19/06/2023 - 35ª - Comissão de Educação e Cultura

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Fala da Presidência. Por videoconferência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 35ª Reunião da Comissão de Educação e Cultura - eu ia falar "e esporte", mas agora a parte de esporte constitui uma Comissão específica no Senado Federal, então, reunião da Comissão de Educação e Cultura - da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, que se realiza nesta data, 19 de junho de 2023.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com o objetivo de, abro aspas: "Discutir estratégias e diretrizes que devem nortear a elaboração do novo Plano Nacional de Educação (PNE), com enfoque no eixo temático 'o PNE vigente e o novo PNE: continuidade ou ruptura?', em atenção ao Requerimento nº 21, de 2023, da Comissão de Educação".
Participarão de nossa audiência, de forma remota, a Sra. Ana Gardennya Linard, Gerente de Políticas Públicas do movimento Todos Pela Educação; Sr. Daniel Cara, Dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação; Sr. Nelson Cardoso Amaral, Presidente da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca); e também o Sr. Ricardo Tonassi Souto, Presidente do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede).
Antes de passar a palavra aos nossos convidados, comunico que esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania na internet, no endereço senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211.
O relatório completo com todas as manifestações estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores.
Eu quero, inclusive, comentar que já temos algumas participações, que eu vou ler, de perguntas e comentários.
A primeira delas, primeira pergunta, é de Giovanni Bonissoni, de Santa Catarina: "Como o Governo avalia o desempenho do Plano Nacional de Educação vigente até o momento? Quais foram os principais avanços e desafios?".
João da Silva, do Rio de Janeiro: "Do que nós brasileiros estamos precisando para termos um Plano Nacional de Educação com [abro aspas] a 'cara' do nosso povo?"
Maurício Douglas, do Maranhão: "O que pretendem fazer com as metas do PNE que não alcançaram seus objetivos?"; "O PNE [...] pode ser avaliado como positivo levando em conta seus resultados atuais?".
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Thiago Alcides, de São Paulo: "Quais os benefícios do PNE [Plano Nacional de Educação] vigente comparados ao novo PNE?".
Lucineide Cruz, do Distrito Federal: "Quais metas do atual PNE foram atingidas?".
Quero destacar, assim, a relevância e a pertinência das perguntas realizadas pelas pessoas que nos acompanham. Eu quero dizer também que sempre deixamos, no Portal da Comissão, um sumário, um resumo de todas as apresentações e todas as audiências públicas, não só relacionadas ao PNE, mas temos audiências públicas sendo realizadas em função do novo ensino médio, da Lei de Responsabilidade Educacional, também da violência nas escolas e contra as escolas, da Lei de Cotas. Então, sempre há um resumo, para que as pessoas possam, em uma leitura rápida, saber o que foi debatido.
Caso alguém tenha interesse em detalhar o assunto, sempre estão disponíveis as notas taquigráficas, as apresentações, os vídeos, caso a pessoa deseje se aprofundar no assunto. Então, isso é muito interessante. É um mecanismo necessário.
Esta já é a quinta audiência pública sobre o Plano Nacional de Educação. Eu lembro que o Governo Federal, o Executivo enviará para o Congresso Nacional, no segundo semestre, a proposta do novo plano e a ideia é nos anteciparmos já, para não fazermos essas audiências só quando o plano nacional, como proposta, chegar ao Congresso Nacional. Esta, então, já é uma antecipação do debate, que é necessário, com a sociedade. É a quinta audiência pública, portanto.
Às vezes, as pessoas podem perguntar como discutir monitoramento, por exemplo, prioridades e demandas ou educação bilíngue de surdos, educação especial, estratégias, diretrizes, cada audiência pública tem um enfoque e os enfoques anteriores, então, estão disponíveis para toda a sociedade.
Dito isso, eu quero também destacar que, na exposição inicial, cada convidado poderá fazer uso da palavra por até dez minutos, prorrogáveis por mais cinco minutos. Ao fim das exposições, a palavra será concedida, novamente, aos convidados, para observações que considerem pertinentes em função das apresentações em geral.
Passo, em primeiro lugar, então, ao Sr. Nelson Cardoso Amaral, a quem eu dou as boas-vindas de novo.
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Dr. Nelson, o senhor sempre está presente, discutindo e representando uma instituição das mais importantes do Brasil na área educacional que é a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), com tanta contribuição já prestada em debates tão relevantes como o novo Fundeb, em que a Fineduca foi essencial.
Com a palavra, então, Dr. Nelson.
O SR. NELSON CARDOSO AMARAL (Para expor. Por videoconferência.) - Cumprimento, em primeiro lugar, o Senador e todas e todos que estão assistindo, colegas de audiência, o Todos pela Educação, do Foncede, da Campanha, que deve chegar daqui a pouco, o Daniel Cara.
Estive pensando um pouco sobre a temática desafiante que é, exatamente, continuar a disruptura desse PNE atual, que virá até metade do ano que vem. Então, temos apenas um ano pela frente para tentar cumprir um pouco do que está previsto ali.
Já atento a algumas perguntas que foram feitas, esse período de 2014 a 2024 é um período muito tumultuado na política brasileira, com a eleição da Presidente Dilma Rousseff; depois, impeachment; a entrada do Temer, num mandato curto; depois, a entrada do Bolsonaro, cuja marca foi tentar destruir aquilo que estava feito. Então, um período muito complicado, perpassando três Governos Federais e, agora, mais um mandato.
Agora, é muito curto o período para que se faça algumas correções. Foi muito pouco cumprido ali.
É claro que um Plano Nacional de Educação é importante por ele mesmo. A existência dele já é uma coisa muito importante.
A Fineduca discutiu alguns aspectos desse novo PNE e firmou uma posição de que ele não deve ser deixado de lado até a aprovação do novo. A gente não sabe em quanto tempo vai ser aprovado. Então, seria importante que as metas ali presentes estivessem na mira do atual Governo até a aprovação do próximo.
Para a aprovação do próximo, realmente, a gente não pode deixar com que as metas sejam diminuídas, por tudo o que está previsto ali, pelos objetivos todos de expansão, de aumento dos recursos públicos aplicados em educação. E a gente defende que essa meta seja alterada para "dinheiro público em educação pública".
Então, a preocupação é nesse sentido, a preocupação inicial a partir do título da discussão.
Está tudo bem para vocês, vendo a transparência? (Pausa.)
Está, não é?
Vou, objetivamente, fazer uma análise exatamente sobre a Meta 20, que é a meta dedicada aos recursos para a educação.
A Meta 20 propunha, em 2024, a gente chegar com um volume de recursos da ordem de 10% do PIB. Isso será impossível já que os estudos do próprio Inep, do monitoramento, já dizem que está em torno de 5%, cinco vírgula alguma coisa do PIB. Então, está muito longe, muito distante.
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Outro aspecto é que, toda vez que é divulgado o resultado do Pisa, as escolas, os professores, os diretores são todos chamados a prestar contas: por que o Brasil se sai tão mal no Pisa? É aí que eu quero deixar a marca para a gente discutir um pouco e debater um aspecto que diz respeito ao financiamento que é feito naqueles países que estão ocupando as primeiras posições do Pisa, vamos dizer assim.
Vamos lá, eu vou ser bem objetivo para a gente conseguir cumprir o prazo, Senador.
Esse gráfico mostra o seguinte. Essa linha amarela cuja legenda está no lado direito mostra o resultado do Pisa desses países todos, e esse resultado do Pisa está em ordem decrescente - Pisa 2018, o último que foi realizado. Então temos: Estônia, Japão, Coreia, Canadá, Finlândia, Polônia, Irlanda... Sempre que saem os resultados, surgem vozes comparando o Brasil com a Finlândia, com o Japão, com a Polônia, ou seja, ficam comparando o resultado brasileiro com esses resultados aqui, e uma das perguntas foi exatamente com relação a resultados.
Do lado esquerdo está o valor que esses países aplicam por pessoa de zero a 24 anos. Esse "US$-PPC" é dólar poder de paridade de compra. Para a gente analisar tantos países assim, a gente tem que transformar para o poder que o dólar tem de compra em cada um dos países; aí fica comparável, é uma maneira de ficar comparável o resultado entre os países.
Bom, então vocês veem que o país que ocupa o primeiro lugar é a Estônia: 526 pontos ela fez na média do Pisa. E a prova do Pisa tem leitura, matemática e ciências; esse de 2018 teve foco em leitura - cada Pisa tem foco em determinada disciplina dessas. Ela aplica US$9.764 - esse poder de paridade de compra - por pessoa de zero a 24 anos. O Brasil tirou 400, e ele aplica US$2.490, poder de paridade de compra.
Esse gráfico mostra o quê? À medida que o Pisa vai caindo... À medida que o dinheiro vai caindo por pessoa de zero a 24 anos, à medida que o valor por pessoa de zero a 24 vai caindo, o Pisa também vai caindo.
Nós podemos afirmar que existe uma relação entre o dinheiro e o resultado do Pisa. Se a gente quiser dizer que o resultado do Pisa significa alguma qualidade... Tem aspectos de qualidade nele, mas também muitas críticas a essas provas de larga escala todas. A gente vê que... Quando se aplica uma prova de larga escala, tudo se reduz a esse resultado, assim como o Ideb no Brasil? Tudo se resume ao Ideb, como se o Ideb fosse o resultado explícito de tudo o que diz respeito a qualidade em educação? Qualidade em educação é uma categoria complexa, muito complexa - no final eu vou tentar falar um pouquinho dessa complexidade.
Bom, então essa primeira análise mostra que os resultados do Pisa dependem do dinheiro aplicado, e começam a comparar o Brasil com esses países. Vejam: 9.764 versus 2.490. Se a gente pega a Finlândia, dá mais de 10 mil; se a gente pega a Polônia, dá em torno de 6 mil, e o Brasil, 2.490. Os outros países todos são países da OCDE. Vocês veem que a Colômbia, a Costa Rica, o México e o Chile são países da OCDE, e todos eles aplicam também valores pequenos. Então, a gente não pode fazer comparações de coisas tão díspares, e só pegar esse componente para fazer comparações, como acontece rotineiramente em nosso país, toda vez que sai o resultado do PISA. E na educação superior, na qual eu não vou entrar com muitos detalhes, toda vez que saem os rankings internacionais, a análise é muito parecida com essa aqui. Então, nós temos que tentar diminuir essa desigualdade para a gente conseguir fazer comparações mais consistentes.
