29/06/2023 - 21ª - Comissão de Assuntos Sociais

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Fala da Presidência.) - Paz e bem a todos vocês que estão aqui conosco, nesta quinta-feira, na sala da Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, e a vocês que estão também conectados para participar desta audiência, que eu considero importantíssima. É uma audiência que toca fundo na alma, toca fundo no coração.
Temos lei no Brasil para a prevenção do suicídio e da automutilação, que não está totalmente implementada. Vamos discutir aqui o que fazer para dar eficácia a essa legislação, que foi trabalhada com muito carinho aqui, em 2019.
Estamos com o autor da lei, Deputado Federal Osmar Terra, com especialistas e com debatedores. Está chegando aqui a nossa Senadora Damares, que também teve um papel fundamental, porque, à época, era Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e ajudou demais. Nesse ponto, eu conheço a Damares há décadas, e ela sempre foi muito comprometida, sempre muito sensível a essa questão. Então, temos convidados aqui de altíssimo nível, que, tanto de forma remota como presencial, se dispuseram a participar para a gente encontrar caminhos e buscar soluções num pós-pandemia.
Quando a gente aprovou essa legislação, não tinha pandemia, nem sinal dela, e a gente sabe que os efeitos devastadores de tudo o que aconteceu, naquele período, têm, infelizmente, impactado muito nesse tema do suicídio e da automutilação. Então, tudo mudou, e nós vamos procurar fazer uma análise sobre este atual momento, sobre a legislação, o que falta implementar, o que pode aprimorar com novas medidas legislativas.
Esse é o objetivo, no momento em que nós temos a Corte Suprema do país usurpando a competência desta Casa, por exemplo, em um assunto que nos toca diretamente, que é o porte de drogas. Então, está se deliberando no Supremo sobre uma lei que já foi aprovada duas vezes aqui, a lei nacional sobre drogas, e o Supremo, neste momento, está querendo legislar sobre o tema, sobre a inconstitucionalidade do art. 28, questionando um recurso extraordinário, que, no meu modo de entender, não faz o menor sentido e pode impactar nessa questão fortemente, porque tem uma relação direta.
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E também - como eu posso falar? - para completar o problema que a gente vive, mas vamos buscar aqui soluções, tenho certeza de que nós vamos encontrar, o CNJ, através de uma resolução, está repaginando toda a questão antimanicomial no país. Então, nós vamos também ouvir aqui sobre esse assunto, que impacta nessa lei do suicídio e da automutilação. Não tem como esses assuntos não estarem relacionados de alguma forma.
Então, havendo número regimental, declaro aberta a 21ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Assuntos Sociais da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A presente reunião atende ao Requerimento nº 10, de 2023, da CAS, de minha autoria, para a realização de audiência pública destinada a debater a saúde mental dos brasileiros, a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, as estratégias públicas de atenção à saúde mental e a capacidade do Sistema Único de Saúde para atender ao aumento da demanda por atendimentos nessa área.
Informo que a audiência tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado, da Rádio Senado e contará com os serviços de interatividade com o cidadão brasileiro: Ouvidoria, através do telefone 0800 0612211, repito, 0800 0612211; e pelo Portal e-Cidadania, em que você pode entrar no www.senado.leg.br/ecidadania, repito, www.senado.leg.br/ecidadania. Então, você pode, através desse telefone e desse portal, fazer perguntas, colocar sua opinião, um comentário. Já chegaram algumas aqui, a competente Mesa aqui da Comissão de Assuntos Sociais já me passou algumas perguntas que chegaram, porque esta audiência está avisada há algum tempo, e é o brasileiro participando e aqui a gente está para atender você. Eu me comprometo a fazer todos os comentários, críticas inclusive à nossa condução, desde que não sejam ofensivos. Eu aguardo a sua ideia sobre isso. Então, está sendo transmitido ao vivo e possibilitará o recebimento de perguntas, comentários dos expositores via internet.
Eu vou fazer aqui um breve resumo desse nosso desafio neste momento que a gente está vivendo.
Eu queria, inicialmente, agradecer a presença de todos vocês convidados para esta audiência pública.
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Ao apresentar o requerimento para realização dessa audiência, nós tivemos o intuito de discutir essa delicada e complexa questão da saúde mental dos brasileiros na atualidade - e discuti-la tendo sempre por meta fazer diagnósticos da situação atual -, de modo a encontrar soluções práticas para os problemas que existem. Aliás, não deve ser outro o norte que guia um Parlamentar no desenvolvimento de suas funções públicas.
É dificílima essa questão. Isso porque - e eu quero deixar muito claro, além do que eu já falei do CNJ, do STF, que, de certa forma, perpassam por isso; nós vamos ter o Ministério da Saúde aqui também - eu fico muito preocupado com algumas políticas, com todo o respeito, do atual Governo, com relação, por exemplo, à Senapred, que foi uma conquista do tratamento de dependentes químicos, que tem a ver com isso tudo.
Então, qual é a política real do Governo em relação a isso? Por que uma das primeiras medidas foi esvaziar a Secretaria Nacional de Prevenção às Drogas? Onde ficarão 80 mil pessoas que estão sendo atendidas por essas comunidades terapêuticas? Como é que vai ser? Essas pessoas vão voltar para as ruas? Tudo isso gera um impacto grande na sociedade brasileira, nas famílias, que é a base de tudo em uma sociedade.
Então, é dificílima essa questão. Isso porque, com exceção de alguns casos muito evidentes de disfunção mental, existem inúmeros outros casos mais comuns, cuja detecção, como sabem os senhores, não é nem um pouco trivial. Atrapalham a observação de um quadro de doença mental todos os mecanismos de defesa do paciente. Às vezes, seu constrangimento em razão do estigma social sofrido, às vezes seu desinteresse em se tratar por conta de um quadro de depressão, às vezes mesmo sua completa falta de consciência sobre ser portador de uma doença. Tais dificuldades e ainda os escassos recursos para tratamento público dessas doenças levam não raramente à extrema dificuldade do profissional de saúde mental em diagnosticar a doença e conduzir o paciente a um tratamento específico e adequado.
Quando consideramos dados, como os da Pesquisa Nacional de Saúde, realizada pelo IBGE, que mostrou que, em 2019, na época da promulgação dessa lei, havia cerca de 10% da população adulta brasileira com depressão enquanto, em 2013, segundo a mesma pesquisa, esse índice foi de 7,6%, e os da pesquisa Vigitel, de 2021, do Ministério da Saúde, que mostrou que 11,3% dos brasileiros com 18 anos ou mais relataram ter recebido diagnóstico médico de depressão, sendo a frequência maior entre as mulheres - 14,7% - em comparação com os homens - 7,3% -, vemos a importância de debatermos o tema e políticas públicas para sua prevenção cada vez mais.
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Nesse sentido, o Congresso Nacional aprovou e o ex-Presidente da República Jair Bolsonaro promulgou a Lei 13.819, de 2019, lei que instituiu a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, que teve origem no PL 1.902, de 2019, de autoria deste garoto aqui, amigo, grande Deputado Osmar Terra, que tive a honra de relatar assim que entrei nesta Casa.
Menciono, por curiosidade, que a lei foi assinada, além do Presidente da República, por cinco ministros do Governo - um deles tornou-se até Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr. André Mendonça; e dois outros são Senadores nesta Casa: uma está aqui, Damares Alves, e Sergio Moro.
Pois bem, eu diria que a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio é uma carta de intenções, uma carta de boas intenções. Ela tem por objetivo promover a saúde mental dos brasileiros e prevenir a ocorrência do suicídio e da automutilação.
E fica aquele questionamento que eu quero deixar para todos os expositores aqui: essa lei, de 2019, recente, foi implementada na sua totalidade? O que é que está faltando? O que é que esta Casa revisora da República - passou por aqui - pode fazer junto ao Executivo, junto às demais instâncias? O que é que o Governo Federal pode fazer? Então, é isto que a gente quer buscar aqui: soluções.
Em termos mais práticos, essa lei estabelece a criação de um sistema nacional, envolvendo estados e municípios, para a prevenção da automutilação e do suicídio e a manutenção pelo poder público de serviço telefônico para atendimento de pessoas em sofrimento psiquiátrico. Além disso, obriga a notificação de casos de violência autoprovocada que tiverem sido conhecidos pelos estabelecimentos de saúde ou de ensino, tanto públicos quanto privados. Nos estabelecimentos de saúde, essa notificação deve ser dirigida às autoridades sanitárias; nos estabelecimentos de ensino, ao conselho tutelar.
Teremos hoje uma excelente oportunidade de conhecer a opinião de nossos convidados sobre essa importante política e sobre a implementação e efetividade. Nós estamos tratando aqui sobre defesa da vida - da vida -, que é o nosso maior bem comum.
Eu anuncio aqui a presença da Vereadora de Fortaleza, que amanhã se tornará Deputada Federal, vai assumir amanhã - é a posse dela, estarei presente -, a Vereadora Priscila Costa, que é a primeira suplente do PL e vai assumir amanhã a Câmara Federal, ela que teve essa iniciativa, lá em Fortaleza, Deputado Osmar Terra, de levar essa lei que o senhor e nós aprovamos aqui em nível municipal, fez um debate, fez audiência pública. Daqui a pouco também lhe concedo a palavra, minha irmã querida Priscila Costa.
Também é de máxima importância para mim, em nosso encontro na sessão de hoje, conhecer como os senhores avaliam o serviço prestado pelo Sistema Único de Saúde na área da saúde mental. O SUS pauta-se pelo princípio da integralidade na prestação de serviços de saúde aos brasileiros. A saúde mental, por evidente, faz parte dessa integralidade. Por isso Por isso, precisamos nos perguntar como está sendo feito esse atendimento - o brasileiro está sofrendo muito e cada vez mais. Como é que nós estamos no atendimento? É bom? Funciona? É ao menos razoável?
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Há grande diferença de qualidade de serviços prestados à população entre os estados federados. Em Brasília, Ceará, qual é a diferença? Como é que está em outros estados? Vamos ver.
Quais são os pontos fracos do sistema? O que poderia se fazer para vencê-los? O que poderíamos...?
Queremos colher a visão dos técnicos, gestores, médicos, especialistas, pesquisadores e estudiosos do tema para melhor servir às necessidades do grande número de pessoas, de irmãos e irmãs brasileiros que passam por uma aflitiva situação de vulnerabilidade psíquica.
Sendo assim, desejo a todos nós uma excelente e profícua audiência, que, tenho certeza, será enriquecida pelas intervenções dos competentes profissionais aqui presentes, aos quais agradeço mais uma vez por dedicarem seu precioso tempo para aqui comparecerem.
Eu já, imediatamente, passo a palavra para o autor da lei, o Deputado Federal Osmar Terra.
Senadora Damares, na hora em que quiser falar também é só se colocar - V. Exa. tem preferência.
Ao nosso palestrante, o Deputado Federal Osmar Terra, autor da lei aqui, eu agradeço por essa iniciativa - ao senhor e à sua equipe, que estavam aqui o tempo inteiro, em 2019, articulando, e, graças a Deus, a gente conseguiu aprovar. Então o senhor fique à vontade para fazer sua exposição sobre a saúde mental dos brasileiros, sobre essa lei.
Obrigado.
O SR. OSMAR TERRA (MDB - RS. Para expor.) - Bom dia a todos!
Eu queria, Senador Girão, agradecer o convite. Eu acho que vem numa boa hora esse debate e pode ajudar muito, em termos de políticas públicas, na implementação de dispositivos desta lei, a Lei 13.819, de 26 de abril de 2019, a Lei Vovó Rose. Ela foi inspirada em uma pessoa que, para minha alegria, trabalha comigo, que é a Rose. Teve um evento que aconteceu com ela, uma tragédia com uma neta; então, a partir dali, ela transformou o sofrimento, o luto dela, numa luta para evitar que aconteça de novo ou para, pelo menos, diminuir o número de pessoas enlutadas por eventos como esse. Ela é uma pessoa também muito ligada à nossa Senadora Damares. Houve um esforço aí de várias mãos; inclusive, a Damares foi importante também na articulação; o Senador Girão, também; todos foram muito solícitos, e foi aprovada em tempo recorde, não é? Eu acho que em três meses foi aprovada essa lei, foi construída e aprovada na Câmara e no Senado.
Eu queria falar um pouquinho - Senador Girão, se me permite, eu vou usar só umas duas horas do seu tempo aqui (Risos.) -, sobre o que motiva a gente a fazer ou sobre a minha motivação para trabalhar nessa área.
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Na verdade, eu vejo a questão do suicídio, da automutilação, dentro de um quadro geral de violência que existe no país. A violência é uma coisa que pode ser prevenida, ela é um problema de saúde. A violência sempre é tratada como um problema de segurança pública, e, na verdade, é um problema de saúde, muitas vezes maior do que de segurança. E o atendimento adequado, o acompanhamento adequado e as medidas de prevenção adequadas podem reduzir muito o número de pessoas vítimas de violência.
Eu me dediquei em meu mandato a isso. Eu fui secretário - sou médico, estou no sétimo mandato de Deputado Federal -, fui Secretário de Saúde do Rio Grande do Sul duas vezes, fui Prefeito, primeiro Prefeito do Brasil... Aliás, eu fui construtor do SUS, fui o Superintendente do Inamps do Rio Grande do Sul, que implantou o SUS e contribuiu com experiências locais para a lei que hoje rege o SUS, então, eu tenho muito orgulho dessa história. E quando fui Prefeito, uns quatro anos depois - eu fui o primeiro Prefeito que implantou as equipes de saúde da família no Brasil para fazer a prevenção da doença, é muito impactante a experiência desde o início -, a gente reduziu, em dois anos, 40% das internações hospitalares só tendo equipes de saúde da família trabalhando nos bairros, em Santa Rosa, cidade em que eu fui Prefeito. É uma cidade hoje de 80 e poucos mil habitantes, uma cidade de pequena, de porte médio, mas é uma cidade industrial, então, ela tem os problemas das grandes cidades. Nós conseguimos implantar essas equipes e fazer funcionar. E serviram, inclusive, de modelo muitas coisas para a configuração das equipes de saúde da família do Governo Federal. Então, eu queria dizer que medidas simples podem prevenir muita coisa, desde que elas sejam entendidas como importantes.
Quando fui Secretário, eu observava ... Na Secretaria de Saúde, eu coloquei para a Governadora Yeda Crusius - eu fui Secretário do Governador Germano Rigotto e da Yeda Crusius - o tema e disse: vamos trabalhar a questão da violência como uma questão de saúde pública, vamos integrar os esforços com a segurança, com a área social, com várias áreas para que se reduza a violência.
O Brasil, naquela época, só para quem não se lembra, estava batendo recordes de homicídios. O Brasil, em 2010, 2009, 2008, estava entre os dois ou três países do mundo com o maior número de homicídios. Então, era assim: nós tínhamos 12 vezes, proporcionalmente, a taxa de homicídios dos Estados Unidos, por exemplo, que é um país considerado violento. Nós tínhamos 12 vezes mais. Então, é um número muito preocupante.
Nós criamos um programa chamado PPV (Programa de Prevenção da Violência), que trabalhava, então, vendo esse universo como um todo, integrado, a redução dos homicídios, a redução dos acidentes com vítimas fatais, a redução da morte, da violência extrema como base para montar a política e do suicídio.
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O Rio Grande do Sul é o estado brasileiro que tem o maior número de suicidas proporcionalmente à população. O Rio Grande do Sul tem o dobro da média nacional. Então, o Rio Grande do Sul, nesse ponto, tem características próprias, e nós tentamos, então, entender o que estava acontecendo. E, para a gente entender, é preciso ter dados. Uma das coisas que a gente insistiu muito nessa questão da lei aqui é ter dados sobre suicídio. Praticamente... A gente tem poucos dados, principalmente da tentativa de suicídio, porque a tentativa de suicídio acaba levando ao suicídio se ela não for prevenida. Ela é um momento para se atuar na prevenção. E nós não tínhamos dados. As escolas, por exemplo, não falavam nada, e nas escolas estão as crianças que se automutilam, as crianças que tentam suicídio. É importante a gente saber disso, ter bases de dados sólidas. O Datasus nos ajuda, mas eu acho que pode ser melhorada a base de dados do DataSus e medir como vai evoluir essa questão.
Eu tenho um eslaide separado, aqueles separados. (Pausa.) Aqueles gráficos, o gráfico amarelo ali.
Eu só quero mostrar para vocês o fim da história, o que aconteceu quando a gente implantou o programa.
Nós mapeamos, no Rio Grande do Sul, os lugares que tinham mais suicídio e procuramos ir aos lugares e entender o porquê. Se eu não me engano, as cidades com o maior número de suicídios são umas dez no Rio Grande do Sul. Elas têm algumas coisas em comum.
Olha aí, isso é só para vocês terem uma ideia do que aconteceu com o número de suicídios no Rio Grande do Sul.
Volte para o primeiro ali, volte para o primeiro eslaide, o anterior a esse, o que mostrou antes. (Pausa.) Então, deixe-me passar antes aqui. Eu queria voltar ao gráfico. Dá para voltar ao gráfico aí, porque eu não estou bem manso aqui nesse negócio? Vamos lá.
(Pausa.)
Isso, isso aí.
Se vocês observarem, esse é o ano de 2007, quando a gente começou com o programa de prevenção do suicídio.
Deixe lá, deixe lá.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. OSMAR TERRA (MDB - RS) - Ah! Ele está passando automático? Vê se dá uma pausa nele.
O primeiro, o anterior. Pode passar o outro, o outro gráfico. Olhe aí.
Quando nós começamos o programa, nós montamos o programa em 2007, ainda teve um número elevado de suicídios em 2008, mas olhem como cai quando o programa funciona. Nós mapeamos, fomos lá... A gente sabe que a base...
Este é outro conceito sobre o qual é importante a gente conversar, porque se tem uma ideia de que tudo é social. Hoje tem uma ideologia de que tudo é social. Então, as pessoas não têm doença, não têm transtornos, elas são fruto da sociedade, mas, justamente nas cidades mais ricas do Rio Grande do Sul é que há mais suicídio, no interior do Rio Grande do Sul. Então, não tem essa relação só com o social, tem uma relação com a violência. Aliás, ele é tratado como um problema só social, e não é um problema só social; tem transtornos mentais que, em grande número e atingindo uma grande parcela da população, causam um comportamento agressivo. Não é, na verdade, um comportamento premeditado de violência; é a diminuição do controle do impulso. Depois eu vou falar um pouco sobre isso. Mas olhem só, olhem o resultado que nós tivemos. Isso são dados do Datasus. Então, nós terminamos 2010 com um resultado... O que foi que a gente fez na verdade? A gente foi atrás dos casos, fizemos... Nas prefeituras das cidades, treinamos, capacitamos as equipes para entender a depressão, que é o fenômeno mais importante que leva a suicídio. Transtorno borderline, depressão, depressão grave são basicamente alguns transtornos mentais que levam, podem levar ao suicídio. E aí começamos a medir, nesses municípios, a quantidade de pessoas que tentavam, quer dizer, a quantidade de vezes que uma pessoa tentava fazer o suicídio, fomos acompanhando isso e tratamos, não perdemos de vista essas pessoas. Isso foi o mais importante. A equipe toda, desde o agente de saúde até o médico, foi capacitada para entender que a depressão leva ao suicídio e prever precocemente sinais de depressão e tratar. É bem simples, não é? Tratar as pessoas, não perder de vista essas pessoas. Não atender e depois, quando a pessoa quer, ela volta. Não! É ir à casa dela para ver como ela está, como é que está a situação dela e tal. E olhem aí o resultado.
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Agora passe o eslaide - eu vou falar eslaide porque fica mais cômodo para mim -, o eslaide seguinte, para vocês verem, quando o programa foi suspenso, o que foi que aconteceu. É o outro, o outro gráfico. Esse aí.
Aqui, em 2010, 2011, ainda tinha resultado o programa. Depois que o programa foi suspenso, olhem aí. É ou não é evitável se a gente tem uma política pública? Quantas vidas poderiam ter sido salvas se o programa tivesse sido mantido? Por questões políticas, muda governo, muda tudo. Então ficou o Rio Grande do Sul batendo recorde de suicídios hoje.
Eu dou esse exemplo porque quero chegar a um ponto aqui - agora pode passar, na apresentação, para a maior lá, tirar daí -: nós temos que entender que existem transtornos mentais que levam a comportamento violento. Tem fatores sociais, tem fatores de uso de substâncias que levam a comportamento violento e tem transtornos. Os transtornos mentais, 95%, 96% são de origem genética. As pessoas têm uma tendência a ser esquizofrênicas, uma tendência genética, e têm lesões importantes por trauma, por uma série de coisas que, até geneticamente, com regiões do cérebro alteradas, levam a comportamento violento, pessoas que têm mais facilidade de ser. Não quer dizer que as pessoas vão ser violentas; têm menos controle de impulso.
Tem um fato histórico que mostrou essa relação que a estrutura do cérebro tem com o comportamento. Foi uma descoberta feita em 1848.
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Pode passar.
Tem uma discussão que é infinita, sobre o livre arbítrio. A pessoa tem o poder de escolher as suas ações. E a gente sabe, quem tem doente, pessoa com transtorno mental na família sabe que nem sempre é assim, não é?
Essa é uma criança linda, maravilhosa, nasceu com todos os cuidados. Podia ser uma criança, também, nascida sem cuidados, vítima de violência. Como é que uma criança bonita assim, linda, angelical, pode virar um monstro? Um assassino? Pode virar uma pessoa que agride em casa, que pratica violência doméstica? O que aconteceu nesse trajeto? Isso é uma das coisas que nós temos que responder, que entender.
Isso é só para exemplificar como é importante saber que a mente tem uma base biológica e que essa base biológica influencia a mente. Quando eu fazia Medicina, a morte era considerada quando o coração parava. O coração parou de bater, não tem pulso, não tem nada, morreu. Hoje se sabe que, por cinco minutos ainda, a pessoa continua viva depois que o coração para, porque o cérebro está vivo. Só quando o cérebro morre, as células do cérebro começam a se decompor, é que a pessoa realmente está morta. Então, o cérebro tem uma importância grande. Quem tem alguém com deficiência mental, com doença rara, às vezes, na família, sabe o que eu estou dizendo. Às vezes a pessoa não consegue...
Eu acompanhei o zica vírus. Eu era Presidente da Frente Parlamentar da Saúde e acompanhei o zica vírus. A tragédia que eram aquelas crianças nascendo praticamente sem cérebro, com o cérebro muito reduzido. As crianças que nunca iriam caminhar, nunca iriam falar, nunca iriam... Porque o cérebro delas estava alterado. O que acontece no cérebro tem importância na mente, no que a gente chama de mente, e tem importância no comportamento das pessoas também.
O Phineas Gage era um capataz de estrada de ferro, que estava colocando dinamite, para destruir, para explodir uma passagem lá em Vermont, nos Estados Unidos, em 1848. Ele estava socando a dinamite, e a dinamite explodiu. Ele esqueceu de botar uma bucha lá e explodiu. Quando explodiu, a haste, que tinha três metros de altura, uma haste de ferro, entrou por aqui, na cabeça dele, e saiu por aqui, e voou ainda, saiu voando. Então, fez um estrago enorme no cérebro dele. Poucos minutos depois, ele sentou e começou a conversar normalmente, com sangue saindo, com aquele buraco na cabeça... Ficou todo mundo surpreso.
O médico que o atendeu ficou muito surpreso e fez um diário do que aconteceu com ele. Viu que não tinha, assim... Ele mexia os braços, sabia quem era, sabia onde estava, não tinha tido, aparentemente, nenhum dano. Depois eles costuraram, suturaram... Ele viveu 16 anos depois disso.
Mas, nesse período inicial, parecia que não tinha acontecido nada. Logo depois, um mês depois, dois meses depois, ele começou a ter uma alteração grave de comportamento. Ele não conseguia controlar o impulso, dizia tudo que vinha à cabeça, ficou inconveniente, não conseguia ter persistência no trabalho, não conseguia fazer mais nada. A família o largou, a mulher o largou. A igreja o proibiu de entrar na igreja, as rodas sociais se afastaram dele. No fim, ele ficou na miséria, teve que sair pelo mundo. Ele foi ser cocheiro de carruagem no Chile - saiu lá dos Estados Unidos. Depois voltou e morreu.
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E aí a equipe da Universidade de Iowa resolveu fazer uma pesquisa. Que parte do cérebro foi afetada? Por que ele teve essa mudança tão brusca de comportamento? E aí eles fizeram um estudo tridimensional no computador e viram que tinha uma área do cérebro muito afetada, e o resto do cérebro ficou preservado. Essa área muito afetada, com o tempo, com as descobertas científicas, se descobriu que é a área que faz a ligação do sistema orbitofrontal, que é a parte, vamos dizer assim, onde a pessoa tem decisão, pensa, com o sistema límbico, que é o sistema emocional. Todos nós temos um certo controle da parte emocional. Quando fisicamente é rompida essa ligação, a pessoa perde o controle. Isso acontece - depois eles começaram a estudar isso melhor - em quem tem tumor do cérebro nessa região. As pessoas começam a mudar de comportamento, e ficam completamente com dificuldade de tomar decisões. Quando tomam decisões, são desastradas as decisões. Pessoas que eram grandes executivos viram pessoas que não conseguem mais fazer nada e, principalmente, ficam agressivas.
Então, eu estou falando da base material da mente, do cérebro - eu vou passar rápido.
O cérebro tem 100 bilhões de neurônios interconectados. Em média, as pessoas nascem com mil e poucas conexões nos neurônios e chegam a 18 mil ao longo da vida. Então, é importante a gente saber que essa estrutura pode ser afetada e pode afetar o resto. Nós temos uma parte do cérebro que controla as emoções. Se aquela parte é afetada, muda o comportamento, muda a parte emocional da pessoa.
Então, ali, as emoções básicas, a raiva, o medo, o nojo, a surpresa, a alegria, a tristeza. São emoções básicas, padrões. Ninguém aprende a ficar triste, ninguém aprende a ficar alegre, ninguém aprende a ficar com raiva. Nós nascemos com esse programa, não é? Nós nascemos com esse programa. Tem um pesquisador, o Richard Tremblay, que pesquisa o desenvolvimento infantil e a questão da violência, onde é que começa a violência, as raízes da violência. Ele diz que a criança não aprende a ser agressiva. É o contrário, ela aprende a não ser agressiva com a família, com o entorno, porque o potencial é um potencial de sobrevivência. Isso é um programa de sobrevivência. No mundo primitivo, quem não atacava primeiro podia morrer mais rápido. Quem não atacava o predador podia morrer mais rápido. Quem não atacava ou não fugia do predador, não ia deixar descendência, não ia contar mais a história.
Então, todos esses comportamentos têm a ver com a questão da sobrevivência. Isso vem da gênese do Homo sapiens. Vem lá de trás. Os animais também têm um comportamento semelhante a esse. A gente vê. Quem tem pet em casa sabe: tu olhas pro cachorro, tu sabes se ele está triste, se ele está feliz, se ele não está... Ele tem, ele demonstra isso na musculatura do olho.
Esse aí é o ciclo da agressão, da raiva. A raiva muda várias áreas. Ela é um programa que mexe com várias áreas do cérebro ao mesmo tempo. Então, ela aumenta os batimentos cardíacos e dilata as artérias do braço para poder agredir, ter mais chance de sobreviver, com mais força no braço. Já o programa do medo dilata as artérias da perna para a pessoa poder fugir, para a musculatura estar mais irrigada e funcionar melhor. E todo mundo tem aquela cara ali quando fica com raiva, é o mesmo padrão de rosto. Então, o que estou procurando mostrar para vocês é o seguinte: tem uma relação que vem da própria gênese humana, com comportamentos, e esses comportamentos podem ser alterados se tiver alteração em algumas áreas, se tiver um transtorno mental que signifique que tem uma parte do cérebro funcionando menos - o cérebro tem relação com os transtornos mentais.
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Vamos ver...
Bom, eu não vou... É isto aí: a agressão e a impulsividade têm a ver com a parte genética, inclusive o suicídio. Vocês vejam que o suicídio tem um componente familiar importante, e não é só pelo trauma de ver o pai ou avô morrerem, mas é uma tendência para a depressão e para aquela coisa: a pessoa acha que não tem mais nada para fazer na vida, que está tudo perdido, aquela noção que o suicida tem.
Tem gênero: as mulheres são menos violentas que os homens, embora fiquem mais deprimidas - no caso do suicídio, isso se inverte. As prisões estão cheias de homens que matam e pouquíssimas mulheres que matam. Os presídios femininos são poucos e vazios, e os presídios masculinos são muitos e lotados. Eu, inclusive, tenho uma outra lei, que é o marco legal da primeira infância, na qual damos o direito à mãe que está presa... A maioria das mães presas hoje são mulas do tráfico. Então a gente dá o direito à mãe, se ela tem um filho pequeno, de cuidar do filho em casa; a prisão é transformada em prisão domiciliar. Esse é um artigo do marco legal da primeira infância.
Tudo isso a gente fez pensando em prevenção da violência. Eu sou autor da Lei de Drogas, eu sou autor do marco legal da primeira infância, da prevenção do suicídio. São todas leis que estão dentro de uma visão da redução da violência.
O ambiente favorece: a criança nasce no meio de uma família de traficantes, vive naquele ambiente violento e é vítima de violência também, então ela tende a ter um comportamento agressivo, que ela acha normal. A criança imita o adulto. O caminho mais fácil para aprender é imitar, é o que gasta menos energia. E a criança tem isso já intrínseco, desde o início da vida. Ela olha e tenta imitar, ela aprende a falar imitando o movimento da boca da mãe. A criança sente a emoção no rosto da mãe.
Vejam só: com cinco meses, uma criança cuja mãe faz cara de raiva para ela tem seus batimentos cardíacos duplicados; ela dobra seus batimentos cardíacos. É por isso que a primeira infância é muito importante nessa questão da violência, os cuidados no início da vida. Ela duplica os batimentos cardíacos... Se a mãe faz uma cara alegre, ela reduz os batimentos cardíacos, ela volta ao normal. Então, ela tem um programa que... Ela depende daquela pessoa que está ali para comer, para tudo na vida. Se aquela pessoa está com raiva dela... Ela não sabe o que é raiva, ela identifica a expressão no rosto, e aquilo causa uma emoção nela de medo. Por isso que é importante... A mãe não se dá conta, mas cada coisinha que a mãe faz, a maneira de ela olhar, a maneira de ela falar, tudo tem influência em como é que a criança vai construindo a noção do mundo e as emoções dela, vai aperfeiçoando as emoções. Abuso de substância é muito comum. Está aumentando o abuso de substâncias, inclusive por causa da pandemia, do isolamento das pessoas. Então, o abuso de substâncias é importante. E os transtornos psiquiátricos, não é?
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Eu queria falar aqui um pouquinho da... Nós botamos na lei a questão da internet. A questão da internet é porque as crianças ficaram... Elas entram no quarto - até um programa, acho que o Fantástico, mostrou esta semana uma coisa que a gente já vem falando há muito tempo -, ela está no quarto ali sozinha, isolada na internet, mas ela está na verdade num palco, num lugar onde muita gente está olhando para ela, muita gente está vendo, e muita gente com transtorno mental, psicopata, está tentando de alguma maneira danificar aquela criança.
Por isso que a gente colocou na lei a questão da pena para a pessoa que usa a rede da internet para maltratar, para induzir a criança a um comportamento, até para o suicídio. Tem redes que induzem até grupos inteiros para o suicídio. Tem determinados programas na internet, e tal, que são terríveis.
Isso é só para dar uma ideia de o quanto o transtorno mental afeta a vida da gente: no alcoolismo, 12% da população tem transtorno mental, por causa do alcoolismo, não consegue parar de beber; drogas ilícitas, de 4% a 6%... Eu acho que é mais hoje, acho que, se juntar todas as drogas, dá 10% pelo menos.
Deve sair uma pesquisa agora, um Lenad, que mostra isso. Tem uma pesquisa que eu discuti, que é a da Fiocruz, na qual eu não acredito. Aliás, ela não seguiu nem o padrão com que eram feitas as outras pesquisas, então não dá nem para comparar com as outras, não dá nem para ter a linha do tempo. Foi uma pesquisa - eu vou dizer aqui publicamente, porque virou uma notícia agora... Qual foi a discordância? Foi uma discordância metodológica. As pesquisas sobre drogas têm que ser anônimas, a pessoa não pode se identificar. Se a pessoa tiver que se identificar, ela já começa a pensar duas vezes antes de dizer o que faz. Agora, se ela preencher um questionário, botar num envelope anônimo e botar numa caixinha ali, e misturar com as outras, é uma coisa. Agora, a pesquisa da Fiocruz era assim: o sujeito chegava à casa, entrava na casa, sentava com a família. Estava o menino sentado ali, o adolescente, e ele virava e dizia: "Tu usa drogas?". O menino olhava para o pai e para mãe e dizia: "Não, eu não uso, não". Está subdimensionado o consumo de drogas na pesquisa da Fiocruz. Não dá nem para comparar com as outras; as outras eram feitas de forma anônima. Então, você tem que ter dados reais, do mundo real, para poder agir. Se você acha que não tem problema, você não vai se preocupar com drogas. Você acha que não dá para se preocupar com drogas no Brasil de hoje, principalmente com os adolescentes, que são vítimas maiores de suicídio, inclusive, e de violência?
A violência está muito concentrada numa faixa etária que vai dos 14 anos, do início da puberdade, da faixa logo após o início da puberdade, até os 25 ou 26 anos. É quando acontece a maior parte dos homicídios e de toda a violência que tem.
Então, o crack é 1% - eu acho que já é mais. Esse é um levantamento que a gente fez no Rio Grande do Sul, porque não tinha. A Senad não fazia levantamento naquela época, quando eu fui secretário; a área de saúde mental do Ministério não se importava com isso. Eu levei o Gabriel lá umas três vezes, lá no Rio Grande do Sul, para me dar uma orientação sobre como é que a gente podia tratar, porque a gente viu que tinha muito caso... Montenegro, que é uma cidade da Grande Porto Alegre, ali, indo para o litoral, estava com 2% - fizeram uma pesquisa de casa em casa, a Prefeitura fez -, tinha 2% da população consumindo crack, com sinais de consumo de crack. Em Santo Antônio da Patrulha, 1% da população já tinha dito que usava crack nos Caps - no Caps! -, já tinham declarado, estavam sob tratamento - 1%!
