Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
|---|---|
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 33ª Reunião da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. A audiência pública de hoje será realizada nos termos do Requerimento nº 35, de 2023-CDH, de minha autoria e de outros Senadores e Senadoras, para debater "Cáritas: violações sofridas pelos povos e comunidades tradicionais". A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania na internet, em www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria (0800 0612211). Como é de praxe, para que todos os telespectadores, os ouvintes da Rádio Senado e os que acompanham a Agência Senado se situem sobre o debate de hoje e pela importância do tema, eu faço uma pequena introdução. |
| R | Senhoras e senhores, a Cáritas Brasileira é fundamental para a promoção da justiça social tão sonhada por todos nós e, consequentemente, para o auxílio às pessoas em situação de vulnerabilidade. Seu principal objetivo é promover a solidariedade, combater a pobreza, a desigualdade e a exclusão. Esse é um dos objetivos, inclusive, desta audiência pública. A Cáritas atua em várias áreas: ação social e assistência, com um trabalho efetivo de assistência humanitária, auxiliando as pessoas em situação de emergência, como vítimas de desastres naturais, refugiados, deslocados internos e outras situações de crise. Atua no fornecimento de abrigo, alimento água potável, cuidados médicos, psicológicos, entre tantos outros serviços essenciais. Trabalha na defesa e na promoção dos direitos humanos, buscando combater as desigualdades sociais, raciais, estruturais, todo tipo de preconceito. Desenvolve projetos e programas que visam fortalecer a cidadania, a participação popular, o acesso a direitos básicos, como saúde, educação, trabalho decente, salário decente e moradia. Promove ações de desenvolvimento sustentável em comunidades rurais e urbanas, buscando a segurança alimentar a geração de renda, o fortalecimento da agricultura familiar e a preservação do meio ambiente. A organização estimula práticas agroecológicas, o uso de energias renováveis e a gestão adequada dos recursos naturais. Atua como uma rede de articulação e mobilização social, promovendo o diálogo entre diversos atores sociais, como movimentos populares, organizações da sociedade civil, governos e setor privado também. Suas ações fortalecem as lutas sociais, a democracia participativa e a construção de políticas públicas mais justas e inclusivas. Tem amplo trabalho em programas de educação popular e formação cidadã, capacitando lideranças comunitárias, agentes de pastoral e voluntários para atuarem de forma mais efetiva nessa tão falada e importante transformação social, que é palco de inúmeros debates aqui, na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal. A Cáritas é protagonista na construção de uma sociedade mais justa e solidária, está comprometida com os direitos humanos, com a justiça social e com as políticas humanitárias. Nos últimos anos, o Brasil tem violado sistematicamente a Convenção 169, da OIT, principal instrumento jurídico internacional sobre a proteção dos direitos dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e demais povos e comunidades tradicionais. Isso afeta diretamente a vida de todo esse setor da população. O Estado brasileiro não pode se omitir nem negligenciar esse cenário. Esta Comissão de Direitos Humanos tem compromisso com a boa luta por inclusão, por justiça social, por fraternidade e combate a todos os tipos de preconceito e na luta para melhorar a qualidade de vida para todos. Enfim, essa é a introdução do objetivo de hoje. Fiz questão de destacar o papel importante da Cáritas. Sejam todos bem-vindos! |
| R | De imediato, agora, vou passar a palavra aos nossos convidados que virão à mesa. Começamos com a primeira mesa: Girolamo Domenico Treccani, Professor de Graduação e Pós-Graduação em Direito, na Universidade Federal do Pará, membro da Clínica de Direitos Humanos da Amazônia. Seja bem-vindo. (Palmas.) Vanuza da Conceição Cardoso, representante do território quilombola do Abacatal, Pará. Seja bem-vinda. (Palmas.) Maria Izaltina Silva Santos, representante da comunidade do Brejão dos Negros, Brejo Grande, Sergipe. (Palmas.) Por fim, nesta primeira mesa, José Eldione Santos de Souza, representante da Comunidade São Miguel do Rio Maracá, território quilombola Igarapé do Lago do Maracá. (Palmas.) De imediato, o tempo de cada um - são duas mesas - será de dez minutos, mais cinco minutos. Para entenderem, o tempo de 15 minutos é tranquilo, pois dou para todos os convidados, sempre, aqui na nossa mesa. Se for preciso, com a tolerância que teremos e temos com todos, nós podemos ampliar alguns minutos. Então, como primeiro convidado, passo a palavra ao Sr. Girolamo Domenico Treccani. O SR. GIROLAMO DOMENICO TRECCANI (Para expor.) - Obrigado, Excelência. Bom dia para o senhor, para todos aqueles Senadores e Senadoras que assinaram o pedido para esta audiência pública. Saúdo todos aqueles e aquelas que, nesta sala e através dos diferentes meios de comunicação, estarão acompanhando este debate. O tema que pretendemos trabalhar diz respeito à realidade que é enfrentada por centenas, milhares de povos e comunidades tradicionais. Esse trabalho é fruto de estudos em ambiente acadêmico, na Universidade Federal do Pará, na Clínica de Direitos Humanos - e agradeço ao Johny Fernandes Giffoni, que ajudou a elaborar estes eslaides -, mas também, diria eu, sobretudo, do trabalho em conjunto com a Cáritas e em conjunto com as demais entidades que discutem essa situação. |
| R | Entre os objetivos, como foi lido ainda agora, pelo Senador, entre a missão da Cáritas constam a promoção e a defesa da vida, e diríamos, de maneira especial, daqueles que mais são vulneráveis, hoje, nas últimas décadas, e historicamente, as populações tradicionais. O trabalho que nós da Universidade desenvolvemos, em conjunto com a Cáritas, nos levou, nos últimos anos, a tentar acompanhar a construção dos protocolos de consulta e do Plano de Gestão Territorial. E aqui é importante observar como, desde meados da década de 80, de maneira especial, depois da promulgação da Constituição de 1988, aquele que foi historicamente esquecido, invisibilizado, ganha a cena. Aqui nós temos, via cartografia social, uma grande conquista da Universidade Estadual do Amazonas, em conjunto com outras universidades, que ajudam as comunidades, os povos tradicionais, a dizerem: "Eu existo. Eu estou no mapa. Eu tenho uma proposta para gerenciar a minha vida e o meu território". É lamentável, porém, que muitas vezes esse tipo de situação, ainda hoje, enfrenta - como podemos ver, por exemplo, na questão de Alcântara - sérios problemas, muitas vezes criados pelo próprio Governo Federal ou pelos governos estaduais. Mas poderíamos pensar: quem são as populações tradicionais? Ao longo do tempo, vários conceitos, várias normas foram construídas. Podemos perceber como, desde 2006, quando 13 grupos foram elencados, dentro do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, como os legítimos representantes dessas comunidades e, em 2016, anos depois, já são 29 esses grupos... Mas, se nós formos olhar a carta do Encontro dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, realizado semana passada, podemos perceber como várias outras comunidades estão entrando na cena política, e alterando esses conceitos, porque é a vida que ajuda a dizer: Eu sou e este é o meu território, porque é nesse território que eu posso defender a minha identidade! Portanto, a defesa dessas comunidades é a defesa e a reafirmação do direito ao território, do direito à cultura, do direito à vida. E é importante destacar como... O Brasil é grande, mas, infelizmente, muitas vezes, a terra, a água, a floresta, isto é, os elementos essenciais da nossa vida, da nossa identidade, dos nossos territórios estão sendo disputados; isto é, viraram conflito. E é importante destacar, como destacou, mês passado, o último Caderno de Conflitos da Comissão Pastoral da Terra, que, quando se analisam esses conflitos percebe-se que são uma realidade espalhada em todo o território nacional. O mapa que as senhoras e os senhores podem ver mostra que não tem um recanto deste país, não tem um estado neste país que esteja livre dessa situação. |
| R | Quando, porém, vamos olhar mais de perto quem são as vítimas dessa realidade, podemos perceber como, nas últimas décadas, no lugar do posseiro, no lugar da liderança sindical, que historicamente foram as vítimas da sanha assassina do latifúndio, hoje, são os povos indígenas, são as comunidades remanescentes dos quilombos. E destacamos como, nos últimos anos, esses números estão crescendo. Isso mostra a necessidade, a urgência de uma intervenção do poder público. Mas, enquanto o poder público não chega com suas propostas, com suas políticas, as comunidades estão se organizando, as comunidades estão propondo, as comunidades estão reunindo seus conhecimentos, seus saberes e, através dos protocolos comunitários autônomos, de consulta e consentimento, buscam apresentar para a sociedade e para o poder público aquilo que acham fundamental, aquilo que acham que precisa ser respeitado. Portanto, por que os protocolos? É a defesa dos direitos, a defesa do território, a defesa de tudo aquilo que é fundamental para esses grupos, porque nós entendemos que sabemos gerenciar a nossa vida. É isso que esses protocolos dizem. Nós sabemos o que fazer do nosso território e precisamos que o poder público entenda que nós temos a possibilidade de autogerenciar esses territórios. Por isso é que um conjunto de várias entidades, de várias universidades, deu origem ao Observatório dos Protocolos Autônomos, seja produzido por povos indígenas, comunidades quilombolas, seja por povos e comunidades tradicionais e todos os demais que procuram se organizar. Hoje nós temos 48 protocolos na Amazônia Legal e 23 fora da Amazônia. Esses são os protocolos que nós conseguimos juntar e colocar no site. Mas nós temos certeza absoluta de que muitos outros protocolos já foram construídos ou estão em processo de construção nas dezenas, milhares de comunidades. (Soa a campainha.) O SR. GIROLAMO DOMENICO TRECCANI - Falar de protocolo significa falar do quê? Do direito fundamental à consulta que está prevista da Convenção 169 da OIT. |
| R | E aqui, um apelo a V. Exa., que está junto com outros, trabalhando nesta Comissão: nós não podemos aceitar, de maneira alguma, que o Brasil denuncie, como alguém está propondo nesta Casa, o protocolo - desculpe-me, a Convenção 69 -, porque, sem Convenção 69, não teremos o direito dessas comunidades reconhecido. Direito a quê? Ser consultado sobre o quê? Sobre todas as medidas legislativas e sobre todas as medidas administrativas; isto é, tudo aquilo que pode vir a ser objeto de impacto perante essas comunidades e povos, temos a obrigação, enquanto sociedade, e tem o poder público a obrigação de escutar. E escutar quem? Eu gostaria de destacar, nesse protocolo dos mundurucus, que devem ser consultados os sábios antigos, os pajés, os senhores que sabem contar história, que conhecem a medicina tradicional, as raízes, as folhas, isto é, aqueles que têm o conhecimento tradicional e que conhecem, portanto, os lugares sagrados. Este não é um Brasil onde qualquer um pode saquear as riquezas. Este solo é sagrado. (Palmas.) A Mãe Terra precisa ser respeitada. Este é o recado dos próximos eslaides, nos quais, de maneira muito rápida, podemos dizer, começando pelo protocolo da Comunidade Quilombola de Abacatal. Tenho a honra de estar ao lado da filha do Seu Raimundo Cardoso, que foi um daqueles que mais se esforçou por aquela comunidade que está na porta de Belém e que, ainda assim, estava sendo esquecida, abandonada, quando não pisada pela expansão do lixão e de outras políticas públicas - inclusive o Minha Casa, Minha Vida, porque construíram casas sem fazer esgoto e o esgoto vai para o quilombo. Além dele, poderíamos falar de muitos outros. Destacamos aqui o quilombo da Comunidade Piratuba, em Abaetetuba, onde, de maneira bem evidente, eles dizem: "Exigimos sermos consultados". E consulta não é simplesmente se alguém vai lá e faz uma reuniãozinha, vai lá e faz um sei lá o quê. Consulta é: queremos saber tudo aquilo que terá impacto no nosso território, queremos saber, portanto, aquilo que vai acontecer e, sobretudo, queremos ter o direito de dizer "sim" ou "não", porque a convenção nos dá essa possibilidade; também porque, como diz esse outro protocolo, um povo sem cultura não terá história nem hoje nem amanhã. Portanto, precisamos, sim, defender esses territórios. E aqui vamos dar um passo a mais. Não só a construção de protocolo de consulta, mas o plano de gestão territorial. Os nossos irmãos índios - e aqui tem dois casos, os índios ianomâmis e essas outras populações indígenas que abrangem o norte dos Estados do Pará, Amazonas e Roraima - nos mostram que têm capacidade de dizer: "Eu vou gerenciar o meu território". |
