20/06/2023 - 37ª - Comissão de Educação e Cultura, Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

R
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 37ª Reunião da Comissão de Educação e Cultura e a 40ª Reunião da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, que ocorrem de forma conjunta, da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, que se realiza nesta data, 20 de junho de 2023.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com o objetivo de - abro aspas - "apresentar um balanço detalhado do Plano Nacional de Educação, em seu 9º ano, com dados desagregados por estados e regiões, com recortes sobre nível socioeconômico, raça, etnia e gênero", relativa ao Requerimento 55, de 2023, da Comissão de Educação, de autoria da Senadora Professora Dorinha Seabra e do Senador Izalci Lucas.
Estão sentados à mesa como convidados e, com muita honra, sempre participando ativamente de todos os debates que se relacionam à educação no Brasil a Sra. Andressa Pellanda, Coordenadora-Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação - seja muito bem-vinda, Andressa! - e o Sr. Daniel Cara, Professor da Faculdade de Educação da USP e membro do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Seja muito bem-vindo também, Prof. Daniel, novamente! Já nos falamos ontem, no debate, na discussão sobre o Plano Nacional de Educação, e agora estaremos também conversando com a sociedade, com a Comissão, em relação ao atual plano, no seu 9º ano de execução.
Como todos sabem, é um plano 2014-2024, dez anos de existência.
No ano passado, tivemos uma sessão temática no Plenário do Senado Federal para fazermos essa avaliação do plano nacional, mas o importante também é fazermos aqui dentro da Comissão de Educação e Cultura do Senado Federal.
Antes de passar a palavra aos nossos convidados, comunico que esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do portal e-Cidadania, na internet, no endereço senado.leg.br/ecidadania ou pelo telefone 0800 0612211.
O relatório completo com todas as manifestações estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pela Sra. Andressa ou pelo amigo expositor Daniel Cara.
Na exposição inicial, cada convidado poderá fazer uso da palavra por até 15 minutos, prorrogáveis por mais cinco. Então, haverá um sinal nos 15 minutos, só para saberem que há uma disponibilidade de mais cinco minutos. Ao fim das exposições, a palavra será concedida aos Parlamentares eventualmente inscritos para fazerem suas perguntas ou comentários.
R
Antes de passar a palavra à Sra. Andressa Pellanda, eu quero já ler perguntas que vieram pelo programa e-Cidadania.
Rodolfo Carvalho, de São Paulo: "[...] quais foram os avanços na área da educação evidenciados no balanço detalhado do Plano Nacional de Educação (PNE)?".
Giovanni Bonissoni, de Santa Catarina: "Existe um plano para melhorar essa forma de ensino [atualmente]? Pois isso é fundamental para o futuro dos jovens". Sem dúvida alguma.
Vanderley dos Santos, da Bahia: "Quais ações o PNE [Plano Nacional de Educação] busca aperfeiçoar para atender de imediato as mudanças implementadas pela BNCC [Base Nacional Comum Curricular]? E sobre a alfabetização?". Ele completa a pergunta: "E sobre a alfabetização?".
Muito bem, então, em primeiro lugar, com muita satisfação e enaltecendo o trabalho nacional da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, sempre presente, atuando com posições claras, bem definidas, a favor da educação pública de qualidade em nosso país, passo a palavra à Coordenadora-Geral da Campanha, que é a Sra. Andressa Pellanda. Com a palavra.
A SRA. ANDRESSA PELLANDA (Para expor.) - Obrigada, Senador, a quem agradeço também pelo apoio nesta audiência pública, pelo apoio em todas as nossas lutas pelo direito à educação há tantos anos. Quantas conquistas já pudemos fazer juntos! E espero que essas sigam.
Queria agradecer também à Senadora Dorinha e ao Senador Izalci pelo apoio na audiência de hoje. Esta audiência é conjunta, porque a gente trata de forma mais ampla sobre direitos humanos também, não só sobre o direito à educação, que faz parte da garantia de todos os direitos humanos, mas a gente traz...
No ano passado foi a primeira vez que a gente fez o balanço do Plano Nacional de Educação com os dados agregados por raça, gênero, etnia, região, estados do Brasil, localidade, e a gente conseguiu ver uma série de desigualdades provadas nos dados. São coisas que já são ditas há muitos e muitos anos no Brasil, mas a gente vê muito claramente como isso se observa no retrato do Plano Nacional de Educação, no retrato dos dados educacionais, desde a educação infantil até o ensino superior, passando pelas políticas de forma geral.
E agora a gente lança, pela segunda vez, esse balanço detalhado - na verdade, é o 9º balanço da campanha. A gente fez um balanço por ano desde 2015, desde o começo do Plano Nacional de Educação, o que foi uma luta imensa. Isto precisa ser registrado na história do Brasil: o quanto foi um plano construído a muitas mãos por um trabalho imenso da sociedade civil, com uma liderança muito forte da campanha, com o Daniel, que era nosso Coordenador-Geral e segue nessa luta no nosso Comitê Diretivo. E é uma luta que não pode ser deixada para trás, apesar dos dados que vão ser apresentados aqui hoje. Esse é o resumo das metas do plano, da Meta 1 à Meta 20 da educação infantil, passando pelo fundamental, médio, pelas condições de trabalhos profissionais, pelo ensino superior, até chegar ao financiamento. Tudo que está em vermelho é porque ou está não cumprido, ou está em retrocesso, ou está com lacuna de dados.
R
Essa questão do retrocesso e da lacuna de dados são dois pontos que a gente teve que acrescentar no último balanço, porque a gente tem visto um retrocesso imenso nos últimos anos e o Inep parou de divulgar uma série de dados publicamente, de disponibilizar online. A gente teve que fazer um pedido para que o fossem presencialmente no Inep. Esse pedido demora um mês para ser concedido e o agendamento foi só para o próximo mês. Então, alguns dos dados não estão ainda disponíveis aqui nesse balanço e a gente vai atualizar assim que tiver acesso a eles.
Em resumo, a gente tem 85% das metas não cumpridas, 65% em retrocesso - então, muito mais da metade; ano passado, a gente estava com um pouco menos da metade, já vinha apresentando esses dados de retrocesso, mas o impacto segue caindo -, 35% com lacuna de dados e 15% parcialmente cumpridas, que são a Meta 11 e a Meta 13.
Eu vou fazer uma fala diferente das que eu fiz nos anos anteriores, porque são 140 eslaides de dados. Eu não vou ficar falando 140 eslaides, nem dá tempo. Eu coloquei os dados todos na apresentação para ficarem disponibilizados e poderem ser utilizados das mais diversas formas, mas acaba ficando maçante eu ficar aqui falando desses números, e eles acabam não refletindo que são pessoas, são vidas, são estudantes que estão por trás desses números. Então, eu preparei aqui um textinho que vou ler - que também é diferente, normalmente eu não leio - para tentar simbolizar o que significam esses dados na vida real dos nossos estudantes. E aí eu vou passando os eslaides à medida, para vocês irem acompanhando os números que estão por trás desses rostos, dessas vidas desses estudantes.
Vamos lá. Lívia é um bebê de quatro meses, parda, da zona rural de Pernambuco. Ela tem duas vezes mais chance de não conseguir uma vaga em creche do que Maria - ali os dados dos estados -, que mora no Recife, na capital, porque ela está na zona rural. A mãe da Lívia, a Rosângela, tem 19 anos. Ela é preta, ela não concluiu o ensino médio, ela não estuda e ganha meio salário mínimo como ajudante geral em tempo parcial, em um bico que conseguiu. Ela tem metade da chance de conseguir voltar a trabalhar no mês que vem, na volta desse período pós-parto - que nem dá para chamar de puerpério, porque quatro meses não são o puerpério todo -, do que a Sofia, que tem a mesma idade que a Rosângela, ou seja, 19 anos, mas ela é branca, a sua família é de classe média e ela está na cidade de São Paulo, capital. Apesar de toda essa situação da Rosângela, a Rosângela tem mais chance de conseguir uma vaga na creche para a sua filha, para voltar a trabalhar, que Gil, que tem a mesma idade dela e é uma mulher indígena de Roraima.
Agora vamos lá para o ensino fundamental, Meta 2. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Se me permite, só quero saudar também a Senadora Teresa Leitão, que é membro da Comissão de Educação e coordena também a Subcomissão do Novo Ensino Médio.
Só quero dizer que está muito didático dessa forma. Eu acho que é bem interessante.
R
A SRA. ANDRESSA PELLANDA - Boa tarde, Senadora! Bem-vinda.
Digamos que, a muito custo Gil tenha conseguido matricular a sua filha de dois anos, que é também indígena, na educação infantil em Roraima. Daqui a quatro anos, ou seja, quando ela entrar nos anos iniciais do ensino fundamental, talvez Gil não tenha a mesma sorte ao tentar que sua filha de dois anos siga seus estudos no ensino fundamental, já que o estado tem o pior índice de acesso à etapa do Brasil, tendo retrocedido 5,3 pontos percentuais desde 2014. Ah, mas são só 6% da população no ensino médio anos iniciais de Roraima que não tem acesso à educação, que estão fora da escola. Mas, sem acesso, 6% sem acesso, significa milhares de estudantes e uma delas poderá ser a filha da Gil, indígena de Roraima. E a gente nem consegue saber direito essa projeção, porque a gente pouco tem dados desagregados sobre a população indígena na área da educação. Como mostra esse eslaide, a gente tem pretos, pardos e brancos nos dados desagregados, não tem os indígenas. Isso acontece não só no ensino fundamental, não só em Roraima, mas em todo o Brasil.
Na Meta 3, sobre o ensino médio, a gente vai falar de novo da Sofia, daquela de 19 anos, de São Paulo, branca, de família de classe média. Ela não precisou se preocupar sobre uma vaga na creche, para seguir seus estudos ou para trabalhar, porque ela teve acesso a políticas de educação sexual, ela teve acesso à saúde pública, ela está se formando no ensino médio e prestando o Enem.
Agora, o mesmo não acontece com a Luana, que a gente vê aí nesse gráfico, parda, de 16 anos, da periferia da cidade de São Paulo. Ela ainda está na escola, no ensino médio, mas ela divide o tempo do seu dia entre aulas de brigadeiro caseiro, falta de professores que estão adoecidos, entre cuidar do seu irmão mais novo, fazer docinhos para vender e ajudar na renda familiar. Ela não sabe se ela vai prestar Enem, diferente da Sofia. Ela não acha que vai passar na universidade pública. Ela não tem condições de criar mais uma despesa na família dela, pagando uma universidade de baixo custo e de baixa qualidade. Ela queria ser diplomata, estudar História, estudar Direito, mas as aulas dela vão só ajudar a vender os doces hoje, porque nem aula de sociologia ela tem mais, depois da reforma do ensino médio.