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E eu estou falando de 2008. Foi há 15 anos. Vocês acham que diminuiu ou aumentou?
Então, depressão, transtorno de déficit de atenção... Tem uma coisa que é importante de ver desde pequenininho, que são os transtornos de comportamento disruptivo nas crianças. Nisso, tinha que ter uma capacitação dos professores para detectá-los. Eles não precisam diagnosticar, não precisam, é mais para detectar e ajudar essas crianças.
Crianças com déficit de atenção e hiperatividade têm que ter algum acompanhamento ou psicológico ou psiquiátrico; as crianças com transtorno de oposição desafiador são crianças que dizem não para tudo - é o "TOD" ali -, de 2% a 16% das crianças têm esse transtorno; transtorno de conduta, 5%, pode levar ao comportamento antissocial na idade adulta - o psicopata.
O psicopata não começa a ser psicopata na idade adulta, ele tem um transtorno lá da infância que, se não for detectado, não for acompanhado, não for tratado, não for cuidado, vira psicopata. Tem causas sociais? Claro, pode ter. A criança que é vítima de violência pode se tornar um adulto violento. Tem um período crítico, que são os primeiros 18 meses, que são cruciais para formar a parte emocional da criança. Se ela for agredida, for vítima de violência nesse período, ela vai ter problema para o resto da vida. Ela não organiza essa parte socioemocional dela.
Então, transtorno da personalidade antissocial, que é o psicopata, é 2% da população; transtorno bipolar é 2%, é 1,5%; transtorno de personalidade borderline é 2%.
Não quer dizer que isso aí se some. Tem muita gente que tem vários desses transtornos ao mesmo tempo.
Os acidentes de automóvel nós conseguimos evitar fazendo um mínimo de controle, o bafômetro; 60% dos acidentes têm a ver com alcoolismo, e 50% dos homicídios por motivos fúteis têm a ver com alcoolismo também. Agora, vocês imaginem se liberar as outras drogas, se somar tudo.
Eu tenho um caso de que eu já fiz um relato, é um caso pessoal que eu acho importante falar. Eu falei lá no outro evento.
Eu tinha um afilhado, que era filho de uma médica, psiquiatra inclusive, filho único, de quem ela me convidou para ser padrinho. Ele tinha um ano de idade. Eu acompanhei esse menino ao longo da vida dele.
Menino brilhante, uma das mentes mais brilhantes que eu já vi. Esse menino morava em Santa Rosa e passou no vestibular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Medicina, com 17 anos e sem fazer cursinho. Seria um grande profissional.
Ele, com 21 anos, estava indo estudar na casa de um colega. Subiu uma caminhonete na calçada, esmagou-o contra a parede e o matou. Ele estava no quarto para o quinto ano de Medicina.
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Aí, foram lá, fizeram o teste do bafômetro, e deu normal. Não tinha nada. Aí, foram fazer o exame de sangue, o cara estava com maconha até o talo. Não estava nem sabendo onde é que estava direito.
Vocês acham que, se liberar o consumo e o porte, vai diminuir isso? O risco das pessoas que não têm nada a ver. Esse menino, por ser até filho de uma psiquiatra, nem álcool bebia. Ele não bebia álcool, não usava droga, nada. Ele estava ali caminhando na rua para ir estudar na casa de um colega.
Então, o transtorno mental em grande escala numa sociedade, que é produzido pelas drogas, causa um risco muito maior para essa sociedade até para quem não usa droga. É óbvio. Por isso que foram proibidas as drogas no mundo. Vocês acham que foi uma combinação dos chefes de governo malvados para proibir as pessoas de ter prazer? Não foi. Foi por causa das consequências que isso tem.
Então, eu vou parar por aqui, porque eu tenho muita coisa para falar, mas eu sei que o tempo... Eu ainda não cheguei às duas horas, mas posso chegar. Eu só quero dizer que essa lei, que o espírito dessa lei foi de prevenção. Nós temos que trabalhar, temos que ter a ideia da prevenção. E eu acho, Marcelo, que até na remuneração do SUS tem que ter a ideia da prevenção.
Esse grupo que nós criamos lá em Santa Rosa, que foi o pioneiro do Saúde da Família, é uma fundação com carreira, dedicação exclusiva e salário adequado. Lá, as enfermeiras não estão nem aí para o piso salarial, porque elas ganham muito mais do que o piso salarial, mas é dedicação exclusiva. Isso eu acho que é o ideal.
Mas eles têm que ser premiados. Também, se deixar só nisso, vai acontecer o que aconteceu em todos os países em que as pessoas viviam só de salário: vão cada vez diminuindo mais a produtividade, estava atendendo o cara, mas "não, esse aí eu não vou atender"... E vai, vai, vai, vai... Tem que ter prêmio por saúde, tem que ter prêmio quando melhoram os indicadores de saúde daquele bairro que é atendido pela equipe. Tem que ter prêmio, tem que ser, sei lá, um bônus no final do ano, mas no valor do salário, até dois bônus, dois salários, se a pessoa estiver... Inclusive, com a comunidade preenchendo um questionário dizendo se o atendimento está bom ou não, dando nota. E aí, redução de mortalidade infantil, redução do número de pessoas que não estão se tratando para diabetes, para pressão alta e tal.
Então, prevenção é tudo, minha gente. Se a gente se concentrasse bastante na prevenção, a própria rede hospitalar se organizava melhor, tinha menos problema. Vocês podem ver que as cidades que têm problemas mais graves... Terceirizar a equipe de Saúde da Família é um absurdo! É um absurdo! Porque aquele cara que está ali, aquele profissional que está lá, ele, por melhor que seja, não tem compromisso com o resultado. Ele vai ali para ganhar o salário dele e vai embora para ganhar o salário em outro lugar e para ganhar no lugar e para ter o consultório dele ainda. Isso não funciona. Sistema de saúde terceirizado, como é no Rio de Janeiro, por exemplo, não funciona, não tem resultado, não reduz internação, não previne doença. Tem que ter um compromisso com a prevenção.
Eu estou falando, estou viajando um pouquinho, mas eu acho que tudo isso está interligado. Inclusive, os 90% dos suicidas são depressivos. Como é que se faz um diagnóstico de depressão? Tem que conversar com o paciente. Tem que ouvir. Vocês acham que o médico que está ganhando salário tem tempo ouvir? Um salário pequeno aqui, um salário pequeno lá e um pequeno lá em outro lugar. Ele não tem tempo de ouvir ninguém. Ele pede uma pilha de exames quando a pessoa chega lá para não errar o diagnóstico. Sai muito mais caro, inclusive.
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Ouvir é a coisa mais simples do mundo, o paciente só por ser ouvido já melhora, uma boa parte deles - quem atendeu em posto de saúde como eu sabe disso.
Então, eu vou fechar por aqui o que eu estava falando, mas eu queria dizer que a lei de automutilação e de prevenção do suicídio tem muito a ver com essa questão da redução da violência em geral, porque para uma violência autoinfligida, vamos combinar, a pessoa tem que estar com o estado mental muito alterado - muito alterado! - e nós podemos prevenir.
Tudo isso a experiência lá do Rio Grande do Sul mostrou que é possível. A gente tem que fazer política de resultado, política pública de resultado, não é ficar fazendo discurso. Eu vejo gente ficar fazendo discursos maravilhosos sobre como deveria ser a saúde, sobre como a questão social sozinha, se for resolvida, resolve tudo. A gente sabe que não é assim. Para quem lida com o problema lá na base não é assim. Tem a questão mental, tem a questão biológica do cérebro, dos transtornos das doenças cerebrais. Tudo isso tem que ser considerado e tem que ter um sistema que tenha tempo para atender as pessoas e atender bem.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muitíssimo obrigado, Deputado Federal Osmar Terra. Obrigado pela sua participação.
Olha, é impressionante como têm chegado perguntas aqui. Fui informado pelo Saulo, que tem vasta experiência aqui na CAS, no Senado Federal, e ele disse que é difícil ter uma audiência pública com tanta participação interativa. Olha a quantidade de perguntas que a gente recebeu agora, fora as que a gente já tinha recebido de todos os estados. Daqui a pouco eu começo a lê-las para quem se sentir confortável responder e poder nos ajudar.
Também temos a participação no YouTube da TV Senado de muita gente fazendo colocações, eu vou procurar lê-las também, vamos só tentar agora ganhar um tempo porque alguns palestrantes vão precisar sair.
Então, eu queria passar a palavra para a Dra. Leila Herédia, que é representante do Centro de Valorização da Vida. Muito obrigado pela sua presença aqui.
E fica aquela pergunta... todos nós conhecemos o trabalho de décadas, tradicional, do CVV, um trabalho que tem salvado vidas, que cumpre essa missão de escuta, de ouvir e tem feito a diferença. Parabéns! Mas eu lhe pergunto: sobre a lei brasileira de prevenção ao suicídio e automutilação, o que a senhora percebeu, depois de 2019? Como que está a implementação dela? O que está faltando? O que você gostaria de colocar como sugestão para a gente tentar avançar nesse tema que aflige os brasileiros?
Muito obrigado, Dra. Leila, a senhora tem 15 minutos para fazer a sua exposição.
A SRA. LEILA HERÉDIA (Para expor.) - Bom dia a todos.
Eu quero agradecer ao Senador pela oportunidade de falar. Suicídio ainda é um tabu, então, são muito importantes espaços como este. Quero cumprimentar a todos que estão aqui conosco, aos integrantes da Comissão, ao Senado também, que abriu este espaço, a Senadora Damares e os meus companheiros de mesa.
Os marcos legais, Senador, de uma forma geral, são muito importantes. A prevenção do suicídio é feita em rede.
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Então, todos nós podemos, devemos atuar, e o poder público também tem a sua importância, na medida em que, a partir de uma legislação, as coisas vão mudando e a sociedade vai tendo maior conhecimento sobre aquela questão, escolas passam a adotar políticas; então, de uma forma geral, os marcos legais são muito importantes, e esse foi um marco importante para o Brasil, do ponto de vista da legislação.
Eu quero falar um pouquinho sobre o trabalho do CVV. Para quem não conhece, nunca ouviu falar, o CVV é um serviço humanitário, filantrópico, formado exclusivamente por voluntários e que atua na prevenção do suicídio, no apoio emocional. Nós acreditamos que, a partir do momento em que a pessoa encontra uma situação emocional mais favorável para ela falar sobre si, para ela expor o que ela está sentindo, isso vai ser importante para a prevenção do suicídio.
Então, a gente costuma brincar no CVV que a gente falava sobre prevenção quando ninguém falava, porque nós começamos na década de 60, e, naquele momento, já havia um grupo de pessoas em São Paulo que estava preocupado com o grande número de suicídios que acontecia e formou o CVV, baseado, inspirado no Samaritans londrino, que tinha uma experiência então iniciante, de pouco tempo.
A partir daí a gente começou a nossa expansão: inicialmente, era só São Paulo; a gente inaugurou o primeiro posto no Rio Grande do Sul, exatamente por conta dessa questão, e fomos nos expandindo. O Centro de Valorização da Vida, que é a entidade jurídica, tem um braço que é o apoio emocional, que é o mais conhecido, e tem também o Hospital Francisca Júlia, que atua em São Paulo. Então, nosso serviço foi sendo pouco a pouco ampliado além do telefone, que é a forma mais conhecida de atendimento. A gente também atua por chat e por e-mail, que foram atividades que a gente foi implementando ao longo desse período.
E um outro marco importante foi a implementação do 188, porque o serviço sempre foi gratuito, sempre foi feito por voluntários, mas havia tarifação telefônica. Então, quem ligava para o CVV, muitas vezes a pessoa, num momento de sofrimento emocional, a ligação caía, ela precisava ligar novamente, era atendida por um outro voluntário, ou às vezes nem ligava, por conta mesmo da tarifação telefônica. Então, nesse sentido, a gente celebrou muito o acordo de cooperação técnica com o Ministério da Saúde, porque permitiu a gratuidade do serviço nesse sentido, da tarifação telefônica. O acordo foi assinado em 2017, ele surgiu a partir de um projeto piloto, um projeto piloto também no sul do Brasil, por conta do incêndio na Boate Kiss. Voluntários do CVV começaram a atuar ali, naquele momento de muita dor, eram muitos os sobreviventes, e foi feito um projeto piloto, até que, em 2017, foi assinado esse acordo de cooperação. Em 2018, dois anos antes do previsto, a gente conseguiu que todo o Brasil pudesse ser atendido pelo telefone 188.
Então, hoje, a gente teve... em 2022, 3,5 milhões de atendimentos, computadas todas as nossas formas de atendimento: presencial, carta - que a gente ainda recebe; pouquinho, mas recebe -, e-mail, o telefone, o chat. Somos 3,5 mil voluntários, cerca de 3,5 mil voluntários - esse número é volúvel, porque pessoas entram, pessoas saem -, que atuam em mais de cem postos. Então, nós temos, hoje, unidades espalhadas em vários pontos do território nacional.
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(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. LEILA HERÉDIA - Referente a 2022, um ano. É, um ano.
São atendimentos, a gente não pode falar que são pessoas, porque uma mesma pessoa pode ligar por mais de uma vez, não é? É um número que, apesar de expressivo, a gente sempre brinca que, no dia em que ele cair, a gente vai ficar mais feliz, porque vai indicar que as pessoas vão estar mais saudáveis emocionalmente falando.
Então, o que caracteriza o serviço do CVV? Nós somos associados ao Befrienders, que é uma entidade internacional que congrega outras atividades, outras instituições congêneres. São várias no mundo, nos Estados Unidos, na Inglaterra, que talvez seja a mais conhecida, mas há várias. Todas atuam da mesma forma: pela gratuidade - as pessoas que ligam falam gratuitamente; o anonimato é garantido - então, a pessoa ali pode falar o que ela quiser, da forma como ela quiser, que a gente não sabe nada, absolutamente nada, a não ser o que a pessoa fala; a gente não sabe de onde ela está ligando, o nome; a gente não sabe nada, a não ser o que ela queira falar; e o sigilo, o que ela fala fica entre ela e o voluntário do CVV.
A gente também tem um compromisso absoluto com o sigilo, por entender ali que a pessoa, às vezes, está comentando coisas que talvez ela não tivesse nem comentado. É muito comum a gente ouvir: "Ah, eu nunca falei isso para ninguém, é a primeira vez que eu estou falando isso", porque, quando a gente fala, a gente também se ouve. Então, é importante a pessoa conseguir expressar livremente, sem se sentir julgada - outro pilar do nosso trabalho é o não julgamento. A gente não vai fazer juízo de valor do que ela está falando; a gente não tem qualquer ligação partidária, política, religiosa, nada, porque a gente aceita o outro integralmente.
E nós somos voluntários treinados. Então, para ser voluntário do CVV, é preciso passar por um curso de capacitação, por um treinamento. Esse treinamento é gratuito. Se alguém que estiver aqui conosco quiser se inscrever, basta entrar no nosso site, cvv.org.br. Precisa ter mais de 18 anos, pelo menos quatro horas e meia de disponibilidade por semana, e passar por esse treinamento. Além do treinamento inicial, em que a pessoa vai ver se tem as características, os atributos necessários para exercer essa atividade de escuta, o voluntário também passa por reciclagens, cursos, grupos de estudo ao longo do ano - todos que fazem parte da nossa rotina como voluntário, porque a gente precisa estar bem emocionalmente também para a gente se doar para o outro.
Então, como eu falei, o nosso trabalho é baseado no acolhimento incondicional, não há qualquer condição, não há qualquer requisito para a gente acolher. O apoio é feito 24 horas. Então, muitas vezes a pessoa, ali na madrugada, todo mundo dormindo, com um sentimento de solidão ainda maior, pode ligar que vai ter um voluntário para atendê-la. E a gente atua como uma espécie de pronto-socorro emocional. Então, é, no aqui, no agora, no momento de dor que a pessoa precisa compartilhar ela vai ter um voluntário com quem conversar. A gente entende que a prevenção do suicídio se faz em rede. Então, aqui, esse espaço é importante. O poder público, o Ministério da Saúde, os educadores, a escola, a sociedade, todos nós podemos ajudar, e o CVV tem o seu papel.
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Quando a gente atua, o que a gente faz é escuta empática, então a gente ouve com nossos ouvidos, mas também com o coração. É muito comum também a gente ouvir: "Ah, mas vocês só ouvem?". Ouvir não é pouco, gente; ouvir é muita coisa - muita coisa! Muitas vezes, na correria do dia a dia, você pergunta para o outro: "Ah, como é que você está?"; "Ah, está tudo bem", no automático. A pessoa às vezes não está bem, mas, se ela falar que não está bem, será que o outro vai olhá-la da mesma forma? Então, ouvir é fundamental, mas ouvir com tempo, ouvir com qualidade, ouvir deixando o celular de lado, ouvir com condições internas para conversar com outra pessoa, porque, se eu não estou bem também, a pessoa vai começar a falar, e eu já vou sair: "Ah, daqui a pouco a gente conversa, deixa para depois". Ou eu posso também querer aconselhar, julgar, interromper a fala da pessoa, falar: "Ah, fica assim, não; é bobagem; não tem motivo para estar assim", e a pessoa também vai se calar, vai se sentir julgada. Ou eu posso começar a contar dos meus problemas: "Ah, você está assim? Eu também passei por isso não tem muito tempo. Aconteceu isso assim...", então eu já tomei a fala para mim. Então, o ouvir é deixar que a pessoa se expresse livremente pelo tempo que ela precisar, da forma como ela precisar.
Ouvir também é ouvir silêncios. A gente precisa deixar que a pessoa, inclusive, precise do silêncio, porque, às vezes, só de você estar ali ao lado dela, ela já vai se sentir melhor. É algo que acontece também nos nossos atendimentos. Às vezes, a pessoa liga e pede para gente ficar ali com ela; a gente ouve apenas a respiração; e, no final, ela agradece e fala: "Olha, muito obrigada por você me ouvir, foi muito importante neste momento". Às vezes, apenas esse ato de ouvir, que é o ouvir com o coração, ouvir os silêncios, ouvir as respirações, ouvir não apenas as palavras, mas a atuação corporal, como a pessoa está se portando, isso tudo faz parte de um conjunto que é muito importante.
Então, como eu falei, escutar é um ato essencial, não é essa coisa que a gente faz que é fisiológica, que é o ouvir; então é deixar que aquelas palavras façam sentido dentro da gente, é compreender cada uma das palavras que a pessoa está dizendo. E isso é algo muito difícil, porque você estar ali numa atenção plena, numa atenção integral, integralmente ali ouvindo é algo muito difícil - requer concentração, requer disponibilidade, requer que você tenha tempo e se doe para o outro.
Algo que a gente enfatiza muito também é a necessidade de a gente quebrar tabus - e aí a importância da legislação, porque, quando você cria uma lei, a sociedade passa a falar mais sobre aquele objeto da lei e isso ajuda a quebrar os tabus. Então, quando existe uma política de prevenção do suicídio e de combate à automutilação ou que trate da autolesão, as pessoas percebem que aquilo ali é tão importante que se transformou numa lei e começam a falar sobre isso. E aí surgem ideias. Por exemplo, até hoje a gente não tem aprovado em lei o Setembro Amarelo, então ainda é um movimento muito da sociedade. Assim como tem o Outubro Rosa, o Novembro Azul, ainda não há o Setembro Amarelo. E é importante? É importante no sentido de a sociedade incorporar esse movimento, que não é um movimento de A, nem de B; é um movimento da sociedade.
Então, é a união de esforços. Todos nós, inclusive nas nossas casas - o Deputado falou da pessoa que às vezes se isola no quarto -, todos nós precisamos perguntar: "Você está bem? Está tudo certo? Posso te ajudar? Como você está?". A gente precisa ver isso. Às vezes, um colega de trabalho mudou o comportamento, está mais isolado, ele saía mais e agora está ficando mais quietinho em casa. Às vezes, o adolescente ia jogar bola e já não vai mais. Então, o que está acontecendo que aquela pessoa teve uma mudança brusca, às vezes, de comportamento e como que a gente pode ajudá-la, não é? Perguntando, se disponibilizando, conversando com ela, às vezes até se oferecendo para procurar uma ajuda especializada, se ela quiser, enfim, ter esse olhar ao nosso redor, observar quem está por perto, porque, às vezes, assim, a pessoa está num estado ali emocional tão fragilizado, tão vulnerável que só o fato de você conversar com ela pode tirá-la daquele momento de sofrimento agudo e fazê-la ver outras perspectivas, mesmo que não seja o assunto principal.
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Então, para entrar em contato com o CVV, além do nosso telefone, que é o 188, também é possível falar com um voluntário por chat ou por e-mail. O e-mail hoje é uma forma de atendimento crescente, muito utilizada por jovens. Como o atendimento é sigiloso, a gente não tem isso quantitativamente em termos de idade, mas é uma percepção como voluntária - penso eu que talvez até pela característica de você poder escrever e o esvaziamento que vai acontecendo ali naquela escrita.
(Soa a campainha.)
A SRA. LEILA HERÉDIA - Bom, eu cheguei ao final acho que dentro do tempo, Senador.
Convido a seguirem as nossas redes sociais. A gente também tem um canal no YouTube, tem podcast, o @cvvoficial, e lá a gente divulga, diariamente, semanalmente, material de apoio emocional que possa ajudar a pessoa a cuidar mais de si, no autoconhecimento, na prevenção, conteúdos de qualidade para que as pessoas tenham acesso a uma informação com mais qualidade.
É isso.
Muito obrigada novamente e eu estou à disposição. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Olha, eu vou falar uma coisa, Dra. Leila: parabéns aí pelo trabalho desde 1973, não é isso?
A SRA. LEILA HERÉDIA (Fora do microfone.) - Desde 1962.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Desde 1962. Em 1973 é que virou utilidade pública, não é isso?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Mas desde 1962, ou seja, 70 anos, é isso?
A SRA. LEILA HERÉDIA - Desde 1962.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Não, são 70 anos de...
A SRA. LEILA HERÉDIA - Não, 60 anos.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - São 60 anos. Que Maravilha! Que trabalho fantástico! É um alento, é um refresco que dá saber que existem pessoas com um coração tão bom, capacitadas, treinadas, que possam fazer esse trabalho, porque é humanidade, não é? Eu acho que é um ajudando o outro.
Eu já tive síndrome do pânico e abriu um buraco na minha vida que foi importante para este momento que eu estou aqui, nada acontece por acaso, mas eu precisei de ajuda ali. E essa questão das pessoas solidárias foi fundamental também.
Então, eu fico muito feliz em saber... Cada vez mais admiro o trabalho do CVV.
Esta audiência também... Acabei de ser informado pelo Saulo aqui que o pessoal, a equipe do e-Cidadania do Senado informou que, durante a sua fala, 400 perguntas já chegaram aqui, ou seja, é o brasileiro pedindo socorro, o brasileiro está aflito com tudo o que está acontecendo não apenas aqui, mas no mundo todo, esse vazio existencial. Mas a gente sabe que sempre há uma luz, e a luz vem de nós, vem de um ajudando, se solidarizando, ouvindo, abraçando.
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O que mais me marcou na sua fala é "ouvir a respiração", "estou ali do lado". A carência é muito grande. O mundo tecnológico dessa coisa de rede social está tirando muito o convívio das pessoas, o olhar das pessoas para os seus filhos, para os seus amigos. E vive muita gente no mundo de ilusão, onde, no Instagram, a foto alegre e feliz é como se fosse uma... Então, isso vai criando na pessoa que está aflita um sentimento de desesperança, de desespero, e aí vêm problemas econômicos, vem uma série de outras situações. Então, sempre há uma luz. Na vida, nada como um dia atrás do outro.
E nós vamos ouvir aqui não apenas especialistas, mas vamos ouvir pessoas que têm abordagens diferentes sobre o assunto. Vamos ouvir a Dra. Rose Militão, da constelação familiar - Deputado, eu não sei se já ouviu sobre isso, que também... E eu quero parabenizar o Ministério da Saúde, o SUS, que adotou há alguns anos práticas integrativas, e isso é fundamental - fundamental! Tem culturas milenares que nos ajudam nesse momento da humanidade a entender isso e no tratamento também. E a constelação familiar - daqui a pouco a gente vai ouvir - tem uma abordagem muito interessante nesse ninho, nessa teia que às vezes nos empurra em certas situações que a gente não percebe - vai no automático. E vamos ouvir, daqui a pouco também, o Dr. Alejandro, que é da Associação Médico-Espírita, que pode também fazer uma abordagem mais transcendental sobre essa questão, que em muitos aspectos é espiritual também, tem algo forte - a ciência está cada vez mais evoluindo e mostrando isso.
Eu queria passar a palavra para o Dr. Roberto Lasserre, que é de um movimento de cidadania chamado Movimento Brasil Sem Drogas, que tem a ver sobre esse tema. E nós estamos tendo aqui, Ministro Osmar Terra - Ministro, Deputado Federal -, um grande lobby. Assim como o lobby das drogas, sobre o qual o senhor deu uma pincelada, tem um lobby também da jogatina, do jogo de azar, que atua fortemente neste Congresso Nacional e que tem um impacto, segundo pesquisas americanas - o Roberto vai falar sobre isso -, no suicídio. O Brasil já tem tanto problema, e não é possível que a gente vai deixar chegar a outro problema maior, que é a mãe de todos esses problemas, porque aí entram vício, lavagem de dinheiro, destruição de família e o suicídio. E me parece que os dados são muito fortes.
Eu estou preocupado - viu, Roberto? - porque eu fui Presidente de um clube de futebol, Dr. Fábio, o Fortaleza Esporte Clube, e é impressionante, a cada dia, como eu estou sendo procurado por torcedores - e, olha, a gente não sabe quando esta bomba vai estourar - do clube que me conhecem, que me veem no estádio e que chegam para mim...
Teve um caso que o Roberto até conheceu: um evangélico que nunca colocou uma gota de álcool na boca, 20 anos trabalhando na mesma empresa, foi com a família, à noite, lá no gabinete em Fortaleza para me dizer: "Pelo amor de Deus, me socorra! Eu estou pensando em fazer bobagem com a minha própria vida. Está aqui a minha família e tal, já aconteceu isso, isso e isso. Eu perdi tudo o que eu tinha, por curiosidade, por gostar de futebol - porque vai na alma a paixão -, com aquelas apostas, apostas betting". Ele foi por curiosidade. E tem aquela coisa que chamam de sorte de principiante, e ali não é por acaso: ganhou, depois perdeu e foi querer recuperar o que tinha perdido. Ele perdeu o FGTS dele, pegou empréstimo, pegou dinheiro com a irmã, vendeu carro, vendeu tudo. Com filho... Rapaz, ficou devastada a família dele com esses esportes em betting, que é uma febre. Você não consegue mais assistir a futebol hoje. Quem gosta de futebol aposta, aposta, aposta o tempo todo nas camisas dos clubes. Deveria ser proibido isso. Pegaram jogador famoso, e a maioria está fazendo propaganda disso; o estádio de futebol, com isso. Rapaz, está havendo também a manipulação dos resultados, acabou a pureza do futebol. Então é tudo de ruim, vício, devastação.
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Você tem dados sobre suicídio em relação a isso? Queria que você trouxesse essas pesquisas internacionais, Roberto.
Obrigado pela sua participação.
O SR. ROBERTO LASSERRE (Para expor.) - Exmo. Senador Eduardo Girão, Exma. Senadora Damares, Exmo. Deputado Federal Osmar Terra, na pessoa dos senhores eu saúdo todos os convidados, demais convidados.
Quero parabenizar o trabalho do CVV - belíssimo - e dos servidores do Senado.
Senador, muito obrigado pelo convite. Eu acho que é muito importante a gente tratar também desse tema num novo aspecto. Sinto-me honrado de estar aqui entre tantas pessoas que militam nessa área que é de extrema importância para o Brasil, para a sociedade brasileira. A gente viveu, entre março de 2020 e agora, no finalzinho de 2022, meados de 2022, uma pandemia - e, o nome já diz, pandemia é mundial, então estaria sendo redundante -, uma pandemia do coronavírus, e a gente viu o quanto esse impacto é terrível sobre a sociedade. Só que a gente vive uma pandemia muito maior e há muito mais tempo, que é a pandemia do suicídio. O suicídio hoje, essa prática terrível contra si mesmo, é uma pandemia. E muitas vezes a gente tem um estigma, a gente cria um tabu e não discute esse tema. Então, quero parabenizar o senhor, Senador Eduardo Girão, por jogar luz sobre esse tema, que é fundamental e, mais do que também sobre o próprio suicídio, a automutilação de crianças e adolescentes, que estão presos, aprisionados dentro dos seus quartos, viajando em mundos em que muitas vezes os pais não conseguem penetrar. Então, essa é uma questão extremamente importante, e a gente tem que tratar desse tema.
Senador, não vou utilizar todo o tempo, até porque tem pessoas qualificadas para falar, mas eu vim exatamente para falar, a seu pedido, sobre essa questão que envolve o processo dos jogos de azar. Essa prática pode estar sendo legalizada no Senado Federal em um momento muito próximo. Essa é toda a nossa preocupação. O projeto passou na Câmara de Deputados tarde da noite, um projeto de 1991 foi votado às pressas na Câmara de Deputados, ou seja, mostra claramente que é um projeto ruim para o Brasil em todos os sentidos. Além da lavagem de dinheiro, evasão de receitas, sonegação fiscal, crimes contra o patrimônio, tem a questão do suicídio, a questão da desagregação da família como um todo e a questão do suicídio. E os números são chocantes em relação à questão do suicídio. Estudos dizem que, entre 3% a 5% da população dos países onde o jogo é legalizado, automaticamente, passam a ser dependentes do jogo. Essa dependência do jogo já foi fixada pela OMS como uma doença e tem, inclusive, um código internacional de doença; ou seja, já foi reconhecida como uma doença. Então, essa questão é extremamente complicada. Se você jogar 3% a 5% da população brasileira, você pode ter 10,5 milhões de brasileiros ludopatas, que é o nome da doença de quem é viciado em jogo.
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Tem um dado aqui que é muito importante, levantado pela Jane Brody, que é uma especialista norte-americana, em 1999 e 2000, e que foi publicado no jornal New York Times, em que ela deixa clara a relação entre o jogo patológico e o suicídio - a desagregação familiar, a perda da autoestima e o suicídio. Os números são chocantes. Esse estudo diz que entre 50% a 80% das pessoas que são ludopatas, ou seja, que estão submetidas ao vício no jogo, 50% a 80% já pensaram em se suicidar. A média da população mundial é de 5%. Você multiplica por 10, 20, 30 vezes a média da população mundial. E, mais do que isso, um número que é mais chocante ainda: entre 13% a 20% dessas pessoas que pensaram tentaram ou conseguiram se suicidar. A média da população mundial é de 0,6%. Então, a gente está tratando, caso o jogo venha a ser legalizado no Brasil, da multiplicação em muito da possibilidade de pessoas que vão se suicidar.
Se a gente já enfrenta, Senador, um problema grave sobre essa matéria - como o senhor falou, a gente já tem esse problema -, a gente vai multiplicar esse problema? Essa é uma questão que precisa ser tratada com muito cuidado. Eu estou falando aqui em nome do movimento Brasil Sem Azar, que é um movimento que foi criado com o objetivo de tratar dessa questão dos jogos de azar de uma maneira mais efetiva. Além dos ludopatas anônimos, que, na verdade, ficam meio reclusos, não se mostram, o movimento Brasil Sem Azar vem trabalhando dentro do Congresso Nacional - trabalhou na Câmara e agora trabalha no Senado -, com a ajuda de diversas outras pessoas e entidades, no sentido de a gente tentar evitar essa possibilidade da legalização dos jogos de azar, por todos os problemas que eles trazem, também - e também, principalmente - pela questão da ludopatia, desagregação de famílias e principalmente pela questão do suicídio, que é uma pandemia.
Senador, muito obrigado, agradeço a todos a participação. Obrigado pela abertura do espaço para a gente tratar de um tema tão importante e jogar luz sobre essa matéria. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muito obrigado, Roberto. Obrigado por sua participação.
É igual a droga, não é? Eu estava conversando com o Deputado Osmar Terra aqui ao lado, e ele estava dizendo que atinge a mesma área do cérebro que a droga. É um vício. E aquela maquininha ali é terrível, porque é fissura mesmo.
Então, que o Brasil se poupe de mais essa tragédia, que a gente consiga poupar...
O SR. OSMAR TERRA (MDB - RS) - Só uma informação: quando foi proibido o bingo, quando começaram a fechar as casas de bingo, aumentou muito o número de idosos se consultando com síndrome de abstinência clássica, que é igual à abstinência do álcool, da droga - clássica. No Rio Grande do Sul, a gente acompanhou isso. Muita gente com síndrome de abstinência.
O SR. ROBERTO LASSERRE (Para expor.) - Senador, só uma informação complementar em cima do que o Deputado Osmar Terra falou: o Pro-Amjo, que é o laboratório da USP que trata da questão da ludopatia, quando os bingos foram legalizados, no início dos anos 2000, emitiu um relatório em que disseram que houve um aumento exponencial na busca pelo laboratório por conta da questão do vício nos bingos, principalmente entre pessoas mais velhas e mulheres acima de 50 anos.
Muito obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muitíssimo obrigado.
Vamos agora, imediatamente, passar a palavra para o Dr. Alejandro Vera, que é psiquiatra e Coordenador do Departamento de Saúde Mental da Associação Médico Espírita do Brasil (AME). Ele está em Osasco.
Muitíssimo obrigado pela sua participação aqui nesta reunião, que eu considero histórica, importantíssima. A gente não pode colocar embaixo do tapete certas situações, aí, nós estamos enfrentando aqui. Daqui a pouco, eu começo a ler as perguntas, os comentários do YouTube, mas já passo a palavra, por 15 minutos, com a tolerância desta Casa, para o Dr. Alejandro. Muito obrigado pela sua participação, Dr. Alejandro.
