03/07/2023 - 48ª - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Declaro aberta a 48ª Reunião, Extraordinária, da Comissão Permanente de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura.
A audiência pública de hoje será realizada, como sempre, nos termos de requerimentos. Nesse caso, o 37, de 2023, de minha autoria e de outros, sobre os 20 anos da Lei 10.639, de 2003, que trata do ensino da história e cultura afro-brasileira.
Por uma questão de justiça, embora venhamos brigando por essa lei há muitos e muitos anos, a lei foi de autoria da Deputada gaúcha Esther Grossi e do Ben-Hur. Eu era Deputado. Nós trabalhamos juntos, mas não deu certo. Junto eu digo porque queríamos aprovar antes. Mas, felizmente, depois, sob a liderança da Esther Grossi e do Ben-Hur, conseguimos aprovar na Câmara, veio para o Senado, foi aprovada e é lei. A importância do debate de hoje.
A reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania na internet, em www.senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone da Ouvidoria: 0800 0612211.
Eu estou no momento dos informes ainda. Só vou informar que a primeira mesa será composta por:
- Beatriz Soares Benedito, Analista de Políticas Públicas do Instituto Alana, que já está aqui conosco. Muito bem.
- Tânia Portella, do Geledés - Instituto da Mulher Negra, que está aqui conosco também.
- Thamires Rosa, mãe de uma criança que sofreu racismo na escola, por videoconferência.
- Fernanda do Nascimento Thomaz, Coordenadora-Geral da Coordenação de Memória e Verdade sobre a Escravidão e o Tráfico Transatlântico do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, também presença confirmada já. Já está aqui com a gente.
Eu farei uma fala de abertura, como é de praxe, sobre o tema.
A importância da lei que trata da história e cultura afro-brasileira e indígena também nas redes de ensino celebrou, neste ano de 2023, seus 20 anos. A legislação garante uma das principais vitórias dos movimentos negros do país para o povo brasileiro, que tem a sua história lapidada em um dos processos mais cruéis da humanidade, a escravidão.
A legislação foi sancionada em janeiro de 2003, a Lei 10.639, então na época ainda pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. No ano de 2008, a norma avançou. Incluiu e fortaleceu a luta dos povos indígenas, com a aprovação da Lei 11.645. Estão englobadas.
Conforme os Institutos Alana e Geledés - Instituto da Mulher Negra, sete em cada dez secretarias municipais da educação não realizaram ainda, infelizmente, ações ou poucas ações para implementação do ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas.
O estudo ouviu, em 2022, gestores de 1.187 secretarias municipais de educação, o que corresponde a 21% das redes de ensino dos municípios, sobre o cumprimento da 10.639. A pesquisa ressalta que os municípios são os principais responsáveis pela educação básica.
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Do total, constatou-se que 29% das secretarias têm ações consistentes e perenes de atendimento à legislação; 53% fazem atividades esporádicas, projetos isolados ou em datas comemorativas, como o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro; 18% não realiza nenhum tipo de ação. As secretarias que não adotam nenhuma ou poucas ações juntas somam 71%. Por isso que se fala que menos que 30% adotam efetivamente essa lei no dia a dia da sala de aula.
Precisamos contar todas as histórias do Brasil, pois não existe uma história única a implementar. A lei da história e cultura afro-brasileira é uma das mais importantes ações para a mudança cultural e social no país. E para que isso aconteça precisamos contar com o apoio de todos e todas, como o Ministério Público Federal, a Confederação Nacional dos Municípios, Prefeitas, Prefeitos, diretorias e secretarias de educação e de toda a sociedade brasileira.
A implementação da lei da história e cultura afro-brasileira e indígena é combater o racismo na prática. Precisamos parar de discutir, diante do tema, apenas quando noticiários abordam os crimes de racismo. É de fato todos trabalharmos para implantar na sala de aula esse debate tão importante, para que aconteça nas salas de aula, não é? Precisamos de ações integradas e efetivas para a promoção da igualdade racial no país.
Axé! Vamos ter aqui hoje, com certeza, um bom debate, uma ótima audiência pública.
Estou ainda nos informes, viu? Depois eu vou passar para vocês.
Quero também destacar que 3 de julho é o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial. A data foi criada para relembrar a aprovação da Lei 1.390, conhecida como Lei Affonso Arinos, em 1951. Ela é a primeira norma contra o racismo no Brasil. No dia 3 de julho de 1951, o Congresso aprovou essa lei que tornava contravenção penal a discriminação racial. A lei serviu para trazer à tona o tema racismo.
Em 20 de dezembro de 1985, a Lei 1.390 ganha uma nova redação que incluiu entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil. A partir dessa data, entra em vigor a Lei 7.437, apelidada de Lei Caó.
O Caó, todo mundo sabe, fazia parte da nossa bancada negra na Constituinte. O destaque aqui era eu, o Caó, o Edmilson Valentim e a Benedita da Silva. Infelizmente o Caó, que foi o grande articulador e autor dessa lei - nós contribuímos, é claro, com o debate e com os relatores - faleceu. Eu daria uma salva de palmas para o Caó neste momento, já falecido. (Palmas.)
E que lembre que na CDH a gente se lembrou dele. Que ele veja lá de cima que a gente se lembrou dele nesse dia.
Enfim, segundo a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, houve um aumento de 60,1% em violações dos direitos das pessoas negras em comparação com o mesmo período do ano passado. Este é um número pesado: 60,1% em relação ao ano anterior, em comparação com o mesmo período do ano anterior.
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No primeiro semestre de 2022, foram 392 mil denúncias de ouvidoria; no primeiro semestre de 2023, chegaram a 632 mil denúncias - estou arredondando aqui. Vejam, a gravidade, ano a ano, vem aumentando, principalmente nos períodos anteriores. Agora são frutos de uma política que foi adotada até o fim do ano passado esses dados que a gente traz aqui.
Eu estava muito preocupado com a situação dos refugiados. Eu fiz parte da Comissão de Refugiados até semana passada, quando passei então para a nova diretoria que assumiu, porque tem que haver rodízio. No dia em que dei posse à nova diretoria que assumiu, e a Mara Gabrilli que é a Presidenta, a Carol, Deputada Federal, é a Vice-Presidenta, e o Túlio é o Relator, tanto que estava previsto um debate sobre esse tema no Plenário hoje à tarde - não é, Isabel? -, mas acho que devido à questão de o Presidente Lula sancionar hoje à tarde... E eu vou para lá também, vou estar lá no meio da galera, porque acho que é uma conquista de todos nós homem e mulher salário igual, uma luta que travamos por anos e anos. Eu me lembro de que eu chegava nas sessões aqui no Congresso que homenageavam as mulheres, dia 8 de março, e eu dizia o seguinte: não adianta só fazer homenagem, mandar uma flor, beijinho para cá, beijinho para lá; o Parlamentar tem que aprovar a lei de salário igual para homem e mulher. Infelizmente, por mais que tenhamos lutado, nunca se aprovou. O Lula teve que voltar, apresentar o projeto de lei completo e vai ser sancionado hoje à tarde. Todos nós estamos combinando de estar lá, não vamos faltar.
Então, fica aqui uma salva de palmas para o Presidente Lula e para todas as mulheres, porque é uma vitória das mulheres, homem e mulher, salário igual. (Palmas.)
Mas quero também aqui fazer uma pequena homenagem nesta abertura ainda, por isso que abri minutos antes, para dar todo o tempo para vocês, já que vocês vão falar depois das 10h: quero saudar também a decisão do Ministro da Justiça, Flávio Dino, sobre os 128 imigrantes afegãos, sendo 35 crianças. Estavam acampados no Aeroporto de Guarulhos, eles foram levados para a colônia de férias em Praia Grande, litoral de São Paulo, e ficarão no abrigo de imediato, garantido por 30 dias. Lamento que a Prefeita de lá parece que tentou barrar, mas o Dino que é muito firme e muito competente, disse: "Não, vão ficar aí, sim, no Sindicato dos Químicos", onde se vê o espaço da colônia de férias. Eu já estive lá, é uma boa colônia de férias, eles estarão bem instalados.
Depois, claro, desse período, serão definidos os destinos de forma definitiva em cidades brasileiras. Vou dar um exemplo. O Rio Grande do Sul tem muitos e muitos refugiados. Em Canoas, cidade em que resido, o Prefeito Jairo Jorge, tem uma secretaria só para cuidar dessa questão, e cuida muito bem, está fazendo um bom trabalho lá.
Deu um problema ali, como eu dizia, em Praia Grande, mas prevaleceu no fim o diálogo, a Prefeita entendeu, o bom senso, o espírito humanitário. Mais uma vez, parabéns ao Ministro Dino, ex-Senador, porque é meu colega aqui no Senado e foi convocado para ser Ministro, está fazendo um belo trabalho no Ministério da Justiça.
Os afegãos estão recebendo atendimento de saúde e social, parceria entre Governo Federal, Governo estadual e município, entidades civis, organismos internacionais que cuidam dessa questão.
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Palavras do Ministro Dino: "Nós temos 5 milhões de brasileiros morando em outros países, e isso impõe deveres de reciprocidade [muito bem colocado]. Por isso, houve a decisão de termos capacidade de atender esse número rapidamente [como foi o caso que se deu]. O Brasil tem lei sobre migrações, tem obrigações previstas e compromisso internacional. Isso é uma política de acolhida".
Então, parabéns aí ao Governo pelo trabalho que fez... (Palmas.)
... em relação a esses...
Eu sempre digo que direitos humanos não têm fronteira. Você não tem fronteira. E o Ministro Dino fala aqui, com muita competência, que nós temos que acolher para sermos acolhidos lá fora também.
Agora, vamos à nossa primeira mesa.
Convido para a primeira mesa a Dra. Beatriz Soares Benedito, Analista de Políticas Públicas do Instituto Alana.
Seja bem-vinda! (Palmas.)
Convido também a Dra. Tânia Portella, Instituto da Mulher Negra, Géledes.
Por favor. (Palmas.)
Para mim, todas são doutoras. Não me venham aqui dizer: "Mas eu não sou doutora". Doutora no conhecimento, no saber. Todas são doutoras. A maioria tem título mesmo de doutora, mas, mesmo que não tenha, não se sinta constrangida, porque eu chamo todas que são painelistas de doutoras.
Dra. Fernanda do Nascimento Thomaz, Coordenadora-Geral da Coordenação de Memória e Verdade sobre a Escravidão e o Tráfico Transatlântico do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Seja bem-vinda! (Palmas.)
Dra. Christiane Ramirez, Consultora de Cultura da Confederação Nacional de Município (CNM).
Seja bem-vinda, Doutora! (Palmas.)
Teremos também, de forma virtual, por videoconferência, a Dra. Thamires Rosa, mãe de uma criança que sofreu racismo na escola.
Dra. Monica Lima, Coordenadora do Laboratório de Estudos Africanos (LeÁfrica), UFRJ, Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
E Regis Alves, Secretário de Combate ao Racismo e Coordenador do Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnico-Racial do Ceará, também por videoconferência, confirmado.
E quero dizer, pessoal, que, neste momento, no Plenário do Senado, também há uma sessão de debates em relação aos refugiados.
A Senadora Mara Gabrilli eu sei que vai participar à distância dessa sessão.
O Túlio Gadelha, que é o Relator - eu estou aqui justificando -, teve problema de voo e, provavelmente, vai ser a Carol Dartora, que é Vice-Presidente, que vai presidir os trabalhos lá. Tinha pedido para mim. Eu disse: "Olha, na falta...". Eu ia até... "Se não tiver ninguém para presidir...". Eu ia fazer um apelo a vocês, de que eu passaria a palavra para o primeiro convidado e eu iria lá só abrir, para os convidados começarem a falar, e voltaria para cá. Mas, felizmente, não foi preciso. A Vice-Presidente chegou em tempo. Eles estavam com dificuldade - eu não tinha a informação precisa. Mas eu ia me dividir. Eu sou um só, mas aí viro dois. Eu abriria aqui, passaria a palavra para uma de vocês, iria lá, abriria, passaria a palavra para um convidado e voltaria para cá. E aí daria tempo de a Dartora chegar. Mas, felizmente, a nossa querida Deputada Federal, muito competente, a Carol Dartora chegou e os trabalhos já iniciaram.
Vamos nós aqui, então.
De imediato, passo a palavra para a Dra. Beatriz Soares Benedito, Analista de Políticas Públicas do Instituto Alana.
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Eu vou dar já 15 minutos para cada um; se necessário, mais 5. O.k.?
A SRA. BEATRIZ BENEDITO (Para expor.) - Bom dia a todas e todos!
Quero parabenizar a pessoa do Senador Paulo Paim por este encontro aqui hoje, parabenizar a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Acho que vai ser bacana ouvi-los e contribuir com este momento.
No Instituto Alana eu tive a honra de coordenar, junto com a minha colega Tânia Portella, essa pesquisa sobre a implementação da 10.639 nos municípios brasileiros.
No nosso encontro de organizações, acho que é bacana trazer aqui também, que a gente se encontra, Alana e Géledes, nessa luta para a garantia de uma educação de qualidade, de uma educação para todas as crianças, adolescentes e bebês, que valorize...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Permita-me.
A SRA. BEATRIZ BENEDITO - Claro.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Porque é uma interrupção injusta.
Chegou aqui a Abiga, a Abigail. A Abiga, pessoal... Eu tenho que fazer essa homenagem a ela - eu vou descontar o seu tempo, viu?
A SRA. BEATRIZ BENEDITO - Está tudo certo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Por duas vezes que eu fui candidato ao Senado - estou já no terceiro mandato -, ela foi candidata, também, ao Senado. Por quê? Porque nós tínhamos que lançar dois candidatos, porque tínhamos que tirar o voto do lado de lá para que eu pudesse me eleger. E a Abiga, consultada, disse: "Sou candidata, só para ajudar o Paim para ele continuar lá". E assim... Teve uma em que eu fiz 4 milhões de votos e ela fez 2 milhões de votos. Dois milhões de votos é voto, não é? Eu não quero falar dos meus votos, queria falar dos 2 milhões de votos que ela fez. Foram 2 milhões de votos que não foram para o lado de lá, porque se os votos tivessem ido para o lado de lá eu não tinha me reeleito Senador. Ela foi fundamental. E hoje - vamos dar-lhe palmas em seguida - ela é Vereadora da capital do Rio Grande do Sul, de Porto Alegre, e vai estar aqui conosco. Ela vai falar sobre esse tema, porque ela adora esse tema também.
Seja bem-vinda, Abiga, e toda a equipe que está junto com você. (Palmas.)
A SRA. BEATRIZ BENEDITO - Posso seguir?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Vai partir agora do zero, vou dar o seu tempo de volta.
A SRA. BEATRIZ BENEDITO - Não, imagina.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pronto.
A SRA. BEATRIZ BENEDITO (Para expor.) - Então, o nosso encontro de organizações surge desse compromisso de uma educação de qualidade, comprometida com a perspectiva antirracista, que deve ser garantida desde a educação infantil e durante toda a vida escolar.
Não são poucos os casos de racismo que a gente ouve falar no ambiente escolar. A gente entende que esse equipamento público é um equipamento fundamental no sistema de garantia de direitos das crianças e dos adolescentes, e como ter um ambiente hostil às crianças negras, sobretudo, torna o desenvolvimento integral da criança comprometido.
Acho que é importante trazer aqui também na minha fala que, ao longo da história, o movimento negro destacou a importância da educação como uma estratégia de transformação social, como uma estratégia de garantia de direitos, não só pelo acesso e pela permanência das crianças e dos adolescentes nas escolas, mas também para a gente ter o reconhecimento dessa população na formação e na estrutura do nosso país.
Nesse sentido, a gente então faz essa pesquisa, que olha como as Secretarias Municipais de Educação organizam a educação para relações étnico-raciais nos seus municípios. A gente também aproveita para atualizar dados sobre esse cenário, um cenário político que a gente viu nos últimos anos se agravando, uma desigualdade racial entre estudantes brancos e negros que também se agrava nos últimos anos, e como a gente consegue avançar a partir de dados que nos orientem no desenho de políticas públicas mais assertivas e mais direcionadas aos estados e municípios. A pesquisa conta com o apoio da Undime (União Nacional dos Dirigentes de Educação) e da Uncme (União dos Conselhos Municipais de Educação) e com o apoio estratégico da Imaginable Futures.
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Pode passar? Eu vou pedindo.
O objetivo do estudo foi analisar a implementação da 10.639 nos municípios, que torna obrigatório o nosso principal instrumento de combate ao racismo nas escolas.
Pode passar. Próximo, por favor
A gente, então, constrói esse mapa, que só é possível por conta da adesão de 21% dos municípios brasileiros a esse questionário, a essa pesquisa. A gente pega uma etapa de 41% dos municípios na Região Nordeste, 10% na Região Norte e 11% no Centro-Oeste. O nosso desenho de amostra acompanha o desenho de portes municipais definidos, estabelecidos pelo IBGE, então, a gente está ali também nos portes municipais distribuídos como é o desenho brasileiro, e as etapas oferecidas, aquelas que a gente já imagina, oferecidas pelos municípios.
A maioria desses municípios, a maioria dos respondentes, de quem responde à nossa pesquisa são dirigentes de educação ou pessoas com mais de 11 anos trabalhando em secretarias de educação, mais da metade do tempo da promulgação da 10.639, então são pessoas ali que realmente vivenciaram esse processo e trariam informações relevantes para a gente nessa análise, na produção desse diagnóstico.
Quando a gente faz o cruzamento de raça, gênero e cargo, a gente tem ali 78% de respondentes mulheres, sendo a maioria das dirigentes mulheres brancas e a maioria das técnicas mulheres negras. Eu acho que é importante a gente trazer essa informação para que a gente também consiga entender como a política está se organizando, quem são as lideranças que estão à frente da educação e conversando sobre essa agenda, qual o poder de decisão de cada uma delas.
A pesquisa é dividida em três produtos: uma etapa qualitativa, que são os nossos estudos de caso, que vão sair no próximo semestre; um banco de dados anonimizado para que as pessoas consigam fazer seus próprios cruzamentos e entender, formular suas próprias hipóteses; e essa etapa quantitativa, que é a que eu apresento aqui, que conta com 1.187 municípios, como o Senador trouxe na abertura. A gente organiza esses 1.187 municípios em três grupos: o grupo de secretarias com ações consistentes e perenes, aquelas que planejam e têm intencionalidade de promover uma educação para relações étnico-raciais, que cumprem além; as secretarias que organizam ações menos estruturadas, sobretudo no mês da Consciência Negra, e ações um pouco mais de respostas, não tão propositivas; e as secretarias que não realizam nenhum tipo de ação, ou têm ações muito pequenas.
Pode passar.
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E, quando a gente desenha, quando a gente observa esse cenário a partir dos dados coletados, o que a pesquisa revela para a gente - e aí pode passar para o próximo - é que, após 20 anos da promulgação da lei mais importante de combate ao racismo nas escolas, 71% das secretarias não respeitam a lei de forma satisfatória. A gente tem esse número, que é chocante e que a gente vai desdobrando aqui quando a gente vai contando os dados que aparecem, como a gente chega a esse resultado, mas é um dado que, depois de 20 anos, nos preocupa muito.
E aqui acho que vale eu trazer que a gente está olhando para a organização administrativa da política; a gente não está olhando para a ação dos professores, dos diretores, dos gestores públicos, que muitas vezes estão, de forma isolada e de forma ativista, trazendo esse conteúdo no seu dia a dia, na sua atuação, no seu compromisso político de renovação. Então, acho que vale a gente também ressaltar a atividade desses profissionais, que muitas vezes acontece comprando uma briga mesmo. A gente sabe que o ambiente escolar, que o contexto ali da escola pode ser um contexto um pouco hostil para esses professores, mas eu acho que vale ressaltar esse dado importante também.
Pode seguir, por gentileza.
Quando a gente olha para esses perfis, a gente olhou para quatro aspectos da política: a disponibilidade orçamentária, a presença de equipes responsáveis, a regulamentação municipal local que torna a lei mais próxima da realidade do território e a coordenação de ações com as redes escolares.
Pode avançar.
Quando eu vou falar aqui do orçamento, equipes e regulamentação, e passo a palavra para a minha amiga Tânia - pode ir para o próximo -, a gente abre com dados de orçamento, porque a gente tem 39% de municípios que afirmam realizar investimento para educação para relações étnico-raciais. Dentro desses 39%, a gente só tem 8% afirmando ter uma dotação orçamentária específica para ações do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira; 8%, mas ainda não se diz a qual projeto esse orçamento está atrelado - esse número pode ser muito reduzido. E um número como esse nos permite pensar como a política tem condições de se estruturar e de fato chegar às escolas. Acho que ele é o que orienta todos os nossos achados em seguida, quando a gente não vê orçamento direcionado para esse tema.
Pode ir para o próximo.
Quando a gente olha para as equipes, a gente só tem 5% de secretarias com uma área específica para educação para relações étnico-raciais; 74% das secretarias não têm ninguém olhando para isso de forma estratégica, de forma intencional. É um número que não permite ou inviabiliza qualquer tipo de ação nessa agenda, buscar parcerias, desenhar política, olhar de forma transversal, promover um processo participativo, trazer as famílias para a política educacional. Então, a gente tem esse número também que inviabiliza qualquer tipo de ação.
Pode ir para o próximo, por gentileza.
E aí, no próximo, quando a gente olha para os redesenhos de currículos, os municípios afirmam que 58% deles revisaram seus currículos considerando a educação para relações étnico-raciais, mas recentemente a gente tem uma parcela de 32% que reviram os seus currículos sem nem considerar aspectos da educação para relações étnico-raciais. A gente perdeu aí uma parcela de um terço deles olhando para essa pauta com a urgência com que ela merece ser vista.
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Aí eu passo a palavra para a Tânia continuar a minha apresentação.
Pode passar. (Palmas.)
A SRA. TÂNIA PORTELLA (Para expor.) - Bom dia a todas, "todes" e todos. Eu sou a Tânia Portella. Sou Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo e sou Consultora em Educação, de Geledés - Instituto da Mulher Negra.
