Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 46ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 46, de 2023, desta Comissão, de minha autoria e de outros Senadores e Senadoras, para debater o tema "O marco temporal: reconhecimento, demarcação e o uso de terras indígenas". A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania ou pelo telefone da Ouvidoria 0800 0612211. Como é de praxe, os nossos convidados estão chegando. A gente sabe que a dificuldade é enorme, principalmente para os povos indígenas, mas eles estão se apresentando na portaria, estão todos chegando. Já estão aqui conosco três painelistas, um virtualmente e dois presencialmente. Eu farei a fala da Presidência da Comissão. Então, neste momento, eu, Senador Paulo Paim, falo na abertura dos trabalhos. |
| R | Há 267 anos, no extremo sul do Brasil, o Cacique guarani Sepé Tiaraju, que numa parceria com o Deputado Marco Maia... Ele apresentou na Câmara, e eu apresentei no Senado, o projeto dele foi aprovado, veio para cá, ele pediu e eu relatei. Sepé Tiaraju está entre os heróis da pátria. Pois bem, nessa data, como eu dizia, há 267 anos, no extremo sul do Brasil, o Cacique guarani Sepé Tiaraju bradou heroicamente contra os invasores: "Co yvy oguereco yara", ou seja, "Alto lá, essa terra tem dono!". Na serra do Batovi, a lança dos invasores, outorgada pelo Tratado de Madrid, atingiu o peito de Sepé Tiaraju. Ele tombou, suas lágrimas criaram rios de águas cristalinas, puras, mágicas. "Chereça i apacui, chereça i apacui", "rio de lágrimas que verti, rio de lágrimas que verti". O seu martírio cruzou gerações, escreveu história, eternizou-se nos cantos populares. Continua vivo e representativo mais do que nunca. A luta de ontem é a resistência de hoje. Há 523 anos, os invasores chegaram por aqui, vieram do além-mar em grandes embarcações; distribuíram espelhos, machados, facões; fizeram trocas; levantaram cruzes; levaram o pau-brasil para atender a demanda financeira dos europeus. O realismo de Renato Russo, inesquecível, assim descreveu: "Mas nos deram espelhos. E vimos um mundo doente". A ganância, a falta de humanidade, a brutalidade, a raiva, o estupro, a doença, o sangue, a morte. Há 523 anos, o povo indígena é massacrado, suas terras foram roubadas e continuam sendo; florestas derrubadas, rios contaminados, garimpo ilegal, o agrotóxico, o saque pelo aculturamento. No coração da Amazônia se dá uma terrível ação contra os direitos humanos. Creio ser premeditado. É o extermínio que muitos querem dos povos indígenas, uma crise humanitária incalculável contra o povo ianomâmi, típica de exércitos globais de extermínio. Sempre e sempre vamos lembrar o assassinato do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips; sempre lembraremos o assassinato de Galdino, Simão Bororo, Xicão Xukuru, Dorvalino, Marcos Veron e tantos outros mártires. Veio-me, à mente, a luta incansável dos povos krahô e canela para defenderem o seu território. No Sul, lembro-me dos charruas que foram vitoriosos. Esta Comissão, em que eu era Presidente de direitos humanos, aqui os recebeu e daqui travamos o bom combate. |
| R | Eu tenho orgulho de dizer que faço parte dessa história e também esta Comissão faz parte. Na mitologia guarani: Yvy marã e'y, terra sem males. Uma terra onde não há fome, guerras ou doenças; onde a justiça predomine; onde se tenha igualdade e fraternidade, paz para se viver. Assim nós acreditamos. Assim eu creio. Esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa tem por tema: "O marco temporal: reconhecimento, demarcação e o uso de terras indígenas". Essa proposta defende que os povos indígenas só têm direito a reivindicar determinada terra caso já estivessem nela quando a Constituição foi promulgada, em 5 de outubro de 1988. Eu estava lá, eu fui Constituinte. Eles estão deturpando e querendo alterar aquilo que é inaceitável, que é o direito à terra dos povos indígenas. Termino, dizendo, de novo: "Co yvy oguerecó yara. Co yvy oguerecó yara. Alto lá! Essa terra tem dono!". Creio, atavicamente, na Justiça e no Direito. Creio no amor. Entendo que as terras indígenas pertencem tão somente a eles. O Supremo está julgando o recurso extraordinário. Esperamos sabedoria, passo a passo, mas que prevaleçam a sabedoria e a justiça. Termino aqui esta pequena fala de abertura para passar a palavra aos nossos convidados. Sejam todos bem-vindos! De imediato, vamos para a primeira mesa. Primeira mesa. Já presente aqui conosco: Eunice Kerexu, Secretária de Estado da Secretaria de Direitos Ambientais e Territoriais do Ministério dos Povos Indígenas. Ela está chegando. Nos comunicam aqui que ela, em seguida, vai estar aqui. Convido Maurício Terena, Coordenador Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). (Palmas.) Convido Claudia Regina Sala de Pinho, Diretora do Departamento de Gestão Socioambiental e Povos e Comunidades Tradicionais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Seja bem-vinda! (Palmas.) Convido o Sr. Eriki Terena, representante da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas. (Palmas.) Convido, ainda, o Sr. Antonio Eduardo Cerqueira de Oliveira, Secretário Executivo do Conselho Missionário Indigenista (Cimi). Seja bem-vindo! (Palmas.) Vamos, então... Já fiz a minha fala de abertura e confesso para vocês que a minha leitura tão compassada e tão devagar foi para segurar um pouco a emoção. E agradeço, já, à equipe do meu gabinete, que ajudou a construir esse pronunciamento, que eu farei, outras vezes, em outros lugares, quantas vezes forem necessárias. |
| R | De imediato, então, eu passo a palavra para Eunice Kerexu. Está certa a pronuncia? Ela tá aqui. Não? Ah, ela não chegou ainda. Disseram-me que a Célia está já on-line. Está aqui a Célia na lista? Está aqui. Achei. Está certo. Célia, não é? Xakriabá. Já me ajudou na pronúncia aqui. Já convido, então, com a Mesa toda formatada, a Deputada Federal Célia Xakriabá. Ela está já na tela para fazer o pronunciamento. Pode saber, Deputada Federal Célia Xakriabá, que é uma satisfação, que você é a primeira a usar a palavra e que eu considero esta reunião histórica. Ela deverá repercutir tanto dentro do Congresso quanto, também - espero eu, porque aqui está a voz do povo, o povo é que vai se pronunciar -, junto ao Supremo Tribunal Federal. Por favor, Deputada, dez minutos, com mais cinco, se necessário for. A SRA. CÉLIA XAKRIABÁ (PSOL - MG. Para expor. Por videoconferência.) - (Pronunciamento em língua indígena.) O futuro vai ser ancestral, não vai existir marco temporal ou não existirá. Quero agradecer ao Senador Paulo Paim por toda a disposição. Quando conversamos, também, já entendi ali todo o perigo, mas também a importância de cumprir os ritos, de fazer a escuta necessária, juntamente com os povos indígenas, principalmente aqui representado por nosso advogado, o Dr. Maurício, entendendo a importância, nesse momento, de fazer seguir todo o rito da constitucionalidade e de entender a inconstitucionalidade da tese do marco temporal, que era o antigo 490, hoje tramita no Senado como 2.903. Quero agradecer aqui também ao representante do Cimi, Eduardo, à Kerexu, que está já para chegar, à Cláudia Pinho, companheira também do Meio Ambiente, ao Eriki Terena, que também é da CPovos, da nossa Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais. Quero agradecer, Paulo Paim, por outras oportunidades, quando ainda só lutávamos do lado de fora, porque não tínhamos uma voz do lado de dentro, mas entendendo a importância de quem foi Juruna, xavante, de quem foi Joenia Wapichana e, agora, por todo o enfrentamento que fizemos também pela bancada do cocar, enfrentando o 490. Naquela noite não era somente um projeto de lei - e é importante discutirmos, Senador Paulo Paim -, não era somente um projeto de lei que estava em jogo, não se tratava de um ego, de quem ganha ou de quem perde. O Projeto 2.903 precisa ser compreendido como um projeto de existência ou um projeto de extermínio de país, porque não se trata somente - o Dr. Maurício está aqui - de aplicar a tese do marco temporal, como acompanhamos no dia 7 de junho a retomada do julgamento no STF. Já conversamos também com a assessoria da Ministra Rosa Weber, que sinalizou que pode vir a retomar o julgamento mesmo antes do dia 7 de setembro, quando se cumpre o rito, o prazo, seguindo o regimento, de até 90 dias, enquanto que o Ministro Mendonça falou que nem cumpriria exatamente esse prazo de 90 dias, que poderia ser antes. Mas queríamos atentar aqui que esse projeto é perigoso não somente porque se aplica à tese do marco temporal... São 14 projetos de lei apensados a ele. |
| R | O art. 16, que tentamos negociar com o Relator Arthur Maia, trata da alteração de traços culturais. Vocês sabem o que é isso? Alteração de traços culturais, art. 16, ou seja, aquele povo que teve alterados os traços culturais, esse território poderá ser destinado também para terra da União ou para a reforma agrária. O art. 29, que trata dos povos indígenas em isolamento voluntário. Vocês sabiam que no Brasil são 114 povos indígenas em isolamento voluntário? Qual vai ser a ameaça? Esse território ser aberto para pesquisa, para mineração, para garimpo? E o art. 20, em que tentamos, conseguimos uma negociação, que trata do usufruto. Mas o pior dele: quem não se lembra da antiga PEC 215, que tenta transferir a demarcação dos territórios indígenas do Executivo para o Legislativo? É inconstitucional porque fere diretamente a Constituição Federal brasileira, Lei Maior, Lei Pétrea. E, nesse sentido, nós entendemos agora a tramitação no Senado como a esperança, mas é preciso garantir que esse projeto venha a tramitar também na Comissão de Direitos Humanos, como conversamos, na Comissão de Meio Ambiente, em outras Comissões que organizem audiências públicas e que não atropelem os ritos necessários. Tivemos ainda conversa com o Presidente Pacheco, entendendo a importância também dessa articulação de compreender quantas vezes o Senado foi coerente junto aos povos indígenas, entendendo também que nesse momento, se a população ainda não se sente sensível, se o Senado não se sente sensível, porque não está sujeito a morrer pelos conflitos territoriais, como todos nós indígenas estamos sujeitos a morrer, nós vamos morrer pelo mal em comum, que é pelo veneno que chega na nossa mesa, matéria essa que o Senado analisou com muita calma, com muita cautela e deu um parecer diferente da Câmara dos Deputados. Era o PL do veneno. Também o PL - quem não se lembra? - do garimpo, em que o Senado também deu um parecer diferente da Câmara dos Deputados. É preciso avançar para um Brasil, um Brasil que não mata, um Brasil que não deixa o direito dos povos indígenas para trás. Nesse sentido, é importante refletir sobre o que a sociedade já respondeu mês passado. Saiu uma pesquisa em que a demarcação de terras indígenas era a política mais aprovada do atual Presidente Lula, até mais do que o salário mínimo. Quem não compreendeu a voz da sociedade é exatamente o representante do povo, tanto na Câmara dos Deputados, como já também sabemos que está se organizando também, porque 28 Senadores assinaram o requerimento de urgência também para tentar acelerar a votação, a tramitação do PL 2.903. Nesse sentido, ainda no Senado, na primeira semana em que chegou o 2.903, teve também uma petição pública para a sociedade civil em que somente 600 pessoas naquela primeira semana eram a favor do 2.903. E quase 7 mil pessoas já estavam votando contra. Quando organizamos ainda pela Comissão da Amazônia, Povos Originários e Tradicionais, várias audiências, pela Frente Parlamentar Mista, que é composta por Deputados e Senadores, organizamos uma petição junto com a Avaaz, e mais de 500 mil brasileiros diziam que eram contra o PL 490. Quem não acompanhou toda a mobilização no Brasil? É hora de acordar, Brasil! Porque não é possível barrar as mudanças climáticas sem reconhecer que, assim como a ONU já reconhece, que a demarcação dos territórios indígenas é a solução número um para barrar a crise climática. E, como resultado de toda a nossa resistência, de nossa insistência, de um Parlamento que demorou... |
| R | Vocês sabem quanto o Parlamento demorou para eleger a primeira mulher indígena? Demorou 195 anos. Sabem quanto o Parlamento demorou para ter a primeira mulher presidindo uma Comissão? Quase 200 anos. E, daqui, nós não vamos voltar. E nós chegamos a este lugar não foi para ficar calada, assim como sempre falamos e ecoamos as nossas vozes no movimento indígena, porque acreditamos que poder não é somente Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário, mas que a luta é o quarto poder. E para poder falar... Parlamentar não é o direito de poder falar? E, neste momento, tramita a tentativa da cassação de seis mulheres no Parlamento, exatamente porque, naquela noite, estavam fazendo juízo neste momento a esse retrocesso do que viria a acontecer aos povos indígenas. É exatamente pela nossa manifestação sobre o PL 490 com palavras como "genocídio", "genocídio judiciário" que hoje tramita no Conselho de Ética uma tentativa de cassação dos nossos mandatos. Continuaremos sendo caçadores no nosso território, continuaremos sendo caçadores de direitos e não permitiremos que sequestrem a nossa palavra. E vai ser assim, pelo nosso compromisso, assim como o do Senador Paulo Paim, assim como o compromisso da Senadora Eliziane também, que tem feito um trabalho importante! Nós não podemos deixar que o racismo na ausência ou o racismo que não nos permite falar... Mudaram as armas, sofisticaram as armas, mas não a intenção de nos calar! Se o Congresso Nacional, como tenho dito, fosse um filme, seria chamado O Exterminador do Futuro, porque, ao exterminar, arrancar o direito dos povos indígenas ao território e colocar como objeto, aplicando a tese do marco temporal de que somente serão reconhecidos como territórios indígenas aqueles que conseguirem comprovar que fisicamente estavam em seus territórios na promulgação da Constituição Federal de 1988, na verdade, não compreendeu que o Brasil começa por nós. Quem não assistiu à retomada do julgamento no STF, quando o Ministro Alexandre de Moraes falava: "Como o povo laklanõ-xoclengue iria estar em seu território se teve uma dizimação desse povo?". Foram 244 pessoas mortas, quando não foi somente dizimado, mas o jeito com que se matou o povo laklanõ-xoclengue, em que jogavam crianças para cima e aparavam no punhal! Se isso não é genocídio, o que é?! E o que aconteceu com o povo ianomâmi, matando não somente as pessoas, mas matando o rio, o que comer e o que beber?! Se isso não é ecocídio, o que é? O que acontece com os nossos territórios no sul da Bahia com o povo guarani-kaiowá e com os nossos territórios também em nosso estado? Se isso não é etnocídio, o que é?! Etnocídio é a matança da nossa identidade. Nós precisamos usar essa caneta para assinar, não para assassinar direitos. Estou aqui, já finalizando, convidando cada Senador para que se mobilize, pois nós não podemos reproduzir a história violenta e colonial, porque o Projeto 2.903 é um projeto de retrocesso, porque o Projeto 2.903 é um projeto anticivilizatório. Senadores, aqueles que querem votar a urgência, vamos votar a urgência pela vida, vamos votar a urgência pela demarcação dos territórios indígenas, vamos votar a urgência pelo planeta, porque quem tem território tem lugar para onde voltar, quem tem lugar para onde voltar tem mãe, tem colo e tem cura. Estaremos sempre no Parlamento, mas fazendo pelo planeta. Muito obrigada, Senador. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Grande, grande Deputada! Deputada Federal... (Pausa.) ... Célia Xakriabá, essa lentidão aqui... Ainda bem que você me ajudou, porque é emocionante a fala dela! (Manifestação de emoção.) |
| R | Saiba, Deputada, que a assessoria me informa que este momento aqui, desta audiência, está sendo a maior audiência pública em participação popular de toda a história desta Comissão. São milhares de pessoas que estão assistindo, muitos mandando, inclusive, cumprimentos. Quero dizer que nós estaremos juntos. Vida longa aos povos indígenas! Essa terra é nossa, é dos povos indígenas! (Palmas.) Vamos em frente. Passo a palavra agora ao Sr. Antonio Eduardo Cerqueira de Oliveira, Secretário-Executivo do Conselho Missionário Indigenista. Já conversamos com ele; ele fará sua fala e, depois, ficará aqui, na primeira fila, para poder fazer comentários ao longo do debate. E nós vamos chamar, então, que já está conosco, a Secretária do Estado, da Secretaria de Direitos Ambientais e Territoriais do Ministério dos Povos Indígenas, nossa querida Eunice Kerexu. Estou certo? (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Kerexu. Então, uma salva de palmas para a Eunice. (Palmas.) Com o auxílio aqui dos intérpretes. Eu vou passar a palavra agora para o Dr. Antonio. Em seguida, ele vai para o seu lugar, e a senhora vem para o lugar dele. Obrigado pela tolerância e o entendimento da troca no segundo momento. Depois, os outros, eu vou vagar um para o Plenário, e virão outras mesas. Agora a palavra é sua. O SR. ANTONIO EDUARDO CERQUEIRA DE OLIVEIRA (Para expor.) - Sr. Senador Paulo Paim, senhores da mesa, senhoras da mesa; cumprimento também as lideranças indígenas aqui presentes, as demais autoridades aqui presentes. O nosso agradecimento, em nome do Conselho Indigenista Missionário, para participar desta importante audiência aqui, no Senado da República. Queremos, inclusive, parabenizá-lo por essa iniciativa. Eu me chamo Antonio Eduardo Cerqueira de Oliveira. Sou Secretário-Executivo do Conselho Indigenista Missionário, um organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O Cimi foi fundado em 1972, com a missão de apoiar a luta dos povos indígenas no Brasil. Naquele período, estava em pleno vigor a ditadura militar, que tinha como perspectiva para os povos indígenas uma solução final, ou seja, acabar com os povos indígenas no Brasil. Eram 150 mil pelo Censo oficial. A partir dessa mobilização dos povos indígenas, já na década de 70, com apoio de muitos movimentos, com apoio da sociedade, os povos indígenas resistiram à ditadura militar, muitos conseguiram seus territórios e, ao mesmo tempo, conseguiram ter visibilidade na sociedade civil brasileira. A ditadura militar tinha esse intento, mas não conseguiu, e, a partir do Executivo, muitas ações se deram no sentido do reconhecimento territorial e da demarcação desses territórios. |
| R | Depois veio todo o período da redemocratização do país, da perspectiva do reconhecimento desses direitos, chegando então à Constituição Federal, à Assembleia Nacional Constituinte, quando, mais uma vez, os povos indígenas se mobilizaram e colocaram, na Constituição Federal, os seus direitos devidamente reconhecidos pelo Estado brasileiro. Os arts. 231 e 232 recepcionam esses direitos dos povos indígenas no Brasil. No Governo Bolsonaro, nos últimos quatro anos, volta-se novamente àquela proposta da ditadura militar, de eliminar os povos indígenas. O Governo Bolsonaro não reconheceu a existência e a resistência dos povos indígenas. Pelo contrário: ele articulou e organizou todo o arcabouço do Executivo federal, do Estado, da administração pública, para fazer uma ofensiva contra os direitos dos povos indígenas. E nós vimos, por exemplo, a Funai (Fundação Nacional do Índio) se articular e se organizar contra esses direitos, a partir da expedição de instruções normativas, de portarias, inclusive de desistências de processos judiciais já devidamente sanados no Judiciário, desconhecendo os direitos e, ao mesmo tempo, fazendo com que a sociedade civil brasileira se voltasse contra os povos indígenas nas várias regiões, e isso significou muita violência para os povos indígenas. O Ministério da Justiça também deixou de executar a política indigenista oficial em favor dos povos indígenas. E isso foi um grande susto e, ao mesmo tempo, uma revolta do mundo todo, porque era reconhecida e é reconhecida a existência de povos indígenas no Brasil. No último censo, no Censo de 2010, já se quantificava mais de 800 mil indígenas, mais de 200 povos indígenas, a maior diversidade de povos indígenas do mundo, não em termos de quantidade de indígenas, mas em termos de povos, a maior diversidade, e, no próximo censo, que passa a ser divulgado, vamos chegar a mais de 1,6 milhão de indígenas, mais de 300 povos indígenas no Brasil. Então, cabe à administração pública, como está lá na Constituição, reconhecer a existência e a resistência desses povos, e não o contrário, como se deu. Portanto, há uma violência praticada pelo Estado contra esses povos indígenas no Brasil. A existência deles já foi concebida na própria Carta de Achamento do próprio Brasil por Pero Vaz de Caminha. Ele relata essa existência. Depois veio o alvará régio de 1600, em que o Império reconhece a existência desses povos e os seus direitos territoriais, e dá um passo, inclusive, no sentido do próprio indigenato. Esse alvará régio nunca foi revogado, e a Constituição Brasileira atual se baseia nesse alvará régio, não é? Portanto, há uma existência e resistência desses povos indígenas. As Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967, a Emenda Constitucional 69, todas elas reconhecem a existência desses povos e a posse de suas terras, com alguns aspectos restritivos com relação à denominação, mas reconhecem a existência desses povos. E a Constituição de 1988, no art. 231, fala em direitos fundamentais, direitos originários, anteriores à existência de um titular dessas terras. Portanto, a Constituição Federal diz: "Olha, não existe titular de terra nenhuma porque existe um direito anterior, que é originário". Então, o art. 231, quando fala em tradicionalidade, em origem, ele está falando justamente que não existe uma posse anterior e um direito anterior. E a formação do Estado brasileiro se deu a partir desse reconhecimento, desse direito originário, congênito, que a gente chama de indigenato. É um direito congênito, não é? |