Agora eu queria falar do João Vítor. Ele é um menino paranaense, de 13 anos, pessoa com deficiência, mas, infelizmente, eu não tenho dados para falar do João Vítor, porque a Meta 4 do Plano Nacional de Educação tem gravíssimos problemas de falta de informação, já que não temos censo demográfico disponível desde 2010, que foi o ano que o João Vítor nasceu. É possível que ele esteja numa classe comum, compondo os 71% dos meninos de 4 a 17 anos do seu estado, Paraná, mas pode ser que ele não esteja na escola, e a gente não sabe disso. Vamos falar agora de educação de tempo integral.
R
Joana tem 14 anos, é do Tocantins. Ela estava numa escola municipal de educação integral quando estudou no ensino fundamental. Vejam só ali: o percentual de ensino em tempo integral na escola municipal é maior do que nas escolas estaduais. Acontece que ela não conseguiu vaga no ensino médio na educação em tempo integral porque o percentual de escolas estaduais que oferecem esse tipo de vaga é menor que as municipais do país. Ainda, o seu estado, o Tocantins, teve retrocesso de 17,5 pontos percentuais desde 2014 - 17,5 pontos percentuais! - na oferta de vagas em tempo integral. É uma das metas mais importantes para a garantia do direito à educação plena, um direito à educação para o desenvolvimento, um direito à educação que garanta outros direitos para que a criança esteja na escola, com alimentação, e é uma das metas mais instáveis, mais preocupantes. Ela não só não está cumprida, distante de ser cumprida, como ela está em retrocesso e a gente tem lacuna de dados. Então é uma das piores situações. E quando você vê o gráfico geral, você vê o quanto é instável e depende muito de políticas de governo. Ela não tem sido adotada como uma política de estado.
Agora a gente vai falar sobre a Meta 8, que trata de desigualdades sociais, ainda que a gente já tenha falado de muitas desigualdades até aqui, que é o objetivo desse balanço. A Meta 8 mostra as desigualdades das nossas juventudes. A escolaridade média da população de 18 a 29 anos mais pobre, que está nesse gráfico aqui, é 10,3 anos de estudo, contra 13,5 para a população mais rica. Pretos e pardos têm 11,3 anos de estudo em média, contra 12,4 para os brancos. Pessoas do campo cursam somente 10,3 anos de estudo em média, contra 11 em relação às pessoas da população urbana. Norte e Nordeste seguem atrás de Sudeste e Sul. E isso é um dado que está na Meta 8, mas se repete em quase todas as metas.
Mas não é só a nossa juventude que ainda tem negado seu direito à educação: 18% da população com mais de 65 anos, que é a última faixinha ali da penúltima linha, não sabe ler e escrever. Dezoito por cento da população com mais de 65 anos não sabe ler e escrever.
Aqui entra o seu Boris, que é preto, tem 63 anos, queria aprender a ler e escrever, mas as turmas de educação de jovens adultos em seu bairro, em uma cidade do sul da Bahia, fecharam há anos. E ele faz parte do um terço da população de 15 a 64 anos, ou seja, jovem, adulta e idosa, do Brasil, que é analfabeta funcional. Um terço da população brasileira adulta, que é analfabeta funcional. Ele teve uma camada imensa de direitos negados a vida toda.
R
Quando a gente vai olhar para a situação da Meta 10, de educação de jovens e adultos, a gente vai ver que o seu Boris nunca pensou em ter ensino superior, mas sabe que ter passado pela educação profissional poderia ter ajudado a dar um sustento para sua família, só que só 3,5%, hoje, de matrículas da educação de jovens e adultos são integradas à educação profissional.
Na Meta 11, a gente vai ver a situação não da educação de jovens e adultos integrada à educação profissional, mas o ensino médio integrado à educação profissional, o qual quase não existia na época do seu Boris, quando ele estava no ensino médio.
Então, a gente não vai falar dele, a gente vai falar do neto dele, que é o Bruno, que tem 13 anos, que queria cursar o ensino técnico, mas quando a gente vai olhar o dado sobre ensino técnico, a participação da rede pública na expansão das matrículas da educação profissional de nível técnico é uma instabilidade muito desafiadora, tendo tido uma queda ali, no último ano, de 2022 para 2023, agora, de 35%.
Ensino superior, que é a Meta 12, um sonho distante do Bruno. Menos da metade da população de 18 a 24 anos do país tem acesso ao ensino superior, ao ensino superior público ou privado. Para pretos, como Bruno, esse acesso cai para 1/3 e, para quem é da zona rural, como é o Bruno, o acesso cai para 12%.
Bruno não teve acesso à educação infantil, mas alguns dos alguns dos colegas do Bruno tiveram esse acesso à educação infantil. Acontece que, por falta de vaga... não, desculpem, acontece com as suas professoras da educação infantil não tinham formação adequada - é esse gráfico aí - como acontece com 58% das e dos professores da educação infantil no Nordeste e as outras regiões, como a gente vê aqui no gráfico, não estão muito melhores, as barrinhas laranja ali vocês veem que estão parecidas em termos de percentual.
E veja ali embaixo a rede privada... logo abaixo das barrinhas laranja tem duas verdes, não é? Uma é privada e outra é pública. Veja que a rede privada está em situação mais precarizada de formação dos profissionais de educação infantil do que a rede pública, contrariamente, para surpresa do senso comum.
Situação parecida acontece no ensino fundamental, que Bruno, na verdade, cursou e, pasmem, não é muito melhor o caso do ensino fundamental e do médio. No caso do ensino fundamental, o percentual de profissionais da educação infantil com formação adequada cai para 47%. E no ensino médio está acima, mas está em 63%. Ou seja, 47% não têm formação adequada... 37%, desculpem.
Na Meta 16, a gente vai ver sobre os cursos de formação continuada. Só 40% dos professores da educação básica no país realizam cursos de formação continuada. Ou seja, a grande maioria nem à educação continuada tem acesso.
O Indicador 17.2 da Meta 17, que fala sobre rendimento e valorização dos profissionais da educação, vai mostrar que na Bahia - aqui, esse gráfico -, na Bahia, os professores do Bruno ganham só 79% do rendimento dos demais profissionais com a mesma escolaridade, considerando a média nacional.
R
E sobre progressão de carreira, planos de carreira, que é este indicador aqui da Meta 18, a gente vai ver que, quando a gente olha para a Bahia, o Estado da Bahia nem cumpre com todos os requisitos de plano de carreira e piso, ou seja, o Bruno não teve acesso à educação infantil; os colegas dele tiveram, mas tiveram professores que não tinham formação adequada. No ensino fundamental, no ensino médio, metade dos professores praticamente não tem formação adequada. E, quando a gente chega para olhar o rendimento, as condições de trabalho, a carreira, não é cumprido o piso, não é cumprido o plano de carreira e a gente não tem valorização dos profissionais da educação.
(Soa a campainha.)
A SRA. ANDRESSA PELLANDA - Tá, então a gente pode pensar assim: esses estudantes podem se expressar, falar da sua situação. Só que não. Os estudantes que eu citei até aqui não têm gestão democrática nas escolas, que é a Meta 19. No Indicador 19A, que fala sobre a seleção de diretores por processo seletivo qualificado, com participação da comunidade escolar, a gente vê que só 6% das escolas do país estão nessa situação. E o caso, quando a gente vai olhar por região, é pior no Norte e no Nordeste, de novo, e nas zonas rurais, em âmbito municipal. E lá os estudantes pouco têm voz para contar a situação de violação de direitos, porque eles passam e pouco podem pensar em soluções coletivas, porque muito menos da metade das escolas do país tem colegiados intraescolares, que é esse dado aí do 19B - conselhos de classe, associação de pais e mestres, grêmios estudantis. E o caso, de novo, é mais grave no Norte e no Nordeste, na zona rural, em nível municipal.
Quando a gente vai olhar ali as barrinhas rosa, a última, menorzinha, é sobre grêmios estudantis. Só 13% das escolas do país têm grêmios estudantis. Não é à toa que o convívio escolar está terrível e a gente tem tido uma série de casos de ataques e violências às escolas.
Chegamos na última meta, a Meta 20, a meta sobre financiamento, que mostra que a gente está com 5,1% do PIB dedicados à educação. Uma série de fatores está por trás de tantas violações: a pobreza, que tem assolado o país, impulsionada também pelas reformas de Estado, como a reforma trabalhista e a da previdência; o racismo e o sexismo, que são estruturais; os impactos de uma pandemia não gerida, cujo alastramento foi incentivado pelo Governo Federal; o Programa das Escolas Cívico-Militares, que gera ainda menos democracia, mais violência. E um motivo que é estrutural, central, diagnosticado, inaceitável e latente está na Meta 20, que é a falta de financiamento adequado.
Os 5,1% do PIB dedicados à educação dizem muito pouco perto do salário miserável docente, que, em mais da metade do país, sequer ganha o piso para atender centenas de alunos por ano em uma jornada extenuante e adoecedora. Perto do valor por aluno, é um dos piores, comparado aos países da OCDE; perto de um teto de gastos, é a única política tão devastadora, constitucionalizada por 20 anos no mundo, perto das empreitadas de colocar o Fundeb no arcabouço fiscal; perto da série de cortes e mais cortes na educação, para fins de uso escuso do dinheiro público. E mais inadmissível que toda essa situação desses dados, de toda essa situação de falta de financiamento da educação, é que a gente tem gente, organizações, membros eleitos pelo povo, que defendem que o Plano Nacional de Educação 2014-2024 foi ousado. Eu pergunto pra vocês: qual é a ousadia de universalizar a educação básica? Qual é a ousadia de equiparar os anos de estudo da população negra com a população branca? Da população do campo com a população urbana? Das regiões do Norte e Nordeste daquelas do Sul e do Sudeste? Qual a ousadia de financiar um Custo Aluno Qualidade que garanta a mesma renda aos profissionais de educação que a média da população com a mesma formação? Qual a ousadia de garantir banheiro, água, quadra poliesportiva, internet, teto, janela nas escolas? Qual a ousadia de querer uma educação em que os estudantes possam se expressar, ter aulas densas, com ferramenta, laboratório, professores bem formados em número adequado? Qual a ousadia em querer que a alimentação escolar seja digna e não seja uma pequena merenda de uma bolacha?
R
Esses dados de descumprimento do plano, depois de tanta luta por ele ser aprovado, um texto inédito, um texto forte, que responda às demandas sociais, esses dados hoje são muito estarrecedores, chegando ao nono ano, faltando menos de um ano para a finalização do plano. Mas diante deles, a gente não pode, em hipótese alguma, no momento de construção de um novo plano, nos rebaixar como sociedade, nos rebaixar como Estado e dizer que cumprir com a Constituição Federal de 1988 e garantir o primeiro direito social listado na Constituição para a população é uma ousadia.
(Soa a campainha.)