Saúdo a todos, agradecendo ao Senador Paulo Paim e à Comissão de Educação pela oportunidade de dialogar sobre esse marco legal, que é tão caro não só para o movimento negro, mas eu acho que para toda a sociedade brasileira, porque quando a gente trata desse tema, a gente não trata só de uma questão que é importante para reconhecimento de quem construiu o país, não só na teoria e com conhecimentos, mas também na materialidade, colocando a mão no trabalho pesado, mas também é importante para a população branca que passe a se enxergar de uma forma menos hierarquizada e passe a se enxergar não como modelo universal, mas compreender que caminha paralelamente, junto às demais populações que construíram este país.
Então, uma coisa que eu acho importante pontuar, antes de seguir com a apresentação da pesquisa, é que nós fundamos os conceitos e os eixos a serem discutidos nesse documento a partir de determinações legais que já existem no país há quase 20 anos também, que foram construídas no primeiro ano após a promulgação da lei, que são as Diretrizes Curriculares Nacionais. Então, todos os temas que nós abordamos aqui têm a ver e dialogam com essas diretrizes, e o Plano Nacional de Implementação de Educação e Relações Raciais, e para a própria implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais, para que que essa lei fosse cumprida.
Então, quando a gente estabelece os eixos de pesquisa, a gente está dialogando diretamente com esses dois documentos, que, se tivessem sido respeitados, assim como as demais partes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, não precisaríamos estar aqui cobrando essa política.
Por favor.
Então, essa primeira amostra que a gente traz aí diz que as ações são implementadas em três níveis: umas são um pouco mais organizadas, têm um planejamento e são mais orientadas; outras são esporádicas; e outras não são cumpridas.
Pode ir rodando.
A nossa preocupação está exatamente nas que não têm cumprimento, que chegam a alcançar 71% dos municípios, como foi dito pelo Senador, aqui no começo da apresentação dele.
E outro aspecto que vem junto com esse dado que apresentamos sobre a implementação dessa lei é que a maioria dos municípios não dialoga diretamente na coleta de dados junto com as escolas. Então, não tem uma coleta de dados sobre o funcionamento, sobre o quesito cor - o quesito cor que é importantíssimo para você mapear a realidade das escolas, para você saber qual a condição de ensino e aprendizagem. E, quando a gente fala aqui desses indicadores, é bom ficar evidente que a gente não está jogando essa responsabilidade para quem está sendo vítima de uma política não cumprida. A responsabilidade não é de quem não está alcançando os desempenhos, mas é de quem não está fornecendo as condições humanas para que a pessoa desenvolva toda a sua capacidade. E a gente sabe o quanto o racismo é fundamental e é preponderante como um fator de expulsão dessas crianças das escolas e de expulsão também da sua capacidade de realização dentro desses espaços.
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Quando a gente pensa nessa coleta de informações, a gente pensa também na formação de quem está na escola. A formação não pode ser direcionada só para os professores, ela precisa abranger todo o corpo educacional, porque quem está responsável por fazer essa coleta não é o professor, geralmente é alguém de equipe técnica, é alguém de secretaria. E se não se tem a real dimensão de qual é a importância de você tratar, a partir da coleta de dados, a partir do quesito cor, a partir das relações, da abordagem, de identificar quais são os casos de racismo que acontecem no pátio da escola, que acontecem nas áreas comuns, e não só nas relações na sala de aula, a partir dos conteúdos, você não vai ter um tratamento eficiente dessa cultura escolar.
Isso fica muito evidente quando a gente observa o que as secretarias respondem, o que priorizam na coleta de dados, no tratamento que elas consideram importante ser trabalhado na escola. Elas atuam a partir das abordagens de sensibilização, que geralmente envolvem discutir a diversidade cultural, cultura alimentar e literatura. Não que esses temas não sejam importantes, são importantes porque fazem parte desse contexto que compreendemos da cultura africana e afro-brasileira, mas eles são temas de entrada da discussão, de sensibilização.
A gente já está num momento em que é preciso tratar as questões que acontecem no cotidiano e também adensar a construção de conhecimentos, que é pouco valorizada e reconhecida, tanto que, quando se faz essa escolha, você percebe que essa entrada acaba gerando abordagens apenas na Semana da Consciência Negra, em datas comemorativas ou em ações que são direcionadas para um período de culminância festiva. Não se desenvolve um conhecimento crítico sobre a sociedade, não se desenvolve o debate sobre as hierarquizações e sobre quais são os fatores geradores do racismo.
Tanto que uma das evidências que coletamos com a pesquisa é que, apesar de as escolhas das secretarias serem por esses caminhos, o que elas respondem que mais tratam nas escolas de forma emergencial praticamente, porque é a partir das demandas que vêm das escolas, são as resoluções dos casos de racismo que acontecem cotidianamente. E se você faz a opção por atrelar a sua política apenas aos temas de sensibilização, você não tem conhecimento, expertise e tato para encaminhar os casos de racismo. Então, isso acho que é um ponto que precisa ser bastante revisto pelas secretarias e induzido também pela política pública, porque a perspectiva dessa pesquisa é induzir essa política pública.
Pode seguir.
Vocês podem perceber que eu estou fazendo alguns comentários que não são exatamente relacionados ao que está sendo apresentado nos eslaides. É porque eu considero mais importante fazer esses apontamentos, porque, com os eslaides, vocês têm acesso à pesquisa por via digital, a partir dos portais das instituições, no QR code da publicação que a gente tem aqui e, então, fica fácil vocês terem acesso a esses dados. Eu considero que essas reflexões que são um ponto de adensamento um pouco mais importante, porque a gente está no espaço em que a gente está refletindo sobre o que é necessário para a implementação dessa política. Quando nós chegamos ao diálogo com os municípios para saber quais os obstáculos que eles consideram mais importantes a respeito da implementação da lei, eles colocam que os obstáculos estão na baixa colaboração que eles recebem de outros entes federados, ou da sociedade ou dos conselhos. Nós temos um problema bastante sério quando a gente fala dos conselhos, porque nem sempre os conselhos de educação estão abertos a tratar das questões raciais ou de implementação da Lei 10.639. E o grande apontamento é que eles não conseguem outras instâncias, a maioria dos municípios não consegue outras instâncias para fazer essa discussão.
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A gente sabe que, nos municípios, a gente tem um grande comprometimento com as gestões, porque nós não temos eleições para essas gestões nas escolas. As gestões das escolas geralmente - quando eu falo das gestões, são as diretorias das escolas e também as secretarias municipais de educação - são feitas a partir de indicações políticas e nem sempre estão alinhadas com o interesse de fazer a implementação da lei. E os conselhos nem sempre funcionam da forma eficiente com deveriam, com a representatividade direcionada mesmo para a população. E a gente escuta muito isso de familiares nos municípios. Muitas vezes, os conselhos configuram um espaço apenas para validar algumas propostas que são encaminhadas no campo da educação.
Então, a gente precisa observar com bastante critério quando a gente fala desse apoio dos conselhos, porque isso envolve questões mais finas em cada município. E eu acredito que, quando você fala de gestão e você recebeu uma justificativa de que a política não é executada por falta de apoio, a gente tem um problema bastante sério, porque quem está gestando a política é responsável por fazê-la ser implementada. Então, não é uma resposta que, em Geledés, a gente considere como válida, porque quem está lá é quem determina o que vai ser implementado, o que vai receber orçamento, o que vai ser executado. Então, independentemente de receber apoio de outros entes federados, é responsabilidade dessas secretarias destinar orçamento para implementação dessa política.
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Eu acho que esses apontamentos dizem respeito à importância que é a implementação da LDB alterada pela Lei 10.639, porque se trata de um processo histórico de atuação do movimento negro. É uma atuação que sempre demonstrou a importância da educação para a nossa existência, primeiro por acesso, porque nós éramos proibidos, por lei, de acessar os bancos escolares; depois, pela qualidade do que estávamos recebendo, porque, a partir do momento em que a população negra começa a acessar os bancos escolares, também a educação começa a ser sucateada e precarizada. E, agora, fundamentalmente, pela qualidade de conteúdo que a gente recebe. Porque você colocar uma criança numa escola em que ela não se enxerga, em que ela é desvalorizada, é submeter uma criança a um processo de crueldade, de tortura. Eu equiparo a educação de baixa qualidade, em relação à implementação da Lei nº 10.639, como um processo de tortura, porque você não implementar com uma forma de qualidade adequada, leva ao reforço da estigmatização e, consequentemente, do racismo.
Então, quando a gente fala sobre a importância dessa lei, a gente demonstra também a importância de uma educação que deve ser projetada para uma existência cidadã, democrática e de acesso a direitos. Quando observamos o cumprimento desse marco legal, estamos falando do projeto de país que nós queremos, que valoriza os povos que construíram este país. Falamos de um país que se importa com a equidade, com a justiça social e racial e, portanto, que se importa com a verdadeira democracia.
Nossa contribuição, quando a gente propôs essa pesquisa, foi trazer um retrato que destaque que, para viabilizar essa política, é necessário um olhar dedicado para o financiamento, porque se a gente não faz a dotação orçamentária, mais nada caminha. Como estamos dialogando com eixos de um Plano Nacional de Implementação, com diretrizes curriculares...
(Soa a campainha.)
A SRA. TÂNIA PORTELLA - ... para educação e relações raciais, nós também estamos falando que esse orçamento pode impulsionar as demais dimensões que são importantes para essa implementação, que são as formações frequentes e de qualidade para todos os profissionais de educação e não só para o corpo pedagógico.
O corpo pedagógico é fundamental. Sem ele, na resistência, nas trincheiras de enfrentamento, para fazer com que essa política permanecesse de pé durante anos tão difíceis como o que vivemos, eu acho que a gente não teria, nem de longe, dado sequência a esses encaminhamentos. Mas é preciso, também, a construção de currículos educacionais nos municípios, nos estados, na perspectiva do art. 26-A da LDB, que é o que a gente está falando aqui hoje. A gente está falando de LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Se todos os outros pontos da LDB são cumpridos, por que esse não é cumprido? Eu acho que isso é uma coisa muito grave. (Palmas.)
É necessário um olhar dedicado para a escolha de material didático. Não cabe mais dizer que não existe material didático. O material didático está aí. Temos experiências em escolas que utilizam materiais didáticos adequados. Temos experiências de editoras que produzem materiais didáticos adequados, e é preciso ter quem faça a leitura cuidadosa desses materiais, para que não mandem para as escolas, como nós já vimos em alguns municípios, publicações que tratam de questões raciais e têm uma suástica na capa. Isso aconteceu em diversos municípios. Então, quando a gente fala de material de qualidade, não é qualquer material, não é porque estão escritos lá nomes de personagens e personalidades negras que pode ser um material de qualidade. É preciso fazer uma triagem responsável e comprometida desses materiais.
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Um dos eixos que a gente considera mais importantes é o monitoramento. Então, que se estabeleçam parcerias para que esse monitoramento seja feito de forma comprometida, não só por parte da sociedade civil, porque hoje, aqui, como sociedade civil, a gente já faz esse trabalho, mas esse monitoramento está previsto no Plano Nacional de Educação, que também é um outro problema que a gente está enfrentando agora, principalmente neste momento, a partir de 2024, em que vence o plano que está em vigor, e a gente já está em fase de encaminhamento do plano do próximo decênio.
No plano anterior a este que acaba agora, em 2024, nós não tínhamos uma linha a respeito da população negra. Conseguimos avançar de forma muito tímida neste plano que está em execução, de modo a conseguir impactar em alguns marcos, mas eu acho que esse material e essa discussão toda que a gente traz devem servir para influir, de forma mais contundente, no plano do próximo decênio, para que tenhamos mais um instrumento de cobrança, para que essa lei seja implementada e que beneficie toda a sociedade brasileira.
Então, acho que estas são coisas que consideramos caras para este momento: observar a execução da política para os próximos anos e fazer, realmente, uma destinação de orçamento dedicado, porque se você só diz que o orçamento vai para a educação, mas não identifica que esse orçamento vai ser utilizado para enfrentar o racismo, para a implementação do art. 26-A - que é educação e relações raciais -, para tratar as questões que são indicadas pela Lei 10.639, essa política não será executada, porque tudo depende de orçamento e tudo depende de um monitoramento sério e comprometido.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Meus cumprimentos à Dra. Tânia Portella, que falou pelo Instituto da Mulher Negra - Geledés. Gostaria de dizer que as palmas são para as duas, porque elas complementaram o tempo, tanto a Dra. Beatriz quanto a Dra. Tânia.
Antes de passar a palavra para a Dra. Christiane Ramirez, que é Consultora de Cultura da Confederação Nacional de Municípios (CNM), quero dizer da satisfação de tê-la aqui com a gente, viu? Porque sem os municípios, não tem como implementar. Você cumpre um papel fundamental.
Eu queria, antes de você falar, registrar a peleia de muitos anos para que essa lei se tornasse realidade. Nós apresentamos um projeto de resolução, aqui, no Senado, o 55/2020, que cria o Selo Zumbi dos Palmares nos municípios que adotarem política destinada ao combate ao racismo e preconceito, como principal foco da 10.639.
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Então, querida Dra. Christiane Ramirez, nós vamos precisar muito de vocês, de todos que estão aqui e dos que estão nos assistindo para que... Isso já está aprovado, é só implementar. Nós temos que ver com o Presidente Rodrigo Pacheco, que está à disposição, para que a gente - e, claro, o selo depende do Governo também, não é? - consagre esse selo para entregar aos municípios.
A SRA. CHRISTIANE RAMIREZ (Para expor.) - Bom dia a todos.
Eu gostaria de agradecer, Senador Paim, ao Presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, por confiar em mim para estar neste momento tão importante, em que a gente tem lidado com as dificuldades, digamos, colhendo o que foi plantado há pouco tempo. Eu também sou consultora de cultura e memória da CNM, mas eu me encorajo e me sinto muito orgulhosa, porque eu bebo da fonte de Benedita da Silva. Trabalho com ela nos últimos cinco anos e eu aprendi muito daquilo que eu sempre defendi na minha vida. Eu sou do Rio Grande do Sul, nascida em Porto Alegre, no bairro Menino Deus; eu convivo lutando pela cultura brasileira há pelo menos 31 anos, inclusive, por não concordar com a forma como eram colocadas as questões. Eu sou uma menina muito curiosa, estudo demais, e eu sentia muita falta de questões que eu acredito que são como se fossem a cervical do país, que são a cultura brasileira e a identidade de cada um de nós.
E gostaria também de parabenizar. Eu estou muito feliz de estar aqui com a Tânia e com a...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Beatriz.
A SRA. CHRISTIANE RAMIREZ - ... Beatriz. Eu cito vocês aqui na minha apresentação. Também gostaria de mandar um abraço para a Monica, que está aí virtualmente, e também fazer o reconhecimento do fotógrafo Cesar Fraga, que tem um projeto incrível sobre África, que é o Sankofa - depois eu vou falar desse documentário -, que eu acho que é importante a gente retomar.
Bom, gente, você pode seguir.
Eu trouxe aqui para vocês, para compartilhar com vocês, a gente tendo o conhecimento de que os municípios são o palco da vida - e isso é uma fala da CNM -, que é onde tudo acontece. E é fundamental que a gente passe a identificar cada rincão deste Brasil profundo para a gente se sentir, cada vez mais, parte de ser brasileiro. Isso porque, digamos, aquele questionamento e a baixa autoestima do brasileiro, que têm sido muito tratados, não nos cabem mais. Nós somos uma grande nação, nós temos capacidade de sermos um país de primeiro mundo e nós temos um povo para isso. E eu gosto sempre de vir da premissa, inclusive estudando muito a Segunda Guerra Mundial, de que as Américas são formadas pelos indígenas, pelos povos africanos e pelos brancos nesta ordem. E nós precisamos ter essa identificação, nós precisamos nos ver dessa forma.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu vou ter que te interromper, porque a nossa querida Deputada Federal Dartora, que é Vice-Presidente da Comissão sobre Refugiados, assumiu no meu lugar, eu tive a alegria de dar posse a ela aqui, nesta mesma Comissão, e ela, primeiro, esteve no Plenário - há um debate sobre a questão refugiados -, ela abriu e tinha se comprometido conosco: "Eu passo lá!". E está ela aqui. Ela fala no momento em que ela entender mais adequado. (Palmas.)
Dartora, uma jovem negra e uma grande liderança do Congresso brasileiro para o país. E direitos humanos não têm fronteiras, não é? É isso!
Pode continuar.
A SRA. CHRISTIANE RAMIREZ - Você pode passar, por favor?
Bom, eu começo colocando aqui o mapa da África e colocando, Senador Paulo Paim, que, como durante anos, a história, como a própria Tânia estava colocando, como a Beatriz estava colocando, o ensino tem uma lacuna muito grande sobre o que, de fato, aconteceu no Brasil. E quando você pega todos os costumes, os hábitos africanos... Eu, até pelo meu conhecimento, pela minha luta pela cultura, pelos territórios culturais quilombolas, na semana passada, encontrei um irmão, parente - como os indígenas dizem -, de Gana, e ele estava me explicando que a língua ga tem mais de 280 dialetos dentro de um país, e ele explicando os sons, os ritmos, as expressões. Então, é de uma riqueza a forma das cores, os artesanatos, a comida, como eles tratam o território para produzir aquele alimento. Por que não trazer isso mais para o nosso país? Por que não trazer essa identidade maior? Eu vejo o trabalho que está sendo feito e a pesquisa que foi feita pelo Geledés e pelo instituto, como é importante a gente ter esses dados hoje, e como a Beatriz estava falando sobre monitoramento - não é, Beatriz? - a gente precisa ter um acompanhamento desse processo, de a gente saber o que acontece.
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Pode passar, por favor.
Além de citar que hoje, conforme o IBGE, 53% da população brasileira é uma população advinda dos povos negros. Então, não nos cabe mais não nos vermos como todos parte de um país. Essa segregação não pode existir, e isso tem que começar na primeira infância com toda certeza.
Bom, eu cito aqui, como também foi falado, que eu faço pesquisa, muitas pesquisas, e sobre a questão da primeira lei da educação no Brasil - foi em 1837 -, quando foi proibido pessoas que não eram livres de irem para a escola, desconsiderando que muitos daqueles que vieram da África para o Brasil escravizados, sequestrados, eram reis, rainhas, eles tinham conhecimento, eram engenheiros. Existia um ócio criativo e produtivo muito grande dentro das suas comunidades. Isso foi absolutamente ignorado, segue sendo ignorado, e nós não podemos mais permitir que isso aconteça. Na década de 30, a Frente Negra Brasileira, que depois foi fortalecida a partir dos anos 70, quer dizer, teve uma escola com forte atuação, e a partir dali, até os anos 70, houve um forte movimento para essa inclusão étnico-racial.
Pode passar, por favor.
Aqui eu coloco alguns marcos legais como os direitos étnicos, individuais e difusos, que, no Brasil, começam com a Constituinte de 88, inclusive tendo ali a Deputada constituinte, a nossa "Benediva", como diz Erika Kokay, a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural e o Estatuto da Igualdade Racial. Então, se a gente for analisar os prazos, Senador, a gente vê que praticamente a cada dez anos acontece alguma coisa efetiva.
Eu trouxe aqui um material escolar, que eu até depois queria compartilhar com vocês, de Florianópolis, que é riquíssimo, e eu sonho que toda escola e todo município tenha esse material escolar. E eles citam aqui todos os marcos legais desde 1960 até 2007, que é uma lei municipal, e já parabenizo os coordenadores do projeto de Diversidade Étnico-Racial de Florianópolis, que são a Sônia Santos Lima de Carvalho e o Vânio César, que construíram esse material riquíssimo, que serve como referência.
Pode passar, por favor.
Bom, depois aqui eu cito alguns objetivos sobre o que é o programa do BID, que é o Programa Diversidade na Universidade, alguns objetivos do Plano Nacional, que se trata de - é fundamental -, a partir dos dados da pesquisa apresentados, que seja criada uma colaboração e recursos, porque é muito bonito a gente falar de política pública, mas no Brasil nós temos dois grandes problemas quando se trata não só de política pública, mas de bases constitucionais: é a descontinuidade. Nenhum programa é contínuo, quer dizer, troca-se o Governo a cada quatro anos e, dependendo de quem vem, troca-se toda a programação, toda aquela equipe, toda aquela coordenação, principalmente com professores.
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Na minha família, as mulheres todas eram professoras. A minha avó se aposentou, eu fui criada por ela também, e era professora. E a minha avó trabalhou inclusive num programa de quando as mulheres puderam trabalhar, a partir da ditadura. A minha avó capacitava - ela era professora de artes - as mulheres para que elas tivessem outros ofícios além de serem do lar.
E é impressionante! Quando estava engrenando um programa... porque você não muda uma sociedade em quatro anos. Normalmente, são projetos de médio e longo prazo. Quando você estava encaminhando, mudava tudo do novo. Muda todo mundo, muda a gestão.
Então, é importante a gente ter continuidade para cumprir e institucionalizar as implementações, as diretrizes curriculares com monitoramento, desenvolver ações estratégicas no âmbito da política de formação, colaborar e construir sistemas de ensino, conselhos, como foi colocado também.
Criar essas parcerias, esses acordos técnicos com as universidades, com os institutos, com o terceiro setor, principalmente para encorajar os professores, os diretores e desmistificar os preconceitos com os quais nós somos alimentados no Ocidente cotidianamente.
Promover o desenvolvimento de pesquisa e de produção de materiais didáticos em comunhão, eu já citaria, junto com o Geledés, com o Movimento Negro, utilizando talvez mais a Fundação Cultural Palmares, unificando essas instituições para que possam construir um material didático e paradidático mais contundente, colaborar na construção de indicadores e criar e consolidar agendas positivas.
Pode passar, por favor.
Aqui eu trago as bases da educação. Eu não vou repetir, mas eu gostaria de colocar que uma das questões que foi fundamental para a mudança, inclusive para o acesso ao ensino superior, foi a Lei de Cotas, não é, Senador? Então, eu coloco aqui a primeira lei, que está fazendo 20 anos, que é a obrigatoriedade do ensino. Tanto a Lei 10.639 como a Lei 11.645 alteram a lei de diretrizes, incluindo o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira. E a Lei de Cotas chega para realmente mudar essa narrativa e possibilitar o acesso do povo preto às universidades.
Pode passar, por gentileza.