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Esse mesmo relatório dá o resultado do PISA brasileiro. O PISA brasileiro, nas instituições federais, dos alunos das instituições federais, que são os colégios de aplicação das universidades e os institutos federais, dá uma média de 488. Nas estaduais, os alunos das estaduais dão uma média de 391. E os alunos das municipais dão uma média de 325. E das privadas, dá 493. Vocês veem que o resultado da privada e da federal não é tão distante assim.
Eu fiz uma nova imagem aqui, mostrando como é que ficam as privadas e as federais no contexto desse conjunto de países. São regiões da China, Singapura, Macau, Hong Kong, Estônia. Esses quatro primeiros não estão no anterior porque eles não são da OCDE. Então, aqui eu coloquei todos os países que fizeram o PISA, desde o mais alto até chegar à Itália, que é 477. Vocês veem que os estudantes das privadas brasileiras ficam nessa posição, com 493, ali entre a França e Portugal. E os estudantes das federais ficam logo próximos disso, que é a Áustria e a Letônia. E Portugal também, logo do lado esquerdo, e Espanha está bem próxima. Então, eu vejo muitas vezes dirigentes brasileiros indo a Singapura, indo à Finlândia, indo a esses países todos para verificar o que ocorre nesses países. E não precisa ir tão longe.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Dr. Nelson, houve o sinal, mas são mais cinco minutos e pode continuar, bem tranquilamente.
O SR. NELSON CARDOSO AMARAL (Por videoconferência.) - O.k. Eu vou correr um pouquinho mais, mas as transparências ajudam.
Bom, então vocês veem que a gente não precisa ir longe. Vamos dar uma olhada, no setor público, nos institutos federais e nos colégios de aplicação das universidades federais, para ver o que ocorre ali e tentar transportar esse mesmo ambiente, essas mesmas condições para as estaduais e municipais. Não precisa procurar outros países, países pequenos, que não têm nada a ver com a nossa distribuição geográfica, com as desigualdades regionais, etc., ou seja, como alguém falou aqui, com a cara do nosso povo, porque as universidades federais são a cara do nosso povo. Então, em estaduais e municipais vamos fazer a mesma coisa, e não ir a outros países que não têm nada a ver com a nossa cultura, com a nossa tradição, etc.
Valor aplicado em matrículas nos países da OCDE. Aqui eu vou passar meio tipo flash. Depois, se alguém quiser se aprofundar, como o Senador falou, vai ter material para se aprofundar, e até com as referências.
Quando a gente olha a creche, são poucas referências de países da OCDE que têm o valor da creche. Mas é US$15.531 o poder de paridade de compra, o valor médio aplicado pela OCDE. Depois a gente vai ver comparações com o Brasil. Na pré-escola - aqui tem mais países - é de US$9.598 o valor médio por matrícula. No ensino fundamental, anos iniciais, é de US$9.499 sempre ressaltando que é dólar - poder de paridade compra. No ensino fundamental, anos finais, é de US$10.589. No ensino médio, é US$10.207. E, na educação superior, US$14.925.
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A partir desses dados, eu me fiz a seguinte pergunta: o que seria como percentual do PIB se o Brasil aplicasse exatamente esses valores médios? Olha, que são valores médios que têm a Colômbia, o Chile, a Turquia, que são países que têm valores pequenos - maiores que o Brasil, mas pequenos em relação aos outros países europeus, norte-americanos e asiáticos. Então, vocês veem, a conta é essa. Essa é a quantidade de matrículas que existe no Brasil. Todos esses dados são de 2019, para ficar consistente a análise. Tem o valor médio por estudante, aplicado pelos países da OCDE, e o valor total, que significa 3,8% do PIB brasileiro de 2019.
Então, vocês veem que essa meta de 10% não pode ser abandonada nesse novo PNE. O país, você vê que fica muito longe ainda desses valores. Precisaria de quase outros 5%, 3,8%, para atingir esses valores. Então, isso aqui mostra, de forma implacável, de forma não questionável, que nós precisamos perseguir os 10% do PIB. Ou então paramos de fazer esse tipo de comparação que nós fazemos. Vamos ter consciência de que nós não temos condições, como país, de chegar lá, e vamos parar de olhar PISA e querer culpar professores e escolas por isso.
Vamos olhar só um componentezinho dos países da OCDE e do Brasil. Esses são os valores dos salários iniciais em instituições públicas, estabelecidos em regulamento. Não são valores médios de salários, não. É o inicial. O valor médio inicial da OCDE é US$34.135; US$36.275; US$37.378 e US$38.938. O valor anual médio brasileiro de 2019 - tudo aqui é de 2019 - é US$18.205. O fator multiplicativo é em torno de dois para cada uma das etapas. E aqui do lado direito eu coloquei a transformação, ou seja, R$3.192,91 foi o piso salarial PSPN de 2019. A transformação de dólar para real, em 2019, é de R$2,28. Um dólar PPC é igual a R$2,28. Então, isso dá um PSPN de US$1.400 dólar-PPC. Multiplicando por 13, vezes salários, dá US$18.205. E existe todo um movimento dos professores do país reivindicando que seja cumprido esse piso. E vocês veem a distância que é dos pisos lá dos países da OCDE.
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Eu fiquei o tempo todo falando de dinheiro, mas não é só dinheiro, é claro que não é só dinheiro, a educação é muito mais complexa que isso. Então, é preciso ver um monte de coisas, quando você fala em uma educação de qualidade: fatores históricos do país, independência, escravidão, lutas revolucionárias, tradições familiares e regionais, etc. Tem que ver a situação econômica, social e cultural das famílias; a desigualdade que existe; o tempo de vida previsto para a população; a renda per capita; a escolaridade do pai e da mãe; se o estudante é trabalhador ou não; se o turno em que ele estuda é durante o dia; se é integral; se é parcial; repetências, etc. Toda essa complexidade está prevista no ambiente educacional, tem que ser levada em conta, e muitas metas têm que ser previstas nesse contexto todo. Muitas metas são metas, não da área de educação, são metas da economia, do saneamento, da saúde, tudo isso está relacionado com a educação. A gente pode dizer que a educação é uma síntese disso tudo, do que significa o país. Por isso, eu achei muito pertinente o João dizer: "um PNE com a cara do nosso povo". É isso que a gente defende nesse contexto todo que eu apresentei.
Agradeço muito, Senador. Ultrapassei um pouquinho, mas tudo bem, não é?
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Eu quero agradecer ao Dr. Nelson Cardoso do Amaral, que é Presidente da instituição de grande prestígio no Brasil, Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação). Extremamente didático, com quadros comparativos importantes, dentro desse debate do dia de hoje "continuidade ou ruptura?", e mostrando a necessidade da busca dessa continuidade do financiamento. Esse debate acontece muito no Brasil, e os quadros apontam de maneira clara para dizer que o financiamento no Brasil não é comparável com aquele financiamento que países da OCDE, por exemplo, colocam na área da educação. Então, extremamente importante.
Obrigado, Dr. Nelson, por enquanto.
Passo a palavra, em seguida, à Ana Gardennya Linard, que é Gerente de Políticas Públicas do movimento Todos pela Educação. Com a palavra, Ana. Seja muito bem-vinda também e parabéns pelo evento nacional ainda realizado há alguns dias pelo Todos pela Educação, com uma participação tão intensa de todas as pessoas. Seja bem-vinda.
A SRA. ANA GARDENNYA LINARD (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada, Senador.
Eu gostaria de cumprimentá-lo na pessoa de todos os membros da Comissão de Educação do Senado. Parabéns pela atuação de vocês à frente desta Comissão, principalmente em temas tão importantes quanto o PNE. Gostaria de cumprimentar os professores que me acompanham nesta audiência, Prof. Nelson, Prof. Ricardo, Prof. Daniel Cara. É um prazer estar com os senhores aqui para debater um tema tão importante para a nossa educação brasileira.
Eu me chamo Ana Gardennya, sou professora de Física da Rede Estadual Pública do Estado do Ceará. Sou pesquisadora em financiamento da educação associada ao Fineduca. É um prazer estar com o Prof. Nelson, agora, pela manhã, para falar de um tema tão importante que converge exatamente com a necessidade de pautas, como o financiamento, para que a gente consiga executar um Plano Nacional de Educação cada vez mais justo e digno para todos.
Estou no Todos pela Educação como Gerente, e vou falar com vocês, agora, pela manhã, sobre alguns pontos importantes e algumas metas que não foram alcançadas no que diz respeito à educação básica; pontos sobre os quais a gente precisa refletir, já que estamos exatamente, a um ano, antes do novo Plano Nacional de Educação, para fazer o próximo plano decenal para o nosso país.
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Vou projetar aqui para vocês a tela.
Estão aparecendo para vocês os eslaides?
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Ainda não.
A SRA. ANA GARDENNYA LINARD (Por videoconferência. Fora do microfone.) - Acho que agora vai dar certo.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agora está aparecendo.
A SRA. ANA GARDENNYA LINARD (Para expor. Por videoconferência.) - Então, dando seguimento à minha fala, o Plano Nacional de Educação, como o próprio Professor Nelson falou, esse vigente, passou por certos obstáculos políticos no nosso país, começando pelo Governo Dilma, que foi interrompido, seguido pelo Governo Temer, que teve curtíssimo tempo para conseguir implementar algumas de suas políticas. Logo em seguida, veio o Governo Bolsonaro, que foi um grande desastre para a educação pública do nosso país, inviabilizando o financiamento, exatamente, de quase todas essas metas, atrapalhando a execução das metas junto aos estados e municípios. E, agora, ao final do plano, nós temos o Governo Lula, na esperança de que a gente consiga avançar um pouco mais na educação básica e na educação superior do nosso país.
Ele foi aprovado por uma lei, em 2014, e estará vigente até julho do ano que vem, por isso é tão importante plenárias como esta, para que a gente consiga discutir amplamente, porque se trata de um instrumento que, quanto mais colaborativo for, maior o envolvimento de outros entes, no compromisso por um plano que seja de responsabilidade de todos.
Então ele requer a aprovação no Congresso, não só na Presidência.
O atual é composto por 20 metas e 254 estratégias e não se restringe somente à educação básica.
Talvez a gente não vá ter tempo de abordar aqui, mas acredito que uma das audiências vá tratar especificamente disso, ele trata, inclusive, de metas relacionadas ao acesso ao ensino superior do nosso país e à qualidade da formação inicial dos nossos professores.
Vou passar aqui.
