalha com as pessoas na política de assistência e na de saúde tirando delas o que é mais humano, que é a sua potência produtiva, criativa. Independentemente das dificuldades das pessoas, essas pessoas podem ajudar construindo a nossa nação, podem ser produtivas, podem ajudar suas famílias. E o Deputado, em 1999, já expressava nesta Casa, aqui no Congresso Nacional, essa necessidade de que, além do cuidado em saúde, nós colocássemos essas pessoas também para poderem trabalhar, ajudar o país.
Eu queria nesta sessão aqui em homenagem ao 18 de maio, à luta antimanicomial, também expressar que no dia 18 de maio, por todo o país, Senador Paulo Paim, lá no Rio Grande do Sul, lá na região de Novo Hamburgo, São Leopoldo, Porto Alegre, Canoas, Santa Maria...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ele vai citar os 497 municípios do Rio Grande do Sul. Ele conhece, sabe do que está falando! (Risos.)
O SR. LEONARDO PENAFIEL PINHO - Esses municípios tiveram manifestações nas ruas de familiares, de pacientes, de usuários, como a gente chama, dos serviços de saúde, de profissionais, de professores, de gestores públicos que foram às ruas. Inclusive na região de Natal também estavam presentes, em Mossoró. Enfim, várias regiões do país tiveram manifestações, expressões dessas pessoas que antes eram isoladas na sociedade, eram excluídas da sociedade e hoje constroem as nossas cidades, ajudam, constroem com a sua diversidade, com a sua potência de vida, o cotidiano das nossas cidades. E, no 18 de maio, ocorreram manifestações por todo o país. Inclusive aqui no Distrito Federal foi ali na saída do metrô da Ceilândia, onde nós tivemos pacientes, usuários, trabalhadores, gestores públicos e familiares expressando e comemorando a Lei 10.216 no Brasil, essa lei tão importante que modernizou, que trouxe para o nosso sistema de saúde, mas também para acesso a outros direitos sociais, a possibilidade do que a gente chama de cuidado em liberdade.
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Esse 18 de maio tem também um sentimento muito especial, e eu vou falar "enfim", porque a lei é de 2001. O sistema de Justiça se debruça também a cumprir, a exigir o cumprimento dessas legislações, com uma resolução do Conselho Nacional de Justiça conclamando o sistema de Justiça ao cumprimento do marco legal brasileiro. Então, eu queria, na minha fala, me debruçar um pouco sobre essa importante manifestação que é o Conselho Nacional de Justiça estabelecer diretrizes, procedimentos, repito, para o cumprimento da legislação brasileira. E de qual legislação nós estamos falando? Da Lei 10.216, essa do Deputado constituinte Paulo Delgado, da Lei Brasileira de Inclusão, a Lei 13.416, de 2015, e da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. E aqui, Senador, é bom, é importante a gente destacar que ela foi internalizada no país, a convenção, porque é um compromisso mundial a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, mas ela foi internalizada no nosso sistema jurídico, como uma emenda constitucional, então, ela tem força constitucional no Brasil, que é o Decreto 6.949, de 2009.
Então, é para esse marco legal que o Conselho Nacional de Justiça, através da sua resolução, cria procedimentos e aplicabilidade. Só que é importante frisar que o Conselho Nacional de Justiça não tem atribuição de construção de leis ou de iniciativas não previstas em lei, isso é importante a gente registrar, porque nós somos daqueles contrários a um poder se sobrepor a outro - o Legislativo tem o seu papel, o Executivo tem o seu papel e o Judiciário também tem seu papel. Infelizmente, no Brasil, a gente tem assistido, nos últimos anos, a um certo atropelo entre os Poderes, e isso é ruim - não é, Senador? -, porque cria uma situação de que o Legislativo, às vezes, não pode ocupar seu papel, o Executivo, e isso vai criando tensão entre os Poderes. Essa resolução do CNJ é cuidadosa, é precisa, porque estabelece normas e procedimentos sobre a lei. Não cria uma vírgula a mais, não tenta... Porque, às vezes, a gente vê isto no sistema de Justiça: pegam uma lei, mas aproveitam e tentam passar alguma coisa a mais ali que não está normatizada no marco legal. Isso não acontece nessa resolução do Conselho Nacional de Justiça.
E é também importante a gente citar que essa resolução do Conselho Nacional de Justiça, tão bem-vinda, porque reforça essa concepção da Lei 10.216 no sentido da sua aplicabilidade no sistema de Justiça, também foi fruto de uma série de debates, de discussões que também não surgiram do nada, mas surgiram, Senador, de um caso em que o Brasil foi condenado na Corte Interamericana, que é o caso Damião Ximenes Lopes, um caso emblemático para o sistema internacional, em especial, pela condenação brasileira. Foi de uma pessoa que morreu numa clínica psiquiátrica por causa desse modelo de exclusão, de isolamento nos hospitais psiquiátricos, nos manicômios no Brasil. Esse modelo violador é que causou a morte, e o Brasil foi condenado. Então, eu não estou dizendo, aqui, para quem não conhece o caso que: "Ah, eu acho que foi, porque...". Não! Foi condenado o Brasil diante da Corte Interamericana, isso é importante a gente deixar aqui.
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E essa resolução também é fruto de uma audiência que nós realizamos - eu estive presente nesta audiência -, inclusive naquele momento a gente acusava o Estado brasileiro de estar dando passos para trás da Lei 10.216. A gente denunciou ali que... Aí, Senador, isso também é uma outra coisa em que a gente tem que tomar cuidado, às vezes, com o Poder Executivo. Tem setores que acham que portaria e decreto, que são medidas infralegais, podem mudar conteúdo legal. A gente vê isso, e aqui nem estou falando de Governo A, B ou C, mas isso, às vezes, é recorrente, uma certa tentação de usar a caneta de uma medida infralegal - que é portaria, decreto - para tentar afetar a lei. Nós vimos isso claramente...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LEONARDO PENAFIEL PINHO - Como?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LEONARDO PENAFIEL PINHO - ... entre outros temas, que nós estamos, de usar medidas infralegais para alterar a lei.
No caso da saúde mental, nós vimos isso recorrentemente, uma tentativa de enfraquecimento da rede de atenção psicossocial. E eu vou tratar disso, porque essa resolução do Conselho Nacional de Justiça nos impõe um desafio que é ampliar o financiamento, enfrentar o déficit inflacionário do custeio dos serviços, mas uma tentativa de mudar. E nós denunciamos à Corte Interamericana, nesse caso Damião Ximenes, porque o Brasil tinha mostrado a Lei 10.216, a ampliação da rede Caps, dos custeios, e nós denunciamos que estavam usando portarias e decretos, no Governo anterior, para tentar mudar a legislação brasileira. Isso não pode acontecer, isso não pode - e eu repito: em Governo A, B ou C, não importa. Medidas infralegais não podem mudar com conteúdos legais. A legislação brasileira... E essa divisão entre Poderes, entre atribuições, é fundamental. Se alguém quer mudar uma lei no Brasil, que faça o seu debate num lugar correto, que é o Legislativo, é a Casa do Legislativo; é aqui que é o locus para a mudança legal, não é nem usar resoluções, nem decretos e portarias.
Então, essa resolução do Conselho Nacional de Justiça é cuidadosa, e nesse campo do...
(Soa a campainha.)
O SR. LEONARDO PENAFIEL PINHO - ... caso Damião Ximenes, nós também fizemos essa denúncia, que é da tentativa de usar decretos e portarias, em especial pelo Dr. Quirino, na época, da Senapred, do antigo Ministério da Cidadania, que operava essas medidas infralegais para tentar mudar o conteúdo legal. Repito, o locus adequado para fazer um debate sobre mudança legal não é a caneta do Executivo usando portaria e decreto, é o debate na Casa das Leis, é o Congresso Nacional; se alguém discorda de uma lei, tem que vir fazer audiências públicas e fazer o debate.
Então, essa resolução do CNJ também vem dessa audiência com a Corte, na qual o Brasil tinha que cumprir medidas. E aí, Senador Paim, eu quero dizer que o Ministro Silvio Almeida, no início do seu mandato, tinha uma pendência no cumprimento dessa lei, que era abrir um curso para gestores, trabalhadores, usuários em saúde mental sobre desinstitucionalização. E o Ministro Silvio falou: "Mas é agora". Montou e já está na Enap esse curso, que era parte do cumprimento das decisões da Corte no caso Damião Ximenes, dizendo que não é possível o Brasil deixar pendentes questões relevantes ao cumprimento de responsabilização do Estado brasileiro na esfera internacional.
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E eu queria também aqui entrar num debate que se iniciou - para encerrar. Alguns setores, diante da necessidade do cumprimento dessa resolução do CNJ a respeito dos hospitais de custódia...
E é importante a gente dizer aqui - não é, Dr. Haroldo? - que Goiás nem teve, nem tem hospital de custódia, porque se cria, às vezes, um pânico: "Ah, vai encerrar as atividades", cumprindo a Lei 10.216. Mas o Rio de Janeiro, por exemplo, acabou agora com os hospitais de custódia. Então, só para deixar claro isso.
Sobre essa medida do CNJ algumas pessoas falaram: "Mas a rede de atenção psicossocial não tem como absorver essas pessoas". Esse, para mim, é o grande debate. Por quê? Em vez de eu não fazer com que o sistema de Justiça cumpra a lei no Brasil, eu uso o subterfúgio de que a rede não tem condições. E é nesse sentido que eu quero fazer debate nesta Casa Legislativa a respeito da necessidade... A resolução do CNJ reforça a necessidade de o Brasil cumprir a legislação brasileira, a convenção, a Lei 10.216. E, nesse sentido, nós precisamos ampliar os recursos para a rede de atenção psicossocial.
E eu queria dizer, Senador, que ouvi com muita tristeza aqui, Senadores, que, nesse debate tão importante sobre o custeio da rede, foi apresentada pelo Capitão Alberto Neto, do PL, uma convocação à Ministra Nísia sobre um protocolo de intenções com o CNJ, para discutir a ampliação, quanto que vai precisar de recurso. Está sendo feito um estudo com relação ao Ministério da Saúde. E aí, em vez de a gente reforçar essa questão da necessidade de aumento - e eu sei que, nos estados, é necessário ter Caps 24 horas, aumentar as unidades de acolhimento, os serviços residenciais terapêuticos; há uma demanda que vem muito dos movimentos que são os centros de convivência, os aspectos de ampliação das estratégias de reabilitação psicossocial -, eu vejo uma tentativa de um requerimento para vir pegar a Ministra, questionar a Ministra sobre um protocolo de intenções com o CNJ. Olha a importância dessa resolução do CNJ! Ela coloca o desafio de o Estado brasileiro ampliar a rede.
E digo mais, Senadores: você sabia, Senador Paim e também outros Senadores presentes aqui...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. LEONARDO PENAFIEL PINHO - Styvenson. Já estive em outras audiências aqui, é sempre presente o Senador.
O custeio, que é o que paga o dia a dia, tem um déficit, se a gente for ver, porque não foi aumentado, de mais de 80%. Então, se eu abrisse um Caps 10, 12, 13 anos atrás, eu tinha "x". Hoje eu tenho menos 80% de "x", porque não houve reposição inflacionária durante... Então, essa resolução do CNJ põe a necessidade de ampliar a rede e também de retomar a questão do custeio.
Eu queria encerrar, Senador, dizendo, em atenção ao 18 de maio, com todas essas manifestações, com a presença do Deputado constituinte Paulo Delgado, criador da lei, da importância...
(Soa a campainha.)
O SR. LEONARDO PENAFIEL PINHO - ... da resolução do Conselho Nacional de Justiça, porque ela coloca diretrizes - não muda em nada a legislação; mas coloca diretrizes - e metas para o cumprimento da lei no Brasil e coloca, na centralidade, a necessidade de ampliarmos o financiamento da rede de atenção psicossocial no Brasil, que é muito necessária, e infelizmente foi duramente atacada nos últimos anos.
Obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Sr. Fábio Gomes Matos de Souza, Professor com Mestrado em Medicina - Farmacologia pela Universidade Federal do Ceará e Doutorado/PhD em Psiquiatria pela Universidade de Edimburgo.
Parabéns, Doutor.
Senador Styvenson Valentim, como é de praxe.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN) - Não, só queria saber como vai funcionar a dinâmica, porque a fala dele foi importantíssima. Ele passou muito conteúdo que pode ser debatido. Aí a gente conclui todas as falas e depois pergunta?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso, desta mesa. Daí a palavra vai para os Senadores presentes, depois chamamos uma segunda mesa, pode ser?
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN) - Tá, é porque ia perder a dinâmica.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas, se o Senador quiser falar, sabe que o Senador aqui manda. Eu dizia isso, há pouco, aqui, para o Paulo Delgado.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN. Para interpelar.) - Eu ouvi atentamente a fala dele. É uma fala, realmente, esclarecedora. Quero deixar bem claro que eu não sou contra... O tratamento que a gente enxerga hoje é desumano, como o senhor mesmo falou - eu acho que teve uma grande falha na ponta, no atendimento -, quando se coloca tratamento com medidas de segurança, toda aquela mistura; coloca pessoas dependentes químicas, tudo aquilo.
Eu tenho algumas perguntas a fazer, mas só queria fazer uma, porque me chamou à curiosidade, agora, no final, quando o senhor falou que está sucateada, que está inflacionada essa rede de atendimento, tudo isso. Como consertá-la em tão pouco tempo, com a resolução liberando um número de pessoas que podem colocar em risco a sociedade? Essa é a minha preocupação.
Que a resolução, que a lei... Tudo o.k. Eu concordo também. Eu acho que a gente deveria pensar numa questão mais humana no tratamento dessas pessoas. E aqueles que cometeram um crime, que não são inimputáveis, deveriam pagar nas suas medidas, bem distante dos que não cometeram crimes.
O que não dá é o cumprimento de uma resolução que, infelizmente, se o senhor analisar, vai colocar em condições, acho, piores do que hoje. O senhor falou que o financiamento está defasado, que não acompanhou a inflação; que não tem estrutura, não tem nada; e, mesmo que tivesse, ainda ficaríamos com uma pequena situação: aquela pessoa que vai ser liberada, que vai precisar fazer o tratamento, que precisa cumprir o período, quem o conduz?
Eu recebi vários áudios de familiares - acho que o senhor deve receber também -, dizendo: "Pelo amor de Deus, não o solte, não. Não o bote na rua. Ele vai me colocar em risco". Eu tenho áudio de mãe aqui que chora. E olhe que nem é um criminoso, nem foi o que assassinou um familiar, nem foi o que cometeu pedofilia, nem é aquele que mutilou, nem é o maníaco do Gama, nem é o maníaco do parque, nem é o da luz vermelha, nem é esse tipo de gente. É só o dependente químico, mas que muitas vezes coloca em risco o familiar, porque é colocado em situações como essa, em que se coloca todos no mesmo canto.
Então, acho que a nossa discussão aqui, Senador Paulo Paim, além do tempo, que é muito curto, porque, se existe já uma discussão sobre isso, e nada foi feito... E eu falo pelo meu estado, em que é precário o atendimento tanto dentro dos manicômios, como nos centros onde se presta essa atenção, como nos presídios... É todo mundo colocado de uma forma só, tudo igual, como também é colocado se for atendido pela rede pública. Não temos condições. E, mesmo que tivéssemos, quem ia conduzir essa pessoa, Senador Paulo Paim, meu Presidente, até fazer o tratamento? O senhor sabe que falta remédio básico em alguns hospitais, falta tratamento básico em alguns hospitais.
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O meu temor, quanto à Resolução 487, é que ela venha a alterar mesmo a legislação, como o senhor mesmo falou, e a própria lei não tratou de como isso vai ser feito para esse número pequeno de pessoas que colocam em risco a sociedade, e que se alegam inimputáveis - ou se alegam loucos ou se alegam pessoas que não estavam pensando como qualquer outra pessoa dentro da nossa sociedade. São aqueles que cometem crimes hediondos, absurdos, repudiáveis, mas que infelizmente vão ser tratados como outras pessoas que não cometeram crime nenhum, mas em condições que talvez nem sejam iguais às deles.
Então, essa é a minha preocupação. Eu trago essa preocupação, por isso pedi aqui no Senado e pedi no STF que se suspendesse a resolução até a gente ter essa solução. Mas o senhor diz assim: "Mas não suspenda". E, então, a gente fica do outro lado da sociedade. E coloca como, na condição que tem hoje? Não está difícil essa discussão, Senador Paulo Paim? Se a gente for liberar 5,8 mil pessoas que estão com medidas de segurança... Acho que é esse número.
Não é nem uma pergunta, é só mesmo uma fala, porque no final a gente vai ter essa discussão, a gente conversa melhor.
Eu não sou contra acabar com esse sistema desumano que o senhor falou. Tem que acabar mesmo. Agora, tem que se criar algo adequado para que se humanize o tratamento.
E os criminosos que paguem pelas penas dentro das suas medidas de segurança e doenças, se é que são doentes.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, bela contribuição do Senador Styvenson Valentim.
Como havíamos combinado, agora falará, então, o Dr. Haroldo Caetano, Mestre em Direito pela UFG, Doutor em Psicologia pela UFF, Promotor de Justiça do MPGO e representante do GT Saúde Mental do Conselho Nacional de Justiça.
Fala ele e depois fala uma pessoa de forma virtual.
O SR. HAROLDO CAETANO (Para expor.) - Bom dia, Senador Paulo Paim. Bom dia a todos e todas.
É um prazer muito grande estar com os senhores e com as senhoras nesta audiência pública essencial e urgente. E a gente precisa, de fato, talvez aproveitar esse momento para colocar, de uma forma mais evidente e mais clara, aquilo que vem sendo decidido e agora implementado no âmbito do sistema de Justiça. Não apenas o 18 de maio é celebrado, mas fundamentalmente a conquista que o movimento da luta antimanicomial teve com a Resolução 487 do Conselho Nacional de Justiça deve ser celebrada também.
Nesse aspecto, como a discussão já está bem alinhada aqui, no sentido de se tratar dessa temática, como inclusive questionado pelo Senador Styvenson, eu pedi para falar agora justamente para a gente poder trazer, para este momento - aproveitando a fala do Leo Pinho e de toda a contextualização histórica e política também trazida pelo Prof. Paulo Delgado -, o manicômio judiciário, o que é essa estrutura, Senador Styvenson, cuja desativação o Conselho Nacional de Justiça determinou agora.
Essas estruturas funcionam no Brasil, por lei, desde 1940, desde o Código Penal de 1940 - por lei; já existiam um pouco antes. Entretanto, são incompatíveis com os princípios democráticos da Constituição de 1988 e expressamente foram revogadas, ou pelo menos essas disposições que orientam o funcionamento de manicômios foram revogadas, se não expressamente, pelo menos implicitamente, pela Lei nº 10.216.
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Agora, como disse o Leo Pinho, a resolução vem para fazer valer, no âmbito do sistema de Justiça, uma lei que já tem 22 anos de vigência. E mais até: essa lei foi discutida no Congresso Nacional por 12 anos. Ela tramitou 12 anos no Congresso Nacional, teve tempo suficiente de debates ali, e entrou em vigência só em 2001. E agora, passados mais 22 anos, estamos aqui querendo fazer valer essa lei nesse ambiente dos manicômios judiciários e, ainda assim, existe uma certa resistência.
Então, o que é o manicômio judiciário?
Eu peço licença para fazer uma apresentação na tela.
Eu sou do Ministério Público de Goiás e tenho visitado o Brasil inteiro para fazer discussões correlatas ao manicômio judiciário e, nessas visitas, conheci muitos manicômios pelo Brasil todo. Por quê? Porque lá em Goiás, a partir de uma experiência nossa, iniciada dentro do Ministério Público de Goiás, nós conseguimos acabar com a figura do manicômio judiciário.
Senador Styvenson, pode ficar tranquilo, assim como todas as pessoas, toda a população brasileira pode ficar absolutamente tranquila com relação à implementação da Resolução 487, porque, por exemplo, no Estado de Goiás, ela já está em vigência, digamos assim, de forma retroativa, porque, desde o ano 2006 - já são 17 anos -, o Estado de Goiás não faz internações manicomiais, não tem manicômio judiciário em Goiás. E nós temos lá uma política instituída no sistema de saúde, que se ocupa também de serviços no Sistema Único de Assistência Social, que faz com que as pessoas que outrora seriam levadas para esses lugares sejam acolhidas na rede de atenção psicossocial.
E eu trago essas imagens para mostrar o seguinte...
Do lado esquerdo da tela, os senhores e as senhoras estão vendo imagens do documentário de Helvécio Ratton - quem trabalha com saúde mental conhece. Em Nome da Razão é o documentário dele, de 1979. São essas três imagens do lado esquerdo.
Do lado direito da tela, as senhoras e os senhores vão ver imagens de agora, de hoje, pode-se dizer. São fotos que tirei, pouco antes da pandemia, em manicômios judiciários pelo Brasil, para mostrar que, passados 40 anos do documentário de Helvécio Ratton, os manicômios judiciários brasileiros ainda estão aí para denunciar que aquele quadro não se alterou.
Nós voltaremos a essas imagens daqui a pouco. Isso é para o Brasil todo.
Esse é o manicômio judiciário do Maranhão.
Aliás, é até uma oportunidade esta audiência pública, Senador Paulo Paim, para trazer esse público que não tem voz e que é invisível e que a população brasileira simplesmente desconhece e ignora. São pessoas que estão dentro dessas unidades, que são casas de horrores.
Isso foi inclusive tratado, embora não tenha sido um manicômio judiciário, no Holocausto Brasileiro, por Daniela Arbex, no que diz respeito ao Hospital Colônia de Barbacena; e em A Casa dos Mortos, por Débora Diniz, no que diz respeito ao manicômio judiciário - aí sim - de Salvador.
Esse do Maranhão seria um hospital. Na porta está escrito que isso aí é um hospital - hospital de custódia. Esse é o manicômio - vou ter que passar rapidamente por conta do meu tempo, que é muito curto - judiciário do Maranhão...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, não; vai tranquilo. A Mesa vai ser tolerante sempre que necessário.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. HAROLDO CAETANO - Sim.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. HAROLDO CAETANO - O manicômio do Rio Grande do Norte eu não conheci. Estive lá tratando do assunto, mas...
E, aliás, estarei, Senador Styvenson, a propósito da pergunta sobre a intervenção, amanhã, dia 23, no Rio Grande do Norte, de forma virtual. Nós conversaremos com o GT que foi criado no Rio Grande do Norte para implementar a resolução lá no seu estado. E o senhor sinta-se convidado para participar dessa reunião amanhã para discutir, exatamente, a implementação no Rio Grande do Norte, com toda tranquilidade e segurança que o caso precisa ter, de forma que não haja atropelos e de forma que a resolução seja implementada com o máximo de harmonia com todas as pessoas e instituições envolvidas na matéria.
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Isso aqui é o manicômio judiciário em Pernambuco, e eu conheci muitos. Do lado esquerdo, os senhores estão vendo a privada do manicômio judiciário, do lado direito também. Lá na porta está escrito como sendo uma unidade hospitalar, é um hospital. Isso é o hospital de Pernambuco, assim são tratados os pacientes nesse hospital. Eu convido esses pacientes - na verdade, eu os chamo de prisioneiros, porque não são pacientes, não estão em regime de internação, eles estão presos, sim -, eu os convido aqui, pelo menos na imagem, a estarem nesta audiência pública no Senado Federal, dada a importância do momento.
Aí eu estou fazendo a visita e, mais uma vez, demonstrando o que é esse manicômio judiciário em Pernambuco.
Vou passar um pouco mais rapidamente para chegar a outros estados, para que os senhores conheçam um pouco dessa realidade no plano nacional.
Os senhores vão observar que as mulheres estão nas mesmas condições. Todas as pessoas com as quais me deparei nessas unidades - todas elas - deveriam estar em liberdade, todas deveriam estar em liberdade. E há condições de colocá-las, todas elas, em liberdade, e é para isso que a resolução chegou, para que isso não seja, mais uma vez, adiado.
O Luciano, esse rapaz de Pernambuco, eu vou voltar a ele daqui a pouco para falar um pouquinho da sua história, esse rapaz que passa essa imagem de medo para quem vê essa imagem. Essa foto eu tirei com ele - nessa cena ele está no fundo da cela, na grade, que seria uma espécie de janela da cela, desse dito hospital. Mas eu vou voltar ao Luciano daqui a pouquinho.
Aqui é só a fachada do manicômio de Aracaju - não pude fazer fotos lá dentro.
Aqui, no Paraná.
Até algumas dessas fotos foram utilizadas recentemente pela imprensa, pela Folha de S.Paulo, em algumas matérias sobre o assunto.
Esse é o manicômio judiciário do Paraná. Deparei-me com essa senhora quando estive lá. Essas fotos são de 2018, talvez essa realidade tenha se alterado, mas essa senhora estava já há muitos anos com ordem de soltura, com ordem do juiz mandando soltá-la, e ela continuava aprisionada naquela unidade. Essa é a unidade que se diz hospital de custódia em Curitiba.
Vamos adiante, para acelerar um pouquinho o processo.
Em São Paulo, não tenho fotos internas de Franco da Rocha, embora tenha estado lá. Tem a história da D. Nicinha ou Cidinha - não me lembro exatamente do nome dela -, mas o tempo não vai me permitir contar uma história dramática que vivenciei ali dentro.
E, no Pará, talvez vocês vão conhecer as cenas mais chocantes dos manicômios judiciários. E, desde já, faço um registro de que por conta até...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Mais chocantes que essas que já vimos?
O SR. HAROLDO CAETANO - Muito mais chocantes. Então, tirem as crianças da sala. De fato, nós estamos lidando aqui com aquilo de mais violento que nós temos no funcionamento do Estado brasileiro. É a tortura institucionalizada e invisível, aliás, torturas são invisíveis, de uma forma geral.
Eu coloquei essa foto no começo para mostrar que a única intervenção que houve lá foi a pintura das paredes. Houve uma ocasião em que uma Ministra dos Direitos Humanos disse que meninos vestiam azul e meninas vestiam rosa. O manicômio foi pintado por dentro: azul na ala masculina, rosa na ala feminina. E essa é a intervenção dessa unidade, que agora já é objeto de um processo de desinstitucionalização muito forte, inclusive com a participação direta do Juiz de Execução Penal.