Bom, aqui, eu trago um pouco a pesquisa de vocês. Eu fiz aqui uma redução na minha pesquisa, os links. Foi publicado agora, em 2023, em relação às cidades que não cumprem o ensino. E eu não vou repetir a pesquisa, mas eu achei muito interessante colocar que os municípios alegam, como principais desafios, ausência de apoio de outros entes governamentais e a falta de conhecimento de como aplicar a legislação.
E sobre isso nós, que somos da cultura, a gente sabe como é muito difícil muitas vezes você ter um município pequeno e normalmente a cultura e a educação não caminham juntas. Não há uma articulação entre as próprias áreas da Prefeitura.
Então, é necessário que sejam construídas bases unificadas, de interesses comuns entre todas as áreas para efetivar programas fundamentais, como a educação afro-brasileira e o antirracismo.
E também coloco aqui a frase da Tânia Portella - é uma honra estar na mesa com você! -, de que não dá para ter uma educação de qualidade se não pensar em um ensino antirracista, uma sociedade mais justa se não tiver uma educação antirracista. Então, na verdade, como que você faz isso? Através de conteúdo, através de informação, através de você corrigir a história e a passar a ser contada de uma forma verdadeira, considerando cada ator e cada guerra vivida em cada lugar desse país, como nós tivemos ontem, sobre a independência da Bahia, que trata de diversas revoluções, inclusive dos povos negros, e que não estão nos livros de história.
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Pode passar, por gentileza.
Aqui eu trouxe as bases legais da cultura, porque eu acho fundamental. Eu gostaria de apresentar isso para vocês. Acredito que muitos já tenham conhecimento, mas nós temos o Plano Nacional de Cultura e ele é monitorado a cada dez anos. Eu até coloquei que hoje é a cada 12, 14 anos. Por quê? Porque, como o Governo anterior não realizou o monitoramento, então, todos os municípios brasileiros que fizeram o dever de casa - instituíram conselho, plano e fundo, investiram na educação, nos planos de cultura, para fazer algo que Gilberto Gil, enquanto Ministro da Cultura, colocou como missão nesse país, que é o "do-in cultural", ou seja, a gente reconhecer cada capacidade criativa, cada ator, cada língua, cada saber fazer nesse país, dentro de um programa nacional instituído no 216-A. Tem o 26-A e tem o 216-A, que é o Sistema Nacional de Cultura. Ele é fundamentado a partir do Plano Nacional de Cultura e cria a defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro, a produção, promoção e difusão de bens culturais, a formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões, a democratização de acesso aos bens da cultura e a valorização da diversidade étnico-regional, ou seja, ele traz para o centro das economias a questão da cultura, inclusive negra.
Algo com que eu gosto sempre de fazer uma comparação é em relação aos povos indígenas e aos... Eu vou falar especificamente dos quilombos como território de produção cultural. E não há hoje, Senador, um mapeamento sobre o que é produzido. Você não tem dado sobre isto: sobre o artesanato, sobre os tecidos, sobre os desenhos. A gente precisa mapear melhor isso e criar uma forma de a gente identificar isso, como PIB, inclusive, e como forma de a gente ampliar essas atividades nos territórios tanto indígenas como dos povos quilombolas do Brasil.
Eu cito aqui o Plano Setorial de Cultura Afro-Brasileira, que foi criado pelo Colegiado de Culturas Afro-Brasileiras durante dez anos. Esse colegiado compunha os setoriais do Ministério da Cultura, e hoje não existe mais. Hoje ele é uma representação somente, mas o Ministério da Cultura já falou que vai fazer essa alteração. E há os links que eu cito aqui, para quem quiser acessar esse plano. É um plano superbacana, que foi discutido com pessoas do Brasil inteiro, representantes eleitos democraticamente, a partir do Ministério da Cultura.
E eu gostaria de colocar aqui, de compartilhar com vocês também, com a mesa e com vocês que estão nos assistindo, que eu participei e atuei muito na construção do conceito, Senador, da cultura do Patrimônio Cultural Imaterial brasileiro, que foi construído por uma indígena, Joana Munduruku, e pelo mestre Paulão Kikongo, que durante dez anos atuaram como consultores do Iphan, construindo esse patrimônio, inclusive - a partir das escavações do Cais do Valongo, que é conhecido como Pequena África no Brasil -, sobre como nós trataríamos o patrimônio, pois na época existia uma discussão entre tangível e intangível, e acabou-se definindo por material e imaterial...
(Soa a campainha.)
A SRA. CHRISTIANE RAMIREZ - ... a considerarem as expressões vivas e orgânicas da cultura brasileira.
Pode seguir, por favor.
Eu já estou concluindo.
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Bom, aqui eu cito alguns projetos e programas entre cultura e educação. Um deles, que é um primor de projeto, é do querido José Jorge, que é o Encontro de Saberes. Esse projeto trabalha com os mestres e mestras como docentes do ensino superior, ou seja, os saberes indígenas, afrobrasileiros, as culturas populares ou outras comunidades tradicionais. Eles dão aulas como docentes nas universidades, exatamente para aprimorar, para formar essa nova geração que está chegando dentro de um conceito em que o próprio indígena conta sua história, como ele trata sua história, e o próprio negro fala da sua África, da mãe África, do seu povo, da sua cultura, não mais os homens brancos falando sobre isso. É um projeto que infelizmente tem vivido de emenda parlamentar, agora obviamente, com a reconstrução do Ministério da Cultura, acho que cabe uma conversa com a Ministra, que é uma mulher negra, uma artista maravilhosa, além de estar se mostrando uma Ministra da Cultura, para que possa novamente ser o Minc o financiador desse projeto, que começou em 2010, para que ele tenha vida longa e que talvez possa trabalhar na formação de professores, junto às universidades federais. Minas já tem um programa próprio do Encontro de Saberes, que reconhece esses mestres e mestras, para aprimorar essa parte da educação.
E eu cito aqui os Pontos de Cultura, que é o Programa Cultura Viva; os Pontos de Memória; o Portal da Cultura Afro-Brasileira; o Acervo Cultne, que é um acervo da produção audiovisual e das culturas dos povos negros do Brasil; o cinema das mulheres negras; o Cais do Valongo, que envolve a memória do período dos navios negreiros que chegaram ao Brasil, com o projeto Pequena África no Brasil.
Eu gosto muito de citar o Cais do Valongo porque eu vejo que nós precisamos voltar, como disse Abdias do Nascimento, no Sankofa, que é "retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro”. Eu, particularmente, durante muitos anos da minha vida, documentei a produção da indústria no Brasil e visitei muitos portos no Brasil. E fico pensando que tantas vidas se perderam nos navios, que abandonaram tantos povos, tantas famílias negras. Quem eram essas pessoas? O que elas deixaram? Então, eu acho que nós precisamos, sim, nos aprofundar porque precisamos retomar essa história e ressignificar o hoje para poder colher isso no futuro.
Eu gostaria também de citar, porque falei para vocês de Sankofa: a África que te Habita, que é um documentário muito especial, de dez episódios. Ele conta a história desde o começo, só que ele tem, Senador, uma questão muito rica, porque não coloca a África dos escravizados; coloca a cultura africana, o que foi roubado desses povos que vieram para o Brasil, e toda essa riqueza que nós absorvemos, com que convivemos e que deixamos de valorizar, porque não entendemos como nossa também. Então, isso se faz necessário. Eu trago um link também, que está válido, dentro de um portal, exatamente para possibilitar um conhecimento.
Pode passar, por favor.
Eu já estou terminando.
E aqui eu falo sobre a questão do Brasil, a partir de 1888, da Abolição da Escravatura, que deixa os negros sem acesso à terra, sem qualquer remuneração. Considerando o período de 1530 até 1866, estima-se que 5 milhões de pessoas foram sequestradas, escravizadas e vieram para o Brasil. Só no Cais do Valongo, as escavações, conforme os dados dos pesquisadores, um deles Presidente do Quilombo Pedra do Sal, no Rio de Janeiro, foram encontradas mais ou menos 30 mil ossadas de pessoas que vieram e foram colocadas nas valas. Esses objetos ainda estão pedindo socorro para serem devidamente tratados, e o Ministro da Cultura, o Ministro Silvio Almeida, também já esteve visitando, para que sejam preservados todos esses valores.
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E aqui eu coloco a questão sobre a desigualdade: o salário que os homens brancos ganham é 69,3% acima do que os homens negros ganham e os homens brancos ocupam 80% de lugares de poder; na segurança pública, dos homens jovens e de baixa escolaridade que são assassinados, 71% são pessoas negras - isso não é pouca coisa, gente; é muita; violência doméstica, 68,8% de quem sofre são mulheres negras; e a taxa de desemprego atinge também, com mais força, a população negra, em torno de 63,7%, que correspondem a 8,3 milhões de pessoas.
(Soa a campainha.)
A SRA. CHRISTIANE RAMIREZ - Eu só vou concluir.
Pode passar, por gentileza.
Aqui, Senador, eu coloco algumas sugestões, que seria desenvolver um Plano Nacional de Educação para a formação de professores, construído junto aos municípios brasileiros e com recursos para sua implementação; atuar de forma transversal em cooperação com o plano de educação e o Plano Setorial de Cultura Afro-brasileira; ter o direito a usar o sobrenome de acordo com a sua ascendência africana, não mais o nome do senhor; ter direito à dupla nacionalidade, como os migrantes europeus; termos direito nós, brasileiros, de saber a nossa origem, de acordo com o nosso DNA, para sabermos a nossa ancestralidade, ascendência, resgatando o orgulho de sermos brasileiros com o conhecimento de nossas origens; ampliar o ensino das línguas da mãe África; e termos um programa, nas redes, para cativar as nossas crianças e os nossos jovens, desmistificando preconceitos e utilizando expressões musicais, criação de instrumentos, relação com a terra e toda a riqueza herdada dos povos africanos, que talvez sejam uma forma de cativar, e não mais jogos de morte, jogos de violência, como a gente tem visto ultimamente.
E a última página, só para mostrar as referências.
Todo o material que eu passei para vocês tem referência bibliográfica, os links estão aí.
Eu gostaria de agradecer, em nome da CNM, a minha apresentação e agradecer, mais uma vez, ao Senador, por possibilitar essa participação. Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Christiane Ramirez, Consultora de Cultura da Confederação Nacional de Municípios (CNM).
E aí, ao longo do debate, a gente vai aprofundando, mas parabéns pela exposição. Vê-se que você realmente estudou e se preparou para apresentar.
Passo a palavra, neste momento, fechando esta mesa, em nome do Governo, à Dra. Fernanda do Nascimento Thomaz, Coordenadora-Geral da Coordenação-Geral de Memória e Verdade sobre a Escravidão e o Tráfico Transatlântico, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, e não tem como não mandar um abraço para o Silvio.
A SRA. FERNANDA DO NASCIMENTO THOMAZ (Para expor.) - Gente, bom dia a todos e a todas.
É um prazer muito grande estar aqui e, como o Senador Paim falou, estou representando o Ministério dos Direitos Humanos, mas eu queria agradecer imensamente ao Senador Paim por toda a acolhida. Desde a primeira vez em que eu estive aqui, ele me acolheu. Inclusive, foi um momento em que...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E você fez a provocação para esta audiência.
A SRA. FERNANDA DO NASCIMENTO THOMAZ - Mas a ideia surgiu do Senador Paim de pensar nesta audiência. Eu estou muito grata e muito feliz também. À própria Comissão de Direitos Humanos eu também agradeço. E agradeço à Maria Isabel, que batalhou bastante para organizar, pelo menos, esta audiência pública aqui.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Palmas! Só não pede aumento, hein? (Palmas.)
Só não pode pedir aumento agora. (Risos.)
A SRA. FERNANDA DO NASCIMENTO THOMAZ - Gente, então, bom dia. Voltando, não é?
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Bom, como já fui apresentada aqui, eu estou representando o Ministério de Direitos Humanos, mas também eu estou feliz por vários motivos, mas um deles é porque eu sou professora de História da África, da Universidade Federal de Juiz de Fora, e eu tenho, nesses últimos anos, eu acho que 20 anos, mas, assim, nos últimos anos, últimas décadas, enfim, nessa última década, não só ensinado História da África, mas também batalhado para que seja implementado o ensino da história da África e da cultura afro-brasileira aqui no Brasil, de certa forma.
Então, estar aqui, neste momento, e para falar sobre os 20 anos da lei também, é uma honra e por estar representando o Ministério dos Direitos Humanos.
Bom, eu queria aproveitar, a partir do que a Christiane mencionou, essa coisa da relação do passado e do presente, por ser historiadora, eu acho que me faz pensar nisso, mas olhar para o passado é o que permite a gente perceber esse presente e caminhos para o futuro, tal como já foi mencionado aqui.
E eu queria mostrar minha apresentação.
Eu gostaria de falar de três pontos, com três momentos históricos diferentes. Então, pensar sobre, se hoje a gente está discutindo a lei, como a gente chegou a até aqui, o que fez a gente chegar a até aqui. E eu queria falar de três momentos: o que fez a gente chegar a até 2003; o que fez a gente chegar a até 2020, de 2003 a 2020; e o que se tem por fazer daqui para frente.
Então, assim, para começar, a até 2003, como é que a gente chegou. E eu lembro que, em 2003, eu já estava na graduação, já estava pensando em história da África. Inclusive, a Monica Lima é uma das mentoras, assim, para se estudar a história da África inclusive, que está aqui e vai se apresentar daqui a pouco, mas, em 2003, eu lembro que uma das questões que eram prementes para a implementação da Lei 10.639 era o questionamento de por que precisamos de uma lei para implementar o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira. Se a gente pensar, inclusive, em todos os dados, que foram apresentados aqui anteriormente, por quê? Se, num país que viveu mais de 300 anos de escravidão, um país que mais recebeu africanos durante o tráfico de escravizados, por que foi necessária uma lei, uma lei para implementar isso, a Lei 10.639, e, obviamente, se a gente pensar, a 11.645 também, que institui o ensino de história indígena?
É claro por quê: porque nós vivemos num país que foi construído a partir da violência. A partir da violência do racismo, a partir do apagamento da história, não só da cultura negra, mas também das culturas africanas, indígenas, enfim, de uma forma geral. Mas nós vivemos num país em que a história desse país foi construída a partir de um apagamento dessas histórias, de um apagamento... Quando eu falo apagamento, gente, não é silenciamento exatamente. É porque esse apagamento foi parte de um projeto político, e é essa a história do nosso país. E esse apagamento gerou silenciamento de sujeitos sociais diversos, inclusive. Mas, além do apagamento, essa história foi construída a partir de uma relação de recusa e aversão à história da população negra.
Então, isso quer dizer o seguinte... Bom, se a gente fala de um passado, um passado escravocrata, eu entendo que a escravidão que viveu o nosso país, a escravidão que simboliza... Pensar escravidão... A escravidão é o quê? É violência, é desumanização e é exploração, mas só o passado da escravidão, espontaneamente, até o presente, não deixaria um racismo tão vivo como ele existe hoje. O que eu quero dizer com isso? Se a gente tem uma escravidão que durou 300 anos, o que aconteceu no pós-abolição? No pós-abolição, existiram políticas veementes que não só implementaram, mas institucionalizaram, cada vez mais, o racismo. O pós-abolição é o país que importa leis darwinistas sociais, o racismo científico no nosso país, é o país que tem políticas de branqueamento da população negra, branqueamento da população. É o país que, na verdade, implementa políticas eugenistas. E, se a gente segue o século XX... E aí, claro, a ideia é apagar e afastar esse passado que está ligado à escravidão e à cultura negra e à cultura africana.
Então, esse apagamento foi uma política, e uma política de Estado. E eu estou falando aqui enquanto Estado também. É importante colocar isso.
Mas se a gente passar, caminhar ao século XX, a partir das décadas de 30 e 60, a política não é tão eugenista, tal como a gente pensa o século XIX, mas o que pauta a nossa perspectiva política em relação a como se pensar o racismo é a ideia de democracia racial.
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Num país que é assolado de forma violenta pelo racismo, a ideia de democracia racial tangencia a construção política da nossa sociedade - até um dia desse, na verdade. Inclusive, atormenta a gente até ontem. Então, obviamente que isso faz a gente pensar o quanto foi apagado não só o que existiu de violência do passado... Porque, quando a gente volta e percebe esse passado violento, é uma forma de olhar para esse presente e falar: olha, a gente não quer repetir isso. E essa violência precisa ser reparada de alguma maneira.
Então, isso demonstra como foi que a gente chegou a 2003: com esse apagamento, a partir dessas violências, que não só geraram um silenciamento, mas, inclusive, uma aversão à nossa própria história.
Por outro lado, assim como tem o braço da violência, a gente também tem o braço da resistência. Então, a gente chega a 2003...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Você diz: tem violência, mas tem também resistência.
A SRA. FERNANDA DO NASCIMENTO THOMAZ - Exatamente. (Palmas.)
Assim é como a gente chega a 2003, com todo um passado de violência, de apagamento.
E, aí, vem esse questionamento de por que uma lei para implementar algo que deveria ser tão óbvio na sociedade deveria ser... Mas também essa lei foi fruto de resistência de grupos negros, movimentos negros. Enfim, a fala da Benedito, o Paim, que está aqui do lado... Sem isso, não teria.
Então, se, por um lado, a gente tem um braço institucional que tenta apagar, a gente tem forças vivas constantemente, e é um pouco disso que eu acho que é importante falar, que está resistindo, e de forma diferenciada. E é assim que a gente chega a 2003.
Agora, de 2003 para cá, pensando de 2003 para cá...
Na verdade, alguns anos atrás, o meu argumento era muito no sentido de: bom, a lei de 10.639 foi implementada a partir de 2003, e o que mudou? É claro que a minha perspectiva, a partir da minha experiência, porque eu trabalhei muito com formação de professores e, sobretudo, pensando na história da África e da cultura afro-brasileira, é o quanto não foi aplicado e o quanto foi ineficaz essa aplicação. E agora a gente tem a pesquisa...
Eu parabenizei as duas aqui pela pesquisa incrível do Geledés, porque esses dados que elas trouxeram aqui, alguns desses dados eu vi em pesquisa acadêmica, e eu acho que essa postura do Geledés, quando se popularizar a forma de comunicar, isso é importante, como está se popularizando, para as pessoas saberem esses dados.
Então, durante muito tempo a minha perspectiva era de que nada mudou, porque, nas universidades, algumas coisas até funcionaram, inclusive em termos de orçamento, investimento, financiamento, mas, na rede básica de ensino, nada mudou, e, obviamente, a gente vê, pela pesquisa incrível do Geledés, que poderia ter sido feito muito mais, na verdade, e o quanto foi pouco implementado o ensino de história da África, da cultura afro-brasileira nas escolas, na rede básica de ensino, sobretudo a partir das secretarias municipais.
Por outro lado, mesmo com todos esses obstáculos e desafios, eu acho que é importante a gente mencionar que houve um aumento - gigantesco, inclusive, um aumento significativo, na verdade - de pesquisa sobre história e cultura negras e africanas, afro-brasileira e africana, houve concurso nas instituições de ensino, sobretudo ensino superior, onde se formaram professores nesses 20 anos, e boa parte das universidades públicas hoje tem pelo menos uma cadeira de História da África, por exemplo. Houve uma ampliação de curso de atualização e de extensão e de especialização; muitos livros foram produzidos. O que eu quero dizer? Ainda que com todas as deficiências, foi feito.
Aí eu queria trazer uma questão importante: para além de tudo isso que foi feito, voltando à dimensão da resistência e da luta, na verdade, esses 20 anos também representaram a luta de vários setores sociais, principalmente profissionais de educação. Então, ainda que tenha caminhado a passos curtos, como já foi mencionado aqui, mas custou, gente: foram 20 anos e custou muita batalha. E essas batalhas, em cada escola, em cada relação, em cada narrativa que você escuta dos professores, denotam violências diferentes, inclusive para essa ausência da implementação da Lei 10.639, por exemplo.
Por isso, eu queria, no dia de hoje, aproveitar, já que a gente está falando desses 20 anos da lei, para saudar esses profissionais da educação, que, nesses 20 anos... (Palmas.)
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... por terem trabalhado sozinhos - que muitas dessas iniciativas são individuais -, sofrido inúmeras formas de perseguição inclusive e de violência nesse espaço escolar, por tentarem implementar a lei.
Para mim também, eu aproveito para saudar também todos os coletivos negros que estiveram na batalha não só pela existência da lei como atualmente.
Então, pensando de 2003 para 2023, houve resistência, que eu mencionei, em vários setores sociais, mas houve uma evidência de um racismo institucional persistente, que retroalimenta, reinventa, de maneira cruel. Entende? Ao mesmo tempo, eu quero dizer, negar, nas instituições de ensino, a implementação da lei foge de acreditar que não damos passo algum. Ou melhor: é negar que não demos passo algum. Eu acho que, por um lado, a gente tem essa dificuldade, porque a gente entende que houve essa dificuldade de implementação dessa lei, mas é importante colocar que, nesse período, nós caminhamos, mobilizamos pessoas e reflexões, provocamos e ainda incomodamos com a tentativa de implementação da Lei 10.639. E ainda é muito pouco para aquilo de que precisamos, mas o caminho da luta não podemos negligenciar.
O que nos confunde é a presença constante da renovada tentativa das instituições em se negar a inserir o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira. O que eu quero dizer? Ao mesmo tempo que tem ainda, ao longo da nossa história e mesmo com a implementação da Lei 10.639, de 2003, a presença de um racismo institucional veemente, que nega e que na verdade cria diversos obstáculos para a implementação da lei, existem forças diversas, diversos setores sociais que continuam batalhando. Por isso que, nesse sentido, é o saldo.
Bom, por fim, gostaria de pensar no daqui para frente: e daqui para frente?
Eu, como historiadora, penso que, quando a gente vai para o passado, a gente vai com as nossas inquietações do presente, e é um pouco do que foi mencionado aqui. Ao debater a história, para mim, não é só olhar para o passado, mas é principalmente pensar o presente, a maneira como nós vemos esse percurso e também a maneira como a gente transita pelo presente e pensa na perspectiva de futuro. E por que eu quero falar isso? Porque na sexta-feira eu ouvi uma fala incrível da Profa. Zara Figueiredo, e uma das questões que ela trazia era que não vamos partir do zero, porque não estamos no zero - e, de fato, a gente não está. Na verdade, aquilo de que nós precisamos é dar um passo à frente. E aí, parafraseando a própria Profa. Zara, precisamos dar um passo à frente, consolidar o que já fizemos - e já fizemos bastante, mas consolidar o que já fizemos -, porque, neste momento, ainda que precisemos informar professores e produzir bastante, eu acho que esse é um outro percurso de que a gente precisa.
