21/06/2023 - 42ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 42ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A audiência pública será realizada nos termos do Requerimento nº 45, de 2023, da CDH, Comissão de Direitos Humanos, que pretende - abrem-se aspas - "destacar o Dia Mundial do Orgulho Autista, comemorado no dia 18 de junho, e conscientizar a sociedade sobre o transtorno do espectro autista".
Muitas audiências vêm sendo realizadas - eu quero destacar isso -, debates, discussões, pesquisas, levantamentos. E uma das pesquisas que foi feita aqui pelo Senado, informalmente, foi um levantamento com as entidades de famílias, de pessoas, de profissionais sobre os desafios da área. E muitos desafios foram levantados naquela ocasião e estão servindo, inclusive, de base para os debates que nós realizamos no Senado Federal. Entre os desafios, está o atendimento da criança com transtorno do espectro autista, do adolescente, do adulto, do idoso.
As entidades colocaram, por exemplo, a importância de se ter acesso a medicamentos quando necessário, a terapias complementares, como fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional; acesso a programas assistenciais, inclusive com o cuidado que se deve ter com os cuidadores da pessoa dentro do transtorno do espectro autista, com a inserção no mundo do trabalho para essa pessoa; enfim, um conjunto de iniciativas.
Nós passamos esse estudo para a Consultoria do Senado para se verificar se havia a necessidade de uma legislação nova ou se a legislação existente seria suficiente para atender essas demandas, ou alguma coisa mais, e, no essencial, foi dito que, de fato, a legislação, no geral, já atende esses aspectos todos. O importante, de acordo com o estudo realizado, é transformar os direitos em realidade, tirar os direitos do papel e passá-los para a vida diária, para o cotidiano das pessoas, das famílias, dos profissionais.
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Então, dentro desta audiência pública do dia de hoje, os órgãos públicos não estarão participando porque nós convidamos basicamente a família da pessoa com transtorno do espectro autista, a pessoa dentro do transtorno também, as associações que trabalham nessa área e também a instituição Ceal, que, no dia a dia, está também atendendo, discutindo e sentindo os desafios da área, seja em termos de serviços prestados, de distância, porque os desafios da família, das pessoas e dos profissionais têm que constituir a pauta do Senado Federal. Nós não podemos inventar coisas novas, nós temos que olhar para a realidade, ver o que é necessário ser feito a partir da realidade e, aí, discutir o que deve ser feito em conjunto, coletivamente, para chegarmos a bons resultados.
Eu quero destacar que esta reunião, esta audiência, será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, em senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria: 0800 061 2211.
Eu destaco, inclusive, que já vieram três perguntas pelo e-Cidadania, que eu passo a ler, e, na medida do possível, os expositores e as expositoras podem abordá-las também.
Leandro Alves, aqui do Distrito Federal: "Por que, nos eventos em que se discute TEA [transtorno do espectro autista], na maioria das vezes os autistas são apenas o objeto de estudo, e não os próprios palestrantes?"
Foi por isso que nós falamos que está aberto às pessoas com transtorno do espectro autista, que vão participar, à família da pessoa com transtorno do espectro autista, que é importante também, e aos profissionais da área.
Layse Soares, do Rio Grande do Sul: "Existem medidas inovadoras a serem adotadas que realmente tragam impacto positivo na vida dos autistas?"
De novo, Leandro Soares, do Distrito Federal: "Como eliminar os preconceitos e estereótipos sobre o TEA [quando falo "TEA", eu sempre coloco por extenso porque pode haver pessoas que não entendam a sigla, é o transtorno do espectro autista] entre os próprios profissionais de saúde?"; "Como eliminar e facilitar o diagnóstico do transtorno na vida adulta?"
Nós vamos ter, nesta audiência pública, a participação dos seguintes convidados, aos quais já dou as boas-vindas, seja presencialmente ou remotamente: em primeiro lugar, o Sr. Edilson Barbosa - muito agradecido pela vinda -, que é Diretor-Presidente do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab) e Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Ceilândia/DF - muito obrigado, Dr. Edilson. Também a Erika Karine Rocha Dallavechia, que está remotamente, Fundadora-Presidente do Projeto Social Angelina Luz, Porto Alegre, Rio Grande do Sul; também a Ana Lecticia Soares Muller Lobo Rezende, que está de forma remota, agradecendo novamente pela participação, Presidente da Associação Brasileira de Neurodiversidade e do Coletivo Autistas Adultos Brasil; e também, à minha direita, Maria Inês Correia Serra Vieira, Coordenadora-Geral do Centro Educacional da Audição e Linguagem Ludovico Pavoni, seja muito bem-vinda de novo.
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Nós temos esses quatro convidados. Ficou combinado que cada um terá quinze minutos para sua fala, prorrogáveis por mais cinco. Quando nós chegarmos aos catorze minutos tocará uma campainha automática, que indicará que falta um minuto para os quinze primeiros minutos e aí o expositor terá mais cinco minutos; e, quando faltar um minuto, também tocará uma nova campainha. Então, não se assustem com a primeira campainha e não fiquem, como eu digo, bravos comigo, porque é uma coisa automática no controle da audiência. Está bem?
É uma alegria!
Podemos começar com o senhor?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Então, está bom.
Eu passo, com muita satisfação, a palavra ao Dr. Edilson Barbosa, como eu já disse, Diretor-Presidente do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab) e Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Ceilândia/DF.
Com a palavra, Dr. Edilson.
O SR. EDILSON BARBOSA (Para expor.) - Primeiramente, quero agradecer ao Senador Flávio. A gente acompanha sua pauta sobre autismo, sobre as pessoas com deficiência. Quero agradecer aqui ao Senado Federal, até porque dia 18, agora, foi comemorado o Dia do Orgulho Autista. Então, o Brasil inteiro parou para discutir esse tema e é importante essa discussão.
Nós do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab) existimos desde 2005. O nosso Presidente de honra, Fernando Cotta, junto com algumas mães, organizou o Movimento Orgulho Autista Brasil numa blitz autista aqui na BR-040 para divulgar essa questão do autismo. São 18 anos. No dia 18, Senador, o Moab completou 18 anos, a maioridade.
O autismo, pessoal, chega às nossas vidas. Você que está nos ouvindo, se não tem ninguém na família, se não conhece ninguém, se prepare porque, na nossa família, Senador, chegou sem a gente pedir e não nos avisou. Nós temos dois filhos, eu e a Juliana, o Vinícius, que hoje tem 19 anos, é estudante de Direito - não foi convencido nem por mim nem por ela, eu sou advogado e a mãe também, mas ele que definiu ser advogado -, e está no quinto semestre de Direito; e a Ana Clara, que hoje está praticamente com 15 anos e diz que quer ser psicóloga, já não vai para a área do Direito.
A gente nota que o Brasil precisa ainda conhecer mais o autismo, as pessoas precisam conhecer como lidar também, porque, como eu falei, se você não conhece ou não tem ninguém na família, uma hora vai ter - a gente não pede para chegar. E, como o nome já diz, transtorno do espectro autista, os espectros são vários e vários, é da pessoa.
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Nós temos hoje o nível 1 de suporte, o nível 2 de suporte e o nível 3 de suporte. Essa palavra, Senador Flávio e os demais, é importante, porque esse nome "suporte" é do que os autistas precisam. O nosso filho e a nossa filha precisam de suporte, apesar de serem nível 1. E o ruim - vamos dizer o ruim, porque a sociedade não está preparada - é dar esse suporte, que, às vezes, não é ele que precisa, às vezes é a mãe que está dando suporte para aquela criança. Então, esses debates são importantes para isto: para despertar nas pessoas como você deve se comportar numa eventual crise.
Nós tivemos agora uma palestra numa rede de supermercados, Senador Flávio, porque uma caixa acabou atacando a mãe, porque a criança deu crise, rolou no chão e ela disse: "Olha, está vendo? Não sabe dar limite, não sabe criar o seu filho". Uma psicóloga acabou vendo, foi até o gerente e acabou tendo esta palestra: "Como se comportar quando uma criança autista estiver em crise?". É abraçar, gente, é dizer para a mãe, é acalentar, é dizer que vai passar, é pegar, olhar aquela criança ou aquele adolescente e dizer: "Estamos juntos". Alguma coisa o desorganizou sensorialmente. Esses debates são bons por isto: a sociedade precisa entender o autismo.
Esta Casa aqui aprovou a alteração... Na verdade, esta Casa e a Câmara, porque somos bicamerais, aprovaram, em 2012, a Lei 12.764, de 2012. Essa lei, pessoal, mudou a vida do autista e das famílias. Agora as pessoas precisam conhecer essa lei. Essa lei tem apenas oito artigos e mudou suas vidas dizendo que o autista é considerado uma pessoa com deficiência, para efeitos legais. Esta Casa também trouxe a Ciptea, que é a Lei Romeo Mion, a qual facilita a vida das pessoas que têm a carteirinha, porque a deficiência do autista não é visível, e as pessoas acabam não entendendo. É para garantir os direitos. Há a Lei 12.764, de 2012, que a gente chama de Lei Berenice Piana, que foi tramitada aqui - o senhor estava aqui nesta Casa -, e essa lei veio dar cidadania e qualidade de vida.
Nós queremos que a população entenda que, quando um autista, mesmo no nível 1 - a gente passou por isto, por vários apertos -, estiver numa fila de prioridade, não é porque não é uma pessoa idosa, não é porque não é uma mulher grávida, ou uma mulher que tenha uma criança, ele sendo autista, ou ela sendo autista tem direito também. A gente vai aprendendo, e esses debates servem para isso.
A segunda questão que a gente gostaria de deixar aqui são as dificuldades, principalmente, pessoal, na área da educação e da saúde. O Brasil precisa implementar essa Lei 12.764, de 2012, quando se fala que o autista precisa ter o acompanhante especializado na sala de aula, ajudando a professora regente na inclusão, porque uma professora, apesar de as turmas estarem reduzidas, mesmo assim, a professora e o próprio autista necessitam desse apoio.
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Então, os municípios, os estados... E não são só os municípios e os estados, porque não é só, Senador, na hora do ensino fundamental e médio, mas do superior também. Existem autistas - nosso filho, por exemplo - que necessitam, lá no ensino superior, ter também o suporte. Então, nós precisamos que os governos se organizem para que, no primeiro dia de aula, Senador, tenha um monitor ou a pessoa que vai acompanhar essa pessoa autista na sala de aula. Hoje é difícil ter no primeiro dia de aula, e ele acaba não participando das aulas desde o primeiro dia.
A outra questão que a gente gostaria de colocar é na área da saúde. Nós temos uma dificuldade grande. E olhe, eu estou falando isso não só daqui no DF. Eu estou aqui no DF, a gente mora aqui, mas como o Moab é uma entidade nacional, eu tenho percorrido alguns estados. Eu estive agora em São Paulo, na capital e também em Guarulhos. E agora, nesse final de semana, vamos estar no Rio Grande do Sul, ali em Porto Alegre e Cachoeira do Sul. E, em alguns estados em que a gente tem andado, a gente vê a dificuldade, Senador, de ter os laudos e de ter também o tratamento depois pelo SUS. E olhe que têm dificuldade também aquelas famílias que têm condições de ter o plano de saúde.