A gente está na quinta audiência desta Comissão do Senado e tivemos importantes mobilizações do PNE frente à esta Comissão.
A próxima Comissão será exatamente sobre o novo PNE na visão de trabalhadores da educação e estudantes. Como professora, eu acho importantíssimo, porque eles estão no cerne, exatamente, das escolas públicas e na execução de todas as políticas que nós desenhamos e planejamos para o nosso país. Então, é muito importante que escutemos professores e estudantes das nossas escolas.
Eu vou destacar aqui dois pontos importantes para o desenho de um futuro Plano Nacional de Educação. O primeiro é um projeto de lei do Senador Flávio Arns, Presidente desta Comissão, que fala exatamente sobre a responsabilidade educacional de um novo PNE, exatamente o que não houve nos planos vigentes, para deixar de ser uma carta programática, ou uma simples carta de intenções, e se tornar uma lei, com metas impositivas. Isso garante um maior comprometimento de todos os entes envolvidos dentro do pacto federativo, não somente em participar da construção e deixar de lado o plano, mas sim, e principalmente, para que haja um monitoramento sistemático desse plano.
Então é muito importante projetos de lei como esse, que venham junto com a aprovação de um novo plano, para que a gente consiga acompanhar, ao longo dos próximos dez anos, a execução ou a não execução, questionarmos o porquê e discutirmos com os responsáveis, para que não se atinja exatamente o objetivo central de um Plano Nacional de Educação, que são as crianças e jovens mais vulneráveis do nosso país.
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O segundo ponto que eu queria trazer para ponto de atenção central num desenho de um novo plano de educação seria a vulnerabilidade educacional. Nós sabemos que o Brasil de 2013-2014, que foi utilizado como espelho para a escrita do plano vigente, não é o mesmo Brasil que a gente encontra hoje, em 2023. É um Brasil pós-pandemia, é um Brasil que foi atingido por uma crise econômica, uma crise financeira. Muitas dessas crianças e jovens, hoje, passam fome. Então, a gente precisa olhar primeiramente para a vulnerabilidade educacional, para as questões não só de viés socioeconômico, mas também de raça e de gênero, quando for olhar cada uma das novas metas do plano na próxima década.
E eu trago aqui um estudo que o Prof. Chico Soares, que muitos de vocês conhecem, vem desenvolvendo sobre a construção de um indicador de vulnerabilidade educacional. Ele fala muito desse indicador exatamente para que haja uma melhor distribuição de recursos no que se refere ao VAAR do Fundeb, mas que também pode ser utilizado o mesmo indicador para se desenharem metas num novo PNE ou até mesmo a aplicação de um possível sistema nacional de educação que estará possivelmente sendo aprovado no segundo semestre deste ano neste Congresso.
A pauta no MEC. O atual plano está em vigência. Então, o MEC instituiu, no dia 30 de março deste ano, um GT de caráter consultivo, envolvendo as Comissões de Educação, do Congresso e demais entidades para a construção de uma minuta de PL, que deve ser enviada ao Congresso no início do próximo semestre. Por isso é que momentos como esse, também participando dessa construção futura, são demasiadamente importantes, porque vão convergir exatamente com a chegada de uma minuta do MEC, além de análise das metas do próprio Inep, do alcance ou não, associada às avaliações externas. A minuto terá um diagnóstico, diretrizes, objetivos, metas e estratégias do novo PNE, segundo a publicação no Diário Oficial desse GT.
E aí também, eu vou mostrar para vocês algumas das metas não atingidas, mas todos vocês podem consultar o Painel de Monitoramento do Inep, ele é público, é aberto. Atualmente, é o painel mais atualizado, mais fidedigno, ao alcance das metas que nós temos no país. Eles vão acompanhando, junto com a publicação do Censo, com a publicação da Pnad e outras avaliações que o próprio instituto vem fazendo. Foi utilizando esse Painel de Monitoramento que eu trago alguns dos pontos que eu vou apresentar para vocês logo em seguida. E o painel exatamente fala das 20 metas e ele as divide de acordo com as estratégias. Então, é bem interessante, pois ele mostra, tanto em gráfico, como também o percentual do que foi atingido ou não, de acordo com estado, região. Vocês podem fazer a comparação. É um Power BI muito interessante.
Começando a falar um pouco do alcance ou não das metas, eu vou começar pela universalização da pré-escola e da expansão de creches, que tinha como meta o acesso da população de 0 a 3 anos, 50%, em 2024, e a universalização de 4 a 5 anos. Essa meta não foi atingida até a presente data. De 0 a 3 anos, nós temos 37% somente dessas crianças matriculadas em creches, e, no caso da universalização, nós estamos com 94,1% das crianças matriculadas no que se diria a primeira infância, o acesso da primeira infância à vida educacional. Eu trago justamente essa primeira meta porque a primeira infância deverá ser uma das prioridades dos próximos anos. Essa faixa etária fora da escola atrapalha todo o desenvolvimento das nossas crianças porque uma chegada tardia dessas crianças às escolas acaba dificultando o seu desenvolvimento cognitivo, psicológico, socioemocional. Então, é muito importante que nós olhemos principalmente para essa faixa etária que está fora da escola nos últimos dez anos. Não foi colocado como prioridade, mas que seja no próximo PNE, para que a gente consiga universalizar esse acesso e continuar garantindo que a escola seja o lugar mais seguro para essas crianças de 0 a 5 anos.
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A segunda meta que não foi alcançada foi a Taxa de Escolarização Líquida, tanto de ensino fundamental como de ensino médio. A do ensino fundamental tinha a meta de universalização de ensino fundamental, que é uma meta que não vem sendo atingida, mas que vem sendo buscada desde a LDB.
Posso continuar, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Desculpe-me, no início, Gardennya... Pode continuar tranquila, você tem mais cinco minutos também, mas pode continuar depois também para concluir o pensamento.
Obrigado.
A SRA. ANA GARDENNYA LINARD (Por videoconferência.) - Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Eu quero destacar para os demais expositores que sempre tem um sinal, mas é automático, não sou eu que estou batendo em nenhum botão.
A SRA. ANA GARDENNYA LINARD (Por videoconferência.) - Tudo bem.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Mas continue sim, está muito boa a apresentação.
A SRA. ANA GARDENNYA LINARD (Por videoconferência.) - Muito obrigada.
A taxa de escolarização do ensino fundamental, que vem sendo meta desde a LDB, ainda não foi alcançada. Em 2023, nós estamos com 95,9%, quase 96% ainda, dos estudantes da faixa etária do ensino fundamental. No caso do ensino médio, somente 81%. A meta de 95% desses estudantes terem concluído, na idade adequada, a sua etapa de ensino, ainda não foi alcançada.
O aumento da taxa líquida do ensino médio. A gente tinha na meta do PNE, na Meta 3, 85% da população de 15 a 16 anos completando aqueles três anos de educação e finalizando a sua educação básica, com aprovação ou não, mas chegando a fazer a prova do Enem, mas só 74,5% desses estudantes concluíram até a presente data.
Alfabetização. Como vocês viram, há poucos dias o Governo Federal lançou um programa de 3 bilhões de investimento, exatamente porque, atualmente, 56,4% somente das crianças do nosso país estão alfabetizadas e isso é extremamente preocupante. Houve um compromisso do Governo, mas é preciso que todos os envolvidos, realmente, tanto os estados como os municípios, trabalhem para que essas taxas sejam dirimidas para que a gente consiga a alfabetização na idade certa de todas as crianças. Isso atrapalha a vida escolar da criança por toda a educação básica, por todo o ensino fundamental e médio. Então, essa meta também não foi atingida.
O tempo integral avançou bastante, mas a gente sabe que precisa muito avançar. Também foi lançado um projeto de lei pelo Governo Federal, mas é preciso que a gente olhe com mais carinho quando for fazer esse desenho da política de tempo integral do novo PNE, exatamente porque pensar numa proporção de 50%, saber se cada estado tem condições financeiras de ampliar esse tempo integral, os percentuais de matrícula, o que vai ser garantido no contraturno dos estudantes que não puderem estar em tempo integral ou até mesmo na permanência desses jovens que estão em tempo integral, se é possível um programa de bolsas ou até mesmo para complementar a renda desses estudantes que estão, querendo ou não, dedicando a sua vida aos estudos.
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A Meta 7, que é basicamente de qualidade no que diz respeito à avaliação externa, não foi atingida nem no fundamental, nos anos iniciais, finais, nem no médio. Tinha uma meta de Ideb, e não foi alcançada não somente por conta da pandemia, porque a pandemia a gente teve em 2020, 2021 e 2022, então, pega somente um Saeb, de 2021, e a gente já vinha, historicamente, com baixo fluxo de aprendizagem. Então, isso precisa ser analisado não somente pela falta de estrutura, mas também pela falta de material, de formação inicial e continuada de professores, de material para os estudantes, o que é muito importante para garantir a qualidade dessa educação, e outros objetivos.
A Meta 15, que é extremamente importante, que fala de formação docente no ensino superior, é a formação inicial, e é exatamente o professor estar formado exatamente na área em que ele atua. Eu sou professora de Física, e não, necessariamente, tem tantos professores de Física assim nas salas de aula. Às vezes, quem está dando Física é um professor formado em Engenharia, em Matemática, e isso, querendo ou não, faz decair um pouco a qualidade do ensino desse estudante. Então, essa proporção de formação inicial dos professores nas escolas tinha uma meta de universalizar, e hoje a gente, preocupantemente, tem 58,5% somente dos professores com essa formação inicial alinhada à área em que atuam.
Aí eu vou sair um pouquinho das metas e pular um pouco para o financiamento, trazendo também um pouco do que o Prof. Nelson falou, um recorte dos gastos federais com educação tirado do próprio site do Senado nos últimos quatro anos. A gente tem um percentual de função educação que não passou de 80% da União, ou seja, bem menos do que deveria ser investido, e, querendo ou não, houve uma redução de quase R$8 bilhões no Orçamento autorizado a cada um desses anos a partir de 2020 pelo Governo Federal, e isso, querendo ou não, acarreta a baixa execução da maioria ou, senão, das vinte metas, porque, querendo ou não, o financiamento tem, sim, relação diretamente proporcional a cada uma dessas metas e ao sucesso delas.
Para finalizar minha fala, eu vou trazer pontos importantes.