Assim como, ao longo da nossa história, houve uma política de apagamento, neste momento eu acho que é urgente a gente pensar que lidar com a implementação da Lei 10.639, de uma educação antirracista, é pensar numa política de Estado. Que ela seja, de fato, coordenada de forma federativa - e é o que se mencionou aqui, eu não vou repetir -, em diálogo, de certa forma, com os municípios e com os estados, mas de forma intersetorial, para que funcione nas escolas, mas também que a gente aja em parcerias, em parceria com os territórios.
E, quando a gente fala em parceria com os territórios, é que esse processo de educação não seja só de fora para dentro. A gente que vai levar educação, de maneira que...
O.k., a gente reproduz tudo que a gente vem criticando, mas que essa relação, que esse processo seja dialógico! Inclusive, dialógico nos territórios. E aí a gente pensar também diretrizes curriculares indígenas, pensar diretrizes curriculares quilombolas.
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Então, assim, é um passo que a gente precisa dar. Precisa sim de orçamento, mas precisa de uma política que seja conjugada, de fato, e de forma intersetorial.
Bom, o Ministério dos Direitos Humanos tem pensado a educação, na verdade, a discussão de educação é pensar em educação progressista, que a educação antirracista é uma educação progressista, de certa forma. E, recentemente, o Ministério dos Direitos Humanos criou uma coordenação, que é a coordenação a qual eu coordeno, que é a Coordenação-Geral de Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas.
A ideia de pensar essa coordenação é pensar que essa coordenação funciona dentro de uma assessoria, que é a Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade. E, se a gente consegue olhar para outros momentos históricos, talvez como a ditadura militar...
(Soa a campainha.)
A SRA. FERNANDA DO NASCIMENTO THOMAZ - ... como o momento... Pensar como injustiça histórica, e por que é que a gente não olha para a escravidão, enquanto momento de injustiça histórica que durou 300 anos? Você entende?
Então, assim, a ideia dessa coordenação é que a gente consiga olhar, pensar a ideia de injustiça histórica, reconhecimento e reparação, mas injustiça histórica não só para olhar o passado escravocrata e se apegar a esse passado, não. A gente precisa reconhecer, porque, com todo nosso histórico de apagamento e sobretudo de imposição de uma perspectiva voltada para uma democracia racial, a gente tampouco reconhece passado enquanto injustiça histórica e os impactos no presente, para a gente conseguir inclusive implementar políticas fundamentais antirracistas para uma sociedade mais democrática.
Por outro lado, somente assim a gente consegue reconhecer homens e mulheres que lutaram no passado e continuam lutando hoje para a gente reconhecer e reparar e pensar reparação.
Então, essa coordenação está sendo criada recentemente. Um dos papéis dela é pensar... Aí, tem a ver com o que a gente está pensando, esse passado, esse presente, a história e a cultura, o quando a memória... Pensar a memória, essa memória negra e essa memória negra viva e essa valorização dessa memória. A gente está criando comitês regionais, para a gente tentar fazer um trabalho descentralizado, inclusive, até porque a gente nunca... (Palmas.)
A gente... O trabalho de memória, em termos de federal, nessa instância, é algo novo. Então, ao mesmo tempo em que a gente está partindo do homem, a gente não está partindo do zero. Então, a gente vai trazer um trabalho um pouco mais territorializado, criando comitês regionais. E é um momento... sobretudo esse primeiro ano é um momento de escuta. Então, a gente vai estar nos territórios, municípios, e o processo de escuta com comunidades quilombolas, comunidades indígenas, comunidades de terreiros, enfim, com vários movimentos sociais.
E um dos pilares desse projeto é pensar pedagogias da memória e reparação. Então, é uma forma em que a gente vai trabalhar essa pedagogia da memória nos territórios, e diferentes territórios.
Bom, é isso.
E a ideia é que o nosso trabalho seja realizado principalmente em parceria com outros ministérios e também com os municípios e os estados, enfim, as secretarias, as comissões de promoção da igualdade racial também, enfim, com diferentes agentes sociais, inclusive com a sociedade civil.
Bom, para finalizar, acho que é importante pensar numa coisa - não é? -, porque a gente pensa em educação e a gente acredita que a educação é essencialmente progressista, não é? A gente acredita que a educação era o caminho, e ela é o caminho, mas também ela pode ser vários caminhos. Então, a educação é um espaço político e também é um espaço de disputa, mas, ao longo da nossa história, a gente vivenciou? Não. A gente recebe o impacto de uma educação que também não foi progressista, de uma educação que foi racista. Então, nesse momento, é importante a gente pensar que a educação, ao mesmo tempo em que pode ser progressista, também pode ser excludente e também pode ser elitista.
E um dos braços hoje, por exemplo, pensando o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania... Uma das questões que a gente tem levantado e pensado é que a educação é um espaço político, um espaço de conflito, e nós iremos batalhar, e nossa proposta é batalhar por uma educação progressista e inclusiva. Sem isso, não há democracia e um mundo mais humano.
Lutar com uma educação antirracista é, sim, lutar com uma sociedade melhor!
E eu termino aqui. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem.
Parabéns, Dra. Fernanda do Nascimento Thomaz, Coordenadora da Coordenação-Geral de Memória e Verdade sobre a Escravidão e o Tráfico Transatlântico do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Parabéns!
Eu só quero dizer para esta mesa que todas foram brilhantes, e todas as contribuições que vocês deixam aqui, tanto as da Beatriz quanto as da Tânia, as da Fernanda e as da Cristiane serão aproveitadas pela nossa Comissão, para implementar, dentro do possível, em parceria, naturalmente, com o Executivo, porque é somente assim que as coisas vão andar. Por exemplo, teve algumas leis aqui que foram fundamentais para a gente conseguir aprovar e serem sancionadas, principalmente, se vocês olharem para trás, na época Lula-Dilma. Se olharem lá para trás, essa lei foi sancionada na época Lula-Dilma, o Estatuto foi na era Lula-Dilma, a política de cotas, era Lula-Dilma, e quase todas foram nesse período. E é nessa parceria que nós queremos continuar, já que temos um governo comprometido com essa política.
Então, eu agradeço a todos vocês.
As mulheres tomaram conta aqui dessa mesa; tomaram conta e me deixaram aqui isolado. "Fala quando nós te dermos a palavra". E eu digo: "Sim, senhora". (Risos.)
Então, peço que... Se vocês puderem voltar para o plenário, eu vou chamar agora a segunda mesa.
Muito obrigado. (Palmas.)
Olha, vocês terão umas considerações finais, viu? Todas que puderem ficar aqui terão umas considerações finais.
Para a segunda mesa eu convido, com muita satisfação, a minha querida amiga... Posso dizer até que ela foi minha assessora, e hoje é Vereadora. E, como eu disse antes - não sei se ela estava já ouvindo -, fez quase 2 milhões de votos para o Senado.
Convido agora, para vir à mesa, a Dra. Abigail Pereira.
Foi Secretária de Estado também do Governo Tarso, não é?
Dra. Abigail Pereira, Vereadora do Município de Porto Alegre. (Palmas.)
Muito bem, Abigail, por favor, sente-se aqui.
Convido também, neste momento, a minha querida Vice-Presidente da Comissão de Refugiados e que abriu no Plenário um debate e fez questão de vir para cá como painelista também, nossa jovem Deputada Federal Carol Dartora. (Palmas.)
Também é doutora, viu? É difícil não ter alguém aqui que não seja doutora. Para mim, é. Eu sempre digo que doutora para mim é conhecimento da faculdade da vida.
Então, seja bem-vinda.
Agora convido a Dra. Natália Neris, Coordenadora-Geral de Ações Afirmativas na Educação do Ministério da Igualdade Racial. (Palmas.)
E, ao chamar vocês, eu me lembro da nossa Ministra Anielle Franco, que, quando esteve aqui, deu um show, como se... Todos deram um show aqui, não é?
Mande um abraço lá para a Anielle, viu?, diga que eu não esqueci.
Convido agora o Dr. César de Oliveira Gomes, doutorando em Direito pela Universidade de Brasília, Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Defensor Público e autor do livro Racismo institucional e justiça: interfaces da Defensoria Pública da União.
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Mestre, seja bem-vindo, mestre! (Palmas.)
Agora, a assessoria aqui me lembra que nós temos uma lista aqui grande de convidados que estão no sistema de videoconferência. Então, eu vou chamar uma da mesa e um convidado por videoconferência. (Pausa.)
Já está nos esperando para falar à distância ela que é uma grande Parlamentar, é Vice-Presidente desta Comissão e também é Vice-Presidente da Frente Parlamentar Mista Antirracismo - você é Vice lá, mas ela é Vice aqui -, que é a Senadora Zenaide Maia. Em seguida, vou chamá-la.
Agora, eu chamo a Dra. Abigail Pereira, Vereadora do Município de Porto Alegre, por 15 minutos.
A SRA. ABIGAIL PEREIRA - Senador Paim, sempre...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu sei que você não veio aqui só para vir aqui, você veio também por causa do evento de hoje à tarde.
A SRA. ABIGAIL PEREIRA - Exato.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode falar do evento aqui.
A SRA. ABIGAIL PEREIRA (Para expor.) - O Senador Paim é sempre muito carinhoso e comentava aqui na mesa anterior das mulheres. O Senador Paim sempre foi um feminista, um amigo das mulheres. E eu já vou falar sobre isso também, Senador.
Eu quero cumprimentar esta mesa aqui tão qualificada quanto a primeira mesa, ao estar aqui com a Deputada Carol Dartora - muito prazer estar compartilhando este momento -, com a Natália Neris, com o César Gomes, da Defensoria, e com o meu querido Senador Paim.
Sim, eu tive a honra de concorrer ao lado do Senador. A gente sempre aprende muito estando ao lado do Senador, que tem uma vida toda dedicada ao nosso povo. A gente diz que o Senador não é do Rio Grande do Sul, gente, o Senador é do Brasil. E assim ele tem dedicado todos os seus dias.
Eu me sinto muito honrada de estar aqui exatamente neste dia em que a gente traz uma homenagem também a Affonso Arinos, com a primeira lei do Brasil de combate à discriminação racial lá de 1951. De lá para cá, muitas lutas nós temos travado, com as dificuldades que a gente tem encontrado em fazer com que as leis aconteçam na vida também.
O Senador Paim aí também deu origem ao Estatuto da Igualdade Racial, instrumento extremamente interessante, com que trabalhamos todos os dias, Senador, para o combate à discriminação racial. Depois disso, nós temos algumas leis interessantes que estão tramitando, inclusive a que equipara o crime de injúria racial... E é extremamente importante que a gente consiga aprová-la, assim como o fundo, porque nós precisamos de dinheiro para fazer a promoção da igualdade racial.
E o combate - e a mesa anterior toda falou nisto - à discriminação racial passa necessariamente pela promoção da igualdade racial, que começa na sala de aula, que começa com os nossos pequenos, porque ninguém nasce racista, aprende-se com a sociedade, uma sociedade que viveu mais de três séculos escravizando negros, principalmente, e negras, o que faz com que a gente busque nessa história ao que nós chegamos hoje para identificar que nós, mulheres, recebemos cerca de 78%... Trabalhando a mesma carga horária, na mesma função, nós recebemos cerca de 78% do que os homens recebem.
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Agora, quando eu vou dar o recorte de raça - não é, Senador? -, as mulheres negras recebem 46% em relação ao homem branco. Olhem só. Então, nós precisamos fazer a promoção racial mesmo, a promoção de que esse país que foi construído por mãos negras...
Senador, eu estou lendo um livro que eu indico a todo mundo para ler: Um Defeito de Cor. Penso que vocês já leram, né? É da nossa querida Ana Maria Gonçalves. Um livro que nos assusta um pouco pelo tamanho dele, mas que a gente começa a ler e não quer parar mais de ler por tantos dados e pela forma com que a Ana Maria escreve, que traz muito da história do nosso país, onde nós estamos reescrevendo essa história porque, sim, nós tivemos um apagamento. Eu fico sempre comparando, Senadora, a nossa história, que apagou as mulheres e que apagou, principalmente, negros e negras dessa história, que não aparecem em lugar nenhum. Nós estamos nos propondo a escrever essa história novamente.
Eu acho que hoje é um dia histórico, é um dia... Eu estou emocionada, Senadora. Eu dizia ao Senador, quando era assessora dele: Senador... Ele era Relator da lei que estava tramitando aqui no Senado sobre a igualdade salarial. Eu dizia: Senador, se o senhor conseguir aprovar essa lei, pronto, está consagrado com chave de ouro. Era ou não era chave de ouro? E hoje, gente, nós teremos a sanção presidencial da lei da igualdade salarial entre homens e mulheres. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só porque o Lulinha voltou. Senão, não tinha, viu? Eu estava brigando, brigando, brigando. Quando o Lula volta, resolve-se a questão.
A SRA. ABIGAIL PEREIRA - Exatamente.
Então, nós tivemos, sem dúvida, as mulheres à frente dessa luta por igualdade salarial desde 53, da CLT, que tinha lá escrito e que nunca foi respeitada. Felizmente, agora, nesse projeto que foi encaminhado e que foi aprovado na Câmara, aprovado aqui nesta Comissão - inclusive a Relatora era a nossa querida Senadora Zenaide Maia...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Zenaide Maia, a grande Zenaide Maia. (Palmas.)
A SRA. ABIGAIL PEREIRA - Exatamente.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Eu tive o orgulho de dizer que eu que indiquei a Relatora.
A SRA. ABIGAIL PEREIRA - Olha aí. (Risos.)
Então, nós temos história. Eu fui a primeira Secretária da Mulher da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil e muito estive aqui no Congresso Nacional nesse debate todo, porque há mais de dez anos que nós estamos debatendo. Então, chegar ao dia de hoje - eu vivi para viver este dia - é maravilhoso. Então, para nós, é, de fato, um dia histórico.
Essa lei, gente, tem uma palavrinha que é mágica, se gente avaliar. Mas se já estava na lei? Como assim? É um dia histórico porque tem uma palavrinha mágica ali dentro que é obrigatoriedade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Com multa dez vezes...
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A SRA. ABIGAIL PEREIRA - Simples assim, não é? Que dá multa de dez vezes o salário da pessoa que teve essa discriminação. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - E foi o Lulinha que botou!
A SRA. ABIGAIL PEREIRA - Olha só!
Exatamente! Ainda por cima, a gente institui um protocolo de fiscalização, para cumprir a lei, dando transparência. É obrigatório esse relatório, de seis em seis meses, gente! Olha só! Então, você vê uma lei e já enxerga a aplicabilidade dela, não é, Senador?
Para nós, de verdade, é um momento histórico. Eu, como Vereadora, Senador, estou protocolando uma lei que, para além desta, tenha boas práticas. As empresas que tiverem serão agraciadas com o selo de boas práticas para com a classe trabalhadora, que, sim, é constituída de homens e mulheres.
Então, de verdade, é um dia histórico para o conjunto das mulheres, mas não só, é um dia histórico para a classe trabalhadora e para o nosso povo, porque nós sabemos que quanto mais mulheres estiverem no mercado de trabalho, gente, isso significa avanço econômico e civilizatório.
Então, é extremamente importante que possamos, daqui para a frente, já passar, olhar, ampliar a licença maternidade, a licença paternidade e lutarmos para termos creches, porque nós precisamos estar no mercado de trabalho e ter a nossa autonomia e a nossa condição financeira, para termos um país que, sim, possa ter crescimento com desenvolvimento quando inclui e, hoje, nós mulheres não estamos incluídas no mercado de trabalho como nós gostaríamos.
Então, tendo a igualdade salarial, a gente vai embora, fazendo a luta antirracista, a luta das mulheres brancas e negras, para que a gente tenha condição, de verdade, e o respeito da nossa sociedade.
Por isso, Senador, muito obrigada por ter me convidado para estar nesta mesa. Nós iremos, logo mais, lá para a Base Aérea, onde será sancionada a lei, com a nossa Ministra Cida Gonçalves também, que estará presente. Certamente, o Senador vai lá, porque ele tem história nessa luta também e tem que comemorar junto com as mulheres.
Eu falei o tempo todo, gente, emocionada, rindo, porque, neste dia, comemoramos a primeira lei de combate ao racismo. É isto: não basta nós não sermos racistas, nós temos que ter a nossa luta antirracista! Isto é importante: ensinar, sim! Isto tem que estar na sala de aula, tem que estar no letramento que não é um defeito de cor. Não é um defeito de cor! Vivam negros e negras da nossa pátria! Viva o povo brasileiro!
Muito obrigada! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Esta é a Abigail. A mulher meteu 10 milhões de votos! Graças a Deus! Senão eu não estava aqui, porque ela ganhou do lado de lá, para puxar para o nosso lado, não é?
Quero dizer, Abigail, que tanto essa lei, que na época era o PL 30... Nós brigávamos, brigávamos, mas não tinha jeito. O cara do lado de lá da rua, que é o que saiu no fim do ano, complicava, não deixava, não tinha jeito! Aí o Lula chega e resolve, manda fazer um projeto, manda para cá, as mulheres assumiram a relatoria e aprovamos, por unanimidade, nas duas Casas.
A injúria racial também! Nós vamos brigando, com a injúria racial, em projeto de lei, substitutivo... Faz e faz e faz... Há mais de 15 anos... Não tinha jeito! O último ele mandou para cá, porque ele disse que foi para sanção o que nós tínhamos aprovado aqui, em parceria com os Deputados, claro. Eu fui o Relator aqui. Diz que não; tinha um problema de vista e tal.
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E isso porque foi acordado com o Líder do Governo na época. A emenda foi dele, inclusive! Do Líder do Governo! E eu acatei para resolver o problema. Chegou lá, ele alegou que a emenda do Líder do Governo dele ele não aceitava. Tudo bem! Aí, o Lula vem, reúne todo mundo e faz o projeto da injúria racial melhor do que aquele. Não adianta, tem que bater palmas para o Lula, viu? (Palmas.)
E é lei! Está aí. É lei! Inclusive, botamos dentro dessa lei a questão do racismo no esporte, que eu disse que a Espanha, se quiser, que copie. Lei, no Brasil, já tem nesse sentido.
Mas obrigado, Abigail! É muito bom estar aqui com você e, de fato, é uma data histórica esta audiência pública para mim - para mim! -, não só para mim, mas para nós todos, naturalmente, porque trata dessa questão.
O combate ao racismo e ao preconceito é pela educação. Vocês todas sabem disso. Por que nós estamos aqui hoje? Se nós chegarmos aonde queremos pela educação, com certeza, a gente muda a história deste país. Nos Estados Unidos, eles mudaram lá. Inclusive... Eu estou falando agora das políticas afirmativas. Mas eles ficaram um longo período, um longo período, e aqui, no Brasil, nós vamos continuar nesse bom combate, até que um dia a gente possa dizer que aqui não tem preconceito da forma como é hoje, que é uma loucura geral.
Mas, agora, eu vou passar, de imediato, intercalando, por videoconferência - e vou chamar de doutora também, não sei se ela é, mas eu não posso adivinhar - a Dra. Thamires Rosa, mãe de uma criança que sofreu racismo na escola.
Dra. Thamires Rosa, por favor.
Não sei se ela já está.
Está! Então, está bem.
A SRA. THAMIRES ROSA (Por videoconferência.) - Olá!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Oi! Estamos te ouvindo bem.
A SRA. THAMIRES ROSA (Para expor. Por videoconferência.) - O.k. Bom dia.
Quero agradecer pelo convite, que é muito importante por sinal, diante desse enfrentamento e combate ao racismo, porque, diante da minha fala, eu venho aqui trazer para vocês o que acontece hoje dentro do ambiente escolar, mesmo depois de 20 anos da Lei n° 10.639.
A minha filha, no dia 2 de maio, foi vítima de agressão e racismo dentro de uma escola estadual. A minha filha se chama Ticiane e tem seis anos de idade. Ela levou socos nos olhos, costelas, virilhas, teve seu cabelo sendo chamado de "feio", sendo chamada de "urubu". A minha filha não entende o que é o racismo ainda; ela sabe o que é agressão por conta das dores que ela teve.
Quando eu busquei o amparo dentro da escola, o acolhimento, o que essa escola fez? Nada! Eu ainda me coloquei em questão como se eu pudesse ser voluntária para auxiliar, porque eu entendo que essas pessoas não conseguem lidar com essa situação do que é o enfrentamento e o combate ao racismo. Elas não conseguem! Eu entendo isso, porque as instituições não cumprem a obrigatoriedade dessa lei. Isso não é uma questão de escolha; é uma questão de respeito e, principalmente, de proteção à vida dessas crianças e da população preta quando vocês fazem isso. Isso não é cumprido.
E, ainda assim, buscando justiça, eu fiz um grito na internet, porque eu não sabia o que fazer. Não existe um protocolo dentro das escolas a respeito do enfrentamento ao racismo, até porque, em resposta, a Secretaria de Educação, a dirigente da Diretoria de Ensino da Região Centro Sul, enviou um ofício à Deputada Tabata Amaral, dizendo a respeito de como iria correr essa questão da minha filha.
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E eu trago, e devo ressaltar, sim, que apenas se comprovada a negligência da escola, a minha filha será encaminhada a um psicólogo. Isso foi dia 2 de maio, e eu segui correndo, buscando sozinha. Por que eu falo a respeito de ter que existir um protocolo para as famílias também e não apenas para a escola? Porque eu tive que entender como lidar com a dor da minha filha, com a minha dor, com a discriminação, porque, quando eu vou atrás para buscar entender o que a minha filha passou lá dentro, eu sou vista como mãe preta, pois mãe preta também tem diferença.