A SRA. ANDRESSA PELLANDA - E a mensagem que a gente queria deixar neste dia de lançamento do balanço é que o Congresso tenha que refletir sobre isso, que seja responsável com os debates que vão acontecer nesse ano de construção do novo plano, garantindo que a gente não retroceda em uma legislação que foi uma grande conquista na história brasileira e que, sim, a gente tem que ser ousado. Agora, sim, a gente precisa ser ousado, porque a gente já perdeu muitos e muitos anos. Não são só dez anos para trás, são décadas para frente desses estudantes que não tiveram acesso à educação. A gente não pode retroceder, a gente tem que ser ousado, se a gente não quiser mais casos como o de Lívia, Rosângela, Gil, Luana, João Vitor, Joana, Boris, Bruno e milhões de outras pessoas sem direito à educação e à justiça social no Brasil.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Muito boa a apresentação, muito didática também. A forma de abordar as metas e as relações entre as metas foi muito interessante. O material é extremamente rico, importante e ficará, obviamente, no portal da Comissão à disposição de qualquer pessoa que queira olhar, ver, se aprofundar, fazer trabalhos, comparações - por isso é importante estar no portal.
Mas eu solicito também à Andreia, que é a nossa Secretária da Comissão e toda a infraestrutura, que enviemos essa apresentação para o Consed, para que eles a enviem para os estados, como iniciativa da Comissão, porque às vezes o santo de casa não faz milagre. Vocês mandam e... Quer dizer, tem que ter outros santos também para a Undime; para as escolas; para o Foncede, que são os conselhos estaduais; para a Uncme, conselhos municipais; e para o Conselho Nacional de Educação, dizendo que foi à apresentação que aconteceu na Comissão de Educação e que se considera altamente relevante, oportuno e necessário que todo mundo tome conhecimento dessa análise que está tão clara, tão óbvia, com quadros tão evidentes.
R
Eu próprio vou imprimir isso para mim, porque é melhor do que ficar escutando, e me debruçar também sobre esses dados desagregados, que foram comentados, por etnia, por raça também, por gênero etc.
Eu estava pensando se, lá, aparecem comunidades quilombolas especificamente. Também não, porque de negros, de pardos e de comunidades quilombolas, não tem nada. Comunidades indígenas, também não.
E a gente sabe que, em termos de conectividade, os dados que tem lá da Região Norte, muitos deles são de 20 anos atrás e colhidos por entidades comunitárias também.
Eu acho que esse desafio tem que nos impulsionar e fazer com que sejamos ousados.
Eu li, hoje de manhã, uma frase de Frei Leonardo Boff, que foi frei, mas que continua sendo chamado de frei. Sempre frei. Uma vez frei, sempre frei e extraordinário. Ele disse: se você não almeja o impossível, nem o possível você vai realizar.
Então, temos que ser ousados.
Essa é uma frase dele que tem que nos inspirar.
Outra fase que eu gosto: ele não sabia que era impossível, foi lá e fez.
Então, temos que fazer também.
Parabéns, Andressa Pellanda, Coordenadora Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Passo a palavra ao Daniel Cara, Professor da Faculdade de Educação da USP e membro do comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Quero saudar também a Senadora Jussara Lima, que está presente também, faz parte da Comissão de Educação.
Vocês sabem que há várias coisas acontecendo, que demandam a presença das pessoas em outros lugares, como a discussão do arcabouço fiscal, que é fruto de muito debate, muita discussão. No relatório do Senador Omar Aziz, na área da educação, o Fundeb foi retirado do teto que se pretende instalar. Então, isso é importante.
Mas só que há muito debate, muita discussão, e o pessoal está...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Já são quase 14h, está terminando a reunião. E não podemos deixar que as pessoas fiquem esperando.
Por isso, inclusive, a Professora Dorinha deve estar vindo para cá. O Izalci Lucas, também.
Daniel, com a palavra.
O SR. DANIEL CARA (Para expor.) - Bom, vamos lá.
Boa tarde a todos e todas. Boa tarde, Senador Flávio Arns. Boa tarde, Senadora Jussara Lima e Senadora Teresa Leitão.
R
É um prazer estar aqui no Senado Federal, debatendo um tema a que nos dedicamos. A Campanha Nacional pelo Direito à Educação dedicou, na prática, na prática, desde 2007, praticamente todo o seu esforço de mobilização, de construção. E hoje, Senador Flávio Arns, o trabalho que a Andressa Pellanda apresentou é o único esforço que tem sido feito pela sociedade civil de acompanhamento, ano a ano, do cumprimento ou não do Plano Nacional de Educação. Aliás, é duro dizer, mas infelizmente se trata de um não cumprimento do Plano Nacional de Educação. E para nós que nos dedicamos, praticamente todos os dias, para o cumprimento do Plano Nacional de Educação, Senadora Teresa Leitão, é importante tentar entender o que tem acontecido, até porque esse é o segundo Plano Nacional de Educação, que tem as suas metas e estratégias.
Infelizmente, nesse Plano Nacional de Educação nós não temos objetivos. E fica aqui também uma dica para o Senado Federal cumprir com aquilo que está posto na Constituição Federal, no art. 214, que nós reformamos em 2009 - participei dessa luta pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009 -, em que o plano tem que ter diretrizes, objetivos, metas e estratégias. A falta dos objetivos, inclusive, eu considero que é um dos elementos que enfraquecem o plano, mas essa lei do Plano Nacional de Educação foi uma lei muito debatida. E a gente tem que analisar o motivo pelo qual o plano passado, de 2001-2010, não foi cumprido, e o porquê de esse plano também não está sendo cumprido.
E eu vou trazer uma tese de que isso tem um relacionamento intrínseco ao Estado brasileiro. Infelizmente, o que eu quero trazer aqui, de maneira bastante assertiva, é que o Estado brasileiro não tem feito o esforço necessário para cumprir com o direito à educação. E a gente precisa romper com essa tradição, que é uma tradição que não é de 1988 para cá, mas infelizmente é uma tradição histórica. Se aqui o Anísio Teixeira estivesse vivo, ele falaria exatamente a mesma coisa. O Paulo Freire diria o mesmo. O Florestan Fernandes, que batiza aqui uma das salas do Senado Federal, também diria o mesmo. E praticamente... Darcy Ribeiro, que foi Senador da República, traria exatamente a mesma questão. E todos os outros intelectuais e ativistas que se dedicaram ao direito à educação colocariam exatamente o mesmo problema.
O primeiro ponto... Até quero parabenizar o Senado Federal, que foi muito feliz na escolha do tema da audiência de ontem, que era sobre ruptura ou continuidade do Plano Nacional de Educação. E eu vou defender aqui o argumento de que a gente precisa ter continuidade do Plano Nacional de Educação e ruptura com o descumprimento do plano, tentando apresentar os motivos que eu vejo que, fazendo, estudando a questão da economia da educação, estudando o descumprimento dos planos nacionais, são questões centrais.
Em primeiro lugar - eu trouxe ontem esse argumento, Senadora Teresa Leitão -, nós temos um modelo econômico que inviabiliza a realização dos direitos sociais. A gente está falando sobre educação. Outro dia, eu tive a oportunidade de participar de um jantar no Rio de Janeiro em que o Jorge Werthein, que é um grande especialista em relações internacionais e que trabalhava com educação e hoje trabalha com a questão do campo, dizia: "Olha, vocês estão falando de educação e a gente poderia dizer sobre as questões do campo, porque também não se realizam as demandas da área do campo, da questão rural, em termos das condições de vida das pessoas". Nós poderíamos estar aqui com um sanitarista, que falaria o mesmo para a questão da saúde. Na prática, a gente vive - e aí vou citar aqui o Papa Francisco - uma realidade em que ao longo do tempo nós construímos um modelo de país em que as pessoas estão a serviço da economia. Isso foi longamente debatido na época da pandemia. E a gente precisa, para o país de fato se desenvolver... Ontem eu e o Senador Flávio Arns fizemos uma brincadeira sobre a questão da potência do povo brasileiro, e aqui eu vou retomar o Câmara Cascudo, que eu acho que é um dos grandes pensadores do Brasil, um dos grandes pensadores da cultura brasileira. O Câmara Cascudo dizia que o melhor do Brasil é o brasileiro. Eu vou atualizar a frase dele: o melhor do Brasil são as brasileiras e os brasileiros. Nesse sentido, considerando que a grande riqueza que nós temos é o povo brasileiro, concretamente a gente precisa construir um novo modelo econômico em que a economia esteja a serviço das pessoas, que é exatamente o inverso do que a gente sempre viveu. No mundo, para ser bem franco, nós só tivemos um momento em que isso foi quase possível, que foi no auge do estado de bem-estar social, exatamente entre o fim da Segunda Guerra até a década de 70, início da década de 70, quando os países mais desenvolvidos do mundo estabeleceram as bases sobre as quais eles existem até hoje.
R
Eu estive recentemente em Portugal, e com todos os problemas que tem a educação portuguesa, a base do estado de bem-estar social português é o que garante o fato de que lá não tem dívida educacional. Então, os temas do Plano Nacional de Educação, como bem colocou a Andressa, no caso português não fazem sentido, e é um país que não está no ápice do desenvolvimento no contexto internacional.
A gente poderia falar aqui, por exemplo, do caso finlandês. Até a Finlândia tem uma lição interessante para nós. A Finlândia traz para a gente uma lição interessante, porque era um país numa condição muito negativa, em termos de desenvolvimento econômico, colocou a educação como prioridade, soube fazer algo que o Brasil nunca fez, que é articular a educação com ciência e tecnologia. O caso finlandês é exemplar, porque eles fizeram uma reforma educacional que veio acompanhada de uma reforma econômica, e que veio acompanhada de um projeto de desenvolvimento.
Então, o primeiro ponto, que eu quero trazer de maneira bastante clara aqui, é que se a gente continuar debatendo o Plano Nacional de Educação, desvinculado da agenda de ciência, tecnologia e inovação... Aliás, no primeiro plano, pós-redemocratização, 2001 a 2010, isso estava mais resolvido. Neste plano, isso foi abandonado. Mas se a gente continuar debatendo o Plano Nacional de Educação desvinculado da agenda de ciência, tecnologia e inovação, e mais do que tudo, desvinculado do projeto econômico, a gente não tem como cumprir o plano, porque não existe instrumento material concreto para garantir o necessário para o Brasil investir em educação.
Fazendo só uma correção: o Comunicado 124 do Ipea... Muita gente fala que é uma loucura ter aprovado os 10% do PIB para educação. No Comunicado 124 do Ipea, que foi lançado em dezembro de 2011... A gente inclusive ia votar o relatório do Deputado Angelo Vanhoni, que é do Paraná também, naquele dia, e acabou que atrasou, acabou saindo a aprovação do relatório dele no dia 26 de junho de 2012, e aí veio aqui para o Senado Federal. O Comunicado 124 do Ipea diz o seguinte: é possível cumprir com os 10% do PIB para educação, mas o Brasil vai ter que fazer o equivalente a um esforço de guerra para cumprir com o Plano Nacional de Educação. O que a Andressa trouxe aqui de maneira muito contundente é que esse esforço de guerra vale a pena, e que ele tem que ser realizado. O que eu estou adicionando é que não dá para fazer só um esforço de guerra em educação. A gente, de fato, tem que pensar na questão de ciência, tecnologia e inovação. Outro dia, eu estava analisando as mil empresas mais desenvolvidas do mundo em termos de inovação. O Brasil tem cinco. Quatro delas, Senadora Teresa Leitão, eram empresas vinculadas ao setor público. Então, na prática, uma empresa pública, mista, que é a Petrobras. As outras três eram empresas que eram empresas públicas. A quinta empresa é uma empresa que investe muito em inovação e que, de fato, está entre as mil mais desenvolvidas do mundo.