A pergunta que eu lhe faço: essa questão espiritual, o senhor que é da AME, qual é o impacto que tem em relação a esse problema de saúde mental, a esse problema de suicídio? Que tipo de influência pode ter? Como o senhor vê essa questão dramática?
Muito obrigado.
O SR. ALEJANDRO VERA (Para expor. Por videoconferência.) - Prezado Senador, eu que agradeço a oportunidade, a possibilidade de estar junto a vocês. Um grande abraço aos demais membros da mesa, aos colegas que compartilham deste momento. E parabenizo-o pela abertura, por nós podermos discutir essa temática, que, como foi colocado anteriormente pela colega ali do Centro de Valorização da Vida, que faz um trabalho belíssimo já há muito tempo, ainda é um tabu.
Obviamente tocar em certos temas que são tão espinhosos faz com que, por vezes, nos afastemos da real compreensão de certas questões que vão se apresentando como um grande problema de saúde pública e uma emergência global. Como foi dito também, lançando mão ali do termo da pandemia, sem dúvida, vivenciamos uma questão pandêmica relacionada a esse impacto do suicídio, que naturalmente impacta aquele que sofre, como portador de um transtorno mental, numa relação íntima com os aspectos relacionados ao suicídio.
Obviamente a imensa maioria daqueles que cometem suicídio é portadora de um transtorno mental, sendo ali uma condição necessária, mas não única, entendendo que falamos aqui de um evento, de uma situação, de um ato extremamente complexo, que envolve diversos fatores: fatores neurobiológicos e genéticos, como já foram colocados, naturalmente, mas também fatores psicológicos, fatores sociais, culturais, filosóficos, religiosos. A somatória desses fatores obviamente pode levar o ser a desenvolver um sofrimento psíquico maior, e o suicídio se apresenta como esse evento no qual a dor se torna insuportável àquele que a vivencia e ele acaba caminhando para as vias do suicídio não muitas vezes para deixar de existir, mas, sim, para diminuir o sofrimento, diminuir essas dores.
Então, é bom poder trazer aqui um pouco da contribuição dos trabalhos que igualmente vêm sendo desenvolvidos pela Associação Médico Espírita do Brasil, que é uma associação científica, filosófica, cultural, enfim, que busca, através dos pilares da religiosidade, da espiritualidade, contribuir como mais um pilar necessário para olhar o ser na sua complexidade, na sua integralidade, mas também lançando mão de recursos que possam auxiliar o indivíduo e o coletivo, no intuito de que nós possamos auxiliar essencialmente em prevenção.
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Tocar na questão, na temática do suicídio e poder trazer essa abordagem da espiritualidade é fundamental. Obviamente, que a espiritualidade e a religiosidade entram como recursos complementares. Elas nunca se opõem, obviamente, à necessidade do tratamento médico, à necessidade do tratamento psicológico e de tantos outros que possam fazer parte desses recursos necessários para cuidar daquele que é portador de um transtorno mental, entendendo, como eu já disse, que é o evento final, relacionado a inúmeros sofrimentos psíquicos, numa relação íntima ali com o transtorno mental. Portanto, falar de suicídio é falar de transtorno mental, é falar de valorização da vida e é entender o que faz com que as pessoas tenham sofrimento, cada vez mais relacionando-o a seus aspectos sociais, inclusive, e àquilo que nós podemos realizar, fazer para auxiliar esses seres nesse sofrimento, ou seja, todos nós que, em algum momento, podemos enfrentar alguma situação mais crítica dentro desse ponto de vista.
Então, poder, novamente, somar pilares que se relacionam ao tratamento médico é fundamental, lançando mão ali da terapêutica medicamentosa, que muitas vezes se faz necessário, do suporte psicológico, dentre outros agentes que podem se somar e, como em algum momento o senhor já citou, haverá alguém que vai nos trazer a fala da constelação familiar e de outras terapêuticas integrativas que têm se mostrado eficazes. E a espiritualidade vai permeando, a religiosidade pode permear todos esses recursos, como uma forma de olhar para a vida de uma maneira diferenciada.
Hoje nós temos base, nós temos inúmeros estudos científicos que vêm sendo publicados, um aumento crescente nesse sentido, relacionados não só à questão do suicídio, mas aos transtornos mentais de uma forma geral, com relações muito positivas. Tivemos ali, numa época, um olhar preconceituoso em relação aos recursos da religiosidade e da espiritualidade, uma compreensão analítica de que talvez a religiosidade fosse uma geradora de neuroses, mas, nos últimos anos, nós temos tido aumentos crescentes dessa interface da saúde, de uma forma geral, não só a saúde mental, mas também a saúde física, da importância da religiosidade e da espiritualidade em nossas vidas.
Dentro dessas figuras que vão se destacando e que nos trazem estudos muito interessantes, nós temos o Dr. Harold Koenig, que é um psiquiatra norte-americano da Universidade de Duke, que tem publicado muito sobre essas relações que envolvem o uso de substâncias, sejam lícitas ou lícitas, a questão dos transtornos de humor, dos quadros de depressão, de ansiedade, de transtorno afetivo bipolar, de esquizofrenia e assim por diante e, obviamente, as questões relacionadas ao suicídio. E, no Brasil, também temos uma figura importante, que é o Dr. Alexander Moreira-Almeida, vinculado hoje à Associação Brasileira de Psiquiatria, que é quem cuida, quem coordena a seção de saúde mental e espiritualidade não só na ABP, mas também na Associação Mundial de Psiquiatria. E os profissionais de saúde mental têm sido cada vez mais sensibilizados para que a abordagem da espiritualidade, da religiosidade seja uma constante nos nossos atendimentos e na maneira como nós podemos também tocar naquilo que os pacientes vão nos trazendo, respeitando-os, obviamente, dentro das suas crenças.
Falar de religiosidade e espiritualidade não necessariamente está diretamente vinculado a um processo religioso, a uma religião organizada, mas, sim, àquilo que existe, por exemplo, de sagrado e transcendente no ser que lhe possibilita construir um olhar em relação à vida no qual se vai buscar o maior propósito, o maior sentido em relação a tudo aquilo que ele pode enfrentar, auxiliando, inclusive, para que ele possa desenvolver ferramentas de maior resiliência em relação à dor e ao sofrimento que vão se apresentando.
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Temos ali os estudos que vão indicando que naqueles indivíduos, nas pessoas que mantêm ali uma frequência maior em relação às instituições religiosas ou alimentam práticas espirituais no seu dia a dia, portanto aumentando ali os índices de religiosidade e espiritualidade, esses fatores se apresentam como fatores protetivos em relação às questões que envolvem ideação suicida, planejamento suicida, enfim, o suicídio em si. Não é, obviamente, que o religioso não comete suicídio. Não é isso, não é? O senhor mesmo já colocou dentro do seu exemplo. Temos ali pessoas que, naturalmente, também vão sofrendo, necessitam desse apoio, desse suporte médico, suporte psicológico, mas a religiosidade se apresenta ali como uma forma de um enfrentamento maior em relação àquilo que, porventura, aconteça ou ocorra nas suas vidas.
Nós temos alguns conceitos que envolvem, por exemplo, o coping religioso, do enfrentamento; a possibilidade de trabalhar junto às pessoas via instituições que se apresentam ali com pilares muito importantes também de cuidados mais amplos, entendendo que trabalhar prevenção de suicídio não se restringe somente aos aspectos da saúde, mas ultrapassa as barreiras das instituições de saúde. Tem que ser um trabalho social, um trabalho amplo que envolva, inclusive, essas instituições, como eu tenho colocado, porque os estudos também vão indicando que, por vezes, as pessoas em sofrimento psíquico, portadoras já de algum tipo de transtorno mental, buscam, em primeiro lugar, tais instituições antes de buscar um tratamento médico ou um tratamento psicológico. Então, poder sensibilizar, inclusive, aqueles que fazem parte das instituições religiosas, de que eles têm uma importância enorme na sensibilização dessas pessoas de buscar o tratamento, tratamento médico, tratamento psicológico, quebra as barreiras do tabu, já que, como bem sabemos, existem ali também preconceitos enormes em relação à busca de um tratamento psiquiátrico ou um tratamento psicológico. Então, essa parceria, essa relação hoje existente com fundamentação científica, entendendo que há uma complementação e que a religiosidade e a espiritualidade podem auxiliar esse indivíduo, inclusive, a se manter de maneira mais regular no seu tratamento, é fundamental. Pode auxiliá-lo numa aderência maior, pode auxiliá-lo a se manter de uma forma contínua no seu tratamento e receber um suporte institucional que o auxilia a criar uma rede de apoio mais ampla, possibilitando que ele vá desenvolvendo e vá trabalhando certos valores que a religião em si, que a espiritualidade em si nos oferece, no intuito de maior valorização da vida, no intuito de aprender a lidar melhor com certos aspectos do sofrimento, a buscar extrair o maior sentido dessa própria dor que vai se apresentando, fortalecendo justamente para que ele tenha esses recursos e, a partir disso, prevenindo situações mais críticas lá na frente.
Isso não é só para o adulto, não só para o idoso, mas sim para todas as idades, em especial quando nós focamos, por exemplo, as crianças e adolescentes. Tem se tornado algo assustador, dentro do que vocês, obviamente, também vão observando, que crianças e adolescentes, esses jovens têm adoecido cada vez mais, percebendo ali os transtornos mentais de maneira cada vez mais precoce, dentro de quadros depressivos importantes, ansiosos, uso de substâncias, indicando a necessidade desse suporte médico, um suporte psicológico, mas, igualmente, o fortalecimento de uma rede de apoio que envolve os espaços de educação, as escolas e também outras instituições de que se pode lançar mão, como coloquei aqui, o que envolve, por exemplo, as instituições religiosas, com o intuito de criarmos uma rede de apoio para auxiliar seres de todas as idades.
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A prevenção em saúde mental envolvendo essa temática tão sensível que é a questão do suicídio, eu digo, nasce no útero. Proteger a gestante é proteger a família no sentido de potencializá-la, despertando valores que sejam relacionados ao transcendente, para que as pessoas possam se fortalecer perante as dificuldades que vão se apresentando na vida, as dores, os sofrimentos, dando todo um suporte no intuito de que possam se desenvolver ao longo da vida. Isso vale especialmente em idades precoces, em que a criança é muito sensível e se vê em situações nas quais pode sofrer num nível extremo, fragilizando-se de uma forma que, obviamente, vai se desenvolver lá na frente sob a forma de algum transtorno mental e, portanto, aumentando a chance de ela pensar no suicídio como um caminho, como uma alternativa.
Então, a religiosidade e a espiritualidade se apresentam, como já coloquei, como recursos preciosos de que podemos lançar mão - todos nós, profissionais de saúde de uma forma geral, a sociedade de forma geral - como complemento às terapêuticas já conhecidas e que podem nos auxiliar na questão que envolve a prevenção do suicídio.
Vejo que esta também tem sido uma temática importante dentro de nossa associação: buscar a educação em saúde mental permeada pela religiosidade e a espiritualidade, respeitando, obviamente, todas as formas de se relacionar com o sagrado e com o transcendente, mas olhando para o ser dentro da sua complexidade, um ser complexo que não se limita aos aspectos físicos, não se limita aos aspectos biológicos, mas os ultrapassa, para que possamos, assim, lançar sementes que auxiliem a todos nós no enfrentamento das dores e do sofrimento para poder atuar de maneira bem segura em relação àquilo que envolve prevenção em saúde mental, prevenção dos transtornos mentais, do suicídio, obviamente complementando tudo aquilo que nós já conhecemos em termos científicos e que nos auxilia muito a lidar com os transtornos mentais.
Então, é o pouco que, dentro desses 15 minutos, trago aqui para vocês. Obviamente, é um tema que não se esgota, há várias frentes, várias vertentes.
Parabenizo mais uma vez pela possibilidade de estar tocando nesses temas, nesse assunto que nos é tão sensível, sendo tão necessário que possamos cada vez mais desenvolvê-los com o intuito de auxiliar na prevenção dos transtornos mentais e do suicídio.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muitíssimo obrigado, Dr. Alejandro Vera, que é psiquiatra e Coordenador do Departamento de Saúde Mental da Associação Médico-Espírita do Brasil, uma instituição bastante renomada, que eu conheço há muitos anos e que sei que desenvolve um trabalho com muita responsabilidade.
Quem não conhece alguém que, no desespero, já tentou ou conseguiu efetivar a autodestruição, o suicídio? Eu acho que está batendo na porta, está gritando esse assunto cada vez mais. Fica aquele pensamento de: "o que é que eu poderia ter feito mais?". É aquela coisa que a gente sente na alma: "puxa, se eu pudesse naquele dia ter feito isso, se eu pudesse...". Para tudo, para tudo! Tem que dar atenção, porque depois pode ser tarde demais.
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É por isso que a gente está aqui, buscando soluções e ouvindo as diversas matizes, as diversas abordagens. O Dr. Alejandro falou há pouco... Eu sou espírita, já vi livros, vários, já li, psicografados por Chico Xavier, por outros grandes e renomados palestrantes, como Divaldo Pereira Franco, sobre esse tema. De uma certa forma, o Brasil é a maior nação católica do mundo, a maior nação espírita do mundo, a segunda, quase chegando à primeira, nação evangélica do mundo. Nós temos aqui pessoas de todas essas religiões nesta sala e nos assistindo. Todos nós convivemos bem, e tem abordagens interessantes que todos fazem sobre isso. Tem grupos de trabalho, de pesquisas, de todas essas profissões de fé.
E eu digo para vocês que muito me confortou... Eu tenho um livro da Yvonne Pereira, se não me engano, uma médium, que é Memórias de um Suicida. É no mundo espiritual, relatando Humberto de Campos esse caso. E é muito impactante; aquilo me marcou muito. Há peças de teatro nesse sentido, que têm alertado as pessoas de que a dor não termina com a morte. É uma visão de um grupo da população brasileira, de que eu faço parte, de que, muito pelo contrário, a dor se agrava para aquela pessoa que busca um caminho no desespero da autodestruição. Então, é agravada a dor depois da morte, segundo os espíritas acreditam, já que a vida continua. É uma dor para ele, e imagine para quem fica também, da saudade.
Então, sempre há uma luz, sempre há esperança. Mas nós temos que dar as mãos, ajudar, porque tem momentos, às vezes, muito difíceis, que todos nós enfrentamos.
Eu prometi que ia ler aqui, antes de passar a palavra para a Dra. Helena Moura, que é psiquiatra e Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, tradicionalíssima UnB - muito obrigado pela sua presença, Dra. Helena. Mas eu vou só ler algumas perguntas, que têm chegado aos montes aqui.
Essa questão do Setembro Amarelo, Senadora Damares, eu não sabia, mas a Dra. Leila falou que não foi institucionalizado ainda, como o Outubro Rosa ou outras iniciativas. O Setembro Amarelo, que já é uma marca, que já tem a sociedade civil, não está institucionalizado ainda, como legislação, como lei. Vamos trabalhar nisso, não é? Vamos ver onde é que está. Já pedi aqui à assessoria para ver, para ver se a gente agiliza, porque eu tenho certeza de que o Presidente Rodrigo Pacheco vai fazer o que tiver ao alcance dele para resolver esse aspecto. É importante.
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Rebeca Neves, de Pernambuco - depois, para quem quiser responder no seu tempo, no final, eu vou dar um tempo também para cada palestrante poder complementar com cinco minutos; quem dos palestrantes quiser anotar e responder fique à vontade aqui -: “Como a jornada de trabalho extensa e desigual afeta a saúde mental do trabalhador brasileiro? Quais mudanças poderiam ser feitas?”, Rebeca.
O Jefferson Felipe, do Rio de Janeiro: “Estudos epidemiológicos ajudam a formular políticas públicas! O que está sendo feito para [...] [se obterem] [...] dados sobre diagnóstico de transtorno mental?”.
Keu Alves, de Minas Gerais - olhem, o Brasil todo participando aqui -: “É preocupante a [...] [baixa contratação] de psicólogos nas escolas [...]. Qual o impacto disso no futuro?”. Inclusive é lei, não é, Senadora Damares? Nós aprovamos essa questão de psicólogo em escola aqui. Já virou lei. Qual é o impacto disso no futuro?
A Maria Eduarda, de Pernambuco - olhem, que interessante -: “Como promover saúde mental dentro dos sistemas penitenciários, [tanto] aos indivíduos privados de liberdade [...] [quanto] aos policiais penais?”.
A Eloína Nascimento, da Bahia: “Quais projetos estão em vista para o fortalecimento da presença da psicologia na atenção básica?”.
A Daniely Melo, do Mato Grosso. "Em relação à saúde mental de pessoas em situação de rua, quais recursos são necessários para ampliar a visibilidade sobre essa demanda?".
Pedro Cabral, do Rio de Janeiro. "Como preparar o SUS para [...] [a] crescente demanda por atendimentos de saúde mental [...]?".
Inclusive tem aqui no YouTube... Eu estava vendo que tem uma pergunta, tem um comentário interessante aqui. Quem quiser falar sobre... "De acordo com estudos [quem colocou isso aqui não coloca o nome, é f-a-s-m-a], onde tem o Caps, casos de suicídio diminuem até 14%. Nesse sentido, é importante discutir a ampliação e qualificação da Raps. Podem falar sobre essa questão?". Então, foi colocada aqui essa situação.
Vamos lá.
A Karol Line, da Bahia: “Com as redes sociais, [...] [muitas] pessoas [...] [passaram a se preocupar] em [demonstrar] terem uma vida perfeita [...]. Como se manter a saudável [diante disso]?” Que pergunta! É bem no tempo.
Inclusive eu quero, Karol Line, convidar você e quem está nos assistindo. Nós vamos ter uma audiência pública - a Senadora Damares nos ajudou aqui. A Adriana, que trabalha no nosso gabinete, me informou o seguinte: nós vamos ter, às 9h30 do dia 6 de julho - repito: às 9h30 da manhã do dia 6 de julho -, quinta-feira, uma audiência pública sobre o vício em tecnologia em redes sociais, direto, com especialistas fantásticos, que vão estar aqui para a gente discutir.
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E tem outra também no dia 13 de julho, que eu acho que vai ser o último dia aqui antes do recesso constitucional. Nós vamos debater o vício em pornografia e consequências sociais. Porque isso aqui é um negócio que está proliferado e gera um vazio... As pessoas têm... E é totalmente no submundo, porque você tem preconceito em falar, e nós vamos abordar isso aqui. Vai ser, repito, no dia 13 de julho, quinta-feira, às 9h30: vício em pornografia e consequências sociais.
Eu quero agradecer ao Senador Humberto Costa, Presidente desta Comissão de Assuntos Sociais, à Secretaria desta Comissão, tradicional, uma das mais importantes do Senado Federal, que está marcando essas audiências aprovadas, porque os assuntos são urgentes, e a gente tem que enfrentá-los e ver que tipo de medida a gente pode tomar.
Dra. Helena Moura, psiquiatra e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB).
Fique à vontade para sua explanação. Quinze minutos.
Mais uma vez, obrigado pela sua participação.
A SRA. HELENA MOURA (Para expor.) - Bom dia a todos!
Eu gostaria de agradecer o convite e parabenizar o Senador pela iniciativa de trazer esta discussão tão importante.
Eu vou trazer o contexto do período de crises mundiais, como é o caso da pandemia, e como isso pode interferir na dinâmica da taxa de suicídio e na prestação, na necessidade de adaptação dos serviços de assistência à saúde mental.
Não tenho conflito de interesse com a indústria farmacêutica.
Logo que a pandemia se iniciou, vários pesquisadores correram atrás de estudar e já se anteciparam em prever os riscos que isso traria para a saúde mental, porque, de fato, em outros momentos históricos de crise, houve um aumento de suicídios e de vários outros desfechos relacionados à saúde mental.
Eu vou trazer alguns dados relacionados à pandemia, mas, historicamente, nós temos dados também relacionados a crises econômicas, a desastres, como desastres ambientais, deslizamentos, enchentes...
Inicialmente, o que se pôde perceber em relação à covid-19? Então, inicialmente, foram surgindo dados, principalmente dos países mais ricos, e eles mostravam que, em relação ao suicídio, não estava tendo aumento ou estava tendo até mesmo uma redução. Mas se questionou como isso estaria ocorrendo em países de média e baixa renda, como o Brasil. Então, o objetivo da minha equipe de pesquisa... Nós fomos atrás de coletar e entender melhor esses dados, e eu vou apresentar para vocês isso em seguida. Antes disso, eu queria só mostrar um pouquinho para a gente tentar entender o suicídio como algo que está dentro de uma cascata de eventos que se iniciam ali desde... Eu fiz uma versãozinha em português para ajudar. Não ficou bonito, mas está compreensível. A gente entende que o suicídio, sim, se insere aqui. Nós temos como fatores proximais aqui a questão do adoecimento mental, o uso de substâncias... Tem alguns fatores mais proximais. Sei que o Prof. Brunoni vai falar brilhantemente dessa questão da depressão em seguida. Mas é importante entender que, às vezes, são problemas que se iniciam ali na infância e que estão inseridos nessa área mais ampla aqui, em roxo. Ela inclui a parte da falta de coesão social, questões sociais e questões ambientais. Ele se insere, eles se entrelaçam. Não é uma questão de um ou outro, que um é mais importante do que o outro... Em situações de crise, como a pandemia, essa interação fica ainda mais reforçada, ainda mais evidente, porque, mesmo aqui tendo bem proximalmente a depressão como um fator importante, como o Deputado mostrou anteriormente, a questão da depressão como fator de risco é importante para o suicídio, mas, às vezes, tem algum evento de vida, algum fator ambiental, algum fator estressante que precipita esse quadro e, às vezes, isso está diretamente ligado a uma questão ambiental e social como, por exemplo, o acesso a meios letais, a facilidade de acesso a armas, a venenos, a questão social, a questão da crise econômica, o isolamento social que, no caso, a pandemia trouxe; rápidas mudanças em estruturas e valores sociais, a pandemia também gerou uma série de pessoas que tiveram que se afastar. Isso também ocorre em casos de pessoas que são refugiadas e imigrantes, uma imediata a ruptura com tudo que a pessoa entende como laço cultural, como laço social afetivo.
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Então, é importante a gente olhar. Eu trago isso porque é importante a gente ter essa ideia de que, principalmente em períodos de crise, investir em ações sociais é tão importante quanto investir em ações de saúde. Então, esse é um dado importante.
Então, como eu estava dizendo, a crise sanitária ilustra bem essa questão, a dinâmica dessa interação que eu estava mostrando para vocês na figura; isso traz também desafios para a assistência em saúde mental. Então, a pandemia dificultou o acesso de muitas pessoas ao tratamento, o que vou mostrar em seguida.
Em casos de, por exemplo, crises ambientais, de deslizamento, às vezes, a própria unidade estruturalmente desaba. Então, as pessoas que mais vão estar precisando daquele atendimento não vão poder ter acesso a ele porque a estrutura se desfez. Então, realmente as crises trazem uma complexidade muito maior para essa questão e a importância de a gente discutir as políticas como nós estamos fazendo agora e pensar que não apenas políticas de saúde estão envolvidas.
Então, esse é o primeiro artigo que eu vou discutir, que nós publicamos no The Lancet. A nossa ideia foi avaliar como, de fato, a pandemia estaria impactando no acesso à saúde mental e nós já chamamos isso de "a nova pandemia", de "a próxima pandemia", já entendendo o quanto isso pode impactar, está impactando no momento e mais futuramente também, na saúde mental das pessoas.
Mesmo antes da pandemia já havia uma dificuldade de acesso. É um país muito grande demograficamente, um país continental. Temos muitos serviços de excelente qualidade, mas, infelizmente, nem todas as camadas da população conseguem acessar esses serviços, e isso, num momento em que a gente está passando por uma crise em que aumenta a demanda por cuidados de saúde mental por questões de luto, de crise financeira, pela solidão do isolamento social. A pandemia fortaleceu uma série de fatores de riscos para depressão e para o risco de suicídio.
E o que nós encontramos, então? Aqui, eu gostaria de ressaltar que todos esses dados são dados públicos. Nós os coletamos através do Datasus. Então, essa é a importância de nós termos uma coleta adequada, sistemática de dados, da disponibilidade desses dados publicamente para que os pesquisadores possam acessar e trabalhar em cima deles.
Então, de março a agosto de 2020, houve uma redução de 28% no total de atendimentos ambulatoriais comparado ao que era esperado. Foi feita uma série histórica de como era nos anos anteriores e de como deveria estar naquele ano e o que, de fato, aconteceu.
Em termos absolutos, foram 500 mil pessoas que ficaram sem atendimento em saúde mental; em contrapartida, houve um aumento de 36% nos atendimentos em emergência, provavelmente por agudização de quadros que ficaram sem assistência contínua, porque muitos pacientes mentais precisam de acompanhamento crônico contínuo, mas também até por questões agudizadas em razão da crise
Então, aqui, para visualizar essa questão, como é que estava nos anos anteriores. Após a linha vermelha, foi a quebra trazida pela pandemia em março de 2020. A gente esperaria que os números de atendimentos continuassem, seguissem aquela linha azul ali, mas o que aconteceu foi que ela despencou abruptamente, intensamente e, enquanto isso, os de emergência tiveram um aumento.
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Então, o que é que isso mostra? Que, em casos de crise, há uma necessidade de uma rápida adaptação dos serviços de saúde mental. Na época se discutiu muito e começou a se implementar o teleatendimento, acredito que, talvez, em menos de um mês - hoje parece rápido, na época pareceu que foi uma eternidade, até a gente conseguir facilitar, ter receituário digital, tudo isso que até então a gente não tinha. Houve relativa agilidade nessa questão, mas isso não ficou acessível, principalmente para a parcela do SUS. Eu via muitos colegas levando o próprio celular para tentar fazer teleatendimento com alguns pacientes, mas, às vezes, o paciente também não tinha esses meios de se comunicar. Então, a gente já tem algumas deficiências basais e elas são acentuadas mais fortemente durante um período de crise; a população mais vulnerável acaba sempre sofrendo mais com essas dificuldades.
E este aqui é um outro estudo nosso, só que aqui nós estamos trabalhando mais especificamente o suicídio e como a pandemia impactou nas taxas de suicídio no Brasil, também usando os dados públicos do Datasus. E o que é interessante mostrar aqui, então o que esse gráfico está mostrando? De um modo geral, se nós formos... Quando o quadrado está branquinho é porque não houve nenhuma alteração; e quanto mais intenso, mais escuro o tom de vermelho, mais houve mudança, mais houve variação, houve aumento na taxa de suicídio. O que é que isso aqui nos mostra? Se eu for olhar de um modo geral, a quantidade de suicídios de março a dezembro de 2020 não mudou, permaneceu a mesma, em torno de 11,3 mil pessoas. Porém, essa estabilidade se manteve à custa de variações em determinadas camadas demográficas. Então, enquanto no Sul permaneceu relativamente estável - já é alto em relação ao restante do Brasil, mas se manteve estável; é uma região que já está mais preparada a atender essa demanda -, no Norte houve um aumento, é onde mais a gente encontra os quadradinhos mais escuros, onde mais houve variação, onde mais houve aumento da taxa de suicídio. É uma região que pode estar mais preparada para atender esse tipo de demanda.
De um modo geral, o que é que a gente observa? Que houve um aumento do suicídio entre as pessoas não brancas, mulheres e idosos. E essa variação foi ainda mais intensa nas regiões mais vulneráveis, onde há mais disparidade socioeconômica no Brasil. Isso, em termos de demanda, em termos de estruturação de serviço, é extremamente impactante, porque, se a gente for pensar, por exemplo, quando eu aumento a quantidade de idosos... Aqui a gente está avaliando o suicídio, mas pensando que o risco de suicídio pudesse ter sido identificado antes nessa pessoa. Até bem pouco tempo atrás, aqui em Brasília, nós tínhamos uma única instituição pública que acolhia idosos com emergência psiquiátrica. Agora nós já temos duas, mas pensar capital ainda... Até pouco tempo atrás, se um idoso precisasse de um atendimento psiquiátrico, de um acesso a uma emergência psiquiátrica, ele não conseguiria. Então, se de repente eu tenho um aumento exatamente nessa camada da população, aqueles serviços que estão adaptados para atender indivíduos mais jovens podem ter dificuldade de atender essa nova demanda.
Então, como eu havia dito, só compilando então, essa estabilidade da taxa de suicídio é aparente, mas à custa de variações em subpopulações. A crise financeira e a sanitária da pandemia foram distribuídas de forma desigual entre a população, e, consequentemente, o risco de suicídio também afetou de forma desigual parcelas dessa população, em geral afetando aquelas pessoas mais vulneráveis. E a mudança do perfil geográfico demanda mudanças no perfil da assistência também, da capacidade de assistência dos serviços de saúde.
Então, juntando tudo o que eu queria mostrar para vocês, a importância de a gente ter uma coleta sistemática de dados; então, principalmente em situações que exigem uma avaliação rápida, eu preciso que esses números estejam disponíveis para que a gente possa logo analisá-los. A gente precisa estar preparado para responder mais adequada e rapidamente a essas crises e estar atento a essas mudanças.
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Isso que nós mostramos já aconteceu em outros momentos de outras crises. Estudando o efeito de crises anteriores no consumo de álcool - por exemplo, durante a crise econômica de 2008, nos Estados Unidos -, aparentemente, o consumo de álcool se manteve estável, mas, quando foram olhá-lo nas subpopulações, viram que aquelas que foram mais afetadas pela crise tiveram um incremento de mortalidade por uso de álcool. Então, isso costuma acontecer em momentos de crise e afeta diferentes populações. Então, pode haver essa dança das cadeiras, digamos assim, em termos de risco demográfico para o suicídio. A gente tem que estar sempre atento - e isso exige adaptação dos serviços de saúde - a qual parcela da população vai estar mais vulnerável para essa crise.
Era isso que eu queria falar.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muitíssimo obrigado, Dra. Helena Moura, psiquiatra, Professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, que veio aqui - eu não sei se de propósito - de amarelo, assim como a gravata do Dr. Fábio Gomes de Matos e como a minha também, que escolhi de propósito.
Mas eu queria falar o seguinte: muito boa a sua explanação.
Eu peço à Mesa do Senado que todo esse material, que foi apresentado pelos nossos palestrantes, seja incluído aqui; ele vai ficar nos Anais da Casa e disponível na página da Comissão.
Eu agradeço-lhes demais.
Eu estava aqui conversando com o Deputado Osmar Terra e perguntando-lhe: "Poxa, e o pânico que foi gerado durante...". Foi uma coisa nova; pelo menos para o Brasil e para o mundo inteiro, foi algo muito novo essa pandemia, pegou todo mundo de surpresa, mas foi gerado um pânico que a gente fica naquela situação: foi excessivo demais, trancando tudo?
E a gente viu que os atendimentos na emergência - e a senhora os colocou com dados - diminuíram 26% e aumentaram 36%, depois da pandemia.
Então, assim, até que ponto afligiram ou pioram a situação da saúde mental certas medidas radicais que, ao longo do tempo, se demonstraram ineficientes? Não é isso? Cientificamente, já teve resultado isso?
O senhor gostaria de colocar alguma coisa?
O SR. OSMAR TERRA (MDB - RS. Para expor.) - Não era nessa linha que eu ia falar, mas, de qualquer maneira, o pânico que a imprensa cultivou e exacerbou ao máximo, eu nunca tinha visto na minha vida. Eu tenho 50 anos de prática médica, fui gestor de pandemia do H1N1 lá no Sul, a pandemia entrou por lá. Eu nunca tinha visto a mídia tão avassaladora para botar pânico - não era nem medo, era pânico - nas pessoas: era cemitério o dia inteiro, era morte o dia inteiro. Realmente, eu acho que isso tem uma repercussão na saúde mental das pessoas, e não é só na questão do suicídio; em tudo, eu acho que isso causa um dano muito grande.
Então, eu acho que o Brasil ainda tem que fazer um acerto de contas em relação a essa questão da pandemia, até para que não se repita esse tipo de coisa.
Na verdade, eu estava querendo falar, professora, doutora, sobre um estudo muito interessante feito aqui em Brasília, pela Universidade de Brasília, de um perito da Polícia Federal, na área de farmacologia, e de uma bioquímica, professora e pesquisadora da Universidade de Brasília. Eles pesquisaram o esgoto para ver os metabólitos de drogas. Então, talvez a medida mais próxima da ideia do mundo real é a medida dos metabólitos em esgoto, porque vai acabar tudo em esgoto: o pessoal usa, urina, vai para o esgoto; evacua, vai para o esgoto. Então, é no esgoto que dá para medir; se tiver um sistema de amostragem adequado, dá para medir.
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E, em 2017, eu trabalhei um pouco com isso, na prevenção da questão das drogas, quando Ministro. A gente criou a Secretaria de Prevenção, e a gente trabalhou isso. E era interessante que, só em Brasília, em 2017, tinha a estimativa de consumo de cocaína - não era nem das outras drogas; era de cocaína - de 6 toneladas no ano, 6 toneladas! Eu estou curioso para ver como é que isso seria na pandemia e depois da pandemia, eu acho que seria uma coisa interessante. É só uma ideia. Depois eu posso lhe passar o nome do pesquisador da UnB. Eu acho que seria um estudo interessante, porque isso tem impacto também na área de saúde mental, um importante impacto. Então, eu só queria deixar essa ideia.
A SRA. HELENA MOURA (Para expor.) - É só um comentário. Eu fiz também, teve um dos estudos que eu publiquei durante a pandemia que foi sobre o aumento do consumo de álcool também na população. A gente identificou que o aumento ocorreu principalmente entre as pessoas que estavam sofrendo com sintomas de depressão e ansiedade. E, sobre essa questão, a infodemia - como foi chamado, na época, esse excesso de informação que estava deixando todo mundo muito apavorado -, de fato, pode ter contribuído para o aumento de sintomas de ansiedade e depressão em algumas pessoas, mas não foi o único fator que interferiu também no adoecimento. Como eu mostrei ali nos eslaides, tem uma lista ampla de fatores; o próprio luto também é extremamente adoecedor.