Vocês acompanharam, esta Casa aqui aprovou a lei do rol taxativo, não é? Quem tem que dizer a quantidade de terapias para uma pessoa autista ou para qualquer pessoa que utiliza o plano de saúde é o médico, o profissional que a acompanha, e não a ANS, por exemplo, o número de terapias para estabilizar e para fazer com que aquela pessoa consiga a convivência no seu dia a dia.
Então, hoje o SUS precisa ter essa porta de entrada. E, tendo a porta de entrada, depois como fazer as terapias tão necessárias para estabilizar o autista. E não é só a criança não, viu, pessoal? O autista precisa ser estabilizado quando é criança, quando é adolescente e quando é adulto também. Quantas pessoas no país estão sendo "laudadas" agora, Senador, depois da fase adulta? E aí vem aquele fato: "Ah, então é por isso que eu era assim? É por isso que eu estava com tanta dificuldade de ter a socialização, de ser uma pessoa inserida?".
Então, nós precisamos hoje, e o SUS precisa disso, ter essa questão de ter tanto os laudos como também os tratamentos. E mais: ter a mão para as mães, principalmente. Na nossa experiência, eu estou há 19 anos lidando com autismo, Senador, a maioria das mães é solo. E a maioria das mães não consegue nem trabalhar, porque tem que ter essa questão de acompanhar os filhos. Não existem os autistas sem ter as suas terapias, sem ter as suas consultas diárias, e essas mães acabam se anulando. Então, a gente precisa ter, nesse aparato do SUS, atenção às mães também. Cuidar de quem cuida. Eu falo dos pais também, porque, às vezes, eu já passei por alguns momentos, mas a maioria é mãe.
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No SUS, a gente precisa ter os centros de referência. É assim que a gente chama: centro de referência e atenção aos autistas. Aqui no Distrito Federal, a gente tenta. Lutamos para que tenhamos, nas cidades do DF, esses centros, porque, quando uma família suspeita que aquela criança é autista, precisa do laudo; quando a professora na escola suspeita que aquele estudante, aquele aluno pode ser autista, precisa do laudo. Agora, qual é a porta de entrada? Tudo bem, a UBS. Será que ela tem essa política? Então, a gente defende, Senador, que tenha os centros de referência de atendimento.
Tem uma política nacional, que é o CER (Centro Especializado em Reabilitação), mas para a gente não está sendo suficiente, teria que ser direcionado. E aí eu posso dizer aqui vários modelos que estão dando certo: o Governo do Rio Grande do Sul tem lá o TEAcolhe, que são centros de referência; o Governo do Maranhão acaba de também ter um programa desse; aqui em Águas Lindas, que é uma região metropolitana do DF, é um Município do Estado de Goiás, o Prefeito de lá e um Vereador, colega nosso, advogado e pai de autista, juntaram, Senador, os 17 Parlamentares e estão agora criando o centro de referência também, porque é direcionado.
Nós temos um modelo interessante aqui no DF, que é o DFDown, um centro de atendimento para pessoas com síndrome de Down, ali no hospital Hran. E aí a gente viu que essas pessoas têm a porta de entrada e têm profissionais qualificados para fazer esse atendimento.
Autismo precisa, pessoal. Nós temos essa demanda, e quem está acompanhando o debate nacional vê que é um tema interessante e que tem muita demanda. Então, hoje, nós vemos muitas famílias sofrendo.
Eu tive a oportunidade, porque nós do Moab fomos convidados para fazer uma palestra sobre o direito dos autistas na UBS 9, que é aqui no P Sul, Ceilândia, e eu digo para vocês - eu não li nem ouvi - que eu vi com meus olhos 20 mães com meninos autistas que não são laudados, mas com as características autísticas, sem terem o laudo. Olhe só, na capital do Brasil! Essas mães e essas crianças estão sofrendo. Sem o laudo, elas não têm o atendimento diferenciado na escola; sem o laudo, elas não têm direito ao BPC, que seria uma ajuda financeira do INSS para as pessoas autistas. O BPC é para pessoas idosas, a partir de 65 anos, e para pessoas com deficiência. Por força da lei, de 2012, que a gente ajudou a tramitar e aprovar aqui, o autista é pessoa com deficiência, mas, sem o laudo, não tem acesso à prioridade no atendimento e a tudo mais. Então, a gente precisa dessa política pública e do laudo e, depois do laudo, estabilizá-los.
Quem ainda não viu um documentário do Caco Barcellos, que fala, pessoal, de dois autistas, Senador, os dois com 27 anos de idade, os dois, nível 3 de suporte, que tem maior comprometimento? Quando eu falo de comprometimento do autista, é aquele que tem dificuldades nos afazeres da vida diária; por isso, precisa do suporte. Então, nível 3 de suporte, os dois: um, com terapias; e o outro, sem terapias. O que tinha terapia socializava, dançava, conversava, tinha amigos e tal; e o outro, sabe o que fazia? Dava os dois braços para a mãe acorrentá-lo - olhe só, 27 anos! - à cama. E eles foram felizes? Há algum tempo, o que não tinha terapias foi até a prefeitura, e a prefeitura conseguiu aí ter as terapias. E, depois de um tempo, sabem o que essa pessoa adulta fazia? Estava socializando também. Isso provando que precisa dessa política pública de terapias.
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Hoje, Senador, e hoje, ouvintes, nós temos muitos meninos aí acorrentados sem ter um laudo, sem ter um tratamento. E em Brasília nós temos. Temos muitas crianças dentro de sala de aula sem ter condições de ter um atendimento diferenciado.
Então, a gente precisa dessa política pública. O Moab luta para que tenha na área de saúde, e aí é integrado saúde e educação,...
(Soa a campainha.)
O SR. EDILSON BARBOSA - ... precisa ter o depois. E o depois é isso. É termos, no âmbito do SUS, políticas públicas direcionadas a essas pessoas autistas, Senador. A gente precisa implementar... Olha, nós nem precisamos de leis mais, Senador. A gente já tem as leis. Até porque tem lei que pega e tem lei que não pega.
Se a gente for fazer uma pesquisa aí, principalmente nos municípios, estados, tem muitas leis que defendem os autistas e defendem aí a sociedade, mas as leis precisam ser implementadas. E aí eu sugiro, Senador Flávio, que a gente tenha aqui um observatório autista das leis que ainda não pegaram neste país.
Tem leis que não pegaram. A lei está aí, agora precisa implementar. Eu até falo um exemplo da lei aqui no DF. É a Lei 4.568, que é a Lei Fernando Cotta, é a lei que tem o nome do nosso presidente de honra. Essa lei, pessoal, tem dez artigos. Essa lei é de 2011. A lei federal foi em 2012. Olha só, o DF é pioneiro.
Só que essa lei não está sendo implementada aqui no Distrito Federal. Tem muitos artigos bons, bonitos, que dá para você dar qualidade, porque o objetivo da lei não é esse? É dar qualidade de vida às pessoas. É fazer com que aquele ou aquela que não entende, entenda por força da lei. E aí vem a mão forte do Estado, que é o Poder Judiciário, dizendo: olha, por favor, isso aqui é para ser respeitado. Se você não for respeitar, aí vem a punição, ou a multa ou a prisão e assim por diante.
Mas a gente precisa desse observatório e nada melhor do que o Senado Federal para ter um observatório para ver se aquela lei está sendo cumprida. E mais, de ser um ente, Senador, de cobrança. Prefeito, por quê? Secretário, Governador, Ministro, por que não está implementando se tem a demanda ali?
Porque, se não houver isso, acaba as pessoas... Porque não tem a tradição de cobrança da lei. As pessoas... Eu até como advogado vejo isso. Hoje chegam para gente muitas pessoas reclamando que o plano de saúde, por exemplo, cortou. Uns vão à luta e conseguem, outros não, porque é cultural. É difícil as pessoas irem até a Defensoria Pública ou contratarem o seu advogado para garantir aquela lei, aquele direito.
Mas, se tivermos o observatório aqui no Senado Federal, certamente as leis vão pegar e mais gente terá acesso aos seus direitos. Então, a gente precisa dessa observação aqui nesse dia, em que nós estamos comemorando o Dia do Orgulho Autista.
A outra observação, Senador, é sobre essa questão de a gente estar preparado, e aí eu falo mais direcionado ao poder público.
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Nós precisamos, principalmente, das forças de segurança. Existe aqui a PRF. Ela, finalmente, junto com o nosso Presidente de Honra, o Fernando, apresentou a proposta PRF Amiga dos Autistas e já está em funcionamento esse projeto, bem interessante, que é fazer com que os policiais, a força policial entenda, quando for abordar, em uma eventual blitz, e tiver um autista dentro do carro, como fazer para lidar com aquela situação, porque, geralmente, essa criança ou esse adolescente vai se alterar e aí, às vezes, nem vai responder, Senador. Nem vai responder aí ao pedido ou ao chamamento daquele agente da polícia.
Isso tem que ser colocado também nas outras forças estaduais, principalmente na Polícia Militar, que faz abordagens aos cidadãos e às cidadãs, na hora, também, de uma blitz, e precisa saber como lidar, numa eventual abordagem, com um autista, porque, às vezes, ele não vai te responder. Não só na força policial, mas também nos hospitais, nas clínicas. Como um médico, como um dentista deve se comportar quando deparar com um autista? E quando ele entrar em crise? Na sala de aula, quando ele for à Secretaria da escola, ou mesmo na parte administrativa?
(Soa a campainha.)
O SR. EDILSON BARBOSA - Então, a gente precisa de ter essa política também, de como esses servidores se comportarem, porque chegam para a gente várias e várias situações nas quais a gente nota que é falta de formação e de informação. A gente até está brigando para que no curso de medicina tenha, e no curso, também, de pedagogia, tenha essa cadeira e nos cursos de formação, de aperfeiçoamento dos policiais. Não só policiais militares, os bombeiros, os agentes da Polícia Civil, dos Detrans, do DER, para a gente saber como lidar com essas pessoas autistas. E nada melhor, pessoal, do que essas palestras sobre esse tema, essas Casas de leis para debater essa questão de como melhorar a vida do autista.
E aí a gente encerra dizendo o seguinte. Nós estamos caminhando, já demos alguns passos para isso, tanto é que, agora... Hoje, eu vim de uma TV aqui, dando uma entrevista sobre isso, sobre a questão do autismo. Então, é um tema que a sociedade está discutindo, as pessoas estão vendo a importância dele, mas a gente precisa de quê? Da política pública. Não adianta só a gente debater.
Eu estou saindo daqui, a gente sugeriu algumas coisas, mas a gente tem que implementar essas políticas públicas, implementar a lei. E a gente roga aos Prefeitos, em cada município deste país, aos secretários, principalmente de educação, saúde e assistência social, porque tem muita política lá; aos Governadores e os seus secretários, aos ministros e aos Parlamentares: Vamos implementar a política pública! Vamos dar cidadania a essas pessoas! Vamos abraçar as mães, principalmente! São as pessoas que mais estão ali na ponta quando a gente fala do suporte. Hoje, são elas que dão suporte, principalmente. E aqueles autistas Nível 1 de suporte, que chegam à fase adulta e têm as suas autonomias...