R
Agora, os países que têm o maior número de empresas entre as mil mais desenvolvidas são, concretamente, os países que investem em ciência e tecnologia. E o país que mais tem ganhado destaque é exatamente a China, que é o país que, hoje, tem o maior número de cientistas por 100 mil habitantes. A China está, a cada dia que passa, estourando fronteiras, rompendo linhas e, de fato, deve ser o país que vai protagonizar o desenvolvimento no século XXI.
Bom, mas não é só modelo econômico que é o problema brasileiro. O Plano Nacional de Educação tem uma outra questão que trava o cumprimento do plano: nós temos um federalismo que é completamente esquizofrênico em relação aos direitos sociais e àquilo que importa para a população brasileira.
O Brasil teve um federalismo proclamado. Nós nos tornamos um país federativo exatamente no mesmo dia em que nós nos tornamos uma República. Foi no dia 15 de novembro de 1889. E esse federalismo nasce de uma forma curiosa, porque ele é inspirado nos Estados Unidos, mas tenta fazer o inverso do que ocorreu nos Estados Unidos.
O Brasil era um Império. Então, ele constitui um federalismo para descentralizar poder. E o modelo em que ele se inspira é o modelo de um país que era confederado, que eram os Estados Unidos, e que constrói um federalismo para se tornar um país federativo, com maior poder para o Governo central. Então, as ordens forma inversas.
A gente costuma dizer, em ciência polícia, que o federalismo dos Estados Unidos é centrípeto, ou seja, ele tende ao centro; e que o federalismo brasileiro nasceu centrífugo. E essa era a linha que nós analisávamos em ciência política.
Isso está errado, porque o Brasil, olhem a contradição nossa - a Senadora Teresa Leitão é de Pernambuco e vai entender bastante, porque é um dos estados mais prejudicados pelo pacto federativo, Pernambuco, Rio Grande do Sul, enfim, são os estados que hoje mais, Bahia, Paraná...
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - O Estado do Piauí.
O SR. DANIEL CARA - O Piauí também é bastante prejudicado.
Mas o fato concreto é que o Brasil constitui um federalismo que é centrífugo em relação às responsabilidades dos direitos sociais. Então, quem tem que, de fato, garantir os direitos sociais são estados e municípios, por isso a importância do trabalho trazido pela Andressa, que vai mostrar o descumprimento do plano em cada ente federado. Mas ele é centrípeto - e esta é a contradição fundamental do Brasil - em relação ao orçamento, porque o dinheiro, obrigatoriamente, passa pela União para, depois, ser retransmitido. E, na hora em que ele é retransmitido, ele não é retransmitido na medida do que é justo. E esse ponto precisa ser discutido.
Fico feliz que o Fundeb saiu do arcabouço fiscal, uma conquista desta Casa, de cada um de vocês que lutaram para que o Fundeb ficasse fora do arcabouço fiscal.
Mas tem uma outra conquista que tem que ser desta Casa, que é a Casa do federalismo brasileiro, que tem que ser uma reforma tributária e fiscal radical no sentido freiriano. O Paulo Freire dizia que o correto é ser radical, que ser radical é ir à raiz do problema; o que não pode é ser sectário.
R
Tem que se fazer uma reforma tributária e fiscal radical que, de fato, distribua recursos dentro da República Federativa do Brasil. Isso vai passar pela decisão que vai ser tomada no Supremo Tribunal Federal, nos próximos dias, em relação aos recursos do petróleo para a saúde e para a educação, a redistribuição dos recursos do petróleo, mas tem que ser rediscutida, por exemplo, a existência de um ICMS que beneficia o meu estado, a minha universidade, inclusive, o que é completamente injusto com o restante do país. E o que importa não é o cidadão de São Paulo, é o cidadão da República Federativa do Brasil, que é única cidadania que existe. Não existe a cidadania paulista, a gaúcha, a pernambucana, a pernambucana até tem, não é, Senadora? Pernambuco é tão forte que tem uma cidadania própria, mas pela riqueza cultural. Mas, brincadeira à parte, o fato é que não existe uma cidadania por estado, existe uma cidadania na República Federativa do Brasil.
Então, o primeiro problema é de modelo econômico, o segundo é de modelo federativo.
O terceiro problema é de gestão do plano, e aí, Senador Flávio Arns, tem um aspecto que, para mim, é assustadoramente vergonhoso. O Brasil ainda não teve a capacidade de superar a ideia dos governos em detrimento do Estado brasileiro. O Plano Nacional de Educação todo mundo fala que é um plano de Estado. Vocês já ouviram esse discurso constantemente. O problema é que não existe, não existe política de Estado no Brasil, não existe. O Brasil é um país que tem um modelo que eu não estou criticando, porque ele é que faz a nossa democracia sobreviver, mas o Brasil é o único país do mundo em que existe um modelo de constitucionalização permanente. Nós temos 128 emendas à Constituição, em 35 anos de Constituição Federal, o que dá uma média de 3,6 emendas à Constituição por ano. E a qualidade de governo, V. Exas. que são Senadores da República, sabem que a qualidade de um governo é se ele tem poder de alterar a Constituição. E qual que é a lógica da alteração da Constituição? É tentar tornar uma política de governo uma política de Estado.
Eu contar um episódio para vocês. Eu cheguei na Assembleia Geral das Nações Unidas, numa reunião com Gordon Brown, que era Presidente da Comissão de Educação da ONU, e fui lá para fazer uma crítica à Emenda à Constituição 95, de 2016, que, na época, era a PEC 241, na Câmara dos Deputados, tramitava lá, em setembro de 2016. E eu apresentei ao Gordon Brown um texto, em inglês - eu procurei fazer uma tradução bastante rigorosa -, eu apresentei o que era a emenda à Constituição, depois convertida em Emenda à Constituição, promulgada 95, de 2016. Ele leu o texto e falou:
Mas isso é a política econômica mais cruel da história, porque o Presidente Michel Temer [palavras dele, não são minhas, isso até está retratado no jornal O Globo], o Presidente Michel Temer está tomando uma decisão de política econômica que por 20 anos todos os presidentes vão ser obrigados a seguir.
E vejam o que está sendo posto, o que está sendo posto nessa...
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Só vou interromper...
O SR. DANIEL CARA - É claro, é claro.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - ... por meio minuto, porque a Professora Dorinha Seabra, Senadora, vai presidir daqui para frente a reunião, a audiência pública. Só quero dizer que está maravilhosa, dados muito interessantes.
E já foi justificada a sua ausência por estar na outra reunião, mas eu fico aqui na frente.
O SR. DANIEL CARA - Senadora Dorinha, já aproveito para parabenizá-la e também a todos os Senadores pela luta pela retirada do Fundeb do arcabouço fiscal. Acabou de sair o relatório. Quero parabenizá-la por essa iniciativa.
Eu estou colocando aqui o problema, a dificuldade que o Brasil tem de ter política de Estado, porque sempre está marcado na lógica da política de governo.
R
Então, nesse episódio do Gordon Brown, o que está refletido ali? É um ex-Chefe de Estado - aliás, Chefe de Governo -, no caso, do Governo britânico, Primeiro-Ministro do Reino Unido, que observa que, no caso brasileiro, um Presidente da República estava determinando a regra que iria prejudicar, gravemente, a educação, como prejudica, ainda prejudica a Emenda à Constituição 95, de 2016, e que toma uma decisão em que, por 20 anos, aquela visão de gestão daquele Governo torna-se permanente.
Nada no Brasil... Tem aquela música da Cássia Eller, escrita pelo Renato Russo, que diz que a gente sempre tem que ter a ideia de que as coisas... a gente pensa que as coisas são eternas, mas, uma hora, o que é para sempre, sempre acaba.
E a Emenda à Constituição 95, de 2016, vai acabar, mas constrangeu o orçamento da educação, da saúde, da assistência social, da ciência, tecnologia e inovação, por muitos e muitos anos, e continua constrangendo. Mesmo o arcabouço fiscal, sendo bem franco com vocês, a realização dele já, também, impede a plenitude da realização do direito à educação, do direito à saúde, do direito à assistência social.
Qual é o ponto que eu quero argumentar para vocês aqui? É que isso é tão grave... O caso do Plano Nacional de Educação é uma prova dessa falta de visão de Estado e dessa visão restrita a Governo que o Brasil tem. O Plano Nacional de Educação - a Senadora Dorinha, na época, Deputada Federal, foi uma das mais ativas na construção do plano - a gente construiu um Plano Nacional de Educação que é todo encadeado. Ele era ali um caminho que era tranquilo de ser realizado, no sentido da ordem, do fio lógico. Então, para cumprir com a Meta 1, para cumprir com a Meta 2, com a Meta 3, que é direito à educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, era preciso investir aquilo que a Emenda à Constituição 59, de 2009, determinou, era preciso investir o dinheiro da desvinculação das receitas da União na expansão da educação infantil do ensino fundamental e do ensino médio.
No ensino fundamental, como a Andressa mostrou, ainda, nós não alcançamos a universalização, em que pese a sociedade brasileira acreditar que nós já tenhamos alcançado. Esse dinheiro nunca veio para a educação. Como esse dinheiro não veio, uma outra alternativa é que, em dois anos do plano, era para ter o Sistema Nacional de Educação, para rever a distribuição do recurso, e era para aprovar, em quatro anos, o Custo Aluno-Qualidade. Isso também não aconteceu.
E o que acontece com o plano? Ao invés de se seguir o plano pari passu aquilo que está programado, a iniciativa dos governos - e são todos os governos - não adianta falar que é um, que é outro, são todos os governos. A iniciativa do Governo, em vez de tratar o plano como um fio lógico, como qualquer plano tem que ser tratado, o que aconteceu é que se tratou o plano como um cardápio, e aí se escolheu a Base Nacional Comum Curricular, escolheu-se a reforma do ensino médio, implementou-se essas políticas e deixou-se todo o resto de lado. Por quê? Porque não interessava aos governos em questão, no caso, particularmente, ao Governo Temer.
Então, percebam que a lógica do Governo sempre está à frente da lógica do Estado. Enquanto essa for a referência, eu sinto dizer, no Senado da República Federativa do Brasil, que a gente não vai conseguir, de fato, garantir o direito à educação.