Eu fiz todos os acionamentos como Ministério Público, Conselho Tutelar, Delegacia de Polícia, e ainda assim, a escola sempre foi negligente, tentando me silenciar, criando um ambiente hostil ali dentro - porque é um ambiente hostil que é criado para as nossas crianças. Eu mudei a minha filha de escola, porque ainda assim nada foi feito. E, quando a minha filha chega em outra escola, através da transferência que eu fiz junto com o pai dela, ela não é acolhida. Foi acolhida por uma forma de trabalho chamada Conviva, que diz que faz o acolhimento e trata o racismo estrutural, o ensino antirracista - que não existe. Na verdade, eles lidam com uma cultura de paz - uma cultura de paz, sim, que é importante -, mas o ensino antirracista começa sendo aplicado diariamente à lei na grade curricular.
Eu peço até perdão a todos vocês, porque eu não tenho condição suficiente para trazer, de fato, o que é essa lei. Eu não sou historiadora, não sou pesquisadora, eu sou uma mãe que estou aqui validando para vocês... (Manifestação de emoção.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está indo muito bem, viu?
A SRA. THAMIRES ROSA (Por videoconferência.) - ... de que essa lei não é cumprida, não é cumprida! E buscando ainda fazer justiça. Eu sou colocada como culpada das agressões que a minha filha sofreu dentro da escola. Somos revitimizados, novamente.
E eu agradeço por todas as pessoas que entenderam o que é essa luta, porque não é mais uma luta apenas por justiça para Ticiane, é uma luta por justiça para as minhas sobrinhas que estão assistindo agora, para todas as pessoas que estão assistindo agora, porque nosso grito não tem valor. E quando eu ouço algumas pessoas falando aí na mesa a respeito de escola pública, e é um ensino que tem que estar dentro da escola, pois a primeira escola pública mista, criada por volta de 1880 por uma mulher, Maria Firmina, que não é contada, é validada a escola pública de 1930 apenas. Então, a todo momento, a nossa história, a história da cultura africana, o povo afro-brasileiro é escondido. Não é nem que ele seja apagado; ele é escondido e ele é açoitado e ceifado. Ceifar a história da população preta não é colheita, não é colheita!
Eu venho hoje brigando para que, dentro das escolas, de verdade, exista uma comunicação, nem que seja no primeiro dia de aula, que tenha um quadro: "Olha, se o seu filho for vítima de racismo, é isso que você tem que fazer". Porque eu estou tendo que descobrir diariamente e sozinha. Ontem, fez dois meses que a minha filha foi agredida, dois meses! E nada foi feito! (Manifestação de emoção.)
A minha vida virou de cabeça para baixo e continua de cabeça para baixo.
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E eu tenho que ter gratidão por alcançar até aqui, ter chegado até esta audiência, graças ao Senador Paim e à Carol Dartora, que está aí do lado.
Graças a vocês, à Profa. Adriana Vasconcellos, que me trouxe o conhecimento da lei, e à Cidinha Raiz e ao Dr. Flávio Campos, que me acompanharam na Secretaria de Educação. Porque, na Secretaria de Educação, na última fala, eles queriam que eu entrasse sozinha e estavam com perguntas prontas para serem feitas.
Em nenhum momento houve acolhimento. O acolhimento que teve foi: tire sua filha da escola. Por que toda vez nós temos que sair da escola? Por que toda vez é isso, nossa história sendo apagada?
É dessa forma que eu venho lutando para que haja diferença e, de fato, eu venho cobrando a obrigatoriedade da lei sendo cumprida. Quando eu vou na escola nova até da minha filha, uma escola estadual - gente, é uma escola estadual -, eles não estão cumprindo a lei.
Essa escola também fala que é acender o racismo. Fazer um combate antirracista não é acender o racismo. É uma prevenção à vida. E, por essa forma de prevenção à vida, eu criei, junto com outros pais de escolas e dessa escola em si, em que a minha filha sofreu a agressão, uma blitz de conscientização racial.
Se puderem colocar a imagem que eu passei, por gentileza.
Isso daqui é um panfleto que esses pais criaram que traz a representação de duas crianças negras. E nesse panfleto a gente fala a respeito da lei porque as pessoas não têm conhecimento dessa lei. E quando eu fui na porta dessa escola para trazer apoio da população a respeito da lei, chamaram dois carros de polícia para mim.
Então, quando eu, como cidadã, mulher e mãe preta, venho tentar fazer a minha parte como brasileira, são dois carros de polícia chamados para mim. E até agora sem solução. A minha filha vai ter que dar um depoimento ao Inesc porque as imagens levadas para a delegacia não são suficientes porque não contêm de fato totalmente a agressão. Só que contêm, sim, outras agressões entre as crianças.
Todo o tempo as crianças se agridem dentro das escolas. O que está sendo ensinado dentro das escolas? Poderia ser a música, a capoeira e de fato a cultura preta, sim, porque falar de racismo não é ter uma data específica no dia do ano, no mês. O racismo está presente diariamente.
Para se combater o racismo, é preciso estar na grade curricular, sim. Combate-se com ensino e letramento antirracista, trazendo a equidade racial. A equidade de fato, e não apenas falada, verbalizada. E principalmente as pessoas que estão ali na frente, eu peço até perdão pelo que eu vou dizer, mas dentro do Senado Federal é importantíssimo que seja criada sim uma lei que investigue se de fato esses Governadores, os estados estão cumprindo essa lei, essa obrigatoriedade dentro da escola.
Os professores municipais dos quais eu tenho conhecimento estão fazendo a sua parte de forma individual. E, ainda assim, uma escola aqui em São Paulo, Monteiro Lobato, foi alvo de racismo, ataques racistas por de fato querer cumprir a lei e fazer isso prevalecer. Isso está errado também, isso está errado.
Assim como está errada toda a negligência que essa escola criou para a vida da minha filha e continua a ser criada dentro desse ambiente escolar. Eu agradeço muito pela elaboração dessa Lei 10.639. Ela é necessária. Para mim, ela é um ato de prevenção à vida das crianças pretas, principalmente. Quando o Brasil quer fazer um letramento correto a respeito dos estudos e ensinos tratados dentro da escola, assim como eles falam a respeito da miscigenação, eles trazem a nomenclatura do pardo diante da miscigenação, e o pardo sempre foi pertencente à classe social da pessoa afro-brasileira, porque essa era uma forma de se entender quem eram os descendentes afro-brasileiros e africanos.
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Então, diante de tudo isso, o racismo estrutural é a normalização de tudo o que a gente vem passando. Nós viemos sendo sim e continuamos a ter o açoite nas nossas vidas. É o açoite. Não adianta apenas você ter cargos maiores, você ter salários maiores, porque a nossa pele continua tomando a frente das atitudes das pessoas da nossa relação. Eu ensino dentro da minha casa a respeito disso para a minha filha ter uma visão normal para o mundo. E agora eu tenho que ensinar para a minha filha se defender. Porque, quando a gente é pequeno, eu sou uma pessoa preta. Quando eu sou criança, eu tendo a ter um olhar normal para o mundo, mas o mundo não tem um olhar normal para mim. Eu só estou nessa guerra, porque é uma guerra, porque eu também passei racismo na escola. Eu fui agredida e eu não vou permitir que isso continue a existir com a minha filha, com outras crianças nem com os meus sobrinhos e com os meus netos.
Quando a gente fala de ancestralidade, no meu ponto de vista, eu estou falando não só da cultura de um povo que foi sequestrado, porque a escravidão foi um sequestro das suas raízes. Isso daqui não representa apenas uma bandana: essa é a coroa do meu povo. Essa é a faixa do meu povo. Quando eu estou falando de ancestralidade, eu estou falando das minhas origens de sangue, que foram ceifadas. E eu não vou mais permitir... Eu entro nessa luta de corpo e alma, buscando justiça para a minha filha e por todas as crianças que passam por isso. E é muito difícil... É difícil porque eu cansei de chorar na internet, eu cansei de clamar por justiça. Eu comecei a estudar e eu comecei a entender muito mais as coisas que eu não via.
Quando eu tentei defender a minha filha, eu pedi ajuda nessa escola. Não foi traçado nenhum protocolo. O que a Secretaria de Educação exibia como nota é que nós estamos sendo acolhidas, que a minha filha está tendo amparo psicológico - amparo esse que eu tive que buscar sozinha. E eu continuo buscando, porque até os profissionais psicólogos não sabem lidar com o racismo, assim como as escolas não validam o ensino do letramento antirracista. E me desculpem pela demora da minha fala, se foi isso. É porque eu não sei mais o que fazer. Eu não sei o que fazer.
É importante estar aqui nessa luta dizendo para vocês que não adianta apenas nós cobrarmos ensinos antirracistas. Nós temos que fiscalizar sim. E tem que ser passado para as famílias o que você tem que fazer quando o seu filho passa por essa situação, porque não existe um protocolo.
E junto com a Ministra Anielle e com a Benedita da Silva, ao se colocarem à disposição, é para dar um estudo diante dessas coisas que eu venho trazendo. Quando vocês trazem a fala a respeito da lei, eu tenho que trazer o que está acontecendo nos dias atuais - a gente está falando dos meses de maio, junho e julho. Não existe mudança, não existe humanidade diante das nossas vidas.
Eu agradeço pela fala. Eu não tenho mais o que falar. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Dra. Thamires Rosa, mãe de uma criança que sofreu racismo. Ela já citou o estado e a escola. Fica aqui o nosso carinho, o nosso abraço e a nossa responsabilidade.
Eu disse antes, vou repetir agora: nós já aprovamos aqui no Senado o PLS 5.520 - eu fui o autor; a Senadora Eliziane Gama foi a Relatora -, que vai criar um selo chamado Zumbi dos Palmares para as cidades onde realmente se combata o racismo e a Lei 10.639 seja aplicada. Como já está aprovado, acho que sairá, se vocês concordarem, desta reunião. Eu irei visitar o Presidente da Casa, que é parceiro nosso, viu? O Presidente Rodrigo Pacheco, sempre nos projetos de combate ao racismo e ao preconceito, tem ficado do nosso lado. Eu farei a ele um pedido para que a gente possa implementar rapidamente esse selo Zumbi dos Palmares.
Se vocês concordam, se manifestem. (Pausa.) (Palmas.)
O.k., está aprovado.
Vamos em frente então. Antes da sua fala, a aprovação do requerimento.
De imediato, eu passo a palavra agora à Deputada Federal Carol Dartora, de quem já falei, já homenageei na abertura dos trabalhos.
A SRA. CAROL DARTORA (Bloco/PT - PR. Para expor.) - Muito obrigada.
Bom dia a todas e todos.
Começo cumprimentando esta mesa na figura do Presidente desta Comissão, Senador Paim; cumprimento e parabenizo todas as falas que me antecederam, tanto nesta mesa quanto na mesa anterior.
Ressalto o sufocamento que a gente sente quando ouve o relato dessa mãe, porque é o relato de todas nós, como mulher preta, professora e também pesquisadora da Lei 10.639, em decorrência de, ao longo de toda minha vida, ter vivido essa história. No meu período de escola eu vivi exatamente isto: apanhei, minha mãe teve que me tirar de escola algumas vezes, recorreu a professores e corpo pedagógico, que nunca sabiam efetivamente o que fazer, que recomendavam "Ah, muda sua filha de escola" ou "Ah, as crianças brigam mesmo"... E a gente sabe que isso não é bullying, a gente sabe que isso tem nome, o nome disso é racismo e faz muito tempo que a gente está na luta para superar isso, que é o maior problema social que a gente tem, porque dele decorrem todas as outras desigualdades. Então, é algo que nos sufoca, mas, ao mesmo tempo, acho importante dizer que a gente também tem tido enormes e inúmeros avanços. Então também parabenizo e quero ressaltar a pertinência e a importância desta audiência para pensar esses 20 anos da Lei 10.639, os impactos dessa lei.
Na minha pesquisa de mestrado, o que eu busquei ver foram os impactos da lei no cotidiano de adolescentes negras e tirei várias conclusões, de que vou falar um pouquinho ao longo da minha fala. Mas também queria ressaltar a importância de a gente tratar dessa lei neste momento da nossa história, que é um momento em que a gente percebe a ascensão do discurso de ódio. A gente percebe que a gente foi bombardeado por um momento político muito complicado em que essas ideias novamente saíram do armário, ideias de supremacia branca. No Estado do Paraná, o estado de onde eu venho, a gente está tendo que lidar novamente com grupos neonazistas, é um dos estados com o maior número de células neonazistas, e isso infelizmente está dentro da escola.
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Também, recentemente, acho que na semana passada, a gente viu um Deputado Federal fazer um discurso num podcast dizendo o seguinte - isso foi na semana passada -: que existem macacos que têm QI mais alto do que as pessoas africanas e que o brasileiro não tem capacidade intelectual, que as pessoas negras não têm capacidade cognitivo-intelectual e que por isso estão numa situação de pobreza e não conseguem desenvolver a democracia. Então, foi uma fala profundamente racista, feita por um Deputado Federal eleito, que está nesta Casa, que está nas Comissões, que faz falas em Plenário. Então, a gente ainda vê essa condescendência com o racismo.
Queria reafirmar aqui a necessidade da aprovação do PL 2.630, que é o PL que trata de coibir discurso de ódio nas redes sociais, discurso de ódio esse que incita essa violência e cria essas condições tão insalubres para que uma criança negra construa sua identidade no espaço da escola e também em todos os outros espaços. Então, é extremamente urgente e extremamente pertinente a gente pensar a Lei 10.639, um tema de suma importância para que a gente busque a equidade racial e a superação do racismo estrutural que organiza, infelizmente, a nossa sociedade.
Em 9 de janeiro de 2003, a lei que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira, legislação que se propõe a transformar a realidade do racismo no país através das escolas por meio da educação, completou 20 anos de sua ascensão, e o que observamos é que, apesar da sua obrigatoriedade, temos muito a avançar. Essa lei surgiu com o objetivo de alterar a Lei de Diretrizes e Bases para determinar essa obrigatoriedade em todas as escolas, e, após a promulgação, o Conselho Nacional de Educação formou uma comissão de professores e especialistas em educação para regulamentá-la, estabelecendo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Aqui também é importante a gente falar da reforma do ensino médio. A gente já dizia que a reforma do ensino médio fragilizaria a Lei 10.639, essa é uma das coisas que a gente consegue observar, porque o novo ensino médio flexibilizou conteúdo de história, flexibilizou conteúdo de filosofia, de sociologia, que são os conteúdos principais em que a gente trata da história afro-brasileira e africana. Então, acho que essa conversa tem que estar muito relacionada a como pensar o novo ensino médio, pensar essa reformulação do ensino médio para que a gente não caia, mais uma vez, na armadilha de ter uma lei tão importante, de ter uma lei tão consistente, de ter uma lei tão fundamental para o nosso país, mas cuja aplicabilidade fica fragilizada por causa do modelo do currículo mesmo que está sendo aplicado. Então, a gente tem que fazer essa relação muito forte com o Ministério da Educação para garantir a aplicabilidade da lei.
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Como pesquisadora, eu estudei, como eu mencionei, a lei, e o que eu pude perceber é que a gente, através da lei, pôde pensar a abordagem da questão da multiplicidade das desigualdades a que essas adolescentes estão expostas por serem mulheres jovens e negras.
Então, a gente não pode deixar de perceber a questão de gênero também. Quando a gente intersecciona gênero, raça e classe, a gente percebe que as mulheres estão mais fragilizadas nesse contexto e foi muito o que essa mãe trouxe aqui, a sua filha, uma menina sofreu essa violência.
Também a importância de apontar os impactos que essa lei teve na cultura e no cotidiano escolar, social e na vida das estudantes. Então, foi isso que eu procurei olhar, e a gente percebeu que, sim, que a lei teve vários impactos, mas que essa lei acabou ficando a cargo dos professores negros. Professoras e professores pretos nas escolas eram vistos como os principais responsáveis pela aplicação da lei.
Então, a gente percebeu que a lei é mais tratada no dia 20 de novembro, em alguns contextos, e, quando esse dia chega, o corpo pedagógico da escola sai correndo para procurar "Ah, tem um professor preto aqui; ele vai ter que fazer alguma atividade". Essa realidade também tem que mudar.
E, pelos resultados da pesquisa, foi possível revelar as vivências marcadas por muitas situações discriminatórias no universo da escola e fora dele. Mas também deu para perceber um panorama de mudanças que essa lei foi provocando ao longo do tempo, as resistências, os ganhos da sua implantação na educação para as relações raciais no país.
Então, apesar de a gente perceber que a gente ainda vive num contexto de muito racismo, de muita violência racista dentro das escolas, é inegável perceber os frutos da lei.
Medidas como a lei dez mil extrapolam os muros da escola e são poderosa arma na luta antirracista e na mitigação das diferenças sociais existentes historicamente no nosso país, diferenças essas que no Brasil sempre tiveram uma cor, a cor negra, ou seja, é uma questão contraideológica. Isso é um ponto também muito importante de a gente colocar aqui. Trabalhar o ensino de História Africana e Afro-Brasileira nas escolas é um movimento contraideológico, porque existe uma ideologia vigente que tenta promover e continuar reproduzindo a ordem das coisas como elas estão. E a ordem a gente sabe qual é.
Então, é pensar que essa lei é de enfrentamento, porque ela vai ao contrário daquilo que está posto.
Os ganhos dos anos dessa lei foram muito criticados, apesar de demonstrarem muitos avanços, como, por exemplo, a política de cotas que foi muito criticada. Mas, como toda política, realmente, que visa atacar esse problema estrutural que é o racismo, ela recebe muitas críticas. Nenhuma outra política, por exemplo, recebeu tantas críticas como a política de cotas. Isso é fruto, única e exclusivamente, do racismo, porque são políticas que já demonstraram seu sucesso no mundo inteiro. Onde foram aplicadas, elas tiveram sucesso.
Ameaçar privilégios é tocar em vespeiro. As políticas públicas voltadas ao combate do racismo estrutural têm resultados diversos, desde a área educacional, como vemos no exemplo da lei dez mil, até em dados como os da diminuição da pobreza. São ciclos de pobreza que foram quebrados em decorrência das cotas, em decorrência de as pessoas terem mais pertencimento sobre a sua identidade.
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Ao chegar no chão da escola, a Lei 10.639... E pude ver isso na prática, como professora, de muitas vezes chegar em sala de aula, encontrar meninas negras com capuz se escondendo, escondendo o cabelo, não saindo de sala de aula, e, ao começar a trabalhar essa lei na sala de aula, a gente vê identidades renascendo, identidades se refazendo, pessoas assumindo seus traços, assumindo seu cabelo. Então, essa lei salva vidas, ela dá a condição de refazimento desse pertencimento negro, mas também permite que o sujeito não negro possa admirar essa cultura, possa admirar tudo o que significa contribuição negra nesse país.
Existe uma classe dominante e uma ideologia que ocultam as classes pobres e reproduzem o sistema em que uns exploram e outros são explorados e que não têm interesse em que as massas populares exploradas desenvolvam senso crítico e autonomia - isso é algo que a gente também tem que ter em mente - e sentem-se ameaçadas com uma possibilidade de mudança da ordem atual. Então, muitos dos impeditivos para a implementação da lei partem do que eu chamaria de uma dissimulação racista. Foi algo que a gente percebeu, quando a gente chegava numa equipe pedagógica ou num professor e perguntava: "Você está trabalhando no seu conteúdo de matemática, de física, de química, a Lei 10 .639?", e o que eles diziam era: "Ah, mas eu não aprendi, eu não tive aula disso". Ninguém nasce sabendo nada, é um movimento que a gente precisa fazer para adquirir conhecimento sobre determinado tema. Então, a gente precisa desvelar essa dissimulação racista que promove a reprodução das coisas como elas estão.
Temos ainda... E digo "ainda" porque gostaria de não ter que fazer essa afirmação, acho que nenhum de nós gostaria, mas é muito importante que a gente continue fazendo, que é a afirmação de que vivemos num país racista. Não existe mito da democracia racial, não existe cordialidade racial, e, quando uma menina negra apanha numa escola por ser negra, acho que essas ideias caem por terra mais do que nunca. Então, infelizmente, temos o dever de continuar afirmando que vivemos num país racista, portanto, a luta antirracista configura-se também como uma luta democrática e demanda o engajamento de todos os cidadãos, não apenas os negros, e os mais diversos esforços em todos os âmbitos, sejam eles políticos, educacionais e sociais.
Percebe-se a necessidade de intensificar a luta para que a escola adote novas práticas, mude posturas, consolide um currículo elaborado, desenvolvido, pois esse tem um papel fundamental na construção das identidades dos sujeitos, uma vez que é responsável por definir o que é ensinado pelos professores e aprendido pelos alunos no âmbito institucional. E aqui também quero me comprometer com que a gente consiga pensar um protocolo. Isso é o que a Thamires trouxe, acho que isso é uma urgência e me comprometo com isto: a gente precisa definir um protocolo de atendimento de situações racistas nas escolas. Não é mais possível que mães, que estudantes sejam revitimizados ao sofrer uma situação de violência racista porque o corpo pedagógico simplesmente não sabe o que fazer e mete os pés pelas mãos mesmo, promovendo essa revitimização.
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Então, é possível pensar um protocolo, é possível que o corpo pedagógico pense um protocolo, como agir, como prestar atendimento, como acionar as famílias.
(Soa a campainha.)
A SRA. CAROL DARTORA (PT - PR) - Ou seja, o currículo dá nuances do processo de como se ensina e se aprende, portanto é organizado a partir de escolhas conscientes ou não, mas sempre escolhas.
Desse modo, não pode ser visto como neutro ou imparcial. A questão da raça e da etnia não pode ser somente um tema transversal, pois envolve conhecimento, poder e identidade.
Por mais difíceis que sejam os caminhos, o desejo de todos os povos é o desenvolvimento intelectual e histórico, mas isso obedece à lógica objetiva do processo histórico. Porém, nenhum sistema opressor, por mais obsoleto que seja, acaba por si só; é a luta que o conduz à cova.
A opressão do povo negro no Brasil não acabará de morte natural. Por isso, compreende-se que a verdadeira democracia brasileira só acontecerá através da ação individual e consciente do seu povo em suas organizações coletivas, reivindicando suas necessidades sociais.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos, mais uma vez. Sempre brilhante a Deputada Federal Carol Dartora. Por isso que ela é da Mesa da Frente Parlamentar Mista Antirracismo. É da Mesa, porque eu nem gosto de dizer Vice: ela é da Mesa. Essa história de Vice ou não Vice, para mim, não é o caso. É da Comissão dos Refugiados e está aqui como painelista, fazendo esse belo pronunciamento.