| R | E aqui, portanto, o grande desafio: transformar as iniciativas locais em política pública, política pública municipal - e vamos pensar, por exemplo, na educação, na saúde e nas demais políticas públicas de responsabilidade prioritária dos municípios -, políticas públicas no âmbito estadual e federal. Finalmente, políticas públicas... (Soa a campainha.) O SR. GIROLAMO DOMENICO TRECCANI - ... que estão sendo construídas, muitas vezes, à revelia dos interesses dessas comunidades, quando não contra eles. Portanto, o estabelecimento de metas coletivas é um passo fundamental nessa caminhada. Gostaríamos, mais uma vez, de agradecer o espaço que nos está sendo concedido, e, com certeza, Excelência, aquilo que esta mesa está dizendo será de suma importância para a Comissão de Direitos Humanos desta Casa. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Prof. Girolamo Domenico Treccani, professor da graduação e pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Pará e membro da Clínica de Direitos Humanos da Amazônia, que fez uma bela exposição mostrando a realidade do nosso povo, os nossos direitos e a importância das convenções. Há tantas convenções, e elas têm que ser respeitadas. Agora, passamos a palavra à líder Vanuza da Conceição Cardoso, representante do Território Quilombola do Abacatal, em Ananindeua-PA. A SRA. VANUZA DA CONCEIÇÃO CARDOSO (Para expor.) - Agô Mojúbá. Eu peço a bênção e a licença aos meus mais velhos e mais novos, a toda a ancestralidade que me orienta e me sustenta e que me permitiu estar neste lugar de fala. Peço a bênção ao orixá do dia de hoje, que é Oxóssi, e também peço a bênção a todos que estão aqui dos meus territórios, dos territórios iguais ao meu. Eu peço que o meu axé de fala seja de sabedoria e que meu axé de escuta seja de muita gratidão. Meu nome social é Vanuza Cardoso, meu nome ancestral é Maberu Ynicó. Eu sou neta do Francisco e da Rosa, do Jorge e da Matilde, filha do Raimundo e da Raimunda, mãe do Filipe, da Tamires, do Talison e avó da Ana Luiza, e o meu lugar de fala é o Território Quilombola do Abacatal. Eu quero agradecer a oportunidade de estar neste espaço. É a minha primeira vez neste espaço no Senado Federal. Quero agradecer a parceria da Cáritas, que está desenvolvendo, de fato, o papel que a Igreja precisa desenvolver, que é cuidar dos territórios e das pessoas, cuidar da vida, e cuidar da vida como um todo, da vida humana, da vida animal, vegetal, e da natureza, e é o que a gente está desenvolvendo nesse projeto global tanto na Região Norte quanto no Nordeste. A minha fala vai muito ao que o Prof. Girolamo começou apresentando. Para falar de direitos humanos, nós estamos para garantir a dignidade e a integridade de qualquer pessoa, especialmente pelo Estado e por suas estruturas de poder. Nós da Região Norte, afroamazônidas, há anos, estamos sofrendo de várias formas os nossos direitos violados. |
| R | Fazemos parte de um processo de desenvolvimento que é tido pelo Governo do estado, desenvolvimento esse que não nos representa, que viola todas as formas de direito e que também chega em nossos territórios passando por cima de tudo e de todos, inclusive violando a Convenção 69, que é o direito à consulta. Nós estamos nesse desenvolvimento, fazemos parte desse progresso de desenvolvimento que não respeita, que mata, que segrega, e mata de várias formas, nos negando políticas públicas, seja ela da educação, da moradia, da saúde, de infraestrutura, então, nos viola de todas as formas, nos mata de todas as formas. O racismo ambiental estruturado e alicerçado no capitalismo, que é quem conduz todos esses processos desenvolvimentistas dos estados, inclusive do nosso Estado maior, que é o Estado brasileiro, chega nesses territórios violando os direitos fundamentais, dos quais o professor falou aqui. É nosso direito o direito consuetudinário das comunidades, dos povos, que é a forma que a gente vive, a forma que a gente quer continuar vivendo e todas as culturas, sabenças e desenvolvimento que a gente traz, porque a gente também desenvolve da nossa forma. E, para vir neste espaço falar de direitos humanos, dessa violação por que nós estamos passando, não só no Norte, mas na Amazônia como um todo, e, agora, a Amazônia é o plano de fundo de muitos projetos para garantir a vida da sociedade do Brasil e do mundo, para nós é muita responsabilidade, porque a gente preserva, porque a gente cuida e a nós é imposta uma responsabilidade de cuidar dessa Amazônia. Então, aqui eu quero também fazer uma forma de denúncia contra as empresas que estão dentro desses espaços, como a Hydro, como a Cargill, como as empresas que estão sequestrando carbono. Se nós temos esse carbono é porque a gente preserva, não é justo que nós, de forma alguma, venhamos a ser responsáveis por quem destrói, por quem aumenta a camada de ozônio e todo o processo que a gente traz como reparação para o Estado brasileiro. Essas responsabilidades não são só da Amazônia, mas do Brasil como um todo. A Amazônia não é o pulmão do mundo, ela é o útero do mundo, porque ali tem muita vida, nasce muita vida, que é dali que sai. E a gente já tem, como falei, a responsabilidade de cuidar do mundo. A gente precisa que esse espaço seja um espaço também de defesa dessa Amazônia, porque nós que estamos lá, que cuidamos, que preservamos, somos ameaçados de todas as formas, de todas as maneiras. Há companheiros nossos que já foram tombados por defenderem a Amazônia, por defenderem seu território, por defenderem aquilo que acreditam. Então, nós estamos nesse espaço hoje para trazer, de forma ampla e para o conhecimento de todos, tudo o que a gente vem passando. Tem vários projetos falando de bioeconomia, falando do crédito verde e que de várias formas querem legitimar todo esse sequestro da nossa biodiversidade, do que já sai da Amazônia. Então, nós, junto com a Cáritas e junto com outros parceiros, vimos trabalhando e contrapondo todo esse processo que vem enganando as nossas comunidades. |
| R | O projeto do carbono são contratos de 30 anos que as comunidades assinam para privatizar os seus territórios. Então, não é justo que nenhum de nós, lideranças de comunidades, sejamos responsáveis por mais de uma geração, colocando em risco a vida das nossas futuras gerações. Então, é um apelo a este espaço, a esta Comissão de Direitos Humanos para que trate esse direito de forma humanizada, de fato, protegendo vidas de todas as formas porque nós não sabemos e não conseguimos nos separar da natureza. A gente planta, a gente cuida, e a gente está neste espaço para reflorestar mentes. A gente já faz isto dentro das comunidades: a gente refloresta. Então, a gente está saindo, através desse projeto da Cáritas, para o Brasil e para o mundo, para reflorestar mentes, e vamos fazer isso. Se é para proteger a Amazônia, se é para proteger os nossos territórios e as nossas futuras gerações, nós estamos fazendo isso através de vários projetos. Então, é para pedir a esta Comissão uma sensibilidade diferenciada para essa Amazônia, que hoje está num leilão de muitas formas; tem muita coisa sendo leiloada, inclusive as nossas vidas, porque liderança que luta e que defende o seu território é calada, e é calada de várias formas. Somos tombados todos os dias, e, quando não é de forma direta, é nos negando as políticas públicas, que são dever do Estado e direito nosso. Então, nós estamos aqui para mostrar ao Brasil que nós afroamazônidas vamos defender a Amazônia de todas as formas. Agradeço este espaço, e é isso. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Parabéns! A SRA. VANUZA DA CONCEIÇÃO CARDOSO - Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Os nossos cumprimentos à Vanuza da Conceição Cardoso, que faz uma série de denúncias. Eu vou pedir a vocês, que lideram o movimento, que toda e qualquer denúncia que chegar seria bom que vocês, de uma forma ou de outra, colocassem num documento, que chegará à Comissão, e a Comissão vai ter que remetê-lo para o Governo. A Casa Legislativa até faz leis, mas quem as executa é a sociedade no seu todo. E, nesse caso, as denúncias que você colocou e que estão aqui registradas, se vocês também as botarem no documento, nos ajuda. Faça um resumo para que eu possa, então, encaminhá-lo tanto para o Judiciário como para o Executivo. Senão a pessoa vem aqui, fala e, depois, diz: "E daí, o que o senhor encaminhou?". Então, se vocês formularem um documentinho, a Comissão é obrigada a encaminhá-lo para os canais competentes. A SRA. VANUZA DA CONCEIÇÃO CARDOSO - Nós vamos fazê-lo porque, como eu tenho falado por onde a gente está passando, nós não estamos em Brasília a passeio; nós estamos aqui para reivindicar direitos, para defender os nossos direitos, e é dessa forma que a gente também vai cobrar respostas. Então, pode ter certeza de que nós vamos encaminhar esse documento e vamos cobrar desta Comissão respostas, com certeza. (Palmas.) (Manifestação da plateia.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Respostas nós vamos dar do encaminhamento, pessoal, só para deixar claro que não somos nós que temos a caneta na mão. Às vezes o pessoal chega para mim e diz: "Paim, agora tu és Governo". Eu digo: "Eu sou da base do Governo, defendo este Governo, mas tenho a obrigação de encaminhar as demandas do povo para o Governo, não é? E lá, daí, é que se delibera". Então, o encaminhamento nós faremos com certeza. E de pronto eu digo que o Governo Lula tem compromisso, sim, com todo tipo de luta do povo brasileiro. E o povo quilombola, que é o centro deste debate, pode ter certeza de que no Governo Lula a história é outra. Eu estou no Congresso há quase 40 anos, viu? Eu entrei na Constituinte aqui com o Lula, com o Olívio, enfim. E eu fiquei, e eles foram. Só que eles foram para lugares bem melhores. O Olívio virou Governador, o Lula virou Presidente pela terceira vez e é um homem hoje respeitado no mundo todo, pela sua liderança e a sua visão das políticas humanitárias. Mas vamos em frente. Agora, passo a palavra para a líder Maria Izaltina Silva Santos, representante da Comunidade do Brejão dos Negros, em Brejo Grande, Sergipe. (Palmas.) A SRA. MARIA IZALTINA SILVA SANTOS - Está ligado? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está, está ligado. A SRA. MARIA IZALTINA SILVA SANTOS (Para expor.) - Bom dia a todos, a todas e a "todes". Eu sou Maria Izaltina Silva Santos, sou uma quilombola do Baixo São Francisco. Sou uma mulher preta que vem há 17 anos na luta do reconhecimento do território Brejão dos Negros e também dos territórios quilombolas de Sergipe. Porque eu não estou aqui só pelo meu território, pela minha comunidade, mas estou aqui por um coletivo. Um coletivo que vem sendo massacrado, principalmente pelo poder público, que não apoia nossas comunidades e que persegue nossas lideranças. Somos perseguidos por lutar por direitos, por direitos humanos. Direitos humanos que são negados a todo momento para o nosso povo. Nós estamos aqui, neste estado, neste país - Brasil -, porque nossos ancestrais foram trazidos. Nós não pedimos para vir para cá; mas, até hoje, nós não somos reconhecidos como brasileiros. Os únicos lugares que ficaram para a gente ocupar, os esconderijos, nós ocupamos. Mas esses lugares, hoje, estão sendo invadidos. Porque hoje são lugares que eles querem ter para veraneios; são lugares para implantar empresas. E quanto a nós, é como se nós fôssemos invisíveis para este Governo, para o poder público. Nós povos pretos, pescadores, agricultores, que precisamos dessas beiras de rios para sobreviver, porque a única fonte de renda que nós temos é o rio, é o mangue, é o mar. Até hoje, eles tentam tirar isso de nós, como se a gente não existisse. |
| R | Em Sergipe, agora, estão fazendo o gerenciamento costeiro. Eles disseram que era para ajudar a gerenciar e a organizar, que ia ficar melhor para nós, mas eu não sei melhor para quem, porque o que a gente percebe é que, a todo momento, eles querem colocar, implantar brechas para trazer esses grandes empreendimentos de luxo para dentro do nosso território. E esta Casa aqui precisa olhar para essas comunidades, porque somos nós que colocamos vocês aqui, somos nós que colocamos, que votamos, para ver se melhora. Mas toda vez a gente tem uma expectativa, e a nossa expectativa vai por água abaixo. Nós lutamos muito para que Lula estivesse na Presidência mais uma vez, porque foram seis anos de perseguição para o povo quilombola, para o povo preto, para as comunidades. Seis anos. A gente sabe que foi falado que não se podia falar o nome quilombola nas instituições que deveriam trazer as políticas para nós, como o Incra. Não se podia falar quilombo, não se podia falar em povo indígena, em indígenas. Então, a cada dia que passa, a gente não sabe para quem a gente vai recorrer. Os impactos para nós estão nas comunidades: são termelétricas, são usinas eólicas nas nossas comunidades, são tubulações de gás passando por dentro das comunidades, são condomínios, como na comunidade ali do companheiro Wellington, em Estância, Porto D'Areia. Estão construindo um condomínio dentro do território para pessoas que não são quilombolas, ou seja, vão trazer pessoas para dentro do território quilombola. Não respeitam. É uma construtora chamada Viva Construtora. Trezentas famílias da comunidade estão necessitando de habitação, e eles vão construir 280, para pessoas que não são da comunidade. Isso é muito grave. A gente não aguenta mais tanta perseguição. Numa comunidade chamada Pontal da Barra... Nessa comunidade tem termelétrica, tem usina eólica, tem tubulação de gás, tem linha de transmissão - pensem quanta coisa dentro de uma comunidade. A termelétrica proíbe a comunidade, que é de pescadores, de chegar à área onde eles mais pescavam e que mais tem peixe. Hoje eles não podem ir lá pescar. E como conviver com isso? A termelétrica chega hoje, mas a gente já vive há quantos séculos ali? Há quantos anos a gente já está lá? Isso não é analisado, nós não somos respeitados quando esses empreendimentos chegam. Eles não respeitam o protocolo de consulta, eles não vêm nos consultar. Hoje nós estamos nos preparando, construindo esses protocolos, mas a gente não sabe até onde a gente vai poder contar com esses protocolos, porque eles não respeitam. Quando foram construir o zoneamento ecológico, a gente pediu para colocar a Convenção 69, porque vocês precisam nos ouvir. E eles não colocaram, porque lá quem decide é a Assembleia. A lei é votada na Assembleia e, no final, só fica o que a Assembleia decidir. |