É um instrumento basilar. Então, a gente não está falando de uma carta de intenções. O Plano Nacional de Educação serve como uma base para a escrita dos planos estaduais e municipais do nosso país. Cada meta precisa ser pensada exatamente nesses públicos. É necessário, sim, rever algumas metas. Não sei se 250 estratégias são suficientes, mas é preciso ter mais direcionamento e foco no direito à educação dos jovens e crianças do nosso país. A construção de um plano, como eu falei inicialmente, deve ser colaborativa, envolvendo todos os agentes também para que sua implementação aconteça num regime de colaboração, fortalecendo, assim, o pacto federativo que tem no nosso país e que deve existir, segundo a Constituição. O novo plano precisa levar em consideração os anos de pandemia e a necessidade de recomposição das aprendizagens. Não é porque a gente saiu de uma pandemia e temos vacina que essas crianças e esses jovens que passaram pela pandemia e que tiveram um decréscimo da sua aprendizagem não precisam ser assistidos. Eles precisam, sim, ser lembrados quando a gente for desenhar um novo plano. Precisa-se olhar para as desigualdades, como eu falei, as desigualdades educacionais, desenhar metas por grupo, priorizar ações de financiamento por raça, por gênero, por tipo de nível socioeconômico. É olhando exatamente para os mais diferentes que a gente consegue obter e alcançar equidade e justiça quando a gente precisa falar de política educacional. É preciso olhar para o monitoramento dessas metas.
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Eu mostrei para vocês o Painel do Inep, mostrei somente algumas metas, mas é necessário que todos que estão envolvidos nessa construção saibam exatamente os percentuais não alcançados de cada uma dessa metas, se questionem sobre o porquê, procurem entender o porquê e que as metas precisam de uma garantia de orçamento para viabilizar a sua execução, a sua exequibilidade - como a gente a falou de financiamento -, que é diretamente proporcional à possibilidade ou não do alcance da universalização de alguma dessas metas, da geração de uma educação pública de qualidade e equânime para todos os jovens, principalmente para as crianças e os jovens mais vulneráveis do nosso país.
Obrigada, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradeço a você, Ana Gardennya Linard, que é Gerente de Políticas Públicas do movimento Todos pela Educação.
Quero parabenizá-la pelo conteúdo e pela forma didática também. Acho que todas as pessoas, da maneira como você apresentou os dados, podem acompanhar perfeitamente o que se pretende colocar. Parabéns!
Eu só quero lembrar que você mencionou as redes de ensino superior, porque o plano nacional não é só para a educação básica, é da creche à pós-graduação, é para toda a caminhada educacional. Deveríamos ter tido audiência pública sobre as redes de ensino superior semana passada, mas, como não foi possível por algumas razões, então, esta audiência pública seria a quinta - esta de hoje é a sexta, mas, na verdade, foram cinco realizadas -, a de redes de ensino superior ficará para depois da sétima, dentro da programação que você mostrou.
A lei de responsabilidade educacional, que você mencionou, está sendo debatida também, discutida, para ser melhorada a proposta, aprimorada, e as audiências públicas estão mostrando os caminhos para isso.
E quanto à questão do Fundeb, só lembrando, nós temos o VAAR (Valor Aluno Ano por Resultados), que está muito ligado à ideia da vulnerabilidade educacional. Não é para você ter nota, comparar nota de uma escola urbana com uma escola no campo ou quilombola, indígena, da periferia; mas é um conceito que está atrás de avanços - que tem que ter, obviamente, mas levando-se em conta toda uma circunstância que envolve a própria escola e a própria região. É nesse sentido.
Eu passo, em seguida, a palavra ao Daniel Cara, que é dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que tem participado, também, ativamente de todos os debates aqui. É um prazer, sempre, escutá-lo, e é uma honra, para o Brasil, termos movimentos - vários movimentos - como o Todos pela Educação, a Campanha Nacional também e tantos outros que procuram colaborar para que a educação possa ser de maior qualidade sempre em nosso país.
Com a palavra, Daniel.
O SR. DANIEL CARA (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, Senador Flávio Arns; bom dia, Prof. Nelson Amaral, sempre é um prazer estar contigo; bom dia, Gardennya e todos que nos acompanham.
Eu peço desculpas, porque eu me preparei para fazer a audiência pública de maneira presencial, eu vim para Brasília, e o resultado é que eu estou aqui na cobertura do hotel numa condição internet que não é muito boa. Então, não sei se vocês me ouvem, se vocês conseguem acompanhar o que eu estou falando direitinho.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Estamos escutando bem e estamos vendo você bem também. (Risos.)
O SR. DANIEL CARA (Por videoconferência.) - Maravilha. Vamos lá, então.
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No dia de amanhã, nós temos uma audiência pública sobre a Semana de Ação Mundial, em que a Campanha Nacional pelo Direito à Educação vai apresentar os dados desagregados em relação ao Plano Nacional de Educação, que é um avanço em relação até ao monitoramento do Inep.
É até bom dizer, Senador Flávio Arns, que o monitoramento do Inep é fruto da incidência política da Campanha Nacional pelo Direito à Educação - foi uma emenda nossa a solicitação de que a cada dois anos o Inep faria o monitoramento do Plano Nacional de Educação -, e quero até destacar que, entre a continuidade e a ruptura, esse é um elemento fundamental de continuidade, Senador Flávio Arns. Então, quando tramitar o Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional... O senhor tem tido um trabalho bastante dedicado e qualificado de atuação na área de educação e é importante manter esse monitoramento do Inep, mas, infelizmente, por inúmeros motivos, a gente tem tido contato com a equipe do Inep e o Inep não tem conseguido apresentar os dados desagregados. Amanhã a gente vai trazer o conjunto dos dados desagregados e tem algumas descobertas que são importantes - alguns estados avançaram muito em algumas agendas -, então, é importante até ressaltar o papel que os estados podem desempenhar no Plano Nacional de Educação.
Em relação aos dados, eu vou me restringir à apresentação amanhã. Faço até um convite para o Nelson, para a Gardennya - o Nelson acompanha porque ele também é dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação - e para todo mundo que nos acompanha agora: amanhã, às 14 horas, na Comissão de Educação e na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, a gente vai fazer uma apresentação sobre esses dados desagregados, pensando na questão de raça, gênero, orientação sexual, enfim, todas as desagregações que são necessárias para a gente acompanhar a agenda do direito à educação.
Nesse sentido, quero tentar aqui fazer uma ponte, aproveitando a fala do Nelson e da Gardennya, entre o financiamento da educação e a questão que hoje eu pesquiso na Universidade de São Paulo, que é a questão da economia da educação.
O Plano Nacional de Educação não é diferente, Senador Flávio Arns, da Constituição Federal, e isso é algo que a gente deve ter como uma questão de princípio na análise da política educacional brasileira. Assim como o Plano Nacional de Educação, a Constituição Federal de 1988, infelizmente, nasce num momento em que o Brasil vivia a década mais do que perdida, que é a década de 80, quando todo o programa econômico que vinha em vigor no Brasil entra em colapso e o resultado disso é que a Constituição nasce sem ter as condições que garantissem o financiamento da educação, o financiamento da saúde, o financiamento das políticas sociais diante daquele modelo econômico.
É importante citar aqui o Prof. Eleutério Prado, que é meu colega na Universidade de São Paulo e é um dos maiores pesquisadores sobre o desenvolvimento brasileiro, professor emérito da Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da USP. Ele costuma dizer que o Brasil viveu, da década de 80 até 2016, uma fase de neoliberalismo transigente e que, a partir de 2016, a gente mergulha numa fase do nosso modelo econômico que é o neoliberalismo intransigente que é necessário ser revertido agora. Então, nesse sentido, até quero parabenizar o Senado Federal, que, certamente, com a atuação do Senador Flávio Arns, tomou a decisão correta de tirar a complementação da União ao Fundeb do arcabouço fiscal, porque, da maneira como está posto o arcabouço fiscal hoje, incluindo a complementação da União ao Fundeb, permanece no registro do neoliberalismo intransigente.
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Mas o que é isso? Segundo Eleutério Prado, o neoliberalismo intransigente é um neoliberalismo que não se preocupa com as políticas sociais. Na prática, é a situação que o Padre Júlio Lancellotti tem denunciado em relação à população de rua em São Paulo. As pessoas estão completamente desamparadas. A Gardennya colocou a situação da pandemia, mas, antes mesmo da pandemia, é importante ressaltar que as pessoas estão completamente desamparadas e a educação também está desamparada. Isso significa que a economia brasileira, mais do que nunca, está completamente desinteressada em relação às pessoas.
Em relação ao neoliberalismo transigente, é possível dizer que ele é a tentativa do Brasil de congregar uma constituição de caráter de bem-estar social, de estado de bem-estar social, com um modelo econômico neoliberal, a tal ponto que o Brasil não adere ao Consenso de Washington. O Brasil consegue desenvolver políticas educacionais que são vigorosas, como, por exemplo, o Fundef, consegue desenvolver e estabelecer o Sistema Único de Saúde, mas o que é importante dizer é que as políticas sociais, em que pese a Constituição Federal, sempre estão imersas numa precariedade que é uma precariedade que precisava com urgência ser superada.
O Plano Nacional de Educação - e é importante frisar essa questão - nasce, portanto, num período do neoliberalismo transigente, em que nós conseguimos, via Congresso Nacional, ter uma série de conquistas. Eu tive a chance, coordenando a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, de liderar vários processos de conquistas de incidência política junto ao Congresso Nacional, e tive o Senador Flávio Arns, a Senadora - hoje Senadora - Professora Dorinha, a ex-Senadora Fátima Bezerra, que hoje é Governadora do Rio Grande do Norte, enfim, vários Senadores e Senadoras que colaboraram com conquistas que são fundamentais.
Nós aprovamos, nesse período de neoliberalismo transigente, em primeiro lugar, o Fundef, depois o Fundeb. Na sequência, aprovamos a Emenda à Constituição 59, de 2009, que expandiu a educação obrigatória; aprovamos também o piso do magistério - aliás, foi um pouco antes, em 2008, mas conseguimos a aprovação do piso no Supremo Tribunal Federal em 2010 -; aprovamos, com muita dificuldade, mas com muita luta, a política de cotas em 2012; em 2013, os recursos do petróleo para a educação e saúde, que nunca vieram na medida do que é necessário, do que está registrado na lei, porque não foram regulamentados ainda - fica aqui até o pedido, Senador Flávio Arns, para resolver essa questão que está imersa numa prisão normativa e legal, que precisa ser resolvida -, em benefício do Sistema Único de Saúde e do Direito à Educação; e nós aprovamos o Plano Nacional de Educação.