Parabéns, viu? Orgulho de estar ao seu lado.
Eu vou passar a palavra agora à Senadora Zenaide Maia, que acompanhou todo o debate. Eu dou um tenho tempo para botá-la sempre, porque ela gosta de ouvir. Ela vai falar agora. Ela é Vice-Presidente desta Comissão e Vice também, aqui, no Senado, da Frente Parlamentar Mista Antirracismo. Sou o Coordenador e ela é a minha Vice, mas, entre mim e ela, não tem Vice nem Coordenador: somos dois iguais.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN. Para interpelar. Por videoconferência.) - Bom dia a todos e a todas aqui presentes.
Eu já parabenizo aqui o nosso Senador Paulo Paim. Como foi mostrado aí e eu costumo dizer, Paulo Paim é um dos poucos Parlamentares deste país que se elegeria ao Senado Federal em qualquer estado brasileiro. Paim tem essa luta histórica da política do bem comum, independentemente de qualquer situação, de qualquer gestor, de qualquer um que esteja no Poder Executivo. Meu amigo Paulo Paim, isso é um privilégio para mim. E o que eu já aprendi com ele, hein, gente?
Aqui, eu quero cumprimentar, na pessoa da nossa Deputada Carol Dartora, que me deu uma aula aí, Professora... Eu costumo chamar os senhores como educadores. Há uma diferença, que eu considero bastante grande: nós podemos ensinar para alguém ser classificado num processo seletivo; educar é para ser cidadão de um país. É isso que nós vemos nos nossos educadores.
Eu queria, na pessoa dela, cumprimentar a Abigail Pereira e Thamires Rosa, essa mãe. Imagine essa mãe e todas as mães... Eu vejo uma preocupação, como ela falou aí, independentemente de classe social, mas a gente sabe que é com os menos empoderados... Se quem é empoderado tem esse tipo de dificuldade, quanto mais os que não são.
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Mas, ouvindo os senhores aí, eu me lembrei aqui: como estaríamos hoje com a Lei 10.639, de 2003, Paulo Paim, 20 anos, se ela estivesse efetivamente sendo executada? Não tenha dúvida de que já teríamos um avanço nessa violência contra os negros. Com certeza teria amenizado. Porque nós não estamos discutindo aqui... Não inventamos a roda. E nós sabemos que tudo passa pela educação, gente. Essa falta de inclusão das mulheres, e das mulheres negras ainda mais, passa por não instituir, não mostrar, não dar visibilidade à importância de uma maioria da sociedade, porque, infelizmente, somos tratadas, mulheres, e mulheres negras ainda mais, e homens negros, como minoria - e não dá para a gente acreditar nisso.
Mas eu queria dizer aqui, Paulo Paim, algo: durante a reforma trabalhista eu chorei com as mães. Eu me lembrei da escravidão. E essa reforma trabalhista, gente, voltou com esse trabalho intermitente; é um trabalho análogo praticamente à escravidão. Aí me lembrei daquelas mulheres negras que eram assediadas sexualmente, de todo jeito, por seu patrão, porque, com todo respeito aos homens, nós mulheres fazemos qualquer acordo para não ver... para não deixar faltar o feijão, o arroz e o leite na mesa dos nossos filhos.
Então, gostaria de dizer que isso fez a gente atrasar cada vez mais. Com o trabalho intermitente, quem vai pagar o preço mais caro são as mulheres. E como a gente vê, as mulheres negras, seja no feminicídio, seja na desigualdade salarial, seja na falta de inclusão nas escolas, como foi mostrado aqui, por Thamires, pagam um preço mais caro por isso.
Vinte anos que deixamos de evoluir contra algo cruel, desumano, que é o racismo. É algo que não é para a gente... Não era para estar discutindo. Um país que deixou praticamente, por mais de 300 anos, uma escravidão declarada, e essa agora, subliminar, porque o mais grave que eu acho é negar o racismo, porque a gente sabe que existe, sim, e que está visível.
Agora, o que eu observo é o seguinte: nós temos que mostrar, gente. Não vamos perder a esperança. Por exemplo, hoje nós temos um dia histórico. Depois de muitos anos, vamos conseguir igualdade salarial entre homens e mulheres, sejam elas brancas, negras, pardas. Eu sei que negra agora... Porque a gente tinha uma dificuldade. Negros... Pretos e pardos são negros, não é? Isso aí. Para mim, a nomenclatura é importante, mas não é como a defesa real! Então, Paulo Paim, nós não podemos perder a esperança.
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Temos essa lei há 20 anos, mas estamos dando, gente, visibilidade a esse problema, que é de todos nós. Eu costumo dizer assim... Eu queria até sugerir aqui uma cartilha de letramento racial, uma cartilha de fácil acesso, com a qual a gente envolvesse... É uma maneira de fazer a execução da lei, dando visibilidade e facilitando para toda a comunidade escolar. Nós tínhamos que mostrar, juntar professores, mestres, alunos, pais de alunos e toda a comunidade que envolve a escola. No mínimo, nós vamos, sim, chamar a atenção da mídia. Informação é poder, gente, porque, durante 20 anos, depois de muito tempo, a gente sabe que o que eles querem é que o povo não tenha conhecimento dos seus direitos, porque sem conhecimento, eu costumo dizer, faz uma diferença grande a gente saber a nossa história, que fica. A história dos negros brasileiros fica sem ser escrita em canto nenhum, que é para não se saber de onde viemos, onde estamos e aonde queremos chegar, porque isso é história, é cultura, é a maioria dos atos da gente, e a gente não pode apagar isso, isso é o que faz o que a gente diz.
Então, por que eu estou falando sobre isso, Paulo Paim? Não adianta a gente ter lei, dar conhecimento a toda a sociedade - isso é uma luta de todos, como um todo -, dar visibilidade todos os dias, insistir, persistir, não desistir, porque vão olhar para isso, não tem como a gente calar e nem como a sociedade calar.
Dada uma visibilidade dessa, a gente vai chamar a atenção da sociedade como um todo, da comunidade, porque, como foi falado aí, a criança não nasce racista, claro que não! A criança é inclusiva; isso é criado num ambiente onde ela vive. É como foi mostrado aí: a gente vê negros, polícias formadas por negros, e negros praticamente perseguindo negros. Por quê? Porque é uma cultura tão forte, arraigada, que não chega à educação, naquela parte, à educação primária mesmo, à educação básica, mostrando, porque são aquelas crianças e adolescentes que chegam em casa e mostram os seus direitos.
Então, quero dizer aqui o seguinte: quero parabenizar por essa audiência pública, por mostrar à sociedade que, apesar de a gente estar nessa luta, isso não é motivo para a gente ficar desesperançado. Nós vamos, sim, em vez de ficar sem esperança, comemorar cada vitória, mesmo que seja milimétrica. Estamos comemorando hoje, não é, Paulo Paim...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, é isso.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN. Por videoconferência.) - ...a igualdade salarial. E nós vamos dar visibilidade...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - E senhora foi a Relatora nesta Comissão.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN. Por videoconferência.) - Nesta comissão! Fui Relatora aqui e, quando precisou na CAE, mesmo sem ser membro, eu fui para lá mostrar que não tem explicação. E, quando a gente resolve... Eu digo: "Olha, eu sou a Procuradora da Mulher no Senado", E, Carol, eu ouço e eu acho que você deve ouvir: "Quais são suas bandeiras, Senadora?". E eu digo: "Todas, todas!". Minha bandeira é o Orçamento, a reforma tributária, a educação, a saúde, porque, no mínimo, nós estamos defendendo mais de 50% da população. Aliás, estamos defendendo todos, porque mesmos os homens aqui, nós temos que chamá-los para ser eles por elas, porque eles têm mães...
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(Soa a campainha.)
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN. Por videoconferência.) - ... irmãs, avós, filhas. Então, nós temos que fazer isso.
Para finalizar, Paulo Paim, você sabe que é meu nome é Zenaide Maia Calado, mas de "calado" parece que eu só tenho o nome! (Risos.)
O que acontece? Nós temos, sim... Nada empodera mais o povo que a informação correta! Aqui, eu queria abrir um apêndice sobre fake news. Eu sou médica infectologista de formação e queria dizer que essa fake news que está dizendo para as pessoas com diabetes tipo 1, aquelas que são insulinodependentes, que existem medicamentos que podem suspender ou tratar sem ser com insulina... Eu não podia me calar, Deputada Carol e todos nós que fazemos este Congresso. Isso é muito grave! Convencem as pessoas, usando até uma artista famosa, que é a Paula Toller, de que tem medicamentos para diabetes tipo 1 que cura. A gente sabe que é uma doença que não tem cura, mas que as pessoas tratadas - a ciência desenvolveu insulinas altamente modernas - têm uma vida normal, podem levar uma vida normal. Então, acho que, como foi dito na televisão mostrando, como fake news, nós temos obrigação aqui de falar sobre isso, porque são vidas de crianças que estão em jogo! As mães estão achando que um medicamento... E aí é aonde vem a educação. Com certeza, Paulo Paim, as mães que tiveram oportunidade de ter uma educação melhor dificilmente vão entrar nessa onda de fake news. E aquelas que não tiveram oportunidades de ser educadas, com educação pública de qualidade, são mais fáceis de cair nessa mentira.
Vamos lá. Sugestão de uma cartilha de letramento racial, envolvendo todo mundo, com aquelas perguntas mais chaves. E vamos botar isso na educação básica, como a gente já está fazendo com... Em miúdos, pegando aquilo que é! Vamos unir todos, vamos ouvir opinião. E eu garanto aqui que, como Procuradora da Mulher, como Senadora, a gente já pode usar cota para distribuir... O que não é visto não é lembrado. Eu costumo dizer que, se não precisasse ficar mostrando, lembrando a importância da lei, tenho certeza de que teria alguns refrigerantes que todos conhecem que não estariam repetindo a propaganda na televisão.
Muito obrigada.
Estou muito feliz. Vocês me enriquecem com o conhecimento e com a experiência de cada um.
Contem com a Senadora Zenaide aqui na inclusão, transparência, execução dessas leis. Nós temos aqui, Paulo Paim, que falar toda semana sobre esta lei!
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN. Por videoconferência.) - Nós temos esse compromisso. Não vamos deixar no esquecimento. E, para isso, vamos fornecer material para as escolas, para todas as secretarias municipais de saúde deste país, dos mais de 5 mil municípios e para as secretarias estaduais, para eles, não só num dia, ficarem lembrando. Vamos insistir. Isso se chama fé. Eu digo...
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(Soa a campainha.)
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN. Por videoconferência.) - ... que sou uma nordestina de pé, que faz a gente insistir, persistir e nunca desistir de lutar por aquilo que é correto, por aquilo que é humano e por aquilo que é inclusivo.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Senadora.
A SRA. ZENAIDE MAIA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - RN. Por videoconferência.) - Muito obrigada, Paulo Paim, e a todos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Arrasou. A Senadora Zenaide Maia, como sempre, foi brilhante.
Pessoal, nós estamos com um problema de horário, porque todos nós queremos ir ao evento da sanção da lei de homem e mulher com mesmo salário. Foram quase 20 anos de uma luta que travamos todos nós. Por isso, nós vamos tentar terminar aqui. Olha, agora... Por isso que eu não sei o número de pessoas que eu tenho para falar. Agora é meio-dia e vinte. Nós temos que terminar, no máximo, no máximo, às 13h30, porque o deslocamento lá para o local, que é no aeroporto da Base Aérea, se não me engano, vai ser muito tumultuado, porque muita gente vai para lá. Então, para que a gente termine às 13h30min e possa almoçar, no mínimo; 14h temos que sair daqui, quem quiser chegar em tempo lá para assistir à sanção. Por isso, se todos concordarem em falar por dez minutos com mais cinco, nós vamos conseguir, porque temos, mais ou menos, ainda umas dez pessoas para falar. Vamos lá? Dez minutos, então. Concordam? Então vamos em frente. E eu vou falar o mínimo possível.
Dra. Natália Neris, Coordenadora Geral de Ações Afirmativas na Educação do Ministério da Igualdade Racial. À Anielle Franco fica aqui o meu abraço, para que você o leve. O tempo é seu, são dez minutos.
A SRA. NATÁLIA NERIS - Bom dia a todas as pessoas. Vocês me ouvem?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Perfeitamente.
A SRA. NATÁLIA NERIS (Para expor.) - É uma alegria fazer parte deste encontro representando a Secretaria de Política de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial. Mas é uma alegria especial para a pesquisadora Natália, mais do que para esta representante de Governo aqui, estar à sua frente, Senador Paulo Paim. Eu sou uma admiradora do seu trabalho, uma estudiosa da sua atuação no processo constituinte e, mais do que isso, da sua atuação nos últimos 30 anos, como uma jovem que tem mais ou menos essa idade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Deixa nos 30, porque se falar um pouco mais vão dizer: "Mas que idade ele tem, então?".
A SRA. NATÁLIA NERIS - É um pouco mais.
Como uma mulher negra jovem, eu me considero aqui uma pessoa que é fruto da sua luta e da luta da geração dos anos 70 e 80.
Uma mulher negra com doutorado, nesse momento, no Ministério da Igualdade Racial...
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem.
A SRA. NATÁLIA NERIS - ... é sinal de que algumas coisas mudaram, sim. Olhando para a Carol Dartora e para todas as outras mulheres aqui, eu vejo que algumas coisas mudaram.
Então, queria começar, quebrando um pouco a minha fala aqui, agradecendo-lhe e dizendo que eu estou muito feliz de estar aqui, neste momento, representando o Ministério da Igualdade Racial nessas condições e também para dizer que a gente entende esse espaço de diálogo como fundamental para a construção de políticas públicas. Então, é o exercício do diálogo, da escuta de outros órgãos governamentais, com os quais, muitas vezes, a gente não tem a chance de se sentar à mesa - então essas oportunidades são importantes -, da a sociedade civil também, de experiências tão concretas de situações de racismo que nos lembram quão importante é estar nessa posição e, também, que tipo de aprendizado a gente pode ter para atuar nessa cadeira.
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Eu gostaria de começar a minha fala - e vou me deter mesmo aos dez minutos - relembrando alguns fatos históricos, que até já foram falados aqui mesmo, pelas pessoas que me antecederam, sobre o processo educacional de pessoas negras e também falar um pouquinho das prioridades de atuação que a gente vem, dentro do Ministério da Igualdade Racial, desenhando neste momento.
Eu gostaria de lembrar, mesmo que a gente já tenha falado sobre isso, que o acesso à educação formal por pessoas negras foi negado pelo Estado durante a vigência da escravidão. Eu acho que é importante a gente partir desse ponto de vista e lembrar que a gente teve o Estado atuando contra a população negra, em alguma medida, e a sua escolarização. É por isso que é tão importante a gente pensar, hoje, na atuação do Estado em favor da população negra.
A Constituição de 1824 garantiu acesso à educação a todos, menos pessoas escravizadas. Logo, só conseguiu ingressar nas escolas um grupo muito restrito de negros livres ou de libertos. Da mesma maneira, um decreto, ainda do século XIX, dizia que só podiam se matricular nas escolas pessoas do sexo masculino, maiores de 14 anos e saudáveis. Então, a gente vê aqui uma evidente exclusão de mulheres negras e pessoas escravizadas. E é preciso lembrar também que há uma barreira concreta ao se dirigir a um banco escolar depois de horas exaustivas de trabalho.
O que a gente encontra na história da escolarização dos negros, até o início do século, são alguns casos de resistência e de luta, como já foi dito aqui pela Fernanda, mas, por experiências, principalmente de educação não formal.
Os dados recentes sobre escolarização, evasão escolar e acesso ao ensino superior conhecidos por nós, aqui neste encontro, revelam o impacto desse passado, se não mais na exclusão explícita na letra da lei, nos modos de organização das instituições de ensino e condições de desigualdade material que nos lançam ao mercado de trabalho informal precocemente e, consequentemente, relegam-nos a piores condições de renda e acesso a outros bens e serviços.
Então, eu queria ressaltar aqui que o acesso à educação sempre foi um tema muito importante para pessoas negras organizadas. A luta pelo espaço educacional e, mais do que isso, por uma educação que valorizasse a contribuição das pessoas negras para a formação nacional e um currículo que respeitasse os nossos modos de vida, inclusive religiosidade, trouxe-nos até este momento, em 2023, em que celebramos os 20 anos da Lei 10.639.
É importante ressaltar que a aprovação desse dispositivo não foi fácil e não foi trivial no Congresso Nacional brasileiro. Datam dos anos 80 os primeiros PLs que partiram do diagnóstico de que a educação sobre a África e afro-brasileiros teria um papel de fortalecimento de autoestima de pessoas negras e até mesmo prevenção da evasão escolar, sendo o PL 1.332, de 1983, de autoria do Abdias do Nascimento, emblemático. Ou seja, a gente está diante de um primeiro PL que fez 40 anos neste ano. Então, a luta pelo processo de aprovação não foi nada fácil.
A gente até tinha outros PLs, no século XX, que queriam alterar o currículo escolar, mas com uma premissa bastante distinta, com uma premissa, inclusive, de que a gente vivia uma democracia racial, de que era preciso educar crianças estrangeiras paras as nossas relações sociais harmônicas. Tem um PL de 1952 nesse sentido e um de 1979 também.
Então, a gente tem uma mudança de paradigma, a partir dos anos 80, que é fruto da luta do movimento negro. Aqui eu quero também, neste momento em que a gente celebra 20 anos dessa lei, saudar os esforços dos Neabis, os Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas, dos professores de educação básica, dos movimentos sociais, que... (Palmas.)
... nesses 20 anos, foram os responsáveis por promover material didático, desenvolver prática pedagógica antirracista e também saudar os autores e autoras negros - muitos deles são, inclusive, fruto de cotas raciais - que colocaram os seus saberes a serviço da construção de novas histórias e novas narrativas para meninos e meninas negras. A gente já ressaltou isto aqui: a importância de que, se a gente olha para esses 20 anos, muita coisa foi feita exatamente por esses atores e atrizes.
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E, aqui, eu quero me encaminhar mais para o final, dizendo que o Ministério da Igualdade Racial está empenhado em trabalhar para a efetiva implementação desse dispositivo legal, e a gente está pensando, nesse começo, nessa retomada, principalmente em três estratégias, e eu fico muito também feliz em dizer que é a gente bebendo da fonte dos estudos dos movimentos sociais mesmo, da sociedade civil e da academia, que tratam exatamente esse diagnóstico: um, que é preciso repensar a qualidade dos dados que permitem realizar diagnósticos. Então, a gente tem muita fragilidade nos dados que a gente tem, por exemplo, no censo escolar. Então, a subnotificação, no censo escolar, é emblemática. Isso não nos permite fazer diagnósticos adequados em relação à aplicação da lei. Então, uma primeira estratégia é pensar sobre isso.
Uma segunda, traçar caminhos de efetivo monitoramento da aplicação da lei, contando com a colaboração de entes subnacionais. Então, a pergunta é: como, efetivamente, as escolas estão fazendo? Então, acho que é muito importante a gente pensar numa política pública robusta mesmo de acompanhamento das iniciativas.
E acho que uma terceira estratégia importante é traçar modos de visibilizar boas práticas e incentivá-las.
É isso.
A gente tem um histórico - eu concordo com a Profa. Zara Figueiredo -, a gente não começa do zero, como a Fernanda citou aqui. Então, há muitas medidas feitas por escolas e, individualmente mesmo, por professores, que a gente precisa visibilizar.
Essas são diretrizes maiores, mas a gente está num começo de governo e de atuação e a gente está muito disposto a dialogar com a sociedade civil. Hoje mesmo, a gente vai fazer uma reunião com o Geledés, com o Instituto Alana, mas também com outros órgãos.
É muito bom ver o Ministério dos Direitos Humanos pensando iniciativas que estão olhando para a escuta subnacional.
A gente quer muito trabalhar em diálogo com o MEC, a gente não quer duplicar trabalhos. Eu tenho insistido bastante nisso, que a gente precisa estar articulado mesmo para pensar essas iniciativas, entendendo também que o MIR tem um papel de articulação de políticas públicas, que, muitas vezes, é mais difícil do que um órgão que, de fato, implementa, que chega a essa ponta, mas a gente está disposto mesmo a olhar para os desafios atuais, notadamente a não implementação pelos entes subnacionais e não a falta de material, como o Instituto Alana e Geledés dizem, mais essa dificuldade de acesso ou que materiais estão sendo distribuídos no contexto educacional, para que, enfim, a gente observe uma melhoria dos dados...
(Soa a campainha.)
A SRA. NATÁLIA NERIS - ... e que a gente possa, nos próximos 20 anos, dizer que há um marco importante ali, em 2023, em relação ao monitoramento, avaliação e implementação dessas políticas.
Então, quero fechar aqui e agradecer pelo tempo.
É um prazer estar aqui mais uma vez. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, muito bem!
Dra. Natália Neris, Coordenadora-Geral de Ações Afirmativas na Educação, do Ministério da Igualdade Racial.
Para mim, é um prazer enorme, pessoal.
Eu nunca escondo a minha idade, viu? Eu sou de 50. E, quando vejo essa juventude, com esse pique aqui, apontando caminhos, para mim é uma satisfação enorme.
Ver você falando do Abdias... O Abdias tem que ser lembrado sempre!
Quando eu cheguei aqui, como Deputado, eu saía da Câmara, vinha ali e ficava olhando aquele homem rebelde, de barba e cabelos brancos, falando, não importava se tivesse 10 no Plenário, 20 ou 30, ou se estivessem lendo jornal; ele falava como rebelde, um rebelde que tem causas.
Abdias tem que ser lembrado sempre, viu? Sempre, sempre! (Palmas.)
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É um herói de todos nós.
Muito obrigado, Natália.
De imediato, passo a palavra para o Dr. César de Oliveira Gomes, doutorando em Direito pela Universidade de Brasília, Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio de Sinos, Defensor Público Federal, é autor do livro Racismo Institucional e Justiça: interfaces da Defensoria Pública da União.