Então, a gente fala que a ansiedade é patológica quando a pessoa tem um medo imaginário ou um medo exacerbado, desproporcional ao perigo que está ocorrendo. A pandemia, de fato, trouxe um perigo muito importante. A gente vê que a própria infecção por covid também tem trazido esse adoecimento mental, que é o que a gente chama de covid longa: a infecção, a carga inflamatória que ela gerou acabou fazendo com que algumas pessoas posteriormente desenvolvessem sintomas de depressão e ansiedade. Então, é complexo, porque são muitos fatores ali atuando. Então, o excesso de informações, a forma como foi divulgado, sim, isso pode ter contribuído. A OMS até lançou um alerta sobre isso, sobre a questão da infodemia, mas é uma complexidade de fatores que interagem.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Doutora, esse estudo que a senhora acabou de mencionar sobre o aumento do consumo de álcool ocorreu aqui em Brasília, foi isso?
A SRA. HELENA MOURA - Não, foi um estudo brasileiro, foi um estudo pequeno. Na verdade, o objetivo principal do estudo era avaliar o quanto as pessoas estavam, se o sedentarismo que foi gerado pelo isolamento acabou aumentando sintomas de ansiedade e depressão. A gente secundariamente usou alguns dados para avaliar o aumento do consumo de álcool também.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Foi de quantos por cento?
A SRA. HELENA MOURA - Foi no Brasil todo, mas...
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - A senhora sabe quanto aumentou, a senhora lembra?
A SRA. HELENA MOURA - Dez por cento, se eu não me engano.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Dez por cento.
A SRA. HELENA MOURA - Na verdade, assim como esse estudo que eu mostrei sobre o suicídio, variou conforme a camada da população, a gente viu que o aumento maior aconteceu em pessoas de renda média, meia-idade. A gente esperaria que tivesse diminuído entre as camadas mais pobres da população também, porque teoricamente a pessoa fica sem dinheiro para comprar bebida alcoólica, mas, infelizmente, no Brasil a bebida alcoólica é muito barata e acaba que esse efeito, que seria um efeito até protetor, acabou não se confirmando. Mas não é um estudo representativo, era isso que eu queria destacar, porque foi uma survey eletrônica. Então, as pessoas, somente quem tinha acesso à internet pôde responder; não foi igualmente distribuído em todos as regiões do Brasil, mas já foi apontando nessa direção. Foi um estudo bem inicial ainda no início da pandemia, mas já apontava nessa direção de que o adoecimento mental poderia estar favorecendo também o aumento do consumo de álcool.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Inclusive eu concordo com a senhora, eu acho que a questão...
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Durante a pandemia, eu tive a benção, onde eu moro, de poder caminhar, o que foi fundamental. E eu via, nos lixos dos vizinhos, cada vez mais garrafas. Eu sou muito observador e, durante aquele período, eu vi isso. Eu notei intuitivamente: "Rapaz, tem alguma coisa muito errada neste momento aí". Aí junta com o pavor que foi gerado por grande parte da mídia e com as outras medidas, que as pessoas ficaram realmente... entraram numa situação difícil.
Sobre a questão do imposto de bebida a senhora tem razão. Eu tenho o pensamento igual ao da senhora. Acho que se deveria, inclusive, limitar a propaganda, como foi feito com o cigarro. Está aí o Brasil hoje, um exemplo mundial. Por que não faz a mesma coisa com a bebida alcoólica? E eu acho - viu, Senadora Damares? - que a gente tem que avançar nisso aí. Já chegou a hora disso. Já deu, aliás - já deu!
Essa questão do suicídio em Brasília... A senhora nasceu aqui? Não?
A SRA. HELENA MOURA - Não, eu sou de Belém.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Você é de Belém, no Pará!
A SRA. HELENA MOURA - Fiz Medicina lá; fiz Psiquiatria no Sul; e agora estou aqui.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Olha! Fez Psiquiatria no Sul.
O Deputado Osmar Terra estava falando dos índices muito altos de suicídio lá no Sul, lá na terra dele.
Eu já ouvi - e eu queria saber esses dados; até o final da sessão, se a Secretaria puder me ajudar ou algum dos palestrantes - que, em Brasília, já me disseram também, é um dos mais altos do Brasil o consumo de drogas, essa coisa toda. E em Teresina, no Piauí, que é vizinho da gente, lá do Ceará, Priscila, me disseram também que é muito forte.
E tem aquele código de conduta da imprensa, sobre o qual eu queria uma abordagem de vocês, que é não divulgar isso. A imprensa não divulga casos de suicídio, tem um certo cuidado nesse aspecto. Eu queria saber os pontos positivos e os negativos também de não abordar esse assunto, porque é uma oportunidade de jogar luz. Então, a que ponto a gente precisa evoluir nesse sentido?
E se nota também que, quando acontecem casos de pessoas conhecidas numa cidade que cometem isso, Dr. Fábio, instantaneamente os casos se multiplicam. Há esse efeito. Tem algum estudo sobre isso no Brasil ou fora? O que a gente pode fazer?
Dr. Fábio, mais uma vez no Senado. Aliás, eu queria ver se a gente conseguiria um crachá aqui do Senado para o Dr. Fábio Gomes de Matos, que tem sempre vindo aqui a audiências públicas. Ele está em várias causas; é um homem idealista. Inclusive, Dr. Fábio, a Tamara Stefany está dizendo que o senhor é uma referência do Pravida, projeto lá em Fortaleza. Muita gente aqui está participando também e o congratulando por essa explanação.
Já vou passar a palavra agora para o senhor, só vou comentar aqui outras perguntas.
A Ana Alcanfor, da Bahia, faz um comentário aqui: "São necessárias novas políticas públicas e ações voltadas para a temática de saúde mental de crianças e adolescentes nas escolas" - escola, escola, escola; está tendo muito aqui essa preocupação com as crianças.
O Pedro Guilherme, de Santa Catarina: "[...] [É preciso avaliar] a questão da ansiedade e depressão nos mais jovens [...]". Olha só!
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Álvaro Ferreira, lá do Ceará, da nossa terra: "[Também é importante] analisar a eficácia das políticas públicas direcionadas às pessoas com transtorno do espectro autista".
A gente tem visto que é crescente. Daqui a 20 anos - não é, Senadora Damares? -, nós vamos ter em cada núcleo familiar uma pessoa com espectro autista. É em progressão geométrica o que está acontecendo. Então, o Álvaro faz essa colocação. Obrigado, Álvaro, pela participação, e a todos vocês.
Renato Ávila, de Minas Gerais: "Não existe saúde mental sem investimento no SUS!"
Faz a colocação o Renato Ávila. Como é que está o investimento no SUS na área de saúde mental? Esse é um questionamento interessante trazido aqui.
Aeda Alves, de Pernambuco: "É fundamental fortalecer ações de prevenção e promoção de saúde mental dos docentes [...] [para se ter um ambiente escolar saudável]."
Olha a visão do outro lado. Aeda, obrigado.
Gustavo Tártaro, de São Paulo: "É necessário repensar a formação básica dos profissionais, número de profissionais na rede, condições de trabalho e principalmente salário."
Ana Flávia, de Tocantins, fala de um ponto aqui que até já comentei e vou dizer a fonte, tá? A Ana Flávia, de Tocantins, diz: "A promoção de saúde mental para as pessoas privadas de liberdade deveria ser melhor estabelecida, com a participação ativa dos Caps dentro das unidades prisionais!".
Obrigado, Ana Flávia, de Tocantins. Isso é interessantíssimo.
E eu falei um nome aqui e depois eu fui corrigido aqui pelo YouTube: Fasma - eu não sabia o que era; peço desculpa -, que fez essa pergunta sobre o Caps, a Raps - lembram?; foi há pouco tempo -, sobre a importância de ter, diz que quanto mais tem em locais tem menos... Foi colocado aqui por ela, e eu vou dizer qual é a fonte. Ela colocou aqui: "De acordo com estudos, em territórios que possuem Caps casos de suicídio diminuem até 14%. Nesse sentido, é importante discutir a ampliação e qualificação da Raps". Era bom a gente abordar, quem puder abordar. É importante isso aqui. Quem falou isso foi a Fasma. Ela está dizendo aqui: Fasma é Frente Ampliada em Defesa da Saúde Mental e Luta Antimanicomial do Amazonas. Aqui é ela participando, tá?
É muita gente! É impressionante como tem...
O Jonas Carvalho está falando que muitas crianças até hoje têm medo de sair de casa. No Amapá tem casos diários de suicídio. Ele é do Amapá. É muito triste a realidade. Os professores de séries iniciais hoje sofrem. Enfim, é a pandemia que a gente está vivendo, mas nós vamos encontrar a solução. Sempre há uma luz. Isto aqui está sendo de muito bom tom: o que a gente tem ouvido aqui e a participação de especialistas e de você que está nos acompanhando.
Imediatamente, eu já passo a palavra para o doutor...
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Presidente...
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Opa!
Senadora Damares Alves.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF. Pela ordem.) - Nós estamos ansiosos para ouvir o Dr. Marcelo e também o Ministério da Saúde. A gente está aqui também debatendo o quadro geral, mas a gente quer saber a efetividade da política e o que nós podemos melhorar; de que forma, nessa construção do PPA, nós podemos ajudar o Ministério da Saúde para a efetividade da lei, uma lei da qual eu tenho alegria de ter participado da construção.
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Mas eu queria... Já que todo mundo aqui é da área da saúde, vocês vão entender o meu pedido agora. A nossa Vereadora Priscila, quando nós apresentamos a lei em 2018, apresentou a mesma lei em Fortaleza, e lá, inclusive, saiu muito mais rápido do que aqui no Congresso Nacional. E a nossa Vereadora está grávida - ela veio, está aqui, sentadinha, e o marido já trouxe suco - e ela precisa sair, ela precisa levantar um pouco, precisa sair, e a participação dela vai ser muito rápida. Eu queria pedir permissão aos nossos expositores só para a Vereadora Priscila se manifestar, e a gente liberá-la da audiência.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Perfeito. Muito boa a sua lembrança.
Imediatamente, eu passo a palavra para a Vereadora de Fortaleza - até hoje, pois, corrigindo, amanhã assume a cadeira de Deputada Federal.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - E vai ser uma aliada nessa luta. Ela lá e a gente aqui, junto com o Deputado Osmar.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Ah! Essa vai ser a pauta. A pauta dela é da vida, e é uma pauta que ela coloca na prática, no seu trabalho em casa.
Inclusive, o Pastor Frota Neto está aqui - um abraço, seja muito bem-vindo! É Lucas, não é? Ao Lucas também, muito obrigado.
Você tem a palavra, fique à vontade para fazer suas considerações.
A SRA. PRISCILA COSTA (Para expor.) - Muito obrigada. Agradeço desde já à Senadora Damares pela atenção e também por tanto conhecimento que está sendo demonstrado aqui nesta oportunidade.
Começo parabenizando o Senador Eduardo Girão pela iniciativa de trazer luz para um assunto tão urgente: como foi dito aqui, uma verdadeira pandemia e que deve ser tratada como tal. Por isso, eu me alegro de poder ser útil ali como Vereadora do meu município. Ainda lá em Fortaleza, em 2018, quando a Senadora Damares já fazia um trabalho de recrutamento de líderes políticos em todo o Brasil aqui no Senado - eu era uma dessas líderes, recrutada e preparada, mentoreada por ela -, ela me passou todo esse projeto que nasceu no coração e na experiência do Deputado Federal Osmar Terra e que estava se concretizando ali como política pública ainda em forma de projeto.
E a gente, com esta ânsia de querer ser útil ali no nosso município, que é onde tudo acontece... A gente viu aqui o Deputado Osmar Terra começando a falar sobre a experiência municipal dele como Prefeito, olhando localmente. A gente está pertinho da população, e é muito importante essa proximidade. E o Senado também pode ser um grande inspirador e encorajador de os Parlamentares municipais dominarem essa pauta. Muitas vezes eles querem fazer algo, mas não têm todo o conhecimento. Por isso a importância de momentos como este sendo transmitido para todo o Brasil através da iniciativa do Senador Eduardo Girão.
E, em 2018, foi quando nós apresentamos esse projeto de lei ali na cidade de Fortaleza, e a gente foi além: a gente não quis apenas que essa discussão morresse ali no Parlamento. Quando a gente apresentou o nosso projeto de lei, acabou tendo uma comoção, o nosso debate comoveu a sociedade como um todo, e a gente teve iniciativas, como o Deputado Osmar Terra bem falou, e coisas que às vezes são simples, mas que, quando nós damos importância, podem trazer uma grande transformação. E ali voluntariamente - eu vi aqui que o próprio CVV também é voluntário, é um trabalho voluntário - a gente começou um trabalho de distribuição de cartilhas. Profissionais se reuniram, elaboraram uma cartilha, mas bem diferenciada, porque era uma cartilha voltada para o público juvenil, voltada justamente para essa faixa etária dos 14 aos 25. Tinha um apelo visual, um apelo de linguagem para esse público, e foi aí que a gente viu o desejo dos professores de fazer a diferença, de participar. Isso foi algo que chamou muito a atenção do nosso gabinete. Nós começamos a ser visitados por professores que diziam: "Olha, dentro da minha sala de aula, eu estou vendo crianças, adolescentes mutilados, e como é que eu posso ficar parado? O que fazer? Eu preciso fazer algo!". E ali a gente viu que uma cartilha como aquela, uma iniciativa simples, estava dando para os professores uma ferramenta para trazer esse assunto para a sala de aula e fazer com que muitas pessoas que tinham algo para falar, que estavam com aquele sofrimento na alma, dissessem: "Ah, eu não estou só, alguém está falando sobre isso, não é um assunto proibido, não é um assunto que eu tenho que remoer trancado no meu quarto, eu posso encontrar aqui, nas pessoas que me cercam, uma rede de apoio".
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Então eu queria, na verdade, encorajar cada um de nós a acreditar que o que nós fazemos, embora muitas vezes seja simples, vale a pena, e parabenizar, porque só com a ajuda de cada Parlamentar, do Senado, da Câmara Federal, nós poderemos harmonizar essas iniciativas e também, juntos, ganhar força para cobrar do Governo Federal o resultado, a efetividade das políticas públicas aqui alcançadas através da Lei 13.819 na sua aprovação. E agora nós queremos que isso chegue na ponta com este resultado: um resultado de vida.
Muito obrigada.
Eu estou muito emocionada por participar deste momento. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muito obrigado, Vereadora Priscila Costa, que amanhã está assumindo uma cadeira federal. Nós vamos ganhar um reforço, como bem colocou a Senadora Damares, um reforço de peso, reforço duplo, porque ela tem isso na alma e no coração, e é inspirada. Somos de Fortaleza, que, segundo a Damares, quando esteve lá, três anos atrás, é a capital mais provida do Brasil - você falou isso, se lembra disso, que seria assim? A gente está trabalhando fortemente nessa questão lá, é uma capital muito especial sob todos os aspectos.
Eu já passo a palavra para o Dr. Fábio Gomes de Matos, que é psiquiatra, Professor da Universidade Federal do Ceará. Daqui a pouco a gente vai ouvir a Dra. Alessandra, que é da Universidade Estadual do Ceará, duas universidades referências lá no Nordeste e no Brasil.
Antes de passar, Dr. Fábio, a Jéssica Laís, de Pernambuco, só para concluir essas perguntas dessa página, diz o seguinte: "Como tornar o acesso à saúde mental mais viável [...] para a população de baixa renda?".
Juliane Santos, do Paraná: "Quais as políticas públicas para cuidado da saúde mental dos professores [...]?" Olha, esse assunto surgiu direto aqui.
Mychelle Trevisan, de São Paulo: "Já há alguma proposta para a inclusão de psicólogos no Programa Mais Médicos?".
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Mariana Rodrigues, do Rio de Janeiro: "Como pode ser realizado o trabalho dentro de escolas e em ambientes públicos com jovens para a prevenção de suicídios e automutilação?".
João Gabriel, do Pará: "Como a máquina pública pretende lidar com as queixas dos usuários quanto aos profissionais pouco qualificados [nessa área] em exercício nas cidades?".
Laís Reis, de Rondônia - você vê que é o Brasil todo aqui -: "Devido ao aumento significativo de casos de violência nas escolas, a ação de saúde mental poderia ser prioritária no Programa Saúde na Escola".
Muito obrigado.
O Dr. Fábio Gomes de Matos está com a palavra e vai apresentar também o material que ele trouxe.
Muito obrigado, Dr. Fábio.
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS (Para expor.) - Boa tarde, Senador Eduardo; boa tarde, Deputado Osmar; boa tarde, Senadora Damares; boa tarde, Deputada Priscila, Deputados presentes aqui, colegas, expositores e todos os que estão interessados nessa temática.
Eu venho trabalhando nessa questão de prevenção do suicídio há mais de 20 anos através do Pravida, que é o Programa de Apoio à Vida da Universidade Federal do Ceará, do Hospital Universitário Walter Cantídio. Nesse período de 20 anos, a gente já pôde atender mais de 2,7 mil pessoas. Dessas 2,7 mil que tentaram suicídio, nesse período de acompanhamento de três meses, nenhuma tentou novamente, o que demonstra a eficácia desse programa, que é multidisciplinar e conta com psiquiatra, psicólogo, assistentes sociais, enfermeiros, educador físico, terapeuta ocupacional, enfim, toda uma gama de profissionais envolvidos nesse desiderato.
Vou tentar passar aqui.
Este dado é da Organização Mundial de Saúde. Vejam bem que interessante: na década de 80, a Organização Mundial de Saúde não tinha uma métrica para avaliar quem mais ficava incapacitado devido às doenças que existiam no mundo. A Organização Mundial de Saúde convidou o Banco Mundial e, desse grupo de estudos, surgiu o Daly (Disability-Adjusted Life Year), que vê os anos adaptados de doença provocada pela doença que você tem. E aí ele observou que, de todas as doenças do mundo, 28% da incapacitação vêm de transtornos neuropsiquiátricos - prestem atenção: 28% é quase um terço -, e, disso aí, só 10% são devidos à depressão. Tem vários outros aí, eu não vou ter tempo de ler cada um, mas dá uma ideia geral. Então, 28%, de incapacitação.
Tem uma questão interessante aqui no sentido de quanto é o investimento no SUS. Eu respondo logo, já tentando colocar as duas coisas, Senador, respondendo a algumas coisas já com os eslaides: no orçamento do nosso país, é de 1,8%. Como é que 1,8% vai dar conta de 28%? Não tem mágica, nem tem Harry Potter que dê jeito nisso. Então, o que existe é uma desassistência em relação à saúde mental. Essa verba deveria ser pelo menos duplicada para 3,6% do orçamento da saúde; ela é de 1,8% do orçamento da saúde. E isto vale para todos os estados: 1,9%, 2%, 2,1% em municípios - em Fortaleza é 1,9% -, então, é basicamente geral no Brasil essa miséria que a saúde mental recebe. Isso é importante para a gente mudar essa realidade.
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Então vou fazer uma proposta para os Senadores: em quatro anos, a gente duplicar essa dotação orçamentária. Essa é a primeira proposta.
Nós vemos aí todas as doenças descritas de uma maneira muito clara. Nós vamos ver que, em doze meses, cerca de 33% da população têm algum transtorno mental diagnosticável - diagnosticável! Isso quer dizer que transtorno mental é comum, é bem comum, não é uma coisa rara, e precisa de uma atenção especial e de uma prioridade.
Agora, por esse gráfico, eu queria mostrar uma coisa interessante. O Senador Girão citou várias vezes professor, escola, isso aí. E esse gráfico representa muito bem isso que o Senador Girão acaba de mencionar. Vejam bem, esta é a quantidade de suicídios no mundo: mais ou menos 800 mil, pouco mais de 800 mil. Agora, vejam como a organização fez uma coisa inteligente, a Organização Mundial de Saúde: ela dividiu o suicídio nas faixas etárias e dividiu em países de baixa e média renda e países de alta renda. Os países de alta renda são esses cinza, mais próximos do eixo X, e o vermelho, em cima desse cinza, representa os países como o Brasil. Vejam que o suicídio começa a ser importante aqui, basicamente com dez anos, e se mantém relativamente estável em todas as faixas etárias nos países de alta renda. Agora olhem os países de baixa renda: de dez até 30 anos, é um pico do tamanho do Himalaia.
Por que é que não temos psicólogos equipe de saúde trabalhando junto com as escolas? É outra proposta. Não dá para a gente aceitar esse pico do tamanho do Himalaia. Lembro aqui uma coisa que nós cearenses sabemos: é melhor a Serra de Guaramiranga, que é mais ou menos baixinha, e está tudo muito bem, que é como os países civilizados controlam o suicídio. Então, alguma coisa está muito errada com a juventude aqui e com o atendimento dessa juventude, não é?
Próximo.
Aqui são, digamos assim, os transtornos mentais de acordo, de novo, com a Organização Mundial de Saúde. Inclusive, esse trabalho é de um brasileiro chamado Bertolote. O Bertolote descobriu a seguinte coisa: transtornos do humor, incluindo depressão e transtorno bipolar, em torno de 35%; transtornos relacionados ao uso de substâncias vão a 22%; esquizofrenia, em torno de 10%; transtorno de personalidade, em torno de 10%; enfim, você vai ter transtornos mentais relacionados a 97% dos suicídios - na minha opinião, são 100%, os 3% são os que não foram diagnosticados.
Então, se você quer diminuir taxa de suicídio, tem que tratar bem o transtorno mental. Ponto. Agora, como é que você vai tratar bem transtorno mental? Eu não sei a situação, Deputado Osmar... Mas sei a situação do Ceará. A minha cidade de Fortaleza, que é uma cidade de quase 3 milhões de habitantes, tem seis Caps, seis Caps. Não precisa ser um bom matemático para dizer que é um Caps para 500 mil pessoas. Ora, como é que um Caps vai atender 500 mil pessoas? Óbvio que não vai. Teria que multiplicar por dez: um Caps para 50 mil pessoas, aí você teria uma assistência de qualidade para a população.
Então, nós estamos fazendo de conta. Não dá desse jeito. Desse jeito, não dá para atender todas essas pessoas que precisam ser atendidas.
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E aí nós temos essa questão da carga de suicídio, no nosso país, isso num trabalho de 2019. Essas tendências vocês vão ver tanto em homens quanto em mulheres. Nós não vamos ter tempo de analisar cada gráfico, mas vocês vão verificando que há uma tendência cada vez maior de suicídio. Então, o suicídio, no nosso país, está, de fato, aumentando, quando, em grande parte do mundo, está diminuindo, o que é uma coisa meio absurda. Eles têm lá outras taxas. Então, uma pessoa morre a cada 40 segundos; a taxa global é 10,4 por 100 mil habitantes/ano, isso no geral. Para homens, é 13,4 e, para mulheres, 5,7; no geral, 9,4. É a principal causa de morte entre pessoas de 15 a 34 anos. Isso tem que nos alarmar. O que nós vamos fazer com esse grupo de jovem e adulto jovem?
Estima-se que a autolesão, para cada suicídio, é de pelo menos 20. Então, nós temos também que lidar, junto com a escola, com essa questão da autolesão. No Brasil, hoje, a taxa é 10,2 por 100 mil habitantes, mais ou menos parecida com a taxa mundial. Nas mulheres, infelizmente, subiu astronomicamente, cerca de 50% nos últimos anos, e nos homens também.
Então, temos um aumento de suicídios, ou temos — como a gente lida muito com o suicídio —, digamos, uma notificação maior do suicídio, porque, antigamente, se um jovem batia a 200km em uma moto num poste, isso era considerado acidente de trânsito. Na Suécia, isso é suicídio. Na Noruega, isso é suicídio. Aqui, não; é acidente de trânsito. Então, falta uma notificação mais correta.
E o que propomos? Vamos agora entrar nas propostas, porque o que interessa aqui... A situação, todos nós sabemos que não está legal, não está bem. Então, o que é que a gente propõe para mudar essa situação? Proteção em prédios, pontes e viadutos. Chamar os prédios amarelos, selo amarelo, em que eles pensaram em prevenção do suicídio. Não ter nenhuma ponte, nenhum viaduto sem grade. Isto é fundamental: ter uma legislação específica para isso. Proibição e fiscalização do comércio de produtos como, por exemplo, chumbinho — lá em Fortaleza se compra chumbinho em qualquer esquina, em qualquer bodega, em qualquer mercearia. Desde 1990, isso foi proibido na Europa. Por que continuamos, aqui, vendendo chumbinho? Não entendo. Restrição ao uso de outros meios letais como armas de fogo. Eu sou contra a arma de fogo por causa disso, porque em casa que tem arma de fogo aumenta de duas a três vezes a taxa de suicídio. Não dá para achar que está tudo muito bem. E receitas azuis, aquelas que são feitas para psicotrópicos... Um paciente vai para o médico um, recebe três receitas de diazepam, vai para a farmácia A e compra as três receitas; uma hora depois, vai para o médico dois, recebe as mesmas três receitas, vai para a farmácia B e compra as três receitas; no final, ele tem 30 caixas de diazepam prescritas por dez médicos diferentes. Nenhum dos médicos soube o que o outro prescreveu e nenhuma das farmácias soube o que a outra aviou. Como é que um sistema desse pode dar certo? Um sistema desse é caótico, não tem a menor condição. Então, tem que ser mudado. Tem que ser colocado claramente que as receitas têm que participar de um programa de controle para que um paciente que vá comprar numa farmácia, na farmácia, olhem e digam: "Não, senhor, o senhor já comprou na outra farmácia esses três; eu não vou lhe vender mais estes três". É bem simples fazer isso. E prontuário único.
Vamos lá. Eu vou fazer uma perguntinha rápida aqui: quantos de vocês aqui têm mais de um CPF? Levante a mão quem tiver mais de um CPF. (Pausa.)
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Ninguém tem mais que um CPF, não é?
E agora eu vou mudar a pergunta. Quem só fez um prontuário? Vocês já foram a médico, hospital, UPA, emergência... Quem só fez um prontuário aqui? (Pausa.)
Ninguém fez um prontuário.
Então, como é que a gente espera que saúde nesse país possa dar certo não tendo um prontuário único? Só dá certo saúde em países que têm um prontuário único: Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia. E por que é que nós não fazemos isso, não integramos? Nós sabemos disso, eles sabem desde a década de 70. Nós estamos pelo menos 50 anos atrasados. Eles têm excelentes políticas de prevenção de qualquer coisa, porque eles conhecem a população. A gente não, faz no achismo. Um prontuário único seria fantástico.
Aumento do número de ambulatórios especializados em saúde mental. Não dá para ser tudo no Caps. O Caps é para recuperar pacientes graves. Tem que ter ambulatório com psicólogos, com assistentes sociais e com psiquiatras, que facilitam enormemente e a um custo baixíssimo.
Aumento de leitos em saúde mental em hospital geral. Eu acho um crime o que fizeram com a saúde neste país. Esse país dizimou os leitos em hospitais psiquiátricos e não aumentou as unidades em hospitais gerais. Então, na minha opinião, o Senado tinha que criar uma lei em que, para cada leito desativado em hospital psiquiátrico, tinha que ser criado automaticamente um leito em hospital geral. Se não for assim, não rola, não vale. Não vale, não é correto. Porque o que vai acontecer é o que eu vou mostrar daqui a pouco, que é uma coisa triste para o nosso país.
Disponibilizar tratamentos que reduzem o índice de suicídio, eletroconvulsoterapia. Chegou-se aqui nesse país... O hospital que tinha uma máquina de eletro tinha redução das diárias de todas as outras clínicas. O hospital era punido por querer salvar vidas! Como é que isso é possível, pelo amor de Deus? Todos os guidelines de todo o mundo falam: risco de suicídio grave, uma das alternativas fundamentais é a eletroconvulsoterapia. Por que nós não fazemos isso, como todo mundo faz? Não; tem uma leitura hollywoodiana de que "ah, não.... eletroconvulsoterapia quer dar choque no cérebro". Salva pessoas! Dar choque no coração salva. Dar choque no cérebro também. Então, por que é nós temos preconceito? Quanto ao coração, não; coração, tudo bem, pode dar um choquezinho aqui. E é 100 vezes menos a voltagem que se dá no cérebro em relação ao coração. A gente aceita 100 vezes mais voltagem no coração. É um absurdo!
Disponibilidade de atendimento psicoterápico. Como é que a gente vai fazer terapia nessas pessoas? Não tem onde fazer. As pessoas ficam ao léu. Não dá de jeito nenhum pra que a gente possa imaginar que elas vão ter alguma melhora.
O que é que a gente propõe? A gente propõe isso. Nos Estados Unidos, houve uma coisa incrível. Isso aqui foi a redução de leitos psiquiátricos, à esquerda, e paralelamente, aumento de suicídios. Esse dado é lido e corrido no mundo inteiro. Tem pessoas que precisam de 24 horas de observação. E isso é feito no hospital. E eu estou falando de hospital, não estou falando de manicômio, não; não estou falando de depósito de gente, não. Hospital é para tratar a pessoa e devolvê-la para sociedade, ponto. É um hospital interdisciplinar, de curta duração. Não estou advogando aqui que a pessoa fique 10, 15, 30, 50 anos internada, não! Isso não é hospital; isso é depósito de gente.
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Bem, e aí tem uma grande coisa que a esquerda brasileira, especialmente a esquerda, fala: "Ah, a Itália! Ah, Veneza! Ah, a região de Veneza, que coisa linda, que coisa maravilhosa! Eles fizeram uma reforma fantástica que deve ser copiada...". Blá-blá-blá, blá-blá-blá. Vamos para os dados, vamos para a ciência!
Este dado é bem interessante, relativo a um experimento sobre o suicídio sob o impacto da Lei Basaglia. O que foi que houve? Aumento, aumento do suicídio! Por que é que isso não é divulgado também? Por que só divulgam uma parte da história? Divulgue a outra, cara, seja cientista, divulgue as duas partes! Não divulgue só a parte que lhe interessa, não; divulgue a outra também! Então, assim, é risco a gente não ter leito, é um risco bastante alto.
Outra coisa importante aqui: e na América Latina? Vejam bem, vou mostrar esse trabalho, que é muito interessante, não é? Vou mostrar o gráfico para ilustrar o que quero dizer.
Vamos ao gráfico.
Opa, perdão, apertei duas vezes.
O Brasil, se vocês observarem, é a terceira linha ali. Aí eu coloquei... O primeiro retângulo vermelho diz da diminuição de leitos por 100 mil habitantes aqui no Brasil. Vocês vão olhar que o Brasil é 83. Dificilmente algum outro país na América Latina reduziu tantos leitos quanto o Brasil, não tem. O Brasil já reduziu, já, assim, extinguiu, exterminou tudo; veio o eliminador do futuro e acabou com todos os leitos aqui.
Agora olhem a quantidade de leitos em prisões. O que foi que aconteceu com o nosso país? Ela aumentou estupidamente! Quem é que me garante que as pessoas que saíram dali não estão ali? A gente está fazendo o quê? Uma transinstitucionalização? Não; a gente devia ter aquele lar protegido. Fortaleza tem 3 milhões de habitantes e tem três lares protegidos, sendo que cada um recebe dez pessoas e está lotado. Então, se eu quero tirar essas pessoas que estão no hospital há muito tempo, eu tenho que construir lar protegido. Então, tem que ter uma lei... Eu tiro do hospital as pessoas cujas famílias já esqueceram e tudo mais e as coloco num lar protegido. Tem que ter esse amparo. "Ah, não, a rede..." A rede já está superlotada! A rede já não aguenta mais! Você tem que criar instituições que realmente abriguem e deem dignidade para aquelas pessoas. Não pode ser do jeito que está sendo.
Próximo.
Então, o que a gente propõe é a Rede da Vida: 100% das pessoas tinham transtorno mental; de fato, dos que morrem, 50% a 60% nunca constaram com profissionais de saúde. A gente tem que disponibilizar esse profissional de saúde para a população. E a Rede da Vida - moça saiu aqui, a do CVV... O CVV é um serviço que eu admiro muito, mas eles não encaminham! Eles têm que participar da Rede da Vida. O que a gente propõe é um telefone nacional para o qual a pessoa ligue e ouça: "Olha, você tem aqui, perto da sua cidade, o serviço tal, o profissional tal, o telefone é esse." E encaminhar imediatamente. Isso é o que tem que ser feito, e não dizer assim: "Ah, não; a vida é legal e tal, eu te compreendo". E aí? No outro dia, a pessoa está do mesmo jeito, porque ela não foi encaminhada para um profissional, para uma equipe de profissionais adequada. Então, todo mundo tem que contribuir para a construção dessa rede.
Aí a receita - eu já falei, não vou falar de novo -: a educação de profissionais da saúde. Foi feita de uma forma muito interessante... Na Inglaterra, eles fizeram a seguinte coisa: um turno por ano para DP, que é o médico de posto; de tarde, outro turno, um de manhã e outro de tarde durante o ano. Já melhorou muito o atendimento às pessoas com risco de suicídio.
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Uma coisa que eu acho horrível: você sair do hospital, você ter uma internação no hospital aumenta dez vezes o seu risco de suicídio, que já é imenso, mas, quando você tem a alta, aumenta muito mais nos próximos três meses. E me irrita muito no Ceará uma frase: "Agora procure um Caps". Eu fico brincando às vezes: vamos procurar o Caps, cadê o Caps? Onde é que esse Caps está? Ele está lá escondido. Ninguém encontra o Caps. Você aumenta cem vezes para mulheres e duzentas vezes para homens. Então, tinha que ter uma consulta daqui uma semana, quinze dias no máximo. Não; um sistema não se comunica com o outro, é esquizofrênico. Não dá para imaginar que você possa fazer saúde pública com um sistema tão ruim.
Bem, essa máquina é do ECT, demonizada, vilipendiada, e salva vidas; salva vidas extremamente. Hoje nós temos a cetamina que salva vidas, com custo baratíssimo. Ela tem que estar disponibilizada em todo o sistema para que a gente possa cuidar das pessoas.