O que acontecia naquele momento era uma disputa entre uma posição, logo depois da Constituinte, que é formulada pelo Senador e, depois, Vice-Presidente da República, Marco Maciel, que dizia que a Constituição Federal não cabia no orçamento público; ele foi o primeiro a dizer isso, em 1991. E, quando se diz isso, é preciso registrar - e aqui é uma crítica programática, não se trata de uma crítica pessoal, mas essencialmente programática - que, quando se diz que a Constituição Federal não cabe no orçamento público, o que está se dizendo, na prática, é que o povo não cabe no orçamento público, o povo brasileiro, porque, segundo todos os estudos, especialmente do Ipea, aqueles que de fato constroem o orçamento público são as pessoas que têm a menor renda no Brasil, pelo sistema tributário brasileiro. Quem ganha até três salários mínimos paga 53% da sua renda em tributos, e isso financia a educação, inclusive, e é a esmagadora maioria da população brasileira; quem ganha a partir de 19 salários mínimos paga só 29% da sua renda em tributos e quem é super-rico no Brasil sequer paga tributo.
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E aí fica também um pedido, que está bastante registrado no texto do Comunicado 124 do Ipea, de 2011, que vai dizer que é possível garantir os 10% do PIB para a educação. O Nelsão conhece - "Nelsão" é a maneira carinhosa como a gente fala do Nelson - esse texto como ninguém. Lá está registrado, por exemplo, Senador Flávio Arns, que é preciso regulamentar o imposto sobre grandes fortunas. Já adianto para vocês que mesmo uma regulamentação forte do imposto sobre grandes fortunas não vai resolver toda a demanda do financiamento da educação, mas a educação não pode abandonar nenhum recurso, não pode se eximir de utilizar nenhum recurso. Por exemplo, se a complementação da União ao Fundeb continuar no arcabouço fiscal, diferentemente do que o Senado quer, mas seguindo a decisão da Câmara dos Deputados, a educação superior pública, especialmente as universidades... Eu estive semana passada em Campina Grande e a situação das universidades federais é uma situação calamitosa. Então, é importante dizer que retirar o Fundeb da complementação da União significa garantir o investimento nas universidades federais, que são verdadeiros tesouros da República Federativa do Brasil.
Mas o fato concreto é que, naquele processo de neoliberalismo transigente, a gente conseguia negociar politicamente e conseguia ter conquistas que eram contraditórias com o modelo econômico. Porém, a partir de 2016... O Plano Nacional de Educação, na prática, tem a implementação iniciada em 2015, já na gestão Dilma Rousseff, sob o comando do Ministro da Fazenda Joaquim Levy, que é quem começa a implementar essa ideia do neoliberalismo intransigente, despreocupado com as pessoas, mas, a partir de 2016, com o Governo Temer e a Emenda Constitucional 95, de 2016, isso fica dado como referência fundamental. O fato concreto é que toda essa demanda de recursos que o Nelson traz e com que a Gardennya concorda fica inviabilizada por um modelo econômico; e, na prática, se a gente for analisar pari passu a execução orçamentária da União, Senador Flávio Arns, praticamente nós temos o mesmo valor nominal, hoje, em 2023, que era executado em 2016.
Então, quando esta audiência pública pergunta se o Plano Nacional de Educação deve ter continuidade ou ruptura, eu quero defender aqui que ele tenha continuidade. O máximo que o Brasil... Eu gostaria que o Brasil tivesse outra perspectiva. Eu gostaria que o Brasil fizesse como a Finlândia. As pessoas dizem pouco - eu tive a oportunidade de estudar o caso da Finlândia e visitar a Coreia do Sul - sobre isso, mas eu gostaria que o Brasil tivesse tido a coragem da Finlândia de, de fato, priorizar orçamentariamente a educação, assim como fez a Coreia do Sul; foi uma decisão indiscutível a sul-coreana. O Brasil nunca realizou essa decisão da maneira como é necessário. Mas o fato concreto é que, diante de um modelo econômico que não demonstra a clareza de ser substituído, o máximo que a gente vai conseguir é voltar para o período do neoliberalismo transigente - não tenho dúvidas de que a gente vai superar o neoliberalismo intransigente, mas a gente não vai conseguir romper o modelo econômico, pelo menos não é o que se apresenta no curto prazo.
Concretamente, eu defendo que o PNE tenha continuidade. É claro que essa continuidade precisa ser bastante discutida. Diferentemente da Gardennya, minha preocupação - estudei o PNE no meu doutorado - não é com a quantidade de estratégias, Gardennya, mas com o fato de que o PNE não apresenta objetivo, que é uma demanda da Constituição Federal; e esse ponto ele prejudica, porque não tem algo que oriente a implementação das metas.
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E em relação às estratégias, o problema concreto do PNE é que ele foi tratado não como uma lei para ser implementada e que tinha uma ordem de realização. O PNE é tratado como um cardápio em que, por exemplo, a Base Nacional Comum Curricular, que está prevista no Plano Nacional de Educação, é executada, assim como a reforma do ensino médio, muito mal executada, é só ver o que está acontecendo nas redes públicas do país, mas o restante do plano não é realizado. Então é nesse sentido que eu acho que a gente tem que ter um aperfeiçoamento do plano. Ele tem que ser um plano que dê conta do direito à educação - e, nesse sentido, o plano atual dá conta do direito à educação -; ele tem que ter uma estruturação mais orgânica e não pode ser tratado como um cardápio em que o gestor público vai escolher o que vai implementar, ele tem que ser tratado na verdade como uma lei que tem linearidade, uma lei que tem vínculo entre metas e estratégias que precisa ser respeitado. Agora, para o plano ser de fato cumprido, o desafio essencial é de financiamento da educação, como trouxe o Nelson, e, para que o financiamento da educação seja resolvido, a gente tem que ter a coragem como nação de superar o atual modelo econômico, que, na prática, foi estabelecido desde a década de 80 e fez com que o Brasil de fato não avançasse dentro do conjunto das nações.
Eu tenho acompanhado os debates internacionais, Senador Flávio Arns, vou para o Fórum Político de Alto Nível da Organização das Nações Unidas, fui convidado para participar em julho deste ano, então, daqui a poucos dias, começa no dia 10 de julho e vai até o dia 22 de julho, e o que impressiona o mundo é que o Brasil deveria estar posicionado entre a quarta ou quinta economia do mundo, e a gente tem lutado muito para ficar entre as dez primeiras economias do mundo, de fato demonstrando que o Brasil não tem a capacidade de aproveitar o potencial, o poder de realização do povo brasileiro. É para isso que serve também o direito à educação e, se a gente não mudar o modelo econômico, concretamente sequer nossa economia vai crescer conforme a necessidade do povo brasileiro.
Então, o Plano Nacional de Educação, que deveria ser tratado como um plano nacional de conhecimento, vinculando ciência, tecnologia e inovação, e, ao mesmo tempo, deveria também ser tratado como um projeto, um programa de desenvolvimento do país, o Plano Nacional de Educação tem que continuar na perspectiva de cumprimento do direito à educação, precisa corrigir um pouco o seu rumo e sua rota, mas, até como documento político de exigibilidade, concretamente, a gente também tem o desafio de repensar a maneira como se estrutura a República Federativa do Brasil, que é um país que concretamente não valoriza seu povo como ele merece.
Amanhã a gente vai apresentar os dados desagregados e vai ficar bastante claro como o Brasil tem sido incapaz de garantir o direito à educação, mas deve continuar nessa trilha de manter o direito à educação como referência. O problema, então, é de continuidade do Plano Nacional de Educação, mas tem que ser feita uma ruptura em relação à maneira como o Brasil pensa seu desenvolvimento e pensar na articulação entre educação, ciência e tecnologia.
Muito obrigado a todas e todos.
Estourei duas vezes o tempo, mas era importante trazer esse recado. Amanhã a gente, então, apresenta os dados com maior rigor e com maior acuidade.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Só fazendo uma correção, para ser justo com você, que é um grande amigo e uma grande liderança na área: você não estourou duas vezes; é que, aos dez minutos, sempre toca uma campainha, para você saber que tem mais cinco; então, só estoura nos outros cinco, e não estourou. A gente tem uma tolerância para todo mundo e, para você, de uma maneira muito particular.
Agradeço, Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
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Passo, em seguida, a palavra para o Dr. Ricardo Tonassi Souto, Presidente do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede), que também tem participado ativamente de todas as audiências públicas, sejam no Senado, sejam na Câmara dos Deputados. Tivemos, inclusive, a oportunidade de já estarmos juntos com o Dr. Ricardo por diversas vezes em mesas, discutindo os desafios da educação.
Com a palavra, Dr. Ricardo.
O SR. RICARDO TONASSI SOUTO (Para expor. Por videoconferência.) - Muito bom dia, Senador Flávio Arns, mais uma vez. Bom dia a todos os queridos amigos que participam deste debate e a todos aqueles que nos veem.
O Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação tem um papel fundamental na discussão normativa na esfera recursal das Secretarias de Educação e, por força disso, o plano nacional tanto nos interessa, porque, como já foi dito aqui, ele é uma métrica, ele é um farol para os planos estaduais de educação.
Há pouco tempo atrás - ainda bem que isso aconteceu, pelo menos não sofremos tanto com isso -, o último estado da federação propôs o seu Plano Estadual de Educação, que foi o Rio de Janeiro, por força de uma ordem judicial, lamentavelmente, mas já propôs o seu Plano Estadual de Educação. Numa análise crua e fria, é um absoluto absurdo que tenha demorado tanto para fazer isso - isso foi feito no ano passado, se não me equivoco.