| R | Portanto, as terras tradicionalmente ocupadas, o Constituinte fechou isso na Constituição, porque ele diz que esse direito tradicional dos povos indígenas e essas terras tradicionalmente ocupadas são a partir do indígena, e não a partir do não indígena. O Constituinte fechou isso, ele deixou claro: é a partir desse direito. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me, porque no Senado tem dois Constituintes, e eu sou um deles. Eu estava lá, sou testemunha dessa história. Parabéns a V. Exa. (Palmas.) O SR. ANTONIO EDUARDO CERQUEIRA DE OLIVEIRA - E a Constituição diz que a destinação dessas terras é de posse permanente, é de usufruto exclusivo, sob domínio da União, e não do Legislativo ou do Judiciário - da União, sob domínio da União. Portanto, a Constituição protege a tradicionalidade e a origem desse povo, e não o contrário. Não existe marco temporal em nenhuma Constituição, no alvará régio. Não existe um marco limitando: "Olha, a partir daqui existem povos indígenas ou existe a tradicionalidade". (Soa a campainha.) O SR. ANTONIO EDUARDO CERQUEIRA DE OLIVEIRA - Isso não existe, portanto... E a Convenção 169 da OIT também vai nesse sentido. A Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas também vai nesse sentido. Então, é de se estranhar que o Legislativo brasileiro venha conceber um projeto de lei, o PL 490, em que retoma toda essa discussão do extermínio e da solução final dos povos indígenas, em pleno século XXI, quando o mundo todo se articula e se mobiliza para salvar o planeta. |
| R | É do conhecimento de todos, do mundo científico inclusive, que a demarcação de um território indígena não protege só o indígena, protege toda a população, protege toda uma circunvizinhança, protege a natureza, não só o ser humano, toda a biodiversidade, portanto protege quem está no campo e quem está na cidade, protege a humanidade, protege o planeta. Tem esse benefício. Em pleno século XXI, nós vemos uma elite agrária retrógrada se articular e pensar de uma forma não afirmativa ou construtiva - mas destrutiva. Isto é o que nos é colocado, enquanto sociedade brasileira: se vamos acatar ou não esse tipo de posicionamento. Aí cabe a cada um de nós, a partir das nossas ações, dar o devido apoio à luta desses povos, que dizem: "A luta não é nossa, a luta é de toda a humanidade". Nós não somos lutadores por um território ou por uma causa. Nós somos lutadores pelo planeta (Palmas.), por dias melhores para a sociedade brasileira. Portanto, essa tese do marco temporal, essa tese da restrição dos direitos - contida no PL 490 e, agora, no PL 2.903, que está tramitando aqui no Senado - fere diretamente a Constituição brasileira e esses direitos originários dos povos indígenas do Brasil. O recurso extraordinário que está no Supremo, por meio do qual o Conselho Indigenista Missionário advoga em favor do povo xoclengue, também provoca o Judiciário. O Ministro Edson Fachin diz que esse tema é importante e ele vai ter uma repercussão geral. Portanto, a decisão do Supremo Tribunal Federal vai ser aplicada em todas as instâncias do Judiciário, enquanto compreensão do arcabouço legal, principalmente a partir dos princípios dos Poderes, segundo o qual, cabe ao STF a devida interpretação da Constituição Federal. É do conhecimento, portanto, da sociedade que existe um processo de luta, não de agora, mas desde a chegada dos europeus ao Brasil que esses povos lutam. É do conhecimento da sociedade a existência de povos indígenas no Brasil. É do conhecimento da sociedade que esses povos protegem a humanidade, protegem o meio ambiente e protegem, portanto, a sociedade como um todo, o ser humano e o planeta. A elite - infelizmente, a elite agrária -, no Brasil, através, principalmente, da Câmara dos Deputados, está, portanto, na contramão do mundo civilizado. Está em uma situação de ignorância civilizacional, infelizmente, em um atraso autoritário que considera que os indígenas são inimigos. E eles não são inimigos; são os protetores das nossas vidas atuais e das futuras gerações. Portanto, há que se ter o respeito e conter essa violência. |
| R | O Governo, o Legislativo, ao articularem medidas contra esses direitos, expõem esse povo, expõem toda a natureza a um processo de violência, principalmente a partir do capital, determinando que o capital é que deve ter a origem e não os povos indígenas. Portanto, isso é uma ignorância, é uma violência contra esses direitos, contra a luta do ser humano. Muito obrigado e nos colocamos à disposição. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Antonio Eduardo Cerqueira de Oliveira, Secretário-Executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Meus parabéns pela sua exposição clara, nítida, transparente! Eu me comprometo, aqui, a remeter esta audiência pública, que está sendo transmitida para todo o Brasil, também para cada gabinete dos Senadores, para que eles tomem conhecimento, já que hoje é uma sexta-feira, um dia em que o ciclo de movimento aqui no Senado é muito resumido. Por isso que eu quero cumprimentar V. Sa. e, ao mesmo tempo, cumprimentar esses estudantes que chegaram para visitar o Congresso e que, conhecendo que haveria aqui um debate sobre a vida, sobre a terra, sobre a história dos povos indígenas deste país, fizeram questão de vir aqui. Eu queria, nesse sentido, agradecer muito, muito mesmo, aos estudantes de Direito... Vocês deem uma paradinha, pessoal, porque é uma sessão, para mim, histórica esta aqui. Eu queria agradecer muito e, para vocês que chegaram agora, dizer que é a maior audiência da TV Senado em matéria desta Comissão. Nunca teve uma audiência... Pelo tema, que é defender a terra dos povos indígenas, defender a vida, defender o meio ambiente. E, assim, nós vamos fazer o debate no dia de hoje. Então, meus cumprimentos, com muito carinho, aos estudantes de Direito da Universidade Estadual de Goiás (Campus Iporá), e o faço - não posso citar o nome de todos - na pessoa da Profa. Dra. Natália Ridan, que coordena essa visita de vocês. (Palmas.) Sejam todos bem-vindos! O debate aqui é a favor de todos, a favor do planeta, como foi dito, a favor da humanidade. Eu convido, neste momento, o Sr. Antonio Cerqueira de Oliveira, Secretário-Executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que retorne à primeira mesa para participar do debate, e convido a Secretária de Estado da Secretaria de Direitos Ambientais e Territoriais do Ministério dos Povos Indígenas, para que tome, neste momento, o seu lugar à mesa. Por favor, Dra. Eunice Kerexu. (Palmas.) Como há aqui a fala dos painelistas de forma presencial e outros virtualmente, eu convido, agora, para entrar de forma virtual, a Presidente da Associação Brasileira de Antropologia, a Dra. Andréa Zhouri. Dra. Andréa Zhouri, por favor. A SRA. ANDRÉA ZHOURI (Por videoconferência.) - Bom dia. Vocês me escutam bem? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeito, Doutora. |
| R | A SRA. ANDRÉA ZHOURI (Para expor. Por videoconferência.) - Cumprimento a todas as pessoas presentes e às que nos escutam virtualmente. Meu nome é Andréa Zhouri, sou Professora Titular do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal de Minas Gerais e atualmente Presidente da ABA (Associação Brasileira de Antropologia), instituição que represento nesta audiência. A ABA é uma associação científica criada em 1955, daqui a pouco faz 70 anos, e foi a primeira associação científica da área de humanas a ser criada no Brasil. Ela conta hoje com mais de 2 mil associados, sendo uma das maiores e mais respeitadas associações de antropologia em nível internacional. As pesquisas sobre os povos indígenas do Brasil marcam de forma especial o campo da antropologia realizada no nosso país, embora a antropologia seja uma área científica muito diversa em termos de temáticas de pesquisa, campos teóricos e metodológicos. De toda forma, a história da antropologia no Brasil é muito marcada pela produção de uma gama robusta de conhecimento sobre os povos indígenas e pela seriedade, pelos compromissos científico e ético em relação ao conhecimento desses grupos societários. Não à toa, a ABA teve um papel central nos debates que resultaram na construção do texto constitucional de 1988, sobretudo no que se refere aos direitos indígenas expressos nos arts. 231 e 232 da Constituição. A Constituição de 1988 representa, de fato, um pacto realizado pela sociedade brasileira naquele contexto de redemocratização do país, e embora os direitos indígenas já tenham sido objeto de reconhecimento nas Constituições anteriores, diferentemente dessas, a redação do art. 231 fundamentalmente avança no sentido de apresentar um entendimento antropológico acerca dos territórios tradicionalmente ocupados pelos diferentes povos indígenas. A definição de tradicionalidade ali expressa pouco se relaciona a tempo, muito menos define a promulgação da própria Constituição como um marco temporal para a demarcação das terras indígenas - já foi dito aqui. Isso seria um contrassenso no sentido do conhecimento antropológico acumulado sobre o modo de vida e os modos de ocupação territorial desses povos. Vários juristas já apontaram o caráter inconstitucional da tese do marco temporal, tal como presente nos argumentos do Relator do processo em curso no Supremo Tribunal Federal, Ministro Edson Fachin, assim como na manifestação no voto do Alexandre de Moraes na retomada do julgamento sobre a matéria no início deste mês. Em nota, o Ministério Público Federal também apresenta as razões jurídicas para a inconstitucionalidade da tese. Nesse sentido, eu gostaria de me deter neste momento, nesta audiência, a algumas considerações de ordem antropológica, que é da nossa competência, que já foram também bem explicitadas por meio de notas técnicas da ABA desde 2020. A ABA, inclusive, ingressou com amicus curiae no julgamento em curso no STF, através de um documento técnico que é acessível na nossa página eletrônica. Neste curto espaço de tempo, eu tentarei resumir os argumentos principais, a começar pela apresentação de dois equívocos antropológicos importantes presentes na tese do marco temporal. O primeiro deles se refere ao entendimento do que seja tradicionalidade; e o segundo, ao conceito de território. |
| R | O sentido de tradicionalidade presente na Constituição pouco se relaciona com a ideia de tempo passado ou até mesmo como contrário de modernidade. Tradicionalidade no sentido antropológico que inspira o art. 231 da Constituição remete a uma tradição de conhecimento, caracterizando-se não por uma remissão ao passado, mas como um conjunto sedimentado de conhecimentos e de experiências que alcança uma continuidade no tempo. A tradicionalidade se delineia a partir das características ambientais do lugar onde uma comunidade ou povo vive. Ela é, portanto, relacionada a um conhecimento tradicional local. Assim, a ocupação tradicional da expressão constitucional terra tradicionalmente ocupada implica que ocupação deve se dar nestes termos. A tradicionalidade relaciona-se, portanto, com o modo de vida, modo de criar, ser, viver e se reproduzir socialmente como sociedades específicas. Trata-se de um modo específico de ocupação do território, e não um tempo de ocupação. Esse ponto nos leva ao entendimento da centralidade da noção de território para a manutenção e reprodução dos modos de vida indígenas. Pois bem. Território não se confunde com o sentido patrimonial cartorial de terra parcela de uma propriedade privada. A organização territorial dos povos indígenas se expressa em função de diversos aspectos. Nesse sentido, é fundamental considerar a demografia de um grupo, a realização de atividades de sustento, como, por exemplo, a agricultura, que muitas vezes exige rotação dos espaços agricultáveis, deixando espaços utilizados para pousio, para recuperação, para o retorno posterior, a coleta de frutos, mel, plantas medicinais ou outros, a caça, enfim. Mas também se refere a outras práticas. Igualmente e de modo complementar, essas outras práticas configuram aquilo que é previsto na Constituição de 1988 no sentido da reprodução física e cultural do grupo, que seja: os deslocamentos para visitas entre parentes ou para consultas a sacerdotes, curadores ou xamãs; situações que podem também significar a realização de rituais festivos, comunitários, celebrativos, os quais inclusive dão ensejo potencial a encontros, que suscitam casamentos e, portanto, alianças matrimoniais entre parentelas, muito importantes para a reprodução social do grupo. Tais atividades expressam o sentido da ocupação territorial. Não é, portanto, absolutamente cabível tomar como ponto de referência para o entendimento desse modo de uso e de ocupação, esse modo de vida, as unidades de produção com suas fronteiras fixas e bem delimitadas, que são a base do direito agrário. É uma outra forma fundiária e que orienta a regulamentação de domínio e da posse, sobretudo da ocupação privada. Então, nós estamos falando de modos de criar, fazer e viver que são dinâmicos e que conferem fluidez e dinamicidade aos territórios. O problema presente na tese do marco temporal está na pretensão de fixidez de um povo no espaço, assim cristalizando um território, naturalizando, frigorificando-o no tempo e espaço, não levando em consideração também a discussão sobre a escala desse espaço, para cuja configuração a própria dinâmica e modalidade da ocupação são determinantes. Afora essas características dos grupos, é imperativo considerar as dimensões históricas, claro, as pressões externas sobre esses povos, pressões advindas inclusive de políticas do próprio Estado, de conflitos fundiários, com a introdução de doenças, por exemplo. Elementos todos que afetam a dimensão demográfica e a distribuição dos indígenas nos territórios por eles ocupados. |
| R | Por último, eu gostaria ainda de pontuar mais três aspectos relevantes brevemente. Sobre as formas de demandar território, essas formas de demanda territorial não são genéricas e aleatórias. As identificações e delimitações das terras indígenas não são realizadas a partir de visões abstratas de território genérico. Trata-se, diversamente, de demandas concretas de determinados e específicos grupos domésticos, parentelas e comunidades locais pertencentes a cada povo indígena em contextos específicos. Portanto, a tese do marco temporal tem implicações distintas para cada povo em contextos distintos. Por exemplo, para povos, grupos fora da Amazônia, da Região Amazônica, a aplicação da tese do marco temporal teria consequências profundamente negativas sobre a regularização fundiária de processos demarcatórios. De fato, é fora da Amazônia Legal que se verificam os mais intensos e acirrados conflitos fundiários, especificamente em termos de superfície abrangida, pois a soma das terras indígenas, em todas as fases de regularização, ali constitui menos de 2% do total das existentes no país. São terras muito pequenas, com elevados índices populacionais e grupos submetidos aos mais diversos tipos de pressão, de encurralamentos. E também teria implicações diversas, já específicas, já colocadas aqui, para os povos isolados. A história já diz, os registros, que o contato com os povos isolados resultou em grandes catástrofes, em genocídio. Conforme bem registrado, inclusive num documento da 6ª Câmara da Procuradoria Federal, o PL viola o direito constitucional à autodeterminação, também previsto na Convenção 169, da OIT, já mencionada aqui, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Portanto, a historiografia é... Por fim, eu gostaria de dizer que a ABA entende que a matéria merece atenção cuidadosa e não pode ser votada sem apreciação técnica e amplo debate envolvendo diferentes instâncias e instituições competentes, além das próprias representações indígenas do país, sob o risco de se institucionalizar, como efeito perverso, um genocídio regulamentado, um genocídio indígena, que afeta toda a humanidade, como já dito, uma vez que os territórios por eles ocupados também prestam serviços ambientais relevantes para todos nós. Muito obrigada. Essa é a posição da Associação Brasileira de Antropologia. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Dra. Andréa, só para lembrar que, se a senhora assim entendesse, teria mais cinco minutos. É que tocaram os 15, mas, se a senhora quiser concluir, fique bem à vontade ainda. A SRA. ANDRÉA ZHOURI (Por videoconferência.) - Muito obrigada. Por ora, essa é a nossa manifestação. O tempo foi o suficiente para essa nossa posição de imediato. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Parabéns, Dra. Andréa Zhouri, Presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Meus cumprimentos. A Senadora Zenaide Maia está na tela. Ela já está aguardando há um tempo. Senadora, que é Vice-Presidente desta Comissão, uma lutadora, comprometida com as causas populares, é muito bom nós ouvirmos V. Exa. neste momento, nesta sessão, que, eu dizia, é a que está tendo mais audiência em toda a história da Comissão dos Direitos Humanos no Senado. Olha que eu estou aqui no terceiro mandato - 3x8=24, não é? Isso mostra que a população brasileira... Nunca chegaram tantas perguntas como as que chegaram aqui. Perguntas afirmativas - afirmativas. E V. Exa. não poderia faltar. |
| R | Então, a palavra é sua neste momento. Quero só registrar que a Deputada Fernanda Melchionna já está aqui; ela vai ser uma das nossas convidadas a usar a palavra: vai ser, logo após a senhora, alguém da mesa e em seguida a Deputada. A Deputada escolhe o momento. A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN. Para interpelar. Por videoconferência.) - Sr. Presidente Paulo Paim, se tivesse o tempo disponível, com certeza ficaria ouvindo todos. É uma aula de conhecimento e é muito importante a gente saber que não só a população brasileira mas o mundo todo está vendo. O que está aqui em jogo é defender ou não defender a vida, porque a população indígena, na verdade, defende todas as formas de vida: a humana, a animal e a vegetal, que é o meio ambiente. Eu costumo dizer que nós temos o privilégio, o povo brasileiro, de ainda ter população indígena, porque tudo que foi feito de lá para cá, ultimamente desmontando todas as estruturas que eram para proteger nossa população indígena, nossos povos originários, tudo foi desmontado nesse governo anterior. E também quero dizer que, quando chegamos, eles já estavam aqui. O que eu ouvi aqui, por exemplo, tanto do Conselho Indigenista Missionário, que está lá e está vendo... Nesse marco temporal, nessa lei não dá para acreditar. Eu não sou indígena, mas meu pai era agricultor familiar, e isso que nossa Profa. Andréa falou, a antropóloga, a gente presenciava. Quanto à população indígena, essa história de dizer que tinha que ter ocupado tantos anos, fixar prazo para a população indígena... Essa rotatividade, sazonalidade das safras, que a gente chama aqui de safras naturais - uma época, na minha terra, era a manga que tinha produção; outra, o caju; outra, a pinha... E a gente tinha que mudar e procurar onde estava, como a coleta de mel. Então, se se fixa a população indígena, que sobrevive muito bem, porque as terras que ainda estão protegidas, o meio ambiente que ainda está protegido neste país é onde tem população indígena, é claro que ela tem um espaço, ela entende isso, Paulo Paim, ela tem que migrar de um lugar para outro para sua sobrevivência; se você engessa esse povo em um lugar, é porque quer que eles morram mesmo - é esta a ideia: matar esse povo. Outra coisa, eu ouço muito dizer que os índios estão precisando de emprego, que tem que oferecer o agronegócio, como ofereceu uma ministra anterior, que dava tratores, retroescavadeiras para os indígenas: eles sobrevivem sem a nossa presença, sim; eles protegem a vida, sim; essas populações isoladas cresceram; o homem é que está levando as doenças. E, nesses garimpos, eu juro aos senhores, quando eu vi ali aquela população indígena desnutrida, com malária, aquilo é, sim, um genocídio, levando as doenças, proibindo a chegada de medicamentos. |