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Muitos têm, não é, Senador? Muitos dirigem. Nosso filho mesmo tirou a carteira de habilitação recentemente. Agora, outros não conseguem. O suporte dele é o três, ele não vai conseguir dirigir um carro. Ele não vai conseguir ir à padaria comprar um pão. Coisa simples, não é? Muitos não conseguem nem pegar este copo de água e levar até a boca. Precisa do suporte de alguém. E esse suporte é a mãe, é a família e é a sociedade.
Se todos entenderem como é ser autista... O autista não é um só, pessoal. É o transtorno, não é? São vários. Então, respeitando a sua individualidade, respeitando aquela família, os familiares entendendo também, nós teremos certamente uma sociedade melhor. Política pública é preciso. E a gente precisa entender também o que são os autistas.
Nós no Moab agradecemos o convite para vir a esta reunião neste dia de debate do orgulho autista.
E a gente tem que fazer. A gente tem que pensar em redução de carga, a gente tem que pensar na mãe, se ela não consegue trabalhar, qual é a mão do Estado que vai ajudar, Senador. Nós precisamos garantir o passe livre, garantir também a vaga de estacionamento, nós precisamos garantir a redução de impostos para comprar os seus carros, precisamos cumprir a lei. Se a gente cumprir, todos ficarem cientes do seu papel, a gente vai ter uma sociedade melhor.
Senador, muitas mães sofrendo, muitos autistas, por falta da política pública. E esta Casa certamente é um dos caminhos para parar esse sofrimento.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Agradecemos ao Dr. Edilson Barbosa, Diretor e Presidente do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab).
Peço inclusive que mande um abraço especial ao Dr. Fernando também. Parabéns pelo trabalho.
E foi feito o levantamento, de fato. Na abertura desta audiência, a gente relatou o trabalho que foi feito para implementar. E até a ideia é contarmos com a colaboração do Moab para acharmos juntos a metodologia mais adequada para isso. Nós faremos isso também. Já antecipo o convite para o Moab.
Em seguida, eu passo a palavra, remotamente, a Erika Karine Rocha Dallavechia, que é fundadora, presidente... Parece que está conectada agora, não é, Erika? Deu tudo certo? Está escutando? Está escutando, não é? Ótimo. Que bom. Ficamos felizes.
Erika Karine Rocha Dallavechia, Fundadora-Presidente do Projeto Social Angelina Luz, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Com a palavra, Erika.
Só, eu até coloquei que são 15 minutos. Aí toca uma campainha. Você terá mais seis minutos aí, só para se organizar, caso deseje, lógico. E depois, faltando um minuto, a campainha toca de novo, está bem? Porque eu acho que quando eu dei essas orientações, você ainda não estava conectada. Com a palavra, Erika, com prazer. Seja bem-vinda. (Pausa.)
Eu acho que estamos com algum problema. Pode falar? (Pausa.)
Fale alguma coisa para ver se estamos escutando você. (Pausa.)
Eu acho que a imagem está boa, mas o som ainda não está saindo, viu, Erika? Está me escutando?
A SRA. ERIKA KARINE ROCHA DALLAVECHIA - Sim, estou escutando.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Agora está perfeito. Estamos escutando você também.
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A SRA. ERIKA KARINE ROCHA DALLAVECHIA (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde.
É um prazer estar aqui com vocês.
Esta conexão foi um pouquinho difícil.
Desculpem hoje a minha imagem aqui perante todos, mas eu estou acamada aqui no Sul, mas firme e forte.
Eu consegui escutar um pouco as palavras do Presidente do Moab.
Vou me apresentar. Quero fazer aqui a minha descrição: sou uma mulher branca, de 1,76m de altura, de cabelos loiros, estou usando óculos, uma camiseta preta, em que há o desenho de um quebra-cabeça colorido e está escrito Projeto Social Angelina Luz.
Eu sou mãe atípica de uma autista, nível 3 de suporte, hoje com 7 anos de idade. Aqui em Porto Alegre, eu tenho o Projeto Social Angelina Luz, onde a gente acolhe mais de 500 famílias atípicas, famílias em vulnerabilidade social; 95% das nossas famílias são famílias dependentes do SUS; são famílias em que o diagnóstico entrou pela porta, e o pai pulou a janela; são famílias em que as mães são mães solo, mães escravizadas por um BPC. Quando esse BPC não vem, quando é indeferido pelo INSS, essa mãe fica sem nenhum tipo de renda, porque ela se torna a chefe da família 24 horas, com uma criança com deficiência, com um autista aos cuidados dela.
Hoje a gente está fazendo esta audiência relacionada ao dia 18 de junho, que é o Dia Mundial do Orgulho Autista, e eu iria ficar muito feliz se tivéssemos aqui na mesa autistas hoje falando por eles.
Como mãe atípica, eu sempre digo que, sim, sou a voz da minha filha de 7 anos, enquanto ela for uma autista verbal não funcional e ainda não conseguir se fazer entender. Ela pode vir a se comunicar, quem sabe, como nós - temos verbais funcionais -, ou ela pode, sim, vir a se comunicar através de uma CAA ou de outras formas que tem de comunicação. Eu acho que é de extrema importância que, nesse dia 18, que passou, que é o Dia Mundial do Orgulho Autista, a gente possa dar voz, lugar e vez aos autistas.
Como mãe atípica militante, que luta por direitos, porque sobrevive, a gente busca aí um direito, que é um direito constitucional que deveria ser de todos, que é a saúde, a educação, a assistência. Infelizmente, a gente se vê muito longe dessa assistência, desses direitos, mas buscando, porque aqui a gente não está falando de deficiência - sim, são pessoas com deficiência -, mas falamos, primeiramente, de seres humanos que estão sendo negligenciados.
A minha filha foi diagnosticada com um ano de idade. Eu vou dar de exemplo a minha filha, mas posso usar inúmeros exemplos de autistas de dentro do projeto. Com um ano de idade, a minha filha foi diagnosticada, isso seis anos atrás. São seis anos dentro do sistema Gercon esperando um atendimento pelo SUS, são seis anos de regressão, são seis anos de podas, são seis anos em que eu perco a minha filha cada dia um pouco, e é assim que acontece com as famílias atípicas dependentes do Sistema Único de Saúde. A gente escuta muito "estamos engatinhando", mas, nesse engatinhar, nessa caminhada de engatinhar e de um passinho de cada vez, a gente segue enterrando não só um autista, mas a sua família junto. Minha filha tem sete anos. Nós temos autistas adultos em uma situação em que nunca tiveram acesso a terapias, a tratamentos, a nada e em que, sim, foi perdida toda aquela janela onde elas poderiam ter uma ajuda e - quem sabe? - uma independência maior.
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Eu vou falar assim... não vou falar com palavras muito difíceis, vou falar com meu coração. Aqui, no Rio Grande do Sul - e não só aqui, eu vejo que isso abrange todo o nosso país de norte a sul -, sim, é uma conquista quando a gente tem leis federais, estaduais, municipais; sim, políticas públicas são necessárias; são, mas nós temos direitos já garantidos por lei, a gente pode citar as leis federais, as nossas aqui estaduais e municipais, mas eu sempre questiono: de que adianta a lei que nos dá o direito se ela não vêm para a prática? A gente não consegue... Os autistas não conseguem evoluir, não conseguem... Eles não conseguem existir com leis na teoria, nós precisamos de prática. Nós precisamos que os autistas tenham acesso, e não é um acesso de qualquer jeito; a gente precisa de uma equipe multidisciplinar acolhendo essas pessoas, dando uma dignidade de vida para elas.
O que a gente tem... Eu ouvi a fala do Presidente da Moab sobre as mães. Nós temos hoje mães doentes, a gente tem tantos casos de suicídio, a gente tem casos de mães que se matam e matam os filhos; a gente escuta tanto, tanto, mas tanto aquela palavra, aquela frase: "O que vai ser dos nossos filhos quando a gente não estiver mais aqui?". Porque a gente está aqui lutando do lado deles todos os dias. É uma luta diária e é uma luta que esmaga e que adoece, porque a gente bate em todas as portas, todas... Se falarem para mim: "Você já bateu na porta 'tal', 'tal', 'tal', 'tal'?". Sim, já bati em todas; a gente encontra um "não". Então, essas mães adoecem porque - a gente do lado deles já vê - há uma negligência. A gente sofre desde agressão psicológica, agressão física... Se a gente der um Google ali e vir o que os nossos autistas passam dentro das escolas regulares, em todos os espaços... A gente tem que estar brigando por ter acesso a um direito constitucional, que é a saúde; a gente tem que estar brigando por um acesso à educação inclusiva; assistência social, então... Aqui, no Rio Grande do Sul, eu nunca nem vi. Nós estamos sozinhas em uma rede de apoio, onde a única rede de apoio entre as famílias atípicas somos nós mesmas.
É muito importante, sim, trazer em pauta, discutir, ter esse debate sobre o transtorno do espectro autista, mas muito mais importante é fazer com que as leis e os direitos já adquiridos pelas pessoas com transtorno do espectro autista venham para a prática - para a prática.
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O que eu tenho para dizer hoje? E eu sempre digo assim: os autistas não são a sujeira do mundo, que podem seguir sendo jogados para debaixo do tapete como se não tivessem valia de nada. Valia de nada!
Os autistas que conseguiram ali ser empurrados, no ensino médio, passaram toda aquela fase escolar, que era o único lugar para eles de socialização, onde eles tiveram uma rotina - porque a rotina para eles é essencial -, quando concluem o ensino médio, por serem empurrados... Porque geralmente eles não rodam o autista, nem com o pedido da mãe, agora, pós-pandemia: "olha, o meu filho tem capacidade, mas na pandemia ele não conseguia ficar sentado assistindo às aulas remotas, e eu não gostaria que ele avançasse, eu gostaria que ele permanecesse para continuar presencialmente". Isso também é negado. E o que acontece? Terminou ali o ensino médio, para onde vão os nossos jovens autistas? Eu estou fazendo essa pergunta e vou responder essa pergunta. Esses jovens autistas voltam para uma prisão domiciliar, com a mãe. Porque, aqui, no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre - eu não sei como estão todas as partes do país, mas a gente tem conexão com muitas associações do nosso país -, eles vão para onde? Para lugar nenhum, porque não existe um espaço de convivência para o jovem e para o adulto autista. Esses autistas retornam para casa, sem um espaço de convivência, com essa mãe que já está doente, e ali eles ficam, tendo regressão, automutilação... E ali eles permanecem.
A gente tem um grande exemplo de tristeza, que é a mãe Ana Paula, que teve um infarto dentro de casa - essa mãe, com um filho autista de seis anos de idade -, e a rede de apoio era inexistente, como é na grande maioria. E só foram dar falta dessa mãe 12 dias depois, enquanto o filho ficou ali com ela, com a mãe morta, em decomposição, comendo os restos de comida da casa, até que um vizinho sentiu o mau cheiro. E aí deram falta dessa mãe. Então, são os autistas negligenciados; são as mães invisíveis...