Numa análise que é feita pelos dados coletados pelas diversas instituições que tratam do Plano Nacional de Educação, nós temos um percentual gigantesco de metas que não são cumpridas, um percentual que atinge quase 45% em retrocesso e 86% de taxa de descumprimento. E uma das críticas que faço, sem medo de ser injusto, é que os tribunais de contas e o Ministério Público deveriam atuar de uma forma ainda mais dura no descumprimento dos percentuais de gastos de educação. Não são raras as vezes em que a gente vai ler uma decisão de um tribunal de contas de um estado e - perdoem-me a expressão coloquial - o que nós encontramos é: "Ai, ai, ai, não faça mais isso". Não é possível que o texto constitucional seja desrespeitado de tamanha maneira, que não se consiga gastar o mínimo constitucionalmente previsto, sejam os estados, que são 18%, sejam os municípios, que são 25%, e os órgãos de controle recomendem, deem um puxão de orelha, e não reprovem as contas desses gestores. Enquanto nós tivermos a opção de que gestores que descumpram os percentuais mínimos de educação paguem apenas multas, nós não conseguiremos alcançar o financiamento desejado na educação brasileira. Isso não acontecerá, porque lamentavelmente temos gestores pragmáticos e, ao mesmo tempo, ruins. E, quando se junta a má qualidade do gestor com um pragmatismo absurdo, o que temos é que ele olha e pensa: "Qual é a possibilidade de punição que eu terei? Se eu não tiver punição alguma ou se eu tiver apenas uma punição pecuniária, então eu não vou gastar o constitucionalmente previsto. Se eu me tornar inelegível ou se eu for responder a um processo de irresponsabilidade, seja de prefeito ou governador, então eu vou cumprir". Então, é necessário que haja uma maior dureza por parte dos órgãos de controle.
Eu vou fazer um apontamento do que é compreendido como um retrocesso de algumas metas - pelo menos no tempo que eu tiver - do Plano Nacional de Educação.
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O Plano Nacional de Educação começa já a ser discutido, o novo Plano Nacional de Educação, junto ao Fórum Nacional de Educação. O MEC instituiu, na semana passada, um grupo de trabalho para tratarmos do Plano Nacional de Educação e o Foncede integra esse grupo de trabalho. Fundamentalmente, temos um desafio aqui: temos que ter um Plano Nacional de Educação em que suas metas sejam factíveis, o que particularmente não é o meu desejo nu e cru, porque precisamos sonhar com a educação, mas é necessário que estipulemos metas mais altas para que possamos chegar aos lugares mais altos, porque, se as nossas metas forem medíocres, se as nossas metas forem baixas, obviamente nós atingiremos algo ainda menor do que a meta que foi colocada. Então, precisamos sonhar e precisamos estipular metas audaciosas para a educação brasileira.
Aqui, na Meta 2, por exemplo, que trata - e já foi dito aqui - da universalização do ensino fundamental de nove anos para toda a população de 6 a 14 e a garantia de que pelo menos 95% dos alunos concluam essa etapa na idade recomendada até o último ano de vigência do PNE, que será no ano que vem, é necessário dizer que o número de crianças nessa faixa etária que não frequentam e nem concluíram a etapa quase dobrou de 2020 para 2021, saltando de 540 mil alunos para um 1,072 milhão. E também houve uma queda no percentual de jovens concluindo o ensino fundamental na idade que consideramos adequada. No segundo trimestre de 2020, esse percentual era de 81,9%, caindo para 81,1%, em 2021. Então, o saldo do período de 2014 a 2021 é de um avanço médio de 1,5% ao ano, que é metade, mais ou menos, aproximadamente metade do necessário para o cumprimento da meta nesse prazo.
A Meta 3, que trata de universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até o final do período de vigência do PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%, entre os anos de 2020 e 2021, houve uma queda na taxa líquida de frequência do ensino médio, interrompendo uma sequência de altas que ainda não era suficiente para o cumprimento do dispositivo no prazo. E o descumprimento dessa meta no cenário pós-pandemia reforça a necessidade de uma atenção e de um financiamento adequado a todas as etapas da educação básica.
A Meta 6, que seria oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas de forma a atender pelo menos 25% dos alunos da educação básica, apresenta uma das situações mais graves em relação ao seu cumprimento, uma vez que, em seus dois dispositivos, os níveis caíram, entre 2014 e 2021, ao invés de subir. Os indicadores apontam também uma significativa oscilação na oferta da educação em tempo integral, o que pode ser atribuído, pelo menos em parte, a problemas de continuidade nas políticas voltadas a esse tipo de atendimento durante o período. É bom que se diga que temos exemplos que podemos seguir com relação à educação em tempo integral. Recentemente tivemos um encontro com o ex-Conselheiro Nacional Mozart, que foi o Secretário de Estado de Pernambuco, e ele nos mostra que é possível, sim, fazê-lo, por isso os números de Pernambuco são tão altos com relação à educação integral.
A Meta 10 seria oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos nos ensinos fundamental e médio na forma integrada à educação profissional. O indicador de monitoramento dessa meta denuncia, junto aos indicadores também da meta 9, um abandono na educação de jovens e adultos por parte dos governos. A meta estabelece que, até o fim da vigência do PNE, 25% das matrículas da modalidade EJA estejam vinculados à educação profissional. No ano de 2021, apenas 2,2% das matrículas de EJA eram integradas à profissionalização. É um percentual abaixo dos já distantes 2,8% observados no início do plano.
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A meta 11 é uma meta, a mim pelo menos, muito cara, por força da defesa que faço da educação profissional técnica de nível médio, e a meta seria triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% da expansão no segmento público.
Em relação a 2013, a educação profissional técnica de nível médio cresceu exclusivamente na rede pública, que chegou, em 2021, a 316 mil novas matrículas, enquanto que, na rede privada, se encolheu durante a vigência do plano.
A reforma do ensino médio trouxe, com a inclusão da formação técnica e profissional, na verdade, um itinerário formativo, que seria o quinto itinerário formativo, de que eu faço uma defesa contundente, porque temos uma quantidade imensa de postos de trabalho neste país, quase meio milhão de postos de trabalho que precisam de gente qualificada, e nós não temos isso.
Então, eu acho uma imensa covardia, Senador, que nós coloquemos nossos meninos e nossas meninas para fora da escola ao término do ensino médio e que eles não tenham nenhum tipo de qualificação profissional. É óbvio que eu sou um ardoroso defensor, porque sou professor de uma universidade federal, de que todos tenham o sonho de ingressar na universidade. Mas a verdade é que 80% dos alunos do ensino médio não vão ingressar na universidade. E, se eles não tiverem uma opção, eles vão estar fadados a um imenso fracasso profissional. Muitos precisam disso para que possam cumprir seu papel de arrimo de família, outros precisam para que possam sonhar.
Esse mundo lamentavelmente é absolutamente injusto, e nós sabemos disso, mas fomentar a ideia de que o menino sai do ensino médio público, por exemplo, e vai disputar, de igual para igual, uma vaga com um menino que estudou numa escola privada, que tem todas as suas refeições feitas ao longo do dia com decência e qualidade e que vai disputar, em pé de igualdade, tendo aulas de física com professor de matemática, aulas de química com professor de biologia, é uma imensa covardia. Então, é necessário dar, pelo menos, a ele uma possibilidade de lutar do lado de fora da escola, para que ele possa alcançar os seus sonhos. Eu acho que isso pode ser feito com a educação profissional.
A meta 12 falava em elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50%, e a taxa líquida, para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurada a qualidade da oferta e a expansão para pelo menos 40% das novas matrículas no segmento público. Se o primeiro objetivo da meta 12 já demandava um aumento do ritmo de avanço observado até 2020, o cenário ficou ainda mais grave em 2021, com a queda de 1,5 ponto percentual em relação ao ano anterior. A situação é similar para o segundo objetivo, que caiu de 26,9 para 25,8 entre 2020 e 2021, no contexto da pandemia e de uma série de cortes na educação superior.
Outro fator a ser corrigido é a alta concentração de matrículas na rede privada. Até 2020, apenas 3,6% das novas matrículas, desde 2013, haviam sido criadas na rede pública, muito abaixo do valor mínimo estabelecido de 40%. E aqui também acho que se faz necessária uma reflexão, uma provocação: para onde caminharemos na nossa educação, na formação dos nossos professores?
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A gente tem um percentual hoje absolutamente gigantesco de alunos de pedagogia ou licenciatura que fazem esse curso na modalidade EAD. Então, em dez anos ou menos, nós teremos quase todos os professores da rede pública, que tenham feito concurso daqui para a frente, com uma formação em educação a distância, através da modalidade de educação a distância, que não tenham frequentado a sala de aula. Por que eu digo isso? Porque o art. 62 da LDB ainda estipula como uma formação mínima para a educação infantil, para os anos iniciais do fundamental, o magistério de nível médio. Nós temos mais de 50 mil alunos ainda de magistério de nível médio no país, principalmente no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Dificilmente você encontra alguém que teve uma formação no magistério de nível médio que diga que aprendeu a dar aula na faculdade, no curso de pedagogia, ou na faculdade, no curso de licenciatura. É quase uma unanimidade dizer: "Olha eu aprendi a dar aula no magistério de nível médio".
Então, é necessário que façamos essa reflexão porque essa cultura do bacharelismo, de que todos têm que ter uma educação superior para que tenha qualidade é uma falácia diante desse quadro que temos de um percentual imenso e de uma qualidade absolutamente duvidosa do ensino superior, principalmente voltada à formação dos professores.
Então, eu faço esse apelo para que - não é um retrocesso - mantenhamos o que funciona, que mantenhamos o que ainda é bom e que funciona. Por força disso, eu acho que é uma discussão que deve ser feita. Eu já fiz essa provocação ao Ministro Camilo, já a fiz à Secretária Katia, e eles compreenderam perfeitamente a provocação. Eu acho que, em algum momento, a gente precisa discutir isso.
Eu não vou me estender, mas encaminhando-me aqui para a meta 14, que fala em elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu de modo a atingir a titulação anual de 60 mil mestres e de 25 mil doutores. Até 2019, o aumento anual médio vinha sendo aproximadamente o dobro desse número, o que sugeria o cumprimento do dispositivo antes do prazo. Mas, em 2020, apenas 20 mil novos doutores foram titulados, uma queda substancial em relação ao ano anterior, de modo que o cumprimento desse dispositivo no prazo vai estar em risco, por força da forma como ficou agravada a situação com a covid.
A gente tem... Isso não ocorre no meio público, mas no meio privado. É preciso lutar, principalmente, para que sejam respeitados os direitos dos mestres e doutores, porque não raras são as vezes em que se contratam mestres e doutores quando a avaliação do MEC está chegando. Quando a instituição privada precisa ser avaliada pelo MEC, ela contrata mestres e doutores. Assim que acaba a avaliação, eles são sumariamente demitidos, o que é uma... Eu ia usar uma expressão dura, mas é um deboche, é um deboche que isso seja feito, que ninguém faça nada e que os órgãos de controle, o Ministério do Trabalho, a Procuradoria-Geral do Trabalho não se manifestem com relação a esse tipo de postura.
Deixo aqui minha contribuição, o meu desejo de retornar a esse debate, o meu agradecimento, Senador Flávio Arns, pelo respeito ao Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação.