Então, o primeiro ponto é o modelo econômico. O segundo ponto é o federalismo brasileiro, e aí tem que se votar a lei do Sistema Nacional de Educação. A lei que foi aprovada no Senado, preciso dizer, precisa ser aperfeiçoada na Câmara para dar conta dos problemas federativos, o que é natural. Uma Casa é propositora, a outra Casa é revisora; então, a Casa revisora, a Câmara, pode aprovar um relatório mais avançado, porque, aqui no Senado, vai ter boa acolhida, eu tenho certeza disso.
R
O terceiro problema é que não existe lógica de projeto de Estado. O Brasil vive, reiteradamente, uma lógica de projetos de governo que perpassa a própria Constituição da República.
E o quarto e último ponto, e este é o que eu considero mais dramático, é que o Brasil ainda não estabeleceu uma cultura pedagógica. O debate educacional é um debate que, muitas vezes, é feito...
(Soa a campainha.)
O SR. DANIEL CARA - ... por pessoas que desconhecem a realidade das escolas. Normalmente se fala "chão da escola"; eu prefiro falar "universo escolar", porque quem conhece a escola sabe que cada escola é um universo, e esse conjunto de universos constitui, de fato, o que é a experiência substantiva de realização do direito à educação. Mas o ponto que me surpreende - e aí, tendo a oportunidade, eu já trabalhei, neste momento, em 33 países, tive a oportunidade de visitar trabalhando a questão da educação -, o que mais me surpreende é que é muito raro você ver um gestor escolar, um secretário ou um ministro da educação que desconhece a realidade da escola. E aqui no Brasil é muito raro, neste momento, você ter ministros, secretários e, por incrível que pareça, em alguns lugares, até diretores escolares, porque está se criando um cargo acima da direção escolar que controla o trabalho do diretor, que, de fato, entendam de educação, entendam de pedagogia. Quem nunca estudou ou realizou um processo ensino-aprendizagem tem muita dificuldade de dizer sobre o que é, efetivamente, o direito à educação de maneira substantiva.
É claro que todo mundo tem o direito de dar opinião, é princípio constitucional, no art. 206, a gestão democrática, mas ficar descontextualizado do que é a realidade educacional e do que é a realidade pedagógica é um problema concreto, e não é à toa que, muitas vezes, a pauta da educação avança quando tem Parlamentares que são vinculados de fato à área da educação, porque eles entendem daquilo que se realiza. Então, é importante dizer que a área de educação exige especialidade.
Então, nesse quarto ponto a gente precisa trabalhar na perspectiva de entregar a educação às educadoras e aos educadores, o que é algo que o Brasil também nunca cumpriu e que é o mais simples de ser feito, porque não exige modelo econômico, não exige um federalismo diferente, não exige uma lógica de Estado, e não uma lógica de governo, exige uma tomada de decisão que ocorre na área da saúde.
Na área da saúde, todos vocês aqui repetiram reiteradamente que as políticas de saúde pública devem ser feitas por pessoas especializadas em saúde pública e orientadas pela ciência. O problema concreto é que as políticas de educação não são feitas por educadoras e educadores e trabalham muito pouco na perspectiva das ciências da educação.
Aconteceu, infelizmente, o caso de Cambé. Eu sou o Relator no âmbito do Ministério da Educação, na estratégia do Ministério da Educação, de que eu sou crítico em relação à reforma do ensino médio, mas colaboro nesse ponto que é em relação à violência nas escolas, que vai trabalhar na estratégia do Ministério da Educação em relação ao combate aos ataques às escolas. E, concretamente, o que se observa é que existem muitos especialistas que falam sobre a questão da educação, mas não entendem como se dão as relações dentro de uma escola. Por exemplo, não adianta colocar câmera... Não sei se vocês já observaram. Só para dar um caso aqui para comprovar meu argumento. Não adianta colocar câmera em escola, porque todos os ataques, em geral, são filmados. Vocês já repararam isso? Porque a pessoa que vai praticar o ataque busca, inclusive, o lugar onde tenha câmera, porque ela quer que o seu ato de violência covarde, inaceitável, seja filmado para, entre aspas, como eles colocam nas comunidades de ódio, "ser eternizado pelo ato de violência vil que foi praticado dentro de uma escola".
R
Então, para esse ponto eu quero chamar atenção: a gente precisa, de fato, mudar essa cultura no Brasil, que é uma cultura de desconsideração com a educação.
Bom, para finalizar de vez, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados vão começar a discutir o novo Plano Nacional de Educação - acho que a Andressa já deu a linha mais importante aqui. Não é reduzindo as demandas educacionais brasileiras que a gente vai alterar a realidade. Não é tirando a meta, por exemplo - essa é uma posição que alguns especialistas têm trazido -, de educação de jovens e adultos, porque covardemente dizem que as pessoas vão morrer, que você vai resolver o analfabetismo das pessoas com mais de 15 anos ou o analfabetismo funcional daqueles que não cursaram completamente a educação básica. Não é tirando as metas de educação infantil que você vai universalizar creche.
Existe uma função no Plano Nacional de Educação que é indiscutível. O Plano Nacional de Educação, para quem está na luta pelo direito à educação, ainda é um farol para que a gente diga que aquilo precisa ser cumprido e, se a lógica for a da redução legal... Observem o que estou dizendo aqui: os governos reduzem tudo no Brasil ou ampliam tudo em termos constitucionais, estão sempre alterando a Constituição...
(Soa a campainha.)
O SR. DANIEL CARA - ...mas eles nunca tiveram coragem de mexer no art. 6º, que determina os direitos sociais. Não é tirando o direto à educação dos direitos sociais do art. 6º que a gente vai realizar o direito à educação. E, se essa moda de redução legal pegar no Brasil, vocês sabem qual vai ser o resultado? A gente vai ser um país ainda menos desenvolvido, ainda menos justo, ainda menos igualitário.
Então, o que eu quero deixar de mensagem é para que o Senado Federal tenha compromisso com o direito à educação e tenha a coragem de assumir que o Brasil não cumpriu, até hoje, com aquilo que é dever da República Federativa do Brasil, e que esse caminho precisa ser um caminho de anunciar, inclusive no corpo legal, para que a gente tenha condições de fazer a denúncia quando o direito à educação não estiver sendo cumprido.
Então, eu sou um defensor do Plano Nacional de Educação, acho que ele pode ser muito aperfeiçoado em vários aspectos, mas de maneira alguma a gente deve tirar ou reduzir a demanda legal, porque a realidade concreta das pessoas exige que seja chamada a atenção para o fato de que, por exemplo, as pessoas com deficiência não têm seu direito à educação garantido, que as pessoas negras não têm direito à educação garantido, que a universidade ainda é um privilégio no Brasil. E eu posso dizer isso por experiência própria, como professor universitário: eu vejo que as minhas salas são cada vez mais democráticas graças à luta dos jovens aos cursinhos populares, mas muito é pouco é feito pelo Estado brasileiro para garantir que aqueles jovens fiquem de fato na universidade, aprendam e transformem o Brasil.
Então, como eu acredito no povo brasileiro, eu preciso acreditar que esta Casa e a Câmara dos Deputados vão aprovar um Plano Nacional de Educação condizente com o povo brasileiro e com as necessidades educacionais brasileiras.
Muito obrigado.
É sempre um prazer falar no Senado Federal da República. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Professora Dorinha Seabra. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - TO) - Boa tarde!
Quero, primeiro, lamentar não ter estado aqui desde o início, mas nós tínhamos uma agenda que acabou sendo atropelada pela reunião da Comissão de Assuntos Econômicos, pela discussão do arcabouço, que finalizou hoje.
Agradeço ao Senador Izalci e, em especial, ao nosso Presidente Flávio Arns, por ter conseguido iniciar e realizar a audiência.
R
Quero agradecer a apresentação da Andressa, Coordenadora-Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, companheira de muitas lutas. O Senador Flávio Arns elogiou muito o material disponível, então, com certeza, vai nos ajudar muito no debate e no processo de construção de avaliação do PNE e na construção do novo Plano Nacional de Educação.
Agradeço também a fala e a exposição do Daniel Cara. Muito obrigada também pela sua fala. Estivemos nas nossas lutas pela educação, sempre vigilantes.
Eu consultei o Senador Flávio Arns, ele disse que já falou bastante, mas se quiser fazer alguma pergunta.
Eu vou passar para as Senadoras que estão aqui.
Senadora Teresa Leitão, gostaria de falar?
A SRA. TERESA LEITÃO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para interpelar.) - Boa tarde, uma fala muito rápida e muito simples, desejando que o itinerário de Bruno seja mais inclusivo. Bruno, Senadora Dorinha, foi a figura que Andressa usou, uma criança, para expor as metas, comparando com outras crianças, com outras condições de vida, de escola, de família, condições socioeconômicas, enfim, tudo que a gente precisa contextualizar no alcance de metas.
Eu tenho uma certa rejeição, Prof. Daniel, a essa palavra "metas". Eu acho que ela quantifica muito e às vezes não contextualiza tudo o que a gente precisa percorrer para alcançá-las. Mas nem tanto ao mar nem tanto à terra, como foi feito com o nosso plano, em que se ignorou muita coisa, inclusive os subsídios e aquilo que é necessário para que uma determinada meta seja alcançada. Para mim, metas são sempre um movimento coletivo, isso o plano precisa resguardar.
Dentre esses quatro aspectos que foram levantados, eu acho que dialogam bastante com a exposição de Andressa, também é natural, ambos são da campanha, é uma reflexão já coletiva, eu creio, dialoga bastante com isso. Eu acho que o plano precisa ter em mente, ou o novo plano, precisa ter em mente os limites e eu diria até, em algumas questões, os fracassos, não só gargalos, mas os fracassos. Para nós, tecnicamente, podem ser gargalos, mas para a vida dos brunos, e tem vários por aí afora, são fracassos impingidos, fracassos que poderiam não ter ocorrido, e a gente debate esse plano agora com alguns elementos que eu espero que também valorizem esses quatro aspectos que foram citados: o modelo econômico, o federalismo, o projeto de estado e a cultura pedagógica. Acho bem pertinentes esses aspectos e acho que o plano se inclui, primeiro, em um momento de transição - a PEC da transição é inédita por isso, porque foi uma PEC apresentada por um Governo eleito sem estar empossado, daí vem a importância das Casas Legislativas. Nós não estávamos aqui. Nem eu, nem a Senadora Dorinha, nem a Senadora Jussara. Mas o Senador Flávio estava, não é? Então minhas homenagens ao...
R
A SRA. PRESIDENTE (Professora Dorinha Seabra. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - TO) - Mas eu estava lá.
A SRA. TERESA LEITÃO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE) - Estava lá. Sim, estava lá, Dorinha, exato.
Minhas homenagens a esse processo de compreensão e de disponibilidade que as Casas Legislativas, o Congresso Nacional, deram à sociedade.
E agora o tal do arcabouço fiscal. Então não dá para a gente debater nada sem debater financiamento. Vamos ter um desafio maior depois do arcabouço, que é a reforma tributária. E como queremos a educação na reforma tributária? Nós tivemos uma vitória evidente, uma vitória muito costurada. Eu não apresentei emenda e me senti contemplada na emenda da Senadora, assinamos a Emenda nº2. Mas a preocupação: a cada conquista, a gente vê também o vínculo que ela tem com a próxima.