| R | Então eles só fazem o que eles querem, porque os empreendimentos são de quem, na maioria das vezes? Ou são deles ou são dos amigos, dos aliados, não é? Então, muitas vezes, o nosso Quilombo Brejão dos Negros, nós já sabemos que nós temos cinco comunidades, cinco, dentro desse território. O nosso município tem pouco mais de 8 mil habitantes. Nós temos 586 quilombolas cadastrados, que se autodefiniram como quilombolas. O nosso território tem um pouquinho mais de 8 mil hectares, e eles dizem que nós quilombolas vamos ficar com todo o território do município. Então a gente não pode... Ou seja, dentro do município, são três famílias que usufruem dessas terras, que são áreas da SPU. São as terras da SPU, são beiras de rios, onde o nosso povo plantava arroz de meia. E eles dizem que nós, 586 famílias, vamos usufruir, será que três famílias são mais? Precisa mais do que nós? Porque é essa a justificativa, de que é muita terra, é muita terra para nós, não é? Então a gente precisa acabar com isso. A gente precisa demarcar. São muitos anos de negação. É triste as comunidades viverem do jeito que vivem, e a gente permanecer dessa forma, porque o nosso problema é político. A perseguição para Brejão dos Negros é política. O Governador do estado declaradamente diz que nós somos um problema para a economia de Sergipe. E nós não somos um problema para a economia. O problema são eles. (Palmas.) O problema são eles, que não investem nas comunidades. Nós não recebemos as políticas. Nós temos três comunidades que não têm água nas torneiras. A gente não tem água, a gente é abastecido com carro-pipa, porque uma procuradora da República obrigou a empresa de abastecimento a levar água para nós. Eles levam um caminhão uma vez por semana para nós. Entendeu? Uma vez por semana. (Soa a campainha.) A SRA. MARIA IZALTINA SILVA SANTOS - E nós somos uma comunidade beira de rio, margeada pelo Rio São Francisco, e nós não temos água nas nossas torneiras. Estamos vivendo dessa forma. Então as políticas não chegam às comunidades. É uma pressão que eles fazem para que a gente se retire, para que os jovens não fiquem na comunidade, para que vão embora. Os manguezais estão sendo destruídos para construir viveiros de camarão. Esse é o projeto do Governador. Inclusive ele fala que vai colocar na merenda escolar o camarão. Camarão envenenado? Para nossas crianças? E é dessa forma que nós estamos vivendo. E a gente pede, a gente vem aqui para pedir socorro, vem a esta Casa para pedir socorro a vocês, porque as nossas comunidades não aguentam mais. Nós não aguentamos mais. Nós queremos que os processos, essa morosidade dos processos quilombolas, finalizem, que eles finalizem. Eu fui ao Incra esta semana, aí a diretora disse assim: "Você sabe que o problema lá no Brejão dos Negros é muito difícil, não é?". Agora, qual é o problema? Nós não queremos que nada aconteça fora da lei. Nós não queremos que o nosso processo seja feito fora da lei. A gente quer que se cumpra a lei, a gente quer que se cumpra a Constituição Federal. (Soa a campainha.) A SRA. MARIA IZALTINA SILVA SANTOS - É isso que nós queremos. Nós queremos a lei cumprida. Nós sofremos, nossos ancestrais sofreram, mas nós não desistimos, nós queremos tudo que é de direito nosso. Nós queremos reparação, essa reparação tem que chegar e as políticas também. |
| R | Só para vocês verem: um Deputado Federal, em 2020, destinou uma emenda parlamentar para a empresa Cohidro, agora já mudou o nome, mas era Cohidro, que é a empresa do Governo do estado, para perfurar um poço na nossa comunidade, em uma das comunidades. O dinheiro foi destinado e até hoje eles não fizeram a perfuração. A gente cobra, aí vão lá e dizem: "Onde é o local? Ah, vocês precisam fazer uma terraplanagem". Nós fizemos a terraplanagem e até agora nada. Agora, o caminhão está perfurando o poço na fazenda da família do Prefeito, estão entendendo? E nós já viemos pedindo... É para uma comunidade e o carro não vai, eles não vão. Por quê? Porque eles tentam... A pressão é essa, é para ver se a gente desiste. Mas nós não temos como desistir porque é o que temos, a gente vive ali porque é o que nós aprendemos, nós crescemos ali. Tudo o que a gente sabe fazer é pescar, é agricultar, é lavrar a terra. É isso que a gente sabe fazer, por isso que a gente vive e precisa dessas áreas para a gente trabalhar. Nós somos uma comunidade que produz arroz agroecológico e nós não temos ajuda nem do Governo do estado, nem do município, da Prefeitura. Nós não temos uma secretaria de agricultura para nos ajudar em nada. Nós temos a Cáritas, nós temos as instituições para nos ajudar, mas o Governo do estado, o poder público, não ajuda os quilombos, eles perseguem os quilombos. Então, eu estou aqui para pedir. A gente precisa da portaria de reconhecimento do nosso território. O processo precisa andar, desde 2015 que o processo está parado. Então, a gente precisa que esse processo tenha fim, que tenha fim. E não só Brejão dos Negros, mas em todos os territórios quilombolas, em todos os territórios quilombolas do Brasil. Precisam finalizar esses territórios e entregar para as comunidades. É isso que nós queremos, esse é o meu apelo, é o nosso apelo, e é o que a gente quer: que tudo seja feito pela lei e pela Constituição. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem! (Manifestação da plateia.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Parabéns ao Plenário pela manifestação firme, clara. Parabéns a todos os que falaram até o momento. Tenho certeza de que não será diferente no próximo. A Maria Izaltina Silva Santos é representante da comunidade Brejão dos Negros, em Brejo Grande, Sergipe. As denúncias são gravíssimas, inclusive essa da emenda parlamentar. Eu estou destacando porque é um ato concreto. Eu sei porque eu mando emenda para o meu estado, eu mando para os 497 municípios. Eu só posso mandar para o meu estado. Se eu pudesse eu mandava uma emenda para vocês. Eu mandava mesmo, não me custa nada e o meu estado vai entender. Eu mando para os 497 municípios, mando direto para a prefeitura, mas a comunidade cobra. Se você não fizer o que veio: "Cadê a emenda do Paim?". Aí o prefeito sabe que ele vai sofrer as consequências. Por isso que... |
| R | Deixe essa emenda comigo. Dê-me os papeis dessa emenda que eu vou... Eu acho o absurdo do absurdo. Negar a água, negar chegar ao rio. E mesmo o dinheiro chegando só para fazer o poço dentro da comunidade, não o fazem. Eu já vi histórias semelhantes, mas não tão graves como essa. Eles não deixarem a comunidade quilombola chegar ao rio porque os proprietários das fazendas conseguiram fazer quase que uma divisa invisível e não os deixam passar para que eles abandonem o local - o que a senhora está nos contando. Então, primeiro, é um absurdo não chegarem ao rio, onde tem a água, onde tem o peixe. E ainda, quando mandam uma emenda parlamentar, o cara não faz o poço... Quanto tempo faz isso? A SRA. MARIA IZALTINA SILVA SANTOS (Fora do microfone.) - Desde 2020. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Desde 2020? A SRA. MARIA IZALTINA SILVA SANTOS - Em 2021, em dezembro, eles se comprometeram. Disseram que iam, foi uma equipe e nada. Em 2022 estiveram lá, de novo, e nada. Agora já estiveram lá este ano, pediram para a gente fazer a terraplanagem e nós fizemos, mas até agora... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vocês fizeram a terraplanagem que eles deveriam pelo menos fazer e o poço não saiu. A SRA. MARIA IZALTINA SILVA SANTOS - Não. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Deixe-me aí que eu vou... Deixe-me os dados, porque não adianta a gente falar aqui, sabe, pessoal, a gente atende a tanta coisa e às vezes não consegue atender a uma situação gravíssima como essa, por exemplo. Eu peço à Secretaria que tome nota direitinho para eu ligar lá para o estado, falar com o Prefeito, falar com o Governador, falar com o Deputado e falar com o bispo lá. O bispo não tem culpa, mas o bispo ajuda. (Risos.) Agora eu passo a palavra para José Eldione Santos de Souza. Esse líder é representante da Comunidade São Miguel do Rio Maracá, território quilombola do Igarapé do Lago do Maracá. (Palmas.) O SR. JOSÉ ELDIONE SANTOS DE SOUZA (Para expor.) - Obrigado, Senador. Meus cumprimentos a todas as senhoras, nas pessoas da Maria Izaltina e da minha companheira Vanusa, e a todos os senhores, na pessoa do Senador Paulo Paim e de todos os homens que se fazem aqui presentes. Estou muito feliz por estar aqui, representando o meu território, a minha comunidade, o meu estado, querido Estado do Amapá. Meu nome é José Eldione, eu sou pai do Lucas e da Maria Vitória, e quero dizer, Senador, que a gente está aqui graças ao Senado Federal principalmente, e à Cáritas, em nome da Ivanilde, da Cáritas Brasileira Regional Norte 2, e em nome também da Cáritas Alemã, do Manuel, graças ao Programa Global das Comunidades de Nossa América Latina, que nos trouxe até aqui para reivindicar e falar das violações que sofremos em nossos territórios. Digo, Senador, que não é só no Amapá, não é só em Sergipe, é em todo o Brasil. Então, a dor que eu sinto no Amapá é a mesma dor que o companheiro sente lá no Rio Grande do Sul. A nossa vinda aqui é para pedir o socorro, apelo ao Estado, apelo ao Poder Legislativo, ao Executivo principalmente e ao Poder Judiciário. Senador, nós apoiamos, nós somos da base do Governo, nós apoiamos o Governo, mas não aceitamos que remanescentes do Governo Bolsonaro, que durou por seis anos, continuem tomando as decisões nos nossos estados. Sabemos que, nesse desgoverno, a pauta quilombola era proibida de se falar dentro do Incra - foi o que nos falaram recentemente. Então, é inadmissível que, dentro desses INCRAs, principalmente dos regionais, esses senhores e senhoras continuem tomando decisões. |
| R | Então, assim, a minha vinda até aqui, Senador, foi para fazer um apelo a esta Comissão para que, junto ao Governo, junto ao Incra, tome alguma decisão em relação aos territórios quilombolas do Amapá, que não são regularizados. Do nosso, Senador, nós temos o nosso relatório antropológico, nós temos a certificação da Fundação Cultural Palmares, mas, durante os seis últimos anos, tudo parou. Então, assim, a gente pede que seja retomada essa discussão, que essa regularização, que essa demarcação de fato aconteça nos estados. Eu imploro que o Incra estadual, no Amapá, e que o Incra nacional tomem um posicionamento e definam nossas terras, porque só assim, Senador, nós conseguiremos lutar, nós conseguiremos defender aquilo que é nosso, através de um protocolo, que, graças à Cáritas, estamos trabalhando, que estamos construindo no Amapá, no território quilombola de Conceição do Igarapé do Lago do Maracá. Para nós será um avanço, será uma conquista, porque será um instrumento de defesa. Eu repito, o protocolo é um instrumento de defesa que vai nos ajudar a defender o nosso território. Nós queremos o nosso protocolo, porque nós queremos aquilo que é nosso, de fato e de direito, aquilo que está na Constituição, embasado na Convenção 169, e muitos nem conhecem. Infelizmente, estamos aqui na Casa do Povo, mas não somos representados pela grande maioria. Nós estamos aqui, Senador, mas, se nós formos andar nos corredores, iremos encontrar gabinete de Senadores que não nos representam, infelizmente. Então, assim, falar de Convenção 169 é falar de um direito que nos é negado, que não chega até nós, que não chega às comunidades. Então, a gente pede que essas convenções nos ajudem; já está escrito, mas, de fato, não chegam às comunidades. Queremos o nosso protocolo, porque nós queremos nosso direito à consulta prévia, livre e informada, que não acontece nos territórios. As comunidades, os nossos territórios são violados porque não temos direito à consulta. Tudo chega de cima para baixo, não é construído