Coloco-me a pronto atendimento sempre que o senhor chama.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradeço de novo, Dr. Ricardo Souto. É uma honra sempre, para a gente, e uma necessidade ter a participação do Foncede, assim como da Uncme, nos debates sobre o Plano Nacional de Educação. É muito importante, e o senhor tem tido uma presença e uma iniciativa sempre tão necessárias e importantes em todo esse percurso.
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Eu passo, de novo, a palavra para os expositores e expositoras, ao mesmo tempo em que agradeço a presença da Ana, do Dr. Daniel, do Nelson e do Ricardo, para considerações que desejem fazer em relação ao que foi dito e a alguma coisa que desejem complementar. Eu acho que é importante.
Passo a palavra, em primeiro lugar, a você, Ana. Até eu não tinha lhe dado a palavra inicialmente - me desculpe - e tinha ido para o Dr. Nelson diretamente, mas passo a palavra a você, Gardennya, pedindo, inclusive, que mande um grande abraço a todos do movimento Todos pela Educação, em particular para a Priscila Cruz também.
Com a palavra.
A SRA. ANA GARDENNYA LINARD (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada, Senador.
Obrigada pela oportunidade de estar com vocês hoje pela manhã. Também me coloco à disposição, nós do Todos nos colocamos à disposição para continuar nessa importante discussão sobre o Plano Nacional de Educação.
Gostaria, nessas considerações, de acrescentar que há, sim, uma necessidade de avaliação e monitoramento das atuais metas para que um próximo plano, um novo Plano Nacional de Educação venha exatamente com as necessidades e novas demandas que a educação pública do nosso país requer no ano de 2023 e em diante, com um olhar mais cuidadoso para as vulnerabilidades educacionais, vulnerabilidades sociais.
Sabe-se que temos índices altíssimos, neste exato momento, no nosso país e que o nosso plano não pode fugir disso. Olhar para o financiamento que garanta um PNE exequível tem um caráter de urgência. É preciso ser discutido o financiamento junto com a construção de novas metas. Precisamos de um PNE que garanta o direito à educação, principalmente a dos jovens e das crianças mais vulneráveis dos nossos estados e municípios. Tanto se fala de tempo integral no nosso país, mas, atualmente, em pesquisa recente pela FGV, quase 12 milhões de jovens de 15 a 29 anos se encontram na faixa do que se diz nem-nem - nem estudam, nem trabalham.
Então, esses jovens também precisam ser observados, enxergados e acolhidos no novo Plano Nacional de Educação, porque são jovens que são, geralmente, ocultados de metas, estratégias e financiamento e que perpassam pela nossa sociedade como invisíveis. Eles precisam, sim, estudar e trabalhar, ter uma vida digna para que todos tenham a garantia de uma vida justa, digna como a gente deseja para todos neste país.
Muito obrigada, Senador Flávio.
Muito obrigada, Prof. Nelson, Ricardo, Prof. Daniel Cara.
Foi um prazer estar com vocês aqui na manhã de hoje!
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradeço à Ana Gardennya Linard, Gerente de Políticas Públicas do movimento Todos pela Educação.
Passo, em seguida, ao Dr. Nelson Cardoso do Amaral, Presidente da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação (Fineduca), já agradecendo, também, Dr. Nelson, e à associação, pelo trabalho de referência em nosso país.
Com a palavra.
O SR. NELSON CARDOSO DO AMARAL (Para expor. Por videoconferência.) - Agradeço, mais uma vez, a oportunidade, Senador, e, sempre que chamada, a Fineduca estará presente, representada por mim, por um dos outros componentes da Diretoria ou por membros da Fineduca.
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As falas todas me fizeram refletir aqui alguns aspectos, que não eram pertinentes àquele roteiro que eu preparei, mas são importantes e fundamentais nesse contexto todo que foi traçado aqui nesta audiência. Primeiro, o arcabouço fiscal que está sendo discutido. É preciso retirar do arcabouço fiscal, realmente, o Fundeb.
Como o Daniel falou - e eu tenho alertado isso para a Andifes também, para os reitores, porque eu fui Vice-Reitor aqui da universidade e conheço lá o ambiente entre os leitores -, o Fundeb, dentro do arcabouço, vai comprimir os recursos das universidades e dos institutos federais, e vai ser um caos se isso ocorrer. Então, ele, de fora... Porque o Fundeb tem vinculações, vinculações constitucionais, e tem também a vinculação do CAQ. Haverá... O PNE nem cumpriu isso também, o Custo Aluno Qualidade, em que ele vai exigir complementações da União para o CAQ.
A Fineduca está fazendo, junto com o Laboratório de Dados Educacionais da Universidade Federal do Paraná e aqui da UFG esse estudo para divulgar um CAQ. E a gente vai divulgar um CAQ nas próximas semanas exatamente só para cumprir o que está previsto na legislação brasileira hoje. Esse CAQ já exigirá uma complementação só para cumprir o que está previsto na legislação, que é a Constituição Federal, a LDB, etc. Imagina um CAQ - também a gente vai fazer uma simulação nesse sentido ao longo da discussão toda - neste rumo de se aproximar um pouco mais dos países da OCDE.
Como o Ricardo Tonassi, da Foncede disse muito bem, a gente não tem que pensar só em metas factíveis; tem que se pensar em metas que almejem um futuro melhor para o país, um futuro melhor para a educação brasileira. E, se um Plano Nacional de Educação não fizer isso, imaginando os próximos dez anos e estudando rumos para os próximos 20, 30, 40 anos, onde é que vai ser feito isso em relação à educação brasileira? Se, no final de dez anos, você chegar à conclusão que tudo foi cumprido, que tudo foi feito, você pode querer concluir que: "Opa! Então, a educação brasileira está perfeita, não há problemas a resolver". Então, é preciso ter isso em mente.
E seria fundamental retirar também a vinculação da saúde e da educação do contexto do arcabouço, porque a saúde e a educação, dentro do arcabouço, vão comprimir as outras políticas sociais.
Com o que a Gardennya tem ressaltado tanto, que são as desigualdades brasileiras, os nichos especiais que existem em um país, com a história que ele tem, com a Constituição que ele tem, com a formação da população e a desigualdade toda, não vai ser possível, porque as outras políticas sociais vão ser espremidas por estas duas, porque estas duas são fundamentais: educação é saúde. O restante vai ser comprimido, inclusive a ciência e tecnologia, que também vão ser comprimidas, assim como as universidades e os institutos federais, como eu já ressaltei.
E essa discussão toda está levando à possibilidade de haver uma alteração da vinculação constitucional. Nós temos que lutar também para que isso não ocorra, porque, se há vinculação constitucional para educação e para saúde, é o que tem garantido um mínimo base e condições para os tribunais de contas agirem.
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Concordo também com a fala do Ricardo Tonassi, no sentido de que os tribunais deveriam ser mais rigorosos com relação a esse aspecto, até que venha uma Lei de Responsabilidade Educacional - não é, Senador? -, proposta de sua autoria, que consiga fazer com que os dirigentes, os governantes, as Assembleias Legislativas, as Câmaras de Vereadores e o próprio Congresso Nacional tenham também a responsabilidade educacional ao tratar a educação. E como o Daniel Cara falou muito bem, é preciso que esse mundo neoliberal compreenda que as pessoas existem, que as pessoas têm dificuldades e que não é só se esforçando que cada um resolve a sua situação.
Só uma palavrinha final sobre a educação superior, que não permeou muito as nossas falas - se bem que eu procurei permear no contexto a educação superior também. Trago alguns pontos talvez um pouco em choque com a maneira que o Ricardo disse, pois ele não pensa dessa forma no meu entender. Ninguém quer que se universalize a educação superior. A gente quer que tenha uma taxa bruta e uma taxa líquida digna que são necessárias para um país, porque, sem uma taxa bruta e uma taxa líquida digna... e a proposta é de 50% e 33% no atual, talvez tenha que ser repetida. Eu já tenho olhado também nos países da OCDE na avaliação, são bons esses parâmetros - 50% e 33%. Ele falou da EAD, é um absurdo a quantidade de EAD que está existindo hoje no Brasil, principalmente no setor privado. É preciso haver uma regulação da educação superior no Brasil, e principalmente da regulação da educação superior privada, com as EADs, com a mercantilização implementada e com a financeirização desse setor. É tudo livre, ninguém presta conta de "nada" em relação a esses aspectos. Então, coloco esse "nada" entre aspas pois existem aspectos regulatórios, mas insuficientes para todo o processo que já ocorreu fortemente na educação superior.
E, alerto: está chegando fortemente na educação básica também esse processo, o que pode levar a educação básica para um caminho não muito adequado para o futuro do país.
Desculpe-me, Senador, por eu ter me empolgado talvez um pouco, mas as falas me municiaram com essa possibilidade de análise. Agradeço muito.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Dr. Nelson, foi muito importante a sua participação, e também com essa reflexão final e a síntese que foi feita de vários aspectos essenciais. Muito importante.
Agradeço muito, Dr. Nelson Amaral, Presidente da Fineduca. É essencial a sua fala.
Passo a palavra ao Daniel Cara, novamente, dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Estaremos acompanhando amanhã também a apresentação dos dados, como foi dito, já desagregados, o que vai ser um passo importante para a compreensão do futuro do Plano Nacional de Educação.
Com a palavra, Dr. Daniel.
O SR. DANIEL CARA (Para expor. Por videoconferência.) - Senador Flávio Arns, para concluir a minha participação nesta audiência pública quero reiterar o aspecto que eu considero mais central.
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O Brasil tem pensado a questão da educação e a questão da ciência e tecnologia de forma desvinculada. Até o primeiro Plano Nacional de Educação, após a redemocratização, 2001 a 2010, ele tinha um vínculo mais claro entre ciência e tecnologia e educação.
Nesse Plano Nacional de Educação atual eu tive uma participação muito intensa na elaboração, mas ele não fez essa consideração, o que eu considero um erro. Então, essa é uma questão, de início, bastante relevante.
Em segundo lugar, a gente tem que retomar o desejo de fazer um Plano Nacional de Educação vinculado concretamente a uma perspectiva de desenvolvimento do país. Não adianta a gente falar de educação apartado da questão estratégica.