Eu sei que as pessoas que se suicidam vêm de famílias que se suicidam. Por que é que eu não crio um programa especificamente para essas pessoas? Eu sei que ali vai ter mais suicídio, então eu vou acompanhar com lupa aquela família. Por que é que eu não faço isso? Por que é que o Estado não faz?
Isso é o que a gente fez em Fortaleza. A gente fez isto: colocou grade nessa Rua Nereu Ramos, entre a Godofredo Maciel e a Osório de Paiva. Nunca ninguém se suicidou. É simples, coloca grade que fica tudo legal.
Restringir o acesso aos meios: drogas ilícitas, tóxicos, venenosos. Isso tudo é extremamente importante. Às vezes no interior, às vezes no Rio Grande do Sul, que se usa muito veneno, tem que ter um controle maior sobre isso, porque as indústrias, as cidades que fumam ou produzem fumo no Rio Grande do Sul são as que tem mais índices de suicídios.
E uma coisa que eu faço em todo começo de Setembro Amarelo: eu tenho um acordo com a Secretaria de Saúde, e eles colocam um flanelógrafo, no começo da manhã ou no começo da tarde, e todos os estudantes escrevem por que vale a pena viver. No final da aula, há uma discussão sobre isso, uma discussão sobre a importância da vida, o que é que a vida oferece, o que é que a vida tem para fazer. Isso é superlegal! Isso é uma coisa que eu acho superbacana lá. Então, no primeiro dia de Setembro Amarelo, a gente começa por uma discussão com os estudantes. E, a partir daí, a gente identifica, encaminha e trata, porque não dá para não tratar.
Aí há essa questão do suicídio de 14 a 15 anos, como já foi falado, e essa notificação, que é uma notificação boa... Mas vejam bem o seguinte: eu notifico que a pessoa tentou suicídio ou fez uma autolesão, mas eu não trato! A portaria não fala de tratamento, fala de notificação. Notificação é papel, é registro. E a pessoa? Onde é que está a pessoa? A pessoa tem que estar em primeiro lugar. Então, eu posso notificar em 40 horas, em 24? Devo, mas eu também devo tratar a pessoa em 24 ou 48 horas. Por que só o papel, e não a pessoa? Desse jeito não dá, não rola. Não é possível ser assim.
Vamos lá. Então, para terminar, quem acha que saúde mental é importante... Está na hora de sair desses 2% de dotação orçamentária e está na hora de sair do verbo e entrar na verba. Se você diz que é importante, então entra na verba, não fica só no verbo.
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Eu sou contra o SUS, porque eu sou a favor do Suis, do sistema único integrado de saúde, porque, na minha opinião, cometeram uma grande esquizofrenia institucional. Criaram um Sistema Único de Saúde e o municipalizaram. Olhem que loucura mais doida! Então, cada cidade faz do mesmo jeito.
E o que é que eu vejo do SUS em cidades pequenas lá do meu Estado do Ceará? É uma Kombi, é um ônibus em que eles pegam os doentes da sua cidade, vão para Fortaleza se consultar e, à noite, levam esses pacientes de volta. Isso, para mim, obviamente não é saúde.
Então, eu acho que a gente tem que ter esse sistema todo integrado, facilitando com que esses dados sejam disponíveis, e criar uma lei que disponibilize... Porque é uma caixa-preta a Pefoce no Ceará. É uma caixa-preta. Eu tento abrir essa caixa: onde foi que aconteceram os suicídios? Quais são os locais? Eles estão se suicidando mais onde? Com o quê? Não, ninguém sabe. Eu acho que tinha que ter uma lei que dissesse assim: esses dados que se referem ao suicídio têm que ser vistos pelas universidades, todas as universidades, para serem estudados; e os da violência também. Por que é que esses dados são guardados a sete chaves? Isso eu não entendo.
Então, eu queria terminar... Esse é o símbolo do nosso Pravida. Quero dizer que o Pravida está à disposição, tem "n" mídias sociais: Facebook, Instagram - o que mais? -, LinkedIn; tem todos esses o Pravida. E o Pravida está extremamente disposto a ajudar as pessoas e a treinar as pessoas. A gente hoje é um centro de treinamento regional. Muita gente vem de outras cidades e de outros estados para serem treinados lá, no Pravida, e para nós é uma satisfação enorme, já que a gente é o ambulatório pioneiro em prevenção de suicídios no Brasil.
Eu queria agradecer especialmente ao Eduardo Girão esse convite sempre gentil e que sempre será atendido com a melhor das minhas disposições possíveis.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Eu quero dar um testemunho aqui, Vereadora, amanhã Deputada Federal, Priscila Costa, da resiliência desse homem, sabe, Deputado Osmar Terra? Ele já veio aqui... Depois que eu assumi, tanto na Câmara como no Senado, ele já veio muitas vezes. E faz sempre apresentações brilhantes como esta aqui, didáticas. É um dos maiores nomes do Brasil.
Você foi da Universidade de Edimburgo, não é isso?
O Dr. Fábio Gomes de Matos é um idealista, e eu acho que chegou a hora de sair do verbo - não para ele, porque ele está tentando -, mas precisa de nós aqui, Senadora Damares, eu acho que... Poxa, eu quero lhe agradecer muito por você estar aqui neste momento. É uma semana... Também, eu quero agradecer ao Deputado Osmar Terra. É uma semana morta aqui dentro do Congresso Nacional. Não teve... Foi tudo virtual.
E olhem que dados! A gente trouxe a Dra. Helena, daqui a pouco a gente vai ouvir o Ministério da Saúde, tantos outros participantes que aqui estiveram, mas essa síntese que o senhor trouxe aqui é um convite para a gente agir, porque eu começo a ficar com vergonha de tantas vezes assistir a isso, e a gente não produz uma legislação, não avança.
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Eu acho que... Temos, claro, em 2019, a legislação, que não está implementada, e a gente vai entender o porquê na sua plenitude... A gente não tem eficácia, mas ele trouxe aqui, de forma prática, que não há comunicação, que a gente precisa, realmente, partir para a prática. E não é só dinheiro. Dinheiro é fundamental, mas eu acho que está precisando desburocratizar algumas coisas, está precisando comunicação, não é, Dr. Fábio? E o Dr. Osmar Terra, o Deputado, até anotou algumas coisas. Não sei se ele quer falar um pouco.
O SR. OSMAR TERRA (MDB - RS. Fora do microfone.) - Vamos ouvir o pessoal.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Vamos ouvir.
Mas eu digo uma coisa: chegou a hora de a gente partir para uma prática mesmo. Então, tem o nosso gabinete, tem o gabinete da Senadora Damares, o meu... Eu já estava aqui comunicando com o pessoal. A Deputada, que é Vereadora hoje, amanhã Deputada Federal, a Priscila Costa, mas tem outros Deputados Estaduais com quem a gente se dá no Ceará, Deputados... Olhando logo para a nossa realidade ali, que é de aflição. Para a vida, é uma luz ali para nós. Mas o que nós podemos fazer na prática? O que nós podemos efetivar? O senhor deu ali as sugestões. Estão ali. Então, nós vamos começar a trabalhar.
Eu quero mais um pouco da sua paciência para nos ajudar, porque aqui são - não é, Senadora Damares? - muitas atividades ao mesmo tempo, e a gente acaba deixando, não dando o foco que se deve dar, e esse assunto está gritando, está... Enquanto a gente está batendo esse papo aqui, conversando, problematizando, Dr. Marcelo, tem gente que, infelizmente, está no desespero agora. E eu tenho certeza de que, com essas pessoas que estão aqui, com cargos importantes, a gente pode, efetivamente, deixar um legado aqui, porque a nossa passagem é breve. Eu já estou... Ainda bem que a Damares está chegando agora aqui, mas eu já estou na etapa final do mandato. Se eu puder, eu lhe peço aqui publicamente: pode cobrar mais de mim. "Aquele negócio daquele dia, você falou, e cadê?". Pode cobrar, pode cobrar, porque o tempo está passando, e eu vejo essa angústia do senhor, que já está trabalhando muito e ajudando, mas o poder público não está lhe respondendo. Nós não estamos respondendo para vidas da vida, pessoas que se dedicam, como vocês, como tantos outros que não estão aqui, mas estão vendo ou vão ver depois esta audiência.
Então, eu lhe faço este apelo: pode me cobrar mesmo, porque o senhor tem o meu contato direto aqui. "Cadê aquele negócio? Cadê o projeto? Vamos entrar!". Isso é uma forma de a gente se disciplinar também.
Muito obrigado.
Eu já passo a palavra...
Dr. Marcelo, se o senhor puder me dar um tempinho, porque a doutora...
Eu não sabia. O senhor vai ter que sair agora?
O SR. MARCELO KIMATI DIAS - Não, eu tenho um tempo ainda.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Tem um tempinho? Eu lhe peço para lhe passar a palavra logo depois da Sra. Alessandra Xavier, que é Professora e fundadora do curso de Psicologia da Universidade Estadual do Ceará.
Ela está conectada diretamente de Fortaleza, eu acredito.
É isso, Dra. Alessandra?
A SRA. ALESSANDRA XAVIER (Por videoconferência.) - Sim, exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Que bom!
Eu lhe passo a palavra e lhe agradeço pela participação.
A senhora tem 15 minutos, com a tolerância da Casa.
A SRA. ALESSANDRA XAVIER (Para expor. Por videoconferência.) - Muitíssimo obrigada, Senador, pela pauta.
Quero cumprimentar os demais colegas. Um abraço para o Prof. Fábio, sempre parceiro dos trabalhos que a gente realiza.
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Quero fazer uma breve audiodescrição para quem esteja nos assistindo. Sou uma mulher branca, com cabelos castanhos claros, já com traços de cabelos brancos, uso óculos, batom vermelho e atrás de mim tem uma estante com vários livros.
Desse lugar de onde eu falo, eu trago aqui a experiência e o trabalho que a gente tem desenvolvido ao longo de décadas aqui também no Estado do Ceará, principalmente nesse período de pandemia, nós passamos a pandemia trabalhando. Fizemos projetos com rodas de conversa com mais de 3 mil adolescentes. Desenvolvemos, em 2019, um programa de prevenção ao suicídio nas escolas com 15 escolas públicas, onde trabalhamos com mais de 500 adolescentes, envolvendo 23 alunos de Psicologia, num projeto amplo de cuidados, de forma longitudinal, em que levamos nove meses, porque o cuidado não pode ser pontual, ele tem que ter dimensão de continuidade. E nesse programa, que foi o Guardiões da Vida nas Escolas, somente para vocês terem ideia, em um mês, conseguimos bloquear 67 tentativas de suicídio, só para a gente mostrar como essas ações são importantes.
Também aqui a minha fala, tem a fala dos usuários da rede de saúde mental, tem aqui na minha fala a dos trabalhadores da área de saúde mental, porque a gente tem realizado estudos e pesquisas, e tem principalmente a fala dos adolescentes com quem eu tenho trabalhado ao longo desses anos.
Nós desenvolvemos durante a pandemia um projeto amplo com o Unicef, nós trabalhamos com mais de 2,5 mil municípios do país na construção de um fluxo de saúde mental para crianças e adolesces e temos trabalhado também junto à Fiocruz. Está à disposição de qualquer pessoa uma formação, um aperfeiçoamento em saúde mental de crianças e adolescentes, feito de forma online e totalmente gratuita, e temos integrado ações, aqui no Estado do Ceará, de estudos, pesquisas e intervenções junto ao Ministério Público no programa Vidas Preservadas.
Então, tem muita coisa, muita sugestão, mas tenho de ser rápida. Por que a gente está aqui? Por que a gente está aqui em uma Comissão do Senado para poder discutir essas questões tão valiosas? Porque para a gente pensar saúde mental a gente precisa de um projeto democrático. Saúde mental é um projeto coletivo, a nossa saúde mental é o que nos permite ter a capacidade de lidar com a realidade, de integrar as nossas emoções, de poder amar, de poder trabalhar, de sermos capazes de lidar com as intensidades emocionais que nos habitam, de sermos capazes de lidar com as escolhas, de sermos capazes de nos proteger, de sermos capazes de usar os nossos melhores recursos e garantir a nossa vida.
Então, essa intensidade de aspectos da saúde mental não acontece de forma espontânea. Para um sujeito construir a possibilidade de estar bem consigo, ele precisa ter um projeto relacionado com aquilo que acontece no espaço e no tempo, a subjetividade e a saúde mental se constroem no espaço e no tempo.
Então, a agenda mais importante deve ser cuidar da vida das pessoas. Quando nos sentimos desamparados, desesperados, inseguros, sem acreditar que existem soluções para os problemas, isolados, sem acesso a uma rede de cuidados intersetoriais, ficamos mais adoecidos.
Precisamos nos sentir seguros, conectados, protegidos; quando ocorrem inseguranças, instabilidades; quando diante dos problemas não existe suporte interno de autoestima, esperança e criatividade; quando o mundo externo não chega através das políticas públicas a situação é de desespero e de agonia. Cada vez que esta Casa aprova algum projeto que reduz garantias de trabalhador, que fragiliza o Sistema Único de Saúde, que desprotege mulheres, negros, índios, adolescentes, população LGBTQIAPN+, nós nos tornamos mais desesperançosos, em risco de questionar a vida. Precisamos da ajuda protetiva da lei, com os limites cuidadosos, não com a barbárie e a violência do desamor, porque a morte começa na invisibilidade dos cuidados, no abandono, na aridez política que transforma a pólis em um lugar excludente. Precisamos de arte, de manter a capacidade de sonhar, dos projetos coletivos que pulsem vida, da espiritualidade, encarnada na dimensão da fraternidade, na solidariedade; precisamos da proteção a adolescentes vítimas de violência sexual, investimentos nas universidades públicas para estudos, pesquisa e formação de profissionais de atenção psicossocial, porque, se a nossa condição humana nos coloca suscetíveis à dor, ao medo, à angústia, ao desespero, também nos oferece a possibilidade do vínculo, da esperança, do cuidado, da criatividade e do amor.
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Então, é muito importante a gente entender o que acontece neste espaço e tempo contemporâneo. A gente está saindo de um contexto terrível de pandemia, impactos de luto, todos os estudos apontam os efeitos do luto prolongado sobre a saúde mental. Pessoas com depressão maior, esquizofrenia, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, têm uma morte prematura 40% a 60% mais frequente do que a população em geral. O impacto mundial do acúmulo dos transtornos mentais vai levar, até 2030, a perdas na ordem de US$16 bilhões, isso segundo dados da Escola de Saúde Pública de Harvard. Entretanto, o gasto mundial anual de saúde mental é inferior a US$2 por pessoa, e nós temos 1 milhão de pessoas com transtornos mentais no mundo.
Então, nesse contexto, em que nós adoecemos, a gente tem que pensar que os transtornos mentais se relacionam com as condições materiais da vida, sim. A gente tem estudos de epigenética que mostram isso, que elementos desse contexto contemporâneo de consumo, medo do fracasso, cultura do excesso, desemprego, influência das redes sociais, inteligência artificial, fragilidade dos vínculos, aumento do isolamento e da solidão, dificuldade com a alteridade, narcisismo, essa rapidez na relação com o tempo, essa competição predatória, a necropolítica, a retração dos projetos coletivos, essas demandas ambientais, uma crise ampla no cuidado, na ética, a fragilidade dos processos simbólicos... A gente sabe da importância da arte, da capacidade de a gente construir um pensamento complexo para não ficar na impulsividade da dor; sem a construção de um pensamento simbólico, a gente não consegue articular a sensação, o pensamento, nem ler a realidade. Sabe da importância do aumento dos índices de violência.
Então, nós temos grandes questões humanas que sempre vão estar presentes ao longo da história. E quais são as respostas que precisamos dar? Eu trago aqui algumas sugestões, a partir de estudos, pesquisas e principalmente a partir das recomendações da Organização Mundial da Saúde naquilo que foi elaborado como um plano de saúde mental compreensível, com metas até 2030. Então, precisamos de intervenções na primeira infância, ações de saúde mental que acompanhem os processos de desenvolvimento. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 50% dos transtornos mentais começam aos 14 anos de idade. Onde estão as políticas públicas para os jovens? Órfãos de covid, crianças e adolescentes em situação de violência doméstica, violência sexual, em ambientes dominados por facções. Quais as políticas para suporte familiar que envolvam saúde mental, pré-natal psicológico incluindo saúde mental, que nós não temos, empoderamento socioeconômico das mulheres, apoio social para as populações vulnerabilizadas, grupos que precisam de apoio de políticas de saúde mental, população indígena, comunidades tradicionais, migrantes, indivíduos afetados por conflitos e desastres, pessoas em restrição de liberdade, população LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência, pessoas em situação de restrição de liberdade, população negra, que tem um risco 45% maior em relação à população branca entre os 10 e 19 anos de idade? Onde estão as atividades de promoção em saúde mental nas escolas? Esse projeto que eu relatei para vocês, em que a gente trabalhou com 500 adolescentes, durante nove meses, e em que conseguimos bloquear 67 tentativas em um mês, os Guardiões da Vida, foi feito sem R$1 de recurso, sem R$1, sem R$1! Durante o doutorado, quando eu desenvolvi um protocolo clínico de prevenção ao suicídio, que está publicado pela associação americana de prevenção ao suicídio, que é a revista de mais alto impacto, na época, eu não tive nem bolsa de financiamento para o doutorado, porque foi considerado irrelevante. E os dados que a gente encontrou são dos melhores da literatura mundial, porque a gente desenvolveu um RCT, um protocolo clínico padronizado.
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Onde estão as atividades nas escolas pela Lei 13.935/2019, que prevê psicólogo e assistente social, mas a gente sabe que está sendo feito um arremedo - um psicólogo para 15 escolas, 16 escolas?
Quais as ações de enfrentamento à violência, bullying, preconceito, violência sexual, desenvolvimento de habilidades para lidar com a vida, que é um elemento hoje colocado como prioritário para a prevenção de suicídios? Como é que eu vou lidar com a dor, com o medo, com a angústia, com a intensidade das minhas emoções, com as questões de desenvolvimento, as fantasias de morte, as dúvidas em relação ao trabalho, a pressão familiar, os projetos que envolvem saúde mental dos professores, as ações que precisam ser realizadas de saúde mental no trabalho? Por exemplo, existe alguma fiscalização, algum monitoramento de empresas que possuem alto percentual de funcionários afastados por doenças, por burnout, por transtorno mental comum? Deveria haver um percentual que pudesse implicar cobranças de saúde mental naquela empresa, porque dados da Previdência Social apontam que, em 2021, 75 mil pessoas se afastaram do trabalho por conta da depressão, que está entre as principais causas de afastamento do trabalho, e que, no Brasil, 37% dessas licenças médicas são por causa de depressão.
Temos a Política Nacional de Saúde do Trabalhador, mas e as ações de saúde mental no trabalho? Onde estão os programas de saúde mental para trabalhadores da saúde, da educação, da assistência social, para aqueles profissionais que estão em condição de luto prolongado?
Políticas de habitação, programas de prevenção à violência, programas de desenvolvimento comunitário, redução da pobreza e proteção social para os pobres, leis e campanhas contra a discriminação - porque temos um alto nível ainda de estigma e preconceito sobre as questões do sofrimento psíquico -, promoção de direitos, oportunidades, autonomia e cuidados dos indivíduos com transtornos mentais, ampliação da rede de atenção psicossocial, que não é somente Caps? Onde está a formação continuada para os profissionais da atenção básica em saúde mental? Nós temos um curso produzido pela Organização Mundial de Saúde, o Mental Health Gap, que é maravilhoso no sentido da detecção precoce, no acompanhamento de sintomas leves para que não se agravem ou não se tornem crônicos.
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Onde estão as verbas para a formação intersetorial? Para a supervisão clínica e acompanhamento dos casos e dos projetos terapêuticos singulares? Hoje em dia, se você quiser dar uma formação em saúde mental, você só consegue dar por nichos, para a área da saúde. Você não tem uma verba para juntar uma formação intersetorial. E eu digo isso porque nós criamos a primeira formação durante a pandemia, de forma online. Passamos seis meses numa parceria com o Unicef aqui, envolvendo 360 profissionais de 120 municípios, que eram um da educação, um da área da saúde e outro da área da assistência social. Porque, se eu não tiver uma compreensão complexa do fenômeno, como é que eu vou trabalhar em rede?
Temos o grave problema da rotatividade dos profissionais - e a gente sabe que o vínculo, uma aliança terapêutica é fundamental para os cuidados em saúde mental.
As fichas de notificação não possuem espaços para o acompanhamento adequado e a coleta de dados para transtorno mental. Precisamos rever as fichas de pesquisa do IBGE, as fichas de notificação do Sinam, porque temos uma carência de dados. Precisamos de programas informatizados, de integração de prontuários.
Precisamos de extinção do financiamento das comunidades terapêuticas, porque relatórios do Conselho Federal de Psicologia e do Ministério Público têm apontado reiteradamente os impactos contra a dignidade humana e violações de direitos, além da falta de diretrizes apoiadas em evidências científicas de tratamento.
Precisamos fortalecer a Raps, com ampliação de financiamento; investir em recursos de fortalecimento da saúde mental de base comunitária. Precisamos da implementação de ações e programas de saúde mental com continuidade, realizadas a partir de evidências científicas; parceria do Governo, sociedade civil, movimento social, universidade; formação continuada para lidar com a complexidade da vida; elaboração dos planos nacional, estaduais e municipais de saúde mental e de prevenção ao suicídio.
Concordo com o Prof. Fábio: você faz a notificação, no caso de adolescente; vai para o conselho tutelar... E depois? E o acompanhamento? E a intervenção? E o seguimento disso?
Precisamos da ampliação das equipes multiprofissionais de atenção especializada em saúde mental (AMENTs), os ambulatórios, que vão ajudar a ampliar a atenção especializada e fazer essa articulação da atenção primária com a saúde especializada; do fortalecimento dos NASFs (Núcleos de Apoio à Saúde da Família).
Os desafios: temos a necessidade de formação de equipe intersetorial, de cuidados longitudinais que atentem ao desenvolvimento humano, políticas para criança, para idosos - fui avisada que o tempo está terminando -, autonomia das pessoas com transtorno mental.
Precisamos discutir os espaços comunitários, principalmente qualificar os profissionais da atenção básica, ampliar ações intersetoriais, melhoria das condições de trabalho, necessidade de espaço e discussão dos casos clínicos, capacitação continuada em serviço, atividades territoriais com suporte sistemático, garantia de suprimento de fundo para materiais e oficinas desenvolvidos pelos Caps e garantia de capacitação em saúde mental a todos os trabalhadores, independentemente da condição de vínculo trabalhista.
Muitíssimo obrigada.
Desculpem, não poderei ficar até o final porque tenho compromissos de trabalho, mas queria só deixar a mensagem de que a mesma caneta que pode cuidar e proteger pode decretar a morte, diante da invisibilidade das políticas públicas e da falta de recursos para a saúde, assistência e educação.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muito obrigado, Dra. Alessandra Xavier, Professora e fundadora do curso de Psicologia da Universidade Estadual do Ceará.
Deu para ver aí, na sua janela, uma brisazinha, que dá uma saudade aí... (Risos.)
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Vamos lá!
Eu vou já passar a palavra ao Dr. Marcelo Kimati Dias, Assessor Técnico do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde.
Muito obrigado pela sua presença, Dr. Marcelo; fique à disposição. O senhor tem 15 minutos, com a tolerância desta Casa, para fazer a sua exploração.
O SR. MARCELO KIMATI DIAS (Para expor.) - Muito obrigado, Senador Eduardo Girão. Eu queria agradecer, em nome do Ministério da Saúde, a gente estar aqui. Eu queria elogiar também - eu acho que é importante elogiar - a condição republicana com que está se dando este debate. Acho que de uma certa forma isso honra a importância deste tema, que é absolutamente inegável e dispensa, inclusive, uma descrição.
Eu acho que é importante eu fazer uma pequena apresentação. Eu sou médico psiquiatra de formação e sou professor de saúde coletiva. E aí, nesse sentido, eu acho que tem algumas questões que foram levantadas em relação à política de saúde mental no país que são importantes de serem colocadas, uma vez que aqui estou representando o desenvolvimento de uma política.
A gente entende, logicamente, que os transtornos mentais fazem parte de fatores importantes de risco, eles estão de fato associados epidemiologicamente às taxas de suicídio, mas a gente não os considera como fatores únicos associados a essas variações de taxa. Então, é importante a gente entender, como bem citou a Dra. Helena, que vários outros fatores estão associados a essas taxas aumentadas ou diminuídas. Isso torna as questões relacionadas a suicídio de uma altíssima complexidade e multifatoriais, como também já foi citado aqui em duas apresentações anteriores. E essa multifatorialidade tem que ser enfrentada como um desafio no desenvolvimento de políticas públicas. E isso cria também a necessidade de as políticas de prevenção ao suicídio terem diversos eixos.
Eu acho importante falar, dar alguns exemplos em relação a essa multifatorialidade, porque foram citadas, em algumas situações aqui, as altas taxas de suicídio no Estado do Rio Grande do Sul.
Eu estudei, há algum tempo, alguns artigos de algumas cidades do interior do Rio Grande do Sul, onde justamente, como foi citado, eles trabalham e têm como principal atividade econômica a plantação de tabaco. O que é interessante é que as altas taxas de suicídio nesses municípios se aproximam de taxas altas de suicídio de outros municípios de outros estados na Região Sul que apresentam também a mesma atividade econômica, a mesma disponibilidade de meio de suicídio, que já foi citado aqui também, que são os organofosforados, mas que, além da disponibilidade de meio, apresentam também uma mesma forma de processo de trabalho e organização de trabalho em campo e de acesso à terra.
Então, nós achamos muito importante que esses fatores sejam considerados quando a gente faz uma discussão de prevenção ao suicídio, porque, se a gente considera que esses fatores não são exclusivamente no campo da saúde, muito menos da psiquiatria, eles interferem nessas taxas, a gente tem que pensar que as políticas de prevenção e de cuidado com as pessoas que fizeram tentativas de suicídio têm que abordar também esses fatores, porque eles estão associados, e a literatura os aponta muitas vezes como consenso. Isso nos ajuda a evitar que as políticas sigam por caminhos que podem ser simplistas.
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Então, eu vou dar um exemplo de uma situação que foi citada aqui, e nós temos que tomar muito cuidado com este tipo de interpretação. Uma interpretação que estabelece, por exemplo, a vinculação da diminuição do número de leitos psiquiátricos com os aumentos de taxas de suicídio - que é um dado que, de fato, é bastante divulgado dentro do sistema de saúde nos Estados Unidos - fala de um sistema que não é público, que não é de acesso universal e cuja diminuição de leitos não foi acompanhada por surgimento de novos serviços de base comunitária e de acesso pleno. A gente entende que essa rede, de fato, tem que se expandir e ela se encontra... Existe uma necessidade muito grande de expansão. Nós tivemos um apagão nesse processo de expansão ao longo dos últimos anos. Da mesma forma, esse valor, esse percentual do orçamento que foi citado pelo Dr. Fábio, de 1,8%, foi um recorde de baixo investimento na área de saúde mental, o que foi acompanhado no ano retrasado e no ano passado e que diminuiu muito no período, por exemplo, em que nós tivemos o Programa Crack, É Possível Vencer, em que se ultrapassaram 3%. Mas a gente entende que esse orçamento, de fato, tem que aumentar - da mesma forma que a rede tem que se expandir.
Então, eu vou fazer uma apresentação e vou falar de alguns dados que a gente considera importantes no desenvolvimento dessas políticas de prevenção e que muitas vezes não estão associados exclusivamente a fatores psiquiátricos, mas que têm relevância, e a literatura internacional aponta isso como consenso.
Esses dados que eu estou apresentando, como todos os dados que vão ser apresentados aqui, são dados gerados pelo próprio Ministério da Saúde a partir da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Eles mostram o desenvolvimento e o aumento das taxas de suicídio ao longo dos últimos anos e mostram também que, ainda que a gente tenha tido um aumento mais exacerbado dessas taxas durante os últimos dois anos, isso era um processo de elevação que já estava em andamento, principalmente a partir de 2016 - e eu vou falar de 2016 como um marco, porque existem algumas populações que se tornaram particularmente vulneráveis ao suicídio e que tiveram uma taxa bastante aumentada. Esses dados que eu vou apresentar dialogam bastante com os dados que a Dr. Helena apresentou, principalmente em relação ao período da pandemia, porque eles mostram que alguns processos que já vinham em andamento, já vinham em expansão com alguns aumentos de taxas de algumas populações específicas, se exacerbaram durante esse período da pandemia, como foi bem apontado por ela inclusive.
Nós temos no Brasil uma taxa que não chega a 10%... Desculpem-me: são 10 suicídios a cada 100.000 habitantes. Eu solicito, inclusive, para o Dr. Fábio que nos encaminhe esse artigo que foi citado, porque ele mostra uma taxa da população global brasileira que é bastante acima de qualquer tipo de estimativa que já foi feita pelo Ministério da Saúde em qualquer momento.
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Não sei se se trata de uma população específica, mas, quando a gente olha as curvas e a gente olha a distribuição dessas curvas por idade, a gente percebe que não existe, em nenhum momento, uma taxa que ultrapasse 7% ou 8%. As taxas mais altas, quando a gente pensa em regionalização, realmente estão na Região Sul. Esse município que eu citei, Santa Cruz do Sul, como alguns outros municípios em que eles têm atividade econômica e eles têm um acesso à terra, como eu estava descrevendo, chegam quase a 20 óbitos, então, muitas vezes, até três vezes maior, 300% maior do que a gente encontra na população global.
E, aí, a gente começa a perceber que existem algumas diferenças no aumento dessas taxas ao longo dos últimos anos e, principalmente, a partir de 2014. E essas diferenças falam a respeito de algumas populações específicas. A gente teve um aumento sustentado de mortes por suicídios em menores de 14 anos ao longo dos últimos anos, um aumento das taxas entre adolescentes e um aumento, principalmente, da população mais idosa, acima de 70 anos.
A gente tem uma distribuição por gênero, que é uma característica da literatura mundial: é consenso que a gente tem há muitos anos a identificação, dentro de pesquisas e dentro de estudos de taxa, que as taxas de suicídio são muito mais altas na população masculina, ainda que exista um risco muito maior de tentativas de suicídio na população feminina.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Dr. Marcelo, só... Sem interrompê-lo, mas já o interrompendo, o senhor falou uma coisa que eu perguntei ao gaúcho aqui, sobre Santa Cruz do Sul, cidade que o senhor citou, essa região onde tem um cultivo do tabaco: há relação à cultura germânica, que ocupa aquela área lá, basicamente, ou é do tabaco em si? Tem algum estudo ou está previsto que o ministério mostre a prova disso, por que é tão alto o índice naquela região? Qual é o efeito disso?
O SR. MARCELO KIMATI DIAS - As taxas de suicídio no Rio Grande do Sul e no interior, nesses municípios, são exaustivamente estudadas. A literatura é bastante ampla em relação a isso. Na verdade, as taxas no Rio Grande do Sul são estudadas do ponto quantitativo e qualitativo. Existem alguns estudos, por exemplo, que são qualitativos e que investigam, por exemplo, qual é essa relação do acesso à terra e a mudança dos processos econômicos dentro desses municípios, porque a terra migra de pequenos produtores para pessoas que começam a arrendar a terra para a produção de tabaco, e eles perdem o acesso à propriedade, e isso tem uma associação.
Mas uma outra associação, e isso é absolutamente consenso na literatura, diz respeito a acesso a meio; acesso a meio é você ter disponibilidade de acessar alguma coisa que crie uma tentativa letal, que é no caso de arma de fogo. Então, o aumento das taxas de suicídio em populações que não regulamentam acesso a arma de fogo é unânime - foi apresentado inclusive pelo Dr. Fábio. Da mesma forma, o acesso, também foi apontado por ele, a alguns fertilizantes, organofosforados que têm um efeito letal quando ingeridos - isso também é consenso.
Então, como todo fenômeno em que a gente identifica taxas muito maiores de suicídio dentro de uma determinada população, não é possível identificar um só fator. Todos eles são multifatoriais, e é por isso que a gente entende que o suicídio é um fenômeno complexo e heterogêneo. As políticas têm que obedecer a essa lógica da heterogeneidade.
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A gente vai ver mais para a frente que, por exemplo, as taxas que a gente tem de suicídio entre a população indígena e povos originários são muitas vezes maiores do que as da população brasileira em geral. Ao mesmo tempo, a gente tem identificado, ao longo dos últimos anos, um aumento desproporcional de suicídio entre populações negras, principalmente entre jovens que têm dificuldade de acesso ao mercado de trabalho. Então, as políticas preventivas têm que obedecer a essa heterogeneidade, a essa particularidade principalmente de populações que são mais vulneráveis. A ideia de pensar em ações preventivas que entendam o fenômeno do suicídio como um fenômeno homogêneo e um só, sem respeitar essas diferenças entre populações específicas, não costuma funcionar. Ainda que a gente tenha tido uma criação de uma lei - e essa lei é muito interessante, é muito importante que exista essa ferramenta dentro do Executivo para desenvolver não só estudos, pesquisas, mas executar algumas ações em relação ao suicídio -, a gente teve um aumento muito importante em relação às taxas nos últimos anos. Isso nos faz pensar que a gente precisa entender essa heterogeneidade e criar programas específicos para algumas situações.
O que a gente vê hoje é que existem riscos diferentes para populações diferentes. A gente tem um aumento considerável em taxa de mortalidade por suicídio em pessoas idosas, em pessoas mais jovens. Ao mesmo tempo, nós identificamos que a partir... E aí entra essa discussão sobre a complexidade e a importância de a gente entender esse fenômeno em uma associação com fenômenos médicos, questões médicas - por exemplo, adoecimento, uso de álcool e drogas -, mas também com fenômenos sociais.