conosco, e nós queremos que seja construído conosco e por nós. Então, esse é o apelo que nós fazemos também aqui, que os estados façam a consulta - que os estados façam a consulta - e não que repassem para as empresas, porque o direito da consulta é um direito que é nosso, mas quem deve fazer é o Estado. Então, assim, a gente pede que esse direito nos seja garantido, porque alguns territórios no Amapá, eu falo aqui principalmente em nome do território quilombola de Conceição do Macacoari e São Miguel, estão cercados pelo agronegócio da soja. Falar de Amapá aqui é falar da última fronteira agrícola que eles dizem, principalmente da soja. Então, essas comunidades, esses territórios estão cercados pelo veneno, tem crianças adoecendo, tem pessoas que estão adoecendo, porque o veneno está sendo lixiviado naqueles córregos, aquelas crianças estão bebendo aquela água, estão tomando banho, e essa contaminação está acontecendo. Os peixes estão morrendo, Deputado. Logo próximo dali também existe o Rio Araguari, que está tomado por hidrelétricas, energia que não fica para nós. Pagamos uma energia caríssima no Amapá. Para onde vai essa energia? Tem aquelas hidrelétricas para quê? Para expulsar os pescadores? Porque grande quantidade de peixe morre naquelas represas. Então, é uma hidrelétrica que seria para ajudar o povo do Amapá, mas a nossa energia é interligada nacionalmente, e nós pagamos um valor absurdo por isso. E quem sofre com isso são as comunidades tradicionais, são os pescadores, que foram expulsos das suas localidades, que não têm onde pescar. Então, hoje, passam necessidade. Essas hidrelétricas estão afetando onde? O Bailique... Fomos alvo recentemente, agora, de reportagem nacional em que mostra que a situação do Bailique está muito complexa. Eu faço um apelo aqui pelo Bailique, no Amapá. As comunidades estão sendo destruídas. A erosão está acabando com aquela comunidade, com aquele arquipélago. A água salgada está adentrando aquelas comunidades. Então, as famílias estão sendo expulsas do Bailique. Eu faço um apelo, Senador, que olhem com carinho pelo Bailique, porque a situação está muito complicada. |
| R | As pessoas dizem na reportagem, um senhor disse que ele está sendo espremido igual a uma cana; ele está sendo expulso do seu território porque não tem água para beber, não tem energia elétrica, não tem mais o que pescar, porque aquele peixe que era daquela região não existe mais, por conta da influência da água salgada. Então, assim, são situações que nós trazemos aqui que são violações que o Estado não enxerga. No meu território, território quilombola, as nossas comunidades, o nosso território está há quase um ano sem energia elétrica, entendeu? Então, assim, não temos estrada, nosso acesso é complicado. Ontem mesmo, estava vendo uma reportagem, uma filmagem, um vídeo de que a nossa estrada estava interditada porque um caminhão atravessou em uma rua ali, em uma rodovia, e, aí, ficamos sem acesso. Então, as nossas estradas são precárias. Para mais de 50 anos que existe uma obra na BR-156, mas que, até então, não foi concluída. A gente fala aqui com muita tristeza, porque, assim, recentemente, uma tia minha teve que vir da minha comunidade para a cidade por conta de um AVC. E, se não fosse Deus, ela não teria conseguido, porque o acesso é muito difícil. Aquelas estradas, que não temos... É aquela dificuldade para chegar à cidade e, com isso, só Deus para nos ajudar, porque o Estado... A gente percebe que não somos vistos, nós não somos enxergados enquanto povos de comunidades tradicionais. Então, assim, a gente percebe que o governo fala em desenvolvimento, mas desenvolvimento para quem? Para nós? Eu acho que não, porque o que a soja deixa para aquelas comunidades, para aqueles territórios? Só a destruição, só a contaminação, porque é isso que está acontecendo. Então, assim, a gente é cercado pelo empreendimento do agronegócio, a gente não pode produzir, a gente fica limitado, porque nós, enquanto território, não temos acesso à nossa demarcação, à nossa titulação, mas os grandes fazendeiros têm os seus grandes plantios de soja. E, para nós, isso é negado. Então, assim, a gente não tem acesso a essa demarcação. Estamos em um assentamento também que é detido por uma concessão real de uso, mas até quando essa concessão vai valer? Então, a nossa preocupação é muito grande, porque, antes de nós, já estavam lá os nossos antepassados, nossos antecedentes. Então, a gente luta, a gente briga por aquilo que é nosso e que não é de hoje, não é há dez nem há 20 anos; é há mais de cem anos que as nossas famílias estão ali. E nós queremos que esse direito seja reconhecido, que essa demarcação aconteça para os territórios quilombolas no Estado do Amapá, porque isso nos está sendo negado. (Palmas.) (Soa a campainha.) Nós, amapaenses, não temos direito ao nosso pedaço de terra, mas as empresas estão chegando, estão plantando, estão destruindo; as mineradoras, que também estão lá, estão destruindo; as hidrelétricas estão acabando com o modo de vida das pessoas que estão ali. Nós não queremos riqueza, Senador; nós não queremos dinheiro em conta; nós só queremos viver bem. É isso que nós buscamos aqui: o nosso direito de comer, de beber e que esse direito seja garantido para a minha filha, que hoje tem um ano. (Palmas.) |
| R | Eu quero que a minha filha tenha esse direito, porque esse direito está sendo hoje negado. Este direito que é o da regularização, este direito que é o de ter o nosso protocolo, de ter direito à consulta, que repito, mais uma vez, deve ser prévia, livre e informada e deve ser feita pelo Estado. Queremos que o Estado nos olhe e nos enxergue, senão a gente vai perder o nosso direito à nossa terra, algo que para nós é sagrado. Nós somos parte da terra. Não podemos viver sem ela. Então, repito mais uma vez e faço um apelo ao Governo Federal: que ele olhe com carinho para nós. Nós somos base do Governo, nós ajudamos a eleger este Governo e não aceitamos que remanescentes do Governo - deste Governo não, do desgoverno Bolsonaro - continuem tomando as decisões no nosso Estado do Amapá, porque a gente percebe que é isso o que está acontecendo. Pessoas que não apoiavam o Governo e hoje têm direito de se sentar com o Governo Federal e discutir demandas que são para os territórios, que são para as comunidades, mas que não são para nós; são com interesse no capital, com interesse no agronegócio, com interesse nas madeireiras, que estão se implantando no Amapá. O Amapá hoje é um estado que tem em torno de 70% de área preservada. Mas será que isso acontece mesmo? Porque para aonde você vai você encontra aquelas madeireiras, você encontra aquele grande plantio de soja. E eu não sei por que dizem ainda que o Amapá tem todo esse território preservado. Em 2019, houve uma entrevista aí de um Senador que disse: do que adianta manter a floresta em pé, preservada, e ter as pessoas passando fome? E que floresta em pé não enche barriga, entendeu? Então, assim, isso para nós é muito contraditório, porque a floresta para nós é sagrada. (Palmas.) É de lá que nós tiramos a nossa alimentação. É de lá que tiramos a nossa castanha, o nosso açaí. Para nós, isso sim, Senador, gera emprego e gera renda. Para nós a soja não ajuda em nada. Mas, sim, os produtos que tiramos da floresta, do extrativismo, alimentam e enchem a nossa barriga. Então, o nosso apelo aqui ao Governo Federal para que nos olhe e nos enxergue, porque, se não for daqui, a gente percebe que nos estados, nos INCRAs estaduais, as coisas não vão andar. Então a gente quer... Eu peço, eu imploro que essa demarcação nos territórios quilombolas, no Estado do Amapá, aconteça de fato e de direito, para que nós possamos lutar por aquilo que é nosso. O protocolo é um instrumento que vai nos ajudar a preservar e a defender o nosso território. Então, queremos, Senador, que esta Comissão interfira junto ao Incra para que possamos ter essa regularização. Isso é um direito que nós temos. Está na Constituição. Está na Convenção 169, como eu falo. Mas têm muitos Senadores e Deputados que não conhecem esse direito, não sabem nem o que é Convenção 169, infelizmente. Desconhecem e nos inviabilizam. Isso para nós é muito triste, porque nós estamos aqui pedindo e implorando que esta Comissão olhe com mais carinho para os nossos estados. O meu muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Muito bem. É o líder José Eldione Santos de Souza, representante da Comunidade São Miguel do Rio Maracá, Território Quilombola do Igarapé do Lago do Maracá. Olha, o que você coloca eu peço também. Por isto que eu insisti muito com o documento: para que eu possa fazer uma visita ao ministério correspondente que cuida da questão quilombola. Eu acho tudo aqui muito gravíssimo, isso aqui não pode ser mais uma audiência pública. A audiência pública tem este objetivo que vocês estão cumprindo muito bem aqui: dar visibilidade para a situação do nosso povo lá na ponta, seja quilombola, seja indígena, seja negro, seja branco em situação de vulnerabilidade. |
| R | Nesses dias, eu tive aqui a situação dos hospitais psiquiátricos - "hospitais psiquiátricos" entre aspas. O médico dizia que parecia um... Não tem como descrever, só as fotos para descrever como estão as pessoas que têm doença mental, jogadas. Se pensarem na pior prisão que vocês imaginam que pode ter neste país... É uma vergonha que existe. Pois bem, esses doentes mentais estão sendo tratados, inclusive, pelados, no meio de fezes, jogados lá dentro daquele quadrado, com grades de ferro, como se eles fossem inimigos do povo. Eles deviam estar em um hospital mesmo, em área correspondente ao tratamento adequado. Então, a gente vê de tudo aqui. Isso, nós já discutimos e, pelo menos, cobramos das autoridades competentes. E vamos fazer outras audiências nesse sentido. Sobre a questão quilombola, que eu vejo aqui, eu só lamento que o representante do Governo, do meu Governo... Não sei se foi convidado, não sei se vocês botaram na lista. A Fundação Palmares está aí, não? A Fundação Palmares está aí. Vai participar da outra mesa. É importante. A Fundação Palmares vocês sabiam o que era antes, não é? Eu nem cito o nome do cara que presidia lá. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Exato. Ela usou a expressão adequada. Era um irresponsável, eu diria, para não ofender aqueles que têm a expressão que você usou, porque eles vão se sentir ofendidos. Vocês ouviram o que ela disse? Mas eu quero dizer que nós vamos ter que fazer outra. Proponho-me a fazer outra audiência do povo quilombola de todo o Brasil, para discutirmos, integrados com o ministério correspondente. (Palmas.) Tenho certeza de que o Ministério vai concordar. Até agora, era assim: seis, sete anos de um Governo que não existia. Todos nós sabíamos que não existia. Mas, agora, mudou e mudou para melhor. Podem crer. Sobre isso que estou dizendo, eu assumo a responsabilidade. E a questão quilombola vai ter que ser vista. Eu confesso o que disse aqui e vou dizer de novo agora. Na audiência sobre pessoas que têm algum tipo de doença mental e que estão nos "hospitais", entre aspas, "psiquiátricos", foi muito assustador o que nós vimos aqui. Eu nunca fui lá. Até fui em presídio. Mas nunca soube que, dentro de um dito "hospital para doentes mentais", a situação chegava a ser pior do que dentro de um presídio, os que eu vi, porque é um fim do mundo aquilo. Agora, a questão quilombola merece, de parte de nós... Eu vou discutir, claro, com o pessoal do Governo. Vou conversar - é o diálogo que constrói caminhos - para a gente fazer algumas visitas, em alguns estados, inclusive no meu; visitas em alguns estados, para ver como está, qual é o problema principal e o que podemos, todos juntos, construir. Eu reafirmo: o Governo tem quatro meses, praticamente. Então, não deu para olhar o todo ainda, porque o Brasil é um Brasil continental. Mas o papel de vocês aqui é importantíssimo, falando francamente o que está acontecendo. E o que eu ia dizer, vou repetir: peço que a Fundação Palmares, inclusive, me ajude a cobrar na hora em que esta Comissão for decidir sobre o Orçamento da União, pois tem emendas que são de Comissão. Eu já me comprometi que vou brigar pela situação dos chamados, entre aspas, como disse o médico que estava aqui, "hospitais de doentes mentais", das pessoas que têm algum tipo de doença mental. E quero dizer que nós vamos trabalhar, e vou batalhar muito aqui. |