Nesse sentido, até como egresso de escola técnica - fui aluno da Escola Técnica Estadual de São Paulo -, quero falar especificamente para o Ricardo que eu concordo com ele sobre a importância da educação profissional, mas eu acho que o ponto, Ricardo, é que eu, como muitos dos meus colegas, até fui cursar processamento de dados, porque a gente precisava ter uma segunda renda em casa. Comecei a trabalhar muito cedo, comecei a trabalhar com 12 anos, e foi a maneira de ajudar a minha família, concretamente, fazer processamento de dados. Logo depois do colegial, eu consegui trabalho e, enfim, dei sequência à minha carreira.
Agora, o grande objetivo para quem está numa escola técnica, se a gente fizer uma pesquisa, especialmente nos institutos federais e nas escolas do Centro Paula Souza, em São Paulo - e sobre isso já tem até pesquisa, vou fazer parte de uma banca de qualificação -, a maior parte dos alunos quer entrar na escola técnica porque lá, no fundo, também é um preparatório para o vestibular.
E existe um outro problema que a gente precisa compreender, Ricardo, até no Ceará - a Gardennya sabe disso bem -, as escolas técnicas são tão fortes na preparação para o vestibular que até tem uma cota ao inverso. Os alunos das escolas privadas têm, entre aspas, uma "reserva de vagas" para participar da escola técnica pública, porque ela passa mais no vestibular. Na federal do Ceará, no ITA, no IME, o Ceará tem conseguido ter esse resultado de bastante ingresso nas melhores universidades brasileiras.
E tem outro problema, Ricardo, que é importante - e eu estou contigo, viu? Eu só estou chamando a atenção para questões que tencionam esse debate -, a demanda do mercado de trabalho brasileiro, Senador Flávio Arns, para os profissionais de escola técnica, hoje, é mínima, porque, embora a gente tenha uma baixa quantidade de matrículas na educação superior, conforme a necessidade, ou seja, como disse o Nelson, uma taxa de escolarização bruta e líquida na educação superior baixa, comparado com países vizinhos, inclusive, o fato é que nós temos um mercado de trabalho tão restrito que praticamente os profissionais da educação superior ocupam as vagas que seriam destinadas para os técnicos. Então, eu acho que esse é o ponto fundamental... (Falha no áudio.)
O SR. DANIEL CARA (Por videoconferência.) - Agora, se se trata de ruptura ou de continuidade, eu acredito que o Plano Nacional de Educação é uma de agenda de continuidade rumo à universalização, à consagração do direito à educação.
Eu não acho que seja bom a gente fazer um Plano Nacional de Educação tímido, como defenderam muito bem... estou seguindo a linha do que defendeu o Nelson e do que defendeu o Ricardo. A gente tem que fazer um Plano Nacional de Educação conforme a nossa necessidade, e foi exatamente o que eles disseram.
Agora, para que isso aconteça, de fato, para que... (Falha no áudio.) ...saia do papel o Plano Nacional de Educação, assim como para que saia do papel... (Falha no áudio.) ... porque eu também não quero que ela em nada seja reduzida, o que a gente vai ter que fazer, inexoravelmente, é pensar num novo modelo... (Falha no áudio.) ... na década de 50, do século passado; na década de 60, a Coreia do Sul; na década de 70, a Finlândia, assim como a Argentina fez no século XIX, como o Uruguai fez no século XIX, e não tiveram condição de dar continuidade, mas é o que o Brasil tem que construir: uma nova economia para um país que tem que ter um lugar ao sol no século XXI, diante da sua importância estratégica, da sua riqueza, mas, principalmente, como disse o Câmara Cascudo, como ele nos ensinou - e eu concordo com ele -, o Câmara Cascudo dizia que "o melhor do Brasil é o brasileiro".
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Como eu acredito que o melhor do Brasil são as brasileiras e os brasileiros, eu não tenho dúvida de que a gente precisa construir um Plano Nacional de Educação e uma economia na envergadura e na potência do nosso povo e da nossa gente.
Então, esse é o recado que eu queria trazer aqui, e fica o convite para todas e todos, Gardennya, Nelson, Ricardo, o Senador Flávio Arns vai estar presente amanhã para conhecer os dados desagregados do Plano Nacional de Educação.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Agradeço novamente, Daniel Cara, a gente tem participado também de muitos eventos em conjunto, e eu quero dizer também que Frei Betto utiliza inúmeras vezes a expressão "A maior riqueza do Brasil é o brasileiro e a brasileira", não é verdade? E nós estamos repetindo isso inúmeras vezes em todos os debates: vamos valorizar o brasileiro, a brasileira, que é o que existe de melhor em nosso país.
Passo a palavra ao Dr. Ricardo Tonassi Souto, então, Presidente do Foncede, a quem também já agradeço de antemão, que é o Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação.
O SR. RICARDO TONASSI SOUTO (Para expor. Por videoconferência.) - Mais uma vez, Senador Flávio Arns, muito obrigado pelo convite, em nome do Foncede, em nome de todos os conselheiros estaduais do país. A relevância que o senhor nos dá para participar desta discussão só fortalece a ideia de que temos um Senado forte, um Senado que olha para os estados de uma forma mais generosa.
Eu sempre faço essa crítica em relação à própria União. O MEC, muitas vezes, tem uma postura de leviatã, de não respeitar os sistemas estaduais de ensino, os sistemas municipais de ensino, e não chama para dialogar. Ao longo desse primeiro ano, para minha grata surpresa, isso vem acontecendo de forma muito contundente. Os estados vêm sendo chamados para a conversa, os municípios vêm sendo chamados para a conversa. É muito mais produtivo do que uma imposição de políticas públicas e educacionais de cima para baixo.
Eu agradeço a palavra de todos os companheiros aqui que fizeram algum tipo de referência à minha colocação, mas insisto, faço a defesa do ensino técnico, profissionalizante, não só como uma forma de se preparar melhor para o vestibular, mas como uma forma de sobreviver, uma forma de poder lutar pelos seus sonhos.
O meu Estado, por exemplo, o Estado do Rio de Janeiro, a vocação é o petróleo. É uma vocação que a gente não pôde escolher, é uma vocação divina. Foi Deus que colocou o petróleo aqui. Nós temos uma imensa quantidade de advogados ganhando R$1,5 mil por mês para trabalhar como audiencistas das grandes companhias de advocacia - que a gente chama de contencioso de demanda -, e nós temos, nas plataformas de petróleo, mergulhadores e soldadores ganhando R$20 mil por mês. Nós temos técnicos, em segurança do trabalho, ganhando R$15 mil por mês.
Então, é a ideia de que é possível ter uma vida digna, uma vida razoável, sem ter chegado ao ensino superior. Eu não ataco de forma nenhuma o ensino superior - muito pelo contrário, eu sou um defensor da educação -, mas o ensino superior é vocação. Nem todos são vocacionados para o ensino superior e, quando você não é vocacionado e não te explicam, pelo menos, que existe uma chance no mundo para as profissões voltadas para o ensino técnico talvez mais generosa do que o que você vai encontrar no ensino superior, eu acho que é desigual essa disputa.
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Na Coreia do Sul, que tanto alardeamos como exemplo, 30% dos trabalhadores estão superqualificados para o trabalho que realizam. Existe um problema hoje na Coreia do Sul não é nem de fuga de cérebros, é de não permitir que as pessoas que se qualificaram tanto caiam na miséria diante da superqualificação que aconteceu no país.
Então, acho que nós estamos muito longe. Eu adoraria - e acho que essa palavra é até forte - que tivéssemos esse problema um dia, de que nossa população fosse tão qualificada que a gente tivesse pensando em recuar, mas, ao mesmo tempo, acho que é necessário dar a esse menino, principalmente quando se trata do projeto de vida na escola que tanto se critica, mas que existe um "senão" aqui: nós temos uma lei, Senador Flávio Arns - entre as várias que não são cumpridas, mas que seria fundamental para isso -, que é a que determina a contratação de psicólogos e assistentes sociais na rede pública de ensino. Essa lei é de 2019, deveria estar vigorando e tendo eficácia desde 2020, e ela não é cumprida, não é respeitada, mesmo que se tenha colocado entre os profissionais da educação, numa alteração da lei do Fundeb, a figura do psicólogo e a do assistente social. Esse psicólogo seria a interface fundamental para tratar da vocação desse menino ou dessa menina, para fazer essa avaliação, e não um professor de Matemática, um professor de Química que não foram preparados para isso.
Então, deixo aqui, mais uma vez, meu agradecimento, minha saudação e minha disponibilidade para, sempre que quiser, estar presente.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Por videoconferência.) - Eu agradeço também a você - permita-me chamá-lo de você -, Ricardo Tonassi Souto, sempre tão disponível para participar dos debates.
Quero só dizer para as pessoas que nos acompanham que, quando nós temos a presença do psicólogo e do assistente social na escola comum, são eles fazendo parte da equipe educacional, do grupo educacional, dos profissionais da educação da escola, porque, às vezes, a pessoa pode pensar no psicólogo como atendimento clínico, que é, muitas vezes, importante e necessário, mas aí tendo que ter a parceria com a saúde, que seria outra coisa. A lei é direcionada no sentido de termos uma equipe dentro da escola que permita o atendimento do aluno; a interação com o grupo, com os professores, com as famílias; as reuniões com as famílias, com os profissionais. Então, é uma abordagem educacional. Isso é importante.
Quero dizer também ao Dr. Ricardo que, na semana passada, foi aprovada, na Comissão de Educação, e está indo, se não me engano, ainda ao Plenário, a criação da frente parlamentar para o ensino técnico e tecnológico. Então, nesse sentido, também é uma iniciativa para se valorizar, dentro desse debate e da discussão, esse olhar para essa área de conscientização, de debates e de discussão.
Eu acho que, realmente, todos nós temos uma preocupação de que tudo que foi debatido reflita aquilo que é necessário para o Brasil e com tanta competência de todos que participaram desta audiência pública.
Agradeço, novamente, à Ana Gardennya Linard, do Todos pela Educação, movimento tão importante no Brasil; ao Daniel Cara, dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação; ao Dr. Nelson Cardoso Amaral, da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação); e ao Ricardo Souto, do Foncede (Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação). Eu agradeço novamente a toda a infraestrutura da Comissão de Educação, os meios de comunicação do Senado, que cobriram e depois dão a devida divulgação também para esta audiência, a todos e todas que nos acompanham pelos meios de comunicação.
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Na próxima semana, dia 26, teremos mais uma audiência pública relacionada ao Plano Nacional de Educação. Será a sexta audiência pública.
Agradeço novamente a todas e a todos.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
Obrigado.
(Iniciada às 09 horas, a reunião é encerrada às 10 horas e 45 minutos.)