A gente tem na literatura também muitos estudos que apontam, como a Dra. Helena já mostrou, que, em algumas situações de crise, de perda de coesão social, empobrecimento populacional, sucateamento de políticas sociais e de assistência social e saúde, ou seja, com diminuição do investimento, conforme o Dr. Fábio falou, que houve ao longo desses últimos quatro anos nas políticas de saúde, nós temos incremento das taxas de suicídio na população geral, e essas taxas aumentam de uma forma heterogênea com base em populações que são mais vulneráveis. Então, tem mais desemprego. Onde esse desemprego atua mais? Quais são as populações que estão mais sujeitas a esse desemprego? Quais são as populações que dependem mais de algumas políticas sociais e que são mais atingidas durante períodos de crise no país? Foi isso que a gente verificou no Brasil. A gente verificou aumento de taxas de suicídio em população negra, aumento de suicídio em populações indígenas.
Como a gente mostra aqui, no caso dos indígenas, há um dado de um óbito por suicídio três vezes maior do que a média nacional. Isso está associado, sim - e nós não vamos negar a importância dos transtornos mentais -, está, sim, relacionado a um acesso maior ao álcool e a transtornos de humor, principalmente quadros depressivos, mas, por sua vez, esse fato também está relacionado a processos de aculturação. E, ao mesmo tempo, a gente tem aumento de assassinatos. Então, são populações que vivem numa situação de maior vulnerabilidade, maior risco, maior tensão ao longo do tempo e, como nós pudemos ver, existe uma falta de acesso à alimentação e à saúde nessa população, desesperança, sofrimento e processos de aculturação que são muito intensos e que ficaram muito mais intensos durante esses últimos anos...
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(Soa a campainha.)
O SR. MARCELO KIMATI DIAS - ... e, principalmente, como foi apontado, em períodos de crise.
Ao mesmo tempo, a gente tem que pensar em políticas públicas que abordem a questão da raça em função dessa identificação de vulnerabilidade. Então, Senador, em 2012, para cada cem suicídios de adolescentes brancos, nós tínhamos 134 entre negros. Já em 2016, a gente pula para, de cada cem suicídios de adolescentes e jovens brancos, 150 entre negros. Então, tem um risco que é crescente, e esse risco que é crescente envolve raça, envolve idade, envolve gênero, envolve classe social, acesso ao trabalho e desenvolvimento de políticas sociais que não só são afirmativas, mas que passem a ser protetivas. E aí, as ações que vêm sendo desenvolvidas e que vêm sendo articuladas andam muito nesse sentido.
Então é importante, é muito importante essa ideia de fazer uma ampliação da rede assistencial e uma retomada de habilitação de serviços. O sistema para habilitação de novos serviços de saúde mental dos Centros de Atenção Psicossocial, que, como apontou uma pessoa que entrou em contato via internet, existem estudos que mostram, de fato, uma diminuição de taxas de suicídio em municípios que têm serviço de atenção psicossocial, isso é muito fácil de entender, são serviços que funcionam de porta aberta, aumenta o acesso ao cuidado dessas pessoas e diminui a vulnerabilidade da população em geral.
Então, eu acho importante dizer isto: se nós associarmos suicídio a transtornos mentais, nós associamos suicídio a problemas que são crônicos, são recorrentes e cujo tratamento precisa ser baseado no vínculo e no acompanhamento longitudinal. Quando falamos que nós temos problemas crônicos, eu acho que é muito importante fazermos esse paralelo com outros problemas como, por exemplo, hipertensão. Foi apontado pelo Dr. Fábio que nós temos prevalência altíssima de problemas relacionados à saúde mental no país e no mundo. Com taxas assim, nós não podemos pensar em ações que estejam voltadas para um recorte muito pequeno e muito específico do momento, um problema que é crônico e recorrente. Então, se nós temos, por exemplo, prevalência muito alta de transtornos de humor, essas pessoas, talvez em algum momento, precisem de um acompanhamento leito, mas elas vão ser a minoria. A nossa grande questão hoje de cuidado em saúde mental é acesso. Então nossa rede tem que se expandir.
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E o que a gente teve nos últimos dois anos, praticamente, entre fevereiro de 2023 e o final de 2019, um ano e pouco, foi uma paralisação em relação à habilitação e ao credenciamento de novos projetos de serviços de saúde mental. Então, uma rede que se encontrava num processo de expansão, teve um achatamento desse processo, se a gente for ver um gráfico dessa expansão. E, ao mesmo tempo, durante esse período, também, durante o período da epidemia, da pandemia, e isso é apontado pela Dra. Helena, nós não tivemos diretrizes do funcionamento dessa rede em função da nova realidade de saúde. Então, os municípios organizaram o funcionamento dos serviços de saúde mental a partir de algumas variáveis que não diziam respeito à saúde mental. Por exemplo, fechamento de Caps em função de ocupação de leito de UTI. Eram dados que não diziam respeito, necessariamente, à saúde mental. E não se pensou em estratégias. Então, nós tivemos uma paralisia em relação ao campo assistencial. Isso, a Dra. Helena mostra muito bem, porque, na medida em que você diminui o atendimento de problemas crônicos, você aumenta o número de atendimentos em relação a urgências. Esse é um perfeito retrato do que aconteceu durante o período da pandemia. Nós não tivemos diretrizes. A rede de atenção psicossocial, que conta com um conjunto enorme de serviços, não teve diretrizes de funcionamento, e a gente teve um aumento de taxas de suicídio e de atendimentos de urgência e emergência. Aí, sim, nessa situação, a rede acaba precisando mais de leitos e de atendimentos de urgência.
(Soa a campainha.)
O SR. MARCELO KIMATI DIAS - Internações e atendimentos de urgência em saúde mental são potencialmente evitáveis e, como qualquer acompanhamento, em relação a problemas crônicos, essa é uma meta a ser alcançada. Ao mesmo tempo, ações que a gente entende...
Diminuição e indisponibilidade de meios letais e a regulamentação em relação a porte de arma, em relação à disponibilidade de arma, são importantes. Concordo com o Dr. Fábio. A gente tem que pensar em formas de diminuir o acesso a substâncias, como fertilizantes, que possam ter um efeito letal durante a ingesta.
Fortalecimento de políticas afirmativas com participação da sociedade.
Retomada do grupo de trabalho interno do Ministério de Saúde para a condução de uma política preventiva.
Então, dentro dessa avaliação em relação à execução da lei, é importante lembrar que a comissão que existia, o Comitê de Prevenção ao Suicídio, deixou de existir em 2019, junto com o fechamento de vários conselhos. E para a retomada, agora, para reatualizar esse comitê dentro da lei e alinhar à presente lei, é preciso um decreto, mas precisa existir uma reposição em função da mudança da estrutura dos Ministérios e da participação de outros Ministérios, não só do Ministério da Saúde.
Ao mesmo tempo, então, com a retomada desse comitê interministerial para a condução da política a partir de uma nova configuração do Governo... Foi citado aqui esse alinhamento necessário ao plano da Opas de diminuição de taxas de suicídios nas Américas com base em especificidade e complexidade. Então, a Organização Mundial de Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde já preveem que devem existir ações diferentes, que garantam cuidado e prevenção, se necessário, para situações que tenham um dimensionamento epidemiológico diferente. E importante: política afirmativa de fortalecimento de políticas sociais, de diminuição de vulnerabilidade e de garantia de direitos humanos.
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Foram citadas aqui, por exemplo, quais são as ações feitas para diminuição das taxas de suicídio entre populações em situação de rua. É importante dizer que o atual Governo desenvolve políticas específicas a partir da criação de um departamento dentro do Ministério de Direitos Humanos. Então, quando a gente toma a ideia da necessidade de políticas intersetoriais, articuladas, o que foi apontado aqui e com o que nós estamos de acordo, isso torna as políticas muito mais complexas e a necessidade de que elas sejam feitas junto a outros ministérios.
(Soa a campainha.)
O SR. MARCELO KIMATI DIAS - Eu acho que deu para ter um panorama. Eu acho que é um debate que é necessário ser continuado. Gostaria de elogiar novamente este ambiente republicano em que se faz esse debate que, de fato, é uma preocupação de todos nós.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Senador.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muito obrigado, Dr. Marcelo Kimati Dias, assessor técnico do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde.
A Senadora Damares está pedindo a palavra.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF. Pela ordem.) - Obrigada, Presidente.
Eu sei que nós temos mais um orador, mas, como o senhor até anunciou, nós estamos em poucos Senadores na casa hoje. Os que estão, estão sendo muito demandados. Eu estou com pessoas já há duas horas me aguardando. Prometo assistir à última apresentação. Quero registrar o cumprimento a ele e aos demais que já falaram, ao Deputado Osmar Terra também, meu parceiro e amigo.
Eu tenho perguntas para todos os senhores, mas não vou fazer, prometo. Eu vou ser muito rápida aqui. E até vou pedir permissão para enviar, posteriormente, as perguntas diretamente aos senhores, mas eu precisava me manifestar, porque o objetivo desse requerimento, além de a gente ver um panorama geral sobre o suicídio e a automutilação, é também a gente avaliar a política pública. E eu gostaria de sugerir um encaminhamento, Senador Girão. Nós temos que agradecer muito ao Presidente da Comissão, o Senador Humberto, que foi Ministro, tem uma sensibilidade a esse tema muito grande. Sugiro a gente, possivelmente, criar um grupo de trabalho interno. Não dá para criar uma subcomissão, porque eu estou disputando a criação de uma outra sobre crianças e adolescentes, mas a gente vai precisar acompanhar. E vou dizer uma coisa: é socorro. É socorro. É um clamor. A gente vai ter que acompanhar o Ministério da Saúde nas respostas.
Entendo, Dr. Marcelo, como é difícil lidar com um tema tão sensível e que o horror está posto. Em Brasília, eu estive agora, recentemente, com uma rede de hospital de Brasília. A segunda causa de internação nessa rede é a tentativa de suicídio. Nós estamos chegando ao horror no Brasil. A gente já viu ali a indicação dele, que é o número de mortes entre adolescentes, e os dados que ele traz são de 2019. A gente já tem anúncio de que a segunda causa de morte entre adolescentes é o suicídio. E nós vamos ter que nos debruçar sobre isso. Nossos meninos estão se matando. E eles estão tentantes. Todos os dias a gente lida com esse tema. Enquanto nós estávamos aqui, sai uma servidora da Câmara agora e me chama aqui atrás. É isso que acontece comigo o tempo todo. Dentro desta Casa, fora desta Casa, na rua, em todos os lugares, os pais estão gritando por socorro. Não é uma, duas vezes que eu estou numa audiência pública, o servidor identifica em que Plenário eu estou e corre por socorro. Nossos colegas aqui na Câmara e Senado estão pedindo socorro. Parlamentares cujos filhos são tentantes - o senhor sabe disso - nos procuram no corredor, porque, além de Senadora, a gente tem essa luta, esse cuidado com a vida.
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E aí, Dr. Marcelo, vou fazer uma retrospectiva muito rápida.
Eu bati à porta de ministros, por governos e governos - bati. Nós fundamos o Movimento Brasil sem Dor, inclusive um movimento que nasce muito com servidores desta Casa. E em 2017 eu encontrei um ministro que me ouviu: o Ministro Osmar - em 2017 ele era ministro. Eu bati lá. Fui a outros gabinetes, mas esse ministro me ouviu e entendeu a necessidade porque ela já fazia o trabalho. Esse ministro é reeleito Deputado. Em 2018 a gente apresenta a lei que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio. Ele volta à Casa no final de 2018 como Deputado e apresenta a lei. Em 2019 ele assume de novo como Ministro da Cidadania; e, aqui dentro desta Casa, a gente faz um trabalho envolvendo a Câmara e o Senado para que a lei fosse aprovada. Essa lei foi aprovada em 24 horas aqui dentro do Senado em 2019, a lei que instituía essa política nacional - e a política está aí, está posta; vamos começar a colocá-la na prática.
E começa-se o trabalho, tanto que a lei é assinada por cinco ministros... Porque o senhor não vai conseguir, Dr. Marcelo, sozinho, resolver. É um trabalho no qual tem que ser considerada a transversalidade.
O Ministério da Segurança Pública tem que estar aqui. Por quê, gente? Tem gente nas redes sociais incitando nossos meninos a se automutilarem e a se suicidarem! Tem bandidos nessa história, tem serial killer nessa história, gente que nunca tocou numa criança, mas que está levando crianças à morte! E nós vamos ter que enfrentar isso também trazendo o Ministério da Segurança para este debate.
O Ministério da Educação. A lei prevê que a notificação compulsória não seja mais só com o Ministério da Saúde; a educação vai ter que vir, a escola vai ter que vir. Por quê? Se nós não tínhamos a notificação da tentativa de suicídio, também não tínhamos a notificação da automutilação. Se eu não tenho a notificação... Eu não faço política pública em cima de achismo, nós precisamos de dados, de números. Não se faz política pública sem medir, não se faz política pública sem avaliação. Nós temos que dar respostas efetivas. E aí o Ministério da Educação também tem que estar na notificação compulsória, conforme prevê a lei.
E este grupo de trabalho aqui, Senador, eu acho necessário para que a gente possa ajudá-los. Mesmo a gente entendendo que às vezes nos veem como oposição, a gente chama atenção para o fato de que, nesse tema, não tem posição e oposição, nós temos que estar juntos. Excelentes sugestões foram apresentadas aqui. Este grupo de trabalho ajuda na construção dessas excelentes sugestões.
E aí, Senador, nós estamos construindo um PPA. Nós precisamos estar acompanhando a construção do PPA do Ministério da Saúde, do Ministério da Educação, do Ministério da Segurança, Ciência e Tecnologia, com a perspectiva do acompanhamento, da prevenção ao suicídio e à automutilação. E a gente está aqui para fazer isso, Dr. Marcelo, nós queremos ajudar.
Eu quero só lembrar, Dr. Marcelo, que nós temos um decreto que instituiu um comitê interministerial de acompanhamento da política pública. O decreto é de 2020, e o comitê existiu. Nós temos, no site do Ministério da Saúde, as ações do comitê. Esse decreto não foi revogado, portanto nós temos um comitê interministerial. Tudo que a gente quer é ajudá-lo no acompanhamento.
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Acho que não é preciso criar um novo grupo se tem um decreto que criou um comitê interministerial. Por exemplo: nós ouvimos o CVV, nós aplaudimos o CVV, mas a gente terceiriza às vezes a política pública porque não temos a nossa central, que está lá prevista na lei, uma central de atendimento governamental; com o apoio da iniciativa privada, com o apoio das instituições, mas isso é um serviço do Estado. Nós vamos ter que acompanhar como é que vamos receber os pedidos de socorro. É política de Estado. Então, Dr. Marcelo, eu sei que não é fácil - não é fácil - o seu trabalho. As famílias estão clamando!
Nós falamos aqui de orçamento. Na construção da LDO agora, o que está previsto para ele? Não adianta a gente cobrar o Ministério da Saúde. Sem dinheiro, não tem política pública. Então, queremos nos colocar, Dr. Marcelo, à disposição do Ministério da Saúde e dos demais que compõem o comitê interministerial.
A capacitação do pessoal lá na ponta. Nós já tivemos, no Governo anterior, a capacitação do pessoal do Samu. A gente chamava o Samu, chegavam pessoas sem capacitação nenhuma para atender a uma ocorrência de automutilação, sem saber falar com o menino ou com a menina, para atender um tentante de suicídio. Então, queremos ajudar. Nós temos, no Parlamento, médicos extraordinários, pessoas sensíveis, pessoas envolvidas com a causa. Nós queremos ajudar.
Então, fica a minha sugestão, Senador Girão, de conversarmos com o Presidente da Comissão e de termos um grupo de trabalho permanente para acompanhar a execução da política, ajudando o Ministério da Saúde a dar respostas para a sociedade.
As famílias estão... Olha só, o número de famílias que estavam acompanhando... Esse dado que o senhor tem é da TV Senado. Eu estava online nas minhas redes sociais, eu tenho em torno de seis milhões de pessoas que me acompanham. Vocês precisam ver o que foi a minha live! Tive que encerrar um pouco aqui o que foi. É um assunto que chama e palpita o coração, porque os pais não sabem mais o que fazer.
Parabéns por esta audiência.
Deputado Osmar, parabéns! O senhor é incansável, o senhor é incansável.
Dr. Marcelo, parabéns pelo que já está sendo feito. Colocam-nos à disposição.
Os doutores - a Doutora, tão jovem, tão preparada! - os doutores que vieram aqui, que colaboraram tanto com a discussão, e o último, que ainda vai falar: este assunto precisa nos unir e urge a necessidade de respostas.
Muito obrigada.
Eu preciso sair, vou assistir à última palestra à distância, mas eu me coloco à disposição de todos os senhores. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muitíssimo obrigado, Senadora Damares.
É esse o espírito. É exatamente com esse espírito que a senhora colocou que nós estamos aqui, ouvindo diversas correntes. Inclusive, a gente percebe, naturalmente, em algumas falas, uma tendência partidária diferente, ideológica, mas o importante é que nós estamos juntos aqui para nos ajudarmos.
Dr. Marcelo, eu reitero o que acabou de colocar a Senadora Damares: conte conosco para o que a gente puder ajudar, para destinar agora, na LDO, mais verbas para a saúde mental. Pode contar mesmo com a gente aqui dentro no que a gente puder fazer.
Não existe essa coisa de direita e de esquerda nessa hora, de oposição e de situação. Aqui a gente está vendo o sofrimento das pessoas, e o que ela está colocando eu estou vendo aqui também: as pessoas pedindo socorro. Realmente, nós estamos com um problema grave. E eu quero aqui deixar muito claro a quem está nos assistindo que nós temos aqui presente o Ministério da Saúde do Brasil, nós temos cientistas, pesquisadores, a área de psicologia, de psiquiatria, Deputados Federais... Nós estamos unidos nisso e vai dar certo.
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Pode ter convicção de que muito material está sendo trazido. Nós vamos - a mesa competente e atenciosa, que está aqui desde o começo, desta Comissão, que é uma das mais importantes do Senado, a Comissão de Assuntos Sociais - vamos levar ao Presidente, Senador Humberto Costa, que já foi Ministro da Saúde, como bem lembrado pela Senadora, uma pessoa que tem sensibilidade nesse assunto - já conversei com ele -, e vamos tentar levar esse grupo de trabalho para fazer uma frente de apoio, para que tenhamos mudanças efetivas nisso.
A você que está nos assistindo, que está vivendo uma situação delicada e que, de alguma forma, tem esses... está vendo, a pessoa sentindo isso, essa angústia, digo: sempre tem uma luz. Peça ajuda! Por mais que ainda não tenhamos avançado em políticas públicas como deveríamos, peça ajuda ao familiar seu. Vamos começar pelo próximo mais próximo.
É importante falar sobre esse assunto, abrir o coração - isso já é um primeiro passo - e, depois, buscar alternativas.
Então, eu quero agradecer, mais uma vez, ao Dr. Marcelo pela presença; à equipe do Ministério da Saúde, que eu recebi aqui, que está presente; ao Lourival Azevedo, Presidente da Associação de Moradores do Setor Habitacional Nova Colina, que estava aqui conosco desde o início; ao Coronel Rodrigo Fernandes, que é da assessoria parlamentar do Comando da Aeronáutica - olhem como o assunto... as pessoas que vieram participar aqui -; ao Marco Túlio de Figueiredo Roncaratti, assessor parlamentar do Ministério da Saúde; ao Luigi Roberto, assessoria parlamentar do Ministério da Saúde; ao Victor Semple, assessoria parlamentar também do Ministério da Saúde; à Rose Gomes, assessoria da Liderança do PT; ao José Nilton Soares, que veio de Fortaleza acompanhar; ao Lucas, enfim; à Raíssa Alves da Silva, secretária da Dra. Helena Moura.
Então, eu agradeço demais a participação. A Senadora Damares disse que faltava uma palestra, mas não falta uma ainda. Temos algumas pessoas que estão cadastradas.
Eu vou pedir um pouquinho só mais de paciência à Dra. Rose Militão, do Instituto Militão, que está lá em Fortaleza, porque o assunto que o Dr. Marcelo falou, lá do Ministério da Saúde, tem muito a ver, tocou no que o Sr. Nelson Fernandes, que é o Vice-Presidente da Associação Pró-Saúde Mental... que faça a sua exposição e, logo depois, eu já passo para a Dra. Rose Militão. O.k.?
Dr. Nelson, o senhor tem 15 minutos, com a tolerância desta Casa, para fazer a sua exposição importante, depois do que tem ouvido aqui e do que o senhor está sentindo - já conversei com o senhor - na pele, nos hospitais psiquiátricos do Brasil, sobre o que está acontecendo e o prejuízo para a sociedade brasileira. Eu queria ouvi-lo.
Muito obrigado.
O SR. NELSON FERNANDES JÚNIOR (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde, Senador. Honrado pelo convite.
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Boa tarde aos demais Parlamentares e aos demais participantes desta importante audiência pública, Senador, que traz, na verdade, luz para uma questão que já é vital e tornar-se-á cada vez mais importante na sociedade brasileira ou, talvez, no mundo todo.
Rapidamente, eu falo também em nome do nosso Presidente, Sr. Arnaldo Coutinho, que também está nesse movimento pela saúde mental das pessoas já há 60 anos. Ele participou da fundação do CVV e conheceu muito dessa história, que é importante todos os brasileiros conhecerem, do avanço da saúde mental, das políticas públicas e, principalmente, do que a gente está tratando aqui: das dificuldades, das deficiências que ainda enfrentamos no atendimento essa área.
A minha fala é um pouco mais pragmática, um pouco mais da percepção da realidade e do que a gente está visualizando de importante para que se modifique esse quadro de assistência, que, na nossa opinião, como bem disse o Senador, é bastante grave.
Falamos bastante em complexidade também, todos os apresentadores. Eu queria evocar um pouquinho a simplicidade também, sabe, Senador? Eu acho que a gente tem que encontrar saídas pela simplicidade porque a complexidade demora, custa caro, e nós precisamos tentar medidas mais efetivas mais rapidamente.
Eu peço licença para compartilhar uma tela, porque fica mais fácil de a gente se expressar, e a gente consegue ganhar um pouquinho de tempo aí.
A minha apresentação é, basicamente, a contribuição que os hospitais psiquiátricos filantrópicos brasileiros podem dar nesse contexto que estamos conversando aqui. Não é uma fala específica a respeito de suicídio e automutilação, mas é uma fala a respeito de saúde mental no Brasil dessa rede hospitalar, que são entidades autônomas, mas que se congregam em uma rede de informações que é a maior rede de informações de saúde mental do país, até onde a gente tem essa visão.
O quadro que nos preocupa, de novo, olhando para a prática, é esse que todos já citaram: o aumento das pessoas em situação de rua; aumento das taxas de suicídio; o uso inadequado, abusivo, de medicação psiquiátrica; a banalização do consumo de álcool, drogas, principalmente entre os jovens e adolescentes; e, uma questão que sempre aparece, mas some na sequência, infelizmente, que é o encarceramento de pessoas portadoras de transtornos mentais.
Só para fundamentar um pouquinho essas preocupações, peguei matérias de agora: essa do G1, por exemplo, que dá conta de 52 mil moradores só na Grande São Paulo e dá conta de mais de 200 mil pessoas vivendo em condição de rua no país; e um estudo feito pela Universidade Federal de Minas Gerais que dá conta de um aumento da população de rua, e nós sabemos da prevalência da dependência química e dos transtornos mentais entre as pessoas que escolhem morar na rua. Acho que é importante isto, dar conta dessa situação também.
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Eu trouxe um número fundamentado na experiência de São José dos Campos, o atendimento de urgência psiquiátrica que é realizado nesse município, que eu considero importante, porque, além dos suicídios que são levados a efeito, nós temos as tentativas, e eu vejo poucos números, poucos estudos no Brasil que tenham registro de porta de atendimento de urgência psiquiátrica para essa questão das tentativas de suicídio.
Então, se nós pegarmos os números de São José dos Campos e ampliarmos para o país - lembrando que São José dos Campos é uma cidade próspera do Vale do Paraíba, uma das regiões mais prósperas do Brasil talvez -, então, nós vamos chegar a quase um milhão de pessoas por ano tentando suicídio. Um número impressionante de 15% entre crianças e jovens adolescentes que estão buscando no autoextermínio uma saída para seus conflitos existenciais. É um milhão por ano, duas pessoas por minuto fazendo essa tentativa de suicídio.
Aí a gente destaca também nessa questão as tentativas serem mais do sexo feminino em detrimento da consecução, que é mais do sexo masculino. É um quadro preocupante também que acho que a gente pode trazer aqui para irmos pensando.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Doutor, se o senhor puder voltar o quadro lá, só para esclarecer, porque o número realmente chamou atenção. Mas, lá embaixo, está deixando claro que a estimativa é construída a partir dos dados de atendimento em São José dos Campos. Então, pegou-se o atendimento em São José dos Campos e multiplicou-se para ver em nível de Brasil. É isso?
O SR. NELSON FERNANDES JÚNIOR (Por videoconferência.) - Exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Só para confirmar porque o número realmente é estratosférico! A gente sabe que o assunto é grave, mas é só para contextualizar para as pessoas entenderem.
Está correto ou não?
O SR. NELSON FERNANDES JÚNIOR (Por videoconferência.) - É isso, exatamente, Senador. Eu não tive acesso a outros dados, portanto, os dados que estavam acessíveis para a gente são esses do atendimento público em São José dos Campos.
Eu acho, como eu disse, que extrapolar para o Brasil isso não é uma aberração, acho que, inclusive, os números brasileiros podem ser até maiores que esses por conta da situação socioeconômica diferenciada que nós temos no Vale do Paraíba, uma região próspera; onde há mais pobreza, mais dificuldade pode ser que esses números sejam até maiores.
Eu ia dizer também da preocupação quanto ao uso irrestrito de medicação, da dependência de medicação psiquiátrica de que a gente ouve falar, vive nos lares e que virou tema de novela agora, uma preocupação do Conselho Federal de Farmácia, no sentido de tentarmos encontrar saídas para esse fenômeno, que é terrível! É uma dependência química velada e, muitas das vezes, prescrita inadvertidamente ou cedida, medicação cedida por vizinhos, por vizinhas, que podem ocasionar realmente grandes problemas na vida das pessoas.
E uma outra questão é isso, que já foi exaustivamente colocado, mas só para dizer, esse estudo recente, de 2022, da Dinamarca, onde se observa o aumento da ocorrência da esquizofrenia em virtude do uso da maconha, da Cannabis.
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Então, são essas questões todas que a gente colocou só para contextualizar aí a nossa fala, que pretende ser propositiva.
Preocupa-nos também essa questão da liberação de pessoas com transtornos mentais que estão aprisionadas, que estão presas hoje nos hospitais de custódia, cumprindo pena. Acho que todos nós concordamos que é importante que essas pessoas tenham o tratamento adequado, o acompanhamento adequado; e, uma vez que essa pessoa tiver condição de ressocialização, que isso aconteça o mais breve possível, mas tomando muito cuidado com a forma como isso é feito, que isso seja fundamentado nas evidências médicas, psicológicas, e não simplesmente na vontade de ver esse modelo superado. Porque, de verdade, abordando um outro aspecto do mesmo problema, estudos feitos aqui no Estado de São Paulo dão conta de que 40%, aproximadamente, das pessoas encarceradas no sistema penitenciário paulista são pessoas que têm transtornos mentais graves, não diagnosticados e, portanto, não tratados. Então, esta relação da saúde mental com a população carcerária é muito importante, ela não pode ser tratada de chofre, apressadamente, porque a gente pode estar cometendo o erro de piorar a situação, agravar a situação, em vez de colaborar com a solução.
Bom, em termos de leitos de psiquiatria, uma vez que a gente está falando em nome dos 52 hospitais psiquiátricos filantrópicos brasileiros, o que a gente tem de parâmetro... E é um parâmetro simples, que sozinho não serve para muita coisa, mas é importante dizer isso. Hoje, no Brasil, nós temos esta relação de leito por mil habitantes: 0,04 leito de psiquiatria em hospital especializado por mil habitantes. Desculpem, isso é o que é preconizado dentro do Sistema Único de Saúde. Atualmente, no Brasil, nós temos 0,07, falando da realidade do SUS, que são os dados de que a gente dispõe. O preconizado pela OMS é 0,3 leito por mil habitantes, e, no mundo como um todo - e aí é até um pouquinho temerário falar desse número mundial, porque não são todos os países que têm esse número para ser trabalhado -, a gente estima aí 0,75 leito de psiquiatria por mil habitantes no mundo. Então, é só para dizer que nós estamos numa política diferente da do restante do mundo e que essa política diferente precisa ser avaliada constantemente, para saber se ela está sendo efetiva ou não.
Na nossa visão, falta leito. E nós não estamos falando - novamente - de manicômio, isso aí é uma ideia que não cabe na mente de ninguém. Eu vou citar o nosso caso aqui: 52 hospitais psiquiátricos filantrópicos brasileiros; já foram mais de 250 no início da década de 1980, até 1990 tínhamos 250 hospitais psiquiátricos filantrópicos brasileiros. Com as ações do Governo Federal em relação à implementação de uma política diferenciada, esses hospitais foram fechando. Então, somos 52. Só estamos em 11 estados do Brasil e, somando aí, 8,5 mil leitos, alguma coisa nesse sentido que muda o tempo todo.
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É muito importante dizer, Senador e demais participantes, demais Parlamentares, que esses hospitais - nós estamos nos referindo aos hospitais que colaboraram na superação dos grandes manicômios estatais - estão fazendo isso há pelo menos 80 anos, pelo menos 80 anos! Eles estão colaborando com a superação desse modelo manicomial que é tão combatido. As práticas precisam ser melhoradas constantemente, isso é muito importante se dizer. E esse é o empenho dos hospitais psiquiátricos filantrópicos no sentido de superação, autossuperação e para poder dar mais efetividade, cada vez mais humanidade e qualidade de vida para as pessoas que precisam do serviço.
Bom, para a gente terminar - como eu disse que seria uma fala propositiva -, o que a gente imagina é o seguinte: estes hospitais psiquiátricos filantrópicos que são, infelizmente, ainda combatidos... Por exemplo, agora, na semana anterior, saiu uma nova publicação do Ministério da Saúde retirando o hospital especializado em psiquiatria da Rede de Atenção Psicossocial novamente. Ele estava lá atrás, foi retirado, voltou para a rede de atenção e agora não faz parte integrante da Rede de Atenção Psicossocial. No entanto, continua funcionando, os pacientes continuam sendo encaminhados, e a gente continua fazendo o trabalho que sempre fez, mas é importante dizer isso, que os hospitais foram retirados da Rede de Atenção Psicossocial.
Se visualizarmos esses hospitais - e tem alguns já neste importante caminho -, nós vamos ver o potencial de ajuda que têm para a sociedade brasileira neste momento importante. Eu iniciei a falando sobre a contribuição que esses hospitais podem dar para o quadro que está sendo colocado. Nós não estamos falando em retroação de modelo, não estamos falando de tornar o hospital o centro da atenção, nada disso, mas muitos destes hospitais de que nós falamos, desculpem, alguns destes hospitais de que falamos, os 52 brasileiros, estão nesse caminho de ampliar os seus serviços, oferecendo mais da sua dedicação desse século de atividade que têm no país para a sociedade neste momento importante.
Então, esses hospitais, que caminho que eles estão trilhando, Senador? Eles estão ampliando o seu leque de serviços, montando serviços de urgência psiquiátrica, que aí, sim, vão poder colaborar no atendimento especializado às pessoas que tentam o suicídio, mantendo as enfermarias especializadas nos moldes que forem necessários, nada a mais; sem pessoas morando nessas enfermarias. O hospital não é lugar para ter morador, pelo amor de Deus! Todos temos que resolver essa questão. As pessoas têm o recurso da residência terapêutica. Essas políticas precisam ser aceleradas, implementadas com mais força, em todo lugar, para que as pessoas não precisem morar em hospital, tendo a possibilidade do hospital-dia, que amplia a assistência, o cuidado, sem o risco da segmentação desse indivíduo, do isolamento social dele, como já foi dito várias vezes, com os ambulatórios especializados em saúde mental, que são grandes aliviadores do trabalho dos Caps, que devem ser realmente incentivados para atendimento das pessoas mais graves.
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E um outro aspecto que eu considero de extrema importância: ajudar as pessoas nos seus projetos de vida, na sua perspectiva de autonomia e de sustentabilidade dentro da sociedade. Para isso, tem várias instituições trabalhando também com esses projetos de geração de trabalho e renda, que modificam a vida das pessoas. E acho que a gente está precisando cada vez mais desta perspectiva positiva na vida das pessoas.
Para terminar a fala, eu digo: é hora de união. É importante a gente não deixar que as nossas convicções ideológicas e partidárias interfiram na consolidação de uma rede de serviços mais do que necessária para a sociedade brasileira. É hora de nos unirmos, é hora de nós entendermos que não há só um caminho e que todos os caminhos são necessários neste momento.
Obrigado, Senador. Obrigado pela atenção de todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muitíssimo obrigado.
Quero aqui agradecer, primeiramente, a paciência do Dr. Nelson Fernandes, que, desde o início, está conosco - ele que é o Vice-Presidente da Associação Pró-Saúde Mental -, e agradecer pela sua explanação, sua palestra, cheia de dados importantes, que serão, acredito, bem avaliados por todos nós aqui nesta audiência pública histórica que nós estamos realizando aqui na Comissão de Assuntos Sociais.
Eu quero também agradecer ao Dr. André. Dr. André, o senhor vai falar em instantes. Eu agradeço a sua paciência também. Dr. André Russowsky é Diretor do Serviço Interdisciplinar de Neuromodulação do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Então, eu lhe agradeço muito pela sua participação.
Peço desculpas pelo alongar do tempo. Nós já estamos aí entrando em quase... Quantas horas de sessão? Já estamos desde 9h... São quase cinco horas de sessão, mas está faltando aí para a gente concluir...
Eu vou passar a palavra para a nossa querida irmã, Dra. Rose Militão, que vai fazer uma participação aqui diretamente lá da nossa terra de Fortaleza. Ela que conhece bem... Eu inclusive participei algumas vezes do seu grupo - e de outros também - sobre constelação familiar, que tem uma abordagem bem interessante sobre esse tema. Isso tem crescido muito, até o próprio SUS, através das práticas integrativas, tem validado. E eu acho muito interessante essa abordagem de uma cura sistêmica, que também tem um efeito sobre essa questão da automutilação, do suicídio, que muitas vezes você vai no automático. E é impressionante - viu, Dr. Marcelo? - o resultado que eu tenho visto, tenho testemunhado nesse trabalho, com muitos voluntários que participam. E a Dra. Rose é, como se chama na constelação, uma consteladora, tem cursos e tudo e vai fazer essa explanação.