Faço questão de registrar o trabalho dele, o Dr. Deomar Barroso, que conseguiu reduzir em dois anos, Senador Styvenson e Senador Paim... Em dois anos, o Juiz de Execução Penal de Belém conseguiu reduzir de quase 300 internos nessa unidade para, hoje, aproximadamente 50. E não houve nenhuma epidemia de mortes, como eu já ouvi alguém dizendo por aí, em crítica à resolução; pelo contrário, nós conseguimos produzir saúde - e saúde com qualidade - para essas pessoas.
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Isso aqui é o manicômio judiciário de Belém do Pará, no momento da visita que fiz. Isso é o que se chama hospital.
Aqui do lado direito da tela, os senhores vão ver na parede, parecendo chapisco, essas manchas. Isso são fezes humanas.
Quando eu estive no local, a unidade estava sem qualquer tipo de serviço médico, serviço de saúde genericamente. Não havia um profissional de saúde na unidade e, inclusive, as pessoas que lá estavam aprisionadas, na ocasião, nem sequer tinham acesso à medicação básica para ali estarem, de forma que a expressão que os pacientes e aprisionados ali dentro tinham para gritar para o mundo - embora o mundo não os ouvisse - era a exposição dos seus corpos e, aqui, no caso, das suas fezes nas paredes do manicômio, assim como os seus gritos.
Ali no centro, um homem nu, inclusive já mencionado no começo, quando eu quis fazer a comparação com o que acontecia no Brasil na década de 70. As pessoas absolutamente abandonadas, relegadas ao sofrimento contínuo dentro de um espaço aonde mal chegava comida. Pessoas que ali estavam não tinham acesso sequer ao pátio. Gente que estava ali há semanas ou meses até sem ter acesso a um contato com a luz solar, só dentro das celas.
Isso aqui é um manicômio judiciário. Essas pessoas, Senador Styvenson, foram absolvidas nos processos que responderam na Justiça criminal. Todas elas foram absolvidas, foram inocentadas pelos respectivos juízes em função da inimputabilidade. Elas não têm capacidade de compreensão da ilicitude do fato e, em razão dessa ausência de culpabilidade, são absolvidas no processo penal, mas essa absolvição do processo penal, desde 1940, no Brasil, tem significado para muita gente prisão perpétua. Nós sabemos de muitas histórias trágicas e dramáticas de gente que passou por essa situação.
Mas tem mais: aqui as mulheres do manicômio de Belém do Pará. Imagino que o Dr. Deomar, lá de Belém, já tenha conseguido a liberdade para muitas delas.
Aqui, essa senhora... Quando me deparei com essa imagem... Essas fotos todas fui eu quem tirei. Essa senhora - eu fui conversar com ela - não conseguia se comunicar. Ela estava havia muito tempo numa situação de sofrimento brutal; a cela dela estava em dejetos, malcheirosa, era quase impossível se aproximar em função do mau cheiro; e completamente nua. Eu tirei essa foto para trazer para os senhores aqui também, porque tem coisas que, se a gente não materializar em imagem, as pessoas não acreditam que tenham acontecido ou que aconteçam no Brasil hoje, e é isso que acontece no Brasil hoje.
E é para acabar com essa situação que vem a Resolução 487 do Conselho Nacional de Justiça.
Aí é em Belém do Pará. Essas senhoras, todas elas, eu lhes pedia para sorrir, porque eu brincava, dizendo: "Faça um sorriso, faça uma pose para eu colocar a foto no Instagram". Elas não sabiam o que era Instagram, mas, enfim, faziam o sorriso assim mesmo e tiravam essas fotos para esconder, com o seu sorriso, o sofrimento por que passavam e por que passam nesses lugares. Eram mulheres que, todas elas, deveriam estar em liberdade - todas! -, todas deveriam estar em liberdade, e estavam lá nessas condições absolutamente brutais.
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Essa senhora traz uma história muito mais difícil até, porque, além do aprisionamento ilegal...
(Soa a campainha.)
O SR. HAROLDO CAETANO - ... ela tinha, ela passava, naquela ocasião - hoje, ela já não está mais aprisionada no manicômio, segundo informação que eu tive -, ela estava há meses ali sem ter contato com qualquer tipo de serviço de saúde e ela tem câncer. Então, não estava tendo sequer acompanhamento oncológico, porque o serviço oncológico seria fora do manicômio, e isso não era oferecido para ela. Espero que ela esteja melhor, embora eu não tenha informações.
Na Bahia, eu estive agora, há duas semanas, num evento maravilhoso promovido por um coletivo de mulheres chamado Elas Existem - Mulheres Encarceradas. Nessa ocasião, eu conheci aquilo que Debora Diniz relatou no documentário como sendo "a casa dos mortos". Sim, é isso mesmo que Debora Diniz descreveu.
Aqui, nessa unidade, nós fizemos um encontro dentro dessa unidade.
Aqui é a unidade feminina. Aqui é o pátio da unidade feminina, onde as mulheres, eventualmente, têm acesso ao banho de sol.
Nessa ocasião - faço questão de trazer para os senhores aqui, já caminhando para, quem sabe, um olhar diferente para o manicômio -, nós fizemos um evento. A Elas Existem promoveu esse evento único, inédito, dentro do manicômio judiciário, um seminário internacional, e as internas, todas elas, participaram conosco dentro do auditório. Estamos ali, juntos e misturados, fazendo um seminário internacional com a participação ativa delas também, com seu choro, com seu riso, com seus discursos, com seus dramas pessoais e com suas esperanças também. Nessa ocasião, nós pudemos, ali, ter e dar espaço e voz e um pouco de visibilidade para essas senhoras do Manicômio Judiciário de Salvador.
E aqui, para encerrar - eu sei que meu tempo já está no finalzinho -, lembro o que a Lei Antimanicomial, a lei escrita aqui pelo Prof. Paulo Delgado, que acabou de falar, no seu art. 1º, diz: "Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião [...] [etc., e lá no final,] recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno [...]".
Isso está na lei. Então, o CNJ não está inovando nada. A lei é para ser aplicada em todas as situações em que se faz necessária a atenção em saúde mental.
E o art. 2º traz os direitos, elenca alguns direitos dessas pessoas que precisam de atenção em saúde mental. Eu não vou me ater a eles ali, mas eu vou colocar o inciso II, vamos fixar ali: é direito da pessoa com transtorno mental "ser tratada com humanidade e respeito [aquilo que nós vimos e vemos nos hospitais de custódia respeita ou trata com humanidade alguém?] e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde [...]". Isso significa que a atenção em saúde mental não tem a perspectiva da segurança. Não obstante, nós, a partir do momento em que ofertamos um trabalho com dignidade, acabamos, por via indireta, produzindo também mais segurança. Isso aconteceu e acontece em Goiás.
E a lei que proíbe o manicômio judiciário é textual ali, no seu §3º do art. 4º: "É vedada a internação [...] em instituições com características asilares [...]".
Então, Senador Paulo Paim, o Conselho Nacional de Justiça não está trazendo nada de novo, como já foi dito aqui pelo Léo Pinho. E nós precisamos, sim, fazer valer, com muito atraso, o que a determinação legal trouxe lá em 2001.
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Eu queria voltar ao Luciano, de quem eu falei para os senhores e as senhoras. O Luciano dessa foto da esquerda é o mesmo Luciano da foto da direita. Quando eu estive em Pernambuco e conheci o Luciano dentro do manicômio, eu me deparei com aquela cena assustadora e eu fiz a leitura - na ocasião até de um seminário que fizemos por lá - de que esse olhar dele é um olhar de medo. Esse olhar que traz o estereótipo do louco perigoso, na verdade, é o olhar de quem está com medo de quem está do lado de fora, porque só monstros poderiam produzir com ele aquilo que se faz e que se fez dentro dos manicômios judiciários brasileiros; em particular, só monstros poderiam fazer com o Luciano o que fizemos com o Luciano.
Ele praticava pequenos delitos, incomodava turistas na Praia de Boa Viagem e foi parar no manicômio judiciário e ficou anos lá. Depois desse evento, depois da denúncia que fizemos, inclusive publicamente, do caso, do lado direito está o Luciano sem o manicômio judiciário. Parece outra pessoa, não parece? É o mesmo Luciano, a quem convido a estar conosco aqui para mostrar que, retirado o manicômio, resolve-se o problema; retirado o manicômio, nós garantimos dignidade e muito mais cuidado para essas pessoas e, com o cuidado, nós fazemos prevenção, prevenção em todos os níveis. Então, é a Rede de Atenção Psicossocial que hoje cuida de Luciano lá em Pernambuco; não o aprisionamento manicomial.
Da resolução já foi falado aqui. Deixem-me saltar aqui para a gente fechar. Eu sei que meu tempo, até com excesso... Ainda tenho dois minutinhos ali, não é? Está ótimo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Três.
O SR. HAROLDO CAETANO - A resolução não manda fechar hoje, não; a resolução dá prazos.
Primeiro, em seis meses, nós não vamos ter mais internações manicomiais determinadas por juízes do Brasil inteiro. Isso está proibido na resolução para seis meses da vigência da resolução. E, depois, teremos um ano, nesse período, dentro de um ano, para produzir projetos terapêuticos singulares.
Parece muita gente. Hoje, nós temos aproximadamente 2 mil pessoas em instituições manicomiais no Brasil, aproximadamente 2 mil pessoas.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa é a realidade?
O SR. HAROLDO CAETANO - Essa é a realidade hoje de pessoas em medida de segurança. Em uma leitura um pouco mais ampliada, esse número é um pouco maior porque existem pessoas presas que estão sendo acompanhadas em unidades assim. Mas são situações que vão ser analisadas, todas elas, individualmente. E o Brasil é um país de dimensões continentais. Quando você fala 2 mil pessoas, parece muito, mas nós temos 5,5 mil municípios no Brasil.
É claro que esse número se concentra muitas vezes em certas localidades. Há uma resistência maior - a gente sabe disso - no Estado de São Paulo, onde existe uma cultura manicomial muito arraigada, assim como em outras localidades, mas, ao mesmo tempo, existe uma vontade muito bem encaminhada, muito bem demonstrada e expressada por todos os cantos do Brasil em, de fato, por fim àquela realidade brutal dos manicômios judiciários.
Então, nós teremos um ano para fazer planos terapêuticos individuais. Então, individualmente, para o sujeito que está dentro de uma masmorra, como o manicômio judiciário, um ano é muito tempo, viu, gente!
Então, nós teremos um ano para cada um desses casos, para conhecer aquele indivíduo, conhecer a sua realidade social, descobrir como nós vamos fazer um projeto de reinclusão dele e buscar, dentro da rede de atenção psicossocial, que é essa que está aí na tela, quais são os serviços que vão ser disponibilizados para que ele seja atendido lá fora, em liberdade, porque é assim que deve ser a atenção em saúde mental.
É assim que acontece em Goiás desde 2006, de quando vêm essas imagens aí. Em 2006, veio aquela manchete: "Louco infrator terá atendimento pelo SUS". Então, nós já temos 17 anos de uma experiência antimanicomial plena no Estado de Goiás. Claro, com dificuldades, com as mesmas dificuldades das redes de atenção psicossocial de qualquer lugar do Brasil, que vêm sendo sistematicamente sucateadas, principalmente nos últimos seis, sete anos. E nós precisamos reverter esse quadro para que a rede seja fortalecida, receba investimentos e possa agora, com mais força ainda, dar atenção às pessoas que vão ser beneficiadas com a resolução. E, insisto, neste aspecto, a rede de atenção psicossocial é importante demais, mas a liberdade é mais importante do que ela.
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Goiás, quando colocou essa política em prática em 2006, tinha apenas quatro CAPS, quatro para o Estado todo! Então, com aquela rede ruim, quase que inexistente, foi possível construir uma política de sucesso, que foi o Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator, que está disponível para quem quiser conhecer, tem documentos na internet, foi objeto da minha tese de Doutorado em Psicologia na Universidade Federal Fluminense. Fica aí o meu pequeno merchandising pessoal para quem tiver interesse em conhecer um pouco melhor. E é isso.
Aliás, um outro aspecto - e eu faço questão de aproveitar o momento aqui, porque é uma coincidência muito feliz na minha vida.
(Soa a campainha.)
O SR. HAROLDO CAETANO - Nós temos que comemorar e celebrar demais o dia 18 de maio pela luta antimanicomial. Eu me sinto presenteado a cada 18 de maio pelos movimentos que a luta antimanicomial faz por todo o Brasil, porque também é o dia do meu aniversário, 18 de maio. (Risos.)
A SRA. JANAÍNA LIMA PENALVA DA SILVA (Fora do microfone.) - O meu é o dia 19.
O SR. HAROLDO CAETANO - O seu é 19? Pois então...
Então, no dia 18 de maio, a gente tem motivos para muita comemoração, eu em particular, também, pela experiência de existir, de estar aqui com todas as senhoras e com todos os senhores.
É isso, eu fico à disposição para eventuais perguntas também e já peço perdão pelo atraso na fala, pela demora.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Dr. Haroldo Caetano, Mestre em Direito pela UFG, Doutor em Psicologia pela UFF, Promotor de Justiça, representante do GT Saúde Mental do Conselho Nacional de Justiça.
Olha, todos aqui foram muito bem na fala, mas as fotos... Alguém disse que uma imagem vale mais que mil discursos. Essas imagens, eu nunca tinha visto. E olha que eu sou um homem de direitos humanos, dediquei a minha vida, mas atuo em tantas áreas, mas nunca tinha visto uma imagem como essa. E gostei do título do seu livro, Loucos por Liberdade. Isso mostra o quanto temos que fazer num país como o nosso.
Sabe que vieram cinco países da Comunidade Europeia conversar comigo na Comissão de Direitos Humanos. Por incrível que pareça, quando eu disse - e não cheguei a entrar nesta situação - que tinha 30 milhões de pessoas que passam fome, 126 milhões que vivem na insegurança alimentar, que população negra e negro são 56% e estão lá no pé da pirâmide, e não cheguei a entrar nem nos presídios... Porque isso aí é um presídio - um presídio dos piores que existem deve ser igual a esse, não é?
O SR. HAROLDO CAETANO (Fora do microfone.) - São os piores.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - São os piores. De tudo que nós estamos vendo aqui, fico com aquela pergunta, se não me engano, do Renato Russo: que país é esse? - que chegou a ser a quinta economia do mundo e com o retrato que V. Exa. mostra agora e nós todos estamos vendo. Por isso, podemos dizer que fizemos muito, mas temos muito o que fazer. Esses dados são, de fato, assustadores.
Vamos continuar o debate, vamos lá para o finalmente. Pediu muito para falar, neste momento, ele fez questão de que eu o colocasse agora, o Juiz Luís Geraldo Sant'Ana Lanfredi, representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Por favor, Dr. Luís Geraldo, com a palavra.
O SR. LUÍS GERALDO SANT'ANA LANFREDI (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, Exmo. Senador Paulo Paim, Exmos. Senadores e Senadoras que nos acompanham nesta reunião, em homenagem, celebrando o Dia da Luta Antimanicomial, dia 18 de maio!
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Gostaria também de ter tido a oportunidade aqui de cumprimentar especialmente o Prof. Paulo Delgado, mas, nas pessoas dele e de V. Exa., também gostaria de enaltecer a participação importante de todos os especialistas e convidados que nos acompanham, presentes aí no Senado Federal e também que nos acompanham remotamente, e a todos que também nos assistem.
Importantíssima essa iniciativa, Senador Paulo Paim, pelo que cumprimento V. Exa., de colocar em debate, em discussão um assunto sempre momentoso, porque ele desvenda uma série de situações que precisam ser endereçadas adequadamente a bem da legalidade, mas, sobretudo, da humanização, do tratamento, da atenção daquelas pessoas que precisam de cuidados especiais. Eu não falo aqui apenas em relação a essas pessoas com sofrimento mental, mas também a todas aquelas que hoje - as mais de 700 mil pessoas - se encontram hoje privadas de liberdade e que desafiam o Estado brasileiro, as autoridades públicas a um tratamento conveniente àquilo que está delimitado pela Constituição Federal, pelas leis ordinárias e também pelos tratados internacionais ratificados pelo nosso país - todos com a chancela do nosso Parlamento, nosso Parlamento que impõe pautas e deveres obrigacionais a todas as autoridades públicas e não é só ao Judiciário, é também ao Executivo. E isso delimita, portanto, e convenciona aquilo que a sociedade civil nos traz como grandes reivindicações de grandes pautas pela humanização, que é, ao fim e ao cabo, aquilo que nós tentamos nos enxergar enquanto Estado brasileiro, querido Senador Paim, porque, na maneira como nós endereçamos esses assuntos de sistema prisional sobre o tratamento das medidas de segurança, nós estamos, na verdade, espelhando aquilo que nós respeitamos enquanto pauta de direitos humanos, enquanto segurança que nós queremos para a nossa sociedade.
A importância desse tema transcende na medida em que, quando nós juntamos crime e loucura, nós estamos tratando de assuntos absolutamente explosivos. E aqui, mais do que nunca, nós temos que ter todo cuidado para que os pronunciamentos, muitas vezes alarmistas e que não são parametrizados com as informações adequadas, possam causar desassossego, sobressalto à nossa sociedade. O que menos se indica neste momento é, portanto, que situações emergenciais não sejam tratadas com argumentos ad terrorem, porque aqui, efetivamente, sobretudo neste caso da questão da política antimanicomial, já vai mais tempo de mora que exige do Estado brasileiro um posicionamento adequado, e é disso que estamos a tratar neste exato instante.
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Nós temos subjacente uma condenação da Corte Interamericana de Direitos Humanos - tendo o Brasil aderido à sua jurisdição no ano de 1999 -, e essa situação, esse tema é emblemático, Senador Paim, porque ele decorre, é um desdobramento da primeira condenação que o Brasil sofreu na Corte Interamericana, que é o caso Ximenes Lopes, acontecido no Estado do Ceará, justamente por um paciente em conflito mental. E, de uma série de determinações, de obrigações que a Corte impôs ao país - pasme V. Exa., pasmem os Senadores e as Senadoras que nos acompanham e todo o público que assiste a esta reunião -, no ano de 2005 e 2006, ainda o Brasil não cumpriu essa determinação da Corte Interamericana. Isso é um motivo de vergonha internacional; é um motivo que, portanto, nos impõe, enquanto autoridades, ações e atitudes concretas para vencermos essa inércia.
E aqui mais um dado: nós estamos diante de uma situação conceituada pela ADPF 347, que define o chamado estado de coisas inconstitucional do sistema prisional como esse grande elemento a nortear as autoridades do Judiciário, do Executivo, do Legislativo e a própria sociedade civil. É o convite que o Supremo Tribunal Federal faz a que todos nós possamos ressignificar os assuntos do sistema prisional. Aqui, efetivamente, de sistema prisional não é o caso, porque as medidas de segurança são medidas curativas, são medidas de tratamento de saúde. E, se há um local em que elas não devem estar acomodadas ou sendo lidadas, é justamente o sistema prisional.
O Conselho Nacional de Justiça, desde o ano de 2018, executa uma política chamada Fazendo Justiça, em colaboração com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e também com o apoio do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Por meio dessa política estão sendo oferecidas à nação respostas efetivas aos desafios do desarranjo estrutural por acúmulo de omissão das autoridades pública em relação ao sistema prisional.
Quando se determinou, no âmbito do cumprimento dessa determinação da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, a composição de um grupo de trabalho, foi porque se acreditava que, com a reunião de especialistas, das pessoas mais autorizadas para tratarem desse assunto relacionado às medidas de segurança e à política manicomial, um grupo de trabalho fosse realmente o lugar adequado para uma discussão que fosse ampla, que fosse sensata, que fosse coerente e que trouxesse o tema à sua realidade. É por isso que esse grupo de especialistas - e, portanto, não é uma determinação qualquer ou autoritária do Conselho Nacional de Justiça, Senador Paim, a que resultou na Resolução CNJ 487, de 2023 - não é uma situação inesperada. Estamos há mais de dois anos no conselho discutindo esse assunto, trabalhando pautas, em reuniões sucessivas com profissionais da saúde, com profissionais da psicologia, com todo o sistema de Justiça, buscando, portanto, o melhor equacionamento de problemas, que, nós sabemos, são estruturais, são situações que exigem, portanto, das autoridades públicas o seu devido encaminhamento e que exigem, portanto, que essas situações coloquem o Estado brasileiro numa situação de resposta ativa a essas situações e a esses descalabros que hoje nós vemos, sobretudo, na questão das medidas de segurança.
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Medidas de segurança não são penas. A pena existe para censurar aquele que entende o crime que pratica, o desvalor de uma conduta antissocial. Em relação àquele que está submetido à medida de segurança, mas que praticou um desvio social, existe a previsibilidade de uma medida de acompanhamento sanitário, da adoção de protocolos de saúde em relação a essa pessoa, e que essa pessoa seja efetivamente assumida não pelo sistema prisional, Senador Paim, mas que seja assumida pela saúde, e a saúde no seu sentido mais integral, não em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, mas em redes de atenção e proteção à saúde dessas pessoas.
Evidentemente, a internação não está sendo cancelada pela resolução e nem poderia sê-lo. A resolução é só um regulamento da lei. A resolução tão questionada nos últimos tempos, a Resolução 487, traz uma pauta de conduta para juízes e todo o sistema de Justiça, buscando que a adequação do tratamento de saúde que essas pessoas merecem possa ser executada da melhor forma.
E o Conselho não para por aí, Senador Paim, porque, desde então, vem estabelecendo contatos e ligações com o Ministério da Saúde, com o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, buscando o reforço dos protocolos de atuação perante esse público. Estamos na iminência, felizmente, nos próximos dias, da assinatura deste protocolo entre a Presidente do Conselho Nacional de Justiça e Presidente do Supremo Tribunal Federal, a Ministra Rosa Weber, e também a Ministra Nísia e o Ministro Flávio Dino, buscando justamente que essas questões que antes não encontravam espaço, que antes não encontravam o tempo e a necessidade de serem discutidas possam agora receber dotação de recursos, estrutura, que sejam repensados os paradigmas de atuação para que essa situação possa ser efetivamente tratada não no sistema prisional, esse sistema prisional que tem tantos desafios a serem superados, mas sim pelo sistema de saúde. São pacientes judiciários que vão continuar acompanhados pelo Judiciário, mas em nenhum momento o Judiciário tirou daqueles profissionais que são os técnicos e que são aqueles que vão dizer quem e como deverão ser tratados a discricionariedade dessa condição.
Portanto, aqui é importante que se diga e que se esclareça que esse GT que resultou na Resolução 487 trouxe efetivamente novos paradigmas para repensarmos a situação a partir do balizamento que o Parlamento brasileiro trouxe com a Lei 10.261, de 2001. E já se vão, Senador Paim, 22 anos dessa legislação não cumprida. Isso tem que nos escandalizar, isso tem que nos envergonhar, porque é chegada a hora de realizamos com respostas concretas os desafios da lei do Parlamento que aprovou, portanto, a política antimanicomial.
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Essa política antimanicomial, na verdade, traduz a grande batalha que foi enfrentada pelo Estado italiano com Rotelli e Basaglia, já citados pelos meus oradores anteriores - e ali havia as mesmas questões etiológicas, os mesmos parâmetros que ainda reivindicam um tratamento, pasmem V. Exas., que descendem ao século XVII. Nós estamos trabalhando, ainda, sob uma raiz ou sob uma matriz de encaminhamento desse problema que é do medievo, ou seja, vamos agora, efetivamente, endereçar esses assuntos à luz da modernidade, mas, sobretudo, a partir das evidências científicas e daquilo que interessa para que este tratamento, com base em dados, em evidências, possa ser realizado customizadamente, de acordo com as especificidades locais, sem atropelos.
A resolução determina que se formem grupos de trabalho, temos prazo, temos, portanto, percurso a ser recorrido.
(Soa a campainha.)
O SR. LUÍS GERALDO SANT'ANA LANFREDI (Por videoconferência.) - Isso não é resposta que deve, portanto, proporcionar sobressalto ou alarme à sociedade, muito pelo contrário. Aqui efetivamente do que essas pessoas precisam é de cuidado, cuidado integral, cuidado que venha pelo profissional médico e por aquelas outras tantas especialidades que se fazem importantes no acompanhamento desta pessoa. Este cuidado que deve, sobretudo, resgatar o vínculo dessas pessoas com suas próprias famílias, as próprias famílias, os próprios familiares que muitas vezes mal compreendem as descompensações químicas que essas pessoas atravessam. Não são pessoas para serem canceladas da nossa sociedade, são pessoas também que merecem inclusão. Todavia, de acordo com o tratamento que se exige para cada uma delas. É por isso que essas pessoas, todas elas, estarão submetidas a um plano de tratamento individual, ou seja, não há aqui a construção de uma política genérica, generalista e que coloque essas pessoas, na verdade, em situação de desconforto, porque cada caso será tratado de uma maneira individualizada, segundo um programa de atendimento.
E é por isso que o importante desta reunião é estarmos trazendo este assunto à luz, para que as situações de desconformidade ou as contrainformações ou a desinformação possam ser vencidas, a bem justamente dos argumentos e das evidências, não só estas que já foram demonstradas pelo querido Promotor Haroldo Caetano, com uma larga vivência do problema, mas que são rotineiramente, mensalmente documentadas, denunciadas por juízes, por defensores públicos e por tantos outros promotores que visitam manicômios, lugares onde estão submetidas essas pessoas.
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Portanto, Senador Paim, presentes, Senadores e Senadoras, nossos especialistas, convidados e todos que nos assistem, é motivo de se festejar esta oportunidade, esta ocasião para celebrarmos mais que um dia ou uma data simbólica, mas, sim, para aqui todos nos unirmos em torno de algo que não pode ter dissenso, nem acredito que haja. Observando as manifestações anteriores, eu vejo que as preocupações são comuns: a busca do fortalecimento da rede, uma melhor estruturação dos pontos a serem vencidos diante da precarização, muitas vezes, do atendimento de saúde que não chega a toda a população, mas é aqui, sobretudo, que eu vejo que o Poder Judiciário não está buscando um protagonismo que se isola no campo dos demais Poderes constituídos. Muito pelo contrário, o Poder Judiciário aqui convida, o Poder Judiciário aqui insta a todos que estejamos na mesma página e buscando esta mesma equação.