A gente fica assim... Eu estou falando aqui hoje - embora convidada, enquanto presidente do projeto - enquanto mãe: mãe que acolhe mãe; mãe que tem um ombro sobrecarregado; mãe que não vem a uma audiência pública e não vai atrás do poder público para se vitimizar, e sim para dizer aquilo que a gente vivencia, uma realidade que não pode ser tapada. A gente não pode colocar, tapar o sol com a peneira enquanto a gente perde vidas.
O que vai acontecer com todos esses autistas? Hoje a prevalência é de 1 para 36. Não adianta virem projetos de lei, projetos de lei, projetos de lei, se não são implementados! Como disse o meu colega do Moab agora, tem que ser na prática. A gente está clamando por socorro, por existência, por algo que deveria ser para todos, não para uma parcela da população, típica.
Sabe quando as pessoas sentem, conseguem sentir as palavras que eu aqui digo? Quando na sua porta e na sua família vocês tiverem uma pessoa com deficiência e não tiverem abraço e acolhimento de ninguém; quando a gente tentar colocar os nossos filhos, os nossos autistas dentro de uma escola regular, cujo laudo médico diz que ele precisa de um monitor, e esse monitor nunca chega. E aí reduzem dias, reduzem horas. Por que não dão? Por que as escolas não têm a capacitação?
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Na lei, nós temos aqui... Eu podia citar a lei federal mais conhecida como Berenice Piana, a nossa lei de inclusão, mas aqui todos têm conhecimento de leis, não é? Aqui, nós também temos a lei gaúcha para o autismo, que é uma lei estadual de 2019, toda embasada - toda - na Lei federal Berenice Piana, e eu a tenho em mão, mas é só em mãos que eu a tenho, porque não tem nada implementado, é só no papel! Isso esmaga a nossa existência.
Eu não queria estar hoje aqui falando, eu queria estar ouvindo os autistas, eu queria estar ouvindo a Carol, da Autistando, porque ela é uma autista não verbal, não se comunica verbalmente, mas se comunica através do CAA.
(Soa a campainha.)
A SRA. ERIKA KARINE ROCHA DALLAVECHIA - A Jéssica Borges... Inúmeros autistas poderiam estar aqui falando a vivência e a realidade deles.
O que a gente precisa hoje - e não é hoje, porque a gente já precisava no ano passado, retrasado, há décadas - é de que a gente saia dessa roda de debates e traga para a prática, porque é só trazendo para a prática que a gente vai salvar vidas - salvar vidas!
É demais, é incompreensível para nós que a gente tenha que ficar num estado de luto, vendo os nossos filhos sendo enterrados vivos, porque é isso que acontece. Quando os autistas não têm acesso a tratamento e não têm o direito à educação, são enterrados vivos. Eu já enterrei um filho e eu enterro a minha filha todos os dias um pouco. A minha filha está há mais de 2.190 dias esperando o socorro do SUS, porque, dentro do nosso projeto, a gente tem autista com 20, 25 anos que nunca teve acesso a tratamento pelo SUS. A gente tem crianças, famílias, jovens fora de rede, famílias já esquecidas e que não estão em cadastro em canto nenhum, cujas mães já desistiram de levá-los à escola. E alguém procura essas famílias? O Conselho Tutelar? Quem procura essas famílias? Não procuram. Lá elas ficam abandonadas, sozinhas e cansadas de buscar. A gente precisa trazer para a prática, gente, urgentemente, não é com um passinho de cada vez mais, não, e nem nesse engatinhar. Vamos engatinhar até quando? Quantos mais a gente vai perder? Para onde vão? Onde estão as moradias assistidas?
A gente tem que pensar na parte da educação lá dentro das faculdades, com cadeiras obrigatórias, porque, se a lei diz que os profissionais têm que ser capacitados, a capacitação tem que ser obrigatória e continuada, e não é o que acontece; até na abordagem policial, no Samu, em todos os lugares.
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A lei diz que o autista tem direito a atendimento prioritário. Isso não acontece também em canto nenhum. Não é vir aqui apontar só o que não acontece; eu queria estar aqui apontando o que acontece. Mas eu quero dizer para vocês que a realidade da pessoa com autismo hoje no Brasil, e falando do Rio Grande do Sul, é uma lástima. São pessoas sem acesso a nada, infelizmente.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - O.k., Erika, concluiu?
Erika, eu só quero dizer que o seu depoimento foi muito importante. A preocupação nossa é escutar o ponto de vista das famílias, das pessoas com transtorno do espectro autista, dos profissionais que atuam, que atendem essas pessoas também. Inclusive, no mundo inteiro se defende muito o conceito de participação das famílias e a autoadvocacia, self-advocacy, das famílias e das pessoas. Quer dizer, que as pessoas e famílias relatem, contem os desafios que vêm enfrentando, como você colocou muito bem, não é? E que a gente possa... Falava com o Dr. Edilson, e ele mesmo sugeriu implementar, concretizar o que está no papel. Vamos, assim, em conjunto com o Moab, que é uma instituição nacional também... Discutir bem sobre como o Senado pode participar desse processo, como ele próprio sugeriu. É o desafio mesmo, não é? Vamos juntos nessa caminhada.
Eu passo, em seguida, a palavra para a Ana Lecticia Soares Muller Lobo Rezende, que é Presidente da Associação Brasileira de Neurodiversidade e também do Coletivo - importante - Autistas Adultos Brasil, que foi um dos itens levantados naquela pesquisa que eu mencionei: criança, adolescente, adulto, idoso. E você própria mencionou.
Com a palavra, Ana Lecticia.
A SRA. ANA LECTICIA SOARES MULLER LOBO REZENDE (Por videoconferência.) - Gente, eu ia começar falando só sobre... Vocês estão me ouvindo?
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Muito bem.
A SRA. ANA LECTICIA SOARES MULLER LOBO REZENDE (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada.
Primeiro, quero agradecer ao Senador, porque - respondendo já à Erika - para autista adulto é difícil ter alguém que dê a palavra. Então, o Senador foi o primeiro político que realmente chegou e falou "eu quero um autista adulto pra falar por si". Como o senhor disse, self-advocacy, no Brasil, é a primeira vez que a gente está tendo oportunidade de falar por nós mesmos.
Quero agradecer à Fernanda, que tem muita paciência comigo, porque eu falo demais, eu a encho de perguntas.
Respondendo ao Leandro: por que não tem o autista falando por ele mesmo? É exatamente isso, é a primeira vez que alguém do Senado está dando oportunidade, porque a minha associação é toda feita de neurodivergentes e neurodiversos adultos - paralisia cerebral, Down, autistas e TDAHs. E ele também perguntou se tem alguma coisa nova em tratamentos. Tem, mas a gente tenta implementar no SUS, e é difícil, principalmente a comunicação alternativa, não é?
E, agora, falando diretamente com a Erika.
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É difícil o autista adulto conseguir ter voz, porque a grande maioria ainda é movida pelo capacitismo; ainda acha que o autista adulto não deve se dirigir aos outros, porque não é capaz de concatenar pensamento, porque o autista obrigatoriamente tem deficiência intelectual, porque o autista é isso e o autista é aquilo. E, sempre que dou palestra, eu procuro dizer que deficiência intelectual, mesmo que o autista a tenha, não mede inteligência. Deficiência intelectual é uma coisa; cognição é outra.
Todo autista é capaz de ter potencialidade, de ter discurso. Ele pode, sim, falar em seu nome. Como você mesmo disse, mesmo que seja um autista, ele pode, através de uma comunicação alternativa, falar o que ele pensa, falar o que ele precisa, falar o que ele sente. Ele vai ter uma forma de se comunicar, mas a sociedade continua tendo um olhar capacitista, e isso impede que o autista vá ao médico - ainda que tenha um acompanhante ou um cuidador familiar ou profissional -, diga o que precisa, consiga fazer um curso, consiga ter uma profissão, consiga se expressar no mundo. Essa é a dificuldade do self-advocacy no Brasil.
Quando o Dia do Orgulho Autista foi criado, ele foi criado para os adultos, para que o adulto seja visto, porque, se ele não é visto, é como você falou, a regressão infelizmente vai ocorrer. Da adolescência em diante, se o autista perde o direito ao tratamento, perde o direito ao atendimento médico, ao multidisciplinar, ele começa simplesmente a regredir, regredir, regredir e vai ter uma demência acelerada. A senescência chega para todo ser humano, mas ao autista ela vai chegar num modo tão acelerado, que vai ser difícil até discernir o que é o autismo regredindo e o que é a demência normal, por que qualquer humano vai passar.
Então, o olhar capacitista prejudica demais o autista, porque ele impede tanto o discurso da gente pedindo aquilo que a gente necessita, quanto se expressar e até dizer aquilo que sofre na escola, sofre na faculdade, sofre no trabalho, sofre nas casas de acolhimento, sofre nas residências assistidas, sofre, às vezes, com o abuso sexual no atendimento médico, ou numa área de tratamento - porque a gente sabe que existe -, sofre com a violência. Você não tem voz e, quando o autista adulto não tem voz, ele piora, porque ele vai ficando mais fechado e mais retraído.
Eu queria lhe dizer uma coisa, Erika, diretamente para você: quando você falou da questão da mãe, eu tenho uma inveja enorme de mães como você, porque tem o outro lado do autista adulto. Qual é? Você é uma mãe que luta para caramba pela sua filha. Eu sei que é um sofrimento enorme, mas eu tenho inveja. Por quê? Porque eu e vários outros autistas adultos - se você quiser depois falar comigo por WhatsApp, você pode falar -, a nossa história, principalmente quem teve o diagnóstico tardio como eu, que foi aos 40 anos, a nossa história é de não termos família.
Qual é essa história? Obviamente, a gente olha para trás, depois do diagnóstico, e descobre que aquilo que nos foi negado, como amor, carinho e aceitação da família, era porque nós éramos diferentes. Ainda que eu seja suporte 1, tenho epilepsia, tenho enxaqueca, tenho aquelas outras comorbidades do autismo.
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Por exemplo, depois da morte do meu pai, eu simplesmente fui cortada pela minha família. Eu não falo com minha mãe e com meu irmão biológicos há 12 anos, eles simplesmente me... E, com isso, eles levaram o resto da família, tanto do lado do meu pai quanto do lado da minha mãe. A minha rede de apoio é o meu marido, com quem eu sou casada há 27 anos, e a rede de apoio que eu construí junto à comunidade autista. Então, quando você citou o caso dessa mãe... Eu conto só com o meu marido, com as outras mães e com outros autistas adultos.
Você vai ver, se você falar com os adultos, esse mesmo nível de negligência e de autistas abusados por seus familiares. Nós temos histórias de autistas que são colocados para fora depois dos 18 anos; de autistas que são aprisionados, não apenas porque são nível 3 e se automutilam, mas porque a família realmente abusa deles. Quando o autista tem determinadas dificuldades ou outras comorbidades, como epilepsia ou qualquer outra coisa, e a família não compreende ou não quer aceitar, porque...