| R | Então, eu queria dizer aqui que esse marco temporal, seja qual for a lei, como tem outras aqui propostas, em que, muitas vezes... Com todo respeito ao agronegócio, que aumenta o PIB, mas também enche a gente de agrotóxico... A população indígena não escapa, porque, quando pulveriza, é com avião, com drone, e a água, quando chove, vai para os rios, e a gente começa a comer os peixes contaminados. O que eu quero dizer aqui é que essa balela de que aumenta o PIB - a gente sabe que aumenta -, de que alimenta 1 bilhão de pessoas no mundo, mas nós temos mais de 30 milhões de brasileiros com fome... Nós estamos vendo que essa política praticada, de 2016 para cá, não mudou a situação do povo brasileiro. E agora esse marco temporal quer dizer que é a população indígena que está impedindo o desenvolvimento, o crescimento da agricultura? É claro que não! E eu, como Paulo Paim - e o Paulo Paim me conhece -, vou estar do lado dos senhores, da população indígena, sim. Um bilhão de pessoas no mundo, mas deixam quase 40 milhões de brasileiros com fome. Eu sou médica de formação e digo aos senhores que, na década de 70 e 80, 60% dos leitos pediátricos deste país, os leitos de hospitais públicos, eram ocupados por desnutrição grave, que a gente tem em duas formas: o marasmo e o kwashiorkor. O marasmo é aquele que eu vi nos ianomâmis, e eu confesso aos senhores que eu não tinha mais nem coragem de olhar aquilo, porque é de uma crueldade aquilo ali que chega a doer - dói! Eu peço a Deus, todos os dias, para não ficar indiferente. Então, como eram ocupados os leitos? Por marasmo e kwashiorkor. Marasmo é quando não tem nenhum tipo de alimento, e o kwashiorkor é aquela criança que só come massa, farinha, ela não tem acesso à proteína: ela é bochechudinha, mas proteína, que é bom, não tem, é outra forma de desnutrição. Então, essa política que eu queria dizer aos estudantes de Direito da Universidade de Goiás e à professora que estão aí... Essa história de mostrar para o povo, para vocês jovens, estudantes, professores, que não tem nada a ver com política, tem sim! O que a gente está discutindo aqui é uma decisão política errada de perseguir. É a perseguição aos povos indígenas. Esse povo é que defende a vida e as três formas de vida. E temos o privilégio, como eu disse, de hoje o Brasil saber que, se não tivermos a transversalidade da vida... Tem que ter a humana, a animal e a natureza vegetal. Nós precisamos dela, está provado. A ciência e a antropologia mostram isto também, como ela me mostrou aqui - eu fiquei encantada com essa aula, professora, obrigada -, que nós necessitamos de tudo, e ninguém mais importante para proteger o que ainda temos de natureza, de meio ambiente do que nossa população indígena, povos originários, que podem, sim, sobreviver. Agora, desmatar, encurralar essas pessoas, isso é criminoso, gente! Não tem como deixar de ver isso. |
| R | E outra coisa: não venham dizer que a gente não viu os ianomâmis e outros na mesma situação. Temos que deixar as terras. E, sobre a questão, nós temos que ficar de olho aberto, porque o fato de ser constitucional, de 2016 para cá, neste país - Paulo Paim presenciou -, se muda a Constituição... Voltando aqui: estudantes de Direito, todos os brasileiros que estão nos vendo aqui, as decisões da vida são políticas. Como dizer que não podemos... Está, aqui, para vir uma decisão política para exterminar os nossos povos originários. A decisão... Quem decide por quantas horas vamos trabalhar? Quem decide com que idade vamos nos aposentar? Quem decide o que vai ter no orçamento para a educação, para ajudar a população indígena deste país no orçamento? Decisão política, sim. Nós temos tudo a ver com isso. E é importante, Paulo Paim. Eu queria dizer que é por isso que esta audiência pública está dando audiência, porque, na verdade, o que estamos fazendo aqui é defender a vida, gente. E a população indígena está defendendo a vida nossa também, não só a do seu povo. Nós estamos entrelaçados, porque eles defendem toda forma de vida. E nós vamos ficar aqui na defesa das formas de vida e pedindo aos jovens que estão aqui, estudantes de Direito: conscientizem a população brasileira. Vocês têm esse poder, porque vocês estão na academia, nas universidades, mostrando a importância da população indígena para a vida do nosso planeta. Nós não vamos sobreviver sós. Deve existir tecnologia para que não se precise mais desmatar. Vamos voltar... O que a gente vê, na maioria dos projetos, é continuar desmatando, e nós estamos vendo as mudanças cruéis de clima. Sabem, Paulo Paim e população indígena, eu vi aquele pessoal das ilhas asiáticas dizendo o seguinte: "Nós estamos desaparecendo, porque o desmatamento no mundo está levando ao degelo, aumentando a temperatura e as ilhas estão desaparecendo, com tsunâmis, aumento do volume do mar". Então, um, não vamos abrir mão disso, vamos cobrar dos Poderes, porque isso é uma decisão política, sim, e essa decisão política não pode ser tomada, porque ela é em defesa da vida; dois, nós temos que estar aqui, Paulo Paim, Direitos Humanos, esta Comissão é isto: direito à vida, política do bem. E a política do bem tem que proteger a vida, seja ela humana, animal ou do nosso planeta, do meio ambiente. Obrigada. Paulo Paim, infelizmente, eu não vou poder ficar até o final, mas contem comigo. Eu não vou abrir mão da vida. Que bom que nós temos aqui um missionário! Isso é ser cristão - ouviu, gente? |
| R | Cristão é aquele que defende a vida e todas as formas de vida. Jamais deixariam de estar defendendo a nossa população indígena, porque eu sinto um orgulho muito, muito, muito, muito grande. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, querida Senadora Zenaide Maia. (Palmas.) Eu tenho a satisfação de dizer que V. Exa. é Vice-Presidente desta Comissão. Não sei se a senhora conseguiu assistir daí, mas eu achei muito bonito o gesto dos estudantes. Os estudantes se levantaram e aplaudiram de pé a nossa, a minha Senadora e Vice-Presidente desta Comissão, Senadora Zenaide Maia. (Palmas.) Muito bem, vamos em frente. Passamos a palavra agora... Só vou informar à segunda mesa que estão todos aqui presentes já. Aléssia Bertuleza Tuxá é advogada, Defensora Pública, está aqui na segunda Mesa, e a nossa querida Deputada Federal do meu Rio Grande. É bom vê-las aqui. Pessoal, palmas para as duas aqui, tanto para a advogada Bertuleza Tuxá como para a Deputada Federal Fernanda Melchionna. Quero dizer que a Fernanda e também a Deputada que já falou, a Célia, vieram ao Senado falar comigo. "E daí, Paim, quando vai ser a nossa audiência pública?" E marcamos juntos essa data. Ela poderia estar no Rio Grande do Sul, hoje, porque o Presidente vai estar lá amanhã. Ela me disse: "Não, eu posso até ir, mas primeiro eu vou participar com os povos indígenas". Aceite os nossos cumprimentos com muito carinho, querida Deputada, que orgulha não só o Rio Grande, mas todo o Brasil. São duas que estão aqui, porque esse aqui é o Kretã Kaingang. Temos uns tradutores aqui do lado. Ouviu? Porque o pessoal escreve e os tradutores me ajudam. É da liderança indígena da etnia Kaingang e parece-me que está vindo para cá. Então, agora, vamos passar a palavra à nossa querida Eunice Keruxu, Secretária de Estado da Secretaria de Direitos Ambientais e Territoriais do Ministério dos Povos Indígenas. A SRA. EUNICE KEREXU - Bom dia! Está ligado aqui? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Acendeu o verde, está valendo. A SRA. EUNICE KEREXU (Para expor.) - Javy ju! Bom dia a todas, a todos e a "todes". Primeiro, quero cumprimentar a Mesa, todos os colegas que estão aqui participando desta plenária, desta audiência. Quero cumprimentar todos vocês que estão aqui e também todos que estão acompanhando. Quero dizer que é um momento histórico de dois momentos, de dois sentimentos históricos, também, para a gente falar sobre a questão dos direitos dos povos indígenas. Nós estamos num momento em que estamos sendo atacados de todas as formas, seja dentro dos territórios, seja dentro dos espaços onde estamos trabalhando, seja nas ruas e também aqui dentro da Casa onde são construídos os direitos. |
| R | Em 2023, nós temos várias leis garantindo o direito dos povos indígenas, garantindo o direito à terra, garantindo o direito de vida, e nós estamos aqui também, como povos indígenas, ocupando esses espaços. Então, assim, para mim é um motivo de alegria estar aqui, ocupando esse espaço agora, mas também eu não queria estar ocupando esse lugar agora para fazer uma defesa; eu gostaria de estar ocupando esse espaço aqui para a gente estar construindo ou produzindo algo em que a gente desse continuidade à questão da vida. Eu sou Eunice Kerexu, eu venho do Estado de Santa Catarina, sou da Terra Indígena Morro dos Cavalos, e hoje Secretária de Direitos Ambientais e Territoriais no Ministério dos Povos Indígenas. E aí, falando sobre o tema que nos traz aqui, para discutir sobre o PL 490, o atual 2.903, dizer, assim, que foi dali que surge, do Estado de Santa Catarina, que é o meu estado, surge, então, essa discussão e esse questionamento sobre o direito, sobre a origem, o direito originário dos povos indígenas. E aí, para quem conhece Santa Catarina, a Região Sul, da qual o Senador vem, a nossa querida Deputada vem do Rio Grande do Sul, que é próximo, a gente tem uma realidade, a gente vive uma realidade que é diferente de outros lugares. Mas, quando a gente chega aqui nesse espaço, é surpreendente que a maioria das pessoas que estão ocupando esse espaço acaba comprando essa teoria do marco temporal, de retirada dos direitos dos povos indígenas. E aí, eu queria trazer um pouco, dentro dessa fala, como nós, povos indígenas, estamos hoje falando sobre o nosso direito, mas também combatendo todos os crimes que vêm acontecendo dentro dos direitos dos povos indígenas. É muito pouco falado sobre a questão dos crimes que são cometidos, sejam eles os crimes ambientais, sejam eles os crimes climáticos, sejam eles os crimes de racismo, que nós, povos indígenas, sofremos muito. A gente tem um outro meio de sofrer esse racismo, de não se falar e não se citar, principalmente na criação de políticas, estejam elas em qual instância estiverem, de não citar a questão indígena. E, para nós, dentro desse racismo, ele é colocado... Por exemplo, a negação do direito é a gente não poder oferecer para os indígenas dessa forma porque eles têm os direitos próprios de vida. Tipo, parece que se reconhece esse direito. Mas, por outro lado, quando não se entrega ou não se oferece ou não se dá esse direito dentro dessas políticas construídas, há essa retirada do direito que é garantido, como a gente tem hoje, dentro dos nossos territórios, as invasões pelo agronegócio, a gente tem as invasões pelos garimpos, e a gente tem outras invasões dentro dos nossos territórios, como a caça, a retirada de madeira, a pesca ilegal que a gente tem. |
| R | Mas também a gente tem o crime contra a humanidade, o ser da pessoa, a liderança das mulheres, das crianças e da juventude. Então, eu acho que a gente precisa começar a falar, pois eu vi que, durante a votação do PL 490, várias Deputadas que se manifestaram foram colocadas num lugar de julgamento, porque estavam ferindo a ética. E o que está acontecendo de fato? Esses crimes que estão sendo cometidos dentro do Congresso Nacional, agora sendo trazidos aqui para o Senado, para serem discutidos, para falarem sobre as nossas vidas... São vários crimes cometidos. Eu ouvi falar que, se houver demarcação de terra, vai haver derramamento de sangue dentro dos territórios. São ameaças faladas dentro destes espaços que deveriam fazer a defesa desses direitos. E não é feito nada, não se faz nada. Não! Há alguém que falou... Ouvi falas de Senadores, sendo colocadas essas ameaças dessa forma, sendo falado dessa forma. Então, para a gente falar sobre a questão desses crimes, a gente precisa também identificar esses crimes, da forma que são falados e da forma que são camuflados, falados de outras formas. Eu queria trazer muito aqui, dentro dessa relação que nós povos indígenas temos com a questão do espaço onde vivemos, mas também da relação com as vidas, porque... Eu estava ouvindo a Senadora falando aqui, a nossa Vice-Presidente aqui da Comissão, e ela colocou assim: "Os indígenas fazem uma defesa dos vegetais, da vegetação, dos animais e da vida humana". E nós temos uma relação além disso, que nós trazemos, porque a gente sabe quem veio primeiro, para que veio, quem veio por segundo, para que veio, quem veio depois, para que veio e para que nós viemos também - nós seres humanos. E nós temos uma relação dos seres desde os seres pedras, que são os nossos cristais; uma relação com a nossa floresta, que é a vegetação, que são seres vegetais; nós temos uma relação com os animais, que são os seres vivos; e nós temos essa relação humana, com os seres humanos. E aí, fazendo esta fala, eu queria trazer aqui um pouco sobre a questão dos direitos, desses direitos de que a gente sempre fala, que são direitos garantidos na Constituição Federal lá no primeiro capítulo, quando a gente traz Dos Princípios Fundamentais. O que é garantido dentro desse artigo que traz todo um histórico do que a gente vai entender na questão do direito, desses direitos? Então, a gente começa a entender toda essa relação que percorre toda a soberania dessa integridade dos seres. |
| R | E aí a gente vai também percorrendo outros espaços para ocupação de espaços, para me mobilizar nesses espaços. Mas também eu vou ocupando os espaços, para mobilizar esses espaços, mas também para se integrar numa sociedade num pensamento político também de defesa não só de mim, como pessoa, mas de todos, de todos os humanos. Então, eu vejo que, dentro desses espaços, desde que a gente começa a retroceder essa história... Eu estou falando dessa história desse lugar, onde a gente está agora, desse lugar onde se decide, onde se criam direitos. Começa esse retrocesso quando vai ao contrário daquilo que está garantido dentro da lei, quando se começam a retirar esses direitos e uma pessoa ou um grupo de pessoas começa a fazer essas defesas por interesses próprios. Aí eu queria trazer essa questão dos povos indígenas novamente, dentro desses territórios. A nossa luta sempre foi uma luta coletiva - ela nunca foi por um interesse próprio; sempre foi uma luta coletiva em defesa da vida. Isso era o que eu queria trazer também para a gente pensar. Dentro desse espaço onde hoje, agora, em 2023, se fala... (Soa a campainha.) A SRA. EUNICE KEREXU - ... que o Governo hoje, a sociedade, a população defende como uma política do Brasil as demarcações de terras, que aparece em primeiro lugar dentro dessas pesquisas, defendendo a demarcação de terras, e a gente tem um Congresso Nacional que vota contra as demarcações de terras, a gente está retrocedendo e a gente também está indo contra a lei, pois está garantido lá, no art. 1º, que fala que é a maioria do povo que decide isso. Então, não se respeita, não se cumpre a lei dentro desses espaços. Assim, acho que, para finalizar - pois estou trazendo muito essas reflexões da forma que eu vejo, que eu entendo esses espaços, mas também por estar aqui hoje, neste espaço, para falar isso, principalmente para quem está, os estudantes que estão aqui, presentes -, se a gente pegar essa lei, o art. 1º, e colocá-la em prática, ler, fazer toda a interpretação e ver o cenário que a gente vive hoje, é muito contrário, é muito contraditório o que está aqui, garantido na lei. Assim, falando sobre o PL 2.903, o marco temporal, nós temos o art. 231, que é específico do direito dos povos indígenas, e eu queria trazer que, dentro desse PL, que é colocado aqui, para votar contra a questão indígena, contra os territórios indígenas, é inconstitucional em todos os sentidos. Mas uma das questões que eu trago aqui é que não é só o processo demarcatório, mas também toda a exploração do território, que já vem acontecendo, mas que abre mais essa porteira para essa exploração, que é o usufruto exclusivo do nosso território. É difícil - principalmente para a Região Sul, mas hoje vendo todo esse modelo que se leva para o Brasil - que uma terra indígena tenha esse usufruto exclusivo do território, porque a gente luta para fazer a demarcação, mas a gente luta para se manter nela, porque não existe o usufruto exclusivo. |
| R | Então, quero falar que hoje, ocupando esse espaço e tendo esse lugar de fala, eu gostaria de trazer para esta Casa, para todos os Senadores e Senadoras que são comprometidos com a justiça e com os direitos garantidos dentro da Constituição Federal, que votem contra esse PL 2.903 (Palmas.), porque está nas mãos de vocês essa decisão. E a gente quer muito essa coerência. A gente pede que olhem mais uma vez para dentro da Constituição, que peguem o texto que está colocado dentro dessa PL, que comparem com o que está dentro da Constituição garantido, porque esse crime de genocídio contra os povos indígenas... Não é algo que eu não estou entendendo da lei. Ela é algo premeditado, ela é algo que vem com esse interesse mesmo da exclusão e do extermínio dos povos indígenas. Então, quis trazer isso aqui para vocês, para que, quando chegar esse momento, a gente consiga, de uma forma correta, fazer justiça e defender o direito dos povos, de todos os povos. Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, querida Eunice Kerexu, Secretária de Estado da Secretaria de Direitos Ambientais e Territoriais do Ministério dos Povos Indígenas, que defendeu e pediu, e nós, a Comissão, tem que ser porta-voz junto aos Senadores que, porventura, não estão aqui. Eu esclareço, Fernanda Melchionna, que antes eu falei - o pessoal me lembrou - que, claro, hoje é quinta, temos esse debate. Amanhã é sexta, teremos aqui - e por isso que eu não estarei no Sul - um debate para discutir a situação da comunidade negra do Brasil e a educação. Vai ser um debate com o qual eu me comprometi há muito tempo, e virão estudantes e líderes de todo o Brasil. Então, eu não estarei no Rio Grande do Sul amanhã devido a esse motivo. Sinto muito, mas eu não poderia deixar nem vocês nem a comunidade negra amanhã, e comuniquei ao Presidente Lula - ele entendeu -, e é bom saber que amanhã teremos, então, esse debate também. E acontece que quinta e sexta não está tendo atividade na Câmara e no Senado. Então, fizemos um esforço enorme para estar aqui e liberando, então, aqueles que têm seus compromissos nos estados. Então, agora vamos... Eriki Terena, representante da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Direito dos Povos Indígenas. O SR. ERIKI TERENA (Para expor.) - Oi... Só para testar o microfone primeiro. Quero agradecer primeiramente ao Senador, ao nosso Presidente aqui da Comissão, também à nossa Vice-Presidente, aos demais que estão aqui, aos estudantes da Universidade Estadual de Direito de Goiás, que tentaram entrar com a gente, mas depois conseguiram entrar separadamente. É muito bom vê-los aqui também para aprender junto conosco. Quero primeiro pedir licença, porque sou muito analógico. Então, eu anoto muito as coisas. Sou professor e, professor, vocês sabem: se não anotar, acaba esquecendo. Então, em algum momento eu vou olhar aqui no papelzinho, que eu anotei algumas coisas. Para me apresentar, primeiramente, sou Eriki Terena. Sou indígena do povo terena, do Pantanal sul-mato-grossense, um ecótono ali entre Pantanal e Cerrado. Então, temos esse bioma diverso aqui presente e, através da minha fala também, quero trazer toda essa representatividade de Mato Grosso do Sul, que tem nove povos indígenas ali naquele contexto. |