Sobre prazos, é importante que eles existam, e que existam numa perspectiva de urgência, porque essa situação já é calamitosa o bastante para ser tolerada mais um dia sequer entre os 22 anos que já se vão de mora sem nada ter sido feito neste tema. Então, é importante que nós tenhamos, sim, horizonte, que nós tenhamos, sim, prazos, e esses prazos sendo cumpridos dentro da perspectiva de que ninguém vai ser colocado na rua, quem não pode. Nenhum juiz neste país vai, diante da resolução, abrir as portas de manicômios judiciários para colocarmos essas pessoas em situação de periclitação à vida e à saúde delas ante a própria sociedade. Essas pessoas serão, sim, endereçadas ao sistema de saúde, e aqui é o ponto em que, esse sistema de saúde refeito, revigorado, repaginado na perspectiva das necessidades específicas dessa pessoa, poderá então oferecer o devido tratamento a elas.
Quando a Corte Interamericana determinou...
(Soa a campainha.)
O SR. LUIS GERALDO SANT'ANA LANFREDI (Por videoconferência.) - ... que profissionais do Estado brasileiro possam ser treinados e, mais do que isso, capacitados para observarem, entenderem e empregarem as soluções de saúde da melhor forma, é porque esse comando não é um comando só para os profissionais da saúde, aqueles da rede pública, mas sobretudo da rede privada, sobretudo aqueles que lidam com a questão dentro do sistema de Justiça. É esse o sentido que inspirou a atuação do Conselho Nacional de Justiça que, volto a dizer, aqui não teve nenhum objetivo e nenhuma pretensão de realizar palanque tampouco protagonismo, senão de convidar a todos para que essas respostas efetivas, e vamos buscá-las, todas elas, todos juntos, venham à tona, venham à luz a bem de uma sociedade que seja, sob todos os aspectos, justa, fraterna e solidária, tratando a segurança de todos...
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(Soa a campainha.)
O SR. LUÍS GERALDO SANT'ANA LANFREDI (Por videoconferência.) - ... na sua dimensão mais integral, mas de uma forma adequada com que todos se sintam prestigiados por este Estado brasileiro.
Muito obrigado, Senador Paim. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Sr. Juiz Geraldo Sant'Ana Lanfredi, representante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A frase sua ficou muito forte. E, daí, a gente buscando nas imagens que já passaram aqui, essas pessoas querem saúde e não prisão, porque elas estão no sistema prisional e não no sistema de saúde.
Olha, esta Comissão aqui trabalha também com orçamento. Eu estou tão chocado - chocado e triste ao mesmo tempo - que nós vamos nos comprometer aqui de também botar no orçamento verbas para essa questão. É gravíssimo. A gente fala de sistema prisional, fala da comunidade negra, fala de indígena, fala de cigano, fala de tudo um pouco aqui nesta Comissão.
O SR. HAROLDO CAETANO (Fora do microfone.) - Senador, com o cuidado de colocar dinheiro na rede de atenção psicossocial, não no manicômio.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, isso é bom que você oriente, porque nós aqui temos a maior boa intenção, agora, para chegar lá... Que entre na Comissão de Direitos Humanos também, pelo menos eu vou me virar para isso. Se eu tiver alguma emenda, eu vou ter um cuidado especial. O que você mostrou aqui, com fotos - e o Juiz confirmou tudo que o senhor falou -, é de deixar qualquer um indignado, é uma sessão de tortura aquilo ali. É tortura, nos dias atuais, dentro dos ditos "hospitais", como V. Exa. lembrou muito bem.
Vamos em frente. Passo a palavra agora para o Prof. Fábio Gomes de Matos e Souza, com mestrado em Medicina, Farmacologia pela Universidade Federal do Ceará, doutorado e PhD em Psiquiatria pela Universidade de Edimburgo.
O tempo é seu, mestre.
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS E SOUZA (Para expor.) - Bom dia a todos. Bom dia, Senador Paim, obrigado pelo convite, colegas de mesa, senhoras e senhores.
Em primeiro lugar, eu vou também me colocar não só como representante dessas que o professor acabou de dizer, mas eu sou Professor titular de Psiquiatria da minha querida Universidade Federal do Ceará e Presidente da Associação de Psiquiatria do Estado do Ceará, e, em nome dessas duas instituições, também eu estou falando.
Vamos começar pela semântica. As pessoas são depressivas, são loucas ou têm depressão e têm psicose? Vamos pensar sobre isso um pouco. Nós usualmente nos dirigimos como: "Ah, ele é esquizofrênico". Será que a complexidade da pessoa humana pode ser reduzida à doença que ela tem? Nós acreditamos que não. E aí eu acho que o Senado, Prof. Paim, Senador Styvenson, também é importante...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Senadora Damares, que veio prestigiar a Comissão.
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS E SOUZA - Senadora Damares, muito obrigado pela presença.
É extremamente importante o Senado, quando for colocar nas suas terminologias, não dizer que a pessoa é esquizofrênica, ou é depressiva, ou é isso, ou é aquilo. Vamos dizer que ela tem depressão, ela tem hipertensão, ela tem diabetes, ela tem algumas doenças, mas elas não podem ser reduzidas à doença que elas têm.
Vamos começar agora por um grande problema que o senhor acabou de falar: nós temos que colocar verba. Eu acho que está na hora de sair do verbo e entrar na verba. Então, uma das questões fundamentais - e eu já mostro o eslaide da Organização Mundial da Saúde demonstrando que 28%, se você pegar todos os transtornos de todas as especialidades médicas e colocar isso num total de 100%, 28% da incapacitação é por transtorno mental, 28%! Bem, e quantos por cento normalmente são dados quer pelo Governo Federal, quer pelo estado, quer pelo município? Dois por cento para a saúde mental, 2%! Varia, um pouco mais, um pouco menos, dependendo do estado, dependendo do município, mas é em torno disso, 2%. A gente já fez esse levantamento. Como é que eu tenho 28% de incapacitação e tenho 2% de verba? Obviamente isso não harmoniza, isso nunca vai casar, uma coisa com a outra.
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Então, se existe, é um mau financiamento da saúde mental, porque a saúde mental não é prioritária no nosso país. Infelizmente, não é? Essa rede já foi constituída pela lei em 2001. E tem bem claramente, é interessante a lei, que foi tão bem discutida aqui e "n" outros motivos, caracteriza o serviço universitário no §2º do art. 4º. Ele diz o seguinte, só um minutinho aqui... O que é que caracteriza a internação? Então, diz uma coisa que é interessante: "O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros". Isso caracteriza um hospital. Então, qualquer falha nessa estruturação é porque não é hospital, é manicômio.
Nós somos a favor do hospital, nós somos contra o manicômio. Não existe possibilidade de a gente dizer que é... A própria lei diz, olha que coisa interessante, o art. 2º, parágrafo único, inciso I, diz assim: "[...] ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades". Então, em determinados momentos, eu vou dar alguns exemplos aqui, é necessária a internação, não porque a gente vai depositar esse paciente ad aeternum lá no hospital, porque aí não vira hospital, vira manicômio; o hospital tem o objetivo de retornar as pessoas para casa.
Eu trabalho no Hospital Universitário Walter Cantídio, que tem uma unidade de saúde mental. E, nessa unidade de saúde mental, a gente já internou várias pessoas, e todas elas foram devolvidas para a sociedade no menor espaço de tempo possível. Agora, onde é que estão as unidades - no meu estado; eu não posso falar dos outros - do Hospital Geral de Fortaleza, do César Cals, dos Frotinhas, dos Frotões, dos hospitais regionais do estado? Não existem. Então, o que caracteriza é uma má assistência para essas pessoas que precisam de internação, que acabam tendo um leito no chão, porque é o único hospital lá, que é o Hospital de Saúde Mental de Messejana. As pessoas ficam esperando que alguém saia para poder se internar. O que é uma coisa absurda, não é? Como é que a gente pode fazer isso?
Poderia ter leitos em hospitais gerais? Claro que poderia. Poderia ter leitos no Caps? Claro que poderia, mas quantos Caps tem em Fortaleza? É uma cidade de 3 milhões de habitantes, tem seis Caps. Então, é um Caps para 500 mil pessoas. Então, você vai lá marcar uma consulta no Caps, sabe quando é que vai marcar? Daqui a quatro meses, cinco meses, seis meses, se você for aquinhoado com isso, porque, senão, é a não assistência mesmo. Então, não dá para que você possa imaginar isso: "Ah, tem algumas pessoas que precisam ficar no manicômio". Não, elas precisam duma residência terapêutica. Uma residência terapêutica com dez pessoas, supervisionada, tudo direitinho. Sabe quantas residências tem em Fortaleza? Três. Tem 30 pessoas nas residências médicas. Tem pelo menos uma lista de 60 pessoas para ir para lá. E cadê o Estado para obrigar essas pessoas? Cadê a Justiça para obrigar isso? Ou a virarem hospital? Quem é o responsável por aquelas coisas tão tristes que foram demonstradas naquelas fotografias? Por que não tem processos contra essas pessoas, que fizeram tão ruim, e estão tratando tão mal? Onde é que está aquilo que os americanos chamam de accountability? Onde está a accountability disso? Então, eu descumpro a lei, e está tudo muito bem, está tudo muito bom? Não! Essas pessoas têm que ser punidas por isso. Então, é importantíssimo que a gente veja que a saúde mental é mais complexa; talvez seja a coisa mais complexa que tem, porque envolve "n" vieses, "n" fatores, "n" prismas biológicos.
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Eu fico triste também, com uma lei tão bonita como o Prof. Paulo Delgado fez aqui, ao dizerem que um dos tratamentos é transformar as pessoas em repolho. Eu não transformo ninguém em repolho; eu transformo em cidadão. Eu quero que essa pessoa seja cidadã, dona dos seus direitos, dona dos seus deveres, que volte à sociedade.
Agora, onde é que está - a gente discutiu isso várias vezes aqui - a política de integração? A gente acha que o trabalho é extremamente importante como política de reintegração social.
Tem leis, especificamente, para pessoas com defeito físico serem integradas na sociedade. Cadê as leis para as pessoas com transtorno mental grave? Que proteja autismo, pessoas com esquizofrenia, pessoas com transtorno bipolar grave... Onde estão essas leis? Por que não tem diminuição de impostos, incentivos para empresas que façam isso?
Então, se a gente quer realmente mudar essa nossa estrutura, a gente tem que, primeiro, ter verba. Não dá para fazer isso com 2% de verba. Palavras do Leonardo, que estava sentado aqui nesta cadeira antes de mim: está defasado em 80%. Como é que você vai querer assistência de qualidade, se não tem equipe de saúde mental? Se não tem local? Então, pelo amor de Deus, não dá.
Agora, vamos dar alguns exemplos aqui para vocês entenderem.
Não sei como é que eu passo aqui. É para cá? (Pausa.)
Pronto.
Então vamos lá. Podemos ir do começo aqui? Pode ser? Aí eu passo para vocês...
Volta um pouco?
Pronto.
Próximo.
Hipertensão onde deve ser tratada? No ambulatório ou no hospital? Todos nós vamos dizer que é no ambulatório.
Próximo, por favor.
E o infarto agudo do miocárdio onde deve ser tratado? No ambulatório ou no hospital? Obviamente, a gente vai dizer que é no hospital.
Próximo, por favor.
Fratura no braço onde deve ser tratada? No ambulatório ou no hospital? A maioria de nós vai dizer que é no ambulatório.
Próximo.
Politraumatismo craniano onde deve ser tratado? No ambulatório ou no hospital? A maioria de nós vai dizer que é no hospital.
Próximo - eu peguei casos clínicos gerais aqui.
Crise de pânico deve ser tratada onde? No ambulatório ou no hospital? Claro que no ambulatório.
Próximo.
Fibromialgia onde deve ser tratada? No ambulatório ou no hospital? A gente também vai dizer que é no ambulatório - pelo menos a maioria de nós.
Próximo.
Anorexia nervosa - 1,5m, 22kg, dando IMC abaixo de 10 - onde deve ser tratada? No hospital.
Próximo.
Paciente com delirium tremens, alcoolista com delirium tremens, onde deve ser tratado? No ambulatório ou no hospital? No hospital, que é como a gente faz lá no HUWC.
Próximo.
Pronto. Esse aí já foi.
Paciente com tentativa de suicídio, em coma, onde deve ser tratado? No ambulatório ou no hospital? A maioria de nós vai dizer que no hospital. Então, para o que serve o hospital, afinal de contas? Serve para internações breves, para casos agudos. E ponto. Se o hospital, pela própria lei que define o hospital, não tiver esse intuito de ter uma equipe médica, uma equipe de psicologia, uma equipe de assistentes sociais, de fisioterapeutas, de enfermeiros, ele não é um hospital - a própria lei está dizendo isso. Ele é outra coisa, ele tem outro nome. Ele não é um hospital. O hospital tem essas características, pela própria Lei 10.216, de 2001. Então, não vamos confundir hospital com instituição que não tem essas características que a lei acaba de descrever. É manicômio, é asilo, é o diabo.
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Agora, qual é o grande risco de a gente lutar contra os leitos psiquiátricos? Vamos lá.
Esse é um trabalho interessante publicado em uma das maiores revistas americanas, chamada JAMA, que é o aumento das taxas de suicídios com o declínio dos leitos psiquiátricos. Aí tem um gráfico - próximo, por favor - que mostra perfeitamente isso.
Próximo.
Esse é o gráfico. Do lado esquerdo, você vê a diminuição dos leitos; à direita, você vê o aumento do suicídio. É isso que a gente quer? Que as pessoas com tentativa de suicídio, com uma crise depressiva grave, vão tentar suicídio e não vão ter o internamento adequado para tirar elas da crise? Não para ficar com ela; para tirar da crise.
Próximo, por favor.
Este é um dos trabalhos bem interessantes: a quantificação da revolução psiquiátrica e o impacto quase experimental da questão do impacto da lei de suicídio. Se vocês forem olhar lá embaixo, as conclusões dizem que a Lei Basaglia foi associada com um significante aumento no número de suicídios com evidência - não sou eu que estou dizendo, não; é um trabalho científico.
Tem que ter cuidado com as coisas. Quando vai mexer com saúde mental, tem que ter cuidado, não pode ser assim atabalhoadamente, não pode ser assaltadamente. Tem que ter cuidado com isso.
Próximo, por favor.
E aí demonstra claramente a questão do aumento do suicídio com a lei. Eu não tenho tempo suficiente para me dedicar a isso, porque tem outros dados. Eu ainda vou chegar na solução do CNJ.
Próximo.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS E SOUZA - Ainda tenho? Ótimo, beleza.
Eu sou cientista, eu sou da academia. Eu tenho que fazer políticas públicas baseadas em evidência. Eu não posso fazer políticas públicas baseadas em ideologia; eu tenho que fazer baseado em ciência. Em ideologia não dá, aí a gente vai fazer besteira.
Então, vamos lá.
Esse é um trabalho bem interessante no Psychological Medicine, que diz o seguinte: é o número de psychiatric beds e a população de prisão em 17 países da América Latina desde 1991 até 2017 - taxas, tendências e uma relação inversa entre os dois indicadores.
Vamos ver o quadro?
E aí se diz uma coisa - olhem, prestem atenção -: o Brasil é o terceiro. Eu não tenho o pointer aqui, mas tem Argentina, Bolívia e o Brasil. O Brasil diminuiu a quantidade de leitos psiquiátricos em 83%. Não tem nenhum outro país que diminuiu isso. A média foi 35% nesse período - a média na América Latina toda. No Brasil, foi 83%. E aí você vai ver o número de prisioneiros: aumentou nessa mesma proporção. Não sou eu que estou dizendo, não; é a ciência que está dizendo. Eu só estou lendo aqui.
Então, a gente tem que ter cuidado para a gente não fazer transinstitucionalização. As pessoas saem de uma instituição fechada - que deveria ser aberta, que deveria ter outras características - que é o manicômio e vão para outra com uma característica pior ainda, que é uma prisão, onde muitas vezes não têm assistência nenhuma lá, não têm nenhum tipo de assistência médica.
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(Soa a campainha.)
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS E SOUZA - Então, é importante a gente ver que a gente tem que ter cuidado quando a gente vai mexer em coisas tão complicadas quanto saúde mental.
Vamos para o próximo, por favor.
Qual é o país do mundo civilizado que não tem internação forense? Eu vou responder para vocês: zero! Não existe nenhum país que fez isso, nenhum, nada, coisa nenhuma, absolutamente nada! É muito citada a Itália, a Itália, a Itália. Vamos ver a Itália. Vamos lá à Itália - é o próximo gráfico.
Veja se é o próximo.
Vejam a Itália aí. Tem a Bélgica, a Alemanha, a Letônia e a Itália. Sabem quantos leitos a Itália tem de internação forense, judiciária? São 1.015; 1.015 pessoas estão lá na Itália, na Itália de Franco Basaglia, de Rotelli... São 1.015! Olha a população da Itália: 60 milhões. Nós temos 2 mil para uma população de 220 milhões. Nós temos menos leitos hoje de internação forense do que a Itália proporcionalmente. Não sou eu que estou dizendo; a ciência é que diz.
Então, se nós vamos fazer uma coisa totalmente inovadora, que não existe no mundo, a primeira coisa que a gente tem que fazer é um projeto-piloto. Vamos ver se dá certo, vamos aumentar esse projeto, vamos ver como a coisa funciona, para que as coisas possam vir a dar certo.
O SR. HAROLDO CAETANO - O projeto-piloto existe, Dr. Fábio: Goiás tem 17 anos de experiência sem manicômio judiciário - com perdão da interrupção.
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS E SOUZA - O.k., nada.
Vamos para a relação do CNJ agora.
Aí eu acho que inverti... Eu acho que é a tela anterior, mas a gente vai para a próxima.
Essa aí todo mundo conhece. Segundo depoimento do juiz, médicos foram ouvidos. A Associação Brasileira de Psiquiatria não foi ouvida. Isso foi dito pelo próprio Presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria. Então, se é uma coisa que mexe com saúde mental, por que não ouvir médicos que cuidam disso? Ouvir psicólogos, assistentes sociais, ouvir enfermeiros... Claro! Claro! Claro! E por que não também médicos? Por quê? Por que será? Qual o motivo? Todos nós concordamos: não tem que ter manicômio, não existe essa possibilidade na nossa cabeça. Nós nunca defendemos isso como instituição, quer a Apec, quer a ABP.
Vamos para o próximo?
Aí tem aquele gráfico. Vou terminar com isso.
Todo mundo aqui, pessoalmente ou na sua família, já viu uma pessoa grávida ou foi grávida de alguém. Nessa gravidez, o que acontece? A gente tem nove meses para preparar o berço, preparar as roupinhas, preparar o quarto, preparar tudo direitinho. A gente tem nove meses para um bebê. Nós estamos falando de 2 mil pessoas num sistema de saúde totalmente falido - em Fortaleza pelo menos. Três residências terapêuticas, seis Caps, um para 500 mil pessoas. Como é que isso vai funcionar?
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Então, a primeira coisa: vamos financiar o sistema de saúde de rede. Concordo plenamente com o Dr. Haroldo: tem que financiar a rede - totalmente. Tem que aumentar a quantidade de Caps.
Outra coisa que me irrita profundamente sabe o que é, Senador? Nós concordamos que os meus pacientes psiquiátricos têm que estar junto com os da cardiologia, com os da gastro, com os da endócrino, todos no hospital geral - e é assim que a gente faz. Mas por que o Caps é longe? Eu atendo pessoas - vocês não sabem da geografia do Ceará - de Crateús e Tauá, que são 300km ou 400km longe de Fortaleza, porque o Caps é longe do posto, por isso serve de instrumento de estigmatização: "Lá vai o doidinho para o Caps, lá vai o maluquinho para o Caps". Então, eles preferem vir para a Fortaleza do que ir para o Caps da sua própria cidade, porque o Caps não é junto com o posto. Junta todo mundo! Qual é o problema? Na internação não é assim? Por que não no ambulatório?
Então, o que eu vejo... E eu vejo com muita alegria, Dr. Haroldo, quando o senhor colocou, naquele gráfico, hospital também. E eu acho que tem que ter mesmo. Eu acho que tem que ter hospital nas características médicas, com equipe interdisciplinar, como a gente faz lá no Hospital Universitário Walter Cantídio. E eu convido a todos para conhecer o nosso serviço lá, que é um serviço que absolutamente funciona nestes moldes de como deve ser um hospital: não um asilo de gente, não um depósito de gente.
Vamos para o próximo?
Para terminar, esse é o gráfico que eu estava dizendo para vocês. De todas as doenças que causam incapacidade no mundo, 28% são transtornos mentais. Desses 28%, 10% são depressão.
Próximo.
(Soa a campainha.)
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS E SOUZA - Está aí também a quantidade de transtornos mentais na população. Se você pegar ansiedade, transtorno de humor, transtorno do impulso, abuso de substância, é uma quantidade bastante grande, dando um total de 32% da população.
Nós temos que atender a essas pessoas - nós temos que atender com dignidade, nós temos que atender com respeito humano, com empatia, com acolhimento daquele sofrimento -, mas nós temos que ter uma rede para fazer isso. Não dá para não ter.
Próximo.
Então, Senador, quem acha, nesta sala, que saúde mental é importante... Hoje é destinado em torno de 2% da dotação orçamentária da saúde. Está na hora de sair do verbo e entrar na verba.
Próximo.
Eu queria agradecer. Muito obrigado a todos. Muito obrigado, Senador. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Fábio Gomes de Matos e Souza.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN) - Sr. Presidente, só para eu...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só um minutinho, só para eu poder cumprimentá-lo.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN) - Só para eu não perder a linha de raciocínio.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, eu vou te passar em seguida.
Ele é Professor com mestrado em Medicina - Farmacologia pela Universidade Federal do Ceará e com doutorado e PhD em Psiquiatria pela Universidade de Edimburgo.
Senador Styvenson, está com o senhor.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN. Para interpelar.) - Obrigado, Senador Paulo Paim.
Eu vi que o Dr. Haroldo, com mestrado em Psicologia, fez uma ponderação no momento da fala, falando sobre modelos.
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Eu estou achando a discussão boa porque eu acho que todo mundo quer a mesma coisa aqui: a gente quer achar uma solução, e talvez a solução - eu falei agora com um amigo que saiu, que estava presente à mesa - não seja dessa forma, pressionando e dando um prazo para esse aumento de investimento de 2% a algo maior, que talvez a gente vá alcançar.
Vamos supor que a gente alcance, Dr. Haroldo, vamos supor que a gente alcance a meta de construir tudo o que está idealizado para melhor atendimento às populações. O.k. Se não alcançar, gera-se um problema.
O senhor citou o nome do rapaz - de quem eu esqueci o nome agora - de Pernambuco, que atrapalhava os turistas...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN) - Samuel?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN) - O Luciano.
Ele atrapalhava os turistas, e alguém o colocou naquele local. Eu não sei qual foi o trâmite, quem foi que carregou, se foi o policial que o levou para a instituição ou o juiz mandou colocar, tudo isso.
O.k., solta-se o Luciano, ele vai para algum lugar, mas ele estava na rua, como tem inúmeros moradores de rua que têm problemas psicológicos, pelo menos eu vejo em todo lugar, andando, catando lixo, comendo lixo, comendo piúba de cigarro, tudo isso.
Eu não vejo atendimento no Caps. Eu não vejo levar ninguém, eu não vejo ninguém pegar na mão dele - o Estado, o município, ninguém - e levá-lo para um tratamento; mas ele tem problemas e, se ele faz coisas que o ser humano teoricamente normal, como nós, não faz - não toma banho, não se alimenta, não come, não faz isso, perdeu a dignidade, tudo isso -, talvez esteja em situação pior do que ali dentro, tão ruim quanto.
Eu não vejo, Senador Paulo Paim, ninguém ter essa discussão, porque essas pessoas como o Luciano, que estava em Pernambuco, chateando, talvez sejam inofensivas para a sociedade - e são inofensivas.
Agora, a minha preocupação é quando o senhor trata, assim, daqueles que são inimputáveis, daqueles que cometeram crimes graves, dos pedófilos. Pedófilo não tem cara de criminoso, não tem cara de louco. Estuprador não tem cara de louco, não tem cara, nem aparência, como o senhor botou, nem assusta ninguém, mas, se ele for colocado de novo em circulação na sociedade por essas medidas... Eu garanto para o senhor que o senhor não quereria uma escola com pedófilo. Eu garanto aqui que ninguém quereria. É preconceito meu? Porque a taxa de reincidência deles talvez seja grande. É até incurável.
Aí eu pergunto ao doutor... Depois, porque não tem mais gente presente que contestou essa resolução, como o Conselho Federal de Medicina.
Agora, uma pergunta específica para o senhor é: os hospitais públicos... A discussão aqui parece que é sobre tudo que é público, pelo SUS, a internação. E os hospitais particulares? Existem para atender esses hospitais psiquiátricos? Porque no meu estado tem, e eu já cansei de levar gente com condições financeiras para esse tipo de hospital; e não são bons, não. Só o que há é reclamação. Só para passar pelo ambulatório é R$200, R$300 e, para ficar internado... E não aceita SUS, talvez nem plano de saúde. É muito dinheiro. Esses hospitais poderiam atender se não fosse alcançada a meta de trazer essa solução? Quantos hospitais particulares hoje a gente teria para atender a quantidade dessas pessoas? E quem conduziria essas pessoas?
Talvez a gente já tenha ouvido algum familiar, aqui, de uma pessoa que esteja nessa condição. Quem levou essas pessoas para lá? Foi com autorização do familiar também? Ele vai para onde? Vai para casa do familiar? Ele vai ficar na residência? Ele vai ficar no espaço...
Acho que são essas coisas que a gente tem que discutir, Senador Paulo Paim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Com certeza.
Eles responderão num segundo momento.
Eu passo a palavra agora para a Dra. Janaína Penalva da Silva. Ela é Mestre e Doutora pela UnB, Professora de Direito da Universidade de Brasília, membro da Coordenação do Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação da UnB.
A SRA. JANAÍNA LIMA PENALVA DA SILVA (Para expor.) - Obrigada, Senador.
Bom dia a todas as mulheres, a todos os homens aqui presentes.
Agradeço o convite, em nome da Universidade de Brasília. Cumprimento também os meus colegas aqui.