Então essa leitura que vocês fazem, muito bem feita, da necessidade de a gente ter um modelo econômico que não coloque o troquinho, o troquinho do recurso para a educação. O dado do PIB é preocupante - é preocupante -, como é preocupante a menção que você fez aos royalties do pré-sal, e eu diria que é um momento que precisa de muita convergência. Não sei se teremos o suficiente, mas é um momento em que precisa, porque não dá para a gente ter um terceiro plano que não seja implementado, ou que seja fatiado, ou que se pince aquilo que interessa. Tudo tem relação.
Nós aqui estamos debatendo o Plano Nacional como foco desta Comissão - já concluindo, Sr. Presidente -, mas estamos também debatendo o novo ensino médio, o piso nacional profissional do magistério, o Sistema Nacional de Educação e queremos que tudo isso encontre, dentro do plano, um eixo estruturador. É bem verdade que ele tem que ter, mas esse diálogo interno que possa, ao final e ao cabo, dizer: não, educação é direito. E não só dizer, mas praticar.
Educação é direito de todas, de todos, um direito público, um direito social, um direito subjetivo, porque é de cada um e de cada uma. E que as Casas Legislativas vão sempre poder contribuir com isso.
Eu tenho aprendido muito nesses primeiros meses nesta Comissão, que é uma Comissão que se abre muito para o debate. Eu acho que isso nos desafia cada vez mais, ouvindo a sociedade, a apresentar projetos que possam conjugar com isso. A gente precisa consolidar um regime fiscal sustentável com a necessária proteção. E aí é proteção mesmo, proteção constitucional e proteção a direitos de todas e de todos.
Parabéns à campanha pela belíssima exposição!
A SRA. PRESIDENTE (Professora Dorinha Seabra. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - TO) - Muito obrigada.
Senadora Jussara. (Palmas.)
A SRA. JUSSARA LIMA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - PI. Para interpelar.) - Boa tarde!
Cumprimento a Senadora Dorinha, o Senador Flávio Arns, a Dra. Andressa, a quem peço desculpa por não estar aqui no momento em que ela estava fazendo a sua fala. Cumprimento a Senadora Teresa Leitão, que é essa Senadora que está sempre em defesa de tudo que for para beneficiar a população brasileira. E cumprimento o Prof. Daniel Cara.
R
Estou chegando agora ao Senado, mas entendo que a educação... O país, para ser desenvolvido, tem que, primeiro, passar pela educação. Esta Comissão deveria ser a mais importante desta Casa, porque é a Comissão de Educação, Cultura e Esporte, mais especialmente de educação. Se o país não prioriza a sua educação, como é que nós vamos enfrentar tudo isso em um futuro bem próximo?
Nós já estamos vendo muitas coisas acontecendo, como o senhor relatou aí, esses ataques às escolas. É tanta coisa triste acontecendo! Eu quero dizer para o Dr. Daniel: o senhor tem toda a razão, precisamos, cada vez mais, evoluir no sentido da educação e priorizar essa pauta tão importante para o nosso país.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Professora Dorinha Seabra. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - TO) - Muito obrigada, Senadora Jussara.
Quer falar, Senador? (Pausa.)
Bom, eu vou ler. Tenho três contribuições aqui de internautas que fizeram as suas observações para que tanto o Daniel quanto a Andressa possam comentar.
Mas eu gostaria de falar sobre um sentimento, hoje, com a educação. Estamos falando da luta na questão do arcabouço fiscal. Para nós ele é simbólico. Nós tentamos que o texto não viesse destroçado da Câmara. Houve um diálogo, nós fizemos reuniões, o Senador Flávio Arns esteve junto, a Senadora Teresa, a Jussara, o Senador Izalci, vários Senadores, mas a não permeabilidade da própria Câmara... O quanto a gente tentou construir a ideia de que nem no exagero, no formato do teto de gastos, o Fundeb tinha entrado. E por que, por uma iniciativa, por uma construção burocrática que tem intenção - não é esta a intenção -, o Fundeb, a complementação do Fundeb, foi para dentro do arcabouço fiscal? Ela não é sem intenção, porque a intenção verdadeira tenta caminhar para acabar com os limites, com os percentuais de investimento na educação e na saúde. Não percam esse norte. Eu tive uma discussão, na Câmara, e a resposta que me foi dada foi o seguinte: "Nós estamos colocando agora porque vocês estão dizendo que estão protegidos pela questão de ter na Constituição, de já ter o desenho, os recursos, mas nós vamos discutir agora a reforma tributária. Então, esse conforto que vocês têm, vocês não vão ter", ou seja, a luta é permanente para o entendimento em relação aos percentuais, ao investimento, à lógica do financiamento em educação.
No final de semana, eu estava assistindo a uma... Passei por um canal e tinha um debate sobre a questão da educação. E os grandes entendedores estavam dizendo que a educação brasileira não tem problema, que a gente já gasta e investe muito, que é um investimento significativo comparado aos países dentro da média da OCDE. É uma lógica que se repete o tempo inteiro e vem sempre com os resultados do Pisa. É como se fosse um asfalto: bastaria jogar ali a massa e a mistura, e o asfalto teria que acontecer.
R
Por que eu estou colocando essa questão da resistência? Porque a sociedade não pode abaixar a guarda. A questão da resistência e o entendimento, e a sociedade entender a educação como prioridade... A gente precisa ter isso muito claro. Por que eu estou colocando isso? Essa questão de reduzir metas, como se a desculpa de não cumprir o Plano Nacional de Educação fosse porque nós colocamos metas demais, isso não é verdade, porque o problema não é ter 15, 20, 30 metas, mas é qual foi a prioridade e quando o plano saiu da gaveta.
Eu ouvi de um ex-ministro que o Plano Nacional de Educação era uma peça de ficção científica que estava na gaveta, que foi um plano construído para ficar na gaveta. E eu acho que, enquanto a gente não avançar, meu Presidente, para que tenha consequência o Plano Nacional, ou seja, o município faz o seu plano municipal; o estado, o seu plano estadual; a União, o Plano Nacional de Educação, num processo de construção, mas, depois, não tem um alinhamento com a proposta orçamentária, não tem uma consequência para quem prometeu e não fez, não se esforçou para fazer... Esse é um dos maiores desafios.
Eu, há alguns dias, estava discutindo no TCU e colocando essa necessidade de a gente caminhar... Está todo mundo aqui... De novo, reascendeu a questão da Lei de Responsabilidade Educacional, que é uma previsão. Já houve Comissão na Câmara, de que eu participei. Dois Relatores diferentes não conseguiram finalizar para a votação. E nós temos que ter a consequência, a responsabilidade do que nós estamos colocando dentro do Plano Nacional.
Todas as minhas tentativas, em todos os anos dentro da CMO, eram de apresentar emendas, dizendo: "Olha, esse dinheiro aqui que está sobrando no relatório de receita - porque o teto de gastos não permitia incluir em outras áreas - vamos colocar no Fundeb? Vamos direcioná-lo para tal ação, criar tal ação no orçamento do Ministério da Educação para dar consequência ao Plano Nacional?". Em governos de diferentes cores, foram vetadas. Quando a gente conseguiu aprovar na CMO, chegou no Palácio e foi vetado.
Então, essa vigilância precisa acontecer. A gente precisa trabalhar. Daniel, Andressa, Senadora Teresa, Senador nosso Presidente, nós precisamos trabalhar mecanismos desse alinhamento da consequência de com o que a gente está se comprometendo. Não cair na ilusão de que "Ah, não, agora, a gente vai fazer um plano mais enxuto, com menos metas e aí nós vamos dar conta de cumpri-lo". Nós não cumprimos não foi porque tinha 20 metas. Não é essa a questão. É a responsabilidade, a consequência, a ausência completa de um Ministério da Educação com clareza de ações, de programas, de cumprimento do plano. Se ele não se sente comprometido com o plano, não tem plano de três metas que vai funcionar. Eu posso pôr três metas: se não tem consequência e não tem comprometimento com aquelas metas que foram construídas...
Eu não vou nem detalhar... O Daniel falou sobre o Sistema Nacional, sobre a questão da cultura pedagógica. Eu colocaria essa questão da consequência. E, só para reportar, nós fizemos, juntos, o Senador Flávio Arns, o Deputado Moses Rodrigues, a tentativa - e nós estamos com essa expectativa - de construção de um alinhamento pela educação de projetos que ou estão lá, ou comecem aqui, ou estejam já aqui, para que a gente pudesse fazer essa construção como nós fizemos no Fundeb.
R
O relatório que nós votamos e que se transformou na Emenda n° 108 não foi da Professora Dorinha ou do Senador Flávio Arns, nós trabalhamos juntos, para evitar o vai e vem nas duas Casas. Não é o meu texto, não é o texto do Senador Flávio Arns, não é o texto da campanha, mas foi um texto possível, construído, e, se não fosse assim, a gente não teria conseguido votar num momento tão difícil. Por muitos momentos até, o Daniel achava que a gente não fosse conseguir, pelo contexto, em plena pandemia, com muito trabalho remando contrariamente.
Então, o Sistema Nacional foi uma das pautas, a questão da conectividade, a questão do magistério, alguns temas importantes, a questão do ensino médio, para que, de maneira colaborativa, as duas Casas possam construir textos já maduros com a contribuição e o formato das duas Comissões, para tentar avançar em temas estratégicos. Não adianta pensar que o Sistema Nacional fica lá na Câmara, não avança. A gente precisa construir o texto que avance do ponto de vista legal e formal, mas que tenha a concretude de ser aprovado. Então, eu acho que essa é a ideia.
E, ao mesmo tempo, eu volto a insistir: eu acho que tem que ter a implicação e a consequência do Plano Nacional. Não basta simplesmente a gente chegar à constatação, depois de dez anos, e dizer: "Não cumprimos!". Não cumprimos, tem que ter responsabilização, tem que ter consequência e trabalhar para o futuro, a questão do comprometimento.
Então, eu acho que as primeiras questões já foram lidas, não é? Eu vou só ler as três contribuições que vieram e passo já para a Andressa e para o Daniel Cara.
A Cyntia Araújo, do Rio de Janeiro, faz uma pergunta: "Quais são as metas do Plano Nacional de Educação para os anos de 2023-2024?".
Diva Rocha, do Espírito Santo: "O que ainda precisa ser feito para alcançar as metas estabelecidas?".
E a Sheila Denize, do Paraná: "[...] a segurança alimentar poderia constar [...] [entre as metas do PNE]?".
Então, passo à Andressa agora para as considerações finais, já agradecendo a iniciativa de quando me procuraram para fazer esta audiência pública.
Muito obrigada por esta oportunidade do debate.
A SRA. ANDRESSA PELLANDA (Para expor.) - Nós é que agradecemos, Senadora.