| R | E eu sempre digo: Mato Grosso do Sul é o segundo estado em população indígena, mas é o primeiro em política anti-indigenista, em forma de lidar com os povos indígenas de uma forma racista. Infelizmente, eu sempre brinco: Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, esse negócio de sul no nome não dá muito certo, geralmente, no tratamento aos povos indígenas. É esse contexto que eu venho, eu venho de uma terra indígena chamada Terra Indígena Taunay-Ipegue, que tem sete aldeias. Sou parte, membro do Conselho do Povo Terena, que é uma organização indígena de base, que compõe a Apib, e hoje eu estou aqui como Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, que é composta pelo Senado e pela Câmara dos Deputados. Na Câmara, é coordenada pela Deputada Célia Xakriabá, e aqui no Senado, pelo Senador Randolfe Rodrigues. Sou biólogo, sou professor de formação e estou aqui também nesse espaço para poder falar com vocês da melhor forma possível, tentar aqui esclarecer alguns pontos da nossa atuação como frente, mas também costumo dizer que nós estamos institucionais, mas nós somos indígenas. Então, em alguns momentos, a minha fala institucional vai se encontrar também com a minha fala de vivência, e eu gostaria muito desse espaço, peço essa licença para vocês, e que a gente traga essas reflexões, mais uma vez agradecendo aqui ao Senador que propôs, nesse momento que é tão difícil, ouvir a voz dos povos indígenas, que não foi ouvida na Câmara dos Deputados quando passou o PL 490. Esse momento é proposto para nós aqui. Como eu disse, a minha terra indígena é uma terra indígena bem pequena em tamanho, comparada a outras terras indígenas, mas é muito grande na representatividade, e é a ela que eu quero começar aqui a minha fala pedindo essa licença. A frente, como eu disse, é coordenada pela Deputada Célia Xakriabá e, aqui no Senado, pelo Senador Randolfe Rodrigues. Nós fizemos algumas atuações, Deputada, para tentar mitigar os efeitos do PL 490 quando passou pela Câmara dos Deputados e a gente está trazendo agora esses caminhos também para o Senado Federal. Foi muito difícil vivenciar esse ataque que foi o PL 490. Como indígena, estar dentro desse campo institucional, eu acho que foi um momento muito difícil para todos nós que estamos no MPI e que estamos agora também aqui na Câmara dos Deputados. Eu acho que foi um momento em que a saudade de casa bate mais do que todos os dias, porque quando você está aqui dentro e enfrenta algo como o PL 490, você tenta barrar algo que você sabe que vai afetar diretamente o seu modo de vida, a sua família, o seu território, que é para onde você vai voltar depois daqui. O PL 490, que agora é o PL 2.903 aqui no Senado, tem uns pontos muito críticos que eu gostaria de trazer para vocês aqui - e eu trouxe anotado; como eu disse, eu sou analógico -, para que a gente comece a falar sobre ele, porque aqui o tema é: marco temporal para os indígenas. E não tem como falar de marco temporal hoje aqui no Senado sem falar do PL 2.903, que tramita aqui dentro dessa Casa e que tem pontos que precisam ser debatidos. Um desses pontos, Senador, é o que traz o art. 16, que fala sobre a alteração de traços culturais. Diz esse artigo que, a partir do momento em que for constatada alteração de traço cultural na comunidade, a reserva pode ser retirada, retomada. Ou seja, traz o conceito de que essa reserva não é nossa, que esse lugar, esse espaço em que nós temos a nossa tradicionalidade não é nosso, ele volta às mãos da União e, a partir daí, ela pode destiná-lo à reforma agrária, por exemplo. Eu quero perguntar para vocês: se hoje você não dança samba e amanhã você dançar, a sua casa pode ser tomada de você? Se hoje você casar com uma pessoa asiática e seus filhos forem asiáticos também, vocês vão ter a sua casa tomada? Seu filho perde direito à herança? |
| R | Por que nós vamos pagar o preço pela alteração de traços culturais, sendo que, historicamente, uma miscigenação foi forçada neste país? Então, é um ponto que precisa ser debatido, que precisa de cautela, porque acaba-se, mais uma vez, delimitando os nossos direitos, acaba restringindo os nossos direitos, através desse artigo. Também temos o art. 22, que é sobre a implantação de vias, rodovias e bases militares em terras indígenas, sem consulta livre, prévia e informada, que é um direito nosso, assinado na Convenção 169 da OIT. Então, mais uma vez, é inconstitucional esse PL que passa aqui nesta Casa e a gente precisa dessa devolutiva negativa, Senador e demais Senadores que talvez acompanhem a gente. O art. 26 do PL 2.903 fala sobre a celebração de contratos entre indígenas e não indígenas. Em que mundo isso pode acontecer, na cabeça das pessoas não indígenas, se hoje a gente vê, a todo momento, a escravização moderna de povos indígenas de que não se fala nas mídias grandes? Fala-se muito sobre a escravização moderna de pessoas pretas e se tem razão, mas da escravização moderna de povos indígenas não se fala nas grandes mídias! Quando eu trabalhava na campanha da candidata a Deputada Estadual, Val Eloy Terena, no Mato Grosso do Sul, em umas das nossas agendas, no Território Guarani-Kaiowá, nós encontramos um senhor, no meio da BR. Fazia 14 dias, caminhava, de onde tinha seu serviço, em uma cidade, para poder chegar em casa, porque se desentendeu com o seu patrão e o patrão o mandou embora, sem nenhum direito, e ele foi caminhando. A sola do sapato já estava gasta. Não tomava água há dias. Não se alimentava há dias. As roupas já estavam todas deterioradas. O sol já tinha queimado a sua pele. Esse é o tipo de celebração de contrato a que visa esse artigo: a escravização moderna dos povos indígenas! Não há como a gente abrir precedentes para que isso aconteça! Esse é só um caso que acontece entre os povos indígenas, com relação à escravização moderna. Então, é preciso atenção para esse artigo. O art. 28, Senador, abre precedentes para contato com povos isolados. Coloca-se assim: "Nós tentaremos evitar o contato, exceto..." Isso não pode existir, porque, ao passo que o art. 16 delimita a alteração de traço cultural para retomada de terras, o art. 28 vem liberando contato com povos isolados... Então, não se entende o que esta Câmara quer, porque, ao mesmo tempo em que diz que não quer que nós tenhamos alterações de traços culturais, também coloca que os povos isolados podem ser contatados! Como manter as suas características tradicionais, em um território, em uma Casa de Leis que vai legalizar o contato com povos isolados? Como manter os traços culturais originários, como as pessoas querem, nesses estereótipos, se aqui a gente teve uma miscigenação forçada, um estupro forçado? O art. 11 fala sobre a indenização aos títulos, aos grileiros, e abre um precedente muito grande. Aí eu quero perguntar aos meus parentes que estão aqui nos assistindo: quando é que nós seremos indenizados? Pelos séculos de estupro; pelos séculos de miscigenação forçada; pela invasão do nosso território; pelas mortes das nossas lideranças; por tantos outros ataques que nós vivenciamos todos os dias; pelo racismo... (Palmas.) Porque essa é a verdadeira indenização. Quando é que nós seremos indenizados por voltar, no nosso território, 200 anos, 300 anos, 400 anos depois que os nossos antepassados foram violentamente tirados à força? Quando a nossa indenização vem? Por que nós somos menos dignos de indenização do que os não indígenas, do que os ruralistas, do que as pessoas que trabalham com o agro? Porque nós somos vistos como sub-humanos! A todo momento, a nossa dignidade, a nossa humanidade é tirada de nós e nós somos vistos como menos, Senador. E é isso que nos emociona quando nós temos um espaço como este, porque, aqui, a gente pode se olhar de igual para igual, porque quem está no território, agora, é visto como menos, como inferior... |
| R | (Soa a campainha.) O SR. ERIKI TERENA - ... tanto aqui, na Câmara dos Deputados, quanto pela maioria do Senado. Nós somos vistos como inferiores. Essa é a verdade que choca. E aí, Senador, eu quero dizer também que a frente se coloca aqui disponível para o debate com os Senadores. Estamos tentando agendar com vários Senadores, que estão recebendo o nosso e-mail, para conversar sobre esses pontos críticos. O retorno é muito difícil por parte deles, que são os representantes do povo, mas não querem ouvir o povo. Mas a gente se coloca aqui como porta-vozes dessas pessoas. Nós temos mais de 20 organizações indigenistas, que falam sobre povos isolados, a APIB e outras redes parceiras que podem vir aqui dialogar. Quero colocar a frente à disposição. E o segundo momento em que eu divido a minha fala, Senador, é sobre o marco temporal, porque o senhor coloca muito bem - e agradeço novamente o convite, inclusive, da Ingrid, que esteve aqui e com quem a gente conversou muito durante os últimos dias - que é o marco temporal dos indígenas. O que é o marco temporal dos indígenas? Como eu falei, eu sou de uma terra indígena muito pequena, no Mato Grosso do Sul, e me deixou muito triste, quando eu estive nesta Casa, na institucionalidade, ouvir um Deputado da Câmara dos Deputados confrontar o Secretário Executivo do Ministério dos Povos Indígenas, o Dr. Eloy Terena, dizendo para ele que ele estava muito bem vestido, como se ele não tivesse o direito de ter as boas vestimentas, e que ele deveria querer para os indígenas aquilo a que ele tem acesso. E eu quero responder a esse Deputado, sem citar nomes para não dar palco também. Eu sou indígena da terra indígena do Dr. Eloy. A partir do Dr. Eloy, nós pudemos sonhar em alcançar lugares que, antes, nós não alcançávamos. Quantas pessoas... O Maurício está aqui, o Maurício, é fruto também de Dr. Eloy Terena. Será que esse Deputado pode dizer que muitas outras pessoas são frutos dele? Eu posso dizer que eu sou fruto de Dr. Eloy Terena, porque nós estamos ocupando espaços por exemplos como o de Dr. Eloy Terena. E, quando alguém, um representante do povo, tenta humilhar um dos nossos, tenta confrontar um dos nossos, ele confronta a todos nós e a nossa ancestralidade. Então, é exigido um pedido de desculpas, que eu sei que não vai vir - não vai vir -, mas eu quero deixar aqui muito bem pontuado que, a partir desse território onde eu estou, que é o território do Dr. Eloy Terena, é o território em que nós estamos fazendo outras gerações sonharem a chegar nesses espaços. Porque o estudo que chegou a nós não foi por nossa vontade, a gente não fala o português porque a gente quer. Mas, se a gente não falasse o português, se nós não tivéssemos pessoas aqui dentro agora, o que já não teria passado contra nós. Com a gente lá nos nossos territórios, sem poder alcançar esses espaços, o que já não teria nos atingido se nós não estivéssemos aqui? E, hoje, nós estamos aqui para provar que nós podemos falar por nós, graças a exemplos como o do Dr. Eloy Terena. Território, para os povos indígenas, é muito mais do que um pedaço de terra, Senador. Quando nós estávamos na Câmara dos Deputados e os Deputados urravam e comemoravam que passou o PL n° 490, aquilo nunca doeu tanto, um sentimento de dor, porque a gente chorava naquele momento enquanto eles comemoravam. Mas eles comemoravam por dinheiro, eles comemoravam por terra; nós chorávamos pela vida que estava se perdendo ali na nossa frente. (Palmas.) Se eles chorassem ali, seria choro de dinheiro, de posse. O nosso choro ali não foi por nós; foi por vocês, porque a vida hoje pode nem começar só nos territórios, mas ela se mantém por causa dos nossos modos de vida em nossos territórios. A vida pode não começar só lá, mas a vida se mantém por causa do que a gente faz lá dentro, nos nossos territórios. Os nossos modos de vida garantem que chegue a vocês a forma de vida que vocês conhecem. |
| R | Para nós, território é muito mais do que um pedaço de terra, é muito mais do que dinheiro. O marco temporal para nós é muito mais do que um relógio pode dizer, um calendário pode dizer. Marco temporal para nós a gente vive todos os dias, porque para nós é um marco temporal quando morre uma liderança indígena em luta pelo seu território. Marco temporal é por Oziel Terena, que morreu em confronto contra a polícia no nosso estado. Marco temporal para nós são as nossas nhandesys, nhaderus, Guarani-Kaiowá que morrem todos os dias por intolerância religiosa; que têm suas casas de reza queimadas. Isso é um marco temporal para nós. Marco temporal para nós é 1500. Esse é um marco temporal para nós. A partir da hora que nós fomos invadidos, violentados, estuprados, isso é um marco temporal. E eu quero agradecer, porque eu achei que os dez minutos iam ser muito para eu falar e até excedi - estou até nos cinco minutos agora -, mas eu quero agradecer dizendo para vocês mais uma vez: quando esse projeto de lei passar nesta Casa, nós estaremos atentos. Mas muito mais do que nós, o nosso futuro está atento a isso. Eu faço parte de uma geração que colhe hoje frutos do que não foi decidido por mim. E a geração que vai vir, a geração dos filhos de vocês, dos nossos netos, é quem vai pagar pelas decisões tomadas hoje. E eu espero que a nossa decisão, Senador, seja sábia e em favor do direito, da vida dos povos indígenas e da floresta. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Grande, grande, grande! Aplaudido de pé também. Dr. Eriki Terena, representante da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Direito dos Povos Indígenas. Percebi que Plenário está dizendo: só falta a mesa levantar. Está de pé, já! Muito bem, querido Eriki Terena, pela sua fala. Emocionou a todos pela forma direta como falou - da história dos povos indígenas e este momento entra para a história, não é Melchionna? E eu quero fazer parte dessa história, mas do lado certo. Por isso estamos aqui e faremos parte. Eu passo a palavra agora... Eu quero dizer para os estudantes, pois eles têm que sair às 11h, que, no momento em que vocês entenderem que é hora de sair, queria que vocês passassem aqui na frente - nós continuaremos sentados - pois o pessoal da TV e das fotografias querem tirar uma foto de vocês. Vocês vão receber a foto depois e poderão dizer, contar no futuro para netos, bisnetos: "nós estivemos lá!". (Palmas.) Aí vocês combinam o horário da saída. Professora, tem que sair agora ou pode um pouco mais? Então, vamos fazer agora. Vocês já vêm para cá, passam aqui atrás, depois sairão por aqui para às 11h estarem no outro compromisso. Eu peço a todos que venham aqui na frente e vou pedir da próxima mesa, estão presentes a Deputada Fernanda Melchionna e a querida advogada também - as duas são queridas, viu? Não, mas calma, eu quero uma foto com vocês. Podem vir para cá. Eu convido a advogada Aléssia e a Deputada Fernanda que venham aqui para sair na foto com a gente. Depois vocês voltam logo para falar. (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você vai falar. Você vai ser a próxima. |
| R | Ah! Agora que ela entendeu! Olha, os mais jovens que conseguirem dobrar o joelho são aqui na frente. Não sou eu que vou ficar aqui na frente, não, porque eu não dobro o joelho. Para os mais jovens é só botar um dos joelhos no chão. Nós estamos acostumados já a tirar foto aqui. Só dobrar o joelho aí. Apoia no chão. Aí, vai dar para todos. Peço à Deputada e à Advogada que estejam aqui na mesa também com a gente como painelistas. Aí, eles pegam todos. (Pausa.) Marco temporal não! (Palmas.) Passo a palavra para a Deputada Federal Fernanda Melchionna porque ela tem outra agenda. Chamam-nos a muitos lugares, e nós somos poucos dispostos a fazer esse bom combate. Por favor, Deputada, é com você a palavra por dez minutos e mais cinco. Você é convidada como painelista. A SRA. FERNANDA MELCHIONNA (PSOL - RS. Para expor.) - Ah, que chique. Muito obrigada, Senador Paim. Primeiro, eu quero cumprimentá-lo, Senador, por esta iniciativa. V. Exa. é sempre muito honesto e justo com a história e está fazendo todo esse debate aqui, puxando para o Senado, para a Comissão. Eu espero muito que o Presidente Rodrigo Pacheco delegue à Comissão de Direitos Humanos debater o marco temporal porque é óbvio que um projeto como esse não pode tramitar em outras Comissões e não ser deliberado na Comissão de Direitos Humanos... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Debater e que ele passe aqui na votação. Parabéns pela sua proposta. A SRA. FERNANDA MELCHIONNA (PSOL - RS) - ... que trata de direitos humanos, não é? Então, estamos nessa torcida e nessa luta junto com o senhor. E, claro, nesta oportunidade, quero cumprimentar o Maurício Terena, o Eriki Terena, a Claudia Regina, a Eunice Kerexu, querida companheira lá de Santa Catarina, e, claro, todos os presentes nesta audiência. Eu acho que nós temos um desafio muito grande, que é redobrar a mobilização, sabe? Porque uma coisa é o tamanho da bancada do atraso na Câmara dos Deputados. E nós enfrentamos essa bancada do atraso, que é um casamento da extrema direita bolsonarista com uma bancada ruralista do atraso. Eu gosto de botar o "do atraso" junto, porque são aqueles que querem retroceder em todas as nossas conquistas, que estão descontentes com a nova estrutura ministerial. Como a Ministra Marina disse, queriam transformar o Ministério do Lula no Ministério do Bolsonaro, tirando o poder do Ministério do Meio Ambiente, tirando atribuições do histórico Ministério dos Povos Indígenas, que, além de ser um orgulho para o Brasil, mostra ao mesmo tempo a invisibilização dos poderes de cima dos 523 anos de resistência - não é, Eriki? - desse marco temporal, que é anterior a 1500. O começo, em 1500, é um genocídio. O que começa em 1500 é uma violência. O que começa 1500 é a barbárie sobre 4 milhões de homens e mulheres que aqui residiam e que foram atacados violentamente pelos invasores. |
| R | Então é uma mistura disto, desta tentativa de voltar à estrutura passada, com uma ganância desenfreada - uma ganância desenfreada! É uma combinação de preconceito, intolerância, como você falava na sua fala, de ataque simbólico e físico, e uma tentativa de se apropriar das terras dos povos indígenas, de se apropriar de todas as maneiras: legalizar o garimpo ilegal, desmarcar - diz "desmarcar" porque o projeto permite isso com o artigo que vocês leram sobre a questão dos traços culturais, o que é um escândalo, é uma vergonha! O que está posto é inconstitucional, ilegal, indecente e imoral, mas está na lei que foi aprovada na Câmara dos Deputados - e não avançar em mais nenhuma demarcação. Eu fico chocada, Senador Paim! Nós, os gaúchos... Fiz alguns debates e parece que é uma coisa assim... É um acinte ver a bancada do atraso falar que os indígenas gaúchos têm menos de 1% da terra de todo o Rio Grande do Sul, quando lá residiam e lá construíram. Até isso, até isso eles querem tirar! E manter essa lógica dos crimes contra a humanidade, que nós vimos, porque, além da ganância desenfreada, além do desmatamento, que são perdas irreparáveis para o futuro da humanidade, são os crimes contra a humanidade que foram cometidos contra os povos indígenas no último período, como os ianomâmis, enfim. Não pode ser... É claro que tem a dor e toda a operação agora, necessária para retomar o território, mas o Governo Bolsonaro foi avisado 21 vezes! E, por omissão, negligência, prevaricação e aliança com o garimpo ilegal, permitiu que o mercúrio contaminado chegasse às crianças, permitiu a subnutrição e permitiu 540 mortes. E é sério: crimes contra a humanidade são imprescritíveis e inafiançáveis. Eu acho que essa luta ainda é urgente e necessária. Pode demorar dez anos para que sejam condenados nos tribunais penais internacionais? Pode. Mas, se a gente não lutar, talvez não o sejam. Então temos que seguir essa luta por justiça pelo passado, até para potencializar um novo futuro e fazer o enfrentamento do marco temporal agora, que eu quero, nesses cinco minutos, terminar. Nós sabemos que é um projeto inconstitucional. Eu sei. O Senador é muito generoso, mas eu quero... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você tem dez ainda. A SRA. FERNANDA MELCHIONNA (PSOL - RS) - ... ouvir ainda a Doutora, porque eu tenho uma outra audiência. Mas quero ouvi-la antes de ir, para finalizar essa mesa, esse momento rico que o Senador nos propiciou. É inconstitucional. Não pode um projeto de lei complementar falar sobre a Constituição. O art. 231 é muito claro na questão dos povos indígenas, dos direitos da demarcação e da necessidade de oitiva dos povos indígenas que o projeto tira. Mesmo uma PEC eu acho que seria inconstitucional porque fere cláusulas pétreas da Constituição. E aí cláusulas pétreas só podem ser alteradas por uma nova Constituição e não por uma Câmara dos Deputados, que não foi eleita para mudar a Carta Magna do Brasil. Mas a gente sabe que aqui na Câmara e no Senado é uma correlação de forças interna e externa. |