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Foi uma honra ter visto o nosso Constituinte Paulo Delgado, esse grande líder. É uma pena que eu não pude falar com ele, mas estar aqui agora, vê-lo e comemorar o dia 18 de maio nos lembra que o dia 18 de maio é o Dia da Luta Antimanicomial, ou seja, é um dia que comemora um movimento social dos mais sólidos no Brasil, existente há mais de 50 anos, que debateu na sociedade, com a participação dos trabalhadores de saúde, que são as pessoas que conquistaram, fizeram e insistem no valor do Sistema Único de Saúde. Então, estamos comemorando um movimento social, estamos comemorando algo que a sociedade civil, a partir de anos de discussão e debate, construiu. É preciso que isto fique claro: nós estamos aqui comemorando uma conquista social. Essa conquista social está expressa...
E aí, infelizmente, vou ter que discordar do colega Fábio: nós não estamos mais discutindo - Senador, eu encaminho também um pouco essa questão para o senhor, num diálogo com o senhor -, nós não estamos mais discutindo o modelo de cuidado em saúde mental. Esse modelo de cuidado foi alterado pela Constituição Federal de 1988 quando garante liberdade, cuidado, igualdade, não discriminação em razão de saúde, inclusive. Então, esse modelo foi alterado não só pela Constituição de 1988, mas ele foi detalhado pela Lei 10.216, no ano de 2001. Então, o modelo de cuidado centrado no hospital acabou. Até que estas Casas, até que o nosso Congresso Nacional refaça ou revogue a Lei 10.216, o tratamento de saúde mental é ambulatorial. A luta contra o modelo hospitalocêntrico não foi pouca.
As fotos que o Dr. Haroldo traz aqui não são fotos que representam apenas os hospitais de custódia e tratamento. Essas fotos são as fotos para as quais o poder constituído, o Poder Legislativo, movimentado pela sociedade civil e pelo movimento social, disse: "não, nós não queremos essas fotos, nós não queremos essas pessoas; nós queremos um cuidado ambulatorial".
Então, Dr. Fábio, essa é uma decisão tomada também por esta Casa. E essa decisão tomada em 2001 se estabeleceu e se construiu a partir de uma política de saúde mental centrada nos centros de atenção psicossocial, centros que não são hospitais e que não significam a ausência de um tratamento em casos de urgência, não significam a ausência de tratamento no caso de crise, não significam, inclusive, a ausência de internação, mas é um outro sistema, um sistema que se baseia nos direitos fundamentais, que estão estabelecidos na Constituição de 1988. Então, nós não estamos falando de empatia, não estamos falando de humanização; estamos falando de direitos, direitos humanos e direitos fundamentais. E é exatamente por causa disso que... Eu acho, Senador, que existe aqui, e a gente deve recuperar, e, inclusive, tenho a honra aqui de recuperar ao seu lado, a ideia do que é um poder constituinte. Parece que nós estamos aqui discutindo um problema entre Poderes constituídos, entre o que o CNJ pode fazer, o que o Poder Judiciário pode fazer, o que o Executivo pode fazer, mas, na verdade, isso aqui é uma discussão constituinte, que foi a construção do Sistema Único de Saúde. Se não existem os aparelhos, os centros de atenção em todos os lugares que deveriam existir, a responsabilidade é nossa e disso não há como escapar. A responsabilidade é dos Poderes constituídos.
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E aí isso me leva ao ponto que o senhor trouxe - extremamente importante -, que já foi colocado aqui, em relação ao orçamento público. O subfinanciamento da saúde pública no Brasil é, sim, responsável. É essa decisão política, com responsabilidade, inclusive, do Poder Judiciário também, que faz com que o Caps na cidade do senhor seja tão longe, assim como é longe a moradia pública, assim como está distante a escola pública. Então, nós temos aí um problema: os determinantes sociais da saúde.
Existem questões que levam ao adoecimento psíquico, e essas questões não são causadas pela Lei 10.216. Os determinantes sociais são... A Organização Mundial da Saúde já trabalha isso há décadas. Há uma vivência que adoece psiquicamente. Não é uma lei que estabelece o cuidado a causa do adoecimento psíquico; tampouco, a causa dos suicídios. Suicídios são questões que estão determinadas, inclusive, pela ausência de cuidado, pela ausência de atenção, pela ausência de um espaço aonde ir e encontrar um profissional, mulher ou homem, qualificado para ouvir, sendo criança, sendo jovem, sendo mulher, sendo homem, sendo uma pessoa idosa ou velha.
Então, não é possível desconsiderar que existem determinantes da saúde que estão relacionados, inclusive, com o subfinanciamento da saúde, que, inclusive, é um problema - e eu fico muito feliz - que o Senador já apontou aqui, dizendo da sua disposição em apoiar esse sistema.
Então, dado esse cenário no qual a gente precisa incluir os determinantes de saúde, incluir a Constituição Federal e entender que a Lei 10.216 já fez uma escolha - ela já escolheu, ela já proibiu o tratamento asilar, essa é uma decisão desta Casa Legislativa, esse é um ponto...
Se a gente for falar de hospital de custódia e tratamento, nós estamos falando de um caso específico dentro do adoecimento psíquico, dentro do sofrimento mental. Esse é um caso raro. Nós não temos nem 5 mil casos, como são os dados aqui mencionados, em que uma pessoa, em crise psiquiátrica, em adoecimento psíquico, em crise, comete um ato infracional. Então, dentro de um universo, nós estamos falando de algumas poucas pessoas e de uma nova resolução do Conselho Nacional de Justiça que dispõe sobre isso.
A medida de segurança é uma norma do Código Penal que não foi recepcionada pela Constituição de 1988, de que o senhor participou, ela não foi recepcionada, ela é uma norma inconstitucional, e eu vou dizer para vocês por que ela é inconstitucional: primeiro, ela estabelece um exame, que é um exame que é difícil entender de onde é que ele vem, que é um exame de cessação de periculosidade. Então, ela supõe que uma pessoa que cometeu uma infração é um perigoso. Isso não acontece com outras pessoas que cometeram crimes e não têm o diagnóstico de sofrimento mental. Então, ela já estabelece um juízo de futuro completamente irracional, completamente ausente de evidências científicas, no qual essa pessoa é perigosa. Vamos adivinhar se ela vai cometer um crime no futuro. Esse é o primeiro ponto da inconstitucionalidade.
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O segundo ponto da inconstitucionalidade é que a medida de segurança não tem limite, porque ela está escondida atrás de uma fachada de tratamento. Inclusive, o Dr. Haroldo disse várias vezes aqui que está escrito na porta daqueles lugares: hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, com todas as letras. Então, nós estamos fingindo que existe uma norma que estabelece um tratamento que não é verdadeiro e nós estamos surpresos com uma resolução do Conselho Nacional de Justiça?
Senhoras e senhores, o Conselho Nacional de Justiça fez muito bem com essa resolução, e ele não começou agora. Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça aprovou uma recomendação, Recomendação nº 37, na qual ele já indicava a juízes e juízas, a todo o sistema de justiça, que priorizasse o atendimento ambulatorial e reforçando a Lei 10.216, uma recomendação.
Senador, de onde é que veio essa recomendação? Ela veio de inspeções no sistema prisional. O Conselho Nacional de Justiça - corregedor, ministro, ministra - foi aos hospitais de custódia e tratamento, e eu digo isso com muita tranquilidade, porque eu era assessora no Conselho Nacional de Justiça e eu participei desse processo. Então, eu não ouvi falar, eu fui, e aí fizemos essas inspeções. Tenho aqui relatos, mas não tenho tempo para contá-los. E foi a partir disso, desse desastre, dessa absurda violação de direitos, que essa recomendação, em 2010, é feita - em 2010; a lei é de 2001.
E, agora, em 2023, nós estamos surpresos e surpresas com a aprovação de uma resolução que simplesmente operacionaliza uma decisão que não aconteceu, que é a da inconstitucionalidade extrema. O STJ já tinha decidido que, como é um tratamento que está no Código Penal, a princípio, conforme a lei, ele não teria limite. Senhoras e senhores, medidas de segurança sem limites. Ou seja, você tem um limite, quando você comete qualquer crime que o Código Penal define, como um limite de estabelecimento da pena de 30 anos, mas, no caso de medidas de segurança, não. O que é isso? Então, esse adoecimento psíquico condena as pessoas ao fim da sua existência? É assim que a gente vai lidar com elas?
Então, os níveis de inconstitucionalidade das medidas de segurança é algo patente, não é algo que... Essa discussão não começa agora, essa decisão começa desde o Poder Constituinte, desde 1988. Então, essa decisão de definir, essa operacionalização que o Conselho Nacional de Justiça faz é uma operacionalização que não é um teste, Senador e Dr. Fábio, como bem disse aqui o Haroldo, não é um teste, e eu também digo, digo porque vivi na cidade de Belo Horizonte e, assim como aconteceu em Goiás, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais - vamos combinar que não é o tribunal mais progressista do Brasil - criou um programa de atendimento ao paciente psiquiátrico em conflito com a lei. Com apoio do tribunal, ele existe também há 20 anos. Os problemas recentes que esse programa enfrenta, Senador, são de interiorização e não de teste. Não tem reincidência. O tratamento é feito como? Então fica a pergunta: como é que esse tratamento é feito? Como todos os tratamentos em saúde devem ser feitos, neste país, conforme essa Constituição, pelo Sistema Único de Saúde.
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Há um crime? Há um crime. A sentença de absolvição é uma sentença de absolvição específica. Ela absolve, mas isso não significa que não há uma completa desresponsabilização do Estado em relação ao tratamento daquela pessoa e ao cuidado de todos e todas que estão ali presentes.
Então, o juiz ou a juíza da execução penal acompanha essa pessoa que no Paili ou no PAI-PJ está em medida de segurança ambulatorial. Não é simplesmente: "Agora o CNJ vai colocar 5 mil pessoas na rua". Não é isso. A medida de segurança vai continuar, o juiz ou a juíza da execução vai continuar acompanhando aquela execução, num trabalho interdisciplinar, num trabalho com vários profissionais de saúde ali construindo. Não existe em outro país? É verdade, não existe. Assim como o Sistema Único de Saúde não existe. Assim como todas as conquistas que a gente fez em 1988, nessa belíssima Constituição, também não existem em vários lugares. Isso não significa que nós não sejamos capazes de criar soluções criativas, inventivas, mais harmonizadas com os direitos fundamentais. Nós podemos e fizemos.
(Soa a campainha.)
A SRA. JANAÍNA LIMA PENALVA DA SILVA - Não é um teste. Isso está pronto.
Então, o Senador disse que o Supremo Tribunal Federal poderia suspender essa resolução. É verdade. O STF pode sim suspender, mas eu não acredito - se o senhor me permite aqui a minha opinião - que ele vá fazê-lo, porque não há nenhum ativismo nessa resolução. Ela é, inclusive, muito tranquila - ela é muito tranquila. E ela serve também, indiretamente, para nós estarmos aqui, ou seja, ela está impulsionando o Poder Legislativo, está impulsionando o Poder Executivo, está ajudando, não porque o Poder Judiciário tenha alguma benesse em relação a isso. Como eu disse, é desde 1988, e essas pessoas que estão ali são pessoas que estavam sob a responsabilidade também de juízes e juízas. A responsabilidade por aquele cenário de tortura ali era do juiz e da juíza da execução daquela medida de segurança, e isso sem contar com aquelas pessoas que estão ali provisoriamente. Por quê? Como que é o sistema da medida de segurança? A pessoa comete o crime, ela tem que fazer a avaliação da sanidade mental dela dentro de um hospital de custódia e tratamento. Ela entra ali para fazer um exame de sanidade: 30, 40, 50, 60 dias, ou esse exame nunca é feito. E ela já está internada previamente, independentemente do crime - independentemente do crime! Não é uma questão de uma prisão provisória na regra geral, é em qualquer crime. Nem precisa ser crime. Estou errada? Pode ser, inclusive, uma contravenção.
Então é um sistema falido, é um sistema inconstitucional, é um sistema insustentável. A resolução do Conselho Nacional de Justiça tenta desenhar, com muita parcimônia e dando prazos inclusive, para que esse sistema funcione como tem que funcionar, a partir do Sistema Único de Saúde, a partir dos profissionais da saúde. Isso, inclusive, reduz a questão orçamentária do próprio Tribunal de Justiça, do próprio Poder Judiciário em relação àquilo, porque a rede vai funcionar.
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As famílias, como disse o Senador, precisam também ser cuidadas. As pessoas - indivíduos, mulheres e homens - têm direitos individuais. Nenhuma família é obrigada legalmente a viver em conjunto. Ela se faz como as pessoas se sentem em relação a ela. E, se essa família não tiver condições ou simplesmente não quiser abrigar e cuidar dessa pessoa que entrou numa medida de segurança de tratamento ambulatorial, isso precisa se transformar em um problema do Estado, porque os direitos sociais, o direito à saúde é um problema do Estado, não é um problema da família. O neoliberalismo é que diminui o Estado e entrega para a família a responsabilidade de tudo - responsabilidade de escola, responsabilidade de pagar um plano de saúde - e precariza ali a vida da família em nome dela própria. Então, essa família precisa também de apoio. Ela também precisa de política pública, ela também precisa escolher, não é? Ninguém é obrigado a conviver com cenários... Ou ser apoiada, esclarecida e até financiada para sustentar aquilo que é do humano: pessoas enlouquecem, pessoas estão em sofrimento mental e vão continuar estando. Isso não significa que elas vão cometer crimes a cada minuto. E isso não significa - muito mais - que o Estado possa dizer que há um ser ali sem liberdade. Isso é inconstitucional.
Então, a resolução do Conselho Nacional de Justiça - termino aqui - simplesmente operacionaliza a Lei 10.216 e a Constituição Federal de 1988.
Eu agradeço o convite. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Dra. Janaína Penalva da Silva, Mestre e Doutora pela UnB, Professora de Direito da Universidade de Brasília, membro da coordenação do Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação da UnB.
Muito bem, pelos esclarecimentos que fez, porque é bom ter o campo jurídico para embasar todos nós neste debate tão importante, porque são políticas humanitárias que nós queremos, são direitos humanos.
Agora, por videoconferência, a Presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), Dra. Ana Paula Guljor.
A SRA. ANA PAULA GULJOR (Para expor. Por videoconferência.) - Olá, bom dia todos, todas e "todes"!
Saúdo o Senador Paulo Paim pela iniciativa dessa discussão alusiva ao dia 18 de maio, da Luta Antimanicomial. É um importante espaço de diálogo com a sociedade, de diálogo com o Parlamento. E é neste sentido, de um diálogo republicano, que a Associação Brasileira de Saúde Mental se coloca nessa discussão.
Acho que é importante dizer que estou Presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental e que sou psiquiatra, Mestre e Doutora em Saúde Pública pela Fiocruz, e atualmente também coordeno o Programa Institucional de Políticas sobre Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental da Presidência da Fiocruz, além de fazer parte do pleno do Conselho Nacional de Direitos Humanos.
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Eu pensei em poder começar esse diálogo dizendo que, há 46 anos, esse Dia Nacional da Luta Antimanicomial, 18 de maio, foi instituído para reafirmar a bandeira do cuidado em liberdade e reafirmar que a pessoa em sofrimento mental é o sujeito de direitos. E é neste sentido, como sujeito de direitos, que fala de uma complexidade desse cuidado e que é para além de um cuidado de um dispositivo hospitalar, que a Política Nacional de Saúde Mental e Drogas se constituiu até meados da década de 2010 como uma política de Estado considerada uma das mais avançadas do mundo pela Organização Mundial de Saúde, que preconiza a prioridade dos serviços territoriais, dos serviços comunitários.
Essa discussão de hoje precisa não se pautar por polêmicas que são polêmicas falsas em relação a esse cuidado. Então, a gente não está discutindo a necessidade ou não de internação. A gente está dizendo que cuidados de mais intensividade podem ser feitos em dispositivos como hospitais gerais, como os leitos de acolhimento nos CAPS III, como um suporte mais intensivo nessa comunidade por equipes, e para isso são necessários investimentos.
A gente não pode se pautar, no que diz respeito à discussão do CNJ, a Resolução 487, por isto: que a gente está falando em soltar criminosos e, muitas vezes, apostando em desinformação, como no sentido de constituir, enquanto parte de pessoas consideradas inimputáveis, aqueles que tinham como base um quadro de personalidade e vontade, que não são a clientela de eleição para esse quadro inimputável.
Então, quando a gente fala do estupro, quando a gente fala da pedofilia, nós não podemos colocar no mesmo bojo daquilo que a gente está dizendo que são essas pessoas que, no ato do seu delito, eram regidas por um distúrbio da realidade, por uma ruptura do seu senso de realidade, e, a partir daí, esses delitos são acometidos.
Como toda política em movimento, ao longo dessas últimas décadas, a partir da Lei 10.216, que é o primeiro marco legal da América Latina, vêm-se buscando soluções; e se colocam novos desafios, entre esses pensar essa ampliação da rede e a diversidade de ações necessárias para além da ampliação das estruturas de serviços.
Nos últimos seis anos, a gente observou, principalmente entre 2017 e 2022, uma precarização radical de investimentos, uma rede de atenção psicossocial e consentâneos de esporte ao cuidado em liberdade, e uma tentativa de se retroceder para uma orientação hospitalocêntrica, sabidamente danosa e marginalizante dessa clientela em sofrimento mental.
A política do cuidado em liberdade, no entanto, se afirmou ao longo das últimas décadas da reforma psiquiátrica enquanto uma política que não vai retroceder. A política pautada pelo cuidado em liberdade se incorpora na luta de trabalhadores, de usuários, de muitos gestores, de muitos Parlamentares, e dessa não há retorno. Então é preciso a gente ter um diálogo aberto, republicano e essa disposição, respeitando as demandas de usuários e familiares, que hoje, com seu protagonismo, se fazem presentes, como nós vimos anteriormente na fala do companheiro Adilson Silva, que pertence ao movimento nacional de usuários e familiares da luta antimanicomial.
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Hoje nós temos alguns desafios marcantes, alguns que já temos trazido ao longo do tempo, porque nós não podemos confundir a falta de investimento suficiente no modelo com a inadequação desse modelo. E essa confusão é feita por muitos daqueles que se beneficiam dessa falsa polêmica. Hoje, pensando num campo complexo que é iminentemente intersetorial, é importante se colocar que a pauta atual se faz - para a gente pensar a política de drogas - com esse investimento necessário nas redes de atenção psicossocial efetivamente substitutivas do modelo manicomial; na responsabilidade pelo enfrentamento de estratégias ainda manicomiais que ainda são financiadas pelo poder público, como, por exemplo, as comunidades terapêuticas; precisamos enfrentar o tema, que recentemente também teve uma audiência pública no Parlamento, da regulamentação da Cannabis terapêutica e diversas outras pautas. Mas eu queria me ater a discutir especificamente essas... (Falha no áudio.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nós não estamos te ouvindo. Deve ser aí no teu estúdio...
A SRA. ANA PAULA GULJOR (Por videoconferência.) - Foi desligado...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pronto. Voltou!
A SRA. ANA PAULA GULJOR (Por videoconferência.) - Agora sim! É porque foi desligado pelo administrador. Desculpe-me. Estou aqui tentando ligar, e só me dizia que eu estava proibida de me ligar novamente.
Retomando, em relação à resolução do Conselho Nacional de Justiça e à mobilização que a colega professora da UnB que me antecedeu também colocou, como se fosse uma surpresa: uma surpresa, uma resolução que é efetivamente uma tentativa, uma proposição de adequação de uma orientação ao Judiciário dos marcos legais que já existem desde 2001, a partir da Lei 10.216, e que também busca adequar as convenções internacionais. Um exemplo já nos disse o colega Leonardo Pinho das convenções internacionais de cujo o Brasil é signatário: a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2008, que foi acolhida em 2015, com status de emenda constitucional por este Parlamento, a Lei Brasileira de Inclusão.
O sistema Judiciário - e é importante que isto se diga fraternamente -, nesse recorte voltado às pessoas em sofrimento mental em conflito com a lei, até então vinha sendo um exemplo da política manicomial na sua maior radicalidade. Nós vimos a apresentação do Dr. Haroldo Caetano, mas nós temos inspeções. Uma inspeção realizada em 2015 já sinalizava... Está disponível na internet, para quem tiver interesse, a inspeção sobre os hospitais com histórico de tratamento psiquiátrico. Aqueles que são considerados inimputáveis são historicamente mantidos à margem da sociedade, desumanizados, muitas vezes condenados a uma prisão perpétua inexistente no nosso Código Penal, mas que a estes é executada, a estes que são considerados inimputáveis, que deveriam ir a tratamento, mas também a dezenas de presos provisórios que sequer tiveram a sua condenação estabelecida, mas são mantidos encarcerados nesses eufemicamente chamados hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico.
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Então, a Resolução 487, ao ver da Associação Brasileira de Saúde Mental, é um avanço na busca da garantia de direitos a pessoas em sofrimento mental, uma discussão que não é recente, retomando, já que, em 2011, o Ministério Público Federal e a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos publicaram um parecer sobre as medidas de segurança e os HCTPs. E a professora que me antecedeu falou de outras iniciativas vivenciadas por ela, mas o que a gente quer dizer é que a sociedade vem sendo convocada, e as suas instituições, a discutir essas estratégias. Então, ao longo dos últimos dez anos, se têm experiências exitosas. O Paili, o PAI-PJ, o Corra pro Abraço, em Salvador, que trabalha com o não encarceramento a partir das audiências de custódia e um acompanhamento responsável, com a integração na Rede de Atenção Psicossocial daqueles em sofrimento mental e conflito com a lei, o fechamento do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho, no Rio de Janeiro, que foi um longo processo, exitoso, de discussão, de pactuação entre gestores, trabalhadores, os serviços de vários municípios no Estado.
Nesse sentido, esse diálogo franco e aberto, que é necessário, tem sido atacado, como eu já falei, por informações distorcidas que reforçam o estigma social que claramente aposta no pânico de uma sociedade que vivencia uma violência no cotidiano e tende a atribuir o estigma de uma periculosidade inerente e de incapacidade a todos aqueles que cometem ações brutais, consideradas assim por nossa sociedade, ao mesmo tempo em que incorpora nesse bojo estigmatizante as pessoas em sofrimento mental. E aí eu acredito que essas autarquias, entidades que reforçam um lugar de exclusão na busca de garantia de um mercado sob a égide da ciência, e não de avançar no cuidado e respeito às pessoas em sofrimento mental em conflito com a lei, precisam necessariamente se incorporar - não que nunca tenham sido convidadas, mas que se incorporem neste momento - a esse debate franco, a esse debate republicano.
E, aí, para finalizar, é necessário que, nesta audiência pública, a gente possa falar, sim, sobre as condições precárias das pessoas consideradas inimputáveis, que necessitam de tratamento e são abandonadas em estruturas chamadas hospitais que impetram o asilamento, o abandono. Nós temos essas diversas ações que vêm sendo feitas de inspeção e denúncia da violação de direitos. Mais recentemente, uma excelência falou antes sobre o Rio Grande do Norte, que está construindo novas vagas em leitos para pessoas em sofrimento mental em conflito com a lei, o que me parece que vai de encontro a essa nova resolução e é algo em que se precisa debruçar e entender o que está acontecendo.
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Pelas orientações que pressupõe a Resolução 487, ela passa por avaliação psicossocial por equipes multiprofissionais. Ela passa por uma análise de uma condição de suporte de tratamento para essas pessoas em serviços de base territorial. Ela passa por uma construção de projetos terapêuticos singulares a cada sujeito, uma proposição de cuidado em rede que não diz respeito a um cuidado padronizado para todos, como é o que tradicionalmente se encontra nos hospitais psiquiátricos e nos manicômios. É necessário, a partir dessa provocação do CNJ, dessa resolução do CNJ, um movimento, que já está em curso com o Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, de ampliação das redes, de investimento nas redes de atenção psicossocial, na criação de protocolos pactuados interministerialmente e na abertura e aprofundamento desta discussão com o Parlamento e com a sociedade. É fundamental que se olhe para a experiência do que foi falado há pouco; nós fizemos uma redução significativa de leitos psiquiátricos, em detrimento do baixo investimento, que é necessário ser ampliado, mas em detrimento disso se conseguiu a efetiva inclusão social de milhares de usuários da saúde mental nas suas comunidades.
Bom, dito isso, para encerrar, eu reforço que, a cada 18 de maio, nós atualizamos as agendas e trazemos uma demanda sobre a garantia de direito dos usuários de saúde mental, e para estes investimentos e na ampliação das redes territoriais, que são complexas, que são intersetoriais e precisam que nós possamos nos juntar e pressionar e apontar, para que os órgãos governamentais tragam o protagonismo dos usuários, permitam que eles expressem as suas demandas e que os especialistas, os pesquisadores e pessoas nesse cotidiano estejam, sim, aqui fazendo esse diálogo, que necessariamente precisa ser franco, aberto e não pautado na desinformação.
Eu agradeço a oportunidade de estar apresentando a proposição da Associação Brasileira de Saúde Mental e me despeço aqui. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Ana Paula Guljor, Presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme). Meus cumprimentos pela sua fala, que foi na linha dos outros conferencistas.
De imediato, a Dra. Clarissa Paranhos Guedes, Psicóloga, Conselheira do Conselho Federal de Psicologia (CFP).
O tempo é seu, Dra. Clarisse... Clarissa.
A SRA. CLARISSA PARANHOS GUEDES (Para expor. Por videoconferência.) - Clarissa.
Bom dia a todas, todos e "todes". Eu peço licença para fazer minha audiodescrição, para que todas as pessoas possam me ver. Eu sou uma mulher jovem, branca, tenho cabelos pretos lisos compridos. Estou usando uma blusa, assim, de cor telha, e estou aqui na sala da minha casa; atrás de mim tem uma parede branca e uns quadros coloridos.
Cumprimento V. Exas. aqui presentes nesta audiência, em especial o Senador Paulo Paim, proponente desta reunião. Saúdo as pessoas que estão acompanhando a audiência, em especial a equipe do CFP que está aí presente. E também, na pessoa do Sr. Adilson Gonçalves, representante do Movimento de Usuários, cumprimento a mesa, composta por muitos e valorosos parceiros do CFP.