Foi importantíssimo o apoio de vocês, como sempre, não é? Faz muitos anos, mais de dez, que a gente está aqui, trabalhando no Congresso com essas legislações. Eu nunca esqueço quando a gente conseguiu aprovar os 10% do PIB na Câmara. E, aí, quando o Senador Flávio falou sobre não saber que era impossível, foi lá e fez, eu lembrei desse dia automaticamente. Quem diria? A gente aprovou 10% do PIB para o PNE. Quem diria? A gente aprovou mais do que o dobro de complementação da União ao Fundeb. Então, isso são mais do que provas. Várias vezes, a gente, conversando com movimentos sociais, com profissionais da educação, estudantes, que, nesses últimos tempos, têm tido dificuldades de ter esperanças diante da situação que a gente está, e, várias vezes, eles nos perguntam: "Mas o que a gente pode fazer? De onde que sai a energia para lutar?". Eu falei: "Não sabia que era impossível, foi lá e fez". A gente já fez muita coisa, e é possível. Eu acho que é isso que tem que estar em mente.
R
Sobre o que o Giovanni trouxe lá nas perguntas anteriores: "Qual é o plano para melhorar o ensino?". E é interessante, eu entendi que ele quis dizer a educação, mas foi interessante que ele colocou ensino, porque eu estou no Fórum Nacional de Educação, na cadeira da campanha titular, e a gente está participando do grupo de trabalho do Ministério da Educação sobre o PNE - inclusive, agora, está tendo atividade lá, nesta semana inteira, e hoje eu tive que vir para cá e deixar um pouco as atividades lá, mas mais tarde a gente está lá de volta -, e uma das teclas que eu tenho batido muito na discussão dos grupos de trabalho, que foram divididos lá no MEC e na Sase, para a metodologia de diagnóstico desse plano, é que, na educação básica, não se fala em direito à educação infantil, direito ao ensino médio, ou ensino médio de forma geral: tem só aprendizagem no ensino médio, aprendizagem na educação infantil, aprendizagem no ensino fundamental. E aí eu falei: "Gente, mas e o ensino? E o acesso? E a permanência?". Tudo isso é necessário para que a aprendizagem aconteça, mas a aprendizagem é uma das dimensões do direito à educação.
E a gente tem visto isso acontecer em textos legislativos às vezes, a gente tem visto isso acontecer em política pública, um foco de distorção para a agenda de aprendizagem que coloca o professor, o profissional da educação, de lado. Para a gente melhorar a educação, o ensino, a gente precisa focar nos nossos profissionais de educação. Essa é uma das prioridades-base. Então, é claro, o objetivo final é a aprendizagem do estudante, o desenvolvimento dele, o exercício para a cidadania, mas a gente precisa que o pilar do ensino esteja fortalecido, que é o CAQ (Custo Aluno-Qualidade). O principal fator de ponderação é o salário profissional, o valor por aluno, o financiamento, vai para o RH. Qualquer gestor sabe que o recurso humano é uma das coisas em que mais vai o financiamento.
Então, eu acho que a gente tem que falar, sim, de fato, de aprendizagem, mas a gente precisa focar no ensino também, e essa é uma das questões em que a gente está trabalhando lá para pautar no Ministério da Educação.
Acho que, sobre a BNCC, o Daniel já comentou, e a Cyntia falou das metas 2023 e 2024. Na verdade, parte das metas tinham validade até os primeiros anos do plano, 2015, 2016, 2017; e, para todas as outras, o prazo é 2024. Então, não sei se foi essa exatamente a pergunta, era isso.
E o que precisa ser feito para cumprir com o plano?
(Soa a campainha.)
A SRA. ANDRESSA PELLANDA - A gente tem 90% das metas que não devem ser cumpridas no tempo. Então, a gente não deve cumprir, até o final do ano que vem, as metas nesse ritmo. Seria um esforço de dez vezes de guerra para cumprir em um ano o que não foi cumprido em dez. Então, com isso a gente não pode se iludir. Mas eu acho que nunca é passada a hora de a gente fazer algo pela educação. Não é porque a gente está no final do plano que a gente não tem que começar a dar a volta por cima. Então é a hora.
Sobre segurança alimentar, se eu não me engano, ela está prevista na legislação do PNE, e a gente teve uma vitória grande de aumento do per capita da alimentação escolar, mas ainda é muito insuficiente. A gente lutou bastante durante a pandemia por isso, inclusive a gente ajudou a construir um observatório, o Observatório da Alimentação Escolar, que tem feito notas técnicas com a Fineduca para pautar o aumento do per capita do Pnae (Programa Nacional de Alimentação Escolar).
R
Por fim, eu queria ressaltar o que a Senadora Dorinha trouxe sobre a não permeabilidade da Câmara. A gente, da sociedade civil, tem visto muito fortemente isso, com muita preocupação. A gente tem essa preocupação também sobre como o Fundeb foi colocado, inclusive nessa agenda de acabar com o piso, e que isso não se encerra provavelmente nessa empreitada do arcabouço. E é interessante, porque várias audiências da Semana de Ação Mundial, várias atividades, nesses 20 anos de Semana de Ação Mundial - porque ela começou em 2003 e, agora, a gente está em 2023, ou seja, essa é a 20ª edição - foram na Câmara, e, várias vezes, no PNE, a gente falava: "Ah, o Senado retrocedeu, mas, na Câmara, a gente recupera". E, agora, a gente vê uma inversão disso e a gente, com certeza, não vai baixar a guarda. A Dorinha falou que a sociedade não pode e não baixaremos a guarda. E a gente pede muito que o Senado também não; e temos certeza de que, se depender dos Senadores que estão aqui hoje, não vão, porque a gente tem sempre essa esperança de que, no Senado, esses retrocessos na educação vão ser revertidos.
E, em 2015, a nossa Semana de Ação Mundial, que foi o primeiro ano do PNE, tinha como slogan: "Vamos tirar as metas do papel". Isso porque havia várias metas que tinham validade em 2015, no primeiro ano. E, aí, a gente vê, hoje, de novo, as pessoas falando que era só uma carta de intenções, um cardápio ou que não era factível, e a gente está aqui, de novo, reafirmando que a gente precisa tirar essas metas do papel. E eu acho que esse é um dos principais legados de aprendizado desse PNE - já era do outro, mas eu acho que é, agora, muito mais fortemente, desse PNE.
A gente precisa pensar um novo PNE que seja, de fato, ousado, como eu coloquei, que olhe para a garantia do direito e que garanta que essas metas saiam do papel. Como o Daniel falou, não vai depender só da educação, vai depender da economia, do sistema federativo, dos governos em nível federal, mas também em nível subnacional, no nosso federalismo.
Eu queria deixar um reconhecimento, um agradecimento ao nosso cientista de dados, que é o Fernando Rufino, que faz há anos esse trabalho insano e que vai estar aqui, no começo de julho, no Inep, visitando pessoalmente para conseguir mais os dados que faltaram, que só dá para conseguir pessoalmente, pelo trabalho que ele tem feito e que tem sido muito importante. E, agora, a gente vai conseguir também levar para os estados, que, muitas vezes, a gente não consegue fazer o balanço dos planos estaduais, municipais. Tem estado como o Rio de Janeiro que nem plano estadual tem. E a gente precisa, também, fazer esse debate sobre o cumprimento e a própria elaboração dos planos estaduais e municipais, porque, com um ano só para elaboração, foi muito pouco, e eles não conseguiram fazer uma elaboração aprofundada, como era necessário para a gente garantir que as metas desçam ao nível dos estados e dos municípios.
Então, quero agradecer, finalmente, de novo, por tudo e por este espaço aqui. Contem conosco da Campanha Nacional pelo Direito à Educação como a gente conta com vocês - e a gente conta muito com vocês! Então, podem contar muito conosco.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Dorinha Seabra. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - TO) - Muito obrigada, Andressa Pellanda, Coordenadora Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Continue contando. Nós somos teimosos aqui.
Passo a palavra para o Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e membro do comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
R
O SR. DANIEL CARA (Para expor.) - Eu vou responder às perguntas que foram feitas aqui pelos internautas, mas antes eu quero até fazer um relato aqui sobre a questão do arcabouço fiscal, concordando com a Senadora Dorinha. A gente até trocou mensagens ali na Câmara dos Deputados, quando estava se dando a tramitação, a Senadora Dorinha estava lá presente, e, pela primeira vez, as bancadas dos partidos, inclusive, de esquerda - e eu sou filiado a um deles - não cumpriram também com o acordo que a gente tinha estabelecido de fazer o destaque de bancada que era o destaque que era necessário ser feito para tirar a complementação do Fundeb no arcabouço fiscal. E eu me surpreendi. E aí tem um aspecto que a gente precisa chamar à atenção, Senadora Dorinha: que o problema da Câmara dos Deputados é mais profundo. Os Deputados da área da educação, inclusive, não tiveram coragem de fazer o enfrentamento necessário à condução na Câmara dos Deputados. E esse é um recado que a gente tem que registrar. Por responsabilidade e compromisso com a área da educação, não tem como a gente chamar à atenção para o fato de que até mesmo, em termos de performance, faltou ali para os Deputados da área da educação e dos partidos também que se colocavam contrários ao arcabouço fiscal.
Eu não faço isso para fazer uma crítica dura no sentido de fazer um questionamento que se coloque como um enfrentamento, não é nesse sentido; é no sentido de que a gente vai ter o Plano Nacional de Educação para tramitar. Muito provavelmente, pelo menos é o que foi colocado no Roda Viva, e a gente está nas negociações com o Ministério da Educação, a reforma do ensino médio não vai ser possível não tramitar nas duas Casas Legislativas para corrigir o problema da carga horária. Para além disso, nós temos o tema de votar finalmente o Sistema Nacional de Educação na Câmara dos Deputados, nós temos a revisão da regulamentação do Fundeb por conta do Vaar. Então, nós temos temas que são centrais e que vão passar pela Câmara dos Deputados e não dá para ter, na Câmara dos Deputados, um procedimento que seja alheio ao interesse do direito à educação. Nós temos ótimos Deputados que precisam ser recobrados de coragem para fazer o enfrentamento que é necessário. Na Câmara dos Deputados, a gente já viveu o prejuízo da saída de Parlamentares que são centrais e agora, por sorte, a senhora sai da Câmara e vem para o Senado. E a gente vai ter que restabelecer uma relação de confiança lá na Câmara e de coragem dos Parlamentares, e aí eu falo como cidadão brasileiro, para que façam a luta boa e a luta necessária. Por sorte, no Senado Federal, a gente continua tendo a linha do que já estava posto, porque, muitas vezes, o que a gente não resolvia na Câmara vinha para o Senado e conseguia avançar.
Eu me lembro do Projeto de Lei nº 5.595, que tratava do absurdo de transformar a educação como serviço essencial, o que significava, concretamente, que, durante um incêndio, a escola teria que estar aberta, o que é uma loucura. As pessoas não tinham entendido o que era. Aprovaram na Câmara, a Deputada Dorinha veio até o Senado para lutar contra esse PL e teve no Senador Flávio Arns um grande apoio.