| R | Foi votado o marco temporal na Câmara dos Deputados com trator, Senador Paim, não estava na pauta no dia. A gente estava lá enfrentando outros ataques, porque nós estávamos enfrentando outros ataques, e o marco temporal entrou em urgência, na semana seguinte o mérito, não passou por nenhuma Comissão, obviamente, não passou pela Comissão dos Povos Indígenas e da Amazônia, com o que obviamente teria atinência, e fizeram lá um trator. Não contentes, querem criminalizar as mulheres que enfrentaram esse trator, eu sou uma delas, a Célia Xacriabá, a Sâmia Bomfim, a Talíria Petrone, a Erika Kokay, a Juliana Cardoso. Tem peças no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados por ter feito esse enfrentamento e por ter falado do genocídio legislado, que é o novo tipo de genocídio, diferente do de 1500, mas que é a reprodução dessa lógica no tempo presente para invisibilizar e, sim, manter o genocídio e as violências contra os povos originários. E se incomodaram com a nossa fala por defender os indígenas e também, por óbvio, por sermos mulheres, porque essa turma da extrema direita não esconde o seu machismo, a sua misoginia e o seu ódio contra as mulheres que lutam e sonham. Então, para coroar uma noite de horrores, fizeram essa representação, nesse caso contra nós, o partido do Bolsonaro. Está tramitando, semana que vem vai ter mobilizações aqui, vamos seguir essa luta, porque não nos calarão, é no sentido de intimidar. Mas o que eu queria falar é que eles fazem de uma forma açodada, uma forma de representação contra os que lutam, para passar um conteúdo inconstitucional grave, um ataque brutal aos povos originários. Isso passou na Câmara, mas aqui no Senado nós temos que montar a nossa estratégia, e o Senador Paim é fundamental, é parte dessa estratégia de luta conosco, de luta para pressionar de fora para dentro para construir maioria, para que não seja votado ou para ser derrotado. E é esta estratégia que nós temos que montar: iniciativa como a do Eriki de mandar as cartas, de pedir as reuniões, que não é dele individualmente, que é da frente; a Apib está fazendo mobilizações, nós fizemos atos duas semanas atrás, mobilização em Brasília, combinada com a votação no Supremo Tribunal Federal; as mulheres, vai ter a marcha das mulheres indígenas - não é, Kerexu? -, acho que em setembro, logo depois da Marcha das Margaridas; e eu acho que a gente devia pensar num novo Ato pela Terra. Eu acho que a gente deveria pensar um novo Ato pela Terra, na frente do Congresso Nacional, dentro do Senado Federal, para pressionar, porque a gente sabe que no frio, infelizmente, eles podem aprovar, mas no quente, na pressão da comunidade internacional, nas denúncias do Tribunal Penal Internacional, nas denúncias do Parlamento Europeu, no engajamento dos indígenas, que já estão, no engajamento de artistas, movimentos sociais, partidos, enfim, juventude, vai ter congresso da UNE nas próximas duas semanas, vai ser aqui em Brasília, que tenha moção e que tenha movimentação junto com os indígenas contra o marco temporal, eu acho que é possível vencer. E quero concluir porque não vou falar os seis minutos que generosamente me foram concedidos pelo Senador! Eu sei, o Senador Paim é muito generoso! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O Paim... A SRA. FERNANDA MELCHIONNA (Bloco/PSOL - RS) - É que eu quero ouvir a nossa última convidada. Eu acho então que é essa estratégia que temos que montar, mas quero concluir falando que vocês são um exemplo. Quando começou o Governo Bolsonaro, vocês podem procurar nos anais da história, em 2019, todo mundo assustado, normal, um governo de extrema direita, eu dizia: "Nós vamos aprender a resistência com os indígenas, que resistiram 523 anos, e vamos fazer uma unidade de ação para defender as liberdades democráticas". (Palmas.) |
| R | Vocês nos inspiram e contem conosco nessa luta. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, querida Deputada Federal Fernanda Melchionna, não seria diferente a sua fala, que deixou uma série de propostas em que nós todos vamos trabalhar juntos nesse sentido. Meus parabéns a você. Você é um orgulho, viu? Não é só para o Rio Grande, mas para o povo brasileiro, nós todos somos o povo brasileiro. A SRA. FERNANDA MELCHIONNA (PSOL - RS. Fora do microfone.) - Nosso Senador combativo da humanidade. (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Precisavam vê-la em cima dos caminhões comigo no interior do interior das pequenas comunidades. Muitos não iam lá; nós fomos, para defender o nosso Governo, a possibilidade de o Governo Lula chegar lá e chegou. Eu percebia lá a alegria do povo quando via você! Eu era coadjuvante ali... (Risos.) A SRA. FERNANDA MELCHIONNA (PSOL - RS. Fora do microfone.) - Imagina! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pediram para registrar aqui a presença, e eu o faço com muito carinho, do Cacique Xavante, liderança indígena do Mato Grosso, da Terra Indígena Sangradouro. (Palmas.) Voltamos à nossa mesa - a Doutora pode fazer o encerramento, Doutora. Você ficou na mesa de encerramento -, do Mauricio Terena, Coordenador Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O SR. MAURÍCIO TERENA (Para expor.) - Bom dia a todos e a todas. Queria inicialmente cumprimentar a mesa, à oportunidade de estar aqui, Senador, a todos que estão presentes nos acompanhando e também de modo remoto. Acho que todos nós aqui fomos já atravessados por uma emoção dos discursos aqui proferidos, porque, justamente, Senador Paim, é de fato muito cansativo acho que para nós, povos indígenas, estarmos aqui novamente enfrentando uma luta pela vida. Quando se luta pelo território indígena, nós lutamos pela vida. Quando a gente fala de marco temporal, Senador Paim, dentro da literatura constitucionalista, existe uma linha de estudo que fala sobre o processo de desconstitucionalização, que é justamente descaracterizar o que os Constituintes quiseram por meio da legislação, e o marco temporal é isso, Senador. O senhor estava lá, o senhor presenciou, o senhor viu a luta que foi para os povos indígenas conseguir cravar o 231 e o 232 da Constituição Federal. Ali nascia uma nova relação do Estado Brasileiro com os seus povos originários. E, hoje, nós estamos aqui, em pleno 2023, lutando novamente para que o mínimo seja garantido. Querem descaracterizar a Constituição, não querem rasgá-la; eles querem passar, por meio de um projeto de lei ordinária, a reforma de direitos fundamentais. Isso só evidencia, Senador, que essa é uma tese política. Essa é uma tese política que ganhou no Judiciário - Judiciário esse brasileiro - um território fértil para se propagar, em especial no caso da Raposa Serra do Sol. E daí eu pergunto para vocês que estão nos acompanhando, seja de modo virtual ou aqui presencial: qual é o perfil desse Judiciário brasileiro? |
| R | Esta Casa, Senador, precisa começar a abrir as portas dos Poderes. Não é uma República - não é uma República - enquanto a comunidade negra e a indígena continuarem sofrendo, continuarem lutando pelo direito à vida. E, justamente, no que tange a esse julgamento no âmbito do Supremo Tribunal Federal, está sendo travada uma disputa, uma disputa que entrará para os anais da história. Essa disputa, para além da questão de um julgamento e de uma tese que está sendo tratada aqui, porque existem esses dois campos da institucionalidade em disputa, o Legislativo e a Suprema Corte... E, para mim, está evidente que, naquela fatídica noite, Deputada Fernanda Melchionna, Arthur Lira estava querendo mandar recados para a Suprema Corte, para a alta cúpula do Poder da República. Ele está utilizando aquela cadeira para justamente mandar recados. E o recado que ele queria mandar era justamente o de colocar o Governo de joelhos, como ele colocou na aprovação da MP 1.154. Só que é chegado o momento de nós, enquanto sociedade civil, não admitirmos isso, Senador Paim. E é justamente neste julgamento que estão sendo consagradas as teses jurídicas. E aqui eu pontuo e os convido para fazerem a leitura do voto do Ministro Relator Edson Fachin. É um voto histórico. O Ministro Edson Fachin se preocupa em trazer todo o contexto histórico, constitucional, hermenêutico dos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário. Por isso, ele rechaça a tese do marco temporal. (Palmas.) É inconcebível juridicamente ou politicamente, Senador. É inconcebível. E esse julgamento diz respeito sobre qual projeto de país a gente quer ser, se a gente vai continuar se orgulhando de as futuras gerações serem apenas um celeiro do mundo, celeiro do mundo esse onde o povo que mora aqui não come. Que celeiro é esse que não alimenta, Senador? Nós temos potencial para muito mais, Senador. Este país é rico em recursos naturais. Este país tem a possibilidade de ser uma grande potência mundial. Só que a gente não pode se curvar aos interesses do capital financeiro. E o marco temporal é um julgamento que diz respeito aos interesses do marco financeiro e, acima de tudo, ao agronegócio. E é chegado o momento, Senador, de a gente, enquanto sociedade, romper com a herança colonial deste país. Isso não é mais admitido, pois a Constituição Federal da República é um documento que inaugurou um novo Estado. E aquele Estado sobre o qual a gente se debruça, parente, para estudar o Direito Constitucional, a gente quer ver na prática, porque, quando a gente sai na rua, enquanto povos indígenas, a gente não sabe se a gente volta. Você é da Bahia. Você sabe que lá no sul da Bahia o povo pataxó está morrendo; está morrendo justamente pelo agrobanditismo brasileiro, que sente, Senador Paim, legitimidade em matar e não dar em nada. E é justamente diante disso que surge a advocacia indígena - não é, parente? Essa advocacia indígena que usa os conhecimentos eurocêntricos das universidades para lutar pela luta social. (Palmas.) |
| R | E eu queria dizer isso para os estudantes que foram embora, mas que fique registrado: lutem pelas lutas sociais, usem o direito constitucional para mudar a política do dia a dia. Se a Constituição preceituou, eu quero, no dia a dia, que a gente veja esse país que está preceituado lá. A gente vai continuar lutando dentro dos ambientes institucionais e sem deixar de ser indígena, Eriki, porque, quando entramos nesses espaços de poder vestidos como estamos vestidos, acontece o que você contou. Eu vou contar rapidamente que eu fui despachar com uma determinada ministra, no âmbito de uma determinada corte. O assessor dela, Senador, me conduzindo para falar com a ministra ali no gabinete, olha para mim e diz assim: "Mas você é mesmo indígena?". E eu estava de cocar assim, porque aquela corte nunca teve povos indígenas. Então, é um posicionamento político estar aqui nessa posição com o meu cocar. E ele olhou para mim e me indagou: "Mas você é mesmo indígena? Você é tão branquinho?". O nome disso é racismo, porque querem que aquele espaço permaneça sendo das elites brancas. Pois eu lhes digo: nós, povos indígenas, estamos na Esplanada dos Ministérios hoje, nas secretarias estaduais de poder, nesta mesa, e continuaremos denunciando. Iremos dar trabalho para essa bancada ruralista passar esse projeto, porque justamente querem tratorar os direitos fundamentais dos povos indígenas. Não sou eu que estou dizendo isso, não, Deputada Fernanda, é justamente o Ministro Relator Edson Fachin, que preceituou que os direitos territoriais dos povos indígenas são direitos fundamentais e, como a senhora muito bem lembrou, não são passíveis de reforma. E pasme, Senador Paim... (Soa a campainha.) O SR. MAURÍCIO TERENA - ... qualquer pessoa que tenha um mínimo de assessoria legislativa boa sabe que não se mudam direitos constitucionais por lei ordinária. Mesmo que estivesse sendo feito por PEC, mesmo que fosse por PEC, não se retira, é o princípio do não retrocesso social. Não se faz, não tem como. A gente precisa começar a justamente nos organizar e lutar por aquilo que está na lei. Nós, povos indígenas, não estamos aqui pedindo direitos a mais; a gente está pedindo, Senador, aquilo pelo que o senhor lutou lá na Constituinte (Palmas.) e que querem justamente desconstitucionalizar, que querem descaracterizar. E, aqui, já aproveitando meus últimos cinco minutos... Eu fiz uma fala e eu queria aproveitá-la aqui. É um pouco direcionada - aproveitando que o senhor vai encaminhar aos Senadores também esta audiência - à Senadora Soraya Thronicke, que atualmente está com o PL 2.903. Nós, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, já oficiamos ao gabinete da Senadora solicitando uma audiência com ela e também já preparamos todos os memoriais escritos, trazendo as nossas razões por que esse PL não deve prosperar nesta Casa. Como bem o Eriki lembrou, os representantes do povo não nos respondem. E ela é do nosso estado. O SR. ERIKI TERENA - A frente também notificou e até agora nada. E ela é do nosso estado. O SR. MAURÍCIO TERENA - Pois é! Solicito que o senhor, Senador Paim, faça as articulações necessárias para que a Senadora atenda a gente em audiência. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Acho que é importante interromper com esse objetivo de responder. |
| R | A Senadora Soraya Thronicke é desta Comissão e tem tido uma postura que... Quero mais que ela esteja ouvindo, porque eu quero elogiá-la. É uma postura muito boa. Inclusive naquela questão - só para vocês terem uma ideia - de que se perde a terra onde forem encontrados homens e mulheres, negros, brancos e índios sob escravidão, ela fez uma emenda que melhorou o texto inclusive - eu tenho que dar esse depoimento -, e aprovamos por unanimidade. Então, eu me comprometo a conversar com a Senadora, para que ela possa ouvi-los. Eu tenho quase certeza de que ela vai... É um pedido que eu farei em nome da Comissão, em que ela aqui atua, e atua bem - atua bem. Estou elogiando-a, como eu elogio a maioria dos que aqui participam. Sempre tem um ou outro que tem seu ponto de vista e eu respeito, inclusive é democrático pensar diferente. Alguém já disse que toda unanimidade não leva a nada, não é? Eu não vou usar outro termo, porque eu mudei aqui a frase, eu trabalhei a frase. (Risos.) Mas eu me comprometo a falar com a Senadora Soraya Thronicke, no sentido de que ela receba vocês. O SR. MAURÍCIO TERENA - Muito obrigado, Senador. Eu queria, inclusive, corroborar essa visão que o senhor tem da Senadora, porque ela foi eleita dentro de um contexto político, ali com o slogan, inclusive, a Senadora do Bolsonaro, mas ela rompeu com as relações. Acho que ela viu que não teria muito futuro político plausível e ela passou a ser uma pessoa muito mais maleável. Então, sem sombra de dúvida, eu corroboro isso e gostaria muito de que a Senadora nos recebesse, para que, em audiência, a gente discutisse de maneira republicana as nossas questões. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E me comprometo, inclusive, a estar junto com vocês para dialogar com ela. O SR. MAURÍCIO TERENA - Muito obrigado, Senador. Muito obrigado mesmo. E, diante desse cenário, seria importante que esta Casa ouvisse, tivesse momentos como o que está acontecendo agora, para que não aconteça o que aconteceu na Câmara dos Deputados, porque justamente, logo após a votação dentro do âmbito da Câmara dos Deputados, tanto a Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto as próprias Nações Unidas emitiram comunicados no sentido de externalizar a sua preocupação com a tese do marco temporal e a forma como está sendo conduzido esse debate no Brasil. E, já para finalizar a minha fala, Senador... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tem mais um minuto que eu lhe tirei aqui com a minha fala no meio da sua. O SR. MAURÍCIO TERENA - Muito obrigado. Os argumentos que são trazidos à baila pelos respectivos Senadores e Deputados é que eles estão com pressa para legislar sobre o assunto. Eles se arrogam a prerrogativa de que essa temática é do Legislativo. Por óbvio, é. Esta Casa tem essa prerrogativa, mas que seja feita dentro dos parâmetros legislativos constitucionais, observando qual é o objetivo desta República, que não é causar mais injustiça. Então, essa tese que está sendo discutida, a questão do marco temporal, vai justamente direcionar qual é a escolha de país que a gente quer ter: se é justamente esse país que quer continuar cerceando direitos humanos, matando defensores de direitos humanos, reprimindo os povos indígenas de viver com seus usos e costumes, ou um país que vai olhar para a frente, Senador Paim. Eu tenho certeza de que, quando o senhor estava na Constituinte votando essas matérias, o senhor não imaginava estar aqui hoje, conosco, fazendo... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu fui eleito para debater esse tema, que é triste para a gente. |
| R | É um dos artigos mais avançados os artigos que tratam dos povos indígenas e também do povo negro, que, para mim, é inviolável, é intocável. Por isso, estamos aqui, acreditando que é possível reverter essa questão, claro, como foi dito pela nobre Deputada Fernanda, com muita mobilização, com muita mobilização. O SR. MAURÍCIO TERENA - Sim, sem sombra de dúvida. E a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) se coloca à disposição tanto do mandato quando do Senado Federal para fazer as incidências políticas necessárias. A gente já está justamente fazendo esses pedidos de audiência dentro do âmbito do Supremo Tribunal Federal também. Apesar de o Ministro Alexandre de Moraes ter rechaçado o marco temporal, ele traz alguns entendimentos jurídicos que a gente entende muito problemáticos; ele argui a questão da indenização prévia para que possa haver a demarcação das terras indígenas. Daí eu pergunto, Senador Paim: como que ele quer que a indenização prévia seja um dos requisitos, sendo que hoje a União não paga nem a boa-fé? Já não existe recurso da União e não é uma prioridade, até porque, se fosse prioridade para qualquer governo, o art. 67... (Soa a campainha.) O SR. MAURÍCIO TERENA - ... das Disposições Transitórias delimitou o prazo de cinco anos para que a União concluísse a demarcação de todas as terras indígenas. Corta para 2023: a gente aqui fazendo este debate. Eu peço para os Senadores, para a sociedade civil, para os Deputados, para todos que estão nos acompanhando aqui, presencialmente ou de modo online, que se juntem aos povos indígenas brasileiros, pois esse julgamento não diz respeito só aos povos indígenas; diz respeito tanto a esse processo civilizacional, se a gente avançou ou não, e também a se a gente vai caminhar para um desequilíbrio climático de não retorno. Então, esse julgamento, acima de tudo, Senador, é um julgamento climático, porque, dentro do Brasil, no sul global, demarcar terras indígenas é uma política de enfrentamento às mudanças climáticas. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Interessa a todo o planeta! Meus cumprimentos, Maurício Terena, Coordenador Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Obrigado. Você aqui demonstra todo seu conhecimento também nessa área também, como advogado, nos deixando cada vez mais fortalecidos para os argumentos. Como, na última mesa, nós vamos ter somente a Doutora - Doutora, você vai estar na última mesa -, eu vou convidar, neste momento, a Deputada Federal, que já falou, mas que vai ter que sair. Eu vou convidar a Deputada Federal, mas vou convidar também a Dra. Aléssia Bertuleza Tuxá, Advogada, Defensora Pública. Que as duas venham aqui para a mesa. Para a senhora, vou pedir para que coloquem uma cadeira aqui ao lado, porque ficaremos com esta mesa até o final; você vai ficar aqui para tirar uma foto com a gente antes de sair. Ela estava dizendo: "E a minha foto não vai sair?". Vai! (Intervenção fora do microfone.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pronto. A Doutora senta aqui. (Intervenção fora do microfone.) (Pausa.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sustentabilidade. Está lá, não é? (Palmas.) A nossa querida Eunice queria dar só um toque antes de eu continuar chamando a mesa. A SRA. EUNICE KEREXU (Para expor.) - Eu só queria fazer um registro aqui. O Ministério dos Povos Indígenas tem uma agenda marcada com a Senadora Soraya Thronicke, que vai ser no dia 5, com o nosso Secretário-Executivo Eloy Terena. A gente quer reforçar, nesse dia, a participação do movimento indígena e o diálogo dentro dessa construção. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pronto! A SRA. EUNICE KEREXU - Então, só para registrar isso. O SR. MAURÍCIO TERENA - Obrigado, Secretária. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Já ajudou muito sua colocação. A representante do Governo tem uma audiência marcada e convida vocês para estarem juntos. O.k.? (Palmas.) O SR. MAURÍCIO TERENA - Obrigado, Secretária... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Valeu, Secretária! O SR. MAURÍCIO TERENA - ... pelo convite. Nós estaremos lá. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora, passamos a palavra para a Diretora do Departamento de Gestão Socioambiental e Povos e Comunidades Tradicionais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Por favor, querida, Dra. Claudia Regina Sala de Pinho. A SRA. CLAUDIA REGINA SALA DE PINHO - Grata, Senador. Está funcionando? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Acendeu o verde. A SRA. CLAUDIA REGINA SALA DE PINHO (Para expor.) - Grata, Senador Paim. Trago os cumprimentos da nossa Ministra Marina Silva e da nossa Secretária Edel Moraes. Gostaria de cumprimentar a mesa e os parentes indígenas. Sou uma mulher da ancestralidade guató, do Pantanal de Mato Grosso, então cumprimento os parentes terena. Cumprimento também todas as mulheres e não mulheres aqui presentes e digo da minha alegria em estar nesta mesa, compondo esta mesa, o que, para mim, é uma honra, já que eu venho do movimento social e agora estou, institucionalmente, como Diretora, somando os esforços nessa Secretaria de Povos e Comunidades Tradicionais. Fico muito honrada pelo convite. O Senador, historicamente, tem a luta das ditas minorias, mas somos a maioria neste país. Em muitos espaços, assim como disse o parente Eriki, não tem como a gente tirar a nossa identidade e deixá-la de lado, porque isso faz parte do nosso ser e da nossa própria vivência. (Palmas.) Neste espaço institucional, esse posicionamento de ser contra o marco legal vem no sentido de reforçar até mesmo a existência do próprio Ministério do Meio Ambiente. Não dá para falar de conservação, de proteção ambiental se não falar no fortalecimento das pessoas que contribuem e dos grupos que ali estão. Então, nós estamos falando de um Brasil pluridiverso, de um Brasil, que, só de povos e comunidades tradicionais, já tem uma nação imensa, porque são mais de 300 povos, mais de 200 línguas. Então, nós estamos falando de um país que, constitucionalmente, reconhece, mas que ainda precisa avançar muito nesse reconhecimento do que é essa grande diversidade, do que compõe a nossa nação brasileira. |