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Passados 35 anos do Congresso de Bauru, marco da luta antimanicomial no Brasil, novos desafios se colocam para nós. É preciso dizer que nossa luta por saúde mental não é apenas investir em atenção especializada, ainda que precisemos aumentar os investimentos na nossa Raps, mas é também garantir a dignidade, o acesso a direitos fundamentais, a inclusão e, sobretudo, a liberdade das pessoas. A Lei 10.216, de 2001, promoveu avanços e uma mudança importante de paradigma: deixar de tratar doenças e passar a cuidar de pessoas com toda a sua inteireza.
No entanto, permanecem desafios para a sua implementação de fato. Em especial, diante dos movimentos de contrarreforma vivenciados nos últimos anos, somados à precarização das políticas públicas e das próprias condições de vida no nosso país. Se, por um lado, pudemos avançar na substituição de serviços de caráter asilar por aqueles de base territorial com cuidado em liberdade, por outro, a lógica da ambulatorização e a inclusão de serviços com caráter alheio à reforma, como as comunidades terapêuticas, foram sendo gradualmente integrados à Raps. Como pano de fundo, o Brasil foi atravessado por fortes abalos sociais, econômicos, políticos e sanitários, que, no contexto da pandemia da covid-19, tornaram-se uma grave crise humanitária.
Em tempo de retrocessos sob todas as esferas, primazia da violência e genocídio escancarados de vidas trans, negras e indígenas, consideramos fundamental relembrar que a reforma psiquiátrica expressa resistências em nome da autoridade, da diversidade e de outras formas de subjetividades. Retomando aqui o emocionante discurso do Ministro Silvio Almeida, assim como é importante, no nosso país, ressaltar, reafirmar que as vidas negras - e aí eu aproveito e também afirmo aqui a nossa solidariedade ao Vinicius, que sofreu esse ato horrendo de racismo -, mas também as vidas indígenas, LGBTQIA+ e de mulheres muito nos importam, as vidas loucas também existem e são muito valiosas para nós. Precisamos enfrentar o estigma e o preconceito que persistem contra essas pessoas. É ainda comum colocarmos na conta da loucura ações que são do humano, demasiadamente humano. Se erra, se comete crime bárbaro, se faz alguma maldade, chamamos de louco. No entanto, como sempre nos alertava o saudoso psicólogo e militante da luta antimanicomial Marcus Vinicius de Oliveira, não chamemos de loucos os canalhas, pois a loucura é muito diferente disso.
Reafirmando o compromisso com a luta antimanicomial, o Conselho Federal de Psicologia tem apontado malefícios das mudanças na Política Nacional de Saúde Mental, desde a Resolução nº 32, de 2017, à Portaria 3.588, do mesmo ano, que reinseriram os hospitais psiquiátricos na rede de saúde mental, seguidas de uma sucessão de revogações de portarias e mecanismos duramente conquistados pelo movimento da luta antimanicomial. Vimos a ampliação do já robusto financiamento de instituições privadas, como hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas e ambulatórios especializados e, em contrapartida, o grande desinvestimento na Raps, precarizando as ações em rede realizadas por equipes multiprofissionais. Por isso, gostaria de aproveitar este momento e saudar todas as profissionais da Raps, em especial as psicólogas que, bravamente, seguiram apostando no cuidado em liberdade, com ética, técnica e criatividade, mesmo nesse contexto tenebroso que vivenciamos nos últimos anos.
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Denunciamos, ainda, a ampliação de encaminhamentos para hospitais psiquiátricos, com reajustes de diárias e fim da diferenciação financeira dos aportes. Um processo de retomada da lógica manicomial, medicalizante e hospitalocêntrica, cuja estratégia principal é o internamento, comprovadamente ineficaz. Não podemos retroceder no cuidado integral das pessoas. Ao invés de sedar, amarrar e isolar, precisamos fortalecer estratégias como a clínica psicossocial, a intensificação de cuidados em momentos de crise, os grupos de ouvidores de vozes, o acompanhamento terapêutico, as oficinas de arte, os centros de convivência e cultura, o cooperativismo social, o projeto terapêutico singular, somente para nomear algumas das tantas possibilidades promotoras de saúde e de vida que defendemos.
Por outro lado, celebramos a implementação da Resolução 487, de 2023, do Conselho Nacional de Justiça, que já foi muito falada aqui pelas pessoas que me antecederam, a partir da qual o Judiciário brasileiro estabeleceu um prazo para o fim do pior dos manicômios, reconhecendo que os hospitais de custódia e tratamento não tratam e não promovem acesso a cuidado em saúde mental. Reconhece, ainda, que o direito ao tratamento digno, humanizado e sem violência deve ser garantido desde as audiências de custódia. Vale dizer que isso não é uma novidade. Como já foi apresentado, desde 2010, o CNPCP estabeleceu um prazo de dez anos para fechamento dos HCTs e, em todo esse período, estamos construindo estratégias.
Nesse ponto, eu quero saudar o Dr. Haroldo Caetano, que está aí presente na mesa, e todos os avanços que o Paili promove já há algum tempo. Para nós a política antimanicomial no Judiciário enseja a defesa de todo o campo da saúde e dos direitos humanos. Por isso, o CFP se soma no apoio a essa resolução. Coloquei até aqui, no chat, o link da inspeção que a gente fez, em parceria com a AB e com a Ampasa, em 2015, dessas instituições, e as diversas violações que encontramos. Coloquei, no chat aqui do Zoom, para que vocês possam ter acesso. E colocamos também a nossa disponibilidade para acompanhar esse processo de desinstitucionalização tão esperado por nós. Tem gente falando que o prazo é curto, mas, na verdade, ele já chegou tarde; desde 2001, isso já deveria estar acontecendo.
Já no campo das políticas sobre drogas, o cenário é desolador. Apontamos os retrocessos da Resolução nº 1, de 2018, que promoveu alterações na política sobre drogas e na política de redução de danos. Nesse período, até o controle social dessas políticas foi restringido, com a suspensão das atividades do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, felizmente, retomadas este ano. A nova, mas anacrônica, Política Nacional sobre Drogas, passou a ser orientada pela lógica da abstinência, que reconstrói o estigma de que todo e qualquer uso de substância psicoativa produz sofrimento, tendo que ser medicado e receber tratamento segregado em centros de suposto tratamento ou hospitais psiquiátricos. Para o CFP essa política afronta os princípios da luta antimanicomial, que está ancorada na autonomia do sujeito sobre o próprio corpo e no cuidado em rede, em liberdade e de modo intersetorial. Nesse sentido, entendemos que, nesse momento de construção de políticas de saúde mental pela nova gestão do Governo Federal, é fundamental que se retomem os imensos acúmulos da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial no Brasil. É particularmente importante que o Senado Federal se dedique a contrapor os retrocessos e contribua para fazer avançar e consolidar os preceitos dessa luta. Para isso, faz-se necessário: o enfrentamento de desafios hoje impostos ao campo da saúde mental; a necessidade de fortalecimento da Raps, com aumento do financiamento e abertura de espaços especializados de caráter comunitário, com capacidade de atendimento 24 horas, onde sejam possíveis, inclusive, as internações que se façam necessárias, considerando o aumento expressivo do sofrimento psíquico e angústia social, agravada pela pandemia da Covid-19 e pelo empobrecimento escancarado da população, e a volta do Brasil ao mapa da fome e todos os rebatimentos subjetivos impostos pela aguda desigualdade social, que atinge, sobretudo, as periferias brasileiras; a defesa do meio ambiente e dos territórios como impulsionadores de mais dignas condições de vida e, por isso, menos adoecedoras; o enfrentamento às internações compulsórias que vêm acontecendo sem qualquer acompanhamento; a retomada das lógicas intersetoriais de cuidado para a promoção das múltiplas possibilidades de reabilitação psicossocial; o fim de estratégias ultrapassadas de atenção à pessoa que usa drogas, com a retomada da redução de danos e de técnicas que respeitem os direitos humanos, o compromisso ético das profissões e a laicidade do Estado; o enfrentamento à guerra às drogas, que tem sido uma guerra contra as pessoas, em especial as negras, jovens e periféricas. É fundamental que as políticas de saúde mental e de drogas voltem a convergir com os acúmulos da luta antimanicomial em sua radicalidade, através do trabalho articulado do poder público.
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Para isso, contamos com normas legais que, não sem resistência, sobreviveram ao período recente de desconstrução do caráter garantista do Estado brasileiro. Citamos a Constituição Federal, em seu art. 196, que proclama que a saúde é um direito de todos e dever do Estado; a Lei 10.216, de 2001; a Portaria 2.197, de 2004, do Ministério da Saúde, que redefine e amplia a atenção integral para usuários de álcool outras drogas no SUS; a Portaria 3.088, de 2011, que institui a Raps; bem como outras legislações, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Por fim, reafirmamos a nossa disposição para a reconstrução da política de saúde mental e de drogas no Brasil, alinhada às diretrizes da redução de danos, dos movimentos antirracistas e antiproibicionistas, da reforma psiquiátrica, da luta antimanicomial, dos direitos humanos e da própria democracia. Seguimos comprometidas com um país em que todas as gentes possam brilhar e não sofrer violações isoladas em manicômios, afirmando sempre, junto com os movimentos de usuários, trabalhadoras e todo o acúmulo científico sobre o tema, que a liberdade é terapêutica.
Muito obrigada pela oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Clarissa Paranhos Guedes, psicóloga, conselheira do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Parabéns também pela exposição.
Agora registro... A Senadora Damares eu já registrei. O Senador Girão agora está também aqui conosco.
Só faltam mais três.
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Então, agora, vamos para o Dr. Paulo Amarante, Psiquiatra, representante da Fundação Oswaldo Cruz.
O SR. PAULO AMARANTE (Por videoconferência.) - Bom dia ainda - é bom dia, não é?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso!
O SR. PAULO AMARANTE (Por videoconferência.) - Não, já é boa tarde. Boa tarde!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Aqui ninguém almoçou, fica bom dia...
O SR. PAULO AMARANTE (Para expor. Por videoconferência.) - É, eu, como um senhor já, com alguns problemas de glicemia, etc. - já está caindo a minha situação de saúde -, estou inteiro ainda porque o debate é muito importante, Senador.
Eu quero agradecer a sua iniciativa e parabenizar a Comissão presidida por V. Exa.
Quero dizer, primeiro, que o debate é muito importante. Estou aprendendo muito, refletindo muito.
Eu havia feito aqui todo um roteiro, mas vou mudar. Acho que a gente tem que se adaptar ao debate, às devidas circunstâncias.
Eu sou médico psiquiatra também. Sou Doutor em Saúde Pública. Fui orientado pelo Prof. Franco Rotelli. Tive a satisfação de publicar com ele, fazer pesquisa, trabalhar com ele na Itália, em Trieste, e aqui no Brasil. Sou um dos fundadores do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde.
Eu falo sempre que tenho a honra de, com essa maquininha Lettera 22 que está atrás de mim, ter datilografado a proposta do SUS, que nós levamos, com Sérgio Arouca e David Capistrano da Costa Filho, em 1979, para a Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, no I Simpósio de Política de Saúde - como eu era mais jovem, eu tive a tarefa de datilografar esse documento que originou o SUS.
Estou nesse movimento e nesse processo há muitos anos.
Fui fundador da Abrasme (Associação Brasileira de Saúde Mental), da qual sou o Presidente de Honra, e fui também Presidente do próprio Cebes.
Estou apresentando este meu currículo para falar do meu conflito de interesses. Eu sou uma pessoa que tem um conflito de interesse: eu defendo o serviço público, a política pública universal, democrática e gratuita e dediquei a minha vida a isso. Não atuo nem em entidades corporativas nem em entidades patronais. Sou plenamente... Fiquei 40 anos na Fiocruz, de onde sou pesquisador aposentado, porém sou agora denominado "sênior", que é uma forma de continuar trabalhando.
Eu queria, muito rapidamente, dizer por que tem parte do meu depoimento... Eu fui o primeiro médico psiquiatra demitido do serviço público quando denunciei as situações de violência nos manicômios, em 1978. Fui demitido, fui afastado. A partir daí, criamos aquele movimento, criamos aquele processo e a ideia também que já se tinha do SUS e da reforma psiquiátrica.
E, nesse contexto, eu conheci quase todos os hospitais psiquiátricos do Brasil - quase todos. Eu entrei em um hospital psiquiátrico onde vi uma mulher morta esquecida há tantos anos - essa foto foi publicada em O Globo, eu acompanhei a fotógrafa - que ela ficou mumificada no chão! Ela foi esquecida. Isso era prática nos manicômios.
Existiam mais de 80 mil pessoas internadas em manicômios. Só em Juquery - agora, na Globonews, passou um filme chamado Juquery - Lugar Fora do Mundo -, estiveram mais de 20 mil pessoas internadas! Imaginem uma instituição onde estão 20 mil pessoas internadas em situações deploráveis, nuas, desnutridas, etc., em nome da ciência - em nome da ciência!
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Então, eu sou uma pessoa de uma instituição científica importante, mas não podemos esquecer que a ciência tem que ser questionada porque a ciência também é manipulada por interesses. Então, o que é científico e o que não é científico deve ser muito bem refletido em nome da ciência, em nome do Estado ou - como o Dr. Haroldo citou o filme do Helvécio Ratton, e eu acompanhei a execução daquele filme - em nome da razão.
Eram hospícios terríveis, muitos deles privados. Existia um hospício privado no Rio de Janeiro chamado Casa de Saúde Dr. Eiras, em Paracambi, que chegou a ter 2,5 mil internos - pagos, primeiro, pelo Inamps e, depois, pelo SUS - em situações deploráveis. Morriam de desnutrição no hospital privado.
Eu sempre, quando falam que onde se tratam transtorno mental e transtorno cardíaco é no hospital, pergunto: vocês já viram um hospital cardiológico com pessoas nuas perambulando, desnutridas, naquelas condições dos hospitais psiquiátricos? Então, é preciso diferenciar o hospital psiquiátrico e a falta de cientificidade da psiquiatria para compará-la com o hospital de nefrologia, de cardiologia e mesmo de neurologia.
Eu conheci esses hospitais, conheci essas instituições. Tive, no meu currículo Lattes, a possibilidade de colocar que fui demitido de algumas delas - ou proibido -, públicas e privadas.
Dos 100% de recursos que se usavam neste país, 97% eram para pagar hospícios naquelas condições. Então, essa foi a situação que nós encontramos e começamos a mudar.
Muitas dessas pessoas que começaram essa luta antimanicomial foram psiquiatras. O Prof. Luiz da Rocha Cerqueira, eu, como já falei, a Ana Pitta, o Pedro Gabriel Delgado e tantos outros fomos psiquiatras. É importante saber disto: não foram pessoas de fora da psiquiatria que fizeram essa crítica.
Conseguimos fazer um processo que nós chamamos de reforma psiquiátrica. Depois passou a se chamar luta antimanicomial a partir do Encontro de Bauru - em Bauru porque o Secretário de Saúde da época era o David Capistrano. Nós começamos a fechar, Senador, mais de 60 mil leitos. E quero dizer: antes da Lei 10.216. Eu fui da comissão que entregou o documento, o projeto da lei, ao Paulo Delgado. A ideia de fazer uma nova lei nasceu na I Conferência Nacional de Saúde Mental, que foi em 1987, antes, inclusive, do Encontro de Bauru. Mas, como já tínhamos um movimento de substituição, de criação de novos serviços, de outras formas de cuidar do problema mental em liberdade, nós vimos que o problema era mais social do que mental. É só olhar para esses hospícios e ver que quem está lá são pobres, são negros, são periféricos, são pessoas despossuídas.
Falar, por exemplo, que aumentou a criminalidade ou a população de rua nas cidades porque se fechou o hospício é de uma deturpação conceitual enorme - ou seja, não aumentou a desigualdade social, o desemprego, a pobreza, a violência, a concentração de renda, a falta de emprego? Mesmo a depressão: fala-se muito que está aumentando a depressão; está aumentando é a desigualdade social, a falta de direitos, a falta de perspectiva, a falta de reconhecimento do humano. A vida humana não está valendo nada, a dignidade humana não está valendo nada.
Então, as pessoas sofrem uma série de situações. E transformar esse sofrimento em doença mental é uma operação arquitetada pela indústria farmacêutica, com o apoio financiado dos laboratórios farmacêuticos, para dizer que se trata de doença, muito embora a teoria da serotonina, a teoria da depressão como transtorno bioquímico tenha sido definitivamente soterrada pela grande psiquiatra, pesquisadora da Universidade de Londres, Profa. Joanna Moncrieff, há um ano e pouco. Mas a psiquiatria não cita essas referências quando faz as suas conferências, as suas falas. Há uma seletividade muito interessante.
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Você dizer que aumentou, por exemplo, a pobreza na Itália por causa da Lei Basaglia é de um desconhecimento enorme ou de uma deturpação, porque nós sabemos o que está acontecendo na Europa inteira com a migração, com as consequências de anos e anos de colonização.
Aliás, a Espanha, que segue sendo uma monarquia e segue sendo um dos países mais responsáveis pela colonização da América, da África e de outras partes do mundo, não à toa está fazendo esses procedimentos racistas.
Então, nessas questões, nós temos que tomar um conhecimento muito mais amplo.
Nós conseguimos, neste país, várias...
Quero fazer uma justiça, Senador, porque antes da aprovação da Lei 10.216, que foi inspirada no Projeto 3.657, de Paulo Delgado, várias leis estaduais foram aprovadas. A primeira foi a do Rio Grande do Sul, do Deputado Marcos Rolim. Aprovada em 1992, é uma lei absolutamente progressista, avançada. Já em 1992, nós tínhamos uma lei estadual. Aí deu-se origem à Lei Carlão, lá em Minas, deu-se origem a outras leis no Brasil inteiro - mais de dez leis estaduais, é importante que a gente se lembre disso. Além da lei nacional, existem leis estaduais, muito mais avançadas inclusive.
Então, nós conseguimos fazer um processo neste país. Fechamos mais de 60 mil lugares de violência - eu não gosto de chamar de leitos. O Prof. Luiz da Rocha Cerqueira, médico contemporâneo e conterrâneo de Nise da Silveira, falava que existiam os "leitos-chão" oficialmente. As pessoas dormiam no chão, dormiam em cavernas. Em Juquery, dormiam em cavernas. Na Colônia Juliano Moreira, dormiam em cavernas. Tiramos as pessoas desses lugares. Ressuscitamos vidas, fazendo referência a Lima Barreto, que, em 1920, publicou O Cemitério dos Vivos, o cemitério de pessoas vivas de corpo e alma, porém mortas socialmente.
Conseguimos, então, um processo de transformação, em que, além das pessoas que saíam desses manicômios, sob os mesmos gritos das associações conservadoras, dos interesses privados, mercantis, nessa área do poder e etc., de que eram psicóticos, de que não poderiam ser tratados em comunidade, de como tratar uma pessoa com doença mental que não fosse no manicômio ali, segura, etc... Porque, em certo sentido, quando se fala de loucura, fala-se que todos são perigosos, afinal de contas o primeiro conceito da psiquiatria para falar sobre a loucura foi o de pinel: alienação mental; alienado, aquele que está fora de si, incapaz de decidir, incapaz de juízo e discernimento. Então, naquele primeiro momento, era a mesma coisa que agora estão fazendo em relação ao Conselho Nacional de Justiça - aliás, hoje eu mandei um artigo para o Outras Palavras, para uma publicação sobre essa resolução -, era impossível; mas nós mostramos, criando os Caps, os centros de convivência...
Eu, que nunca fui do Governo, que sempre fui ligado a movimentos sociais amplos - fundador do movimento da luta antimanicomial, da Abrasme, de outros, etc. -, sempre achei que foi insuficiente o investimento na Rede de Atenção Psicossocial. Então, para mim, esta audiência, Senador, tem já um ponto fundamental, um compromisso do senhor e da Comissão: temos que investir de verdade na Rede de Atenção Psicossocial.
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O SUS - desculpem-me por eu frisar isso -, em nenhum dos governos, teve o investimento devido. Sempre com a ideia de Lei de Responsabilidade Fiscal, etc., se terceiriza, se faz coisa, se constrói um monte de coisas, mas o SUS não tem o devido investimento, e, apesar disso, tanto na pandemia quanto agora, mostrou a sua importância, o peso que tem o SUS. Não fosse o SUS, o estrago dessa pandemia seria muito maior.
Então, a primeira questão: em toda a rede, seja Caps, seja Naps, sejam centros de convivência ou sejam outros dispositivos, que são culturais, que são importantíssimos, que são de geração de renda, economia, inclusão social, outras possibilidades, outros dispositivos, é necessário, então, um investimento. Isso é um ponto para mim.
Outro: essa questão das comunidades terapêuticas tem que ser verdadeiramente equacionada, porque ficou uma certa tensão do tipo ser contra ou ser a favor da vacina... Aliás, quando o Conselho Federal se omitiu em relação à vacina, ele não ouviu a fala científica da Fiocruz. Eles ficaram quietos. Quando eles apoiaram a ivermectina, escolheram algumas referências bibliográficas, algumas fontes de pesquisa para se pronunciarem. E também, quando ele diz agora que os médicos não foram ouvidos, eu, como médico, digo e afirmo que nunca fui ouvido pelo Conselho Federal de Medicina para saber minha opinião sobre essa ou aquela questão. Porque ele está na gestão, ele pode tomar qualquer decisão em nome dos médicos? Ou ele teria, também, assim como o Deputado e o Senador, que ouvir suas bases para saber qual posição?
Não coloque meu nome naquela nota de apoio à ivermectina, às oposições do Conselho Federal de Medicina quanto à vacinação, não coloque meu nome, porque eu nunca fui ouvido!
Então, a questão da comunidade terapêutica tomou o mesmo teor. Hoje, está todo mundo ou se dizendo contra ou a favor. O que é fundamental é que, estranhamente, não há dinheiro para investir no SUS, mas há para contratar comunidade terapêutica. A comunidade não é um serviço de saúde? É um serviço religioso? Ora, você pode pensar que a religião tem sua importância em várias questões, etc. Agora, a política sobre drogas é uma política intersetorial, é uma política de Estado ampla, diz respeito à saúde, educação, trabalho, inclusão social, seguridade, etc. Agora, tratamento de dependência química ou tratamento de uso abusivo têm que ser da área da saúde; senão, fica o caos. Então, é necessário repensar. Então, eu sugiro que, dentro do Senado, na medida em que nós estamos aqui numa audiência, se coloque essa questão da regulamentação das comunidades terapêuticas, como o dinheiro que está alimentando essas instituições está entrando, para quem... Nós vimos matérias terríveis no Fantástico, etc.
E quero aproveitar também para levantar outra pauta, que é a da medicalização e medicamentalização da vida social. Tudo agora está virando transtorno, está virando doença, por uma bibliografia questionável. Aí, você me desculpe. Como eu falei, aqui, a Dra. Marcia Angell, médica da Universidade Johns Hopkins, ex-editora de uma das principais revistas científicas, nesse livro A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos, mostra como a indústria farmacêutica, com a cooperação de associações médicas, deturpa, manipula resultados de pesquisa em favor de seus medicamentos. Isso tem que ser levado a sério.
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Lá nos Estados Unidos foi aberta uma comissão do Senado Federal, uma espécie de CPI, para investigar essas questões. O jornalista Robert Whitaker, fundador do Mad in America - eu sou editor do Mad in Brasil -, escreveu o livro Anatomia de Uma Epidemia, premiado como melhor livro científico dos Estados Unidos. Ele escreveu um outro livro chamado Psiquiatria sob influência: corrupção institucional, mostrando como os laboratórios estão premiando médicos, cumprindo metas de medicalização, de prescrição de medicamentos.
Olha, mas não se trata de prescrever Coca-Cola, bala, alguma goma de mascar; trata-se de medicamentos que atuam no sistema nervoso central, que dão uma enorme dependência, síndrome de abstinência. Isso não está nos livros de psiquiatria, não está nas falas das entidades psiquiátricas.
É necessário que a gente abra uma espécie de CPI, uma investigação sobre como os laboratórios estão cada vez mais financiando o processo de prescrição de medicamentos. Quem está ganhando com isso? É verdade, dizem, que os médicos ganham comissões, ganham brindes? É possível? A associação médica de pediatria nos Estados Unidos proibiu a concessão de brindes, etc. dos laboratórios porque considera que, consciente ou inconscientemente, influenciam na prescrição.
Por fim, como a questão do Conselho Nacional de Justiça tomou grande dimensão e eu escrevi esse artigo - a Ana Paula Guljor, da Abrasme, já falou -, realmente essa discussão está há muito tempo, essa resolução aqui do Ministério Público Federal, que começou a elaborar, fazendo reuniões com conselhos profissionais de todas as áreas. A medicina não ia, não participava. Consideram que na questão da medicina só médicos podem falar - no fundo eles falam isso -, no ato médico, que o juiz, o Deputado, o Senador, o profissional de saúde, o familiar, a sociedade não podem falar.
Então, várias reuniões foram feitas. Esse parecer é um parecer denso, falando sobre a importância de superação daquele modelo dos manicômios judiciários, que são, por uma série de questões, equivocados - por uma série de questões -, desde os laudos, etc., de pessoas que cometem verdadeiros crimes de colarinho branco... Teve um caso famoso também de um jornalista que assassinou a amante em São Paulo e conseguiu um atestado de insanidade mental para se tornar inimputável, e há outras tantas situações. Há situações de pessoas que cometeram delitos pequenos e que passam a vida na prisão, enquanto um determinado colarinho branco importante passa dois, três anos numa prisão e, por boa conduta, etc., bom comportamento, sai, e o outro fica lá para o resto da vida.
E, claro, eu sou professor da Emerj (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro), Senador, do mestrado, e há mais de dez anos eu convidei aqui a Dra. Profa. Maria da Graça Giannichedda, da Universidade de Nápoles. Ela apresentou o processo de desmonte dos manicômios judiciários italianos com a criação das residências assistidas, todo um trabalho individualizado. É isso. Se a pessoa é criminosa realmente, então ela é imputável e deve cumprir uma pena em algum local. Inclusive, se tem algum transtorno mental também, com uma pena que possa ser acompanhada dentro de uma enfermaria, de um hospital dentro de instituições penitenciárias.
É claro que essa questão toda seria devidamente avaliada, não há nenhuma irresponsabilidade. Há experiências, como o Paili e o PAI-PJ, que eu conheço de muitos anos, são experiências muito bem feitas; outras, inclusive do Distrito Federal, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, da Dra. Tânia Maria Nava Marchewka; e tantas outras experiências em outros locais.