| R | E aqui a maioria são mulheres, e mulheres são mais sensíveis. Quero dar uma salva de palmas para a Bancada Feminina aqui no Senado. (Palmas.) A bancada é muito boa. Eu vou conversar com elas para que a gente, no capítulo correspondente à emenda, faça uma emenda robusta, porque é nacional, para as comunidades quilombolas. Fica aqui esse compromisso, e sei que a Fundação Palmares vai ajudar. Eu sei que eles vêm aqui para ajudar a articular. O Ministério da Igualdade Racial tem esse compromisso. O Ministério da Justiça eu entendo que também tem. E o Ministério dos Direitos Humanos também tem. São todos Ministérios comprometidos com essa causa. Então, tomem nota que, de uma das emendas, eu sou o Relator, e vou brigar, como Relator, para assegurar que seja para a comunidade quilombola. Claro, isso em todo o Brasil, viu? Vai para o Ministério correspondente, para contribuir com as comunidades quilombolas. Agora, nós vamos mudar esta Mesa, mas já temos duas decisões, pelo menos, tomadas aqui, que está ao meu alcance. Ao meu alcance, eu tomo; o resto eu encaminho. Vamos para uma segunda Mesa. Eu pediria então, já que eu falei tanto nas mulheres, que os dois homens que estão na mesa retornem ao plenário; as duas mulheres ficam, e vamos chamar outros dois homens. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Gentilmente, com muito carinho, viu? Boa fala. Vamos chamar agora o líder Carlos Humberto Campos, Diretor Executivo Nacional da Cáritas Brasileira. (Palmas.) Também a líder Juvenice Ferreira de Souza - mais uma mulher para a mesa -, representante da Comunidade Barreiro. (Palmas.) Agora as mulheres tomaram conta. Nós somos minoria aqui. E nós temos aqui, no Plenário... E que bom que vocês estão aqui! Ele pediu para registrar a presença, mas você sabe que você tem direito à presença e, se quiser falar, fique bem à vontade. Até peço que você venha aqui na primeira para ficar registrado. Eu peço uma salva de palmas para o Sr. Nelson Luiz Rigaud Mendes, Chefe de Gabinete da Fundação Cultural Palmares, que poderia, pelo menos, justificar porque o titular não veio. A palavra é sua. (Palmas.) Só puxar, apertar o botão, que acende o verde. O botão preto. Pronto. O SR. NELSON LUIZ RIGAUD MENDES (Para expor.) - Bom dia, Senador Paulo Paim. Bom dia, às Sras. da mesa, bom dia a todos e a todas. Eu sou Nelson Mendes, Chefe de Gabinete da Fundação Cultural Palmares. Estou aqui representando o Presidente João Jorge, que teve que ir para uma reunião com a Ministra Margareth Menezes e me pediu para vir representar a Fundação Palmares. Gostaria, brevemente, de registrar que estamos num processo de reconstrução da Fundação Palmares. Todos sabem que, das organizações vinculadas ao Ministério da Cultura, a Palmares foi a mais atingida na sua institucionalidade, tanto física como de pessoal. Então, estamos, há dois meses, nesse trabalho insano de reconstrução. |
| R | Em relação à questão quilombola, estamos cuidando dos processos. São "n" processos. O Presidente João Jorge revogou uma portaria que dificultava o acesso das certificações das comunidades quilombolas e uma série de outras medidas que estão sendo tomadas para que essa situação dos quilombolas na Palmares seja conduzida da melhor maneira possível. Temos recebido comunidades quilombolas na Palmares e que colocam que não eram recebidas de maneira alguma. Temos ouvido essas comunidades, por videoconferências. Enfim... E estamos aqui para ouvir as demandas e brevemente teremos, Walter, uma audiência com o senhor, para poder dar prosseguimento a essa questão. Muito obrigado. Bom dia. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Sr. Nelson Luiz Rigaud Mendes. Eu sei que o líder, Presidente da Fundação Cultural Palmares, estava, inclusive, confirmado aqui, já tinha me informado, mas foi na última hora que a Ministra teve um compromisso e deve tratar, inclusive, desse tema. Por isso é que ele não esteve lá. Ele é um líder comprometido, viu? Ele, inclusive, num debate que teve aqui com a Ministra... A questão de estar o nome dele, debate, diálogo... A Ministra foi muito bem. Falou de todos os temas e mostrou que tem muito compromisso também com essa causa. Então, diga para o meu querido Jorge lá que eu mandei um abraço forte para ele e que nós já decidimos aqui fazer uma outra audiência para debater a questão quilombola nacional. Quem sabe - sonhar não é possível - a gente consiga até trazer a Ministra também, para dialogarmos sobre esse tema tão importante. Quero lembrar a todos também que, com relação ao Ministério da Igualdade Racial, da Ministra Anielle Franco, a nossa querida Ministra, que esteve aqui e foi brilhante... Ela ficou entre as mulheres com mais destaque no mundo. Naquele dia eu fiz essa ressalva inclusive. E lembro também que temos uma Secretaria de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos. Temos, inclusive, uma secretaria que cuida mais dessa área. Todos serão convidados, porque, quanto às denúncias que vocês estão colocando aqui, algumas eu já tinha recebido, e vocês receberam também lá, com certeza. Como é que a gente vai fazer um trabalho conjunto? Quem sabe eu vá até com o Secretário e com a Ministra a alguns estados para falar desse tema. Eu só lembro que o Sr. Nelson Luiz Rigaud Mendes preferiu... Queríamos que viesse para a mesa, mas ele disse: "Não. Eu quero ouvi-los". E às vezes têm pessoas, líderes, que fazem esse gesto. Ele preferiu ficar aqui no Plenário, ouvindo o Plenário e os convidados e depois, é claro, vai passar tudo para o nosso líder Jorge. O SR. NELSON LUIZ RIGAUD MENDES (Fora do microfone.) - ... a Diretora Flávia Costa, do Departamento de Proteção das Comunidades Quilombolas, que também não pôde vir. Então, o lugar de fala mais apropriado seria o da diretora, que está envolvida com os processos. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está bem. O SR. NELSON LUIZ RIGAUD MENDES - Então, eu não me omiti não. Eu preferi, porque é melhor fazer uma fala apropriada do que ficar conversando, tergiversando. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu entendi. Mas fica registrado que numa próxima eles virão. Vamos marcar com tempo O SR. NELSON LUIZ RIGAUD MENDES (Fora do microfone.) - Com certeza. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E talvez a gente consiga trazer a Ministra, que é muito gentil, muito, muito competente, muito preparada, viu? O SR. NELSON LUIZ RIGAUD MENDES (Fora do microfone.) - Vamos fazer... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu vou fazer um movimento nesse sentido. Que venham os três: o Jorge, a diretora que você falou... |
| R | O SR. NELSON LUIZ RIGAUD MENDES - Flávia Costa. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... a Flávia Costa e a Ministra, se possível. O SR. NELSON LUIZ RIGAUD MENDES - Com certeza. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, a palavra agora é do Sr. Carlos Humberto Campos, Diretor Executivo Nacional da Cáritas Brasileira. O SR. CARLOS HUMBERTO CAMPOS (Para expor.) - Bom dia a todos e todas. Primeiramente, nós queremos, em nome da Cáritas Brasileira, agradecer aos nossos companheiros e companheiras da primeira mesa - o Prof. Girolamo, a Vanuza, a Maria Izaltina e o José Eldione -, que, com tanta sabedoria e conhecimento, trouxeram elementos que nos ajudam a debater e construir esse processo de superação das políticas que são voltadas para as comunidades e povos tradicionais. Também queremos agradecer ao Senador Paulo Paim e todo o seu gabinete por nos dar a oportunidade de estarmos aqui trazendo essa realidade. Senhoras e senhores, a Cáritas Brasileira é um organismo da CNBB. Ela foi criada, em 12 de novembro de 1956, pelo tão saudoso, guerreiro, lutador e santo Dom Hélder Câmara. (Palmas.) Então, este ano nós completamos 67 anos de atividade no Brasil. A Rede Cáritas atua em todo o Brasil, através de um secretariado nacional, aqui, com sede em Brasília, juntamente com a CNBB. Nós atuamos em 12 escritórios regionais espalhados - no Rio Grande do Sul, Senador, temos escritório regional - por todo o Brasil, inclusive no Pará, que abrange Pará e Amapá, e também o Nordeste 3, que abrange os Estados da Bahia e de Sergipe. Esta audiência, Senador Paulo Paim e demais, faz parte da ação da Cáritas Brasileira, por meio do Programa Global das Comunidades de Nossa América Latina. O clamor não é só aqui no Brasil. Nossos vizinhos também, fronteiras, Colômbia, Peru, Equador, também vivem essa devastação dos grupos e comunidades quilombolas. Ela é desenvolvida pela Cáritas Brasileira no Norte através do Regional Norte 2, como já falei, que temos aqui. O nosso agradecimento à Ivanilde, que é a secretária regional lá da região. Peço uma salva de palmas. (Palmas.) É uma mulher guerreira, quilombola também, e que está aí, na luta conosco. E também pelo Regional Nordeste 3, que abrange, como eu falei, o Estado da Bahia e o Estado de Sergipe. Aqui temos o Márcio, que é assessor lá da região, e o Padre Isaías, que é um guerreiro lá da cidade de Estância... (Palmas.) (Intervenção fora do microfone.) O SR. CARLOS HUMBERTO CAMPOS - ... que estão, também, na linha de frente. E, como coordenadora do projeto, temos a companheira Lígia... (Palmas.) .... que é uma mulher também e que faz toda essa organização do trabalho. Mas esse projeto, Senador, só foi possível também pelo apoio de parceiros internacionais. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Quero aproveitar, porque o Carlinhos entrou aqui: o Carlinhos é meu assessor na área do orçamento, viu? (Palmas.) Carlinhos, eu assumi o compromisso aqui, em público, de que, na hora de discutirmos as emendas de bancada, vai entrar a nossa proposta em defesa do povo quilombola, viu? É uma emenda nacional. Ele é bambambã, viu? Ele sabe tudo. O SR. CARLOS HUMBERTO CAMPOS - Ele chegou numa boa hora. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Chegou numa boa hora. Eu vou até de dar uma salva de palmas. (Palmas.) Só não pede aumento agora, hein? (Risos.) O SR. CARLOS HUMBERTO CAMPOS - Retomando, então, queremos agradecer também à Cáritas Alemã, que está presente aqui, ao Manuel, que é coordenador do trabalho voltado para essa região, à companheira Andrea também, que estão aqui e que são parceiros nesse trabalho junto à Cáritas no Brasil, mas também é uma parceria com o Ministério Federal alemão da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento, o BMZ, no qual nós também, em novembro, tivemos audiência lá na Alemanha. Estamos construindo esse diálogo, Senador, porque nós entendemos que a incidência tem que ser também internacional, porque nós sabemos muito bem que as grandes empresas, as corporações internacionais que hoje se instalam nos territórios são grandes redes, e é preciso que a gente faça esse trabalho mundial. Então, nós estamos aqui, sobretudo as lideranças comunitárias. Nós trabalhamos como o protagonismo das lideranças e nós desenvolvemos a metodologia de escuta, de escuta e de escuta. Estamos aqui junto com essas lideranças para denunciar a violação dos direitos dos povos. Denunciamos o não cumprimento da legislação, conforme - como já foi dito - a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, que define quem são os povos tradicionais e afirma: é obrigação dos governos, é obrigação do Governo brasileiro reconhecer e proteger os valores e práticas sociais, culturais, religiosos e espirituais próprios desses povos e que seja garantida - como foi dito pelos meus antecessores - a realização da consulta livre, prévia e informativa. (Palmas.) E esse direito, como foi dito pelas lideranças, está sendo negado, e isto causa muita dor e sofrimento nas nossas comunidades. Denunciamos a indiferença e o não reconhecimento dos povos e seus territórios. Queremos denunciar aqui os horrores da violência contra a vida de homens, mulheres, crianças e idosos. Essa dor ultrapassa todos os limites da tolerância humana. |
| R | Nós estamos, desde segunda-feira, ouvindo as lideranças, e os depoimentos dessas lideranças doem na alma, doem no coração, porque são gerações inteiras das quais são retirados o direito à vida, o direito de estudar, o direito de futuro, o direito de ter vida digna, e isso fere de morte não a sociedade, mas fere de morte o projeto maior, que é o projeto de Deus, o projeto divino. Será que os líderes perderam esses sentimentos que também foram criados a partir da vontade de Deus? Essa dor e esse sofrimento, impostos pelo capital, pelas grandes empresas de mineração e de energias, pelo agronegócio maldito que envenena nossas águas, nossas terras, que mata nossa flora... São insuportáveis. (Soa a campainha.) O SR. CARLOS HUMBERTO CAMPOS - É irracional o que estão fazendo com as comunidades e com os povos tradicionais. O sentimento que temos é que ainda vivemos o processo de colonização, de posse do outro. Temos que romper essa relação de posse e criar uma nova civilização, um novo processo, uma descolonização, para que possamos avançar na construção de uma sociedade fraterna, igualitária e justa, como o nosso querido Papa Francisco defende, na Ladauto si'. Estamos celebrando agora uma semana de Ladauto si', e, inclusive, ontem teve a audiência na Câmara. Queremos destacar uma denúncia principal: a denúncia contra o Estado brasileiro, sobretudo o dos últimos anos, um Estado negacionista, que trouxe as nuvens da morte que cobriram o Brasil, quando se viu um governo indo na contramão dos preceitos constitucionais e se tornando um agente importante da violência. Na disputa entre ser garantidor de direito ou legitimador da apropriação dos territórios pelo capital, o Estado desempenha a violência que se manifesta em quatro formas principais, e, aí, nós queremos citar as quatro formas que são colocadas no livro Conflito no Campo Brasil, da CPT, que é nossa parceira nessa luta, quando ele cita: o Estado omisso e negligente, que se mostra inerte, inoperante e incapaz e paralisa os mecanismos de regularização fundiária e de reconhecimento dos direitos territoriais; o Estado conivente, quando, ciente das consequências da omissão, opta pela inação sistemática, favorecendo a espoliação; o Estado normativo regulador, quando desempenha um papel proativo a serviço do capital nas escolhas política e econômica... Dói quando a gente vê que o Estado defende a saúde da economia, a saúde do mercado, e não defende a saúde e a vida do povo. |