O SR. CÉSAR DE OLIVEIRA GOMES (Para expor.) - Bom dia a todas e todos!
Gostaria de se saudar o Senador Paulo Paim e agradecer mais uma vez a oportunidade deste profícuo diálogo. Também quero agradecer à Isabel e parabenizá-la pela organização do evento. E, na pessoa do Senador, eu também cumprimento os demais companheiros desta mesa e da mesa que nos antecedeu.
Brevemente, trago algumas palavras, a partir de uma perspectiva crítica do meu lugar de membro de uma instituição jurídica. Tenho exercido essa criticidade em relação às instituições do sistema de justiça, porque o papel que elas desempenharam e desempenham ou deveriam desempenhar, desde a nossa Constituição de 1988, são de guardiãs dos valores democráticos, também as suas responsabilidades pela promoção dos direitos humanos. Nós ouvimos aqui, no depoimento da Sra. Thamires Rosa, algumas dificuldades que ainda ilustram problemas com o racismo institucional de algumas instituições jurídicas.
Uma das minhas áreas de interesse é a justiça de transição, e aí dialoga muito com a atuação da Dra. Fernanda, no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos, e a gente tem pensado também sobre o envolvimento dessas instituições jurídicas nessas políticas de memória. Porém, o que a gente tem identificado também, infelizmente, é que as instituições do sistema de justiça ainda não se sentem tão destinatárias dessas políticas de justiça transicional, dessas políticas de verdade e memória. Então, existe também esse trabalho. E isso tem uma implicação muito prática. Então, por exemplo, quando nós colocamos o problema do monitoramento da implementação dessas políticas públicas da Lei n° 10.639, no âmbito dos municípios, nós podemos contar com algumas instituições jurídicas para fazer esse monitoramento entre elas a própria Defensoria Pública e o Ministério Público, porque eles podem expedir recomendações, podem convocar audiências públicas. Então, é importante que as instituições jurídicas estejam engajadas também nesse processo.
E, aí, eu também quero trazer que, no âmbito do direito internacional, têm se reconhecido os pronunciamentos judiciais também como uma das medidas de satisfação. Então, é importante que a gente faça essas aproximações e, ao mesmo tempo, esses estranhamentos no âmbito do sistema de justiça, a partir dessas perspectivas descolonizadoras.
Então, a minha proposta aqui, muito breve, é fazer uma análise desse estado de coisas a partir deste lugar.
A história recente do Brasil tem sido marcada por sucessivos acontecimentos que têm nos convidado a refletir sobre pactos civilizatórios estabelecidos, promessas constitucionais pendentes de concretização, desigualdades estruturais, direitos humanos e, por conta disso tudo, uma questão central: o que, de fato, entendemos por democracia e como podemos levá-la a efeito na sua plenitude, de forma a cumprirmos o objetivo constitucional de construirmos uma sociedade justa, livre e solidária?
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Essa pergunta não pode ser respondida sem que o Estado e a sociedade brasileira coloquem em perspectiva o racismo e a discriminação racial como chaves explicativas das desigualdades que marcam o processo de formação do Brasil.
O Estado brasileiro, desde a segunda metade do século XX, tem firmado sucessivos compromissos internacionais no sentido de combater o racismo e a discriminação racial em todas as suas dimensões. Assim se verifica, por exemplo, na Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, na Declaração e Plano de Ação de Durban e na Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância.
Apesar dos inúmeros marcos normativos internacionais assinados pelo Brasil, constata-se que, no nosso país, a questão racial ainda pauta e muito as dinâmicas sociais e até mesmo a forma como a cosmovisão hegemônica identifica o padrão de humanidade de pessoas negras e indígenas. Veja-se, por exemplo, os debates que envolvem os direitos territoriais dos povos indígenas, o caso envolvendo o Sr. João Alberto Freitas, homem negro assassinado por seguranças de uma grande rede de supermercados em Porto Alegre, bem como recente vídeo que viralizou, nas redes sociais, de um homem negro carregado por policiais no Estado de São Paulo com as mãos e os pés amarrados por cordas. Nesse último caso, as chocantes imagens não foram suficientes para convencer o Poder Judiciário de que houve tortura ou maus-tratos.
Não posso deixar de mencionar ainda que o Brasil responde a processo por discriminação racial no trabalho perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Trata-se do caso Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira versus Brasil, cujas audiências públicas foram realizadas na semana passada, dias 28 e 29 de junho.
Nesse estado de coisas, qual é o papel das Leis 10.639 e 11.645 no enfrentamento ao racismo e à discriminação racial? A Declaração de Durban identifica o racismo como uma das consequências do colonialismo e reconhece que os povos de ascendência africana e os povos indígenas ainda são vítimas dessa relação de dominação e diferença na contemporaneidade.
Esse documento, ao tempo em que reconhece que o combate ao racismo é responsabilidade primordial dos Estados, os incentiva a desenvolver e elaborar planos internacionais para promoverem a diversidade, a igualdade, equidade, justiça social, igualdade de oportunidades e participação para todas e todos.
As Leis 10.639 e 11.645 compõem um conjunto de iniciativas do Estado brasileiro orientadas a essa finalidade. Vejam que, na justificativa do projeto que resultou na Lei 10.639, há clara menção à necessidade de desmistificar o eurocentrismo como forma de se construir um novo modelo de sociedade, diverso e inclusivo.
O enfrentamento ao racismo demanda reflexões e ações profundas por parte das instituições públicas brasileiras. Lembro, a propósito, que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em denso relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, apontou a discriminação histórica sofrida pelas pessoas afro-descendentes como uma das causas da desigualdade estrutural.
A Cidh afirma que, no Brasil, as pessoas afro-descendentes estiveram historicamente inseridas em um contexto de discriminação estrutural e de racismo institucional.
Ora, se estamos tratando de uma mudança estrutural, da necessidade de construir um outro modelo de sociedade, a educação é o ponto de partida para pensarmos e concretizarmos ações emancipatórias, uma educação descolonial e antirracista como instrumento de promoção da diversidade, de diálogos interculturais e pluralismo.
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Concordamos com Herrera Flores no sentido da necessidade de se ponderar, no âmbito escolar, quais foram os processos históricos e normativos que deram lugar a uma determinada configuração de direitos, analisar detidamente que tipo de relação social que se estabelece e, finalmente, valorizar a proximidade ou distância de dita normativa em relação à luta pela dignidade humana.
Em outras palavras, a lei de ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena impõe ao Estado brasileiro o dever de estabelecer marcos pedagógicos engajados, que facilitem a compreensão e a visibilização das contribuições dos povos afrodescendentes e indígenas para a formação do Brasil.
Por último, não podemos perder de vista que também se trata de uma política de memória e verdade. Aqui chamamos a atenção brevemente para a necessidade de o Estado brasileiro estabelecer uma justiça de transição para a abolição inacabada da escravização negra.
A lei de ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena abre a possibilidade de ressignificarmos o passado e estabelecermos uma memória coletiva em favor dos povos afrodescendentes e indígenas. A construção de narrativas únicas que inviabilizam a construção de uma memória coletiva inclusiva obstrui a efetivação de compromissos civilizatórios que estruturam uma sociedade democrática.
Por tudo isso, ao tempo em que celebramos os 20 anos da lei do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena...
(Soa a campainha.)
O SR. CÉSAR DE OLIVEIRA GOMES - ... nós nos mantemos vigilantes e atentos em relação a sua efetiva implementação, porque ela é um dos caminhos possíveis para erradicarmos o racismo e consolidarmos a democracia em nosso país.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ficou exatamente nos dez minutos, hein, Doutor? Eu ainda lhe dei mais cinco, o senhor me olhou e disse: "Olha, muito obrigado".
Parabéns ao Dr. César de Oliveira Gomes, doutorando em Direito pela Universidade de Brasília e Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, região onde eu fiz a minha caminhada toda.
O SR. CÉSAR DE OLIVEIRA GOMES - Eu atuo na sua cidade.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Em Canoas.
Muito bem.
Defensor Público Federal, é autor do livro Racismo Institucional e Justiça: interfaces da Defensoria Pública da União.
Parabéns pela fala.
Eu convidaria a esta mesa agora para retornar para a primeira fila e eu vou chamar a última mesa - estou meio correndo aqui: Cleber Santos Vieira, Secretário de Educação Continuada...
Uma salva de palmas a esta mesa aqui, que foi brilhante também. (Palmas.)
Cleber Santos Vieira, Secretário de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão Substituto, representante do Ministério da Educação.
Um abraço aqui também para o Ministro Camilo Santana. (Palmas.)
Luzi Borges, Diretora de Políticas para Povos e Comunidades de Matriz Africana e de Terreiro, do Ministério da Igualdade Racial. (Palmas.)
Mais um abraço para a nossa querida Luzi Borges.
É Luci Borges, não? (Pausa.)
Tá. Tá. É Luzi Borges.
Agora passamos a palavra...
Chamamos também a Dra. Neliane Maria, mulher negra, mãe, feminista, ativista, militante da Frente de Mulheres Negras do DF e professora da rede pública de ensino há 26 anos. Assina suas produções com o codinome Ne Maria e criou recentemente a marca Maria Pimenta.
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Seja bem-vinda, doutora.
E, por fim, Nelson Luiz Rigaud Mendes, Chefe de Gabinete da Fundação Cultural Palmares.
Muito bem. (Palmas.)
De imediato, passo a palavra para o Dr. Cleber Santos Vieira, Secretário de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão Substituto, representante do Ministério da Educação.
Se todos puderem ficar nos dez minutos, a gente consegue concluir e ainda ir para o evento do Lula.
O SR. CLEBER SANTOS VIEIRA (Para expor.) - Sim.
Então, muito boa tarde a todos, todas, "todes".
Obrigado pelo convite, Senador Paulo Paim, sempre na vanguarda das lutas populares, particularmente a luta antirracista, com enormes contribuições ao longo dos 40 anos de história parlamentar e de luta. Então, obrigado pelo convite. É uma honra grande estar aqui.
Eu, como fui apresentado, sou Cleber Santos Vieira. Estou aqui representando a Secadi, a Secretária Zara Figueiredo, mencionada aqui duas vezes, então, não é uma tarefa fácil substituir essa mulher guerreira, grande intelectual negra, que nos lidera também no Ministério da Educação, na Secadi, coordenando uma equipe muito importante.
Temos trabalhado com o apoio do Ministro Camilo, com o apoio da Secretária-Executiva Izolda, nessa caminhada de reconstruir a agenda antirracista também dentro do MEC, já que, como vocês sabem, a Secadi foi uma das estruturas governamentais extintas no governo anterior.
Oficialmente, as atividades da Secadi foram encerradas, e o Presidente Lula, o Ministro Camilo, ao assinarem o decreto que reconstruiu vários espaços e reorganizou a Esplanada dos Ministérios, reorganizou também e reestruturou a própria Secadi. Então, além da própria Secadi, que volta às atividades, foi instituída, no interior da Secadi, uma diretoria específica, coisa que não existia anteriormente, então uma diretoria de educação para as relações étnico-raciais e educação escolar quilombola.
Então, podemos dizer que temos uma estrutura com maior poder de articulação institucional, com mais condições, portanto, de levar a cabo as agendas da educação para as relações étnico-raciais, da história e cultura afro-brasileira e também da educação escolar quilombola. Então, temos essa diretoria com essa incumbência, com esse perfil, com esse traço importante. Então, agradecemos muito essa construção, porque certamente fará diferença ao longo desses quatro anos.
Bom, nós estamos diante de uma comemoração muito importante: estamos falando dos 20 anos da Lei 10.639, e eu gostaria de fazer coro aqui à companheira Natália Neris, que relembrou o Projeto de Lei nº 1.332, de 1983, do saudoso Abdias do Nascimento.
O projeto de lei designava - ou pelo menos arrolava ali - algumas obrigações para o Ministério da Educação. E, naquele projeto de lei, ele dizia assim: "O Ministério da Educação e Cultura, bem como as secretarias estaduais e municipais de educação, conjuntamente com os movimentos negros comprovadamente engajados no estudo da matéria, estudarão e implementarão modificações nos currículos escolares acadêmicos, em todos os níveis [primários, secundários, superior e pós-graduação], no sentido de incorporar as temáticas da história brasileira, afro-brasileira, e as contribuições da civilização africana" e por aí vai.
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Então, ele arrola uma série de medidas e, não por outro motivo, em 2013, a Secadi criou o Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento. Esse programa teve a contribuição de pessoas importantíssimas que passaram pela Secadi naquele momento, e eu gostaria de aqui fazer referência a eles: Ivair dos Santos e Thiago Tobias; pessoas que estiveram, naquele momento, na Secadi do MEC e construíram esse programa.
O Programa Abdias Nascimento atua em duas linhas, em parceria com a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior), e com a Secretaria de Ensino Superior do MEC. A primeira linha era de mobilidade acadêmica com o intuito de levar pessoas negras, indígenas e pessoas com deficiência para a internacionalização. Então, além de as pesquisas terem que estar concentradas nas temáticas afins à história e à cultura afro-brasileiras, já como desdobramento da própria Lei 10.639, tinham que pensar a permanência qualificada a longo prazo, isto é, os estudantes negros e negras e a população indígena também terem acesso à pós-graduação e àquilo que há de mais excelente dentro da pós-graduação, que é a mobilidade internacional, a solidariedade internacional, em casos como na Unilab, e também uma produção científica compartilhada com aquilo que temos de melhor, com aquilo que tem de melhor no exterior.
E a segunda linha do Programa Abdias Nascimento era exatamente a pré-pós, que nós chamamos de preparação de estudantes cotistas que ingressaram pela Lei de 12.711 na graduação, preparando-os para a pós-graduação. Esse programa durou até 2016, teve investimento, na época, de R$10 milhões e, como a Secadi, também foi descontinuado; foi oficialmente extinto pelo Governo anterior. Para a nossa felicidade, no último dia 28 de junho, na semana passada, na quarta-feira passada, o Ministro Camilo Santana assinou a portaria recriando o Programa Abdias Nascimento. E, em parceria com a Capes, com a Presidenta Profa. Mercedes... (Palmas.)
A Profa. Mercedes assinou o edital - MEC e Capes, portanto - com uma nova perspectiva para esse programa. Para a mobilidade acadêmica, serão investidos R$260 milhões ao longo de cinco anos, R$260 milhões para que estudantes negros e negras, para que indígenas, para que pessoas com deficiência possam acessar a mobilidade acadêmica e tenham, assim, condições de usufruir também daquilo que a sociedade brasileira construiu de melhor na pesquisa, na pós-graduação, que é exatamente a produção de conhecimento internacionalizado.
Teremos, ainda, mais R$56 milhões investidos para que as instituições de ensino superior federais desenvolvam projetos com práticas inclusivas, práticas pedagógicas inclusivas. Serão ainda R$23 milhões, isso é uma inovação muito importante do edital, investidos na tutoria em língua portuguesa para estudantes indígenas, o que é uma reivindicação histórica da população indígena em relação a nós abrirmos as portas com as cotas, porém com dificuldades muito importantes em relação ao desempenho, ao desenvolvimento de cada curso, em cada área, em função da língua portuguesa.
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Então, também, o Programa Abdias Nascimento traz essa boa novidade.
E, ainda, no projeto pré-pós, ao longo de quatro anos, está previsto o investimento de R$40 milhões pela Secadi, investindo, portanto, nos estudantes negros e negras e pessoas com deficiência, para que se preparem de maneira coerente, com a metodologia de pesquisa, e em idiomas e, também...
(Soa a campainha.)
O SR. CLEBER SANTOS VIEIRA - ... preparando pesquisas para desenvolverem ao longo do seu processo, e para que acessem a pós-graduação.
Eu estou indo para o fim aqui - tá, Senador?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está bem - está bem.
O SR. CLEBER SANTOS VIEIRA - Então, acho que são questões importantes, porque é um processo que surge como desdobramento de um conjunto maior de ações afirmativas. Além da Lei 10.639, nós, certamente, temos a Lei 12.711, mas, no que diz respeito à 10.639, especificamente, é importante pensar que ela criou um campo de saber específico. Se nós pensarmos sobre o número de trabalhos de conclusão de curso, o número de trabalhos de iniciação científica, de mestrado, de doutorado e de pós-doutorado, de programas de pós-graduação que hoje trabalham especificamente com a Lei 10.639, isso é muito importante. E gerou esse campo científico.
E, ainda no campo da construção, da elaboração sobre que o Ministério da Educação vem pensando, eu quero citar apenas mais dois programas que foram muito importantes para nós no passado, que foi o Uneafro, que era um programa de ações afirmativas para a população negra, que era, exatamente, para dar cursos de formação continuada para professores da rede. Esse programa voltou. Brevemente, estaremos anunciando as primeiras universidades que estão assinando as parcerias com o MEC. E também criamos o Uneafro Quilombola, que, a exemplo do Uneafro, será a formação específica para atuar na educação escolar quilombola. Aliás, as diretrizes completaram, no ano passado, dez anos, e precisamos, também, voltar a esse documento.
E, para concluir, apenas dizendo que nós recriamos a Cadara e criamos a Coneeq. A Cadara, mais conhecida, é uma comissão técnica que cuida dos assuntos educacionais da população negra, e a Coneeq, que foi criada agora, é a Comissão Nacional de Educação Escolar Quilombola. Essas duas comissões serão instaladas no dia 11 de julho, em uma reunião técnica que discutirá aquilo que, certamente, é o documento mais importante que temos do ponto de vista da implementação da Lei 10.639, que é o Plano Nacional que foi construído por um GTI em 2008, o GTI que foi coordenado pela Secadi.
(Soa a campainha.)
O SR. CLEBER SANTOS VIEIRA - Então, nós vamos estar retomando esse documento. É uma avaliação no sentido daquilo em que avançamos, mas, certamente, no sentido de construir estratégias a superar os óbices que tivemos ao longo desses 20 anos.
Então, eu concluo, agradecendo a fala e colocando a Secadi à disposição de construirmos essa nova etapa. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Cleber Santos Vieira, que falou em nome do Ministério da Educação.
Meus parabéns!
Passo, de imediato, a Luzi Borges, Diretora de Políticas para Povos e Comunidade de Matriz Africana e de Terreiro do Ministério da Igualdade Racial.
A SRA. LUZI BORGES (Para expor.) - Bom dia, quase boa tarde - é isso, não é?
Saudações ancestrais ao Movimento Negro Educador e, em nome do movimento negro, a Paulo, Senador Paulo Paim, por essa iniciativa.
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É importante estar aqui e lembrarmos, sobretudo, do que é que a Lei nº 10.639 nos possibilitou. Para mim, esse é o lugar, e é desse lugar que eu também vou falar. Todas as falas anteriores também já me contemplaram, porque eu também fiz esse movimento de entender quais foram as leis que vieram, anteriores, e quais foram os avanços. E, diante de todas as falas anteriores, eu vou me atentar a falar apenas das questões que me fazem estar aqui.
Eu sou Luzi Borges, eu sou colabá de Xangô no Ilé Asé Odé Omopondá Aladè Ijexá, um terreiro que fica no sul da Bahia, e acredito que é por isso que eu estou hoje como Diretora de Políticas para Povos e Comunidades de Matriz Africana e Povos de Terreiro. Mas, antes de ocupar esse cargo no Ministério da Igualdade, eu sou professora universitária na Universidade Estadual de Santa Cruz, na Bahia. E, nos últimos anos, especificamente nos últimos 16 anos, eu tenho me atentado a pensar e a olhar sobre tudo o que é que a Juventude de Axé é capaz de fazer com o que fazem deles e delas, não é? Tem uma fala, que acho que é do Stuart Hall, que diz isso: "Não importa o que fizeram de você, o importante é o que você faz com o que fizeram de você".
E aí eu tenho olhado muito nesse movimento, como é que a Juventude de Axé tem ocupado, sobretudo, os ciberespaços. Eu trabalho na universidade, nos últimos anos, com formação de professores mediados por tecnologias digitais, então, nesse contexto de cibercultura, eu fui olhando um pouco do que era que essa juventude era capaz de pensar e de construir como contraponto a essa política, porque, sim, o racismo estrutural, o racismo institucional é uma política de morte contra nós. E a juventude de terreiro tem reconstruído, sobretudo, essa paisagem do que é o racismo, da forma como ele atinge diretamente a nós. E percebo que, nesses últimos 20 anos, a 10.639 foi muito importante para que a gente pudesse, a partir desses movimentos, reconhecer esses espaços, os terreiros, as escolas de samba, os grupos de capoeira, o maracatu e todo esse movimento negro como espaços cotidianos e educativos.
Então, há uma mudança, sobretudo nesse processo mesmo de entrada nossa nesses espaços institucionais e, sobretudo, uma reivindicação dessa juventude de que não basta mais nos usar como objeto de pesquisa. Não queremos mais ser esse objeto de pesquisa, e, sim, sermos protagonistas da nossa própria história. Então, os NEABs, nesse contexto, começam a pensar e a produzir pesquisas, também afro-brasileiras, contribuindo para que o ensino da África e dos afrodescendentes chegue aos espaços escolares, da educação infantil ao ensino superior, nessa perspectiva de que somos nós que produzimos essas pesquisas. A criação dos NEABs, as cotas, os concursos, eles foram e são importantes nesse processo mesmo de reconstrução e, eu diria e digo sempre, de "terreirificação" desses espaços.
Então, a gente entra na universidade, a gente entra nas escolas mais que um corpo escondido, e sim, como diz a Vilma Reis, um corpo e uma autoestima na diagonal. A gente entra nesses espaços com os nossos fios de conta, com o nosso branco, com o nosso turbante, e a gente questiona, sobretudo, esse espaço que, historicamente, foi de produção de uma cultura judaico-cristã muito forte e começa a questionar esse currículo, começa a questionar essas práticas e começa, também, nessa disputa de narrativas.
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Nesse processo, a gente percebe o quanto o PNLD foi importante também para essa produção de escritores e de escritas ancestrais nossas. A gente percebe também que, ao adentrar essa escrita na escola, a sociedade também nos questiona o que a gente está fazendo aqui. A gente recebe constantemente denúncia de escolas em que diretor ou pais questionaram o uso do itan na literatura como um paradidático ou como um processo mesmo de leitura complementar dentro da educação e a gente também percebe o quanto o movimento negro também se organiza e fortalece essa entrada.