Pessoas da minha idade sofreram aquilo que o Senador deve lembrar: antigamente qualquer área da doença mental, qualquer área do neurodesenvolvimento incluía a vergonha absoluta - esquizofrenia, bipolaridade, depressão... As pessoas fingiam que aquilo não existia, e aquela pessoa era retirada do núcleo familiar. O autismo passou por esse estigma até a década de 90. Eu sou nascida na década de 70, então eu era a estranha da família. Era mais fácil eu me excluir. Muitos autistas da minha idade, com diagnóstico tardio, viveram isso.
Eu não sofri violência física, mas eu sofri abuso psicológico. E eu vou falar isso claramente. É uma coisa que, durante anos, eu não trabalhei legal na minha cabeça. Eu trabalhei isso, depois do diagnóstico, com psicoterapia e com medicação, mas eu fui... Você vai ver isso no autismo adulto daqueles que a família nunca apoiou.
A minha mãe, por problemas dela, etc., etc., etc., nunca me ensinou nada sobre sexualidade. Eu tive um primeiro namorado - e, obviamente, por causa da epilepsia, eu nunca tomei pílula corretamente - e eu engravidei. Na minha cabeça, a lógica era ter um filho. Eu nunca cogitei retirar a criança. Minha família me enganou, disse que eu ia fazer um exame, e me internaram... E me doparam na realidade, me internaram à força e fizeram... Na realidade não foi um aborto, óbvio, porque eu estava de seis meses e me deixaram internada. Eu fiquei quase cinco meses internada nessa instituição. Quem me resgatou, na verdade, foi meu padrinho, irmão do meu pai, porque ele ficou sabendo. Eu me pergunto muitas vezes se eu sairia dessa instituição se meu padrinho não tivesse buscado por mim. Quando eu voltei para casa, não melhorou nada a situação. Eu fui extremamente abusada em termos de violência psicológica, enfim... Foi ruim. Eu saí de casa, fui morar com uma prima.
Então, a minha história não é incomum no meio do autista adulto. Muitos sofreram abusos piores, muitos foram colocados realmente para fora de casa cedo, porque a família entende que aquilo ali é um peso, que o autista é errado, que o autista tem alguma coisa.
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Uma das nossas lutas sempre vai ser a proteção do autista contra a cura, porque muita gente acha que vai curar aquele ser, que é errado, nasceu errado e vai morrer errado, então, talvez seja melhor que ele seja curado mesmo que isso leve à morte. Aí, a gente tem o protocolo MMS, que é obrigar o autista a tomar água sanitária, alguns levam para o exorcismo, porque ele é errado mesmo, não é?
Então, eu morro de inveja de mães como você. Eu sei que a luta é muito dura. Eu tenho amigas, realmente, com filhos nível 3. Eu sei que é muito duro. Como você disse, a maioria é solo. Uma das mães que eu amo de paixão é a Beth. Nossa Senhora! Ela é uma senhora já idosa, obesa, tem muitas doenças, sofreu muito. O marido, como você disse, sai pela janela, paga uma fortuna de pensão para ela para cuidar da filha: R$200. A menina é nível 2, mas é inteligentíssima, linda de morrer, faz maquiagens de cinema. A Fernanda até recebeu uma foto que ela me mandou. Ela cuida sozinha da filha nível 2, e não tem tratamento em lugar nenhum - nenhum!
A nossa associação e o coletivo buscam ajuda exatamente por isso para os autistas que não têm dinheiro, não têm diagnóstico e estão naquele limite entre o que é melhor fazer: ficar aqui ou tomar a decisão lógica de ir embora. E para o autista adulto é muito lógico ir embora. O ir embora é achar uma maneira científica de cometer suicídio. A gente já conversou com vários autistas que estavam com tudo bem certinho. Eu posso mandar mensagens para vocês de autistas que a gente atende que dizem assim: "É, eu já fiz as contas, tal, e, assim, não vale a pena, o mundo em que eu vivo não vale a pena. Minha família me agride. É mais fácil eu ir embora". Então, é difícil.
A gente conseguiu criar um pool de profissionais que atendem voluntariamente autistas adultos e é muito difícil. A Presidente do Coletivo é a Larissa Matos. Ela passou por maus bocados no casamento dela, tem um filho, e eu também a admiro para caramba, porque ela cria um filho sozinha com tudo o que ela passou. É difícil realmente você ser um autista adulto que não tem nem o suporte da família. Então, por mais que as mães sofram, eu admiro demais essa mãe que luta para caramba pelo filho, porque eu não tive nem aceitação e nem apoio e vejo como isso faz mal ao autista adulto.
Quando a gente tenta ver a motivação do Dia do Orgulho Autista, que é explicar para a sociedade que a gente tem o direito de existir, esse é um direito básico de qualquer ser humano. Não interessa se eu sou neurodiversa, não interessa se a minha condição é genética, se eu nasci assim, eu não tenho como mudar quem eu sou. O tratamento, a medicação, a psicoterapia vão me ajudar a sobreviver na sociedade, mas eu não posso mudar quem eu sou, menos ainda na minha idade. O meu ganho com a medicação e com a psicoterapia é pouco, me permite viver um pouco melhor, mas não é eterno também, porque o cérebro vai também se deteriorando pela senescência. Então, o meu ganho é muito pequeno com a medicação e com a terapia, mas, ainda assim, é um ganho, não é? É importante ter o diagnóstico na nossa idade.
Esse orgulho que a gente tem é de dizer assim para a sociedade: eu sou igual a vocês. O meu neurodesenvolvimento pode ser diferente, mas eu ainda sinto, eu ainda sofro, eu também me sinto mal com as coisas que eu, às vezes, faço. Eu vejo a reação dos outros, o olhar dos outros.
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Eu posso, para aqueles que são mutistas, não falar, mas eu entendo plenamente a rejeição. Não existe essa história de que o autista não entende as emoções; ele entende perfeitamente a rejeição, ele entende o descaso dos outros, ele entende aquele olhar que meio que as pessoas dão a ele, ele entende uma negativa de afeto, ele entende quando o outro o rejeita de uma forma bem violenta, às vezes. Ele entende o bullying; ele pode não entender na primeira vez, mas, na segunda, ele vai entender que não tem amiguinhos, ele vai entender que estão cochichando, que estão rindo dele, e isso marca, isso cria uma situação horrível, porque até a mãe não tem como explicar por que ele sofre isso. Como é que a mãe vai chegar para a criança e falar o que ele tem de errado? Nada, ele não tem nada de errado; ele é só uma criança com um neurodesenvolvimento diferente.
E o que o adulto faz? Nada. O adulto tem menos capacidade ainda de entender por que o mundo o rejeita, por que, dentro de todas as potencialidades que ele tem, ele não arruma um emprego, ele não consegue ter um relacionamento. Dá até vontade de criar um site: relacionamentos para neurodiversos. Uma das maiores queixas que tem dentro dos grupos de adultos é mais ou menos isto: como ter um relacionamento. Mas é uma vida que é complicada. Então, assim, ter pelo menos o apoio da mãe e do pai, como disse o senhor do Moab, ajuda demais - ajuda demais.
Eu queria só lembrar novamente isto: o Dia do Orgulho Autista foi criado por autistas adultos para tentar mostrar isso. A instituição que nos apoia, seja ela criada por autistas adultos, seja ela criada por pais, auxilia não só a modificar o trajeto neuronal; auxilia também a formação da personalidade. Um autista com tratamento vai se tornar um ser humano com maior segurança, com uma melhor personalidade. Sem esse apoio, ele vai ter transtorno de ansiedade, ele vai ter depressão muito cedo e ele vai para um caminho muito ruim, porque ele vai se automutilar, ele não vai ter uma vida feliz.
Eu não vejo como a sociedade pode ter o direito de tirar a felicidade de uma criança. Não importa se ele é nível 3 de suporte ou se ele é nível 1. Ninguém tem direito de tirar a capacidade de uma criança de ser feliz - ninguém. Se ele vai se desenvolver ou não, é irrelevante. Ele pode permanecer mutista, ele pode permanecer no nível 3, com poucas habilidades ou com muitas habilidades; ele tem direito de ser feliz e acabou. Esse direito a sociedade não pode negar.
Então, quando eu vejo um diagnóstico mal feito, um laudo que não supre aquilo de que a mãe necessita, uma negativa do INSS, enfim, as milhares de coisas por que a gente sabe que a criança e o adulto passam. Eu fico pensando assim: quem decidiu que essa criança tem que ficar ali, que a mãe tem que ficar ali, que ninguém vai ser feliz. Não me incomoda apenas; me deixa um pouquinho mais desesperançosa, digamos assim.
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Então, eu queria dizer para a Erika, para essa mãe que luta para caramba: tem como mudar. Talvez não na minha vida, mas na vida da filha dela eu acredito que tem como mudar, sim. Como o senhor falou, lei tem para caramba, mas a gente tem que forçar um pouquinho, para que elas sejam implementadas de uma vez e para que a coisa ande.
Está acontecendo agora, dentro do Brasil Participativo, uma enquete em que você pode escrever qual legislação você gostaria que fosse implementada dentro dessa linha de atenção ao autista. Uma delas está dentro do programa que eu passei até para a Fernanda. Na minha visão... Eu não entendo nada de economia, eu sou de enfermagem, o senhor desculpe se eu entrar numa área que não é legal, mas, assim, eu acho que é o que vale.
Aliás, obrigada por ter feito aquela questão... O senhor fez um projeto de lei - lembra? - sobre o pagamento de BPC após o falecimento do beneficiário, quando é pessoa com deficiência, autista ou Down... Lembra que o senhor fez isso depois da nossa primeira reunião daquela Comissão?
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - O.k.
A SRA. ANA LECTICIA SOARES MULLER LOBO REZENDE (Por videoconferência.) - Foi muito importante esse PL, foi muito importante. Eu mandei para as mães, e elas ficaram muito felizes. Tomara que passe, porque essas mães ficam desesperadas.
Eu fiz um pedido de PL, nesse projeto Brasil Participativo, que é para ver se pode separar o BPC/Loas do idoso do BPC da pessoa com deficiência, porque, a meu ver, a questão do BPC da pessoa com deficiência deveria ser exclusivo para tratamento. Então, isto aí todo mundo sabe: quem tem um filho com BPC, se tiver mais um, corta; se tiver, na mesma família, um idoso com BPC e um filho com BPC, corta. Eu não acho que deva ser assim, porque isso aí significa que o autista e a pessoa com deficiência não têm direito ao tratamento. O BPC visa ao direito ao tratamento, ao direito à dignidade e ao direito ao bem-estar social daquela pessoa com deficiência. Então, ele não pode ter um recorte econômico. O recorte econômico tem que ser em cima da necessidade da família.
Eu fiz essa sugestão aí nesse Brasil Participativo, mas eu queria deixar aqui essa questão, porque, se puder, sei lá, virar um projeto de lei, virar alguma coisa tipo legislação, pelos avais de tantas mil assinaturas, isso daria uma tranquilidade maior para as mães.
Geneticamente falando, a chance de um filho nascer autista e um irmão também ter autismo é mais de 50%. Então, não há razão nenhuma para que o INSS conceda um BPC para um autista e não conceda o segundo. É até ir contra a genética. O INSS é meio louco nisso aí. Eu não entendo.