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Então, eu gostaria de fazer essa chamada da importância que tem, talvez, o Senado de desdobrar essas três ações...
(Soa a campainha.)
O SR. PAULO AMARANTE (Por videoconferência.) - ... financiamento da rede pública de saúde mental; contratar profissionais de verdade, não terceirizar, não precarizar, não botar em mão de ONG, contratar pelo Estado - uma política sobre as comunidades terapêuticas tem que ser regulamentada -; e um acompanhamento dessa atuação de prescrição desmesurada de medicamentos a crianças de dois anos, porque tudo agora se torna transtorno mental, etc., e isso tem que ser visto, se há outras determinações que passam pelo interesse econômico e tudo mais.
Muito obrigado, Senador, pela palavra. Parabéns, mais uma vez, pela iniciativa. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Parabéns a V. Sa., Dr. Paulo Amarante, Psiquiatra, representante da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que detalhou com muito cuidado e de forma muito abrangente este debate tão importante para todos nós.
Passo, de imediato, a palavra para o Dr. Nelson Fernandes Júnior, Consultor em Gestão Sustentável e Diretor Operacional da Pró-Saúde Mental. (Pausa.)
Então vou passar para a frente.
Dilma Teodoro, representante da Associação Psiquiátrica da América Latina e da Associação Brasileira de Psiquiatria, que está também em videoconferência.
A SRA. MARIA DILMA TEODORO (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia a todos.
Cumprimento o Exmo. Senador Paulo Paim e, na sua pessoa, os demais Parlamentares; cumprimento também todos os convidados deste evento. Em nome da ABP, na pessoa do Presidente, agradeço a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa pelo convite para participar deste evento.
Gostaria de iniciar trazendo uma pergunta: doença mental existe? A quantas anda a saúde mental no Brasil?
Temos hoje uma população de um pouco mais de 200 milhões de habitantes. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, mais de 1 bilhão de pessoas sofre com doenças mentais em todo o mundo, aproximadamente 10% de toda a população mundial. O Brasil lidera o ranking de casos de depressão e ansiedade na América Latina, com mais de 23 milhões de padecentes e quase 19 milhões de todo o país, respectivamente, sendo consideradas as principais causas de suicídio. O Brasil também ocupa o terceiro lugar no ranking mundial das doenças mentais.
E qual é o tamanho da nossa rede de atenção psicossocial? São 2.836 Caps, distribuídos em 1.910 municípios, o que corresponde a uma cobertura de 1,33 por 100 mil habitantes; 224 equipes multiprofissionais; 70 unidades de acolhimento; 823 serviços de residência terapêutica; 1.952 leitos em hospitais gerais - esses leitos são distribuídos nas diversas clínicas, poucos deles são em unidades específicas de saúde mental -; 12,6 mil leitos em hospitais especializados.
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O Governo Federal investe 1,5 bilhão nesses equipamentos de saúde. Qual é a previsão orçamentária para ampliação do número de serviços? Nós não sabemos. O montante de recurso para a saúde mental está no pacote de toda a saúde, sendo usado de acordo com prioridades. Quais os critérios das prioridades? Nós também não sabemos. Caso em determinado momento a prioridade seja, por exemplo, os leitos de UTI, a saúde mental terá que aguardar, nunca sendo de verdade prioridade. A saúde mental não tem rubrica própria, portanto é difícil fazer planejamento. Quando eu digo não tem rubrica própria é que o orçamento é todo uma rubrica única e distribuído para as áreas, as diversas áreas da saúde, incluindo aí a saúde mental, incluindo aí a UTI, incluindo Samu e todas as outras áreas.
Hoje, aqueles que precisam de atendimento emergencial não têm onde serem atendidos, principalmente se a urgência acontecer após as 19h. Os Caps III não funcionam com porta aberta 24 horas. As unidades de pronto atendimento estão lotadas, sem profissionais qualificados para atender a demanda da saúde mental, ficando os nossos pacientes sedados ou, às vezes, até contidos para que possam ser transferidos.
Outro dia aqui no DF, por exemplo, a imprensa mostrou que, após uma intensa agitação psicomotora, um paciente que estava em uma UPA fugiu e a família estava pedindo ajuda à imprensa, denunciando e pedindo ajuda para encontrá-lo, porque não sabia o que fazer, um pai e uma mãe com um filho que estaria, a priori, psicótico, em crise.
A atenção primária, que é, sabidamente, a porta de entrada para assistência, tem relatado dificuldades na relação com os Caps e cuida como pode, mas não como deveria. Principalmente, nesses atendimentos, o que acaba acontecendo é que, pela dificuldade do encaminhamento, nem todos os Caps têm feito o acompanhamento junto às unidades básicas, e aí nós contribuímos dessa forma com a cronificação dos nossos pacientes.
A disponibilização de ambulatórios é precária. Temos ambulatórios nos serviços de ensino que não abarcam a demanda. As equipes multiprofissionais financiadas pelo Ministério da Saúde também são insuficientes: 50,3% dos Caps são do tipo I, com equipe reduzida, sem leitos de retaguarda e com consultas médicas agendadas, o que retarda diagnóstico e, consequentemente, terapêutica adequada. O colega mesmo, do Ceará, colocou o tempo de espera para uma consulta.
Entendemos que prestar serviço de qualidade à nossa população não se restringe a fechar serviço, especialmente fechar hospitais, mas a respeitar o direito constitucional à saúde. O acesso a serviços de qualidade deve ser garantido a todos, sem exceção. A ciência tem trazido conhecimentos para um melhor atendimento da doença mental e, consequentemente, para um melhor tratamento. Hoje, ter o diagnóstico de doença mental não é mais sentença de incapacidade permanente, de invalidez e, consequentemente, aposentadoria, o que nós sabemos que causa um grande impacto na economia. Temos recursos terapêuticos que, utilizados e disponibilizados a todos, podem, sim, mudar esse cenário e termos um tratamento de qualidade.
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A Associação Brasileira tem lutado por uma assistência de qualidade, tendo investido na pesquisa, na formação profissional e em campanhas em prol da diminuição do estigma da doença mental, como também do estigma do tratamento e do estigma dos profissionais, visando sempre o melhor para aqueles que padecem de doença mental. Nós sabemos que o estigma hoje ainda mata, porque o estigma faz com que as pessoas não busquem ajuda, não busquem tratamento, e aí a doença se agrava, e isso também aumenta os riscos dos nossos números de tentativas e de suicídios.
Agradeço a oportunidade de estar aqui hoje e peço a todos que reflitam sobre a pergunta inicial. Precisamos ser responsáveis e realmente cumprir a Lei 10.216, respeitando os direitos de proteção das pessoas que padecem de doença mental. A Associação Brasileira de Psiquiatria está preocupada, sim, com a implementação da Resolução 487, de 2023, ante a realidade da assistência brasileira dita aqui, e se coloca à disposição para participar das discussões técnicas, buscando sempre o melhor atendimento para o doente mental em conflito com a lei.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Dra. Dilma Teodoro, representante da Associação dos Psiquiatras da América Latina e da Associação Brasileira de Psiquiatria, que aqui fez a sua exposição e pediu muita atenção a alguns temas de que ela tratou.
O Sr. Nelson Fernandes Júnior, Consultor em Gestão Sustentável e Diretor Operacional da Pró-Saúde Mental, informou que está à disposição.
Por favor, Dr. Nelson. (Pausa.)
Então, vamos em frente.
Passo a palavra ao Sr. João Mendes, Coordenador de Desinstitucionalização e Direitos Humanos, no Departamento de Saúde Mental, que está aqui na mesa com a gente.
O SR. JOÃO MENDES DE LIMA JÚNIOR (Para expor.) - Boa tarde a todos e todas!
Em nome do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, gostaria de agradecer o convite para participação nesta mesa. Sei, Senador Paim, que a palavra é extensa e às vezes difícil de ser pronunciada, mas fácil de ser executada. Nós estamos aqui para abrir uma interlocução num debate sensível, extremamente necessário.
Gostaria de saudar, na pessoa do Senador Paim, a composição da mesa e dizer que tem sido uma manhã e um início de tarde bastante férteis no que diz respeito ao compartilhamento das ideias centrais desse tema e também de alguns apontamentos.
Em nome da Dra. Sonia, que não pôde estar aqui hoje - ela está em Genebra participando de um encontro mundial de saúde -, eu queria trazer algumas questões que têm nos acompanhado nessa nova composição do Ministério da Saúde, inclusive dizendo que nesta gestão a pauta da saúde mental passou a ser um departamento; deixou de ser uma coordenação e ganhou status de departamento dada a relevância que o Ministério da Saúde e o Presidente Lula têm dado ao tema da saúde mental.
Senador, o senhor iniciou a audiência hoje fazendo menção ao lamentável fato do racismo, e eu queria dizer que a agenda antimanicomial é também uma agenda antirracista.
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Aqui eu queria trazer um pequeno trecho da Carta de Bauru, várias vezes falada aqui, da experiência inaugural de 1987 lá em Bauru. O manifesto diz o seguinte:
O manicômio é uma expressão de uma estrutura, presente nos diversos mecanismos de opressão desse tipo de sociedade. A opressão nas fábricas, nas instituições de adolescentes, nos cárceres, na discriminação contra negros, homossexuais, índios e mulheres. Lutar pelos direitos de cidadania dos doentes mentais significa incorporar-se à luta de todos os trabalhadores por seus direitos mínimos à saúde, justiça e melhores condições de vida.
Então, todo o movimento antimanicomial no Brasil já surge comprometido com a luta contra todos os mecanismos de opressão: opressão de classe, opressão de raça, opressão de gênero e o conjunto das demais opressões. Portanto, essa pauta nos diz respeito também, e é importante que isso seja dito já de início.
Bem, ouvi atentamente aqui as várias informações e as várias apresentações e queria dizer, de início, que também sou professor universitário da minha querida Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, a universidade brasileira que tem a maior quantidade de estudantes da classe C e D no país, Professor de Saúde Mental, de Psicopatologia e também Professor de Metodologia. Sempre que trabalho com esses conteúdos em sala de aula, tenho dito que as piores formas de se fazer política pública e ciência é quando o fundamento é o negacionismo ou o assombrismo, o alarmismo. E digo isso para dizer, muito respeitosamente, Dr. Fábio, que essas informações que o senhor trouxe sobre, por exemplo, a possível repercussão negativa da evolução da reforma psiquiátrica, são bastante refutáveis. Gostaria, inclusive, de poder compartilhar, na medida do possível, teses e publicações mais recentes.
Eu citaria aqui, por exemplo, o caso de Machado, que, em estudo recente aqui agora de 2018, estudando 5.507 dos 5.570 municípios brasileiros, encontra resultados absolutamente favoráveis aos efeitos da nossa rede de atenção psicossocial. Nesse estudo de Machado, do qual participa o Dr. Davide Rasella, uma das maiores autoridades em avaliação de impacto no mundo - tive a oportunidade de fazer um curso com ele, quando ele estava no Imperial College -, eles dizem o seguinte: os resultados dessa avaliação de impacto feita aqui no Brasil permitem demonstrar que a cobertura de CAPS, os centros de atenção psicossocial, em municípios está associada a menores taxas de suicídio, está associada a menores taxas de hospitalização por tentativa de suicídio, e está associada a menores taxas de internação pelo conjunto dos transtornos mentais, incluindo o uso de substâncias psicoativas. Digo isso muito respeitosamente, sabendo que, como profissional e homem de ciência que o senhor é, a ciência se faz de tese e de antíteses. Então, nós temos antíteses sobre isso.
A política de saúde mental brasileira já tem um conjunto de evidências robustas do seu sucesso, e é preciso que isso seja trazido para a nossa conversa, porque, muito regularmente, tem-se falado sobre as fragilidades da nossa rede de atenção psicossocial.
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Eu sei que, sim, nós ainda temos uma rede de atenção psicossocial que precisa ser incrementada, que precisa crescer, mas nós temos uma das maiores redes de atenção psicossocial do mundo. Digo isso, Senador Paim, com bastante segurança: dois dos sete países com população superior a 200 milhões de habitantes ousaram fazer a reforma psiquiátrica - Estados Unidos e Brasil. Comparando esses dois países, o Brasil conseguiu evoluir muito em pouco tempo. A nossa reforma psiquiátrica foi iniciada em 2001; a reforma psiquiátrica nos Estados Unidos foi iniciada na década de 1940. Hoje, em termos proporcionais, nós temos uma quantidade de serviços superior ao número de serviços ofertados pelos Estados Unidos, com uma condição, com um detalhe fundamental.
Falamos sobre o financiamento, e é importante que se diga isto: nós estamos fazendo uma reforma psiquiátrica no Brasil com metade do orçamento que os países ricos utilizam para investir na sua rede de saúde mental. Em média, os países da OCDE destinam cerca de 5% do orçamento da saúde para a saúde mental; a França, em especial, destina 15%. O Brasil, quando alcançou a sua melhor posição em termos de investimento proporcional, alcançou o índice de 2,6% do orçamento da saúde para saúde mental, e isso se deu no ano 2013 com a Presidenta Dilma. Ao final do Governo Temer e início do Governo Bolsonaro, o orçamento da saúde mental havia caído de 2,6% para 1,6%. Isso é um acontecimento extremamente grave e mostra qual foi a posição de combate e de fragilização da nossa rede de cuidados.
Sobre o orçamento dos serviços de atenção psicossocial, o companheiro Léo Pinho havia falado aqui no início da sessão. O orçamento dos nossos serviços estava estagnado desde 2011; nós tínhamos ali um gargalo, um déficit inflacionário de cerca de 91%. É compromisso do atual Ministério da Saúde fazer a recomposição. É óbvio que não vai dar para fazer recomposição em apenas um ano, sobretudo porque neste ano ele está datado; o orçamento deste ano foi previsto no ano passado. Mas, ainda assim, na quinta-feira da semana passada, o Secretário Helvécio já assumiu o compromisso de iniciar um processo de recomposição, de reestruturação da dotação orçamentária dos serviços de saúde mental. Isso para nós é uma das prioridades. Inclusive a Dra. Sonia Barros tem trazido isso como uma das prioridades da gestão.
Nós vamos recompor o orçamento da política de saúde mental e, certamente, dos serviços comunitários, porque nas gestões anteriores houve uma recomposição, mas do valor da diária dos leitos em hospitais psiquiátricos. E nós queremos, Dr. Haroldo, fazer a recomposição para fortalecer os serviços comunitários. É disso que nós precisamos.
Vou encaminhando aqui; sei que tenho ainda alguns minutos, mas queria ser breve aqui também dado o avançado da hora.
Sobre a nossa Raps, queria aqui fazer uma pequena correção em relação aos dados que foram anteriormente apresentados. Nós temos hoje 2.858 CAPS. É bem verdade, sim, que 50% desses serviços são serviços instalados em pequenos municípios, mas é possível entender que, se são serviços instalados em pequenos municípios, isso significa dizer que um dos horizontes da reforma psiquiátrica é alcançar os municípios de pequeno porte. Há 40 ou 50 anos, quando a resposta ao cuidado era exclusivamente centrada nos manicômios, nos hospitais psiquiátricos, esse serviço estava apenas nas capitais ou nas grandes cidades. Ora, eu trabalho com municípios de 20 mil habitantes e lá tem o serviço de saúde mental. Isso é um ganho positivo da reforma psiquiátrica brasileira, isso não pode jamais ser entendido como uma das fragilidades do modelo. É o contrário, é o avanço, é a interiorização do modelo.
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Hoje nós temos a oportunidade de falar desse modo, afirmando o modelo, garantindo o sucesso desse processo. Lógico, vamos ter a necessidade, o compromisso de continuar expandindo essa rede. E sobre essa questão da expansão da rede, nós encontramos um sistema, que chama Saips (Sistema de Apoio à Implementação de Políticas em Saúde). Esse sistema estava fechado, ficou fechado durante quase quatro anos. A primeira orientação da Dra. Sonia quando assumiu o Departamento de Saúde Mental foi abrir imediatamente o sistema para que nós possamos receber solicitações de implantação de novos serviços. Com isso, em apenas dois meses, nós conseguimos habilitar 27 novos CAPS - sei que é pouco, mas é muito diante do pouco tempo que a gente teve para conseguir fazer essa recomposição de forma imediata -, conseguimos abrir, estou falando em termos de habilitação, 55 novas residências terapêuticas, serviços residenciais terapêuticos, e um conjunto de outros serviços, incluindo leitos em hospitais gerais, cerca de 158, 159 leitos em hospitais gerais, com o acréscimo, já de imediato, de cerca de R$30 milhões em apenas dois meses de gestão.
Eu estou trazendo esses números - e números não podem ser apresentados de forma fria - apenas para dizer que, sim, existe um compromisso desta gestão com uma reestruturação da Raps. E eu diria que, dando o tom do debate, a Raps vai ser reorientada, vai ser reestruturada, e o horizonte normativo ético-político da política de saúde mental no Brasil é o compromisso radical, profundo, inflexível com a desinstitucionalização, com os direitos humanos e com o cuidado em liberdade.
Nós estamos falando aqui da resolução do CNJ, e eu queria dizer para os senhores que nós estamos falando, no final das contas, do pior dos piores. Sobre os hospitais de custódia, a Dra. Ana Paula falou sobre isso, é um eufemismo dizer que isso é um hospital, e ainda mais de custódia, e ainda mais de tratamento. Nós estamos falando do que há de pior nos manicômios, combinado com o que há de pior nas prisões. É século XXI, e a resposta que foi construída tendo como referência os hospitais de custódia é uma resposta que foi pensada lá no século XVII. Não dá mais para continuar considerando compatível com os valores, com os ganhos civilizatórios do século XXI um equipamento que foi uma resposta pensada três ou quatro séculos atrás.
Então, se por um lado é um desafio, por outro lado, é um compromisso desta gestão avançar solidariamente na agenda com o CNJ. Para isso, o Dr. Luís Lanfredi já anunciou, está sendo constituído um protocolo de intenções entre o Ministério da Justiça, o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Justiça, porque nós vamos desenhar uma política de desinstitucionalização da melhor forma possível, da forma mais tranquila possível, sem negacionismo, sem alarmismo, garantindo dignidade e direitos humanos para todas as pessoas que hoje estão sendo alcançadas aí pelo que foi o legado dos hospitais de custódia.
E finalizo dizendo o seguinte, Senador Paim: tenho me orientado por algumas coisas que, às vezes, até parecem um mantra - e que sejam, mas, às vezes, a gente precisa buscar na arte alguma forma de colorir o dia, sabendo que os dias não têm sido fáceis. Mas tenho ouvido com regularidade uma música de Maria Bethânia, quando ela diz assim: Sonhar mais um sonho impossível
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Lutar quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender [...].
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão [...]".
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. João Mendes, Coordenador de Desinstitucionalização e Direitos Humanos do Departamento de Saúde Mental. Parabéns pela sua contribuição! Isso que ele não ia nem falar, hein! Mas ainda bem que falou, e alguém tinha que falar exatamente como é que estava o Departamento.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Todos poderão falar, mas não agora. Se eu fizer um pingue-pongue, eu estou ferrado aqui. Agora já é 1h da tarde, calcule. Se eu deixar um pingue-pongue, nós vamos amanhecer aqui.
Segunda etapa. Todos falaram. Já são 13h.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Fora do microfone.) - Tem mais um, o Nelson. Está conectado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Calma. Falaram todos os que estavam na tela. O Nelson por duas vezes eu chamei, mas eu já abri uma possibilidade de ele entrar. Já avisei eles ali: "O Nelson vai entrar, vai entrar", mas foram duas, três vezes aqui em que ele, infelizmente... Foi problema no aparelho dele lá, não foi nosso. Mas já avisei o pessoal que o Nelson vai entrar. Mas o que é que vamos seguir agora? O Nelson vai ser uma exceção aqui, viu?
Primeiro, como nós estamos com problema de horário e nós temos ainda três Senadores e um Deputado que pediu a palavra - Deputado Célio, não foi, que também pediu a palavra? -, a todos eu vou dar a palavra. Então, para as considerações finais dos nossos convidados, terão três minutos cada um, que eu vou dar para os que estão presentes. Foi quase 20 que falaram. Então, os que estão presentes terão direito às considerações finais; os que estão à distância, infelizmente, devido ao horário, é impossível. E, claro, vou dar, no mínimo, cinco minutos para cada Parlamentar que quiser usar a palavra para as suas perguntas.
E, a pedido do e-Cidadania, eles fizeram um apelo para que eu não lesse as perguntas somente no final, para quem quiser responder às perguntas que vieram da sociedade civil.
Nathaly Santos, de Pernambuco: "Como o Dia Nacional da Luta Antimanicomial contribui para combater o estigma e a discriminação em relação às pessoas com transtornos mentais?".
Fernanda Marino, do DF: "Quais as alternativas de tratamento oferecidas aos pacientes graves?".
Kedna Barbosa, de Goiás: "Quais os desafios enfrentados na luta antimanicomial?".
Rodrigo Martins, do DF: "Como a desconstrução do modelo pode alcançar as minorias?".
Antônia Holanda, do DF: "Quais os principais pontos da reforma psiquiátrica no Brasil? Haverá orçamento para cobrir tais mudanças?".
Beatriz Loureiro, do Rio de Janeiro: "Qual a atual posição da psiquiatria sobre a luta antimanicomial?".
Daniele Gaggioli, de São Paulo: "Os recentes casos de violência nas escolas aumentam o estigma em torno das doenças mentais?".
Fernanda Marino, do DF: "Quais as alternativas disponíveis para o tratamento dos pacientes graves?".
Já dei o encaminhamento, mas como já me comprometi com o Sr. Nelson Fernandes Júnior... Espero que ele esteja lá, hein? Eu entendi que o problema foi de internet, não foi dele.
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Então, passo a palavra, neste momento, para o Dr. Nelson Fernandes Júnior, Consultor em Gestão Sustentável e Diretor Operacional da Pró-Saúde Mental. Fiquem tranquilos os Parlamentares, porque eu digo cinco minutos com a devida tolerância, como sempre faço. Então, não se assustem aí. Vamos lá. Está na tela o nosso convidado? (Pausa.)
Eu tenho colaborado.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, vamos fazer o seguinte: sem prejuízo dele, já que ele está tentando, sinto que ele está tentando todo tempo e está me ouvindo falar aqui. Dr. Nelson, o senhor aguarda por aí, nós vamos passar a palavra agora aos Senadores e ao Deputado. Não sei se o Deputado, aí vocês que decidem quem vem falar primeiro. Pela minha lista de inscrição, Senador Styvenson.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pronto.
Senadora Damares Alves. Sim, sua ordem.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - E eu quero que o senhor considere...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - São cinco minutos, mas com a devida tolerância.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Claro, quero que o senhor considere também que sou mulher, e mulher fala mais, tá?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu sei, não tem problema.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Eu quero cumprimentar...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Já vou dar seis, então. (Risos.)
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF. Para interpelar.) - Eu quero cumprimentar todos os senhores que vieram contribuir com esta Comissão, com suas falas, com seus dados, com suas informações, os que estão presentes, os que estão online. E aí, um abraço especial à Dra. Dilma.
Senhores, esse assunto não pode, esse debate não vai se esgotar nesta audiência. Inclusive eu estava falando aqui com o Senador Girão, nós vamos ter que provocar, Senador. Muitos Senadores que queriam estar aqui, hoje, não puderam vir. A audiência tem um objetivo específico, que é o dia 18 de maio, mas a gente está vivendo esses dias, Dr. Haroldo, esse descontentamento e essa reação da sociedade com relação à resolução do CNJ. E eu vou ficar nesse tema específico.
Primeiro, só para dizer o seguinte: eu sei o que é manicômio, eu estava lá, eu estive lá. Sou filha e neta de pastor, e lá no interior do Nordeste, Dr. Haroldo, Dra. Janaína, era à casa do pastor que as famílias corriam para ajudar a cuidar dos seus doentes. Quantas noites passei acordada, ao lado do meu pai, que não tinha recurso algum, pastor pobre, apenas um violão, cantando para acalmar o doente, porque nós não tínhamos uma outra alternativa? Essa era a nossa realidade. Depois eu fui cuidar das famílias que tinham os doentes e reintegrando os doentes na sociedade. Fui infelizmente testemunha de mortes, de assassinato de filho assassinando pai, pai assassinando filho, nessa reintegração, nessa trazida deles de volta para a sociedade. No começo, foi muito difícil, vocês sabem disso. Alguns não estavam prontos, foi muito difícil.
Hoje eu vivo com um outro dilema. Eu vivo um país em que a segunda causa de morte entre os adolescentes já é o suicídio. A gente tem aí os nossos enfrentamentos na área de saúde mental. Mas eu vou ficar aqui, Dr. Haroldo, com relação ao descontentamento da sociedade. Nós estamos no Maio Laranja, e eu estou andando o Brasil, por conta da campanha do Maio Laranja. Acho que todos vocês conhecem a minha luta no enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. E, desde o dia em que a resolução se tornou pública, tem sido difícil para mim falar com o povo e não ver a reação da sociedade, a preocupação da sociedade com relação à resolução. Eu não sei, Dr. Haroldo, o que aconteceu. Se foi a comunicação?
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Eu confio no CNJ. Eu trabalhei muitos anos com o CNJ e não sei o que aconteceu. A gente sabe que, talvez, o melhor seria o CNJ exigir do Executivo o cumprimento da lei. A gente sabe que há um descompasso entre o fechamento dos leitos e a instalação das novas terapias alternativas, do novo serviço alternativo. O descompasso foi muito grande. Chegamos onde chegamos, mas a minha preocupação é com o CNJ agora.
Quando a gente vê notas de associação de psiquiatria, de conselhos de medicina, falando que não houve a conversa - e aí as notas chegam à sociedade e a reação do povo está muito ruim... E não é no seu gabinete que o povo bate, Dr. Haroldo, é no nosso. Nós estamos com o povo, somos eleitos pelo povo, e eles estão pedindo essa resposta. Há um pavor, há um medo, talvez pela forma como foi comunicado à sociedade. Eu sei que uma comunicação errada pode resultar num efeito que a gente não quer. Eu mesma fui vítima disso. Eu sou, assim, a tal Ministra do azul e rosa, uma fala minha, recortada e passada para a sociedade de forma indevida, virou o que virou na minha vida, mas, no meu caso, eu fiz do limão uma limonada. Foi o azul e rosa que me trouxe a esta Casa e eu consegui conversar com a sociedade e me explicar, mas eu não sei como é que os senhores vão se explicar à sociedade sobre essa resolução. O que está acontecendo hoje é o seguinte: medo e pavor.