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Tem um filme a que eu assisti chamado Uma Nova Mulher - na verdade, é uma série -, que está na Netflix, inclusive, que mostra bem essa linha aí da constelação familiar, que tem tomado conta do Brasil, tem crescido. E nós fizemos uma audiência pública sobre isso aqui no Senado e fizemos também uma sessão solene para explanar para os brasileiros esse terreno. O Bert Hellinger foi o idealizador, um alemão inclusive, que desenvolveu essa técnica, que tem dado muito bons resultados em diversas áreas.
Dra. Rose, muito obrigado. A senhora tem 15 minutos, com a tolerância da Casa, para fazer a explanação.
A SRA. ROSE MILITÃO (Para expor. Por videoconferência.) - Querido André Brunoni, você vai ficar depois de mim. Eu achava que eu seria depois de você, querido. Eu entendo essa espera, mas é por uma boa causa. Você concorda? (Pausa.)
Muito obrigada, meu querido amigo Eduardo Girão.
Aqui eu vou trazer três papeis que desempenho e eu não conseguiria ficar aqui como consteladora apenas.
Portanto, eu sou psicóloga, eu trabalho com famílias, eu trabalho com casais e eu sou especialista em terapia sistêmica familiar. É muito importante dizer isso, porque a minha fala vai se organizar em torno do escopo, da ambiência familiar. E também, sim, faço parte da Associação Brasileira de Constelação Sistêmica Familiar e sou fundadora da escola de constelação aqui em Fortaleza, Ceará.
O colega Nelson Fernandes - olá, Nelson! Tudo bem? - falou da realidade. A realidade é bio, psico, emocional e social, e não é possível a gente falar fora destes quatro movimentos: bio, psico, emocional e social. E, nesse aspecto da realidade, enquanto vocês falavam, para onde a gente for, com qualquer número que formos, ele é alarmante, concorda, André? (Pausa.)
Não tem escapatória. A gente diz assim: "Não existe escapatória para a dor em relação ao suicídio, ao tema suicídio e automutilação". Recebo famílias, trabalho com famílias aqui, e é muito delicado o tema, porque, para além dos dados que temos, existe aquele dado que está encoberto, porque a família não quer revelar, a família tem vergonha, ainda tem muito mito em torno do suicídio - e esse mito é milenar -, porque, quando uma família vai buscar ajuda ou quando ela fala que o filho tentou suicídio, ou o pai, ou a mãe, todo mundo naquela família passa a ser julgado: "Ah, mas aí eu acho que aquela mãe não fez o que tinha que fazer ou é aquele pai, porque não deu amor, não deu carinho, não deu isso, não deu aquilo". Então, não importa dizer que são 16 milhões de tentativas de suicídio no mundo - esse dado é de 2021 -, 45 mortes por minuto no Brasil. Todos os números são alarmantes, e a pessoa diz assim: "Como é? É verdade mesmo isso?". É verdade mesmo isso.
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Segundo a Organização Mundial da Saúde - esse dado é de 2021 -, pessoas morrem mais por suicídio no mundo do que nas guerras, de HIV, de malária, de câncer. Então, a gente está falando de algo muito, muito pesado, muito difícil. É uma dor inimaginável se o membro daquela família deixa uma carta, se ele não deixa uma carta... Porque a família fica assim: "Mas por quê? Por quê?". O pai ou a mãe que a gente recebe dizem assim: "Mas não houve amor suficiente? Não houve fala suficiente? Qual é o lugar que não foi o suficiente?".
Portanto, como psicóloga e como terapeuta sistêmico-familiar, eu digo que o suicídio precisa ser pensado dentro do sistema familiar. Ele não pode... É dentro de casa que ele vai para todos esses dados.
Mas como é que a gente faz isso, não é? É claro que, nos aspectos relacionados à saúde mental, os transtornos mentais envolvem ainda muito preconceito. Alguns adultos, quando vêm para a sessão comigo, dizem assim ao receberem uma ligação: "Olha, estou entrando agora numa reunião". Procurar ajuda para organizar sua mente, organizar as suas emoções ainda é envolto em muito preconceito. Eu gosto de pensar - antes de falar sobre constelação familiar, mesmo com toda a polêmica que existe sobre constelação familiar, e não sou inocente sobre isso -, eu gosto de falar que existem três pilares que são muito importantes, e a gente precisa organizar isso na fala sobre o suicídio.
Eu não trouxe nenhum eslaide e acho que os colegas trouxeram coisas absurdamente valiosas. São dados impressionantes os seus, Nelson, quando você traz de um grupo de um olhar micro, que é alarmante. Você traz também algo quando diz: "Gente, é um grupo social que tem um alto poder aquisitivo!". Aí quando nós entendemos - porque é o grupo social com que eu trabalho também, que tem alto poder aquisitivo - que a dor é humana... A dor é humana, mas ela é mais agravada pelas condições, obviamente. Mas os números, para onde a gente for, eles são muito altos.
A gente vive, sim, uma pandemia como nos anos 50, após a Segunda Guerra Mundial, quando houve uma epidemia de surto infantojuvenil - de crianças, obviamente - de esquizofrenia. Quando termina a Segunda Guerra Mundial, aqueles homens que conseguiram voltar para casa estavam machucados emocional e fisicamente, faltando braço, perna, mas para todos a dor emocional era enorme. Ao mesmo tempo, houve uma enorme coesão familiar, porque as perdas foram muitas, a família ficou ali coladinha. Mas aqueles homens que foram não foram os mesmos que voltaram, e a mulher que eles deixaram não era a mesma, os filhos não eram os mesmos, a família não era a mesma. E houve um surto de esquizofrenia, e, a partir daí, os psiquiatras que começaram a receber essa demanda começaram a entender e olhar que esse adoecimento nascia lá dentro da casa, da família. Foi aí que surgiu a terapia sistêmico-familiar, com várias escolas.
Mas praticamente todas as escolas trazem uma coisa muito simples: as questões que a gente olha no adoecimento familiar, não importando hoje, ontem, década passada ou para a frente, têm um aspecto comportamental do momento social em que a família está inserida, mas elas também trazem aspectos transgeracionais.
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Quase todos os psiquiatras daquela época e sociólogos - Gregory Bateson, Virginia Satir... Mas eu quero trazer o Ivan Nagy, um psiquiatra húngaro, falecido em 2007, radicado nos Estados Unidos, que fez uma pesquisa: ele recebia as crianças com surtos esquizofrênicos que ficavam internadas. E aquelas crianças, quando voltavam para casa e via um irmão com surto, voltavam muito mais adoecidas. A partir daí, ele começa a pesquisar sobre ações do passado, questões de contabilidades psíquicas transgeracionais - na faculdade a gente não escuta esses termos, e esses termos são cheios de preconceitos - e aí ele traz uma coisa chamada o equilíbrio entre dar e receber.
Antes de falar um pouquinho sobre isso e trazer Bert Hellinger - a minha fala vai ser bem curta mesmo, eu espero -, existem três movimentos que a gente precisa olhar aqui - na verdade, vocês trouxeram os dados: bem-estar, bem-viver e bem-querer. Uma vida precisa passar por esses três movimentos: bem-estar, satisfação comigo mesma, com o meu corpo, com a minha cor, com o meu gênero, com o grupo social, com a esperança na vida, e é óbvio que isso impacta todos os grupos sociais. É claro que... A colega Alessandra Xavier mencionou os grupos LGBTQIA+, os negros, os mais pobres, não importa. O bem-estar como é? Precisa haver a política de satisfação, mas como é o bem-estar? Eu comigo mesma, com a minha realidade. E como é que uma criança...? Por isso que em adolescente o número é altíssimo, que sofre bullying, que não é aceito, que não é aceito pelo formato do corpo, pela cor da pele, pelo gênero, pela sexualidade. Aí como é que fica no período que é o mais importante da vida, que é na constituição da nossa identidade, que acontece na adolescência?
O segundo pilar é o bem-viver. O bem-viver se relaciona à condição de meu trabalho, à condição do dinheiro, do quanto eu recebo, o que eu levo para casa para comer, como eu abasteço a despensa de casa. E é por isso que muitos homens, quando perdem essa condição, perdem a razão de viver. O suicídio está relacionado com o bem-estar - eu na vida; com o bem-viver - eu com o meu trabalho, eu com o meu dinheiro, com o que eu recebo, eu na minha relação - e existe uma enormidade de doenças relacionadas à ambiência do trabalho.
E o terceiro pilar é o bem-querer: eu e meus relacionamentos, eu e meus amores, eu e a minha relação com meu pai e minha mãe. Ah, mas a gente sabe que nos consultórios psicológicos essa dor é antiga e ela é persistida. Então, o bem-querer é eu e meus afetos, a minha rede de amigos. Um adolescente que está fora da sua tribo vai querer não encontrar razão para viver.
Portanto, a razão para viver está dentro desse escopo bem-estar, bem-viver e bem-querer: eu comigo mesma; eu com a minha realização profissional, para onde vou, o que quero; e eu com os meus afetos.
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Então, quando a gente vê... Não importa a classe social - e foi por isso que o Nelson trouxe os dados que envolvem a classe social com abastança -, esses aspectos, em menor ou maior grau, afetam toda a condição humana. Concordam comigo? Afetam toda a condição humana. E o que a gente vai fazer? Vamos mamar na medicação psiquiátrica - e eu sei que tem uns psiquiatras legais aqui -, mas sem olhar para isso. "Tome aí". E haja muleta. Por isso, nós estamos no surto da tarja preta. E eu vou buscar essa minha satisfação com a vida, me encaminhando para ela com as muletas.
O.k., Rose, mas você veio aqui para falar sobre constelação familiar. Esses três movimentos se constituem principalmente dentro de casa, dentro da família, com o papai e com a mamãe, com as condições, mas o mais importante é com a minha ancestralidade. Isso é muito importante.
Aí eu tenho que trazer Bert Hellinger. Não foi ele que organizou a constelação, não foi ele que descobriu constelação familiar. Constelação familiar é uma técnica, uma ferramenta que a gente utiliza na terapia familiar, e é de lá o nascedouro dela, tida, na Europa, como colocação familiar.
Bert Hellinger traz três dinâmicas que podem acontecer dentro da minha ancestralidade, porque, quando eu herdo... Não tem mais nem como a gente falar sobre cabelo, porque o cabelo modifica tanto, a gente tem mil possibilidades de modificar o cabelo, não dá mais para falar sobre o cabelo, mas a cor da minha pele, a minha estatura, o meu tom de voz... Quando eu herdo as minhas características, eu herdo também, em cada célula do meu corpo, toda a história que chega para mim através do meu pai e da minha mãe, porque eu sou metade mamãe e eu sou metade papai.
O Hellinger diz, e a gente percebe isso nas constelações familiares... Eu não estou dizendo que a gente cura os suicidas, faz isso, faz aquilo. As constelações familiares são uma ferramenta extraordinária, e eu a uso, sim, como psicóloga, como terapeuta familiar e como consteladora, para a gente olhar onde está, onde é o nascedouro da dor daquela pessoa que a gente chama de PI, que é o paciente identificado. Que dor é essa que essa pessoa sente?
O que o Bert Hellinger traz, através das constelações familiares, é que muitas vezes essa dor não é de nada que a família fez daqui para frente, não é nem a partir do nascimento dessa criança, desse filho, desse homem, dessa mulher. É quando a gente tem a possibilidade de olhar para trás. Ele traz três dinâmicas.
Uma das dinâmicas que a gente percebe nas constelações familiares é a dinâmica "eu sigo você", e a gente percebe que isso é amor em vínculo transgeracional pela morte prematura de alguém do sistema familiar. Que mortes prematuras são essas? Natimortos, que não são vistos; a gente tem abortos; a gente tem suicídios também por injustiça. Quantos homens, quantas mulheres acabaram com a vida como sinal de protesto também por uma injustiça, algo grave a que estavam sendo submetidos naquele lugar, naquele momento da vida? Então, existe alguém que nasce após e está dentro daquela história que é guardada, envolta em muitos segredos. Então, de uma forma que a gente chama de lealdade inconsciente dentro do sistema familiar, essa pessoa tem um apreço por aquela pessoa, por aquela história que está ali guardada e escondida.
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Uma outra dinâmica é: "melhor eu do que você", que é quando eu faço no seu lugar. Eu tive um paciente que dizia assim para mim: "Olha, Dra. Rose Militão, todos os dias, quando eu era garota, eu voltava para casa com a responsabilidade de alegrar a vida da minha mãe. Eu arrumava uma flor, eu contava uma história, eu fazia um passo de dança porque [ela disse] a imagem que eu tenho é de minha mãe no quarto deitada, porque ela tinha uma eterna dor de cabeça e depois ela foi descobrir que era depressão". Era um esforço para essa mãe estar na vida.
Então, considerando que todos os filhos querem salvar os pais, a gente quer salvar os pais, um filho, quando vê que o pai está ali perdendo o emprego, está falando que o dinheiro não dá, acha que aquele cofrinho é tanto dinheiro que, se entregar para o pai ou para a mãe, vai salvar daquela situação. Portanto, na dinâmica "melhor eu do que você", inconscientemente, aquela criança cresce dizendo assim: "Olha, se eu morrer no lugar da minha mãe, se eu pegar a depressão da minha mãe para mim, se eu pegar o alcoolismo do meu pai para mim, eu evito que meu irmão mais velho, que está em perigo, que está doentinho"... Então, na dinâmica "melhor eu do que você", a gente percebe isso, na constelação.
E, por fim, a expiação de uma culpa. O Luís Eduardo Girão, nosso Senador, fala muito sobre o aborto, ele é pró-vida. Tenho vários aspectos a falar e ainda quero falar com você, querido Eduardo Girão, sobre isso, eu sou pró-vida - eu sou pró-vida -, mas digo que ninguém, em sã consciência, pode dizer que é contra ou a favor do aborto. Isso não faz o menor sentido; ninguém, em sã consciência. Mas a gente precisa também olhar para a vida que abriga essa vida, olhar para a mulher. Tem muitos aspectos que a gente precisa ver em relação a essa mulher. Inclusive, muitas mulheres se suicidam porque são estupradas, porque são tomadas, o corpo é tomado, não é?, muitas, e quase todas as mulheres que abortaram um dia têm uma culpa, uma dor tão grande que se transforma em depressão e, muitas vezes, em suicídio. Então é a expiação de uma culpa, é um sofrimento terrível, porque, se eu me matar, se eu me suicidar, eu expio aquela coisa horrível, medonha, que eu fiz lá atrás na minha vida. Mas eu faço isso por coisas que eu fiz ou por coisas que alguém fez na minha ancestralidade?
O médico Edward Bach, o médico britânico dos florais de Bach, que quase todo mundo conhece, disse que, antes que uma doença se manifeste no físico, no meu corpo, é preciso que se manifeste, principalmente, primeiro, no estado emocional. As nossas doenças, ele continua dizendo, as doenças primárias são orgulho, crueldade, ódio, ganância, inveja. E tudo isso está na família em que eu nasço, eu participo daquela egrégora. Portanto, falar de suicídio só no aspecto pessoal é olhar um ponto, é olhar assim...
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Os dados que aparecem são alarmantes. E eu concordo com a Senadora Damares quando fala que as nossas crianças, que os nossos adolescentes estão morrendo. Sim, mas não são só os nossos, os do mundo todo. Os números são absurdos. Antigamente, não se tinha acesso a uma comunidade que queria se matar. Hoje, você está aí e, com as redes sociais, tem assunto para tudo quanto é lado, você se sente amparado na sua dor, e muitas vezes isso é calado na família.
Portanto, ações de saúde mental com foco intervencionista, multidisciplinar, urgente, para um trabalho em rede, é necessário que comecemos. O sacerdote faz parte, o médico psiquiatra, o psicólogo, a pessoa da terapia comunitária. E a gente tem a pessoa, a referência mundial em terapia comunitária, aqui no Ceará, que é o Adalberto Barreto. Foi aqui que surgiu a terapia comunitária. É a única no mundo. Então, a gente precisa ver essa equipe multidisciplinar. E é muito bacana, nesta conversa aqui, que a gente entenda que são do humano as dores da vida, mas, às vezes, os fenômenos sociais nos quais a pessoa está inserida - e ela não está inserida sozinha, ela está inserida no sistema familiar e esse sistema familiar, é muito importante que a gente saiba disso - têm passado, têm presente e têm futuro com as minhas ações, e esse sistema familiar...
Eu estou com a bateria acabando. Você olha aqui para mim, por favor?
E esse sistema familiar está...
Agora me perdi. A bateria do meu computador está dizendo que está acabando.
O.k. Foi organizada.
Eu não estou sozinha, eu não posso estar sozinha, e a gente chama, nas constelações familiares, de as ordens da vida.
A bateria... Melhorou, e agora piorou. O.k.
As ordens da vida, que a gente chama de ordens do amor: inclusão, pertencimento. Ninguém pode ser excluído. Todo mundo tem direito ao pertencimento. A outra ordem da vida é a precedência, quem chega primeiro, quem está ali. E a segunda ordem da vida é o equilíbrio entre dar e receber, e eu recebo do meu sistema todos esses aspectos.
O que a constelação familiar faz? Ela olha aquilo que é meu, e eu posso dar conta; aquilo que é do meu pai e da minha mãe, de que eles dão conta; se é do meu avô, do meu bisavô, a gente entrega para trás e, normalmente, os resultados são surpreendentes, principalmente quando a família passa a dialogar sobre a vida, o sentido da vida. Porque, na verdade, o que a gente está conversando aqui não é sobre a morte. A gente precisa entender que falar sobre suicídio é falar sobre o sentido da vida. E o sentido da vida envolve bem-estar, bem viver e bem querer, principalmente dentro do meu sistema familiar.
Muito obrigada pelo privilégio desta fala, que não está arrumadinha em eslaides.
Eu sou Rose Militão. Sou psicóloga, sou mãe, sou avó, sou filha, sou esposa e, nesses lugares todos a que eu pertenço, como humana, a dor do outro, o pior pesadelo para qualquer pessoa que cuida de pessoa é ver essa pessoa querida no suicídio ou na mutilação. É um pesadelo, como disse o Nelson - citei você umas três ou quatro vezes, Nelson, gostei da sua fala também -, o autoextermínio. Em autoextermínio, você diz assim, como terapeuta: onde é que não foi a minha ajuda suficiente, como psicólogo? Imagine o pai, a mãe, os amigos! Portanto, a gente está falando sobre autoextermínio, que é mundial, olhando para todas essas escalas, mas principalmente para a humanidade.
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Eu quero trazer a minha fala aqui para olhar para dentro do sistema familiar. É lá que existe o desespero silencioso. Nós estamos tão ocupados lá fora que a gente não está olhando para o desespero silencioso. Para mim, a intervenção tem que ser dentro da família.
Eu estou disponível, querido Eduardo Girão. Quero, sim, fazer parte de algo em que a gente possa dizer o seguinte: como a gente pode fazer? Criar um GT para ações de saúde mental? Como a gente pode fazer formações em larga escala para trabalhar família no assunto de saúde mental? Isto aconteceu na década de 50 - estou terminando -: a terapia um para um, que eram a psicologia e a psicanálise, não davam conta do adoecimento em massa dos nossos filhos, dos filhos da época. Então, foi preciso um grupo multidisciplinar que pensasse em ações de saúde mental, e essas ações, sabiamente, eles entenderam que tinham que ser intervencionistas, mas ali no grupo sistêmico familiar.
Beijo para vocês. Muito obrigada pelo privilégio dessa fala, de estar aqui com vocês. E eu espero contribuir, ter contribuído e contribuir em outros momentos. Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Contribuiu. Muito obrigado. Rose Militão, fazendo uma abordagem aqui.
A gente está, de forma multidisciplinar, ouvindo especialistas, cientistas e outras abordagens que, inclusive, têm aí, graças ao nosso Ministério da Saúde, as práticas integrativas. Eu acredito, eu particularmente - isso é uma posição minha -, sobre essa questão da indústria farmacêutica, do lobby pesado, que tem uma conta lá na frente a se pagar. A gente já discutiu isso aqui em audiência pública, que essa coisa de ir para o remédio, ir para o remédio, muitas vezes, pode ser evitada com outras práticas que trazem um resultado bem melhor e não trazem tanto dano ao organismo.
Antes de eu passar para o doutor André - já vou passar agora -, já que a senhora tocou nesse assunto do aborto, a gente estava com uma grávida aqui, há pouco tempo atrás, que é a Vereadora de Fortaleza, Priscila Costa, que amanhã assume aqui como Deputada Federal. Já que a gente está falando de suicídio e esse assunto do aborto tem uma relação muito forte... Tenho umas pesquisas aqui com fontes. Como a senhora colocou, são duas vidas, não é a da criança, apenas, que já é muita coisa, mas a saúde da mulher fica comprometida com o aborto. Está aqui, segundo o British Journal of Psychiatry - desculpem o meu inglês -, que uma mulher que faz aborto, em relação à mulher que não fez, que não praticou, tem 34% de chance de ter ansiedade, depressão, o risco de alcoolismo aumenta em 110% e o de suicídio, 155%. E, segundo Barrett também, é sete vezes maior a incidência de placenta prévia; segundo Reardon, é maior a incidência de doenças circulatórias e complicações hepáticas para a mulher que faz o aborto quando comparada com a que não faz, não praticou; é 190% maior a possibilidade de contrair câncer de mama - Brind -; e 55% maior o risco de problemas com a saúde mental - também tem esse dado aqui de Coleman, Fergusson. Então, são duas vidas que estão em jogo com relação ao aborto. É bom que a gente, sem julgamentos... Quem fez, muitas vezes, o fez no desespero, não tinha acesso... Foi, muitas vezes, o homem quem pressionou, o marido, o namorado.
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Mas a gente precisa trazer esses dados para que quem está nos assistindo para que, se conhecer alguém que esteja em vias de fazer um aborto, possa informar que não é só a vida da criança, que já é muita coisa, que é eliminada, mas que a mulher, a mãe, quase mãe, fica com risco, com sequelas de ordem emocional, psíquica, mental e física para o resto da vida, sem entrar aqui na questão espiritual, é ciência.
Já passo a palavra ao Dr. André, cujo sobrenome... Ele tem outro sobrenome... Dr. André Russowsky, que também é Brunoni, muito obrigado por sua paciência!
Ele é Diretor do Serviço Interdisciplinar de Neuromodulação do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a USP. Muito obrigado. O senhor tem 15 minutos para sua explanação mais a tolerância desta Casa, Dr. André.
O SR. ANDRÉ BRUNONI (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde!
É uma honra estar aqui, obrigado pelo convite.
Foi um prazer ficar aqui várias horas, porque, na verdade, é um grande aprendizado, é bom ouvir colegas com diferentes visões e também é bom passar uma manhã no Senado, mesmo que virtualmente, e compartilhar desse cotidiano.
Vou compartilhar agora um pouco do meu cotidiano e, obviamente, isso não exclui tudo o que foi falado sobre a importância da promoção da saúde, prevenção primária, secundária e terciária, mas, como estou num instituto de psiquiatria, vou falar sobre o meu recorte, sobre o que eu faço e como isso pode ajudar na questão do suicídio e da depressão.
Também tive sorte de falar por último e escolher o tema depressão e não suicídio, porque, se eu fosse falar de suicídio, não teria mais nada a falar depois da contribuição de tantos especialistas. Vou falar sobre depressão.
Registra-se que 80% das pessoas, no mínimo, com tentativa de suicídio ou suicídio têm depressão.
Aqui é um instituto de psiquiatria. Ele faz parte do Hospital das Clínicas, é um dos oito institutos do Hospital das Clínicas, que é um centro de atenção terciária, para casos mais graves, mais refratários, e é um dos poucos de São Paulo, também um dos poucos do Brasil. Então, a gente recebe pacientes de todos os locais.
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A gente tem internação psiquiátrica, inclusive com pacientes com tentativa de suicídio também. E, reforçando a importância do que o Dr. Nelson falou, seja um hospital psiquiátrico, seja um hospital geral, é preciso um treinamento, uma equipe especializada. Então, quartos, leitos, onde pessoas com ideação suicida estão não podem ter vidro, por exemplo, para não tentarem suicídio quando entrarem; não se pode usar celular, porque o carregador do celular é um fio e a pessoa pode se enforcar; todas as portas têm que estar destrancadas, não pode ter tranca, pelo mesmo motivo; o chuveiro tem que ser adaptado para não ter um espaço onde se possa amarrar uma corda, e assim por diante. Então, tem todo um cuidado específico e uma equipe de enfermagem também.
Uma coisa que a gente tem estudado muito é como abreviar a internação. Normalmente uma pessoa que se interna com uma tentativa de suicídio precisa ficar de dez a catorze dias internada até que haja, muitas vezes, uma resolução espontânea do problema, como a gente fala, e isso onera, obviamente, os custos, até por precisar de uma atenção mais complexa.
E, na verdade, eu vou falar aqui dessa ponta. Acho que vocês estão vendo aqui. Aqui é mais ou menos, de uma maneira simplificada, como a gente trata a depressão: no ambulatório tem aqui essa primeira linha, a segunda linha; e a depressão de difícil tratamento, ou a refratária, ou a resistente, está aqui mais no final.
A gente tem no começo do tratamento os remédios. Os remédios são eficazes. Quero lembrar uma coisa aqui: poucos antidepressivos estão disponíveis pelo SUS, que é o Sistema Único de Saúde, e aqueles remédios que são mais eficazes - isso pensando na depressão refratária - não são aprovados especificamente para o CID-10 da depressão - o CID-10 é a classificação internacional de doenças. Esses remédios são aprovados para a bipolaridade, para a esquizofrenia, mas não necessariamente para a depressão.
A gente tem a psicoterapia, a gente sabe que a psicoterapia é altamente eficaz para a depressão. Quando psicoterapia e remédios são combinados, são mais eficazes ainda, mas tem a questão do pouco acesso, pouca disponibilidade do tratamento. Isso - de certa maneira, já foi discutido - faz com que haja pessoas subtratadas, com depressão, com outros transtornos mentais. Isso vai se elevar também com causas mais proximais, como a gente fala, como estresse ou outras situações mais precipitantes, impulsividade; vai fazer com que as pessoas tentem suicídio. E aí, depois dessas tentativas de suicídio, muitas vezes, é quando a gente intervém.
A gente sabe que o risco maior são as pessoas com depressão de difícil tratamento, que são aquelas pessoas que não responderam a dois tratamentos. Então, vamos supor que se faça o tratamento com remédio corretamente, que se faça o tratamento com psicoterapia corretamente: 50% das pessoas melhoram e 50% não melhoram, e aí cada vez mais vai ser necessário o tratamento por um psiquiatra ou por um profissional treinado, especializado em saúde mental.
Eu vou falar aqui, então, dessa psiquiatria de intervenção ou intervencionista, como a gente tem chamado. É um termo que tem sido usado nos últimos quatro ou cinco anos - é bem recente.
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Aqui, no Brasil, a gente tem, no Instituto de Psiquiatria, o primeiro serviço completo de psiquiatria intervencionista. A gente faz o treinamento dos nossos residentes, especialistas também. E aqui vocês estão vendo um dos nossos setores, bem longe daquela imagem do manicômio: um setor num hospital público, bem organizado, com vários equipamentos de ponta.
Essa psiquiatria intervencionista tem três tipos de tratamento principais. Por enquanto, são três grupos de tratamentos: a estimulação magnética transcraniana, a quetamina e a eletroconvulsoterapia. São esses três tratamentos que surgem. A eletroconvulsoterapia já é mais antiga, mas, nos últimos quatro a cinco anos, surgiram essas duas também.
A estimulação magnética - este é um dos nossos alunos voluntários aqui - consiste numa maneira de tratar a pessoa sem remédios. A gente faz uma estimulação no cérebro em que a pessoa reage no corpo. Então, aqui se está estimulando o córtex motor do aluno, e, com isso, ele mexe o polegar, os dedos, de acordo com a área que a gente estimula. É algo totalmente indolor, sem efeitos colaterais ou com efeitos colaterais mínimos, e que é eficaz para o tratamento da depressão. Poucas pessoas sabem, mas já é aprovado pela Anvisa desde 2012. Na verdade, são várias aprovações, tem vários tipos de tratamento. Inclusive, para depressão com ideação suicida, tem cinco aprovações. A gente tem uma experiência no Hospital das Clínicas bastante grande, fazemos cerca de 5 mil sessões por ano, desde 2012, e a gente observa uma resposta clínica bastante rápida e bastante eficaz, então, como uma daquelas ideias de abreviar o tempo de internação.
Ela ainda não está disponível pelo SUS. É uma coisa, uma batalha que a gente tem tentado. Os nossos pacientes conseguem ser atendidos porque a gente dá um jeito: às vezes eles participam de pesquisas, às vezes fazem um atendimento com o HC - o hospital - arcando com esses custos, pois não tem remuneração pelo SUS especificamente.
Um outro tratamento é a quetamina endovenosa. A quetamina é uma droga anestésica. Ela existe no nosso meio, na medicina, desde 1960. A partir de 2000, 2005, um grupo nos Estados Unidos começou a testar a quetamina em doses muito baixas, muito mais baixas do que o efeito anestésico dela, e viram que essas pessoas - as pessoas com depressão - começavam a ter uma resposta muito rápida. É uma das respostas mais rápidas que a gente vê. É bastante impressionante. Quando a gente introduziu lá, no Instituto de Psiquiatria, em alguém com uma depressão muito grave, em 24 horas se teve uma resposta muito rápida.
Ela não é necessariamente usada para esse tratamento mais crônico de manutenção, porque os efeitos passam rápido também, mas ela é, na verdade, a única aprovação que se tem especificamente para o suicídio, para a suicidalidade, para a tentativa de suicídio. Então, é uma droga, um medicamento que não é só para depressão, não é só para depressão como ideação suicida, mas é também para a própria tentativa de suicídio falha.
Tem um estudo recente no British Medical Journal que mostrou que duas doses da quetamina, com espaço muito reduzido, de 24 horas, fazia com que houvesse uma remissão completa da ideação suicida em cerca de 60% dos casos. Então, isso mostra como pode ser uma intervenção interessante para ser usada nesse nível de atenção terciário.
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E o mais interessante é que a quetamina custa menos R$1 a ampola. O que vai ter um gasto maior é, obviamente, a enfermagem, a infusão e o monitoramento que a gente faz da pessoa recebendo a quetamina, mas o custo em si é muito, muito barato e também não é algo que exige uma grande complexidade em termos tecnológicos; um pronto-socorro de pequeno porte ou de médio porte pode fazer esse tipo de tratamento. É uma questão muito de disseminar esse tipo de informação para as pessoas. Também é um custo não coberto pelo SUS, como nenhuma das técnicas de psiquiatria intervencionista.
E, por último, a gente tem a eletroconvulsoterapia. Existe um grande estigma social, na minha visão e acho que na visão de muitos colegas que estão em Brasília também. De fato, a eletroconvulsoterapia, nas décadas de 50 e 70, teve um uso abusivo, mas também errado, do ponto de vista psiquiátrico, e até hoje em dia ela é o tratamento mais eficaz que existe. Então, não é uma questão de ideologia. Se amanhã aparecer outro tratamento mais eficaz, eu vou ser o primeiro a abandonar a eletroconvulsoterapia, mas o fato é que até hoje não surgiu nada melhor. Também é uma indicação para vários quadros psiquiátricos graves. Ela também dá uma resposta muito rápida.
E as pessoas se surpreendem também quando vão ver a eletroconvulsoterapia porque praticamente não se nota uma crise convulsiva da maneira correta, do ponto de vista hospitalar, psiquiátrico, quando ela é feita, porque ela é feita com uma anestesia geral muito breve. Ela dura de um a dois minutos, a anestesia, e são utilizados vários relaxantes musculares. Então, na verdade, para se perceber que a pessoa está fazendo uma sessão de eletroconvulsoterapia, eu tenho que ficar prestando atenção no dedo do pé, para os senhores terem uma ideia, porque é onde demora mais o relaxante muscular a chegar. Então, pode-se ver o dedo do pé contraindo um pouquinho, que é toda a crise convulsiva que está acontecendo na verdade, mas, como tem um relaxante muscular, não vai sentir no corpo inteiro. Então, muitas pessoas se surpreendem quando veem: "Nossa, isso que é crise convulsiva?".
A gente faz no Instituto de Psiquiatria. Como o professor, um dos professores, um dos palestrantes, comentou - agora, infelizmente, não lembro quem -, os hospitais públicos ou privados perdem pontos quando veem que existe eletroconvulsoterapia. Isso é uma questão também para se discutir. E também é interessante ver que, de todas essas três técnicas que eu comentei, a eletroconvulsoterapia é aquela para a qual se tentou - na verdade, ela existe desde a década de 60, como eu comentei - fazer algum tipo de regulamentação, de legislação, mas ela se encontra num limbo. Então, tinha um projeto de lei, depois foi apensado - não sei direito o que é apensado, mas estava escrito lá no site -, e era algo restritivo, porém regulatório. Então, colocavam que, caso não houvesse nenhuma outra indicação ou nenhuma outra possibilidade de tratamento, a critério médico, se faria a eletroconvulsoterapia, o que está certíssimo. Não é uma questão de ser a favor ou contra, mas é uma questão de indicação médica bem definida, e claro que isso vai ser um tratamento mais de resgate, não vai ser feito logo de cara, obviamente. Mas depois houve um questionamento orçamentário na Câmara e aí, depois, o projeto foi arquivado. Acho que até do ponto de vista de custo-benefício, encurtar a internação ou encurtar o tempo de doença da depressão, evitar tentativas de suicídio, evitar suicídios completos justificaria, até do ponto de vista econômico, porque uma vida que se perde tem um custo altíssimo no Brasil e no mundo, porque são jovens em idade produtiva. Então, talvez seja algo sobre o que a gente possa ter a fagulha aqui de começar a discutir novamente. Bom, não quis tomar muito o tempo dos senhores. Claro que tem muitos tópicos para a gente discutir, mas quis focar nesse aspecto aqui.