| R | Isso está na contramão da humanidade; e o Estado agressor, quando coloca as suas forças de segurança e seus mecanismos de fiscalização e investigação a serviço da violência institucionalizada contra as comunidades e os povos do campo, pessoas indefesas que querem apenas, como disse o companheiro antes, defender seus direitos de lutar pela vida, de lutar pelos seus, de reproduzir a vida. E sobre isso, agora mesmo, Senador Paulo Paim, eu lhe entrego esse documento da Comunidade Quilombola Lagoas, lá do Piauí, na Serra da Capivara, e, para a gente ouvir, eu também trouxe um pequeno vídeo, de quatro minutos, que retrata não a realidade só de lá, mas a realidade de milhares de quilombos. E aí, companheiro da Fundação Palmares, temos um grande desafio: nós precisamos estar juntos para afrontar esse grande monstro que quer destruir nossas comunidades e nossos povos. Vamos ouvir então, companheiro. (Procede-se à exibição de vídeo.) (Palmas.) |
| R | Esse quilombo é um dos maiores do Nordeste. Ele possui 62 mil hectares. São 119 comunidades. Abrange seis municípios: São Raimundo Nonato, Bonfim do Piauí, Várzea Branca, Fartura do Piauí, Dirceu Arcoverde e São Lourenço, e está no Parque Nacional da Serra da Capivara, Patrimônio da Humanidade. E as mineradoras estão aí de olho para destruir. Essa é a realidade do Brasil. Para finalizar a nossa fala, eu queria trazer um recadinho do nosso querido Papa Francisco. Quando ele escreve lá no nº 92 da Laudato Si, quando ele diz... (Soa a campainha.) O SR. CARLOS HUMBERTO CAMPOS - E aqui é uma mensagem para todos nós seres humanos, independente de ser católico, qualquer tipo, qual é o Deus, é o humano, é ser humano, é o ser vivo: [...] O coração é um só, e a própria miséria que leva a maltratar um animal não tarda a manifestar-se na relação com as outras pessoas. [...] [Toda crueldade] contra qualquer criatura é [...] [contrária] à dignidade humana. Não podemos considerar-nos grandes amantes da realidade, se excluímos dos nossos interesses alguma parte dela. "A paz, a justiça e a conservação da criação são três questões absolutamente ligadas, que não se poderão separar, tratando-as individualmente, sob pena de cair novamente no reducionismo". Tudo está [...] [interligado], e todos nós, seres humanos, caminhamos junto como irmãos e irmãs numa peregrinação maravilhosa, entrelaçados pelo amor que Deus tem a cada uma das suas criaturas e que nos une também, com terna afeição, ao irmão sol, à irmã lua, à irmã floresta, ao irmão rio e à mãe terra. Gratidão a todos e todos, e a Cáritas continua firme nessa caminhada. Obrigado! (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos pela bela fala do Diretor Executivo Nacional da Cáritas Brasileira, o Dr. Carlos Humberto Campos. Os meus cumprimentos ao senhor, que fez uma exposição detalhada e mostrou a importância da luta de todos nós para melhorar a qualidade de vida de todo o povo brasileiro. Temos que olhar para os mais vulneráveis. É o caso que estamos debatendo aqui, onde até a água é negada. Passo a palavra, agora, para terminar o espaço considerado dos painelistas, à líder Juvenice Ferreira de Souza, representante da Comunidade do Barreiro, em Caetité e Licínio de Almeida, Bahia. A SRA. JUVENICE FERREIRA DE SOUZA (Para expor.) - Bom dia a todos e todas. Meu nome é Juvenice Ferreira. Eu sou da Comunidade do Barreiro, no Município de Licínio de Almeida. Sou engenheira agrônoma e estou na luta com as organizações sociais. Não sou quilombola, mas sou negra. Venho falar e, ao mesmo tempo, denunciar uma problemática que envolve os territórios e comunidades na região sudoeste da Bahia, especificamente no Alto Sertão, onde estão os Municípios de Licínio de Almeida, Caetité e Pindaí. Essa é uma região que vem sofrendo nos últimos anos e acumulando o recebimento de consequências socioambientais de um conjunto de grandes projetos de mineração, parques eólicos e ferrovia que, na sua maioria, são de capital internacional. A manifestação popular contra os impactos da mineração não é um caso isolado na região e nem é novo. Em 1990, trabalhadores da empresa Urandi S.A. realizaram uma greve que durou 42 dias, por melhores condições de trabalho. Em nossa região, existe um megaprojeto de mineração que pertence à Bahia Mineração (Bamin), empresa de capital estrangeiro que tem extraído minério de ferro em Caetité e que também tem impactado os Municípios de Pindaí e Licínio de Almeida. Esse projeto está alinhado ao complexo intermodal mina-ferrovia-porto, já que essa mina de extração de ferro é vinculada ao projeto Ferrovia de Integração Oeste-Leste, obra federal que, no trecho cedido à Bamin, percorre de Caetité a Ilhéus, no sul da Bahia, onde está sendo construído o Porto Sul. Sabemos, pela experiência em outras regiões com grandes projetos como esse, que se trata de um modelo mineral que é marcado por esse caráter histórico de dependência, pelo saque dos bens comuns da natureza para exportação em larga escala, sem retorno concreto para as populações locais, que, por sua vez, recebem todos os graves impactos socioambientais causados. Esse projeto da Bamin, previsto para extrair minério de ferro durante 30 anos na região e que já causa grandes violações de direitos das comunidades no seu entorno na sua atual escala, pretende, no seu auge, a extração de 20 milhões de toneladas, por ano, de minério. Para isso, além do agravamento dos impactos em diversas dimensões, pretende rebaixar o lençol freático em 300m. Esse procedimento vai inviabilizar a produção e o desenvolvimento da agricultura familiar em todo o território, já que estamos na região semiárida, cujo clima é quente e seco, com longos períodos de estiagem. |
| R | Destaco que a população dessa região, apesar do clima da região semiárida, sobrevive principalmente da agricultura familiar. O trecho da BA-156, em torno de 50km, que corta Licínio de Almeida e por onde a Bamin tem escoado provisoriamente o minério de ferro, através da Ferrovia Centro-Atlântica, a FCA, atinge sete comunidades rurais, corta também quatro riachos que abastecem várias comunidades da região, cujas nascentes estão ameaçadas. Os leitos dos rios estão sendo assoreados pelo cascalho colocado nas estradas, que, no período das chuvas, é carreado para o berço dos riachos, bem como o pó do ferro que cai das caçambas nas estradas durante o transporte feito por caminhões sem cobertura, causando a contaminação da água e do solo. Entretanto, o Município de Licínio de Almeida possui um lençol freático muito rico, onde os poços possuem menos de 100 metros de profundidade. Com grandes vazões, esta água é usada pelos agricultores familiares para produzirem seu alimento, assim como os produtos para comercialização. Um dado que trago: segundo o Censo Agropecuário de 2017, no Município de Licínio de Almeida, a safra do maracujá chegou a quase 2 mil toneladas. Boa parte foi produzida pela comunidade Taquaril dos Fialhos e arrecadou R$2 milhões naquele ano. Essa comunidade, Taquaril dos Fialhos, vem sendo assediada pela empresa Vale do Paramirim para exploração de minério em suas terras e ela vem lutando contra a implementação desse projeto, que é um projeto de morte e destruição da comunidade e da vida daqueles povos. A população da região sobrevive da água, desta água desses poços também, que está bastante comprometida e ameaçada. A empresa tem usado, comprado a água de um poço que abastece as comunidades para molhar a estrada, que não é asfaltada, com o objetivo de amenizar a poeira, o que não funciona e provoca um grande desperdício da água que temos. Para se ter uma ideia, um dos poços utilizados pela empresa, quando perfurado, tinha uma vazão de 18 mil litros de água e hoje, após pouco mais de dois anos de uso, a vazão não atinge mais 4 mil litros de água. O trajeto feito pelos caminhões tem provocado rachaduras nas casas dos moradores, no entorno da BA-156, e provocou um aumento nos números de casos de alergia e uso de antialérgicos em crianças e idosos. A poeira dificulta o tráfego dos moradores para a cidade, pois prejudica a visibilidade e causa riscos de acidentes. Além disso, o pó da estrada, misturado ao pó do ferro, recai sobre os telhados, o que compromete a qualidade da água das chuvas que é armazenada pelas cisternas. Recai também sobre as plantações, o que impede a realização da fotossíntese pelas plantas, compromete a produção das lavouras e prejudica, ainda, a atividade apícola, praticada em grande escala no município e que depende das flores, para as abelhas produzirem os seus produtos, os produtos que nós utilizamos. Isso não significa apenas a inviabilização da agricultura familiar, mas um desemprego massivo das massas camponesas e famílias urbanas, desassistidas de água e sem nenhuma alternativa prevista. É importante destacar que o armazenamento do minério de ferro é feito em um pátio, localizado em um bairro da cidade de Licínio de Almeida, o que tem comprometido a saúde dos moradores, bem como o transporte do minério, realizado pelo trem de ferro que corta a cidade, espalhando pó de ferro, durante o trajeto, pois não é coberto. |
| R | Já nas comunidades do Município de Caetité, onde a mina está situada, muitas das cisternas para a captação de água das chuvas estão destruídas pelas explosões dentro da mina e não armazenam mais água das chuvas, deixando as famílias em situação de vulnerabilidade. Além disso, há uma crise de desemprego. O conjunto de empregos oferecidos pela empresa são temporários e precarizados e, ao impulsionar a dependência da mineração, o empobrecimento, alinhado aos demais impactos, fortalece a migração da juventude rural, o adoecimento psicológico e o aumento dos casos de alcoolismo, que tem afetado a população. Outro aspecto de denúncia das comunidades é que extensas áreas de terras públicas, as conhecidas áreas de gerais, historicamente usadas pelas famílias de modo coletivo e tradicional, para a solta do gado e outras atividades econômicas, uso religioso e cultural, além de onde se situam inúmeras fontes de água, anteriormente usadas de forma comum... (Soa a campainha.) A SRA. JUVENICE FERREIRA DE SOUZA - ... foram cercadas pela empresa e a população foi impedida de ter acesso, desde a implantação da mineração nesse território. Todo esse contexto de denúncia explicita que esse modelo de desenvolvimento, vendido pelas grandes empresas de mineração enquanto progresso, não é somente um falso desenvolvimento, mas é também fator de empobrecimento e vulnerabilização das populações locais. É um modelo que, na verdade, tenta impor o desenvolvimento do capital, atropelando as formas concretas de desenvolvimento que o povo desenvolveu, ao longo dos anos, como a agricultura familiar, que carece de investimentos reais, aliados do protagonismo das comunidades na formulação e implementação das políticas públicas de trabalho e renda, em todas as áreas sociais. Como forma de resistência, reivindicando da Bamin e do poder público respostas frente a esse conjunto de violações e impactos, os agricultores e agricultoras das comunidades fizeram uma mobilização e paralisação da BA-156, por mais de cem dias, no último ano. A empresa Bamin se negou a dialogar com as famílias e o Estado ficou omisso, não viabilizou a escuta das famílias e justificou que a empresa está operando legalmente. Daí as perguntas: O povo tem que ficar sem direitos? Tem que sair do seu território para que a empresa permaneça, destruindo as fontes de água e impedindo a produção que garante a sobrevivência da população? Vale destacar que o Inema pouco intervém na situação, pois as irregularidades históricas da Bamin, como por exemplo o caso das condicionantes não cumpridas pela empresa para com as famílias das comunidades de Antas e Palmitos, duas comunidades quilombolas no município de Caetité, que foram retiradas de seus territórios e que deveriam, segundo a lei, serem alocadas em uma terra com condições iguais ou superior ao antigo território, hoje estão em um assentamento que pertence à empresa e não têm condições hídricas e de produção, deixando as famílias numa profunda situação de miséria. |