Então, desculpe se eu estou trazendo alguma coisa que incomode, mas eu acho que as mães ficam superperdidas quando tem essa questão.
Literalmente: a chance de um filho nascer autista, e o segundo também... Atualmente, a pesquisa diz que é de 75%.
Eu fiz essa sugestão, não sei se vai pegar, mas, se puder fazer alguma coisa, eu agradeço.
Eu estourei o tempo?
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Não, não estourou, e está muito bom, Ana Lecticia, um depoimento muito importante.
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Eu quero dar um testemunho aqui: eu comentava com a Maria Inês que nós gostamos muito de você. Eu acho que você tem muito a contribuir para todo o debate sobre a área. Todas as preocupações que você traz são preocupações muito relevantes, inclusive sobre o BPC também, em que a gente vem batalhando bastante aqui. Dependemos muito daquela avaliação biopsicossocial; se regulamentada, a gente vai sair do critério econômico de um quarto do salário mínimo para uma avaliação da condição social e econômica da pessoa, da família. Isso é muito importante. E o primeiro tendo o direito... Um benefício, que é da assistência, não pode ser incluído como renda da família. Isso é benefício. Renda é uma coisa, benefício é outra. Inclusive, nós estamos na Comissão de Direitos Humanos, e o Senador Paulo Paim, que é o Presidente, também é um batalhador nessa área.
Obrigado, Ana Lecticia. Muito bom. A gente agradece sempre a sua participação. E você tem a nossa admiração. Vamos juntos! Vamos juntos em frente!
Agora, eu passo a palavra para Maria Inês Correia Serra Vieira, que é Coordenadora Geral do Centro Educacional da Audição e Linguagem Ludovico Pavoni.
Até quero explicar por que nós da Comissão de Educação e Cultura visitamos o centro. É interessante ver - eu até conversei com ela já no momento do convite para esta audiência - como é que eles veem as preocupações das famílias, dos pais, das pessoas com transtorno do espectro autista, dos profissionais, quando procuram o atendimento que consideram adequado. Eu só quero dizer que, na fila de espera lá, eles pararam em seiscentas pessoas; não continuaram, porque, senão, já teria mais de mil pessoas na fila de espera para atendimento. Então, é nesta perspectiva: "Eu estou recebendo a família, eu estou recebendo a pessoa, quais são os desafios nessa área?". Aí a gente reúne o quadro todo: família, adulto, criança. A Erika, que falou tão bem também, estava com filha pequena, depois adulta; o Dr. Edilson falou dos filhos adultos também, nível 1, nível 2, nível 3. Então, tudo isso é importante de ser destacado.
Com a palavra, Maria Inês. Seja bem-vinda também.
A SRA. MARIA INÊS CORREIA SERRA VIEIRA (Para expor.) - Obrigada, Senador.
Boa tarde a todos.
Depois das falas dos colegas, é realmente focar no aspecto da instituição.
Eu sou Maria Inês, Coordenadora do Ceal, que é uma instituição particular, mas que trabalha com interesse púbico, beneficente e que atende atualmente a 450 crianças, adolescentes e jovens com deficiência auditiva e intelectual, os autistas principalmente.
O que acontece lá? Primeiro, quero dizer que são famílias - 99% - em situação de vulnerabilidade social e que não contribuem com absolutamente nada.
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O que a gente vê no dia a dia é o que a Erika colocou aqui, como mãe: são mães, pais e responsáveis que chegam diariamente desesperados, porque não encontram em lugar algum na rede pública... Principalmente na rede pública, porque se trata de famílias de baixa renda, mas, mesmo na rede particular, o atendimento, além de ser muito caro, às vezes não é eficaz. Então, tem profissionais que dizem atender, mas que na realidade não estão capacitados para isso. Então, o que a gente vê realmente são famílias desesperadas - posso usar esse termo mesmo.
E o que nós fazemos lá? Primeiro, até vou me reportar ao Dia Mundial do Orgulho Autista, dizer para eles que realmente tenham orgulho de terem essa missão, essa meta e valorizem aquilo que muitos pais e outras que já estão nessa caminhada, como a Ana Lectícia mesmo falou, há quantos anos, já alcançaram. Então, esse orgulho tem que ter mesmo, mas a gente tem que ter presente os desafios. E esses desafios não são poucos.
A nossa instituição, por exemplo, que hoje é um centro de referência, atende pelo SUS, pelo Suas, que é da assistência social, e também a educação regular... Na verdade, educação especial. Nós fazemos as três políticas dentro dessa instituição, que fica aqui em Brasília, na Asa Norte. Mas como é que a gente vive? É interessante dizer que o que a gente faz ali é papel do Estado, está na Constituição. E o que a gente procura fazer é dar qualidade ao atendimento.
O primeiro passo foi capacitar a equipe; nós buscamos os melhores cursos, lá fora inclusive, captando recursos da Europa, dos Estados Unidos, porque aqui no Brasil a gente não conseguia. E, depois de toda a equipe formada - essa equipe passou a ser multiplicadora -, a gente passou a utilizar as melhores metodologias e hoje a gente... Eu já vou dar o final da história, já vou contar pelo final: a gente tem hoje surdos oralizados que falam, que cantam, que fazem teatro e que, quando vão para o mercado de trabalho, são requisitados por qualquer empresa, porque querem aquele que foi capacitado pelo Ceal.
E os autistas... O Senador teve oportunidade de assistir lá nosso centro crianças que entram pequenininhas. Nós damos preferência realmente à mais tenra idade. E essas crianças que não falam, às vezes, suporte 3, têm uma transformação pelo trabalho que é realizado lá, multidisciplinar, por toda uma equipe - inclusive, inicialmente, de diagnóstico, neuropediatra, psiquiatra infantil, fonoaudióloga, terapeuta ocupacional, assistente social, psicóloga, nutricionista, enfim, todo acompanhamento da criança, até porque o autista tem muita seletividade alimentar. Então, a gente precisa de todo esse apoio.
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E, ao longo de dois, três anos, a gente já percebe uma criança com um comportamento muitíssimo modificado - claro, respeitando todas as suas individualidades, as suas características -, com crianças que não falavam e que passam a falar, crianças que colaboram, participam das atividades, já começam a pertencer aos pequenos grupos de interação social.
Então, o que é que posso falar efetivamente, dizendo isso aqui para vocês? Com trabalho - com trabalho -, com seriedade, com disciplina, na forma como se aplicam as metodologias, a gente alcança, sim, eu não diria que milagres, porque na verdade a gente trabalha muito, mas com certeza a gente tem resultados surpreendentes.
Por que tudo isso não é oferecido a todos? Nós ficamos numa luta diária por tentar ampliar o atendimento, melhorar o atendimento, mas o que é real para nós, numa instituição como a nossa, que não tem forma de arrecadar recursos próprios, não tem lucro? Nós dependemos hoje da Secretaria de Saúde, por exemplo, que nos repassa o pagamento de procedimentos pela tabela SUS. Para vocês terem uma ideia, uma consulta médica não chega a R$10; um atendimento fonoaudiológico com profissionais gabaritadíssimos, pós-doutores, R$6,96. E, nesses procedimentos, com esse pouco recurso que é repassado, a instituição tem que fazer o quê? Aí, sim, entra o milagre. Depois nós recebemos, pela Secretaria de Assistência Social, um valor de referência para cada uma dessas crianças atendidas, que, multiplicado, no final do mês, mal paga a folha de pagamento. As outras despesas com assistência social a gente não consegue bancar, ou seja, todo mês nós temos um déficit de quase 50% - 48%, 49%.
E o que a instituição tem que fazer, além de se manter de pé? Porque, por exemplo, no nosso caso, nós temos 50 anos de construção, então nós já precisávamos fazer reformas de todo tipo. Não sobra nem para pagar luz e água. Como faz reformas? Qual é o final dessa história? O que vai acontecer? Nós vamos parar de atender. Então, em vez de a gente caminhar para frente, nós percebemos que o Governo dá menos, o Estado dá menos, e aqueles que procuram fazer alguma coisa não têm apoio. E, por mais que a gente grite... Assim como as mães, a gente também tem uma associação de pais que fica gritando à Secretaria de Educação: "Olha, nós queremos professores aqui no Ceal para atender as nossas crianças", "Olha, Secretaria de Assistência Social, se vocês não aumentarem o valor de referência, a instituição não vai poder caminhar", "Secretaria de Saúde, complemente o valor que nos é repassado pelo Fundo Nacional de Saúde".
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O Ceal tem toda a documentação correta, é anualmente controlado pelo Ministério Público, pelo Tribunal de Contas do DF, nós estamos há 50 anos em Brasília, nunca tivemos nada que nos desabonasse. E por que não acreditar numa instituição que poderia estar oferecendo muito mais para a sociedade? Então, diante disso, a gente... Ou melhor, apesar disso, de sermos tão mal remunerados, a gente acolhe essas famílias com o maior carinho e oferecemos o colo, sim, não é? Nós dizemos para eles que lá nós faremos o possível para ver aquela criança se desenvolver a cada dia e para dar melhores condições de aquela mãe, aquela família caminhar com as próprias pernas. Então, as assistentes sociais acompanham a forma como é dado o encaminhamento para o benefício de prestação continuada, as psicólogas atendem, não só em grupo, mas individualmente, cada membro da família, a própria criança, e, ao mesmo tempo, a criança passa por todas as terapias que são necessárias para que o desenvolvimento, a estimulação aconteçam, não é?
Agora, o que a gente vê na prática? Eu acho que isso o Senador vai gostar de ouvir. Nós recebemos... A minha formação é em Serviço Social, que fiz aqui na UnB, já há muitos anos, e eu nunca deixo de ser assistente social. A mãe vem, muitas vezes - e hoje, mais do que nunca, a gente sabe que não é só um filho, vem um, ou dois, ou três filhos autistas -, das cidades satélites ou da região do Entorno, trazendo aquelas crianças autistas de grau, de suporte 2, 3, e puxando pela mão, da forma como ela consegue segurar, e pega dois, três ônibus até chegar à nossa instituição, e ali passa a tarde ou a manhã inteira aguardando o atendimento. Nesse momento, então, o Ceal entra com o suporte - aí o suporte noutro sentido -, para dar àquela mãe alguma capacitação para o mercado de trabalho, ou uma hidroginástica, usando a nossa piscina no momento em que a criança não está usando, uma ginástica corporal, uma ioga; a gente procura oferecer alguma coisa para aquela família, para aquela mãe, aquele cuidador também se sentir cuidado.
E o que eu acho, assim... O que a gente vê na prática? O grande sofrimento daquela mãe que abriu mão da sua carteira de trabalho, deixou de trabalhar, deixou de contribuir para, um dia, ter a sua aposentadoria, mas está ali, envolvida, se dedicando, e a gente apoiando, incentivando, "não pode desistir, a gente está aqui". Então, é aquela luta diária. E a gente percebe que elas poderiam ter muito, mas muito mais ajuda do Estado.