| R | Em se tratando do Ministério do Meio Ambiente, a nossa Ministra tem se posicionado e tem elencado como que essa temática do marco temporal também reforça a violação de direitos de outros grupos, a partir do que está sendo discutido do marco temporal. Então nós temos, dentro do Ministério do Meio Ambiente... Muito recentemente, nós recebemos o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, que teve a sua reunião em junho, e esse conselho tem uma representação com os povos indígenas e quilombolas de mais de 28 autoafirmações neste país, reconhecidas pelo Decreto 6.040, que o Presidente Lula afirmou em 2007. Esse reconhecimento é um reconhecimento do Estado brasileiro de que esses direitos que estão na Constituição, nesse arcabouço jurídico que dá toda a resistência e permanência no território para os originários, também são um marco no qual os outros grupos se afirmam, nessa resistência de continuar existindo, de continuar compondo essa diversidade do país. Então, quando nós falamos do marco temporal, o tempo, para os povos indígenas e para os outros povos e comunidades tradicionais, é o nosso amigo. E o próprio fato de se ter um marco temporal coloca como se o tempo fosse o nosso inimigo, em se tratando do aspecto jurídico, em se tratando do aspecto social da composição desses grupos. O tempo, nesse sentido, vem para reforçar que existe um período no qual os povos indígenas devem ter marcada a sua presença, como se isso fosse um período em que, juridicamente, se tem o marco de 1988, da nossa Constituição, mas isso transcende a existência. A existência humana, a existência socioambiental transcendem o marco de tempo, transcendem um marco da existência, até mesmo com essa identificação de povo indígena, porque eu venho do Pantanal de Mato Grosso antes de estar em Brasília - e me congratulo com a fala do parente de que a gente tem para onde voltar, e espero que a gente tenha mesmo, enquanto um povo ou uma comunidade tradicional - e sempre digo que estar em Brasília é um período, e, aí, o tempo... A gente tem data para estar em Brasília nesse papel institucional, mas, antes disso, esse papel, enquanto sociedade, vem da identidade enquanto ser humano. |
| R | A própria identidade, enquanto povo indígena, para se identificar como um povo ou uma comunidade diferente da sociedade, isso vem pelos marcos e, muitas vezes, marcos jurídicos. Então, essa consciência - e digo isso a partir do meu pai, que dizia que antes a gente achava que era todo mundo igual e, de repente, começaram a nos dizer que nós éramos diferentes -, esse tempo é também marcado pelas posições jurídicas, o que transcende e perpassa também essas Casas, tanto o Senado quanto a Câmara dos Deputados. E, enquanto Ministério do Meio Ambiente, o reconhecimento socioambiental se dá também por esses espaços, como o próprio Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais. É um espaço, hoje, em que a Ministra é a Secretária-Geral do Conselho, e tem enfatizado o quão importante é não discutir o meio ambiente sem discutir quem conserva, sem discutir os guardiões da biodiversidade, os guardiões socioambientais de todos os territórios brasileiros. Em todos os territórios, em todos os biomas, nós temos povos e comunidades tradicionais. Então, essa grande diversidade de grupos é que compõe a nossa sociedade. E, quando se atenta ao direito dos povos e comunidades tradicionais, mas especialmente dos povos indígenas, são marcos institucionais, marcos jurídicos para que o Brasil tem que se atentar, que também está violando, como a Convenção sobre Diversidade Biológica, como a Convenção 169 da OIT, nos quais se amparam os outros grupos que constituem esse país. Então, nós não estamos falando somente de um grupo que, por si só, tem essa grandiosidade, mas nós estamos falando também dos aspectos jurídicos a que o nosso país tem que responder internacionalmente e o quanto que isso fere os direitos de outros grupos que veem na luta indígena, tanto no aspecto social quanto jurídico, também um respaldo para continuar existindo. Nós estamos falando de grupos fragilizados que se seguram no Decreto 6.040, a partir da autodefinição e a partir do autorreconhecimento dos seus territórios, grupos que se encontram nessa situação de invisibilidade e de grupos que ainda estão buscando a luz nos aspectos jurídicos. Nós estamos falando de um país em que ainda é preciso se segurar, mesmo que a Constituição reconheça esses direitos, mas nós estamos falando de grupos que ainda precisam se segurar juridicamente para continuar existindo e continuar contribuindo no aspecto social, cultural e ambiental desse país. Então, só para finalizar, o Ministério do Meio Ambiente tem se colocado à disposição nesses debates, nessa contribuição, a partir do que é a sua competência. A sua competência é defender os aspectos socioambientais, e, na discussão de mudanças climáticas, na discussão territorial, ambiental, para que o Brasil cumpra os acordos internacionais, esse ministério tem grande contribuição e tem grande competência para continuar defendendo quem conserva os territórios tradicionais e quem contribui diretamente na mitigação climática e, principalmente, na sociedade em geral, que usufrui desses benefícios com que esses guardiões e guardiãs têm contribuído para o país. |
| R | Grata, Senador, pelo espaço, e grata por me ouvirem. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Claudia Regina Sala de Pinho, Diretora do Departamento de Gestão Socioambiental e Povos e Comunidades Tradicionais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Fez uma bela exposição, vinculando a essa luta toda do clima, que é a sua área. É Diretora e muito competente, muito preparada, como todos que aqui falaram. Agora eu vou passar para a Dra. Aléssia Bertuleza Tuxá - acertei agora -, advogada. A assessoria me informa que ela é a única Defensora Pública dos povos indígenas, a única originária dos povos indígenas - a única. Então, uma salva de palmas para ela! Que venham outras e outros! Antes de passar a palavra para a senhora, só para ordenar os trabalhos - nós temos tempo ainda e vamos usar todo o tempo aqui -, depois que ela falar, eu lerei, como é de praxe, todos os questionamentos que vieram. Tem questionamento para todo gosto e eu vou ler todos. Claro, como foi uma audiência muito concorrida, digo, à distância, principalmente, embora aqui também esteja lotado, o e-Cidadania selecionou alguns com ponto de vista diferente. Nunca vieram tantas perguntas, apoiando e também questionando, o que faz parte e é bom. Então, eu vou passar, agora, para a doutora e, em seguida, vocês, painelistas todos - o Dr. Antonio está ali firme -, terão três minutos, cada um, para as suas considerações finais e, se entenderem, responder algumas das perguntas. Se assim não entenderem, eu passo para a nossa secretária, para que responda depois, remetendo a todos, ou mesmo nós da Comissão nos defendemos bem, porque nós temos posição e responderemos à altura, mas combinamos aí. Então, por favor, neste momento, passamos a palavra à Dra. Aléssia Bertuleza Tuxá, que é advogada e Defensora Pública. A SRA. ALÉSSIA BERTULEZA TUXÁ (Para expor.) - (Pronunciamento em língua indígena.) Senhoras e senhores, como se diz na língua do meu povo, dzubukuá: bom dia a todos e a todas. Senador, em primeiro lugar, eu gostaria de cumprimentar o senhor, agradecer pela iniciativa e parabenizá-lo, não só por esta audiência pública, mas por honrar a função constitucional que o senhor exerce nesta Casa Legislativa. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Obrigado. A SRA. ALÉSSIA BERTULEZA TUXÁ - Por isso, não falo só pela matéria, que tanto me interessa enquanto indígena, mas falo por aquela função que a Constituição diz que cabe aos nossos Legisladores: representar os cidadãos deste país. Parabéns por fazê-lo com excelência! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Ela está cutucando todos os Parlamentares! (Risos.) Representem o que a Constituição os assegurou! A SRA. ALÉSSIA BERTULEZA TUXÁ - Bom, eu sou Aléssia Tuxá. Eu sou tuxá e pertenço ao povo indígena tuxá de Rodelas, que fica lá no Sertão da Bahia. Eu sou Defensora Pública do Estado da Bahia, com muito orgulho, mas também sabendo da minha responsabilidade, porque carrego o fardo de ser a primeira indígena Defensora Pública deste país, com a certeza de que, em breve, não serei a única. Como Eriki e Maurício falaram aqui, ocupamos esses espaços, hoje, nós estamos aqui nesta mesa e ocupamos vários outros espaços, porque nós somos fruto da luta de muita gente que nos antecedeu. Eles têm Eloy como referência e eu vivi, na semana passada, um momento mágico. Recebemos, lá na Bahia, a Ministra Sonia Guajajara e a Presidenta da Funai, a Dra. Joenia Wapichana, que foi a minha primeira referência. Quando a gente fala sobre representatividade, a primeira imagem que eu tenho é da Dra. Joenia, no STF, de cocar, fazendo uma sustentação no caso Raposa Serra do Sol. |
| R | E, hoje, quando eu vejo os meninos fazendo esse mesmo papel, dá aquela sensação de que o coração fica quentinho, a gente está no caminho certo, a gente está honrando quem veio antes de nós (Palmas.) mas, principalmente, a gente está fazendo a nossa parte para quem vem depois. Senador, eu queria dizer que, ao ter ficado ali antes de vir para a mesa principal, o senhor me proporcionou uma felicidade que o senhor nem imagina. O senhor não sabe, vendo de frente, como esta mesa está bonita. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Obrigado, Bertuleza, em nome de toda a mesa. A SRA. ALÉSSIA BERTULEZA TUXÁ - Eu que agradeço ao senhor. Eu falo sobre Dra. Cláudia e peço licença aos senhores para enaltecer, principalmente, os parentes. É muito bonito ver este momento acontecer, ver uma mesa da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, tratando sobre o marco temporal para povos indígenas, repleta de indígenas. É aquilo que eu falei: a gente está andando, a gente está avançando, a gente está no caminho certo e, apesar dos ataques serem históricos e constantes, a gente está resistindo. E, falando sobre marco temporal, é inevitável falar sobre resistência. Mas a resistência, quando nós falamos aqui, não é só aquela que as pessoas imaginam no sentido mais físico de ser. Acho que uma das maiores demonstrações de resistência que nós temos hoje, dos povos indígenas, é esta mesa. Antes, quando nós falávamos sobre a defesa dos povos indígenas, nos espaços judiciais, no sistema de justiça, a gente sempre falava sobre a advocacia indigenista, pessoas não indígenas que se dedicavam à defesa da causa. Hoje, nós falamos sobre advocacia indígena, nós falamos sobre nós, os indígenas, que estamos ocupando o sistema de justiça para nos defender, para nos representar, para nos posicionarmos contra o marco temporal e convocarmos também os não indígenas a fazê-lo. Inclusive, aqui já deixo registrado um convite aos demais Senadores, que não estão participando presencialmente, mas que terão acesso à gravação, para refletirem sobre o tema, porque, infelizmente, o PL n° 490 passou na Câmara dos Deputados muito confirmando aquela proposta, que nós ouvimos muito no governo passado, de fazer a boiada passar. A ideia era fazer a boiada passar e a Câmara dos Deputados, infelizmente - eu digo isso com muito pesar no coração, porque eu tenho muito carinho pelos Poderes da República, eu sei da importância deles numa democracia -, infelizmente, nesse recorte histórico, naquela noite fatídica, a Câmara dos Deputados, esse espaço tão essencial à democracia, que, por tantas vezes, foi tão útil à legitimação, à sustentação e à própria consolidação da democracia neste país, teve um dia negativo, teve um momento triste na sua história: permitiu que a boiada passasse. Mas a boiada, quando passa, ela não passa só arrebentando a porteira; ela passa, em se tratando de marco temporal, com a pretensão de pisotear nosso solo sagrado, de pisotear a nossa ancestralidade, de passar por cima da nossa história. Ela passou lá, mas aqui ela não vai passar. (Palmas.) E ela não vai passar aqui porque nós estamos vivendo em um Estado democrático. Quando nós falamos sobre democracia - e os parentes que falaram antes trouxeram isso de uma forma muito clara -, é complicado falar sobre democracia, trazendo pela essência do significado da palavra, como forma de governo que vem do povo quando esse povo não é representado, quando esse povo não é ouvido. Mesmo tratando-se de uma democracia representativa, é necessário que haja efetivamente representatividade. E haver representatividade significa ter representantes de todos os segmentos que compõem a sociedade brasileira em todos os espaços de decisão, em todos os espaços de poder. Não dá para nós termos um projeto de lei tão sério, cuja inconstitucionalidade é inquestionável... Eu vou falar sobre isso depois, mas, falando do ponto de vista substancial, da matéria de que trata, da repercussão que gera, não dá para nós termos um projeto de lei desse naipe, prestes a ser votado, sem estar sendo discutido amplamente com a sociedade civil. (Palmas.) O Brasil é signatário da Convenção n° 169 da OIT. Entre outras obrigações, ele assumiu o dever de realizar consulta prévia dos povos indígenas sempre que estiver tratando sobre empreendimentos, sobre matérias que repercutam diretamente sobre esses povos, sobre nós. |
| R | Ora, o que mais vai repercutir sobre nós do que a definição sobre se nós temos ou não direito ao nosso território ancestral? E aqui um esclarecimento: quando se fala - aqueles que defendem, enfim, por razões pessoais, individuais e capitalistas - na aprovação do marco temporal e que se busca assim tirar leite de pedra para defender a viabilidade desse projeto, a gente precisa chamar atenção para o seguinte, que o fazem, sobretudo, sobre o argumento da propriedade, da defesa do direito à propriedade. Mas é preciso esclarecer primeiro o que é que está em confronto aqui. Esse direito à propriedade - suposto direito à propriedade individual - estaria, então, confrontando com o direito ao vínculo ancestral ao território. Mas, olhem, é uma questão de anterioridade. Se nós entendermos, e aqui entrando nos dois principais argumentos que eu carrego quando tratamos sobre a inviabilidade do andamento da aprovação desse projeto de lei, o absurdo, a aberração jurídica que é o marco temporal, é porque ele tem, além de vários outros, dois principais pontos que são absurdos e que eu gosto de focar, seja do ponto de vista jurídico, seja do ponto de vista histórico. Primeiramente, do ponto de vista histórico, estabelecer como marco temporal 5 de outubro de 1988 chega a ser risível imaginar que nós, povos originários - que estamos aqui muito antes de se inventar isso que hoje se chama Brasil - só vamos ter direito ao nosso território sagrado se, e somente se, comprovarmos que, na tarde ensolarada de 5 de outubro de 1988, quando Ulysses Guimarães disse que a Constituição cidadã estava aprovada, nós estávamos lá. Se não estivéssemos, não temos esse direito. Salvo, salvo, e aí vem a figura do renitente esbulho, se ficar comprovado que não estávamos lá por motivo de força maior, porque tínhamos sofrido expulsão. Mas o que é a história deste país se não o eterno expulsar dos povos indígenas dos seus territórios? Um eterno resistir para poder continuar existindo. Não faz sentido. E, quando eu falo que, do ponto de vista histórico, não se sustenta, é porque, senhoras e senhores, a história, a nossa história, não é que ela não começa em 1988, é que ela não começa nem em 1500. Esse recorte temporal que se faz nos livros didáticos, como uma tentativa de apagamento da nossa história, já de forma a legitimar esse paradigma assimilacionista que vigeu no Estado brasileiro até o advento da Constituição Federal de 1988, é absurdo. Não tem sentido. Eu sei que todos nós... Infelizmente, eu não sou tão nova para ser do tempo da educação escolar indígena diferenciada, consagrada, como nós temos hoje, eu me orgulho muito, eu venho da escola convencional, eu estudei em escola tradicional, eu estudei nos livros didáticos que diziam que os índios estavam aqui quando as caravelas chegaram. E, aí, você tem essa lacuna na história, nós sumimos, somos assimilados, provavelmente, ou morremos, e voltamos agora ocupando esses espaços. E, quando nós voltamos, nós causamos o estranhamento na população. É indígena e tem iPhone? É indígena e está bem vestido? É. Sou. Sabe por quê? Porque, infelizmente, esse processo de colonização, esse violento processo de colonização, não foi uma escolha minha. Eu fui submetida a ele e as consequências nefastas dele chegaram para mim. Por que as consequências tecnológicas não chegariam também? E outra coisa, quando nós falamos sobre isso, nós falamos também sobre a ocupação desses espaços. A escola, que tradicionalmente foi esse espaço de catequização, de tentativa de adestramento dos indígenas, hoje é a principal ferramenta que nós temos de empoderamento dos nossos povos, de formação das nossas lideranças. Nós fomos... (Soa a campainha.) A SRA. ALÉSSIA BERTULEZA TUXÁ - ... submetidos, por muito tempo, à lei dos brancos, à lei dos europeus. Esse sistema de justiça, quem tem mínimo conhecimento de criminologia sabe que Nina Rodrigues, uma grande expoente criminológica aqui no Brasil, dizia que a figura do delinquentinho, o delinquente típico, pelos padrões físicos, no Brasil corresponderia, Senador, à figura do indígena e do negro. É muito pesado isso. |