Então, uma Casa tomar uma decisão ruim faz parte do jogo democrático. Agora, não dá para a gente não ter, entre os 513 Deputados, Deputados que, de fato, façam uma boa disputa, uma boa briga, para que a gente consiga avançar com o direito à educação. Falo aqui com franqueza, fiz a crítica internamente ao partido a que eu sou filiado, aos partidos que são parceiros, aos Parlamentares, inclusive os do que se chama...
R
(Soa a campainha.)
O SR. DANIEL CARA - ... centrão na Câmara, do erro que eles cometeram. Todo mundo anuiu. Eu espero que, agora, vá voltar o texto do arcabouço fiscal e que a gente não tenha retrocesso na complementação da União ao Fundeb. E, falar a verdade, ela tem que ser uma prática contínua dentro do jogo político brasileiro, com franqueza, com tranquilidade, acreditando que tudo pode ser aperfeiçoado. E parabenizo o Senado Federal, no dia de hoje, por ter avançado nesse tema do arcabouço fiscal.
Vamos lá! Bem rapidamente aqui.
Rodolfo Carvalho: "Quais são os avanços na área de educação evidenciados no balanço detalhado do Plano Nacional de Educação?"
Infelizmente, Rodolfo, são poucos os avanços, e a gente vai ter que mudar essa trajetória. O Brasil precisa priorizar o direito à educação.
Giovanni Bonissoni: "Há um plano para melhorar a forma de ensino atualmente?"
É o próprio Plano Nacional de Educação, e a gente concorda que isso é fundamental para o futuro dos jovens.
Vanderley dos Santos, da Bahia: "Quais ações o Plano Nacional de Educação busca aperfeiçoar para atender, de imediato, as mudanças implementadas pela BNCC?"
O próprio plano estabelece o princípio da Base Nacional Comum Curricular e, na Meta 7, tem uma série de ações. Agora, o que é importante frisar é aquilo que a Andressa disse: nenhuma política curricular vai se implementar por geração espontânea; precisa de estrutura, precisa de salário de professor, professores formados. O Senador Flávio Arns é professor da Universidade Federal do Paraná e conhece bem essa realidade.
E, sobre a alfabetização, nós temos a Meta 5 do Plano Nacional de Educação. Se for alfabetização de crianças, o Governo Federal lançou agora um projeto.
Cyntia Araújo, do Rio de Janeiro: "Quais metas do Plano Nacional de Educação para os anos de 2023/2024?"
São todas, Cyntia! Todas têm que ser cumpridas. Especialmente no ano de 2024, elas já têm que, entrando o ano, ser cumpridas. A gente sabe que isso não vai acontecer, infelizmente, como a Andressa apresentou. E, para o próximo plano, sem reduzir a agenda, a gente tem que garantir que essa realidade seja diferente.
Diva Rocha: "O que ainda precisa ser feito para se alcançar as metas estabelecidas?"
São aqueles quatro elementos que eu trouxe: modelo econômico, revisão federativa, tratar o PNE como política de estado e não de governo e estabelecer uma cultura pedagógica. Nós temos todos professores aqui. A Andressa é educadora popular; o Senador Flávio Arns e a Senadora Dorinha, professores; eu também, professor como profissão primordial.
E, por último, a Sheila Denize, do Paraná: "A segurança alimentar poderia constar entre as metas do PNE?"
Segurança alimentar está na Meta 1, Meta 2, Meta 3, Meta 4, Meta 6, Meta 8, como princípios norteadores, mas centralmente na Meta 7. Sabe por quê? Porque a Meta 7 é de qualidade da educação. Tem um erro ali na meta, na minha opinião, que trata exclusivamente, como qualidade na educação, o Ideb. O Ideb é um indicador importantíssimo, mas não exclui ou não contempla tudo que é qualidade da educação. Agora, tem um elemento na Meta 7 - e a Dorinha brigou muito sobre isso, na época ainda como deputada - de que um aluno que passa fome não aprende. Então, o PNE traz isso de maneira muito clara entre as estratégias da Meta 7, que é preciso garantir a segurança alimentar.
Aumentou o valor, Dorinha, Senador Flávio Arns, aumentou o valor da merenda, mas ainda está muito abaixo do que a gente prevê no Custo Aluno Qualidade. Ainda tem... Eu visitei recentemente Campina Grande, semana passada, e fiquei sabendo que ainda tem escola, ali na região de Campina Grande, que está ofertando ainda a bolacha, o suco. O suco - e a gente brinca até - os alunos falam que é o "suco de que cor", porque não tem sabor o suco. Então, é suco de amarelo, suco de vermelho, suco de laranja. Laranja, no caso, até poderia ser da fruta, mas é da cor. Então, essa questão, a gente tem que resolver. E, aí, é preciso ter uma parceria maior entre estados e municípios com o Governo Federal. Por isso é necessário ter o bom Sistema Nacional de Educação.
R
Então, muito obrigado pela oportunidade de estar aqui com vocês.
Agradeço, para finalizar, a luta, mais uma vez, mais uma luta dessa dupla Flávio Arns e Dorinha. A Senadora Jussara e a Senadora Teresa acompanharam também. Mas eu sei que vocês lideraram, particularmente, essa retirada do Fundeb do arcabouço fiscal.
Assim como foi na Emenda 95: a Dorinha foi a única Deputada que votou contra. Havia votado favoravelmente ao impeachment, mas votou contra a Emenda 95, de 2016.
Foram os dois Relatores do Fundeb, e foi uma grande conquista da Emenda 108.
E a gente só espera que vocês continuem compondo essa ótima dupla para o bem da educação brasileira.
Muito obrigado.
É um prazer estar aqui com vocês. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Professora Dorinha Seabra. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - TO) - Muito obrigada, Daniel.
Bom, eu sou de Goiás, mas, para dupla sertaneja, não dá certo. (Risos.)
Mas, para educação, a gente consegue caminhar bem.
Senador Flávio Arns, por favor.
O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Pela ordem.) - Rapidamente, eu gostaria de lembrar que vários dos assuntos estão sendo debatidos aqui na Comissão de Educação. E uma das preocupações da Comissão, que é composta, sim, por Senadores e Senadoras que se dedicam muito, num clima bastante favorável... São 54 Senadores que fazem parte da Comissão de Educação e Cultura. Para o esporte, agora, foi constituída uma nova Comissão. Então, 54: 27 titulares e 27 suplentes. Sempre o quórum tem acontecido. Os projetos têm sido aprovados, debatidos.
Por exemplo, segurança escolar. Hoje, foi aprovado o projeto sobre segurança escolar, fruto de três audiências públicas, com a participação de educadores, Polícia Federal, Polícia Civil.
Infelizmente, aconteceu ontem no Paraná o episódio que todos acompanharam, com a morte de dois estudantes também.
Mas as causas, em princípio, estão contidas no projeto aprovado, sob uma ótica educacional. Além de responsabilidade educacional, já está tramitando, só que têm que ser feitos os ajustes, melhorar o que foi apresentado.
Então, as audiências públicas estão acontecendo. No final, a gente espera que isso colabore para que lei seja aprovada, o debate aconteça, vá para a Câmara dos Deputados e possa ser também discutida.
O Sistema Nacional de Educação também está lá, mas a gente vem fazendo. Até a Professora Dorinha e eu participamos de uma reunião junto com o Moses, que é o Presidente de lá, para ver esse trabalho articulado, para ver o que eles mudam lá, para já vir já pensado, refletido, para cá também.
O Plano Nacional de Educação, o Executivo só vai mandar a proposta no segundo semestre para o Congresso. Mas nós não podemos ficar esperando. Nós já temos que ter uma ideia clara do que fazer, de como fazer. Hoje acho que já é a sexta, sétima audiência pública sobre este tema: Plano Nacional de Educação. Mas eu queria lembrar, inclusive, o relatório da educação na pandemia, que foi fruto - vocês participaram bastante também -, com tudo que você levantou, Andressa, no sentido de participar, ter acesso à escola, transporte, busca ativa de alunos, permanecer na escola, a merenda, saúde mental, uma educação em tempo integral, conectividade. Essas coisas estão aí e nós temos que criar, como a gente propôs no ano passado, um sistema de monitoramento também.
R
Agora, no fundo, eu sempre fico pensando que a gente tem que ter uma metodologia para tornar todos esses assuntos populares, acessíveis. O pessoal fica pensando no Fundeb. A gente entende o que é o Fundeb, mas tem muito Prefeito, muito secretário de educação, até me arriscaria a dizer... Hoje de manhã tivemos um debate e até chegamos à conclusão de que a gente tem que orientar em relação às matrículas, por exemplo. O que é manutenção? O que é desenvolvimento? O que é educação básica? O que é valorização? São conceitos complicados. Sistema Nacional de Educação, que raios que é isso? Um sistema nacional, sistema estadual, sistema municipal de educação... Responsabilidade - se você não fizer isso, olha, vai complicar tua vida, porque é uma lei de responsabilidade educacional. Então, popularizar esses temas eu acho que é um dos desafios para que o Prefeito entenda. Não quero generalizar isso, mas são assuntos técnicos, que a gente precisa colocar à disposição também das pessoas.
Mas eu quero dizer que o que você falou, tirar do papel as metas e passar para a realidade... Há 32 anos, para ser bem preciso, eu usava a expressão em relação à pessoa com deficiência - 32 anos atrás - a: cumpra-se a lei. Tem a lei? Cumpra-se a lei. E 32 anos depois eu continuo dizendo: cumpra-se a lei, porque a lei não está sendo cumprida. Então, a gente tem que batalhar, ser perseverante, não desistir e achar os mecanismos e os caminhos para que o Brasil seja melhor através dessa articulação toda. E a Comissão de Educação e Cultura está de portas abertas para todo o debate que puder ser útil para a gente chegar a bons resultados.
Obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Professora Dorinha Seabra. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - TO) - Eu agradeço ao Senador Izalci, à Senadora Teresa Leitão, à Senadora Jussara, ao Senador Flávio Arns, Presidente da Comissão, Daniel Cara, Andressa e a todos que nos acompanham. Que nós permaneçamos vigilantes e recompondo. Eu acho que é o caminho, talvez, de fazer um trabalho articulado, porque também a correlação na Câmara não é fácil. Na época do Plano Nacional, o próprio MEC, o próprio Governo tentou muito que muitas das metas que nós conseguimos inserir não fossem inseridas. É uma relação e correlação de forças em termos de Governo. Então, a gente já sabe o desenho lá em relação à Liderança e nós precisamos avançar. Neste caso específico do arcabouço, houve um diálogo do Senador Omar Aziz com o Presidente Arthur Lira, com o Cajado e, enfim, um compromisso de respeitar o texto aprovado aqui. Mas ainda os desafios são imensos. Então, agradeço a todos.
R
Nada mais havendo a tratar, agradecemos a presença e declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigada.
(Iniciada às 14 horas e 12 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas.)