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Nós temos parcerias, sob o aspecto de pesquisas que acontecem dentro do Ceal, com institutos em Miami, na Flórida, e também no Canadá, em Toronto. O que a gente vê lá da legislação? Não é muito além do que nós já temos aqui, mas o que a gente vê é que ela é realmente implementada. Então, as crianças... Vou dar um exemplo, citando aquele exemplo anterior em que a mãe vem com duas, três crianças, pegando dois, três ônibus, até chegar à instituição. Lá não aconteceria isso. Vai um transporte à casa daquela família, traz aquelas crianças até o centro, com segurança, porque ela não vai atravessar ruas, não vai se soltar da mão da mãe e correr o risco de um atropelamento, não. Ela vem dentro de um transporte que o Estado oferece, a leva até a instituição onde ela vai fazer reabilitação. Ela tem direito a estar nesse transporte com um acompanhante qualificado, que passou por uma qualificação para receber aquela criança autista ou aquele jovem. E, depois que sai, se está apta para o ensino regular, ela vai também acompanhada de um monitor também qualificado, que vai acompanhá-la na escola para todos os entraves. Isso é fantástico.
Eu ontem conversava com a coordenadora de um centro e ela me dizia: "Olhe, não é possível que vocês não consigam isso aí". Eu falei: "Eu vou amanhã à Casa onde as leis são mencionadas e deveriam ser cobradas".
(Soa a campainha.)
A SRA. MARIA INÊS CORREIA SERRA VIEIRA - Vamos partir para essa conscientização.
Temos lá também uma associação de pais. Essa associação de pais não é um muro de lamentações porque a gente não permite isso, a gente chama de desafios que são traçados e nós apoiamos esses pais para que isso possa se reverter.
É uma luta grande, eu tenho uma admiração enorme pelo trabalho das famílias, dos profissionais e das pessoas que abraçam a causa. O nosso diretor, o Padre José, vive 24 horas em função dessas crianças, mora na instituição, fica lá acolhendo essas crianças, as crianças amam de paixão. Então, a gente sabe que tem elemento humano para trabalhar com as nossas crianças e adolescentes, jovens e adultos autistas. O que a gente precisa efetivamente é de apoio e de recursos para oferecer cada dia mais e melhores equipamentos, subsídios, metodologias avançadas, enfim. Tudo que a gente deseja é que o autista seja feliz. Eu acho que, se a gente alcançar e a família estiver confortável, alcançamos o nosso objetivo.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Muito bom.
Agradeço também a você, Maria Inês.
Como eu falei, vários Senadores e Senadoras tiveram a oportunidade de visitar o Ceal e todos nós ficamos bastante impressionados com o atendimento dispensado, como foi relatado aqui pela Coordenadora Maria Inês.
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Inclusive, nós relatamos isso no Plenário dizendo: olhe, é tão bom, as famílias estão felizes, os pais estão lá sendo atendidos - e eles relatando -, as pessoas dentro do transtorno do espectro autista... Só que a dificuldade - e colocamos no Plenário - é que são mil pessoas em fila de espera.
Como a Maria Inês colocou, a instituição procura auxiliar nesse processo que, na verdade, deveria ser do próprio poder público também, mas sempre é bom ter a parceria, o trabalho em conjunto. Sabem que, lá na Irlanda - eu estive lá em Cork para uma reunião da Inclusion International -, eles fizeram uma enquete, um plebiscito, com as pessoas envolvidas nessa área; e, pelo plebiscito, decidiram que deveria ser comunitário, que nem o Ceal, e não público. Por quê? Porque no comunitário? Pelas mesmas razões nossas. Quando é público, muda o secretário, muda toda a política; muda o ministro, muda toda a política; muda o quarto escalão e é tudo novo de novo, para reinventar a roda. Quando é comunitário, lá na Irlanda, eles disseram que há perenidade, permanência, recebendo, porém, como se fosse público.
Aliás, só fazendo uma observação, é uma entidade do terceiro setor, porque o particular tem fins lucrativos e o terceiro setor é sem fins lucrativos. Inclusive, há o debate, aqui no Senado, de serem consideradas entidades públicas, não estatais. Porque quem que é o dono do Ceal? Não tem dono? É a comunidade, os pais, os alunos, é uma entidade sem... Não há distribuição de lucro. O resultado financeiro positivo, eventualmente, dificilmente acontece, mas, se acontecer, tem que ser reinvestido na instituição. Se um dia a instituição terminar, todo o patrimônio tem que ir para uma entidade congênere ou para o poder público. Isso é uma entidade do terceiro setor.
Agora, nós vamos, então, em função do horário, inclusive para as considerações finais, dar cinco minutos para cada expositor e expositora para fazer alguma consideração que julgue importante.
Eu já comentava aqui com o Edilson, o Dr. Edilson... A gente chama de Edilson, porque nós já nos conhecemos - ele pode me chamar de Flávio também, já direto pelo nome - e por nós trabalharmos muito. Ele, inclusive, é advogado e Presidente da Moab e também da seccional da OAB. Que a gente possa trabalhar muito nessa implementação, ver a metodologia para que isso aconteça.
Com a palavra, o Edilson Barbosa, para as considerações que deseja serem feitas.
O SR. EDILSON BARBOSA (Para expor.) - Bom, inicialmente, o Moab (Movimento Orgulho Autista Brasil) agradece o convite para debater um assunto importante, que é o autismo. Quero agradecer aos presentes, às pessoas que estão online.
Quero dizer que, Senador, essa ideia pública não estatal nós vemos com bons olhos. Por quê? Porque é o que a Sra. Maria Inês, do Ceal... Meu filho foi atendido lá, viu? Parabéns! Ele era criança quando passou por lá.
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Hoje, Senador Flávio, várias entidades estão fazendo o papel do Estado mesmo. Nós temos, aqui em Brasília, quatro entidades - que eu gostaria de citar e parabenizar -, que foram as mães que montaram e que estão fazendo o papel do Estado. No Você Nunca Andará Sozinho, em Samambaia, eles atendem em torno de 200 famílias e tem uma fila de espera enorme, Senador. Por causa da capacidade, não conseguem atender mais. Temos, aqui no Cruzeiro, a Abraci, com a Lucinete, que atende também. Temos lá em Brazlândia, o Instituto Tudo Azul. Temos lá no Gama a Associação Tudo Azul. Lá em Brazlândia, a instituição é a Anjos Azuis. Estão fazendo o papel do Estado, agora, sem nenhum apoio do Estado. Então, a gente precisa ajudar essas entidades a ajudar as pessoas.
Então, lá no Ceal é a política pública do CER, o centro de reabilitação. Inclusive, quando a gente vai em qualquer atividade cobrar, o Governo do DF coloca: "Olhe, nós já temos três centros de referência aqui Distrito Federal, que são lá em Taguatinga, que é uma UBS, lá no Ceal e também no Hospital da Criança". E querem criar o quarto, no Hospital Dia. Mas a gente precisa disto, Senador Flávio e Maria Inês: valorizar esse trabalho que já está sendo feito. É potencializar o Ceal, é potencializar o Instituto Anjos Azuis, é potencializar o Instituto lá da Abraci, o Você Nunca Andará Sozinho, que são entidades que já estão atendendo e precisam dessa mão do Estado para aumentar, porque, Senador, já atendem, já fazem esse trabalho com as mães, com as famílias, já têm essa expertise. Hoje, aqui no DF, tem uma instituição que cuida dos autistas nível 3 de suporte, que é o mais difícil, a AMA, que está sendo despejada. Em vez de o Governo dar a mão e potencializar, com mais pessoas atendendo, ela está sendo despejada. Então, falta essa política.
Aí, a importância do nosso observatório. Para quê? Para ver onde tem políticas públicas interessantes funcionando e potencializá-las. Isso vai ser bom até para o Estado. Então, precisamos disto: de valorizar, de acreditar. A senhora até colocou aqui "acreditar". Precisa acreditar e potencializar esse atendimento. Inclusive, a instituição Você Nunca Andará Sozinho está agora atrás de um local próprio, do Governo, para aumentar o atendimento e está conseguindo. Aí chega, Senador, àquele problema da reforma do local.
Então, quando a senhora fala do valor que o médico recebe, essa política pública não está sendo atendida como deve, porque um profissional, pessoal...
(Soa a campainha.)
O SR. EDILSON BARBOSA - ... para cuidar de autista, tem que receber o maior salário, até para que ele vá para esse atendimento e saia hoje da rede privada. Hoje os médicos que atenderam nossos filhos, Senador Flávio, todos - fiz um levantamento com a minha esposa - pediram demissão do GDF, estão na rede privada. Tinha que ser o contrário, eles tinham que receber bem, ter uma carga horária compatível para estar no serviço público e estar também fazendo o que eles gostam na iniciativa privada, nas suas clínicas e tal.
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Isso é a falta da política pública. É a falta do depois, não é? Inicia, porque tudo está junto, ela acabou de falar... Olha só, como pode uma mãe... E a gente tem um vídeo, depois vocês vão ver, porque está no YouTube, ela fez questão de colocar. Essa mãe, pessoal, saiu com o filho dela, nível 3 de suporte, inclusive cadeirante, Senador. Ele tem apenas oito anos de idade. A peleja dela, pessoal, para sair do P Sul, que é ali na Ceilândia, para ir — sabe para onde? — para Taguatinga. Deveria ser — sabe o quê? — uma van, com a elevatória para cadeira de rodas, para receber essa criança e fazer um itinerário. Certamente não tem só ela. Faz-se um itinerário e leva essa família, essa mãe, para o local da terapia e depois busca. Isso está até na lei aqui do DF, a Lei Fernando Cotta, mas não é cumprido. Então são as políticas públicas. É bonito esse nome, não é, "política pública"? Agora, vai ver se está implementado, gente!
Gente, hoje, 2023, tem mães sofrendo. Tem menino sem terapia, amarrado dentro de casa. Oh gente, eu estou falando "amarrado". Não é forte para vocês não, essa palavra? Pedir para acorrentar? Se isso não for forte, é o quê? Então, na política pública, você vai tirar essas pessoas do sofrimento.
E aí é uma cadeia. Parece ser simples pegar uma pessoa, numa van, dentro de uma casa, buzina ou faz alguma coisa, ela sai com seu filho e a mochila nas costas e vai para o atendimento. Parece coisa de primeiro mundo, como vocês falaram, mas não é gente, é fácil fazer. Basta querer.
Não é possível que um gestor público não saiba que isso é importante. Olha só, ela chega, vai para a terapia e estabiliza essa criança. Na volta, já não adiantou mais nada, por causa do estresse para pegar um transporte coletivo, quando teria que ser tão normal um transporte.
Às vezes é normal — sabe o que, gente? — uma camisa da instituição. Às vezes a pessoa acha tão ridículo, não é? Mas é importante uma camisa, um moletom, para ele ficar feliz. Olha, agora nós vamos para a nossa terapia. Vamos? Isso é dar qualidade de vida.
Então, Senador, está aceito. O Moab aceita estar nesse observatório. Nós vamos juntos, em outras entidades, que tem em Brasília e no Brasil. Vamos, gente. Vamos ajudar. Eu já fui gestor também. Eu precisava de ajuda para fazer um bom trabalho.
Então vamos ajudar esses gestores a fazer boas políticas públicas, porque é possível.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Agradeço, Dr. Edilson Barbosa.
É muito importante. Contamos com o Moab.