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Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muitíssimo obrigado, Dr. André Brunoni.
Valeu a pena ter esperado, foi uma explanação muito didática, trazendo novidades, eu, particularmente, não conhecia... Estava até comentando aqui com o Deputado Federal Osmar Federal - não sei se o senhor tem algum questionamento a fazer -, o Dr. Fábio também já tinha falado antes dessa questão do choque, em que existe um preconceito muito grande, mas no coração não se tem, não é? Para o coração, que é quantas vezes maior? Dez vezes maior?
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS - Cem, cem vezes maior.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Cem vezes maior! E é adotado no mundo todo.
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS (Para expor.) - Adotado em todo o mundo, não tem nenhum guideline que exclua a eletroconvulsoterapia, a cetamina e a estimulação transcraniana como métodos eficazes de tratar depressão grave com risco de suicídio. Só no Brasil é que nós temos esse preconceito legal, e a gente precisa acabar com isso. Pobre também tem direito. Os ricos fazem, por que os pobres não podem fazer?
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Olha que interessante o que se está trazendo aqui, hein?
Nós vamos agora para a rodada final dos palestrantes. Só quero justificar aqui... registrar, na verdade, a presença ilustre - estão no plenário aqui, pessoal - do Sr. Marco Túlio, que é da comunidade terapêutica Projeto Resgate; Tito, da comunidade terapêutica Lar da Paz - muito obrigado pela presença de vocês -, e do Ricardo, da comunidade terapêutica Estância Fraternidade/Novos Rumos, que estão aqui prestigiando este evento.
Quando souberam que estava abordando suicídio, deram um jeito para vir. Daqui a pouco, quando a gente terminar, se quiserem dar uma palavrinha, nós estamos na Casa, no ambiente que é para isso. Democraticamente, se quiserem fazer alguma colocação eu passo a palavra.
Mas seguindo, partindo para o encerramento desta sessão, agradecendo profundamente a todos os palestrantes, eu vou dar cinco minutos. Quem quiser utilizá-los dos palestrantes que estão conosco online, dos expositores que estão presentes aqui, se puderem responder a algumas daquelas perguntas ou fazer algum comentário final... A gente recebeu aqui... Dentro do que foi possível agrupar as perguntas, basicamente, eram aquelas que eu já li, que a equipe aqui me trouxe. Houve muita participação na internet, muita gente colocando sua posição aqui. Eu acho que a gente tem cumprido a missão.
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Sobre esse negócio de arma de fogo, tem aqui o Carlos Magno que diz "Olha, eu discordo. Onde que o aumento de arma de fogo aumenta a taxa de suicídio?". Isso aí é ciência pura, pesquisa pura. É uma relação direta, inclusive de estudos não apenas no Brasil, mas fora do país, eu tive acesso. E a relação aqui foi abordada pelo Dr. Fábio, pelo Dr. Marcelo também, que falou sobre isso, não sei quem mais falou, se a Dra. Helena colocou - colocou, não é? -, mas essa questão de arma de fogo, o acesso fácil à arma de fogo tem uma relação direta com o índice de suicídio, sim. E não é só na área da segurança pública, não, é geral; sem falar em acidentes com crianças, enfim, coisas que acontecem aí, briga de trânsito, briga de bar. A gente precisa ter muito cuidado, muita calma nessa hora.
Posso começar contigo? Meu querido Deputado Osmar Terra, muito obrigado pela sua presença, obrigado por essa lei de que o senhor foi o autor, mas que a gente viu aqui que carece de uma implementação maior. Qual a sugestão que o senhor dá para o atual Governo, aqui representado, o Ministério da Saúde, pelo Dr. Marcelo? O que é que nós podemos fazer, Parlamentares, sociedade civil organizada aqui presente?
O Pravida, que é um movimento fundado pelo Dr. Fábio Gomes de Matos, faz uma caminhada todo último domingo? Não, todo...
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS - É no dia mais próximo do dia 10 de setembro, que é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, então, naquele domingo a gente faz uma caminhada Pravida na Beira-Mar.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - É o domingo anterior...
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS - O mais próximo.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Mais próximo. É o domingo mais próximo do dia 10.
Eu já participei desse evento lá em Fortaleza. Já está em qual edição, Dr. Fábio?
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS - Este ano, agora, vamos para a 16ª.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Décima sexta edição. Rapaz, é um negócio emocionante, vão pessoas de várias...
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS - O Setembro Amarelo começou lá.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - O Setembro Amarelo começou no Ceará?
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS - Exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Por isso que é chamada de Terra da Luz também.
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS - Também por outros motivos.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Vamos lá.
O SR. OSMAR TERRA (MDB - RS. Para expor.) - Bom, eu queria só agradecer. Eu acho que valeu a pena a dieta e a espera aqui, porque foram muito interessantes as apresentações da Dra. Helena; a tua, Fábio, realmente me surpreendeu, eu até pedi teus gráficos aqui, eu vou querer usá-los. Eu acho que todos, todos, inclusive... Como é o nome do doutor que falou por último aí, da USP?
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Fora do microfone.) - André.
O SR. OSMAR TERRA (MDB - RS) - O André também, a nossa terapeuta da família também, eu acho que todos contribuíram de alguma forma para...
E eu queria, assim, só deixar... Na verdade, respondendo a uma questão que se colocou ali, a tua sugestão foi que não ficasse só na notificação, tivesse o encaminhamento dos casos. Isso é difícil a gente botar em lei, senão daqui a pouco... Se está notificado, é um problema grave de saúde - só se notificam questões graves de saúde -, tem que ser encaminhado. Eu não sei se isso já foi implementado plenamente no ministério, talvez o Marcelo depois possa nos informar sobre isso. Até para gente ter os dados. O que está previsto na lei é a notificação, inclusive da automutilação nas escolas, da tentativa de suicídio e automutilação, nas escolas e nos postos de saúde.
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Nós temos que trabalhar essa questão de saúde mental. Acho que ela vai ser cada vez maior, porque as questões, vamos dizer assim, do resto do organismo estão sendo mais trabalhadas do ponto de vista de soluções tecnológicas e tal. Eu acho que os problemas, a complexidade do mundo... Na verdade, a nossa mente foi feita para um mundo mais simples um pouco do que no que nós vivemos, que é um mundo muito complexo, cada vez mais complexo, não é? Então, eu acredito que isso vai ter que ser... Nós precisamos de muito mais psiquiatras e de psicólogos.
Lá no Rio Grande do Sul, quando nós enfrentamos, assim, um problema de prevenção da violência, uma das primeiras coisas que a gente fez foi aumentar os leitos psiquiátricos em hospitais gerais, porque tinha lei que não permitia fazer... Eu sei que, naquela época, se fecharam, acho, uns 150 leitos em hospitais psiquiátricos, mas criamos 900 leitos em hospitais gerais para atender, principalmente, à epidemia das drogas, que é negada. Hoje, pelo discurso, pela narrativa, não existe epidemia das drogas, mas é só pela narrativa; no mundo real, ela é bem diferente.
Aliás, eu já vou deixar aqui um outro assunto para outro dia - vou falar com o Marcelo aqui, que é da área de saúde mental - que é sobre redução de danos. Só trabalhar com redução de danos para atender dependência química e droga é um absurdo! É um absurdo! Isso aí é só na cabeça de um teórico que não saiu da Torre de Marfim de uma universidade para o mundo real. Tem que ter abstinência! Nós mudamos a política sobre drogas no Brasil por isso, mas tem que ter abstinência. As comunidades terapêuticas têm um papel importante na abstinência assistida. Ser contra a comunidade terapêutica, querer fechá-la e não ter nada para botar no lugar, e o problema é que eles não têm. Oficialmente, toda a gestão petista - e vou entrar no assunto aqui, não quero polemizar - foi sempre a favor de redução de danos e a favor de liberação das drogas. Então, é uma questão muito séria. Isso aí é para outro dia.
Eu queria falar um pouquinho sobre, assim, tentando... Eu acho que no posto de saúde se resolvem mais de 80%, inclusive, das questões dos bons encaminhamentos para a questão de saúde mental. Nós temos que reforçar a capacitação das equipes de saúde do posto de saúde, além das dos Caps, porque eu acho que os Caps Álcool e Drogas do Rio Grande do Sul resolvem muito pouco. Os Caps normais, não; mas os Caps Álcool e Drogas resolvem muito pouco por caso disto: chegava-se lá, e a Diretora do Caps Álcool e Drogas de Novo Hamburgo recomendava que não tinha problema as pessoas usarem o crack: "Imagina, se a pessoa está de bem com a vida e tal, usar o crack duas, três vezes por semana não tem problema"; e essa eu ouvi, essa eu ouvi, eu estava na reunião.
Os 30 primeiros Caps Álcool e Drogas do Rio Grande do Sul fui eu que implantei, quando era secretário, e eu fui a uma reunião - eu estava no final do meu mandato - e ouvi isto: "Não, não tem problema, vamos substituir por maconha a cocaína". É nesse nível o Caps Álcool e Drogas com essa história de redução de danos. O Gabriel lá dizia que o problema não é o sujeito de usar crack, o problema é usá-lo numa latinha de alumínio, tem que dar cachimbo de vidro. Esse é o nível da solução que estava colocada, e talvez volte, de novo, toda essa história. Por isso, tem tanta gente na rua, não foi só...
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Fecham-se os leitos psiquiátricos, e o pessoal vai para a rua, não tem para onde ir. E, quanto mais gente dependente de química, quanta mais gente drogada, menos gente trabalhando, mais população de rua tem. Por isso, está aquele absurdo de população de rua em São Paulo; aquilo é um nível estratosférico, não é? O Canadá, que era um país organizado nesse ponto, era um país bem estruturado na questão de saúde, quando o Primeiro-Ministro liberou todas as drogas, no Canadá - não só a maconha, todas as drogas foram liberadas -, a população de rua se multiplicou várias vezes, inclusive as mortes para conseguir dinheiro para comprar droga. O metrô de Toronto, hoje, é um metrô perigoso; ocorrem, em média, um ou dois homicídios por semana, coisa que nunca tinha acontecido em Toronto. Então, falar de violência e droga é outro assunto sobre o qual nós podemos conversar aqui, por muito tempo.
Eu só queria terminar dizendo o seguinte: a questão de arma de fogo no suicídio é controversa. O último dado que tem do SIM, que é o sistema de registro na área de mortalidade do Ministério da Saúde, pega o período de 2010 até 2019: 60% dos suicídios foram por envenenamento; 16% por lesão cortante; 6,2% por enforcamento - no Rio Grande do Sul, o enforcamento, eu acho, é a causa da maior parte dos suicídios -; 1,3% por objeto contundente; e 0,5% por arma de fogo. Então, aí tem uma... A gente pode até ter divergência nessa questão, mas é uma discussão que vai longe aqui, também. Mas, se o Senador Girão tiver dados diferentes, me passe, porque esses são os dados que eu tenho.
Então, eu acho - só para terminar -, Marcelo, que o Ministério da Saúde está nos devendo pesquisas mais aprofundadas nessa área, até sobre essa relação de organofosforado com suicídio. Onde é que tem pesquisa mostrando isso, com grupo controle, com acompanhamento longitudinal? Nós temos que nos dedicar mais a essas pesquisas, não é?
O SR. MARCELO KIMATI DIAS - Eu me disponho a encaminhar para cá todos os estudos que foram citados; todos os dados que a gente levantou, eu posso encaminhar para vocês.
O SR. OSMAR TERRA (MDB - RS) - Porque, assim, o que predomina é bem definido: são populações, são brancos. Estava falando do aumento do suicídio na população negra. Pode ser que esteja acontecendo, mas, no Rio Grande do Sul, é o contrário, é quase só branco que se mata e são descendentes de pomeranos, são as comunidades pomeranas, alemãs, de descendência alemã, que vieram lá de Hunsrück, e italianos, em alguns lugares italianos, mas predomina alemão e pomerano. Então, tem uma questão cultural; até o suicídio por enforcamento é uma questão cultural nessas comunidades.
Era isso, obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muito obrigado, Deputado Federal Osmar Terra, pela sua participação desde o início, aqui. Chegou antes de mim, estava aqui como convidado, e eu lhe agradeço demais.
Eu vou passar a palavra para a Dra. Helena Moura, para se puder fazer a sua explanação, responder a alguma pergunta, alguma consideração a mais. Ela, que é psiquiatra, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília. Muito obrigado pela sua presença também do início ao fim, e a senhora tem a palavra.
A SRA. HELENA MOURA (Para expor.) - Eu agradeço o convite.
Eu gostaria, na verdade, só de usar este momento para agradecer e me colocar à disposição caso queiram desenvolver novas discussões sobre o tema.
Obrigada e, mais uma vez, parabéns pela iniciativa!
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muitíssimo obrigado, Dra. Helena Moura.
E já passo aqui a palavra, dentro da ordem dos que falaram, dos que estão conectados aqui, ainda, eu passo a palavra ao Dr. Fábio Gomes de Matos, que veio do Ceará; chegou hoje, de manhã, da Terra da Luz. Agora Terra da Luz não é porque lá tem muito nascimento.
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E tem. Inclusive, ontem, nós tivemos do IBGE os dados de que a população cresceu bastante. O Ceará foi um dos locais em que os índices mais aumentaram de nascimento e de crescimento da população. Lá foi o primeiro lugar - quatro anos antes da Lei Áurea, se eu não me engano - que libertou os escravos no Brasil. Foi lá no Ceará, no Município de Redenção. E luz é vida também...
O SR. FÁBIO GOMES DE MATOS (Para expor.) - E tem outro dado, Senador: antes da Academia Brasileira de Letras, a Academia Cearense de Letras foi formada, por isso é que também é a terra da luz. É muito puxa-saquismo do estado aqui. (Risos.)
Mas, assim, eu quero agradecer, obviamente, o convite, sempre muito honroso. E gostei muito de tudo o que eu ouvi, do que a gente debateu aqui.
Só acrescentaria um detalhe que a gente está pesquisando no Pravida: há uma política no Governo do estado de transformar as escolas médias em escolas integrais. Das 600 escolas médias, já 200 escolas são integrais. E nós estamos verificando - viu, Deputado? - essa questão de álcool e drogas e de suicídio: nessas escolas integrais, o índice é muito menor do que nas escolas não integrais. Então, isso já dá um subsídio para que a gente possa dizer que talvez a escola integral seja bem melhor em termos da saúde mental dos adolescentes.
O SR. OSMAR TERRA (MDB - RS. Para expor.) - Eu já falei de manhã, mas só uma coisinha: quando eu criei os programas de prevenção, quer dizer, quando a gente estava construindo os programas de prevenção no ministério, eu fui ao país que tem o melhor resultado na Europa, que é a Islândia.
E qual é o segredo da Islândia? Além de ter leis mais duras que as nossas - menino não pode andar antes dos 18 anos sozinho na rua, depois das 10h da noite - eles têm, assim, um monte de coisas. Tem um dia em que a família tem que largar o celular e ficar junto com os filhos; eles controlam muito a bebida alcoólica. Mas é prática lá: ninguém fica parado. Estudante de ensino fundamental, médio, em todas as horas do dia, tem atividade - em todas as horas do dia! Inclusive futebol, tanto é que eles foram parar até na Copa do Mundo e empataram com a Argentina, e não são profissionais. (Risos.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Muito obrigado.
Só vou dar um dado aqui - tem vários dados, várias estatísticas; o Dr. Fábio apresentou também um sobre essa correlação de arma de fogo e suicídio. Tem outros aqui, por exemplo: estudo publicado, em 2018, no American Journal of Public Health também mostra os números lá nos Estados Unidos. Lá nos Estados Unidos, há uma taxa 35% maior de suicídio nos lares com arma de fogo. Está aqui o estudo completo.
O Dr. Marcelo também acho que mencionou isso. Se quiser fazer alguma colocação sobre a realidade do Brasil, é importante.
Muito obrigado Dr. Marcelo, mais uma vez, pela sua presença aqui do início ao fim.
O SR. MARCELO KIMATI DIAS (Para expor.) - Não, eu acho que é um assunto que a gente não vai conseguir esgotar hoje. Eu acho que essa é uma interlocução muito importante, muito necessária.
Quero parabenizá-lo novamente pela condução que possibilitou um diálogo, um debate bastante produtivo.
E eu me coloco pessoalmente à disposição para debater estes e outros temas relacionados à saúde mental, em relação inclusive à política de drogas. Eu vou deixar o meu contato com a assessoria do senhor e eu estou à disposição para a gente dar sequência a esse debate.
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O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Perfeito!
Já fica o convite para o senhor, porque nós vamos discutir essa questão das drogas aqui - não é Francisco? -, lá na Comissão de Segurança Pública. Depois eu lhe informo a data direitinho. A gente queria também contar com a sua presença, e o Osmar Terra não pode ficar de fora. Ele tem estudos do mundo inteiro, como do Uruguai, onde teve a legalização recentemente, o que aconteceu lá. Pelos dados que eu recebi, o tráfico não diminuiu; muito pelo contrário, o consumo explodiu...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - ... e a violência nem se fala. A Polícia Nacional do Uruguai, que é como se fosse a Polícia Federal daqui, tem um comparativo sobre isso. Vamos analisar.
O Congresso já disse "não" por duas vezes, de forma muito clara, não é? Não passa aqui de jeito nenhum, nem na Câmara, nem no Senado. Porém, o Supremo Tribunal Federal, usurpando a competência nossa aqui de legislar, está querendo colocar em pauta isso. Entra, sai da pauta, mas a Ministra Presidente Rosa Weber disse que quer colocar isso. Eu espero muito juízo, porque a gente não quer mais problemas para o Brasil. Já bastam os problemas que a gente tem. E não vamos deixar transformar o Brasil no maior produtor e exportador de maconha do mundo. É esse o interesse...
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - No "narcoestado". É esse o interesse que está por trás desse lobby poderosíssimo que existe aqui.
Agradeço demais a participação de todos aqui.
O Dr. Nelson é o próximo para fazer as suas considerações finais; depois, o Dr. André também, caso queira utilizar o tempo.
O SR. NELSON FERNANDES JÚNIOR (Para expor. Por videoconferência.) - Senador, obrigado mais uma vez. Parabenizo-o pela excelente condução desta manhã-tarde. Aprendi muito, amplia a nossa visão até a respeito do assunto.
E eu terminaria dizendo o seguinte: é extremamente importante, neste momento de crise - e é uma crise -, que nós abramos mão das nossas convicções pessoais, olhemos para a realidade e busquemos nos unir todos nós, de qualquer convicção, para superarmos esse problema que nós colocamos aqui com tanta propriedade: suicídio, automutilação, uso de drogas, transtornos mentais, depressão. Olha o tamanho da dor e do sofrimento que tem por trás disso, não é? E diria uma coisa mais: olhemos para o hoje, para a necessidade das pessoas hoje, pensando no modelo de futuro, claro, sustentável, mas que as ações sejam feitas hoje com urgência.
E, nesse sentido, me coloco à disposição para outras conversas e coloco à disposição, naquilo que me cabe, esta rede de hospitais psiquiátricos brasileiros legitimamente beneficentes, filantrópicos, voltados ao atendimento das pessoas, fundamentados no amor dos seus fundadores, lá atrás, pela humanidade. Coloco essa rede toda à disposição para socorrer esse importante aspecto da sociedade, a que o Estado brasileiro precisa dar atenção mais do que urgente.
Um grande abraço. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Perfeito, Dr. Nelson. Muito obrigado pela sua participação, mais uma vez aqui, do início ao fim.
Um dos hospitais dessa rede é o Nosso Lar, lá do Ceará, não é? E tem algum outro no Ceará ou só o Nosso Lar?
Solta o microfone aí para ele, se puder.
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O SR. NELSON FERNANDES JÚNIOR - Tem o São Vicente de Paula também, atrelado à Santa Casa de Maceió.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Perfeito, perfeito.
Muito obrigado pela sua participação. Eu conheço o trabalho dessas duas entidades, que desenvolvem com muita excelência o cuidar das pessoas na nossa Terra da Luz.
Já passo a palavra ao Dr. André Brunoni - não é isso? A pronúncia é essa? Está correta, Dr. André?
O SR. ANDRÉ BRUNONI (Por videoconferência.) - É isso mesmo.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Dr. André Brunoni, muito obrigado pela sua participação. O senhor tem cinco minutos.
O SR. ANDRÉ BRUNONI (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado.
Na verdade, eu quero também agradecer toda essa oportunidade que a gente teve para o debate, e fico à disposição para o Legislativo, para o Ministério da Saúde, para o terceiro setor, para a gente continuar discutindo esse assunto que é superimportante.
E é ótimo a gente ter esta oportunidade de discutir. Como a gente viu hoje, saúde mental e transtornos mentais são discriminados em diversos aspectos pela sociedade, até pelos próprios pacientes e familiares. Então é sempre muito bom que a gente encontre esse espaço para debater.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Perfeito, Dr. André. Muitíssimo obrigado pela sua participação.
Encerrando aqui, eu queria só perguntar se o Marco Túlio gostaria de falar, da Comunidade Terapêutica Projeto Resgate, do Ceará - só está dando Ceará aqui! Por que será, hein, Osmar?
O SR. OSMAR TERRA (MDB - RS. Fora do microfone.) - Porque "Ceará"? Porque "será"? (Risos.)
A SRA. HELENA MOURA - Eu quero só pedir licença, porque eu vou precisar me ausentar.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Tranquilo, Dra. Helena. Muito obrigado pela sua presença aqui.
Dr. Marco Túlio, fique à vontade.
O SR. MARCO TÚLIO ALVES SIQUEIRA (Para expor.) - Boa tarde!
Embora eu seja do Ceará, represento aqui a capital, Fortaleza, e o nosso time Fortaleza também. (Risos.)
Gostaria aqui de parabenizar os senhores pelo debate desse assunto tão importante. Em especial, quero parabenizar o Presidente desta Comissão aqui, o Senador Eduardo Girão, do nosso Estado; o Deputado Federal Osmar Terra; e os demais aqui que participaram.
Eu me chamo Marco Túlio e estou no Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas, do Ceará. Também faço parte, como Vice-Presidente, aqui com o meu amigo Tito e o Secretário Ricardo, da Associação Cearense de Comunidades Terapêuticas.
Depois de tudo o que foi falado por especialistas, pesquisadores, PhDs, o que eu diria sobre essa temática? Aqui, trazendo a correlação entre uso de substâncias psicoativas e a questão do suicídio e da automutilação, eu trago um dado do Centro Integrado de Neuropsiquiatria e Psicologia Comportamental que constatou que o consumo combinado de álcool e drogas está diretamente relacionado a tentativas de suicídio, já que o uso dessas substâncias agrava os sintomas depressivos e intensifica a impulsividade.
De acordo também com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), no Brasil, a principal causa que leva ao suicídio são os transtornos afetivos - com cerca de 36% - como depressão e ansiedade, que é outro grande mal hoje que nós vivemos, não é? Quando eu digo mal, isso é um outro grande problema que precisa ser debatido e tratado. E, em segundo lugar, diz a Associação Brasileira de Psiquiatria que, com 23%, está a dependência por substâncias psicoativas. Então, aqui, através desse dado da Associação Brasileira de Psiquiatria, demonstra-se que, em segundo lugar, com 23%, está, nos casos de suicídio, a dependência por substância psicoativa.
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Ao lado desses dois irmãos, eu lembro que, já neste ano, eles perderam irmãos, companheiros, amigos que saíram da comunidade terapêutica e infelizmente retornaram ao uso, e uso abusivo, e tiraram suas próprias vidas. Então, isto acontece rotineiramente nas comunidades terapêuticas no Brasil: pessoas que saem do tratamento, retornam ao uso e aí já voltam para o abuso, porque, uma vez tornando-se alguém com essa doença que a Organização Mundial de Saúde declara que é uma doença progressiva, incurável e fatal, alguns deles, infelizmente, perdem suas vidas, tiram suas próprias vidas. E um outro dado é, muito simples, fazendo um paralelo, que nunca se ouviu falar de alguém que saiu de uma comunidade terapêutica, que ficou em sobriedade e tirou a própria vida. É simples. Então, o uso de drogas atrela-se infelizmente a essa problemática chamada suicídio.
Eu lembro de um caso também muito emblemático no Ceará que foi aquela fatalidade com os dois policiais rodoviários federais na BR-116 em que os policiais foram abordar uma pessoa em transtorno psíquico e tiveram suas vidas ceifadas por aquele cidadão que estava com transtorno. E falo isso porque é algo que não dá para entender, por exemplo, no Estado do Ceará, não existir uma ambulância do Samu com leito psiquiátrico. (Pausa.)
Então, uma; perdão - verdade! -, uma, exatamente uma, para atender o Ceará. Um estado tão grande, de uma territorialidade tão grande, tem uma ambulância com leito psiquiátrico para fazer o atendimento de pessoas com transtornos, sejam elas com pensamento, desejo ou tentativa de suicídio.
Por fim, eu testemunho aqui que eu, Marco Túlio, tenho 36 anos, sou um grande admirador do seu trabalho, Dr. Marcelo, na área da saúde mental, no Ministério da Saúde. Sinceramente, acho que nós devemos, sim, atrelar os nossos serviços enquanto comunidade terapêutica que está, desde 2008, compondo a Raps (Rede de Atenção Psicossocial). Eu lembro que, quando eu fiz uso de drogas indevidamente, pois eu comecei a usar drogas com 11 anos de idade; aos 13 anos, eu fui preso pela primeira vez; aos 18, novamente; aos 24 anos, vivendo o transtorno mental do uso indevido, substituindo uma substância pela outra, achando que uma aqui era pior, que a outra ia melhorar, que o crack era que tinha feito com que eu fizesse ilicitude para ser preso, então, eu ia mudar para cocaína, e assim por diante, fazendo essas mudanças de substância, eu me tornei alguém que tinha medo de tudo, de todos, não conseguia mais trabalhar, tinha pensamento, desejo e cheguei a atentar contra minha própria vida.
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Então, hoje está completamente atrelado às pessoas que fazem uso de substância psicoativa a tentativa de suicídio, ou pelo menos o pensamento. E, nas comunidades terapêuticas, a pessoa que chega a atentar contra a própria vida perde o perfil de ser acolhida.
Então, é importante dizer que, assim como as comunidades terapêuticas, todos os outros serviços que compõem a Raps (Rede de Atenção Psicossocial) são devidamente importantes. A comunidade terapêutica não é a melhor opção, é uma das opções que, dentro dessa rede, compõe e pode atender essas pessoas que têm essa problemática associada ao uso de substância psicoativa. Quer dizer, a pessoa que faz a tentativa de suicídio perde o perfil para a comunidade terapêutica, e nós dizemos: olha, ela precisa ir para o hospital de saúde mental, para a rede de atendimento, aí, vai para o Nosso Lar, vai para o São Vicente. Ela não pode ir para a comunidade terapêutica, porque a gente não tem competência, não tem como atender aquela pessoa. Mas aquela outra que já passou pelo atendimento ambulatorial, como o Marco Túlio, nos Caps, nos Caps-AD, procurando de diversas formas, nos grupos de autoajuda, algum atendimento, dar um rumo para a sua própria vida, para a vida da sua família e não teria tido sucesso, conseguiu, na comunidade terapêutica, a abstinência, saiu dali e está limpa até hoje, há mais de 11 anos.
Então, eu pergunto: por que e como a comunidade terapêutica é ruim para a sociedade se ela é mais um dos equipamentos da Raps, que atende a um público específico, um perfil, enquanto o Caps-AD atende outro de forma ambulatorial? Eu sou fruto também do Caps-AD, como também sou fruto de uma comunidade terapêutica. Eu sou fruto de toda essa rede que atende essas pessoas que fazem uso de substância psicoativa indevidamente e que precisam de ajuda. São mães, são pais, são famílias que não perdem os seus entes quando tentam tirar suas vidas.
Hoje, minha esposa se trata no Caps geral. O meu filho mais velho, de 22 anos, que está na UFC, tem algumas dificuldades de se relacionar pelo meu uso indevido de drogas em casa, ameaças, e por aí vai. O meu filho.... Quando eu me internei na comunidade terapêutica, no Projeto Resgate, a minha esposa estava grávida - teve trombose venosa profunda na gravidez, uma gestação muito complicada -, e aquela criança hoje tem pequenas complicações, inclusive psicológicas, muitos medos, e temos hoje dificuldades de acessar o nosso plano de saúde chamado SUS para ter o atendimento do meu filho. Hoje, o atendimento na rede de saúde mental do Ceará é - hoje - um atendimento inicial; daqui a três meses, o atendimento médico; e, depois de seis meses, o retorno. Assim acontece no Ceará, assim acontece com a minha esposa - eu falo isso e demonstro, doutor -, e isso é alarmante, é preocupante. Minha esposa diz: "Eu não vou mais, porque a gente recebe a medicação, acaba a medicação e não tem como retornar". Aí começa a ter enxaqueca, isso e aquilo, e a ficar pior ainda. Então, hoje, a gente se esforça para pagar, na rede particular, um médico e tudo mais para poder acompanhá-la. E tudo isso está atrelado ao uso de substância psicoativa que eu fiz.
Finalizo agradecendo aqui ao Deputado Federal Osmar Terra por todo o trabalho que ele tem feito desde quando Ministro para essa rede e linha de cuidados; ao Exmo. Senador Eduardo Girão, que, no Ceará, é o Parlamentar que mais destinou recurso para contemplar o trabalho e a eficácia das comunidades terapêuticas no intuito de capacitar, de profissionalizar, de inserir, de reinserir as pessoas que fazem uso daquele serviço, porque, como eu disse, muitas pessoas saem das comunidades terapêuticas, voltam a usar drogas e tiram suas próprias vidas. Aquelas que saem e não retornam, porque tiveram a capacitação, tiveram a profissionalização, que foram inseridas ou reinseridas no mercado, não voltarão a usar drogas, como Marco Túlio, Claudeir, o Tito, e Ricardo Firmino. Somos três frutos de comunidades terapêuticas trabalhando hoje, no Estado do Ceará, pelas comunidades terapêuticas.
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Falo isso para dizer que é possível a gente dar a volta por cima, embora uma parte da sociedade tenha olhado para mim e dito: "Você não tem jeito"; uma parte da sociedade tenha olhado para minha mãe e dito: "Larga, abre mão, ele não tem jeito". A minha irmã, antes de eu ir para o meu primeiro acolhimento - e único, graças a Deus -, fez uma ligação, para me motivar, porque eu estava indo, doutor, e disse assim: "Marco Túlio, é o seguinte, a gente já tentou de várias formas, tudo a gente já fez [sou o quarto dos cinco filhos] e eu pedi a Deus por você". Aí, eu disse: "Foi?". "Foi, para você morrer." Eu disse: "Tudo bem". E eu fui para a comunidade terapêutica com essa motivação. Minha irmã, única irmã mulher, pediu a Deus para eu morrer. Eu entendi o que ela quis dizer. Ela pediu a Deus para que eu morresse, porque ela não aguentava mais me ver me matando e matando minha família. Assim, ali, na sua inconsciência, achando que assim era o melhor, ela pediu a Deus para eu morrer.
E assim era o meu pensamento, o meu desejo. É melhor que eu morra do que eu continue dando trabalho à minha família, à minha esposa, a meus filhos. Mas, pela graça de Deus, da ajuda de uma rede de cuidados - porque, na comunidade terapêutica, eu fui levado ao Caps, eu abandonei o emprego, eu fui levado ao INSS, eu fiquei de licença médica, eu fiz capacitação, e aí, voltei ao emprego, me aceitaram, e por isso eu fiquei muito surpreso, por me aceitarem, me darem a oportunidade de crescer na empresa -, hoje eu me mantenho limpo; hoje voltado somente para a comunidade terapêutica.
Por fim, agradeço.
Parabenizo aqui o trabalho de todos. Deixo aqui os nossos votos mais sinceros lá do Estado do Ceará, parabenizando o trabalho de vocês. Contem conosco de alguma forma, com o nosso trabalho! Humildemente falando, queremos melhorar sempre, queremos construir uma melhor política pública sobre drogas, em especial de saúde mental e nos deixamos à disposição. Deus abençoe a todos! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Girão. Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Olha, eu vou falar uma coisa para você, viu, Marco, eu já o conheço há algum tempo, sua família tive o prazer de conhecer, sua esposa, e não poderia ter tido um fechamento melhor, sem combinar, de forma espontânea, o que você falou aqui, o seu testemunho. Você deu um testemunho. E a sua vida passaria aqui, o resumo dela, da sua superação, passaria o dia todo numa sessão para a gente comentar, porque eu conheço um pouco. Mas eu estava falando aqui com o Deputado Osmar Terra da sua sabedoria, das palavras, do seu equilíbrio, toca, na alma e no coração, como verdade na gente o que você fala. E eu agradeço, porque foi a cereja do bolo; depois de tantas palestras maravilhosas aqui, expositores, eu acho que você trouxe a voz lá de fora, você trouxe a voz do usuário, você trouxe a voz de quem está sofrendo, você trouxe a voz do pai, da mãe, da irmã, você trouxe a voz da sociedade. Então, eu só tenho que lhe agradecer esse encerramento.
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Agradeço também ao Roberto e ao Tito pela presença, aqui no Senado Federal, nesta manhã-tarde histórica, não é, Dr. Marcelo? Deus abençoe a todos nós!
O Marcelo ficou firme aqui; o Nelson, também lá; mas os outros também eu entendo, porque a gente já extrapolou aqui todos os limites. Quantas horas de sessão? (Pausa.)
Rapaz, seis horas! Mas deu para comer uma barrinha aí pelo menos, não é? Desculpa. Seis horas de sessão!
E eu agradeço à nossa equipe: à Adriana, ao Francisco, ao Alex e a todos que se envolveram aqui para organizar esta sessão.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a reunião.
Muito obrigado pela sua audiência.
(Iniciada às 9 horas e 51 minutos, a reunião é encerrada às 15 horas e 27 minutos.)