Como é que nós vamos falar com o nosso povo? Que a gente vai suspender a resolução aqui no Congresso Nacional? Vários projetos de decreto legislativo que têm como objeto a resolução já foram protocolados. Como nós vamos conversar com a sociedade sobre a resolução? Como nós vamos aquietar o nosso povo, o nosso povo que está com medo que alguns voltem para a sociedade sem estar prontos? Como falar com o meu povo? Então, eu vou ficar só nesse tema e parabenizar a contribuição dos demais.
(Soa a campainha.)
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Não vai dar para a gente discutir o dia 18, a nossa luta pelo fim dos manicômios. Hoje não tem tempo. Eu acho que a nossa emergência hoje, Dr. Haroldo, é exatamente a Resolução do CNJ. Como nós vamos conversar com a sociedade? O CNJ pensa em recuar um pouquinho, em esticar o prazo, em rever, em sentar com os médicos, sentar com o Congresso, acalmar a sociedade, preparar a sociedade para que seja cumprida a resolução? A minha preocupação hoje é a reação da sociedade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Senadora Damares Alves, permita-me, já adiantando, e pela importância do tema, realmente eu fiquei aqui, ao mesmo tempo, apavorado e empolgado, já querendo botar emenda minha, inclusive, que eu posso colocar na Comissão, como todos os senhores, para essa área... Já conversávamos aqui na Mesa, com todos os participantes, e todos concordaram, que é a questão do orçamento. Mas, que a gente já providencie, quem sabe, na próxima sessão, o requerimento com data prevista e marcada para uma outra audiência pública. Esse é o tipo de audiência que, de fato, numa única reunião, não se resolve.
Passo a palavra agora ao Styvenson ou ao Eduardo Girão. Escolham. Por fim, vai ser o Deputado Célio.
O Senador Styvenson Valentim, que foi o primeiro a chegar aqui na nossa...
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN. Para interpelar.) - Uma discussão do interesse não só meu, mas de interesse público, esse tema todinho, 22 anos... Aí eu escolho duas pessoas para perguntar, que palestraram hoje, o Dr. Fábio e o Sr. Haroldo, não pela intervenção, pelo contrário, porque eu acredito que no nosso país tem vários modelos bons - modelos de educação, modelos de segurança pública. Eu acho que o sonho é replicar modelos que funcionam. Mas, infelizmente, nem todo Governador, nem todo Prefeito, nem todo promotor, nem todo Senador tem o mesmo interesse de acompanhar esse tipo de causa ou desses modelos que funcionam.
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Então, para o Dr. Fábio, 22 anos, eu acho uma falta de empatia por quem passou aqui, um desrespeito às leis. Eu acho que é uma quebra de regras. A gente está trazendo esse tema hoje, de 22 anos aqui, para um prazo para ser cumprido rápido, porque tudo que foi dito aqui é do sistema público - aumentar orçamento, melhorar as condições, se fala em extinguir hospitais. Eu trouxe o questionamento dos hospitais privados, porque existem hospitais privados que tratam dessas pessoas. Vão ser fechados também.
A minha pergunta para o senhor é bem específica: pessoas que passaram por aqui, que não têm a mínima empatia, capacidade, que desrespeitam a população, a esse regramento, a essa legislação que já tinha sido avaliada, não por mim, que cheguei agora aqui... Isso não seria uma característica também para ser avaliada por quem pertence aqui a essa classe política? Porque hoje se precisa de uma medida judicial que se obriga a fazer algo que já deveria ter sido feito lá atrás? O que a gente está discutindo aqui é notório. Porque, se a gente for fechar tudo que não presta, fecha escola, fecha creche, talvez nem se construa, como não é construído, 9 mil obras paradas. Fecha presídio, que não tem condições de manter as pessoas com dignidade. Fecha os hospitais que não atendem direito, as filas estão lotadas. Será que a resposta para tudo que a gente tem agora é fechar, porque não funciona mais? As fotos que eu vi são reais. Não são produzidas, não são mentira, mas, se eu mostrar foto de presídio, de escola, não é tão diferente. Não tem pessoas nuas. Não tem pessoas que foram colocadas ali que Deus sabe como, por quem, mas não é a nossa figura aqui.
Então, a minha pergunta é: será que todos os hospitais que vão ser fechados, a gente tem condições de sustentar hoje? O senhor já disse que não. Diferentemente do Goiás, que é um estado que a gente precisa elogiar, não só nesse modelo, mas em todos os outros - escola cívico-militar, no agro, na empregabilidade. Eu queria que o meu estado fosse igual ao do senhor. Invejo Santa Catarina, invejo todos os outros. Invejo até o Ceará. O pior Ideb é o meu.
Se não tem educação, se as pessoas estão se viciando em drogas... Amanhã a gente tem outra discussão, Senador Paulo Paim, sobre a descriminalização de drogas no STF. Não passa por aqui essa pauta? A gente sabe que existem pessoas lotando ruas, como na cracolândia. Isso pode causar, sim, internamentos, esse uso exacerbado pela juventude de bebida alcoólica, de drogas. Como vai ser feito esse tratamento se o que tem hoje não consegue abarcar? Se a gente não conseguir cumprir essa meta, como é que vai ser? As pessoas vão ficar na rua, perambulando? Os familiares não vão querer em casa? Será que a gente não está colocando em risco essas próprias pessoas? E olha que eu nem entrei na questão dos que cometem crimes, porque eu não deixaria, eu não queria sentar perto. Estou sendo preconceituoso? Estou, mas eu não sei como é que ele vai agir. Eu não vou. Um cara que mata o próprio familiar, que não tem empatia nenhuma, que não tem sentimento nenhum, sentado do lado de uma pessoa que não cometeu nenhum crime. Será que ela estaria satisfeita, Senador Paulo Paim, em saber que seria tratada nas mesmas condições? Então, é essa a condição.
(Soa a campainha.)
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O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN) - Só para encerrar, Dr. Haroldo, a gente está aqui no Legislativo, Casa revisora, Senado Federal, falando sobre a resolução, falando sobre a Lei 10.216 - não é isso? -, se não me falha a memória, que foi elaborada, discutida várias vezes.
Eu não estava aqui presente, mas posso discutir uma coisa com o senhor, que é Promotor de Justiça: essa resolução, essa lei, não modifica o Código Penal, a execução penal, não modifica tudo isso? Ou ela já traz, dentro do seu arcabouço, essas modificações previstas?
Ou o Código de 1940 a gente deveria estar discutindo também, deveria ser discutido também, Senador Paulo Pai, porque eu quero discutir aqui com o senhor redução de maioridade penal. Já que tem crianças que têm capacidade mental de votar - e se discute agora habilitação, se discute tudo isso, até trocar sexo...
A pergunta é específica, é bem clara para o senhor: a gente não poderia dar uma paralisada para ver se isso é ou não constitucional, se há a modificação de uma lei por outra que não traz essas modificações, essa supressão, essas alterações, como deveria ter sido feito naquele período? Foi observado isso? Se foi, está tudo muito bem, parte-se para outro questionamento.
O meu questionamento para o senhor, além desse, é... Eu tenho risco, eu tenho medo de, sinceramente, ser colocado como inimputável, Senador Paulo Paim. É que eu posso me consultar com um médico e dizer que estou depressivo, que estou triste, que não quero mais sair de casa, estou sinceramente para baixo, estou com pensamento de suicídio, quero matar os outros, estou com ódio do meu chefe. Aí o senhor diz assim: "Afastamento por tempo indeterminado", sei lá qual o CID que o senhor vai colocar, e me coloca como uma pessoa que está com risco de perturbação, com ansiedade, com tudo isso aí, com depressão - eu na minha forma lúcida e lógica. Aí eu cometo um crime, começo a cometer crimes e utilizo isso mais à frente como argumento. Vou ser submetido a uma junta e repito a mesma coisa, finjo fazer a mesma coisa. Não seria esse um risco, Promotor, que a gente poderia correr também? Não tendo mais esse tipo de procedimento dentro do Código Penal, na Lei de Execução Penal, as pessoas não poderiam se aproveitar disso? Eu penso nisso também, se a gente não pode estar cometendo esse tipo de falha.
Obrigado, Senador Paulo Paim.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
Senador Eduardo Girão.
O Senador Styvenson usou sete minutos...
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN. Fora do microfone.) - Foi mal, desculpe!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, não, ficou dentro do limite. Eu falei que haveria tolerância. A Senadora Damares ficou em cinco minutinhos...
Fala o Senador Girão agora e, depois, o Deputado Célio.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - O que a Damares não usou o Styvenson queria usar. (Risos.)
Antes, Senador Paulo Paim, eu peço permissão para passar a palavra para o Deputado Célio Studart.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pois não. Agora?
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Ele está chegando aqui à Casa, está vindo participar. Ele fala primeiro.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pois não, Deputado Célio Studart.
O SR. CÉLIO STUDART (PSD - CE) - O Senador Girão é sempre um amigo muito gentil e cordial. Agradeço, Senador. Não iria aceitar, mas a gentileza foi tão grande...
Vou ser bem breve.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você não ia aceitar porque você preferia falar por último. É sempre bom ser o último, viu? (Risos.)
O SR. CÉLIO STUDART (PSD - CE) - São dois pequenos registros. Vou ser bem breve.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É só para descontrair.
O tempo é seu.
O SR. CÉLIO STUDART (PSD - CE) - Primeiro, quero parabenizá-lo, Senador Paulo Paim, pelo momento. O dia de hoje nos exige este debate.
Saúdo aqui a toda a mesa nas pessoas de V. Exa. e do médico Dr. Fábio Gomes de Matos, do Estado do Ceará, que é meu estado também, assim como do Senador Eduardo Girão. Como são poucos Senadores, vou saudá-los por seus nomes: Senador Styvenson e Senadora Damares. Parabéns pelas palavras.
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Queria aqui fazer dois pequenos registros. Um é que nós estamos criando na Câmara a Frente Parlamentar para Promoção da Saúde Mental, uma frente parlamentar mista, então eu quero aqui convidar todos os Senadores. Alguns já são signatários da frente e outros estão sendo procurados por nós através da frente - na verdade, as assinaturas começaram através da Deputada Tabata Amaral.
Estarei na frente na condição de Vice-Presidente, buscando o equilíbrio no sentido de mostrar que essa luta, que essa defesa é suprapartidária, no sentido de que nós queremos o máximo de partidos envolvidos, o máximo de pessoas que representem mesmo, em suas lutas, em suas batalhas, aqui dentro do Congresso, algum espectro ideológico; que compreendam que nós vamos, acima de tudo, fazer uma frente propositiva escutando a ciência, porque nós tivemos, durante muitos anos aqui nestas Casas - estou no Senado, então para não cometer um ato falho de falar pela Câmara, mas acho que posso falar um pouco pelo Congresso em si -, visões talvez um pouco ultrapassadas do que a ciência hoje tem buscado incluir, tem buscado autenticar como uma luta pela defesa, pela reinserção social e pelo respeito às pessoas que buscam e precisam de assistência à saúde mental.
Então, em especial, Senador Girão, na sua pessoa, que tem um mandato de altíssimo nível, preocupado com causas muito nobres, quero convidar todos os Senadores desta Casa - na sua pessoa também, Senador Paulo Paim -, todos aqueles que desejem participar da nossa Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental.
E o segundo registro, concluindo, é para falar que estou presente também, além da data, além da excelente audiência promovida por excelentes debatedores... Quero colocar aqui a nossa gratidão, em nome da população do Ceará - Senador Girão pode falar em nome do Estado do Ceará e da população, claro -, que represento na Câmara aqui, a gratidão que nós temos pelo Dr. Fábio Gomes de Matos, que é, lá no Ceará, uma autoridade desse tema, não só pelo instituto Pravida, mas como Professor, como médico, como Doutor que é experiente nesse caso.
Ele, em suas falas - não estava aqui ainda presente, Dr. Fábio, mas vim escutando no carro -, repetiu uma frase que sempre repete e que, para mim, marca a sua caminhada e a sua luta nesse caminho: nós devemos sair do verbo e aumentar a verba. Então, esta Casa deve ser sensibilizada pelo seu poder de articulação com o Ministério da Saúde para que a gente possa evoluir nesse sentido.
Recordo aqui - e não que não seja mais ainda, deixo até como uma pergunta também - que havia o desejo, pelo menos ali num período de mais debates no ano passado, de transformar a diretoria em uma secretaria. Não sei se ainda existe essa intenção do Ministério da Saúde ou se o Ministério da Saúde vai manter a saúde mental dentro do órgão técnico de diretoria, mas havia ali, pelo atual Presidente Lula - não quero chamar de promessa de campanha, mas uma sugestão de campanha -, a ideia de que a saúde mental tivesse uma secretaria própria dentro da estrutura do Ministério da Saúde. Ciente da preocupação da Ministra Nísia e de todos os demais, acredito que esse é um tema que pode ser levado, se propício de fato, ao ministério.
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Então, esses são os registros.
Mais uma vez, parabéns, Senador Paulo Paim.
Obrigado, Dr. Fábio Gomes de Matos, pelos seus serviços prestados ao Estado do Ceará e ao Brasil.
(Soa a campainha.)
O SR. CÉLIO STUDART (PSD - CE) - E agradeço a esta Casa pela oportunidade e ao Senador Girão, aqui, pelo espaço.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Deputado Célio Studart. Parabéns pela sua fala e pela pergunta que encaminhou aos convidados.
Eu só quero esclarecer aos convidados - estiveram mais oito ou nove de forma virtual - que nós temos o problema de que às 14h começa o Plenário. Então, a gente vai dar a palavra por cinco minutos para os que estão aqui presencialmente, como também para os Senadores e Deputados que estão presencialmente; mas não é nenhuma restrição.
Todos falaram bem - todos. Só tem elogios aqui. Teve uma senhora que disse que alguém teria dito que eles não estão preparados. Não é verdade. Acho que foi engano dessa pessoa que escreveu isso. Todos aqui só elogiaram todos os painelistas. Claro, discordância é natural, por isso estamos numa democracia.
Senador Girão, o tempo é seu.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Para interpelar.) - Muito obrigado, Senador Paulo Paim.
Cumprimento-o por mais uma audiência importante aqui, na Comissão de Direitos Humanos, e de alto nível. As palestras eu não pude acompanhar desde o começo, mas fiquei online ouvindo e muito aprendi aqui com mais esta sessão.
Eu queria apenas dizer que a gente vive um momento muito difícil, um momento muito delicado sob todos os aspectos; mas eu vejo que a vida saudável, no Brasil, com todo respeito a quem pensa diferente, está sob ataque. E está sob ataque não apenas do Governo - do atual Governo Federal, o Governo Lula -, como também de uma insegurança jurídica que a gente vive dos nossos tribunais superiores e, agora, com essa resolução do CNJ, que está realmente, como a Senadora Damares colocou, causando indignação muito grande e receio lá na ponta, lá na população. Isso a gente precisa discutir.
Eu quero dizer que o Partido Novo apoia a iniciativa do Podemos, uma iniciativa do Senador Styvenson Valentim, que entrou com uma ADI para tentar reverter isso. Estamos aguardando os encaminhamentos, mas o fato é que a gente não deve deixar a ideologia, absolutamente, se sobrepor à questão científica.
Quando a gente vê o Governo iniciando, acabando com a Senapred, transformando-a num departamento, um órgão tão importante de prevenção às drogas, isso dá uma angústia muito grande no caráter de resgate humanitário das pessoas; mas vamos continuar o nosso trabalho.
Eu fiz aqui, junto à equipe, algumas perguntas e eu quero começar pela Dra. Maria Dilma Teodoro, da Associação Brasileira de Psiquiatria.
O Conselho Federal de Medicina apoiou a manifestação contra a Resolução do Conselho Nacional de Justiça nº 487. Além do CFM, a Associação Brasileira de Psiquiatria, a Associação Médica Brasileira, a Federação Nacional dos Médicos, a Federação Médica Brasileira, bem como o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo emitiram notas em que repudiaram a, no mínimo, imprudente iniciativa do CNJ. Não foram consultados órgãos importantes, associações importantes que deveriam ter sido consultadas numa resolução tão impactante como essa para a sociedade. Todas essas instituições apontaram que essa normativa pode causar grande prejuízo à saúde pública, bem como risco ao paciente, familiares e população em geral.
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A nota do CFM, entidade máxima de representação da classe médica, foi clara ao dizer que 5,8 mil criminosos - matadores em série, assassinos, pedófilos, latrocidas, dentre outros - estarão soltos se valendo da decisão do CNJ.
Para elas, portanto, esse documento é um perigo para a população brasileira, pois determina, propicia que todos esses criminosos voltem para a sociedade e façam tratamento junto com a comunidade se assim essas pessoas quiserem.
Eu pergunto para a Dra. Maria Dilma Teodoro: como representante da Associação Brasileira de Psiquiatria, como a senhora vê esses riscos apontados por essas entidades?
Pergunta para o Dr. Fábio Gomes de Matos, nosso ilustre cearense, respeitadíssimo, que já esteve várias vezes aqui, nesta Casa, participando, desde 2010, de debates.
Dr. Fábio, especialistas apontam, por fim, que essa resolução é um flagrante exemplo de ativismo, numa clara interferência do CNJ, que tem como função exclusiva o controle externo do Poder Judiciário na esfera médica, inclusive tendo a luta antimanicomial se afastado da ciência e entrado no caminho ideológico.
Eu pergunto: a presente resolução do CNJ não é um desrespeito à Lei do Ato Médico? Não fere as normas éticas que regem a profissão médica? Poderíamos considerar uma invasão do exercício da medicina por outros profissionais que, em tese, não teriam qualificação para emitir normativas que não estão relacionadas às suas áreas de atuação?
Para o Dr. Haroldo Caetano.
É óbvio que não podemos permitir que o estigma, Dr. Haroldo, e o preconceito com o paciente psiquiátrico aumentem e que os acometidos por doenças da mente não possam receber o melhor tratamento. Mas a pergunta que eu lhe faço é a seguinte: na figura de membro do Ministério Público, o senhor não entende que a resolução, no...
(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - ... formato que está disposto, conflita de alguma forma com o Código Penal, o Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal, pois os internados em manicômios judiciários estão lá não apenas para tratamento, mas, principalmente, por medida de segurança detentiva e salvaguarda social? Não é uma questão também de periculosidade, e não apenas de tratamento?
E, por último, Senador Paulo Paim, para o Dr. Nelson Fernandes, que eu acho que agora vai dar certo a entrada dele.
O STF vai colocar em pauta - acredite se quiser -, depois de muitos anos parado, coincidentemente, agora, no começo do Governo Lula - o que me preocupa é esse alinhamento entre o STF e o Governo Lula, numa dobradinha -, o recurso extraordinário que pode descriminalizar o porte para o consumo de todas as drogas. Nós sabemos que a maconha, por exemplo, potencializa muito a possibilidade de que o usuário desenvolva doenças mentais como esquizofrenia.
Eu peço que o senhor comente a relação direta entre o consumo de drogas e o aumento de doenças psiquiátricas graves, que levam, inclusive, à pandemia do momento, que é o suicídio. Quantos hospitais psiquiátricos filantrópicos e quantos leitos de internação existem atualmente no Brasil? Uma pergunta direta.
E, por último, qual a relação leito por mil habitantes preconizada e qual é este índice atualmente no Brasil?
Muito obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Senador Girão.
Caso alguém da mesa queira defender alguma das perguntas endereçadas àqueles que estão no virtual, fiquem à vontade; senão, nós vamos encaminhar por escrito. Nove estão no virtual.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Fora do microfone.) - Mas o Nelson vai entrar, não é?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O Nelson, sim, porque ele não falou ainda. Neste momento, inclusive, eu vou chamá-lo. Espero que ele tenha conseguido.
Dr. Nelson Fernandes Júnior - o único que faltava, ele não falou ainda -, Consultor em Gestão Sustentável e Diretor Operacional da Pró-Saúde Mental. (Pausa.)
Ele conseguiu? (Pausa.)
Não conseguiu. Fizemos o possível.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Fora do microfone.) - Fica para a próxima.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso, fica para a próxima.
Então, neste momento, nós vamos voltar à primeira mesa presencial.
O primeiro a responder perguntas - eu vou dar cinco minutos, mas, se precisar de uma tolerância, eu a darei, se necessário for - é o Dr. Haroldo Caetano, Mestre em Direito pela UFG, Doutor em Psicologia pela UFF, Promotor de Justiça do MPGO, representando o GT Saúde Mental do Conselho Nacional de Justiça.
O SR. HAROLDO CAETANO (Para expor.) - Em cinco minutos vai ser difícil, mas vamos tentar.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, se for preciso, eu alongo um pouquinho. Aí depende da boa vontade de cada um.
O SR. HAROLDO CAETANO - Mas, primeiro, faço o registro necessário e interessante de que a bancada do Ceará se faz presente: o Senador Girão, o Deputado Célio, que veio prestigiar esta audiência pública no Senado, e o Dr. Fábio Gomes, que também compõe a mesa. Por que eu faço esse registro? Porque o caso que originou a Resolução 487, do Conselho Nacional de Justiça, o caso Damião Ximenes Lopes, é um caso que aconteceu na cidade de Crateús, no Ceará. Então, é importante que o Estado do Ceará, de fato, observe com cuidado a implementação desta resolução, porque a condenação que o Brasil sofreu na Corte Interamericana de Direitos Humanos surge dali, de um fato ocorrido na terra dos senhores e da senhora - da senhora, não, a senhora não é do Ceará. A senhora falou que é do interior de qual estado mesmo, Senadora Damares?
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF. Fora do microfone.) - Eu passei a infância em Sergipe...
O SR. HAROLDO CAETANO - Sergipe.
Mas, enfim, o Cerará, de fato, está nessa discussão desde o primeiro momento, e é interessante que o Ceará também ofereça uma resposta à altura da responsabilidade do Estado do Ceará particularmente, fazendo aqui esse recorte no plano nacional, porque o caso emblemático que deu origem à resolução, insisto, é um caso que aconteceu no Estado do Ceará, Senador Girão.
E esta audiência pública, que vem celebrar a luta antimanicomial e que vem, fundamentalmente, neste momento de implementação da resolução, serve, de fato, para a gente esclarecer talvez algumas questões.
Mas o momento, digamos assim, do debate legislativo já foi superado, como já foi mencionado aqui. O debate legislativo aconteceu por 12 anos no Congresso Nacional, por mais que quem hoje compõe o Congresso Nacional não o tenha integrado naquele momento, assim como eu também não integrava o Ministério Público naquele momento. Mas o debate legislativo aconteceu, e a Lei 10.216, depois de 12 anos de tramitação, entrou em vigência, e o Conselho Nacional de Justiça vem agora, 22 anos depois da lei, de alguma forma, modular a implementação dessa resolução para que os juízes brasileiros, de fato, façam com que ela seja cumprida, agora, particularmente neste último espaço aonde ela ainda não chegou, que é o manicômio judiciário.
E é importante que isso seja feito, evidentemente, com a necessária responsabilidade, e isso tem sido a pauta, a marca dessas discussões no seio do Conselho Nacional de Justiça, porque não se pode pautar essa discussão pelo pavor, pelo medo, pelo sensacionalismo, pelas informações passadas pela metade.
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Não se trata aqui, Senador Styvenson, Senadora Damares, de uma questão que vai beneficiar pedófilos ou estupradores; muito pelo contrário, nós estamos falando aqui de situações que vão beneficiar pessoas que estão em sofrimento mental e que precisam de atenção em saúde mental. Pedófilos e estupradores, regra geral, estão cumprindo pena nas prisões, não são beneficiados por essa resolução. É importante que isso se registre. Pessoas condenadas por esses crimes não serão beneficiadas. Pessoas condenadas não serão beneficiadas, porque a resolução só se aplica a pessoas declaradas inimputáveis pela Justiça Criminal.
Essa resolução, Senador Styvenson - eu acho que o Deputado Célio também comentou -, contrasta com o Código Penal e com a Lei de Execução Penal? Sim, porque a Lei Antimanicomial revogou boa parte das disposições do Código Penal e da Lei de Execução Penal, embora tacitamente. Isso significa que a lei que vem regular a atenção em saúde mental no Brasil, em 2001, nessa especialidade, derroga todas as disposições que com ela conflitam.
Nesse sentido, a ideia de periculosidade do louco, que já havia sido superada já na Constituição de 1988, porque a Constituição só prevê a possibilidade de imposição de sanção penal contra quem tem culpabilidade, ou seja, quem tem responsabilidade penal, quem pode ser declarado imputável, só essas pessoas é que podem responder criminalmente... Então, a ideia de periculosidade não foi recepcionada, como bem disse a Profa. Janaína na sua fala, pela Constituição de 1988. E, definitivamente, com as disposições da Lei nº 10.216, nós rompemos no plano normativo da legislação brasileira com essa lógica manicomial da Lei de Execução Penal e do Código Penal, este que vem lá de 1940, de um ambiente autoritário, como os senhores sabem muito bem, porque o Código Penal de 1940 foi editado na ditadura Vargas, e ele foi inspirado nesse particular, no plano da medida de segurança e do manicômio judiciário, na legislação fascista de Mussolini, de forma que isso não se compatibiliza com a Constituição mesmo, e a Lei Antimanicomial vem e rompe com essa lógica definitivamente.
(Soa a campainha.)
O SR. HAROLDO CAETANO - Agora, e aqui eu parto para uma questão mais propositiva mesmo, eu faço um convite às senhoras e aos senhores: venham ao Estado de Goiás, aqui do lado, 200km - eu vim de carro hoje de manhã -, venham conhecer a experiência antimanicomial de 17 anos sem manicômio judiciário. A ideia de medo, de pavor, de sensacionalismo que antes orientava essa discussão lá deu lugar à ideia do acolhimento, da liberdade como base de atenção a todas as pessoas.
E mais, isso traz, de forma pedagógica, uma consciência também para o próprio sistema de justiça, porque há um aspecto pedagógico. Quando você começa a experimentar direitos humanos na política pública, você passa a dar passos que não voltam atrás. E o Estado de Goiás tem uma experiência muito marcada, muito bem definida. E com todos os ataques que a rede de atenção psicossocial sofreu nos últimos anos...