Passo em seguida a palavra, para as suas considerações, à Erika Karine Rocha Dallavechia, que está em Porto Alegre e que é fundadora e Presidente do Projeto Social Angelina Luz.
Com a palavra, Erika.
A SRA. ERIKA KARINE ROCHA DALLAVECHIA (Para expor. Por videoconferência.) - ... ela está aqui na audiência.
Quero colocar também, à disposição, o Projeto Social Angelina Luz, aqui no Rio Grande do Sul. Nós fazemos parte do RGPA, que é a Rede Gaúcha Pró-Autismo, em que somos juntos 57 associações, no Rio Grande do Sul. E muitas associações fazem exatamente o trabalho que era para o estado e o município estarem fazendo. Posso citar aqui, Amparo, em Pelotas; Camaleão... Inúmeras fazem esse trabalho.
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Nós, enquanto Projeto Social Angelina Luz, acolhemos e direcionamos essas famílias. Estamos, por conta própria, construindo a obra do nosso espaço físico por não termos conseguido nenhum espaço junto ao município. Estamos fazendo isso nós mesmos através de um festival que se chama Festival Meu Mundo Azul, que a gente realiza uma vez no ano. Nós temos parceiros neurologistas, terapeutas, que fazem o valor social e, por muitas vezes, atendem gratuitamente essas famílias, que não teriam nenhum valor social, que seria esse BPC, de que a gente falou antes, não é?
O BPC é uma assistência para a pessoa com deficiência ou idoso, mas, falando para a pessoa com deficiência, gente, o BPC é um salário mínimo. Se vocês soubessem como o autismo é visto e que foi feito dele um pote de ouro... Sabe aquele pote de ouro depois do arco-íris? É assim que o autismo... Hoje, virou um mercado negro. Com o BPC, a gente não consegue custear sequer uma das terapias, que dirá todas as terapias. E esse BPC vem para o aluguel da casa, vem para a luz, vem para a água, vem para a medicação, para a fralda e a terapia. Isso não tem como, não é? A gente não tem como fazer essa mágica.
E queria dizer aqui também que, aí em Brasília, inclusive, tem uma autista com superdotação, que é a Jéssica Borges. Ela é mãe atípica, ela é autista e é uma mulher incrível. Eu creio que vocês deveriam conhecê-la e chamá-la para fazer parte desse trabalho, porque ela pode contribuir e contribuir muito.
A gente se coloca aqui à disposição, enquanto Rio Grande do Sul, enquanto RGPA, enquanto Projeto Angelina Luz, para a gente poder tirar, como eu disse, da teoria e trazer para a prática aquilo de que a gente precisa, porque, com a teoria, a gente não salva vidas, com a prática, sim.
E dizer mais: as associações... Como disse o Presidente da Moab, realmente, se o estado, o município, se os tripés auxiliassem e ajudassem as instituições, assim como nós e tantas outras que fazemos já esse trabalho voluntário, para que a gente possa conseguir seguir auxiliando, seria muito importante, porque faz muita falta para as associações essa mão estendida, essa ajuda, para que a gente dê seguimento a esse apoio e a essa rede inexistente, infelizmente. É através de associações, através de militantes, através de pessoas que a gente consegue abraçar e acolher tantas famílias.
Muito obrigada.
E que os autistas tenham sempre o seu lugar de fala. Nós não podemos falar por eles, eles têm que falar por eles.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Isso, têm que falar. A auto-advocacia...
A gente sempre parte do pressuposto - sabe, Erika? - de que as famílias - e isso no mundo inteiro - falem do ponto de vista da família. Inclusive, particularmente, quando necessário, que as pessoas também falem, e que os profissionais também tenham o seu espaço, porque, na verdade, os profissionais também estão atendendo as famílias, as pessoas. A Maria Inês colocou de maneira muito clara os desafios que são enfrentados nessa área, não é verdade?
Mas parabéns pelo trabalho, Erika! As sugestões que você coloca estão sendo levadas em conta.
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Já apresentamos na LDO, que é a Lei de Diretrizes Orçamentárias, uma proposta de emenda para que as entidades do terceiro setor que atendam pessoas com deficiência possam ser beneficiadas com recursos, como construção, reforma, ampliação. E vamos trabalhar o tempo inteiro nessa direção também.
O BPC, de fato, não é para pagar terapia. O objetivo do BPC é proporcionar uma condição de vida melhor, como a Erika colocou, para a pessoa com deficiência, ou para a pessoa com autismo, ou para a pessoa idosa também, porque o critério de concessão é um critério, vamos dizer, de miserabilidade. Então, a pessoa tem que ter comida, tem que ter casa, porque é um quarto do salário mínimo, a renda per capita para que a pessoa tenha direito ao BPC.
Ana Lecticia com a palavra, para as considerações finais.
A SRA. ANA LECTICIA SOARES MULLER LOBO REZENDE (Para expor. Por videoconferência.) - Em primeiro lugar, concordo com a Erika. Eu acho, realmente, que temos que começar a pensar as instituições do terceiro setor, de tudo que elas fazem. Eu tive uma amiga que doou a própria casa para fazer uma residência assistida, porque o filho dela era nível 3. Isso é muito louco, não é? Então, tem que pensar, realmente, em algo que ajude essas instituições. Senão, fica muito difícil você abrir mão da própria residência para poder ter um lugar para acolher seu filho.
Segundo, o que a doutora falou está certo também. Como o senhor falou, teria que ser um triângulo, não é? Família, o próprio deficiente e o profissional, porque o profissional que literalmente se envolve tem uma visão do que é necessário para ajudar no tratamento. E, às vezes, o profissional não é ouvido, porque nem toda comunidade de que ele participa, de profissionais, aceita aquela visão ou trabalha daquela forma. Então, o profissional especialista tem que fazer parte também, porque ele, às vezes, tem uma ideia de tratamento que não faz parte da rotina do SUS ou até mesmo do plano privado, mas que pode trazer muita coisa. Eu acho que vale a pena.
E outra coisa é que eu queria dar só um breve recado para quem está ouvindo a gente. Eu já falei com a Fernanda por WhatsApp e ela estava falando já do PL do BPC. Então, quem estiver ouvindo a gente e tiver ideias, ou para PL ou para modificação de legislação, ou tiver alguma ideia para auxiliar a comunidade autista, seja de famílias, para profissionais, pode mandar para o gabinete do Senador que a gente constrói alguma coisa legal. Aí, depois, Senador, o senhor bota aí o e-mail ou alguma coisa, que é legal. O pessoal tem sempre alguma ideia. Autista está sempre tendo ideias. (Risos.)
Pode mandar, que sempre vai ter uma pauta legal.
Valeu, Fernanda. Obrigadão. Valeu, todo mundo.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Valeu, Ana Lecticia. Parabéns! Parabéns por tudo que você falou, colocou. E quero, novamente, dizer da nossa admiração por você. Continue firme, animada, feliz e achando caminhos, construindo caminhos.
Maria Inês Correia Serra Vieira, Coordenadora do Centro Educacional Ludovico Pavoni.
A SRA. MARIA INÊS CORREIA SERRA VIEIRA (Para expor.) - Eu só tenho a agradecer o convite, poder participar aqui com pessoas tão envolvidas na causa. A gente se sente em família.
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E quero agradecer muito ao Senador Flávio Arns, que eu conheço há muitos anos, um guerreiro na causa, lutando sempre pelos direitos da pessoa com deficiência. Quem dera que nós tivéssemos representantes, aqui nesta Casa, que ouvissem as vozes tanto dos próprios autistas, como das mães, das instituições e de todos os outros com deficiência!
Quando as crianças com deficiência são atendidas precocemente, faz-se uma diferença enorme no resultado, na qualidade de vida desses seres humanos. A gente costuma dizer lá no Ceal que a gente recebe umas lagartinhas, e depois as borboletas saem, lindas, voando por aí. Então, a gente só precisa do apoio e de formas de aconchegar esses casulos para que elas voem.
Obrigada, Senador.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Muito bem!
O SR. EDILSON BARBOSA (Para expor.) - Senador, eu não podia deixar de falar de um assunto, porque eu vi uma mãe ali e o rosto dela é um rosto de mãe sofrida. E ela está ali no fundo. E hoje eu concedi uma entrevista, na Rádio Justiça, sobre esse tema que ela está... A senhora podia abrir esse cartaz aí, por favor? (Pausa.)
É o seguinte, a lei diz que as mães podem reduzir carga de trabalho para acompanhar os filhos.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Você pode só ler? É que eu não estou conseguindo.
O SR. EDILSON BARBOSA - Eu vou ler: "Esta Casa não [aí o "não" é grande] garante o direito de seus trabalhadores pais de autistas". Essa questão, Senador, é bem delicada, porque a entrevista dada hoje foi sobre essa questão. A CLT não traz esse direito. Nós conseguimos - e esta Casa aprovou - alterar o Estatuto do Servidor Público. E lá para os servidores federais, em vários estados, aqui no DF também e em alguns municípios, garante-se a redução de carga sem diminuir o salário nem atingir a aposentadoria lá na frente, mas a gente tem esse problema dos terceirizados, que são regidos pela CLT, e os comissionados e comissionadas. Está na hora de esta Casa olhar para esse pessoal.
O nosso observatório... Como é o nome da senhora?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDILSON BARBOSA - Marina?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDILSON BARBOSA - Marília! Ela tem o rosto de mãe sofredora. Certamente ela tem esse rosto e não é só ela. A entrevista hoje, Senador Flávio, foi sobre isso, uma mãe querendo acompanhar o seu filho para a terapia sem ter a redução de carga. Está na hora de o Brasil - não falo nem dos estados -, está na hora de o Brasil olhar para o rosto dessa mãe ali. Quem está aqui, olhe para o rosto dela. Está bom? A gente precisa alterar a CLT e as empresas precisam ser sociais também,porque, gente, Senador, nesses 19 anos, eu vejo muita mãe perdendo a vida. Teve uma mãe que falou: "Eu queria passar batom, e não tenho tempo". Vamos dar as mãos.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - Muito bem!
Eu até peço que o Aires também, que é meu Chefe de Gabinete, que a gente possa encaminhar esse assunto aqui também de maneira adequada e urgente. Está bom, Marília? (Pausa.)
Muito bom!
Agradeço a participação do Dr. Edilson Barbosa...
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Flávio Arns. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - PR) - ... da Erika Karine Rocha Dallavechia, lá de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, de forma remota; também da Ana Lecticia Soares Muller Lobo Rezende - novamente, parabéns! -; e da Maria Inês Correia, aqui do DF. Quero agradecer a participação de todos.
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Penso que a audiência tenha sido muito importante, muito rica, com encaminhamentos que têm que ser feitos também, enfatizando particularmente para a Erika, que fez um apelo também grande, e para a Marília, aqui, que está também fazendo isso com o próprio cartaz. E que a gente possa, em conjunto, alcançar bons resultados.
Agradeço a todos que participaram de forma remota. Agradeço também à Secretaria da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa.
Deixo um grande abraço e declaro encerrada a presente audiência pública.
Obrigado.
(Iniciada às 14 horas e 03 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 02 minutos.)