| R | O Inema foi comunicado também da falta de acesso ao EIA/RIMA do projeto da Bamin, que não foi encontrado nem no site do Inema, nem no site da empresa, e mesmo assim, até o momento, o documento não foi apresentado. Apesar de tudo isso e das denúncias, o Inema nunca contestou nenhuma das licenças concedidas à empresa Bamin. Toda essa situação até agora destacada tende a se agravar quando a empresa estiver operando plenamente, pois há pouca incidência do Estado para resolver a situação. Esse é apenas um resumo da gravidade dos impactos ambientais e sociais que esse projeto de mineração tem causado no Alto Sertão da Bahia, principalmente para as comunidades rurais. Por isso, é mais que urgente que o Poder Público assuma seu papel de fiscalização, que a Bahia Mineração cumpra, de fato, as condicionantes socioambientais que lhe cabem e que as reivindicações das comunidades sejam atendidas, entre elas as mais urgentes: o fortalecimento das políticas públicas de agricultura familiar; o asfaltamento da BA-156, que segue como falsa promessa do poder público local e estadual; a fiscalização e controle do uso da água que vem sendo usada, de forma indiscriminada pela Bamin; a resolução sobre o assoreamento dos rios da região; e a realização de uma audiência pública, com ampla participação popular, para debater os impactos da mineração na região - é o que nós pedimos no início da paralisação e que não foi promovida nem pelo nosso poder público local, Executivo nem Legislativo. Se acabar com a água, como vai ficar a produção agrícola? E as famílias vão sobreviver de quê? Expulsar o povo do campo não é uma grave violação dos direitos humanos? Até quando vamos admitir esse tipo de desmando das empresas, contrariando os interesses do povo? Não estamos em uma comunidade quilombola, mas as grandes empresas estão impactando todas as comunidades quilombolas tradicionais do nosso país. (Soa a campainha.) A SRA. JUVENICE FERREIRA DE SOUZA - Agradeço o espaço, agradeço à Cáritas por este momento, e estamos na luta. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, a líder Juvenice Ferreira de Souza, representante da Comunidade Barreiro, Caetité, Licínio de Almeida, Bahia. Meus cumprimentos pela fala, que traz uma série de denúncias. Eu fiquei meio perplexo, porque uma audiência pública é a coisa mais simples de realizar. Eu realizo aqui três, quatro por semana, e ela fala, no encerramento, que uma simples audiência pública para debater a questão não foi assegurada faz um ano, parece. A SRA. JUVENICE FERREIRA DE SOUZA - Foi no final do ano passado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Desde o ano passado. É o termo que ela usou foi esse: desde o ano passado. Precisamos conversar muito. Eu me disponho. É só acertar com os Senadores lá também da Bahia. De repente, fazemos uma audiência pública lá para discutir. Ela frisou bem: uma das questões é a água. E a água é vida. Quem vive sem água? Ninguém. Eu mesmo, que estou aqui falando meio rouco, o que os médicos dizem? "Tome água, Paim". E eu tomo água tantas vezes quanto eu quiser. E a comunidade pode ficar sem água. Vamos conversar um pouco aí com os Senadores de lá para ver o que a gente pode ajudar e falar também com o Governo lá no estado, o que a gente pode colaborar para, pelo menos, fazer audiência pública para conversar sobre o que está acontecendo. |
| R | Muito bem. Chegamos ao encerramento da nossa audiência pública, mas, como é de praxe, cada um dos painelistas terá três minutos para as suas considerações finais. Se abrir o Plenário, não sei se... (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse é o problema. Então, vamos fazer o seguinte. Como todos já falaram, como ia dar três minutos para cada um repetindo a fala, só vamos poder agradecer e cumprimentar, claro, que é o normal. E como nós temos o problema de horário, porque vai começar a sessão do Plenário... Começa às 11h, mas sempre atrasa um pouco. Então, vamos ver a quantas pessoas do plenário vocês gostariam de abrir a palavra. Tem que ser um número limitado. Um, dois, três, quatro, cinco. Aqui é ligeiro! Um, dois, três, quatro, cinco. Entendam entre vocês. Passamos a palavra para cinco. Aí vocês veem quem da organização... O SR. CARLOS HUMBERTO CAMPOS (Fora do microfone.) - Eu poderia fazer uma proposta, um minutinho? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pois não? O SR. CARLOS HUMBERTO CAMPOS - Eu queria sugerir, Senador, que, como aqui é a Comissão de Direitos Humanos, juntamente com a Fundação Palmares, e a Cáritas Brasileira é um organismo que tem uma ação em todo o país, que houvesse uma possibilidade de marcarmos uma reunião para, quem sabe, criar uma comissão, a Comissão de Direitos Humanos, a Fundação Palmares e a sociedade civil com a Cáritas para a gente fazer o acompanhamento dessas situações. A Cáritas se coloca à disposição e, com certeza, os nossos regionais que estão aí atuando nos territórios querem contribuir, porque nós entendemos que essa é a nossa missão e o nosso papel de sociedade civil. Obrigado. O SR. NELSON LUIZ RIGAUD MENDES - Estamos à disposição. Vamos marcar, o.k.? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - De minha parte também, a Comissão de Direitos Humanos, sem problema nenhum. Nós vamos destacar um Senador, pode ser eu ou uma suplente, para que acompanhe esse trabalho tão importante, até porque eu ia falar, no encerramento, dos encaminhamentos. Então, já fica garantido esse encaminhamento da boa vontade aqui demonstrada de nós conversarmos. Seria muito importante que... Inclusive, me chegou aqui um documento que fala: "Quilombola do Rio de Janeiro assume secretaria do Ministério da Igualdade Racial. O Sr. Ronaldo dos Santos, 44 anos, atua na defesa dos povos tradicionais quilombolas desde a década de 90". Ele é secretário no Ministério. Então, vamos também fazer contato com ele e, naturalmente, com a ministra. |
| R | Então, se vocês concordarem, nós vamos dar a palavra por três minutos, como é de praxe aqui, e vocês escolham cinco ou seis pessoas do Plenário. Quem é que faz a lista? Alguém que lidera o movimento. (Pausa.) O.k... Seis? Pode ser seis, tá bom? Vai começar aqui, com a senhora aqui na frente. Então, para efeito de registro, diga o nome e a comunidade. E o painel avisará quando faltar um minuto. A SRA. ROSIMEIRE DOS SANTOS SILVA (Para expor.) - Bom dia! Meu nome é Rosimeire, sou da comunidade Quilombo Rio dos Macacos, no Estado da Bahia. Agradeço a oportunidade pela Cáritas Brasileira ao Senador e a esta Casa aqui. Eu estou aqui, mais uma vez, pedindo socorro. Eu já estive nesta Casa, pedindo socorro sobre a questão das mortes que estão acontecendo na comunidade. Depois desse pedido de socorro, aconteceu mais assassinato dentro da comunidade. As nossas vidas estão correndo alto risco, e quem faz isso aí é o Governo brasileiro, que é a Marinha de Guerra do Brasil, que é responsável por toda a violência que está acontecendo dentro das nossas comunidades. E aí tem também o Governo do estado, o Governo municipal e o Governo federal, que é omisso sobre o nosso território. Não é de hoje e não é de ontem que a gente está lutando para viver. Muita gente foi assassinada, muita gente foi tombada, e até hoje a gente não tem uma resposta da Justiça. E, quando faltam as políticas públicas, aí a violência cada vez mais aumenta. A nossa comunidade não tem nenhum tipo de políticas públicas, não tem via de acesso... A gente lutou muito para entregar um documento ao Governo do estado, que não recebe a comunidade, e aí a gente começou abrindo uma via de acesso a outra via de acesso. A Marinha impediu de abrir. E tem vários idosos que precisam de socorro. A Sepromi só fica marcando e remarcando reunião com as comunidades - e principalmente com a nossa comunidade -, e até hoje as políticas públicas não chegaram à comunidade, nem a secretária atual agora recebe a comunidade. Então, aqui, Senador, eu estou fazendo um pedido de socorro. Vou entregar uma carta ao senhor, a mesma carta que eu entreguei ao Presidente Lula, com as pessoas que estão dizendo que a comunidade está passando fome, a comunidade está sendo assassinada com a falta de responsabilidade do Governo brasileiro. (Soa a campainha.) A SRA. ROSIMEIRE DOS SANTOS SILVA - Então, é uma mãe que teve de retirar sua filha do colégio numa mala de um carro, porque minha filha ia ser assassinada num colégio, e aí o diretor pediu: "Você quer receber sua filha em casa? Você quer continuar com sua filha estudando e receber um caixão? Ou você quer que sua filha fique em casa?". Eu preferi que minha filha fique em casa, porque eu ia perder minha filha. Então, nossas crianças andam 7km para ir para a escola e 7km para voltar. E, quando a gente fala de água, a gente fala de vida. Então, o nosso rio, as nossas fontes estão sendo arrancadas do nosso povo; as nossas vidas estão sendo arrancadas, porque a Marinha de Guerra do Brasil vai assassinar a nossa comunidade fazendo um muro, cercando toda a água do território. Eles fizeram a proposta de um reconhecimento facial. A gente não é dessa cultura. A gente não quer um reconhecimento facial na beirada do rio. O rio é livre! Deus botou aí a água para todos nós usarmos. Então, a gente está fazendo aqui um pedido de socorro a esta Casa, que visite a comunidade e tome algumas providências para mais vidas não serem assassinadas. (Soa a campainha.) A SRA. ROSIMEIRE DOS SANTOS SILVA - Eu vou entregar esta carta ao senhor, para o senhor ler e ver a situação. Nem a metade dessa violência está aqui nessa carta. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não; antes de vir aqui, repita aí o seu nome, a comunidade e o estado. A SRA. ROSIMEIRE DOS SANTOS SILVA (Para expor.) - O meu nome é Rosimeire dos Santos Silva. Eu sou uma das mulheres que luta para viver. Faço parte da comunidade Quilombo Rio dos Macacos, no Estado da Bahia, Município de Simões Filho, que é abandonado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k! Eu recebo, neste momento, o documento. (Pausa.) Enquanto isso, a próxima... Quem vai falar agora? (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, só enquanto ela me entrega o documento, e, em seguida, a senhora pode usar a palavra. (Pausa.) Para ficar mais bonitinho é do lado de cá, para eu sair na foto com você aqui... E pode entregar para eles a foto lá, que não há problema nenhum. Vocês podem sair juntos. Venha cá. A SRA. ROSIMEIRE DOS SANTOS SILVA (Para expor. Fora do microfone.) - É a mesma carta que eu entreguei a Lula.... Sete com Dilma. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tá bom! (Pausa.) (Palmas.) A palavra é sua. Diga o nome, a comunidade, cidade e estado. A SRA. PRETA MARIA JOSÉ (Para expor.) - Bom dia! Eu sou a Preta Maria José, do Quilombo São José de Icatu, Município de Mocajuba, que fica entre Mocajuba e Baião, Estado do Pará. Estou aqui com uma denúncia da Hidrovia Araguaia-Tocantins e eu acho que você mesmo já viu, Senador, que foi votada, parece que aqui na Câmara dos Deputados, a construção da Hidrovia Araguaia-Tocantins. Então, nós temos um povo quilombola, ali da beira do Rio Tocantins, que somos 82 mil quilombolas, só quilombolas que estamos lá. Isso foi feito, neste ano de 2023, pelo IBGE. Então, esse povo ali vai sofrer as consequências que sofreram da barragem e vai sofrer da Hidrovia Araguaia-Tocantins. Então, viemos aqui implorar para vocês retirarem esse projeto do nosso meio, esse projeto de morte - não é um projeto de vida! -, que vai destruir o nosso rio, vai matar o nosso rio. No Rima está lá que nós não vamos poder consumir a água nem o peixe por alguns anos. Então, o que é que vai acontecer com os pescadores que estamos lá? Eu sou quilombola, sou pescadora e outros pescadores que estão lá, como aqui também tem da Terra da Liberdade. Então, tem muita gente envolvida nesse projeto de morte, um projeto que vai assassinar esse pessoal. Então, eu gostaria muito que você pudesse nos ajudar a pensar nisso, nessa estrutura, e também que vocês pudessem colocar um projeto de lei, como tem o Brasil Quilombola - é isso? - que tem hoje. E, aí, quando a gente chegou no Ministério da Pesca ontem, tinha 23 propostas, e nenhuma diz quilombola. (Soa a campainha.) A SRA. PRETA MARIA JOSÉ (Para expor.) - Então, desde já, eu gostaria que vocês, para a gente ter o direito... Hoje está acontecendo uma audiência pública em Mocajuba, mas eles dizem: "Não tem nada para quilombola aqui. Tem pra educação do campo". Então, a gente quer isso no papel; a gente quer se ver também. Ei, quilombola, dormindo não se aprende nada. Ei, quilombola, dormindo não se aprende nada. Pode pular, pode saltar, Gira e torna a girar. Mão na cabeça, Nunca se esqueça Que o bicho pode pegar. Mas não queremos isso para nós. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Muito bem, muito bem. Eu acho que a proposta encaminhada pelo Carlos, da Cáritas, vai nessa linha, porque eu percebo que são muitas denúncias. Então, Dr. Carlos, eu me prontifico a ficar, inclusive, de titular nessa Comissão e indico um suplente, porque sabe que a correria é grande. Quando eu não puder, eu indico alguém. E que a gente se reúna. A gente pode se reunir aqui no Congresso mesmo ou nas instâncias do Executivo. Espaço não falta, não é? E, aí, a gente... O SR. CARLOS HUMBERTO CAMPOS (Para expor. Fora do microfone.) - Precisamos envolver as lideranças. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso! Não; aí vocês que montam, tá bem? Eu estou me dispondo... Como já falou a Fundação Palmares, vamos estar juntos nessa caminhada. Agora, é bom saber que todos esses documentos vêm para esta Comissão, para não começar a faltar documento aqui e acolá. As demandas do Brasil esta Comissão recebe, e, aí, vamos ver como é que a gente conversa com o Ministério da Igualdade Racial, com o Ministério dos Direitos Humanos, com o Presidente Lula, dentro do possível, claro! Hoje, vocês vão ficar com inveja de mim, porque... Ficam com inveja, mas é uma boa inveja, porque vai ser o Dia da África hoje, no Itamaraty, e o Presidente Lula e a Janja vão estar lá para falar sobre a importância da África. Eu sempre digo que todos nós viemos da África. Quem é negro e não entender que é um descendente de quilombola não entendeu ainda nem a razão da vida dele. Eu também me considero um quilombola e, por isso, podem ter certeza de que essa luta é de todos nós. Vamos acertar isso, o.k.? Agora, então... A SRA. MARIA DE FÁTIMA LIMA FERREIRA (Para expor.) - Bom dia! Eu queria agradecer a oportunidade à Cáritas e ao Senador por poder falar um pouco do que vem acontecendo na minha comunidade. Eu sou Maria de Fátima Lima Ferreira, sou do Quilombo Alto do Tororó, São Tomé de Paripe, Salvador, Bahia. Então, eu gostaria de dizer aqui que não só o Rio dos Macacos sofre com a Marinha. Nós também sofremos, porque somos comunidades vizinhas. A Marinha não permite que marisquemos e pesquemos em área que ela diz que é dela. A minha avó e meu avô pescavam ali, quando não existia a Marinha; e, hoje, não se pesca mais. Então, todo marisco, todo molusco está acumulado lá dentro e a gente não pode tirar. Cá fora, eles não nos permitem ter direito a políticas públicas, porque eles dizem que, antes disso, a gente precisa consultá-los. E como é isso? Eles chegaram, já nos encontraram. Toda a área que nós tínhamos de roça, nascente, eles passaram a ser donos. Estamos vivendo feito gado, porque foi passada uma cerca em volta da comunidade. E estamos ali nos espremendo. Não permitem que entremos e marisquemos, mas eles permitiram, não só eles como o Governo do estado e o Governo Federal, que as empresas se instalassem ali. Para começar, eles abriram uma estrada rasgando o quilombo, onde descalçou a minha comunidade, estrada essa que só serve para as empresas. E o que é que acontece? As carretas que levam a soja... |
| R | (Soa a campainha.) A SRA. MARIA DE FÁTIMA LIMA FERREIRA (Para expor.) - ... para o Porto Mataripe passam trepidando, e as casas vão descendo junto com o terreno. E a soja, que vai sendo derramada, corre toda para o mangue. Na pequena área que nos sobrou para mariscar, eles aterraram quatro coroas. Só ficamos com três coroas. Então, a gente já não consegue mais tirar 1kg de ostra catada, a gente já não consegue mais tirar 1kg quilo de sururu, catado, porque foi aterrada a maioria das coroas. E a Marinha, por sua vez, não deixa... Onde está o marisco, ela não deixa a gente mariscar. Ela, que se diz dona de uma área que eu acredito que não é deles. É nossa. (Soa a campainha.) A SRA. MARIA DE FÁTIMA LIMA FERREIRA (Para expor.) - Então, peço a V. Exa. que tome uma providência em relação a isso. Muito obrigada. (Palmas.) Pescador na luta pescando liberdade! (Manifestação da plateia.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! A sua demanda também vai ser, em um primeiro momento, encaminhada para esta Comissão, viu? Porque eu vou centralizar, num primeiro momento, nessa Comissão, de que fazem parte a Cáritas, a Comissão de Direitos Humanos do Senado... O SR. CARLOS HUMBERTO CAMPOS (Para expor. Fora do microfone.) - Eu sugiro que inclua a CPT. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k! Daí vocês combinam. Eu acho que, se forem dez pessoas, para mim, não há problema. A Comissão de Direitos Humanos indica um, que serei eu ou o meu suplente que vai estar lá. Tá bem? Quem é o próximo? (Pausa.) Nome, cidade e estado. O SR. ALEX MACIEL (Para expor.) - Obrigado. Peço licença à nossa ancestralidade, que aqui nos trouxe, e também às nossas lideranças, que já falaram. Eu me chamo Alex, sou jovem negro da comunidade quilombola Alto Itacuruçá, que fica no Pará, e aqui a gente está também trazendo os nossos apelos, as nossas denúncias, para que essas sejam ouvidas. Diante de todas essas violações que já colocaram - e vocês sabem que são muitas -, nós também, dos territórios quilombolas de Abaetetuba e as comunidades tradicionais também ribeirinhas, vimos sofrendo constantes ameaças, ameaças aos seus modos de vida, às suas culturas e, principalmente, à economia das comunidades. E essas ameaças têm nome - e o que falar, diante de três minutos apenas? Eu coloco aqui uma das grandes ameaças, que é a Cargill Agrícola, que está dentro dos nossos territórios. Fizeram compra de terra ilegal, e as nossas comunidades estão sendo assediadas, ameaçadas diretamente por esse empreendimento, que é uma gigante do agronegócio. E também tem outros nomes diante dessa empresa, que se chamam Bertodini e Ambientare, que são também terceirizadas da empresa Cargill, que estão ocupando os territórios pesqueiros das nossas comunidades, onde as comunidades não podem mais pescar. E, também, os pescadores que lá vivem têm que sair da frente das balsas, que, quando vão passando, levam tudo, levam suas redes de pesca e estão impedindo os moradores de pescar nessa região. Então, aqui a gente veio fazer um apelo para que as nossas comunidades sejam realmente escutadas. Hoje, a gente está com um processo de consulta... A partir de audiências, a Cáritas também entrou com uma ação civil, e a gente já está no processo de consulta, mas essa consulta deve ser feita de forma prévia... Ou seja: a prévia já foi violada, porque... |
| R | (Soa a campainha.) O SR. ALEX MACIEL - ... diante dos direitos humanos, a todas as nossas comunidades que estão sendo afetadas por esses grandes empreendimentos nunca foi feita a consulta, nunca foi realizada a consulta. Então, o prévio aí já foi violado, e a Convenção 169 é bem explícita no art. 6º de que a consulta deve ser realizada de forma prévia, antes, e que seja de forma livre, de acordo com as demandas e com o tempo da comunidade; e que a comunidade seja informada sobre o empreendimento que vai ser implantado nessa região; e também, diante do direito à autodeterminação que nós, enquanto povos tradicionais, temos. Esse direito é violado, e a consulta é para que esse direito à autodeterminação esteja garantido, porque a comunidade tem esse direito de dizer se quer, se não quer e de definir as suas próprias prioridades - está no art. 7º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem! Nós temos mais dois ainda: quem são agora? (Pausa.) A SRA. JANE TEREZA VIEIRA DA FONSECA (Para expor.) - Eu sou Jane Tereza, Advogada da Conac em Sergipe, e uma das demandas que promovemos foi a ação civil pública de Brejão dos Negros. Eu vou trazer aqui só algumas informações importantes. Em Brejão dos Negros, desde o início, tanto o Padre Isaías como Izaltina foram integrar o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, e até hoje eles estão. Então é um programa que vai defender essas pessoas que estão em áreas extremamente sensíveis. E o que foi que fez o Incra nesse período desse Governo? Criou duas auditorias, sendo uma para reduzir os territórios das áreas sensíveis, e aí impactou todos os RTIDs que estavam em julgamento. Tanto é que Lula, há pouco, assinou alguns decretos, e, em Sergipe, vieram duas comunidades a assinar e receber esses títulos. Então, sempre é em área sensível, e, no caso, Brejão dos Negros é em mangue. E por que é que Brejão dos Negros está tão atacado? Porque eles são de áreas de carcinicultura, e o Governo do estado, em várias de suas manifestações, já disse que é um povo que não ajuda no desenvolvimento de Sergipe. E, além, disse que é uma área de extremo potencial turístico, porque está na foz do Rio São Francisco, que banha cinco estados do Brasil. O caso de Brejão dos Negros não é isolado. Morro Alto já foi também objeto de sentença, inclusive procedente, no sentido de que a auditoria que foi construída no Incra viola várias legislações, entre elas, a Convenção 169, o ADCT, o art. 68 e o próprio Decreto 4.887. Então, lá em Sergipe, a gente tem uma demanda também judicial. E, além dessas demandas, o Incra construiu uma auditoria não só para revisar os territórios... (Soa a campainha.) A SRA. JANE TEREZA VIEIRA DA FONSECA - ... mas também para impedir pagamentos de créditos. E aí o argumento era: paga-se para a reforma agrária, mas não se paga para os quilombolas que não têm título - só que o Incra não dá o título. O Brejão dos Negros é um exemplo que, desde 2006, tem a certificação da Palmares, e o processo só está esperando o julgamento: 18 recursos. (Soa a campainha.) A SRA. JANE TEREZA VIEIRA DA FONSECA - É sobre isso. E, para o Governo fazer isso, tem servidores cumprindo, que são servidores antigos que continuam no novo Governo. Então é preciso olhar para isso. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem. Meus cumprimentos. O último completa seis. Quem é? O SR. JOHN (Para expor.) - Bom dia a todos e a todas. Eu sou o John, sou quilombola do Estado do Pará, do Município de Moju, do Território Quilombola de Jambuaçu. Eu sou o neto negro dos negros e negras que eles não conseguiram matar e estou na luta. Meu território quilombola tem 15 comunidades, é cortado por vários empreendimentos de monocultura de dendê, empreendimento da companhia Vale do Rio Doce, que depois passou para Vale e hoje é Mineração Paragominas. Quatro minerodutos cortam ao meio o nosso território, que é cortado também por três linhas de transmissão de energia, uma da Hydro, outra da Sterlite e a outra da Etep. O nosso território hoje é visto como uma zona de sacrifício para o Estado do Pará. Está previsto passar uma ferrovia paraense por dentro do nosso território, que hoje tem em torno de 2 mil famílias morando, sobrevivendo e vivendo naquele espaço. Então, a primeira coisa é o Estado brasileiro entender que os nossos territórios são territórios privados coletivos e quem manda no nosso território somos nós. O Estado brasileiro tem que reconhecer esse direito à autodeterminação, o direito que nós temos de determinar o que é desenvolvimento para nós. No ano passado, a Mineração Paragominas começou a implantar um mineroduto dentro do território falando que ia fazer manutenção, porque a licença de operação estava vencida desde 2014. A Mineração Paragominas começou a dialogar com as comunidades falando sobre manutenção do mineroduto para essa licença ser renovada. Eles falavam que iam meter uma bucha no mineroduto para poder fazer essa limpeza, mas, na verdade, o que aconteceu foi que a Mineração Paragominas implantou um novo mineroduto dentro do território Jambuaçu. (Soa a campainha.) O SR. JOHN - Então, cortou o nosso igarapé de Jambuaçu, que banha todas as comunidades e causou inúmeros impactos ambientais. A empresa estava tirando água do Rio Jambuaçu para levar para o Município de Abaetetuba para fazer uma umectação da estrada, causando diversos impactos sociais e ambientais dentro do nosso território. As nossas crianças não conseguiam estudar na escola porque passavam diariamente caminhões-pipa... (Soa a campainha.) O SR. JOHN - ... levantavam poeira e essa poeira ia para dentro da escola. Então, além dessa questão dos empreendimentos dentro do nosso território, eu gostaria de trazer também aqui presente a necessidade de uma educação etnicamente diferenciada para as nossas comunidades, a educação escolar quilombola, essa educação que parte da nossa vida, essa educação que parte do movimento social, essa educação que parte desses espaços aqui de construção de política pública. Então, não vai haver justiça social se não houver uma justiça epistêmica, uma justiça que... (Soa a campainha.) O SR. JOHN - ... leve em consideração os nossos modos de saber, de fazer e os nossos conhecimentos tradicionais. (Palmas.) Eu vou lhe entregar um documento, um dossiê que a gente preparou em relação à questão da Mineração Paragominas. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k., você entrega o documento, e a gente fica... (Pausa.) |
| R | Vamos aos encaminhamentos neste encerramento: primeiro, a perspectiva de uma outra audiência pública, mais ampla, com a participação de três ministérios - claro, nem sempre os ministros podem, mas pelo menos com seus representantes -; e a proposta do Sr. Carlos, de nós formatarmos essa comissão mais de trabalho, que poderá se reunir inclusive aqui no Senado, até no meu gabinete, com essas demandas todas que aqui vocês colocaram, e depois, naturalmente, a gente filtra dentro do Governo. Será uma reunião cujos encaminhamentos se darão por dentro do Governo, porque a comissão o máximo que pode fazer é uma moção de apoio ou de protesto e encaminhar depois isso aí. Agora, se nós estivermos na comissão dialogando com o Governo, será muito mais fácil. O.k.? Assim, encerramos a nossa audiência pública com uma grande salva de palmas a todos vocês, lutadores, guerreiros, que mais uma vez recorrem ao Parlamento e ao Executivo para as políticas públicas. (Palmas.) Está encerrada a sessão, mas vamos tirar uma foto coletiva, todos nós aqui. (Iniciada às 9 horas e 06 minutos, a reunião é encerrada às 11 horas e 29 minutos.) |