(Soa a campainha.)
O SR. HAROLDO CAETANO - ... ainda assim, persiste essa política instituída lá em 2006, antes mesmo do que aconteceu na Itália - a Itália fechou seus manicômios em 2015, Goiás fechou seus manicômios em 2006, nove anos antes -, de forma que Goiás, sim, pode ser esse lugar onde os senhores e as senhoras possam comparecer, estar presentes e entender o que é uma vida sem manicômios judiciários.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Esse foi o Dr. Haroldo Caetano, Mestre em Direito pela UFG, Doutor em Psicologia pela UFF, Promotor de Justiça pelo MPGO e representante do GT Saúde Mental do Conselho Nacional da Justiça.
Senador Styvenson, se V. Exa. permitir, nós fizemos essa rodada...
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN. Para interpelar.) - Eu fiz a pergunta e eu queria só ouvir a resposta, que ficou um pouco só incompleta. Quando o senhor cita o Estado do Goiás - que eu parabenizo e quero conhecer -, o senhor tem que ter a noção de que os estados não são iguais e que talvez não tenham a mesma condição de fazer o que foi feito no Goiás. E talvez a lei esteja impondo algo que seja invasivo dentro das esferas de separação dos Poderes, temendo a tripartição.
Então, uma outra fala que me ficou ainda sem eu ter a certeza: se encerra, com o Código Penal, art. 96 ou 128, se não me falha a memória, da Lei de Execução, se acaba com a figura lá do hospital de custódia, onde que a gente vai colocar essas pessoas que cometem crimes e se alegam inimputáveis? Vamos lá, os crimes, aqueles crimes bárbaros, e tem vários, mas eu não vou citar nomes porque parece que vira uma febre ficar famoso neste país agora. Tem um caso específico no estado do senhor que, se não tivesse sido morto, com certeza, tinha sido colocado como no estado de insanidade mental, agora, numa perseguição que houve, dias e dias dentro do mato, que toda a televisão acompanhou. O cara saiu executando várias pessoas. Onde que a gente coloca essas pessoas?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu só vou fazer um apelo para que não fique o pingue-pongue.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. HAROLDO CAETANO (Para expor.) - Primeiro, Senador...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, ele responde, responde na visão dele.
O SR. HAROLDO CAETANO - Vou tentar ser breve aqui.
Primeiro, Senador Styvenson, é uma questão em que a gente precisa avançar um pouco. A gente não coloca pessoas. Pessoas são sujeitos, pessoas não são coisas que a gente coloca aqui ou deposita ali.
(Soa a campainha.)
O SR. HAROLDO CAETANO - O manicômio judiciário é o lugar do depósito, é o lugar onde você colocava aquela pessoa para morrer ali. Então, esse lugar não pode mais. Existem outras possibilidades. Essas outras possibilidades devem ser experimentadas.
No Estado de Goiás, que não é diferente do Rio Grande do Norte... A população brasileira é quase que... É claro, tem peculiaridades regionais, mas, no plano estatístico, você vai perceber que é uma população até relativamente parecida. Nós temos crimes graves acontecendo. Nós temos crimes não tão graves acontecendo. E, ainda assim, com toda essa situação sendo muito similar... Aqui mesmo - nós estamos em Brasília -, se o indivíduo praticou um crime em Valparaíso, no Distrito Federal, ele vai parar no manicômio judiciário, que aqui funciona dentro da Colmeia, numa ala de tratamento psiquiátrico; se ele passa do outro lado da rua, se ele é julgado no Estado de Goiás, ele será atendido na Rede de Atenção Psicossocial, em liberdade.
Então, isso é o determinante. Quando você exclui o manicômio judiciário, você passa a ter outras possibilidades. E, é claro, para cada caso, dentro da sua condição... Eu não sou da saúde mental, não falo pela saúde mental, mas cada caso...
(Soa a campainha.)
O SR. HAROLDO CAETANO - ... passa por um projeto terapêutico que é individual, em que cada indivíduo desses vai participar e vai ter para si um projeto de vida, um projeto terapêutico que vai inseri-lo de volta, de forma que ele seja contemplado, atendido e cuidado.
E isso tem mostrado, no Estado de Goiás, Senador, um resultado interessante, como política pública. A reincidência lá, que é uma preocupação que se tem nesse aspecto - embora, tecnicamente, não seja reincidência -, é de 5%. Em 17 anos, quase mil pessoas passaram pelo programa com 50 episódios de reincidência, dois ou três em casos graves. Isso, para 17 anos, como política pública, acho que mostra, por si mesmo, a possibilidade, sim, de uma sociedade sem a utilização dessas figuras que nós vimos agora há pouco nas imagens.
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse foi o retorno dado pelo Dr. Haroldo Caetano.
Vamos, de imediato, então, para o Dr. Fábio Gomes de Matos e Souza - vou ler na abertura e, no final, só citarei o nome -, Professor com mestrado em Medicina - Farmacologia pela Universidade Federal do Ceará e Doutorado/PhD em Psiquiatria pela Universidade de Edimburgo.
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS E SOUZA (Para expor.) - De novo, boa tarde a todos.
Agradeço a presença do Deputado Célio, dos Senadores Girão, Styvenson e Damares e, especialmente, do Senador Paulo Paim, que está coordenando todos os trabalhos.
Eu queria colocar algumas coisas, porque fui citado aqui por outro debatedor. Eu nunca na minha fala falei mal do SUS, nunca falei mal da rede, nunca falei mal de Caps. Então, se foi ouvido isso, foi um equívoco, porque não tem nenhuma fala minha dizendo que a Raps e o Caps não devam ser valorizados; pelo contrário. A gente sabe que, quando a gente diz o que o Deputado Célio acabou de repetir, quando a gente diz "sair do verbo e entrar na verba", é para aumentarem exatamente as instituições como Caps, como ambulatórios de psiquiatria, como postos de saúde mais qualificados, como emergências, que têm essa possibilidade de atender essa demanda que existe.
Inclusive, em relação ao Caps, tem um trabalho científico muito interessante demonstrando que a presença de Caps numa cidade diminui em 25% a taxa de suicídios. Então, pelo contrário, o Caps tem que ser muito investigado. Eu lamento que em Fortaleza só tenha seis Caps. Esse é o meu lamento; não é isso.
E quero colocar, assim, algumas coisas de que eu me orgulho muito. O Ceará foi citado aí pelo Dr. Haroldo como sendo um estado que está muito bem representado. Eu acho que está muito bem representado mesmo: nós fomos o primeiro estado brasileiro a libertar os escravos, antes de qualquer outro estado brasileiro; nós temos 70 das 100 melhores escolas públicas fundamentais no Estado do Ceará. Então, a gente pode, sim, fazer coisas muito boas e que sejam replicadas em todo o país. Então, eu me orgulho muito de ser cearense, de ter essa capacidade desse povo de se reinventar.
Agora, eu não acredito quando se diz que os leitos na Itália foram extintos. Não é verdade! Tem mais de mil leitos só de psiquiatria forense. Não sou eu que estou dizendo; é só consultar a literatura.
Quando as pessoas dizem que o SUS é absolutamente único, não é verdade. O SUS foi uma cópia brasileira do NHS (National Health Service) e dos serviços da Dinamarca, da Suécia, da Finlândia, que a gente muito bem podia copiar. Eu vou perguntar a vocês: quantos CPFs vocês têm? Cada um vai dizer: "eu tenho um CPF". Agora, vamos mudar a pergunta: quantos prontuários vocês já fizeram na vida, em médicos, em emergência, em hospitais? Não sei quantos. Desse modo, este Governo - não estou falando este Governo atual, não -, este Governo nosso, brasileiro, se preocupa com o que você faz com o seu dinheiro, mas não se preocupa com o que você faz com a sua saúde. Senão, a gente já teria adotado o prontuário único, como é na Dinamarca, como é na Holanda, como é na Inglaterra, como é na Finlândia e em muitos outros países. Então, se a gente quer fazer política pública, a gente tem que ter um prontuário único, a gente tem que ter verba.
Então, eu proponho aqui - tem vários Senadores e Deputados aqui - que sejam feitos desta nossa conversa aqui projetos concretos: vamos aumentar para 4% do orçamento da saúde para a saúde mental - 4% -; ano a ano, a gente aumenta 3%, 0,3%, 0,4%, mas a gente vai aumentando progressivamente. Isso já vai dar...
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Respondo ao que o Senador me perguntou: se isso não fere o ato médico. A gente considera que sim, que devia ter uma conversa. Nós não somos infalíveis, nós não queremos nos sobrepor a nenhuma outra classe. Nós trabalhamos em equipe interdisciplinar no hospital, e eu muito me orgulho disso. Então, é possível a gente conversar. Agora, se a gente não é convidado institucionalmente para conversar, alguma coisa está errada - alguma coisa está errada. A gente tem que conversar e tem que ver que a gente pode melhorar as coisas porque a gente tem experiência. A gente não pode partir do pressuposto básico que todo psiquiatra - aspas - é "manicomial". Não é verdade isso! Absolutamente não é verdade. Nós não queremos depositar ninguém em canto nenhum. Nós queremos que as pessoas sejam tratadas.
Agora, aconteceu, infelizmente, no meu estado, um caso recente em que um policial entrou à noite numa delegacia e matou quatro policiais. Todos eles estavam dormindo. Como a gente faz? Como a gente atende essa pessoa? Como a gente avalia? O que a gente pode fazer com ela? A gente tem que ter um plano para que esses casos possam ser gerenciados de uma forma adequada, de uma forma que possa ter um melhor prognóstico para ele e um melhor prognóstico para a sociedade. A gente tem que avaliar os dois lados sempre da história.
E quero fazer um último registro: Damião não foi em Crateús, é em Sobral, está certo?
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse foi o Dr. Fábio Gomes de Matos e Souza, para quem ficam meus cumprimentos também.
Agora é a Dra. Janaína Penalva da Silva, Mestre e Doutora da UnB, Professora de Direito da Universidade de Brasília, membro da Coordenação do Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação da UnB.
Notem que eu faço a leitura de todos nas considerações finais e, no final, eu só cito o nome, para ganharmos tempo.
A SRA. JANAÍNA LIMA PENALVA DA SILVA (Para expor.) - Obrigada, Senador.
Na continuidade do que o Haroldo disse, eu acho que é importante a gente esclarecer o papel do CNJ nesse cenário, porque o que eu sinto, como comentou a Senadora Damares, é que há uma circulação de algo que são notícias falsas, que são deturpações do que exatamente significa essa resolução.
É importante, claro, dizer que nós estamos dentro de um sistema constitucional que prioriza a participação social, e é claro que eu acho que esse é um ponto importante, mas vejam que o que essa resolução está dizendo é que, durante a execução penal, ou seja, durante um processo que está sob o controle de uma juíza ou de um juiz, durante esse processo, a resolução não fala qual tratamento, que tratamento, qual medicamento, mas fala de qual é o modelo de execução daquela medida de segurança. Então é difícil dizer que há aí uma intromissão na seara da psiquiatria no que tange à presença de uma pessoa dentro de uma instituição de custódia, sob a responsabilidade do Poder Judiciário. Então, a gente precisa separar para que isso não se torne uma confusão repetida.
Como já disse o Haroldo também, a gente tem que 69% das pessoas que participaram do censo dos HCTPs que foi feito em 2011 não tinham cometido nenhuma infração penal antes. Então, esse medo é um medo que está ligado ao estigma e à discriminação, o medo de quem não conhece, o medo de quem não está disposto a respeitar os direitos, e não o medo do fato, porque esse fato não existe.
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Então, a resolução não estabelece, não está transferindo para nenhuma outra instituição o dever em relação à execução penal. A medida de segurança ambulatorial ainda é uma atuação de restrição de direitos. De novo: o fato de aquela pessoa não estar dentro de um depósito humano não significa que ela não esteja em execução de uma medida de segurança. Então, ela continua custodiada, ela vai ter uma série de restrições. O tratamento, inclusive, é obrigatório, o comparecimento ambulatorial é obrigatório, participar desse processo de desenho de um projeto terapêutico é obrigatório. É uma restrição de direitos. Eu não estou obrigada a realizar um tratamento psiquiátrico, mas alguém que está em uma medida de segurança está obrigado, seja no modelo atual, seja no futuro. Então, não há uma retirada do Poder Judiciário nesse sentido. Ele continua presente, presente no modelo que a própria saúde mental criou, e não que ele criou. O desenho do modelo de cuidado e do modelo de atenção fora dos asilos é não só legal como o desenho cientificamente escolhido pelo Estado brasileiro.
Então é importante não confundir os papéis, porque essa será uma briga perdida. Se a preocupação é com a segurança das outras pessoas, então essa é uma preocupação sobre saúde, que é exatamente a preocupação da resolução do CNJ. Então, não há aí... A participação da Associação Brasileira de Psiquiatria certamente é algo extremamente importante. Não sou psiquiatra, não estou falando em nome de outra profissão, mas é importante entender que, qualquer que seja essa posição, a pena, que é a medida de segurança, permanece. Não há uma extinção disso; o que há é uma extinção de um método de lidar com o adoecimento psíquico que se encontra com o ato infracional, que é esse método considerado absolutamente desumano, que é o manicômio judiciário e o hospital de custódia e tratamento. Então é importante deixar claro que essas searas não estão em conflito, elas estão em diálogo. A resolução aumenta o diálogo entre a saúde e o sistema de Justiça, e não o reduz.
E o CNJ também precisa de ser lembrado, Senador, que vai precisar de capacitar e treinar seus juízes e juízas e servidores em relação a isso. É preciso convocar o resto do sistema de Justiça, convocar a OAB, convocar a defensoria pública, convocar o Ministério Público Federal e todos os estaduais, para que entendam, para que aquilo ali funcione de uma maneira que todo o sistema esteja em diálogo. Eu acho que a gente tem é que avançar para os outros órgãos do sistema de Justiça.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN. Para interpelar. Fora do microfone.) - E qual é o tempo que a gente tem para isso, Doutora?
A SRA. JANAÍNA LIMA PENALVA DA SILVA - A gente tem o tempo da resolução.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN. Fora do microfone.) - Quantos meses?
A SRA. JANAÍNA LIMA PENALVA DA SILVA - O tempo é de hoje. Quem está preso é que está perdendo.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN. Fora do microfone.) - Concordo com a senhora. Eu só não acho que seis meses... Falando de Brasil, eu só não acho que seria...
A SRA. JANAÍNA LIMA PENALVA DA SILVA - É uma prisão ilegal, Senador.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN) - Não, eu estou concordando com tudo que a senhora está dizendo, eu não discordei de nada. Eu só achei que o tempo é curto se tratando do nosso país. A gente nem tratou do Orçamento ainda; o Orçamento no ano passado ficou parado.
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A minha preocupação... Eu perguntei para o Doutor e eu volto a dizer que a minha preocupação é como a de qualquer outro cidadão brasileiro, a minha preocupação é com essas pessoas que estão aí dentro também, porque, se elas vão, se elas passam, tiram esse método, tiram esse modelo medieval, perverso, desumano contra pessoas que não cometeram nada contra a sociedade, nenhum um crime, só estavam ali perturbando na praia, só estavam ali no sinal de trânsito, só estavam catando piúba e comendo, que são as pessoas que estão no meio da rua, que a gente vê todos os dias, aquilo não é humano, aquilo não é normal, no meu ponto de vista. Se vão para esses lugares, o único risco é que eles passem para rua nesse pouco tempo e não tenham assistência. Que voltem a frequentar a rua, que não fiquem sem assistência médica, porque a gente tem que ver se tem capacidade ou não de atender. E, se eu entrar na parte do criminoso, Senador Paulo Paim, aí é que me dá arrepio, porque a população brasileira já tem o estigma de cometer justiça com as próprias mãos. Se se pega um pedófilo que não é considerado ou for inimputável e ele volta para a sociedade...
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Fora do microfone.) - É linchado.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN) - Será que vai ter uma pena muito mais... E o tratamento?
A SRA. JANAÍNA LIMA PENALVA DA SILVA - Eu tenho uma resposta para o senhor. Tenho uma resposta e eu acho que agora vai ficar claro.
Essa não é a primeira resolução do CNJ como uma política...
(Soa a campainha.)
A SRA. JANAÍNA LIMA PENALVA DA SILVA - Posso continuar?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode. É automático.
A SRA. JANAÍNA LIMA PENALVA DA SILVA - ... uma política pública que estabelece um prazo de execução. A gente pode lembrar, por exemplo, do nepotismo. Você tinha um tempo ali em que os tribunais precisavam se ajustar para que a resolução entrasse...
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN. Fora do microfone.) - Nepotismo cruzado.
A SRA. JANAÍNA LIMA PENALVA DA SILVA - É. Depois, infelizmente...
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN. Fora do microfone.) - O que não resolveu o nepotismo...
A SRA. JANAÍNA LIMA PENALVA DA SILVA - Exatamente. É difícil garantir os direitos constitucionais.
Bom, mas eu quero muito responder ao senhor. Esse prazo de nove meses é como um prazo de qualquer política pública. Ele está desenhado para que a gestão dos tribunais, a presidência dos tribunais, as escolas dos tribunais dialoguem com o sistema de saúde daquele espaço e, aí, construam isso, mas ele não é um prazo obrigatório para nenhum juiz, não é? Ele não está decidindo que, naquele processo, depois de nove meses, aquele juiz ou a juíza está obrigada a soltar aquela pessoa ou levá-la para um tratamento ambulatorial. Não é isso. Não é isso, porque isso não é possível ser feito com base numa resolução. A responsabilidade vai ser da juíza ou do juiz que está ali atuando naquele caso. E, se em nove meses não existir uma análise de um projeto terapêutico, infelizmente - infelizmente - aquela pessoa, aquele juiz ou aquela juíza vai ter que encontrar uma solução para aquele caso, que eu espero que seja uma solução de garantia de direitos humanos.
Então, não é um prazo peremptório, não é um prazo legal stricto sensu, é o prazo de uma política pública que, no caso concreto de cada uma daquelas pessoas, vai ter que cumprir as condições para que isso se realize. Então, eu garanto aos senhores que esse medo de que todo mundo... E eu nem acredito que sejam tantas pessoas nem tão perigosas assim, eu acho que tem uma equipe em relação a isso...
(Soa a campainha.)
A SRA. JANAÍNA LIMA PENALVA DA SILVA - Mas ainda que aceitemos, isso não vai acontecer, seria uma irresponsabilidade judicial.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Dra. Janaína Lima Penalva da Silva, que respondeu às perguntas que foram feitas.
Agora, o último, para ver se conseguimos estar 14h no Plenário, nós todos que estamos inscritos, o Sr. João Mendes, Coordenador de Desinstitucionalização e Direitos Humanos, do Departamento de Saúde Mental, que também terá os mesmos cinco minutos, com a tolerância adequada.
O SR. JOÃO MENDES DE LIMA JÚNIOR (Para expor.) - Eu gostaria de agradecer a participação aqui nesta importante audiência.
Vou fazer rápidas considerações. De fato, é um tema que precisa ser retomado, e a gente espera que a gente tenha aqui um ciclo de audiências para aprofundar a discussão.
Vou começar pela primeira fala. Eu ouvi atentamente a Senadora Damares quando ela faz uma provocação que me parece pertinente: como é que a gente vai dialogar com a comunidade? Se a mim coubesse, Senador Paim, uma sugestão, eu diria: nós temos uma TV Senado, que tem uma capacidade de capilarização enorme, e talvez a gente possa começar por aqui, trazendo informações corretas.
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Primeira questão: utilizar os meios que a gente tem para fazer a comunicação.
Segunda questão: a gente só pode fazer a comunicação com base em evidências, com alguma adequação, com algum encontro com a realidade. E aí, por exemplo, perdoem-me, eu ouvi duas vezes aqui um número de 5,8 mil pessoas; eu estou até agora procurando nos nossos sistemas de informação onde é que tem 5,8 mil pessoas e não localizei, Senador Girão. Então, assim, vamos fazer a comunicação, mas é preciso que a gente se paute em evidências. De fato, efetivamente, quantas pessoas nós temos que estão nessas condições? Nós estamos fazendo essa investigação minuciosa de cada uma das situações.
Nessas situações que a gente já tem, por exemplo, quarta-feira da semana passada eu estive em Salvador, discutindo com 200 Prefeitos e secretários de saúde - o estado tem 417 municípios -, e na ocasião me foi dito, Dr. Haroldo, que, das cento e poucas pessoas que estão ainda no hospital de custódia lá em Salvador, 26 já deveriam estar fora do hospital há pelo menos quatro anos. É disso que nós estamos falando também. Então, mesmo que a gente tenha hoje um volume que seja de 2 mil pessoas - na nossa conta chega a mais ou menos 1,8 mil pessoas -, uma parte dessas pessoas já cumpriram tudo que deveria ter sido cumprido com o sistema de Justiça.
Portanto, aí entro num aspecto de que o Senador Styvenson falou, na comparação entre fechar escolas que não estão bem com o fechamento de hospitais de custódia, eu diria que tem uma diferença fundamental, Senador. As escolas foram construídas para favorecer direitos. Os hospitais de custódia têm, na sua essência, a violação de direitos. Então, uma coisa é fechar hospital de custódia - historicamente, essas instituições foram produzidas para fortalecer a exclusão social. Outra coisa é fechar escola - de fato, nós precisamos cuidar das escolas, assim como os serviços de saúde, que andaram sendo fragilizados durante muito tempo.
E vou finalizar, Senador Paim, ouvindo também atentamente a fala do Senador Girão, sobre a questão da ideologia. Nesse campo eu transito relativamente bem, porque tive a oportunidade de fazer mestrado em Linguística na interface com Psicanálise, e no campo da linguística eu aprendi que todas as formações discursivas são ideológicas. Não existe palavra que não seja marcada por um campo semântico, um campo ideológico. E aí eu vou dizer para o senhor sobre a questão da ideologia: por exemplo, quando a gente faz uma opção por cuidar de uma pessoa que usa substâncias psicoativas, e eu, enquanto psicólogo clínico, sei que a curva de efeito da substância no organismo dura um determinado tempo, mas eu fiz uma opção por prender aquela pessoa durante nove meses, eu estou fazendo uma gestão ideológica do cuidado. As instituições que nós temos hoje, que estão ofertando cuidado para pessoas que usam substâncias psicoativas - e inclusive algumas delas têm recebido recurso público -, são instituições ideológicas. Ideologia há em todas as formações discursivas. A grande questão é: a minha ideologia garante ou nega os direitos humanos? A minha ideologia inclui ou exclui? Portanto, na condição de pesquisador...
(Soa a campainha.)
O SR. JOÃO MENDES DE LIMA JÚNIOR - Eu já finalizo aqui.
... aprendi com Bourdieu, sociólogo francês, que, antes de qualquer coisa, é preciso fazer um exercício de reflexividade. É muito mais do que dizer que tem ou não tem ideologia. A ideologia eu diria que é o que forma, é o que está na base das formações discursivas.
E aí, para finalizar de vez, sobre a questão das instituições contrárias à resolução do CNJ, eu diria que há também um conjunto de outras manifestações favoráveis. Na condição de docente universitário, francamente falando, se eu tivesse sido convidado para uma banca de tese e se eu tivesse encontrado na minha frente algumas dessas notas que estão circulando por aí, eu seguramente as reprovaria, porque não é uma tese, é uma manifestação ideológica em caráter de panfleto. Se a gente quer produzir boas políticas públicas...
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(Soa a campainha.)
O SR. JOÃO MENDES DE LIMA JÚNIOR - ... é necessário produzir políticas públicas com base em evidências, e essas notas que eu tenho visto circulando aí de algumas associações, francamente, não têm uma única linha de evidência, é a retórica, é a reprodução dos velhos estigmas, das velhas doxas, como dizia Bourdier, e isso precisa ser superado, de fato.
Então, o Ministério da Saúde está disponível para caminhar junto com o CNJ, porque é século XXI, e nós precisamos trazer para o século XXI as práticas de cuidado também relacionadas às pessoas que hoje estão nos hospitais de custódia.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. João Mendes!
A nossa audiência pública cumpriu todos os objetivos, hoje, 18 de maio, celebrando o Dia Nacional de Luta Antimanicomial.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Presidente, pela ordem, rapidamente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E, assim, eu vou encerrar, mas não posso deixar...
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Claro, rapidamente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... de atender ao pedido pela ordem do Senador Girão.
Estão nos chamando no Plenário, e o Senador Styvenson tem que presidir lá.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Mas é ele que estão chamando.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E eu sou o primeiro inscrito.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - E eu sou o segundo.
O SR. STYVENSON VALENTIM (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - RN. Fora do microfone.) - Então, vou indo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Estou chegando lá em minutos.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Pela ordem.) - É só para, mais uma vez, cumprimentar o Dr. João e dizer para ele que nós também estamos abertos aqui para discutir.
Se o número é 5,8 mil, se o número é 2,4 mil, como o senhor colocou, isso não é importante; o importante é que uma vida, apenas uma vida que um desses criminosos aí possa ceifar tirando o amor da vida de alguém, já não vale a pena isso que a gente está fazendo.
Então, a gente precisa ter consciência com relação a isto: nem todos os estados têm a estrutura e a característica do Estado de Goiás; vá levar para o Amazonas a situação...
Então, a gente precisa ter muita calma nessa hora.
(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Em vez de extinguir, por que não melhorar o atendimento?
Então, eu queria apenas dizer que a política do Governo a gente sabe há muitos anos: política de redução de danos e de tolerância com droga, e droga leva a problemas gravíssimos, adoece a sociedade e devasta a família brasileira.
Muita paz!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado a todos.
Nós vamos, como foi dito aqui, ter um ciclo de debates, porque o tema é rico, é apaixonante, e nós não queremos ver as pessoas na situação em que vimos aqui na tela; foi pior que filme de terror aquilo ali.
Então, eu agradeço a todas e a todos, independentemente da posição de cada um, aos Senadores e aos Deputados que estiveram aqui.
O nosso objetivo foi hoje, com certeza, atingido, que foi celebrar o Dia Nacional de Luta Antimanicomial.
Um abraço!
Obrigado a todos. (Palmas.)
(Iniciada às 8 horas e 53 minutos, a reunião é encerrada às 14 horas e 07 minutos.)