| R | Isso permanece hoje ainda no inconsciente da nossa população. Os dados do sistema carcerário comprovam isso. Mas nós nos apropriamos desses espaços também. Nós ocupamos o sistema de justiça e estamos aqui hoje falando em nome próprio, defendendo o nosso povo, defendendo a nossa luta. Historicamente, não se sustenta porque até o livro didático mais... Deixa eu usar uma palavra que não fira o decoro. Mais, assim, mal-intencionado reconhece que nós já estávamos aqui quando esse processo de exploração começa. Por mais que não se conte a nossa história, por mais que tentem apagá-la, nós já estávamos aqui. Não faz sentido (Palmas.)... Não faz sentido tratar de outra forma. Antes de ser Brasil, isso aqui era aldeia. E, do ponto de vista jurídico, a aberração chega a ser gritante. Notem. O art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias diz que o Estado brasileiro, no prazo de cinco anos, concluiria a demarcação das terras indígenas. A Constituição é de 1988. Mais cinco, em 1993 todas as terras deveriam estar demarcadas. Cinco anos. Chegamos a 2023, 35 anos depois, com processos de demarcações parados, não iniciados, travados, estamos aqui discutindo se temos ou não direito ao território. É cruel essa tentativa de legislar, de legitimar a violência histórica contra os povos indígenas. É uma tentativa de legalizar o absurdo. É uma tentativa de, por meio de lei, esvaziar um direito constitucional, dizendo assim: veja só, Estado brasileiro, nós, legisladores, que ocupamos a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, durante esses 35 anos fomos incapazes de cumprir a obrigação que a Carta Maior nos deu. Agora vamos cumpri-la, vamos montar uma força tarefa para suprir essa lacuna? Não. Vamos tentar esvaziar esse direito. Nós não tivemos competência. O projeto de lei que trata sobre o marco temporal, e é com todo o respeito aos legisladores deste país, nada mais é do que uma declaração expressa daqueles que são coniventes com isso da seguinte forma. É uma forma de dizer expressamente: nós não fomos capazes de, em 35 anos, cumprir a Constituição. Nós não fomos capazes de, ao longo de 35 anos, assegurar um direito que estava previsto lá. E agora, como nós temos interesses maiores, interesses superiores àquelas obrigações que a Constituição nos atribui, nós vamos fazer o quê? Tentar esvaziar esse direito. É um atestado de burrice a defesa do projeto de lei que trata sobre o marco temporal. É um atestado de autoburrice muito grave, mas acima de tudo é uma manifesta má-fé, um manifesto insulto à inteligência do povo brasileiro, que deveria se sentir representado por este Congresso. Para além disso, considerando que historicamente não há sentido essa limitação, juridicamente não tem sentido essa restrição porque não é isso que a Constituição diz. Não é só que a Constituição não estabelece o marco, é que ela estabelece outro marco. E não é de modo negativo, não é de modo restritivo aos povos indígenas. Esse marco era uma obrigação aos nossos legisladores e não foi observado. Para além de tudo isso, nós temos o fato de estarmos diante de uma cláusula pétrea. Ora, nós vamos agora, por uma lei ordinária, por um ato normativo inferior, alterar, esvaziar um direito constitucional que, como a Deputada bem lembrou, nós não poderíamos fazê-lo nem por meio de norma constitucional, de igual hierarquia. Não, nós não podemos fazer isso. Eu espero que esta audiência, Senador, seja ouvida pelos outros Senadores, sobretudo por aqueles que ainda não compreenderam toda a obviedade do absurdo desse projeto de lei. |
| R | E aqui, como foi lembrado pelo parente, eu venho da Bahia. Embora seja muito bonito dizer, como no slogan de uma determinada cidade lá, que o Brasil começou na Bahia - é bonito, soa romântico, como tudo o que trata sobre povos indígenas na literatura desse país, é também pesado. Dizer que a invenção do Brasil começou pela Bahia significa dizer que as invasões começaram por lá, a violência começou por lá. Significa dizer que hoje, quando a gente impugna um edital que trata sobre concurso para professores indígenas, para que exija o domínio da língua materna, é porque a gente reconhece que a nossa língua materna está em processo de resgate na maioria dos povos da Bahia e é uma forma de dizer: "Olhe, nós estamos resistindo, mas a gente sofreu muito ao longo desses anos." E a gente ainda sofre, porque as caravelas chegaram lá no final do século XV e início do século XVI, mas elas continuam passando até hoje. Elas passam, por exemplo, quando, em setembro do ano passado, Gustavo Pataxó, com 14 anos, foi assassinado - foi assassinado num processo de retomada territorial. Mas vejam que, apesar de a mídia anunciar muito à época que se tratava de uma invasão de supostos indígenas a uma fazenda privada, não foi assim. Sabe por quê? Porque aquilo é território indígena. Aquilo é terra indígena Barra Velha. Aquilo é terra indígena que está pendente de demarcação. É processo que está tramitando na Funai. É terra indígena. E, se tivesse sido observada a Constituição e tivesse sido demarcada no prazo de cinco anos, não teria tido essa morte. Mas não foi só a de Gustavo. Depois, agora em janeiro, eu tive o falecimento de Inauí e de Samuel. Então, assim, no intervalo de menos de seis meses, eu tive três parentes tombados por falta de demarcação territorial. (Palmas.) Se a gente fala muito sobre tentativa de reparação histórica, sobre políticas afirmativas, a tese do marco temporal vem no sentido exatamente oposto: ela vem como uma tentativa clara de legitimar toda a violência ilegal que foi realizada contra os nossos povos. Mas toda violência só fala sobre território. Pois é, mas nosso vínculo com o território é sagrado. Nossa ancestralidade decorre dele. Não estar hoje no meu território - inclusive o meu povo está em processo de autodemarcação também - não significa dizer que eu perco a minha ancestralidade. Ter domínio de outro idioma não significa dizer que eu perco o vínculo com o meu povo, mas significa que a luta por esse território, a eterna luta por esse território, até um dia haver a efetiva consagração desse direito, é o que nos move, é o que nos mantém. E a aprovação do PL do marco temporal não vai acontecer. Vamos ser sinceros, não vai acontecer. Tenhamos bom-senso e fé na humanidade: não vai acontecer! Mas, se acontecesse, seria uma forma de o Estado brasileiro, por meio do seu Poder Legislativo, um Poder Republicano dizer: "Erramos desde o início da construção desse país. Continuamos a errar: em vez de tentar corrigir, vamos jogar mais uma pá de cal." Só que não nos acabaram com a invasão, não conseguiram nos destruir com a invasão, não conseguiram nos destruir com a política assimilacionista, que vigeu neste país até 1988 e não vão conseguir agora, sob a égide da Constituição de 1988, porque nós estamos aqui e nós vamos continuar resistindo. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Olha, eu vou acompanhar o Plenário. E eu dei 20 minutos para ela, hein! Se desse mais... (Palmas.) Parabéns, Doutora! Deu orgulho de ouvir viu! (Pausa.) |
| R | Como eu estou com 73 aninhos, este vai ser meu último mandato, porque acho que temos uma renovação para fazer. Eu confesso que esta audiência pública, inventaram de escrever minha autobiografia, vou colocá-la dentro na íntegra e, quem sabe, quando alguém lê-la no futuro, terei muito orgulho de dizer que ela ajudou a derrubar esse marco temporal. (Palmas.) Que Deus nos ouça lá no alto. Logo, eu cumpro o dever de ofício de fazer as leituras das perguntas, e os senhores e senhoras terão depois três minutos cada um para as considerações finais ou para responder alguma pergunta, se assim o entenderem. Alberto Frega, do Rio de Janeiro: "Os povos originários estão nestas terras antes de o Brasil existir. Assim, o marco temporal dos povos originários é anterior ao ano de 1500". João Batista, do Mato Grosso do Sul: "Uso de terras indígenas aumentará o conflito, a degradação ambiental e irá retirar o pouco que ainda resta aos povos originários". Gabriel Henrique, do Distrito Federal: "O marco temporal não leva em conta a expulsão forçada e a violência sofrida pelos povos indígenas [...]". Aline Bogoni, de Santa Catarina: "Sim ao marco temporal para a segurança de agricultores e indígenas. Precisamos assegurar o direito constitucional à propriedade". Oscar Juliano, de Goiás: "O marco temporal é duvidoso, pois pode ser utilizado para fins de interesses de alguns, além de poder gerar conflitos por oportunistas". Allen Gadelha, do Amazonas: "O marco temporal é o critério mais justo e apropriado para novas demarcações ou então viveremos nessa eterna insegurança jurídica no campo". Gabriel Rodrigues, de Santa Catarina: "Eu sou contra o marco temporal por violar os direitos dos povos indígenas. Na minha opinião, o marco temporal é inconstitucional". Aldenira Vieira, do Maranhão: "O marco temporal deverá garantir o direito à terra de quem é de direito. Precisa ficar claro na lei. Respeitar o direito de propriedade". Allan Azevedo, de São Paulo: "A riqueza é a própria floresta. Mantenha nela o povo que a preserva de fato: os povos originários". Lucas de Barros, de Sergipe: "Existe uma projeção dos impactos que a aprovação desse projeto irá causar nas comunidades indígenas nos próximos anos?". Mayra Dias, do Rio de Janeiro: "Como garantir a proteção das populações indígenas e, consequentemente, do meio ambiente após esse retrocesso inconstitucional?". Daniel Melo, do Paraná: "Quais são os riscos ambientais decorrentes do marco temporal e qual o impacto para a conservação dos recursos naturais e dos ecossistemas?". Maria Antônia, do Espírito Santo: "Extinção dos povos originários e ribeirinhos, poluição e desgaste do solo e rios, desertificação. Quem se responsabilizará?". Ana Pessoa, de São Paulo: "Qual ator social o marco temporal irá beneficiar? Por que depois de 36 anos o direito originário a terra está sendo questionado?" |
| R | Anderson Paula, do Rio de Janeiro: "O marco temporal não leva em consideração a retirada forçada de território, como aconteceu com o povo krenak. Como protegê-los?". José Augusto, de São Paulo: "O marco temporal atende ao futuro da preservação da natureza do planeta? [E bota um ponto de interrogação.] Essa mesma tese atende a quem da nação brasileira? [Ponto de interrogação]". Saulo Carlucci, de São Paulo: "Quais são as projeções após quatro anos de programa? Temos estrutura para cobrir todo o território nacional onde há carência dos povos originários?". André Lucas, do Rio de Janeiro: "Qual a importância do desenvolvimento desse projeto e em quais esferas ele pode suprimir ou aliviar danos e marcas deixadas pelo passado?". Por fim, Marcelo Ayub, do Rio Grande do Sul: "Mais de 200 terras indígenas estão na fila para serem demarcadas atualmente. Isso seria levado adiante com a aprovação do marco temporal?". Flávia Goes, de Sergipe: "O não reconhecimento das terras indígenas, antes da Constituição de 1988, afetaria as nossas relações comerciais e internacionais?". O que ela está dizendo é que a aprovação do marco temporal vai ter, inclusive, consequências a nível internacional que afetam o meio ambiente, estou apenas simplificando aqui. Daniela Priscila, de São Paulo: "Quais os benefícios reais e efetivos que o marco temporal pode promover para a população brasileira e para a preservação do meio ambiente?". Também deixou um ponto de interrogação. Maira Lana, do Rio de Janeiro: "A quem o marco temporal beneficia?". De novo, um ponto de interrogação. Nelson Bertarello, de São Paulo, perguntou se, apesar de ocuparem apenas 13,8% do território brasileiro, os povos originários impedem a prosperidade do agro. Ele está questionando o agro. Ricardo Castro, do Rio Grande do Sul: "O marco temporal já não tinha sido estabelecido? O que será diferente desta vez? Haverá direito de venda, então? E o direito aos minerais do solo?". Ele faz uma série de questionamentos. Muito bem, cumpri minha obrigação. Parabéns ao e-Cidadania, que fez uma seleção buscando um certo equilíbrio, mas o equilíbrio que eles fazem... Porque a ampla maioria é contra o marco temporal, então, eles, proporcionalmente, fizeram que chegasse à minha mão. Agora nós vamos às considerações finais. Chegou o seu momento outra vez, Dr. Antonio Cerqueira de Oliveira, Secretário-Executivo do Conselho Indigenista Missionário. Agradeço muito ao Cimi e a V. Exa., que cedeu o seu espaço na mesa para que a gente pudesse ouvir o representante oficial do Governo, representando aqui a Ministra dos Povos Indígenas. O tempo é seu, mas, na hora da foto, eu quero o senhor aqui conosco outra vez. Por favor, três minutos, se possível, mas, se alguém passar um ou dois, fazer o quê? Eu vou dizer que sim. Tem uma frase que muitos dizem: "Manda quem pode [e eu mudei a frase] e obedece quem [é inteligente]". O SR. ANTONIO EDUARDO CERQUEIRA DE OLIVEIRA (Para expor.) - Senador, agradeço mais uma vez e parabenizo por esta iniciativa, parabenizo a toda a mesa e a todos os presentes. Quero dizer da importância desta discussão aqui nesta Casa sobre os direitos dos povos indígenas. Solicito, mais uma vez, o apoio desta Comissão, desta Casa no julgamento que deverá ser retomado no Supremo Tribunal Federal no mês de agosto. Vamos fazer força para que ele o retome, porque ali é um local estratégico de discussão dos direitos dos povos indígenas no Brasil. A tese do marco temporal disputada hoje no Supremo Tribunal Federal vai ter impacto nesta Casa e acreditamos que lá é um espaço estratégico e extremamente importante na disputa desses direitos dos povos indígenas. |
| R | Segundo, quero fazer um pequeno histórico. Eu, em 1994, atuando no sul da Bahia, tive contato inicial com o povo tupinambá. Eram conhecidos como Caboclos de Olivença e viviam no interior, lá, de uma região chamada Acuípe. Viviam em trabalho semiescravo nas fazendas. A gente sempre ouviu falar em Caboclos de Olivença e aí eu fui lá, com D. Nivalda, a Motara e D. Lourdes, e, chegando lá - demoramos quase um dia para chegar -, chegando lá, naquela localidade, todos se escondiam com medo. E aí, aos poucos, a gente foi mantendo contato com eles e eles nos perguntaram se, se eles retomassem a sua identidade enquanto índios, se seriam assassinados, porque tinha todo um histórico de assassinato e de violência contra eles. E aí a gente começou a conversar da luta dos povos indígenas no Brasil, eles foram se motivando e, na conferência indígena realizada no ano 2000, eles nos pediram, dizendo que queriam participar. A gente, então, alugou um ônibus e eles foram. E lá eles desfraldaram uma faixa, dizendo: "Nós estamos aqui. Nós existimos", já como povo tupinambá e não mais como Caboclos de Olivença. (Soa a campainha.) O SR. ANTONIO EDUARDO CERQUEIRA DE OLIVEIRA - E aí, hoje, a gente vê e coloca aqui, com grande satisfação, que o manto tupinambá está de volta. O manto, lá do século XIV, do século XV, que foi preservado lá no museu da Dinamarca, está de volta. Vai voltar para o Brasil e vai ficar no Museu Nacional, lá no Rio de Janeiro. Então, como é que se vai aplicar um marco temporal a esse povo? Um manto, um manto ritualístico, um manto sagrado, vamos dizer. Isso é a história dos povos indígenas no Brasil. É a própria história dessa retomada e, ao mesmo tempo, dessa resistência. Agradecemos muito ao Governo da Dinamarca por ter preservado essa relíquia e essa história. Se estivesse no Brasil, talvez, já tivesse desaparecido, mas está lá. E está de volta ao Brasil. Também queremos pedir o apoio desta Casa para fazer carga junto à AGU para revogar o Parecer 001, porque o Parecer 001, da AGU, já aplica o marco temporal e o aplicou contra os tupinambás. O Moro devolveu a portaria declaratória... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Se me permite, eu já peço à Secretaria da Comissão que providencie a sua solicitação. Isso é o que eu digo que é manda quem pede e obedece quem é inteligente. Eu me considero inteligente e, obedecendo à orientação de toda esta Mesa aqui, vou levar essa visão para o Plenário. Então, eu já peço à Secretaria, e eu farei um documento atendendo à sua solicitação. |
| R | O SR. ANTONIO EDUARDO CERQUEIRA DE OLIVEIRA - Faço isso pela gravidade da situação, porque nós estamos vivendo um novo momento, um novo Governo, e não é possível a gente manter resquícios de Governos autoritários como o Governo Temer e o Governo Bolsonaro, que já estabeleceram um marco temporal a partir do próprio Executivo, das instâncias do Poder Executivo. (Soa a campainha.) O SR. ANTONIO EDUARDO CERQUEIRA DE OLIVEIRA - Quero dizer ao pessoal que nos escreveu que o problema do marco temporal não é um problema, que ele não causa insegurança jurídica. O que causa insegurança jurídica é a grilagem de terras no Brasil. E isso, há séculos, vem sendo escamoteado. Quando os ruralistas colocam a questão da tese do marco temporal é para esconder os seus delitos e para esconder essa grilagem de terra. Quem é lá da Bahia, como a doutora Aléssia, que está ali, sabe o que acontece na região oeste da Bahia. Inclusive, o Desembargador, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia já foi preso por contribuir nessa grilagem de terras. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dr. Antonio Eduardo Cerqueira de Oliveira, Secretário-Executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que fez, nas suas considerações finais, apontamentos importantíssimos. Eu pedi que a Secretaria da Mesa providencie para eu assinar e encaminhar. O.k.? Passo a palavra, agora, à Dra. Eunice Kerexu, Secretária de Estado da Secretaria de Direitos Ambientais e Territoriais Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, que já fez uma fala brilhante e está sendo convocada para as suas considerações finais. A SRA. EUNICE KEREXU (Para expor.) - Mais uma vez, quero agradecer por este espaço. Eu acho que a gente teve, no dia de hoje, esse diálogo, que deveria acontecer em todos os momentos quando a gente vai decidir direitos. Queria trazer aqui sobre... Quero trazer aqui, da fala da Dra. Aléssia Tuxá, nosso parente lá da Bahia, onde começa o Brasil... Eu costumo falar muito sobre essa questão de onde as caravelas começam a chegar nesse lugar. Nesse contexto histórico da Mata Atlântica, que é o nosso território, que é por onde a gente passa, relacionando com as perguntas e de onde elas vieram, é muito nítido que esse território, que a nossa floresta da Mata Atlântica, vem como o cinturão de proteção das demais florestas, porque a resistência, tanto da floresta quanto dos povos indígenas, teve toda, desde 1500, essa resistência da proteção dos territórios, dos demais biomas. Tanto que o clamor, hoje, vem desse olhar da exploração da Amazônia e desses outros lugares onde ainda restam esses recursos, essas riquezas naturais, com a mesma intenção de devastação que fizeram com a nossa floresta atlântica. |
| R | E aí eu queria trazer aqui também um pouco da nossa história, a intenção de Pero Vaz de Caminha, quando chega aqui e escreve nas suas cartas, sobre o território que ele encontra aqui: um território abundante, com muitas plantas, com muita alimentação, com muitas árvores, com muita riqueza. E aí, ao decorrer do tempo, ele muda um pouco essa história. Ele fala que os indígenas, que as pessoas que aqui estão são pessoas - como que fala? Ai, gente, fugiu a minha palavra. Qual que era o termo? São pessoas, não são nativos, são pessoas que estão aqui, mas ele tenta falar que são pessoas violentas, são pessoas que não têm discernimento, são da mesma forma que os animais, não é? (Soa a campainha.) A SRA. EUNICE KEREXU - E, a partir dessa ordem que é dada para a sociedade, para que matem os povos indígenas, quando eles falam sobre os povos que estão aqui, que não têm lei, que não têm rei e que não têm deuses, considerando como vegetais, como outros seres, que para nós são tão importantes quanto nós, não é? Então, assim, a Constituição Federal vem para garantir os nossos direitos, ela é construída, não é? Como nós temos aqui o Senador, que participa dessa Constituição, que são as pessoas que estão nesse espaço, mas que os povos indígenas vêm para garantir essa questão dos direitos. E aí, o que eu vejo hoje é muito medo. Medo do quê? Hoje, como bem colocado aqui pela nossa Doutora, nós estamos aqui nesse espaço, e o medo é muito grande. E aí, quero trazer também uma crítica a esse medo. Nós, povos indígenas, tivemos que vir de todo esse histórico de violência para chegar aqui, em cima dessa tribuna, hoje, para falar sobre direitos, para falar na língua técnica dos não indígenas, dos portugueses que nos colocaram aqui nesse lugar. E por que não hoje a sociedade fazer, no mínimo, um esforço de entender o nosso modo de vida? Então, o que eu quero dizer, assim, é que nós hoje, nesse lugar que estamos ocupando, poderíamos chegar aqui e fazer a cobrança da reparação histórica sofrida pelos povos indígenas. Mas nós estamos aqui para dizer que nós estamos solicitando da sociedade que se some a essa luta, porque a destruição da vida não é só dos povos indígenas; é de todos os seres. E nós necessitamos caminhar juntos e fazer esse entendimento do direito à vida. (Palmas.) E aí quero dizer, assim, que nós temos essa capacidade e a gente precisa evoluir. Nós, povos indígenas, evoluímos em todos os sentidos, mas a sociedade precisa evoluir. E aí, trazendo essa resposta da tese do marco temporal, dentro da pergunta que foi colocada, se ela já não foi aprovada. Não. Não foi aprovada a tese do marco temporal. E aí, muito cuidado da sociedade, que não entende essa questão do direito, porque muitas vezes são colocadas como estratégia as invasões dos nossos territórios quando se faz a sociedade acreditar... (Soa a campainha.) A SRA. EUNICE KEREXU - ... que tem o direito de fazer a invasão, a mineração e a exploração. E que não é ainda, não foi e não é válido. E não vai ser, porque nós estamos aqui. Independentemente do que for aprovado ou não, nós vamos fazer essa resistência e não vamos deixar passar a boiada e pisotear nossos territórios. Obrigada. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem, querida Dra. Eunice Kerexu, Secretária de Estado da Secretaria de Direitos Ambientais e Territoriais do Ministério dos Povos Indígenas. Muito bem. Representou, com muita competência, com muita qualidade, com muita coragem, com muita firmeza, a Ministra. Nem sempre... Eu entendo que os ministros e as ministras não podem estar em todos os lugares ao mesmo tempo, mas é preciso ter assessores preparados e assessores que ocupem cargos importantes dentro do ministério, como é o caso de V. Exa. Por isso, minha salva de palmas aqui à Ministra e a V. Exa. (Palmas.) Eriki Terena, representante da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas. O SR. ERIKI TERENA (Para expor.) - Eu fiquei muito feliz com as perguntas. Quero agradecer a quem participou de forma online. A gente vê, através dessas perguntas, que as pessoas querem conversar sobre esse tema, que elas têm curiosidade. E, na pesquisa do Senado, inclusive, sobre o PL 2.903, o marco temporal é rejeitado, o PL 2.903 é amplamente rejeitado. Então, as pessoas querem conversar sobre isso. E o poder que a educação nos deu vai nos fazer voltar aqui quantas vezes forem necessárias, Senador, para poder esclarecer. E que o nosso ponto de vista e o ponto de vista dos nossos povos sejam ouvidos. Tem quatro perguntas que eu queria responder antes da minha consideração final. Na primeira, foi perguntado o impacto da aprovação do PL 2.903, do marco temporal nos territórios. Esse impacto não precisa da aprovação, já está acontecendo. No mesmo dia em que o PL passou na Câmara dos Deputados, a gente já teve violência, já teve assassinatos, já teve muitas violências nesses territórios. Então, se passar este PL aqui também, o genocídio de que a gente tanto fala - e, por isso, estão tentando cassar as Deputadas, estão quase cassadas pela vontade do PL, mas não vão conseguir - é justamente por causa disso. O genocídio que vai acontecer nesses territórios é imensurável. Então, essa é a realidade. Os impactos já estão acontecendo. É por isso que a sociedade civil precisa se sensibilizar com essa causa. A segunda pergunta que me chamou muita atenção é sobre de quem o PL 2.903 atende aos interesses. O PL 2.903, o marco temporal, atende aos interesses dos únicos que foram ouvidos. O PL 2.903, que era o PL 490 na Câmara, não teve escuta dos povos indígenas e, então, não pode representar e não pode ser bom para nós. Quem foi ouvido é quem está lá, são os representantes de... Quem está lá... A maioria dos Deputados que estão lá e que votaram "sim" faz parte hoje da Frente da Agropecuária. Então, isso já responde a quem este PL atende. E nós precisamos ser ouvidos, porque se trata dos nossos territórios. A terceira pergunta é sobre como o PL 2.903 pode impactar as demarcações das terras indígenas que virão, mas, no PL 2.903, abre-se o precedente para questionar as terras já demarcadas. Então, além de impedir, de criar uma mora do Estado em demarcar as que estão em trâmite, ele também vai dar o poder de rejeitar ou de questionar as terras já demarcadas. Então, esse é o risco do PL 2.903. Outra pergunta que me chamou atenção é sobre o risco para o meio ambiente e para o uso dos recursos. Eu acho que é muito bom a gente pontuar o que é recurso para nós povos indígenas. Recurso para nós é ar puro; recurso para nós é floresta em pé; recurso para nós é água que a gente pode beber direto da fonte. Isso é recurso para nós. Ouro, diamante ou qualquer outra joia para nós não passa de pedra, para nós não tem valor nenhum. Nada disso tem valor. Para nós, valor tem um cocar, tem um brinco, tem um colar de sementes que a gente tira do nosso próprio território. Isso tem um valor. Recursos que não sejam esses são recursos que não nos interessam. |
| R | Outro ponto também que ela fala é sobre qual é o risco do impacto ambiental. Hoje é comprovado que nós somos menos de 5% da população mundial, e nós conseguimos preservar 80% da biodiversidade global. A partir disso, a gente tem que pensar qual é o impacto de você retirar os direitos dos povos indígenas, os direitos territoriais e ir direito nesse ponto da proteção ambiental, porque nós somos os protetores. Fala-se tanto de salvar a natureza, mas nunca se pensa em salvar os guardiões da natureza. Nós também precisamos ser salvos; não é só a natureza, porque é a partir de nós que a natureza se mantém em pé. Hoje, no Brasil, foi falado também sobre a questão territorial. Fala-se muito em território para pouco indígena. Hoje nós temos, com dados de 2013 ainda - podem ser atualizados -, imóveis cadastrados no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR), do Incra. Em 2013, 5 milhões - por exemplo, vou falar do meu estado - de estabelecimentos rurais no Mato Grosso do Sul. (Soa a campainha.) O SR. ERIKI TERENA - Também esses imóveis cadastrados, no Mato Grosso do Sul, ocupam um território de 94,21% do território estadual. No Brasil, hoje, esses estabelecimentos rurais ocupam 351 milhões de hectares, o que corresponde a 41% do território do Brasil. Então, para quem está tendo muita terra e para que essa terra está sendo usada se, no pouco território que nós temos hoje demarcado perante a nossa população, a gente consegue conservar a vida e a natureza? Para encerrar, nas considerações finais, eu gostaria de falar sobre a cassação das Deputadas, que estão agora também nessa nossa luta, da frente parlamentar, das seis Deputadas que estão com seus mandatos cassados, num ato misógino, machista e extremamente de ataque aos direitos dos povos indígenas. Eu quero perguntar quando é que vão ser cassados os criminosos que ameaçam a vida e os territórios dos povos indígenas? Quando é que vão ser cassados aqueles que destroem a natureza? Essa é a cassação que nos importa neste momento. E faço essa defesa a essas mulheres, que falaram em nome de 1,6 milhão de indígenas. A voz delas foi a nossa voz, e, se querem calar a voz dessas mulheres, vão calar as vozes de 1,6 milhão de indígenas, além dos quase 1 milhão de votos que elas seis tiveram juntas em seus estados. Por último... Por último, não; ainda queria pontuar alguma coisa que foi falada pela nossa defensora, nossa parente. Coloco também aqui que o PL 2.903 tenta definir o que é renitente esbulho, que hoje é uma tese em que a gente se ampara, na Justiça, para sermos representados. O PL tenta fazer com que esse renitente esbulho seja comprovado através de luta comprovada por indígenas e poceiros dessas terras que persistam, que tenham provas em 1988 e que persistam até hoje, ou seja, renitente esbulho só é aquele em que a gente está até hoje lutando pelo território lá, em confronto direto. Como isso pode ser possível, se eles usam armas de fogo, se são eles que têm o poder do dinheiro, se são eles que têm os capangas? Como é que os povos indígenas vão continuar renitente esbulho, lutando diariamente por esse território de 1988, antes de 1988 e até hoje? Então, o PL ainda tenta também, Senador - e é um risco - definir o que é esse renitente esbulho. E não é a partir desse PL que a gente tem que definir o que é esse renitente esbulho. Para finalizar, o Brasil começa por nós, povos indígenas, mas a gente garante que, assim como o Brasil nasce por nós, povos indígenas, o Brasil vai se encerrar junto com esse PL 2.903, se ele passar nesta Casa. Do mesmo jeito que nós erguemos este país - fomos nós que erguemos este país - aqueles que votaram "sim" ao PL 2.903, assim como aqueles que votaram "sim" ao PL 490, na Câmara dos Deputados, estão empurrando o Brasil para a cova. São eles que vão enterrar... Na tentativa de enterrar os povos indígenas e nossos direitos, vão enterrar todo o território brasileiro. Obrigado. (Palmas.) |
| R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Meus parabéns, Eriki Terena, representante da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Direito dos Povos Indígenas. De imediato, Dr. Maurício Terena, Coordenador Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). O SR. MAURÍCIO TERENA (Para expor.) - Senador, eu queria agradecer a oportunidade de ter estado esta manhã com todos aqui. Acho que corroboro muito com a parente: essa mesa é muito simbólica. Trazer a voz dos povos indígenas para esta Casa evidencia a necessidade de, cada vez mais, o Brasil ouvir os povos indígenas, pois, ao passo que assim o faz, justamente avança para um país muito mais democrático. Nesse sentido, eu queria responder a duas questões que foram arguidas pelo senhor. Uma é justamente: "O marco temporal não foi resolvido?". A Secretária já deu uma prévia sobre essa temática, mas as pessoas têm essa confusão, Senador, porque muitos Parlamentares utilizam o caso Raposa Serra do Sol como um caso paradigmático para essa questão. O Supremo Tribunal Federal, quando julgou Raposa Serra do Sol, explicitou ali que aquele entendimento valia só para aquele caso concreto, e os Deputados insistem, usando inclusive de má-fé, que o Supremo já decidiu isso, e eles só estão agora pacificando o entendimento do Supremo. É curioso, Deputado, e essa semana inclusive vieram várias notícias nesse sentido, que, quando esta Casa quer trazer um entendimento do Supremo para suas respectivas legislações, é para prejudicar o direito dos povos indígenas. Nunca trazem uma jurisprudência da Suprema Corte no sentido de avançar o direito dos povos indígenas. A própria Relatora Soraya Thronicke disse que já está fazendo estudos para que essa indenização das terras indígenas seja o valor de mercado. Então, a gente percebe, nessas sinalizações desses Parlamentares, que, quando é para se avançar em prol de uma jurisprudência muito mais no sentido de progresso e proteção dos direitos territoriais e humanos dos povos indígenas, esta Casa assim não o faz. É só justamente para cercear, vilipendiar direitos dos povos indígenas. Por fim, outra questão que aparece muito nos discursos desses Parlamentares, e isso também causa dúvida no público como um todo, é essa questão da segurança jurídica. O marco temporal não traz segurança jurídica alguma. E, justamente, caso passe, o que vai aparecer de judicialização de terras indígenas que não foram marcadas em 5 de outubro de 1988 não dá para explicar, porque, pasmem, o marco temporal nem foi aprovado. Mas eu advogo perante a Suprema Corte, acompanho alguns processos lá, e a Terra Indígena Kayabi, do Mato Grosso... Já está sendo discutida a redução da terra indígena, com fulcro no marco temporal. Então, a gente percebe justamente que não tem segurança jurídica alguma. |
| R | A segurança jurídica para nós, povos indígenas, é a demarcação dos territórios, é o cumprimento constitucional, Deputado, desse artigo que o senhor lutou na Constituinte para que existisse. Que o prazo de cinco anos seja cumprido pela União. Então, no dia de hoje, o que fica para os Senadores, os Parlamentares, a própria sociedade civil como um todo, é esse chamamento dessa mesa para que se lute com os povos indígenas, porque, quando se luta em prol da demarcação desses territórios, se luta para... (Soa a campainha.) O SR. MAURÍCIO TERENA - ... como foi dito aqui, um avanço civilizacional. E, por fim, quando a gente conhece a história dos povos indígenas, a sociedade brasileira conhece a sua própria história. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos ao Dr. Maurício Terena, Coordenador Jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que deixou muito claro e respondeu também ao Sr. Ricardo Castro, do Rio Grande do Sul, sobre se o marco temporal tinha ou não sido estabelecido. Vamos em frente. Agora, Dra. Claudia Regina Sala de Pinho, Diretora do Departamento de Gestão Socioambiental e Povos e Comunidades Tradicionais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. O tempo é seu. A SRA. CLAUDIA REGINA SALA DE PINHO (Para expor.) - Grata, Senador. Eu só quero fazer uma consideração em relação às perguntas que estão mais direcionadas a essa relação da sociedade, novamente vista, o que a sociedade ganha, qual é o benefício da conservação dos territórios e a partir dessa linha mais ambiental. Então, só gostaria de elucidar que, se a gente for analisar os territórios indígenas por meio dos mapas que estão disponíveis, a gente consegue hoje ver claramente como está a conservação dos territórios tradicionais dos povos indígenas e o quanto está impactado pelo desmatamento ao redor desses territórios. Isso é nítido e está aí em todos os mapas que a gente pode acessar. E essa contribuição direta na questão ambiental é para toda a sociedade. Colhemos os frutos, os benefícios dessa conservação dos territórios, seja pelo ar, seja pela qualidade da água, seja por outros benefícios indiretos. Então, nós estamos falando da conservação, que é um benefício para toda uma sociedade, que também impacta diretamente na vida de quem está nos grandes centros urbanos. Então, essa relação do que se tem dos territórios tradicionais, dos territórios indígenas, e o impacto direto no benefício para toda uma sociedade, isso está muito bem desenhado, e a sociedade toda colhe com a conservação dos territórios. E, para finalizar a minha fala, eu quero agradecer por esse espaço aqui no Senado. Eu estive aqui já algumas vezes quando estava à frente da Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil, com alguns projetos de lei que impactavam, e eu sempre digo que esse espaço do Senado, de alguma forma também, se diferencia do espaço da Câmara dos Deputados, para onde várias temáticas vêm para serem discutidas, e uma delas é o espaço das audiências públicas promovidas dentro deste espaço do Senado. |
| R | Que isso seja mais frequente, cada vez mais, porque são muitos os PLs que estão relacionados à temática socioambiental e à temática social, como um todo, que impacta vários grupos sociais. Hoje, nós estamos falando dos originários, daqueles que nos antecederam. Eu estou falando enquanto um grupo também minoritário de comunidade tradicional, porque a nossa origem, a nossa ancestralidade vem pelos povos indígenas e também pelas comunidades quilombolas. Então, só gostaria de agradecer imensamente e nos colocar à disposição. Estamos aqui em uma parceria do Ministério do Meio Ambiente com o Ministério dos Povos Indígenas, com vários programas, entre eles, a Pngati e outras discussões em que nós temos dialogado e temos tentado construir, em meio a tantas adversidades. Enquanto uma representação do Ministério do Meio Ambiente, gostaria de nos colocar à disposição para continuar o diálogo e também e tentar reconstruir as políticas públicas que tanto nos são caras e de que os grupos tanto precisam. Gratidão. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vamos tocar a campainha? Ela, mais ou menos, não me deixa. Essa campainha é chata. Pode deixar que eu vou controlar melhor. Muito obrigado. Eu falei da campainha e não falei da Claudia. Muito obrigado, Dra. Claudia Regina Sala de Pinho, Diretora do Departamento de Gestão Socioambiental e Povos e Comunidades Tradicionais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Eu não ia falar, mas como a senhora falou em quilombola, eu tive a ousadia... Porque eu procuro visar aos setores mais vulneráveis, vocês vão ver aqui, na hora das emendas da Comissão: povos indígenas, mulheres, deficientes... Aí... Vou falar bem pouquinho. O pessoal do gabinete: "Não fala, não fala..." (Risos.) Então, eu resolvi mandar verba para as comunidades quilombolas. Sabem que eu fui criticado por isso? Dá para entender? Você sabe da situação dos quilombolas, não é? Muitos não têm banheiro, não têm nada... São agricultores também. Eu digo: "Podem criticar o quanto quiserem que eu vou mandar - de novo - para os quilombolas e aqui, nesta Comissão, com certeza, vai ser aprovado também, no orçamento da Comissão, para os povos indígenas. Podem ter certeza disso. (Palmas.) A crítica para mim é elogio! Esse tipo de crítica. Agora, para concluir os trabalhos, a doutora - não usei outro termo, só doutora - Dra. Aléssia Bertuleza Tuxá, Defensora Pública. A SRA. ALÉSSIA BERTULEZA TUXÁ (Para expor.) - Bom, eu acho que a palavra, neste momento, é de agradecimento ao senhor pela iniciativa. Gostaria de parabenizá-lo, como eu já fiz no início. Acho que as perguntas já foram satisfatoriamente respondidas, mas, aproveitando o gancho da fala dos parentes e a sensação que essas perguntas despertam, eu acho que a última palavra é no sentido de deixar aqui uma provocação, tanto para o Senado como para os outros Poderes, para outros espaços, para as instituições inclusive de ensino: nós precisamos falar sobre esse tema; nós precisamos falar sobre o marco temporal; nós precisamos discutir o PL 2.903; nós precisamos discutir o recurso extraordinário que está para ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal - porque essa questão não atinge só a vida dos povos indígenas. Aqui a gente não precisa falar só, na perspectiva ambiental, das consequências que isso trará para o futuro de toda a humanidade - mais diretamente para a nossa sociedade, em um prazo menor -, mas, principalmente, nós precisamos, enquanto brasileiros, recontar a nossa história. |
| R | A nossa história foi contada errada. Nós aprendemos na escola de forma errada. Nós, que vivemos isso e que víamos, todos os dias, a falta da nossa versão nos livros, já sabemos a versão certa. Estamos, cada vez mais, ocupando espaços para poder levar essa versão correta adiante. E o marco temporal é uma oportunidade para isso. Não há como você defender ou se posicionar contra corretamente em relação àquilo que você não conhece. Quando surge uma pergunta dizendo assim - e muito comum inclusive -, "ah, eu sou a favor do marco temporal porque ele não seria um instrumento de segurança jurídica", fica claro que você não sabe sobre o que você está falando, você não sabe o que é propriedade para os povos indígenas, você não sabe o que é território ancestral, você não sabe nem o que é segurança jurídica no meio dessas relações. Isso não é um problema seu, não é um defeito seu; é uma consequência do sistema em que você está inserido. O objetivo era justamente esse. Mas eu costumo dizer, Senador, que, quando a gente ocupa espaços, a gente não ocupa só por ocupar, a gente não ocupa para se apropriar; a gente ocupa para demarcar. (Palmas.) Então, assim, esses espaços que nós estamos ocupando fazem com que nós possamos levar a nossa voz, a voz dos nossos cada vez mais adiante. Por exemplo - e aí não posso deixar de falar -, lá, na Defensoria Pública do Estado da Bahia, nós criamos um grupo de trabalho para tratar sobre demandas dos povos indígenas. Nós temos 30 povos no estado. A meta é visitar, fazer visitas técnicas, levar acesso à Justiça aos 30 povos até o ano que vem. Já passamos, salvo engano, por 12. Por isso, porque a ideia é ocuparmos esses espaços para que as instituições entendam que nós existimos e que, daqui a um tempo - vamos imaginar curto, porque eu sou otimista -, a ideia de democracia brasileira seja, na essência, real. Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Com essa frase da doutora, eu posso encerrar. Sinto-me totalmente contemplado. Então, eu agradeço a todos. Alguns pequenos encaminhamentos, que são pequenos diante da grandeza da causa: - O apoio da Comissão para incentivar a Advocacia-Geral da União (AGU) a promover a revogação do Parecer n° 001, que já aplica o marco temporal. É isso. Em resumo, é isso. Nós vamos encaminhar depois. - Apoiar a comissão do Ministério dos Povos Indígenas e entidades da sociedade civil em audiência com a Senadora Soraya Thronicke, que é Relatora do PL n° 2.903 sobre o marco temporal, que já foi encaminhado pela Dra. Eunice, não é? E já resolvemos aqui essa questão. Eu tomei a liberdade de colocar aqui, pela grandeza desta audiência pública, pela qualidade dos painelistas, que, se quiserem forçar a barra para votar, nós vamos pedir também uma sessão temática no Plenário do Senado. Que cada um vá lá e diga o seu ponto de vista. Eu serei representado por vocês, com certeza absoluta. (Palmas.) Eu achei que, se alguém tinha dúvida e assistiu aqui, não tem mais dúvida do mal que vai fazer não só para os povos indígenas, mas para todo o povo brasileiro e com repercussão internacional, se isso chegasse a acontecer, que eu tenho muita fé que não vai acontecer, pela mobilização, pela pressão e pelos argumentos que eu ouvi aqui. E me comprometi - coloquei aqui também - a que seja remetido o vídeo desta audiência pública a todos os Senadores. Missão cumprida momentaneamente. A mobilização, a pressão, a articulação continuam de forma carinhosa, responsável, corajosa, mas muito firme, porque os dados que foram aqui colocados e a própria pesquisa, como foi dito aqui, feita também pelo e-Cidadania mostra que o povo brasileiro é contra. |
| R | E aí aquela frasezinha que eu usei e que dá para usar em todo sentido: "Quem é inteligente obedece às causas justas". O povo está dizendo que não quer, então, vamos obedecer ao povo e vamos derrubar esse marco temporal. Está encerrada nossa audiência pública. (Palmas.) (Iniciada às 8 horas e 57 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 27 minutos.) |