Então, os editais de formação de professores nos últimos anos também foram importantes. Vocês disseram muito sobre isso. É importante pensar na formação de professor. Da força da lei a gente sabe, o movimento vem dizendo isto constantemente à sociedade brasileira: não basta ter uma lei, porque não se muda a cultura por lei, mas sem ela também a gente não tinha como caminhar.
A minha formação foi anterior à Lei de Cotas, e, quando - a Lei de Cotas, não; a Lei 10.639 - eu saí da universidade, em 2000, eu lembro que, ali, no final da minha graduação, eu queria falar sobre formação de professores e professoras negras, e a própria universidade me desencorajou a fazer essa pesquisa, porque não tinha material. Então, havia sempre esse discurso de que não tinha material. Então, o fomento e as possibilidades que a lei nos possibilitou permitiram, por exemplo, questionar a ausência dessa discussão nos cursos, sobretudo nos cursos de formação inicial dos professores.
Então, o reconhecimento dos terreiros de candomblé como esse espaço-tempo de produção de conhecimento decolonial, desse conhecimento, dessa luta a favor de uma sociedade mais antirracista permite que a gente traga hoje, como experiência, a Escola Municipal Eugênia Ana dos Santos, uma escola que está dentro do Ilê Axé Opô Afonjá, que, há mais de 20 anos, vem nos ensinando o que é fazer uma educação afrocentrada e que também tem contribuído para que outras escolas e outros projetos comecem a ganhar expansão também em nível municipal, como, por exemplo, a Escola Maria Felipa, que também está dando vários exemplos de como é possível pensar a 10.639 e reconstruir e negritar esse currículo.
O projeto Baobá também é uma experiência muito positiva, está em andamento no Município de Salvador desde 2005, vem com a proposta de formação de professores e formação também de uma sociedade mais equitativa, mais antirracista e vem questionando sobretudo a perspectiva que se tinha de que a 10.639 tinha que ficar vinculada a determinadas disciplinas, a determinados grupos sociais dentro da universidade enquanto protagonistas da execução da lei, não tinha uma data e não tinha como fazer. Então, eles desenvolvem um projeto que é 365 Dias de Consciência Negra, eles trabalham formação de professores, eles vão para a escola, eles acompanham a escola, sobretudo as escolas que tem o Ideb muito baixo, nessa implementação da lei.
E a criação da Pedagogia Quilombola está em discussão hoje no Estado da Bahia, um curso específico em Pedagogia Quilombola, assim como já tem a Pedagogia Indígena.
Então, esses são movimentos possíveis e que cresceram sobretudo após esse movimento mesmo da implementação da lei nesses últimos 20 anos.
O mapeamento dos terreiros: eu estou com esse desafio lá na secretaria de entender quantos nós somos, e o grande desafio nosso é porque nós temos metodologias bastante complexas, que muitas vezes não chegam até às lideranças, que não chegam às pessoas do axé.
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Agora, a gente saiu, estamos aí numa semana e num mês de divulgação do IBGE, mas poucas pessoas de axé... Até hoje que não encontrei uma pessoa de axé que me disse: "Eu preenchi o formulário do IBGE e eu pude optar pela opção da religiosidade ou da raça". Então, pouquíssimas pessoas tiveram acesso a isso. E os mapeamentos de terreiro feitos pelos NEABs, no Brasil todo, foram um mecanismo, foram uma ferramenta muito importante nos últimos 20 anos. O pouco que nós sabemos sobre os terreiros, quem fez isso foram as universidades.
O mesmo movimento tem acontecido em todo o campo da educação. Racializar o currículo escolar em todas as formações, dos cursos da área de saúde aos cursos da área de exatas, em que essa discussão pouco chegava, faz parte desse movimento mesmo de "terreirificar" e promover mesmo esse movimento e essa possibilidade de se reconhecer pertencente...
(Soa a campainha.)
A SRA. LUZI BORGES - ... de uma sociedade que é nossa. A gente construiu esse país. Esse país nos pertence.
Então, as epistemologias e metodologias ancestrais chegam à escola a partir sobretudo de pesquisas, como o colega já colocou, avanços na pesquisa, mas, sobretudo, a gente questionando essas pesquisas eurocêntricas, centradas muito mais na branquitude do que em nós. Então, a ressignificação da oralidade, as narrativas ancestrais chegam nas pesquisas. Hoje a gente tem teses e dissertações mais próximas a nós. E esse movimento também foi... A 10.639 promoveu esse movimento de questionar o elitismo da escola e o elitismo também de se fazer ciência no Brasil.
Aí, chegando mais para o final, pensar os cognitivos críticos e as cosmopercepções como processo de ensino e aprendizagem. O povo de axé é um povo bilíngue. A gente não pode esquecer e se perguntar por que não aprende inglês quando sai dos terreiros, se sabe banto, se sabe queto, se sabe ijexá, se sabe ibo e não sabe...
(Soa a campainha.)
A SRA. LUZI BORGES - ... as tecnologias ancestrais, as músicas, as danças, a matemática, a arquitetura, todo esse modo de viver e de ser.
(Soa a campainha.)
A SRA. LUZI BORGES - Axé e motumbá e gratidão, Senador. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É que essa campainha toca toda hora.
Mas uma grande salva de palmas, inclusive agora, para a Dra. Luzi Borges, Diretora de Políticas para Povos e Comunidade de Matriz Africana e de Terreiro do Ministério da Igualdade Racial.
Parabéns! Deu um show aqui. Só desculpe um pouco o aceleramento aqui no final. Mas você foi muito bem.
Agora, passo a palavra para a Dra. Neliane Maria, mulher negra, mãe, feminista, ativista, militante da Frente de Mulheres Negras do DF e professora da rede pública de ensino há 26 anos; assina suas produções com o codinome Ne Maria e criou recentemente a marca Maria Pimenta.
Dez minutos.
A SRA. NELIANE MARIA - Está ligado?
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está ligado, sim.
A SRA. NELIANE MARIA (Para expor.) - Bom gente, eu acho que agora é boa tarde, não é? Boa tarde a todas, a todos, a "todes". Quero saudar aqui primeiramente a nossa ancestralidade, as nossas mais velhas, os nossos mais velhos, que nos trazem... Na resistência trazem a nossa existência, a resistência até aqui, e que também nos antecederam nessa luta, para hoje estarmos num debate sobre os 20 anos da Lei 10.639.
Parabenizo aqui a iniciativa da audiência pública, na pessoa do Senador Paulo Paim e da organizadora Maria Isabel, colega de frente, e vou me apresentar: sou Neliane Maria e estou na educação pública há 26 anos. Comecei na Fundação Educacional do Distrito Federal, hoje Secretaria de Educação do DF. Hoje estou no Atendimento Educacional Especializado, e é muito interessante estar aqui ao lado de um representante da Secadi, que também trata da questão do Atendimento Educacional Especializado. E, antes de entrar mesmo no assunto da pauta, não dá para começar a minha fala como militante dessa potência que é a nossa Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal, que existe há sete anos - a Maria Isabel faz parte da Frente, assim como eu -, sem exaltar o Mês da Mulher Negra.
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A gente sabe o quanto o julho é muito importante para nós, mulheres negras, nós que estamos ali na linha de frente em tudo e pela composição das mesas, o quanto de mulheres negras aqui, com o discurso, as narrativas, todo o conteúdo acumulado, inclusive para a educação pública que nós queremos.
E aí, sobre o Mês da Mulher Negra, vou ler uns trechos, somente uns trechos, do nosso manifesto que nós lançamos ontem, na nossa 24ª Feira Afro da Frente Mulheres Negras, dizendo:
Nós, a Frente de Mulheres Negras do DF, nossa ancestralidade e todas as outras que vieram antes de nós, Dandara, Aqualtune, Luísa Mahim, Anastácia, Carolina Maria de Jesus, Tia Ciata, somos e buscamos a força da luta diária na intenção de sermos luta e resistência para as próximas. E, nesse manifesto, a nossa voz, que ecoa em celebração ao Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela, que não apenas clama, mas conclama, convoca-nos à centralidade das nossas lutas, do olhar sensível aos nossos sofrimentos, tantas vezes emaranhados às nossas antepassadas, ao racismo ainda impregnado nas esferas sociais.
Celebremos, portanto, o mês do 25 de julho, rememorando sempre o que sofreram tantas de nós. Para o presente, a resistência. Para o futuro, a persistência. Convoquemos todas as mulheres negras a ressignificarem seus espaços e, se preciso for, incomodemos, em nome do que foi e do que será. Uma vez celebremos porque estamos atentas em vistas do que sempre aconteceu e ainda tem acontecido aos nossos olhos.
Portanto, lutaremos a cada dia por mais justiça e políticas públicas que reparem todas as formas de inferiorização que nos atingem.
Não queremos condições mínimas de sobrevivência; queremos equidade, pertencimento, criando cada vez mais em nós um fortalecimento feminino e feminista negro para essa e para as futuras gerações de mulheres negras.
Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal, 2 de julho de 2023.
Então, esse é o nosso manifesto para abrir o mês, o nosso mês.
E agora entro no assunto da Lei 10.639, que nos significa. Tantos e tantas aqui que nos antecederam, que me antecederam, falam da luta lá desde décadas atrás e de Abdias Nascimento - muito bem citado aqui em todas as falas, também venho conclamar -, inclusive, quando faz parte do movimento que entrega, em 1987, aos Constituintes de 1987, a educação antirracista e com equidade racial que queremos.
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Eu preciso também exaltar aqui a Profa. Dra. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. (Palmas.)
A Profa. Petronilha, enquanto Conselheira do Conselho Nacional de Educação, esteve na linha de frente para orientar o projeto de lei que destinou a Lei 10.639... É importante dizer que a Lei 10.639 foi a primeira lei assinada pelo Presidente Lula em seu primeiro mandato. A Lei 10.639 é datada de 9 de janeiro de 2003. Isso é muito importante. E o protagonismo da Profa. Petronilha não dá para deixar de ser exaltado aqui.
Não dá para falar de equidade racial na educação, a partir da educação e a partir do chão da escola sem pensar em uma educação pública, laica, verdadeiramente laica, como dito pela companheira que me antecedeu, a Luzi, que me antecedeu, não uma educação somente cristã que é ainda é o que vemos aí, mas respeitando todos e todas, inclusive a nossa religiosidade de matriz africana, sem pensar também em uma educação gratuita de qualidade e socialmente referenciada e, principalmente, sem pensar em uma educação antirracista.
Também não dá para implementar essa educação que nós almejamos sem cumprir o que está na lei há 20 anos, como todas e todos nós falamos aqui, em todas as esferas, desde o financiamento à formação continuada, passando por todas as modalidades de ensino, da Meta 1 dos planos de educação, que trata da educação infantil a partir dos primeiros anos de vida, passando pelos anos iniciais e finais do ensino fundamental, do ensino médio e da universidade pública, e sem pensar nessa Lei 10.639, passando em todos esses contextos. E aí bem falaram as que me antecederam na primeira mesa Tânia Portella e Beatriz Benedito, que citaram o Plano Nacional de Educação, que é um plano decenal, e, a partir dele, nós temos os planos estaduais de educação e, aqui, no Distrito Federal, o Plano Distrital de Educação. Eu, enquanto estive na direção do Sindicato dos Professores e Professoras no DF, fui sub-relatora do PDE, e sabemos o quanto foi difícil implementar a Lei 10.639 no contexto.
E aí nós temos um desafio: o Plano Nacional de Educação com os planos estaduais, distrital e municipais de educação têm data até 2024. Então, a gente já começa, neste ano, a discutir um novo plano, porque ele é decenal. Se a lei não foi contemplada nem no plano nacional, a gente tem que pensar. Talvez em uma nova meta? Talvez na obrigatoriedade da Lei 10.639 e da lei também sobre a história e a cultura indígena na transversalidade do texto? É porque são 20 anos com a gente tentando fazer com que se cumpra. São 20 anos de nós acompanhando iniciativas de uma ou outra escola, de um ou outro professor.
(Soa a campainha.)
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A SRA. NELIANE MARIA - E a gente precisa tornar obrigação do Estado. Tornar obrigação do Estado, em todas as suas esferas, é fazer com que se cumpra. Precisamos ter um plano de Estado para isso. Então, a gente precisa muito repensar o Plano Nacional de Educação e os que virão daqui para os próximos dez anos para que se cumpra a nossa Lei 10.639.
Vou terminar a minha fala falando de uma ação, Senador, e trouxe um compromisso aqui para o Senhor. Nós, da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal... Vou terminar a minha fala lendo o ofício que nós entregamos às instituições do Distrito Federal, dentre elas o Sindicato das Professoras e Professores do Distrito Federal, o gabinete do Deputado Distrital Gabriel Magno, que está Presidente da Comissão de Educação, Saúde e Cultura da Câmara Legislativa, a Proeduc, e, obviamente, estando aqui na audiência do Senado Federal, a Comissão de Direitos Humanos. Termino lendo esse nosso ofício circular.
Assunto: implementação do art. 26-A da LDB, Lei nº 9.394...
(Soa a campainha.)
A SRA. NELIANE MARIA - ... de 96, alterada pela Lei 10.639, de 2003.
Prezado senhor, ao cumprimentá-lo cordialmente, a Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal vem manifestar preocupação com o não cumprimento da LDB no que se refere à implementação do art. 26-A, conforme a alteração trazida pela Lei 10.639, que torna obrigatório, nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados, o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.
Essa preocupação ganha maior relevância após o fato ocorrido, no último dia 8 de março, no Centro de Ensino Médio 9 da Ceilândia, quando o aluno entregou à sua professora negra um pacote de esponja de aço com uma suposta homenagem pela passagem do Dia Internacional da Mulher. A atitude desse aluno levantou questionamento sobre a aplicabilidade da lei...
(Soa a campainha.)
A SRA. NELIANE MARIA -
... ante a evidente manifestação racista e misógina do aluno em face da professora, numa situação que escancarou a ausência do cumprimento da referida lei.
Então, o texto segue. Como o tempo... Eu vou entregar.
Por fim, junto à Lei nº 10.639, não dá para deixar de falar aqui da Lei de Cotas, porque ela ainda é citada pensando na universidade.
Eu tenho 26 de magistério e eu vejo, através da Lei de Cotas e através da Lei nº 10.639, o magistério enegrecendo. Isso é extremamente importante. É como me ver professora, mulher negra, e ver que nós estamos enegrecendo o magistério para reafirmar nossas narrativas e a educação antirracista que queremos e exigimos.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! (Palmas.)
Muito bem, Dra. Neliane Maria, a mulher negra mais ativista da Frente das mulheres Negras do DF e professora da rede pública. Parabéns!
De imediato, eu passo a palavra para o último dessa Mesa. Estou sabendo que tem dois virtuais, porque a Isabel me olha assim dizendo: "Vai encerrar, pelo amor de Deus! E os dois virtuais?". Estão aqui, Isabel.
Por favor, o Dr. Nelson Luiz Rigaud Mendes, Chefe de Gabinete da Fundação Cultural Palmares. Depois eu tenho ainda dois virtuais que chamarei em seguida, daí nós vamos para o encerramento.
O SR. NELSON LUIZ RIGAUD MENDES (Para expor.) - Bom, boa tarde a todos e todas!
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É um enorme prazer estar aqui novamente. Quero agradecer ao Senador Paim pelo convite para participar desta audiência. Estou aqui representando o Presidente João Jorge Rodrigues, que está em agenda oficial, na Bahia, pois, ontem, nós celebramos o Bicentenário da Independência do Brasil na Bahia. Ele continua em agenda oficial na cidade de Salvador; portanto, não pôde comparecer. Assim, estou aqui representando a Fundação Palmares, neste ato importantíssimo de celebração dos 20 anos da Lei 10.639.
Eu gostaria de registrar, a propósito dessa lei, dois educadores - um educador e uma socióloga - baianos que contribuíram e que podem ser chamados de referências pelos seus pressupostos teóricos na implementação dessa lei. O sociólogo Manoel de Almeida, já falecido, elaborou a pedagogia interétnica. Depois, houve a publicação do seu livro Alternativas para Combater o Racismo, na década de 70, na cidade de Salvador, que é um documento referência que antecede a publicação da lei. Também a Profa. Ana Célia, que é uma militante do movimento negro baiano, mestre e doutora pela Universidade Federal da Bahia. Ela identificou, nos seus estudos e nas suas pesquisas, o racismo que já se praticava nos livros didáticos no Estado da Bahia. Então, desses dois educadores fica aqui o registro nosso, porque são precursores da teoria e da implementação dessa lei.
Agora, na condição de membro e indutor de políticas públicas, no âmbito do Governo Federal, na Fundação Cultural Palmares, trago aqui duas contribuições que podem colaborar no conteúdo para a continuidade da implementação dessa lei. Na sexta-feira, dia 30, a Fundação Cultural Palmares assinou, em parceria com a Secadi e com a Fundação Roberto Marinho, a reedição do programa A Cor da Cultura, que foi lançado, originalmente... (Palmas.)
... em 2004, por uma provocação do Senador Abdias Nascimento e do ator Antônio Pompêo. Agora, a Fundação Roberto Marinho nos convidou para, novamente, assinarmos um termo de parceria para o relançamento, a renovação e a atualização desses conteúdos, que servirão para a formação de professores e a mobilização de estudantes nessa perspectiva da educação antirracista.
Outro material importante também que nós já estamos disponibilizando, para a implementação da Lei 10.639, recebemos em doação do Cine Group. São 80 filmes sobre o continente africano que estão disponibilizados no site da Fundação Palmares e que já poderão ser acessados para o uso do conteúdo nas aulas de educação antirracista. Esse é um material importantíssimo que foi doado pelo Cine Group à Fundação Palmares e já está disponível para que professores, alunos, estudantes e militantes possam ter um conteúdo de boa qualidade, de uma África não mítica, não folclórica, como é comum se verificar nos grandes meios de comunicação - a África de animais, de indígenas ou de florestas -, mas, sim, uma África real, com problemas sociais, econômicos e ancestrais.
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Então, essa é uma contribuição que nós trazemos aqui a esta Comissão. Novamente, quero agradecer ao Senador Paim e nos colocar à disposição para a continuidade da implementação dessa lei em todas as escolas públicas municipais, estaduais e privadas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado, muito obrigado, Dr. Nelson Luiz Rigaud Mendes, que entendeu que nós estamos acelerando e usou, então, só cinco minutos.
Obrigado, Nelson, Chefe de Gabinete da Fundação Cultural Palmares, que foi onde eu consegui - quero fazer um elogio à Fundação Cultural Palmares - os nomes, de que eu precisava, das cidades que tinham quilombolas no Rio Grande do Sul. E, aí, procurei, procurei, e a Fundação Cultural me mandou o nome de 70 cidades. E, para cada uma dessas 70 cidades, eu consegui mandar R$500 mil, para cada uma delas, dessa verba extra que veio aí... Desculpem a expressão, mas que "vá para o inferno o orçamento secreto", mas, quando se acabou com o orçamento secreto, então, os recursos foram divididos de forma mais adequada para os Parlamentares.
Então, foi graças à Fundação Palmares. Se vocês não me mandam, eu não tinha. (Palmas.)
Como vocês me mandaram, eu toquei direto.
E, com relação às outras 50 cidades para onde eu mandei - só para ficar bem claro -, peguei o menor IDH do Rio Grande do Sul e mandei mais R$500 mil para cada uma. Isso daquele dinheiro que, no passado, ia para o orçamento secreto. Agora... Porque eu nunca peguei o tal de orçamento secreto. Agora, no Governo Lula, é transparente, por isso tenho liberdade de dizer isso.
Olha, nós temos ainda, no virtual, uma pessoa. Os outros agradeceram, entenderam a pressa, tal.
Então, eu convido o Dr. Regis Alves, Secretário de Combate ao Racismo e Coordenador do Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnico-Racial do Ceará.
Você dispõe de dez minutinhos, meu querido Dr. Regis.
O SR. REGIS ALVES (Para expor. Por videoconferência.) - Satisfação a todos e a todas.
Presidente Senador Paim, muito honrado em poder participar de uma mesa em que está o senhor e o Prof. Cleber, que tive a oportunidade de conhecer pessoalmente recentemente no Ministério da Educação, em Brasília.
A gente está aqui para colaborar com a audiência pública no contexto da nossa experiência de projetos junto a escolas, já que sou professor de História aqui do Município de Itapipoca, no Estado do Ceará, onde a gente implementa a Lei nº 10.639 no chão da sala de aula, com um projeto de letramento racial, o enfrentamento ao racismo no chão da sala de aula.
E, claro, eu gostaria de fazer uma provocação rápida, para termos o entendimento desse contexto da educação, que é um referencial teórico da Chimamanda, em O Perigo de Uma História Única, onde ela relata, ela cita:
As histórias importam. Muitas histórias importam. As histórias foram usadas para espoliar e caluniar, mas também podem ser usadas para empoderar e humanizar. Elas podem despedaçar a dignidade de um povo, mas também podem reparar essa dignidade despedaçada. (Chimamanda)
Se tivermos o entendimento dessa provocação da Chimamanda, a gente vai buscar entender que é necessário conhecermos o outro lado da história dos povos que vieram do outro lado do Atlântico, do continente africano, e que foram inseridos nesse processo escravista aqui no nosso país.
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A Lei nº 10.639 tem diversos desafios para ser implementada, como já foi dito aqui pelas diversas pessoas que passaram. Mas é fundamental a gente perceber a necessidade de um diálogo entre as gestões pedagógicas, os professores, as professoras, os educandos, e a própria comunidade, para que se possa ter o entendimento. Não podemos, de forma alguma, aceitar a narrativa da mãe da aluna que falou aqui na audiência pública, pois não é diferente de nenhum outro lugar. É uma realidade que também temos aqui no Município de Itapipoca, do racismo sofrido pelos alunos e alunas no chão da sala de aula.
Ao pensar esse currículo pedagógico, contextualizando-o tanto com a 10.639 quanto com a 11.645, é necessário também inseri-lo no projeto, no PPP, o Projeto Político Pedagógico das escolas, que é um outro desafio que se tem.
Buscar compreender o porquê de não termos os referenciais teóricos no contexto de autores negros e negras nas escolas. Isso se faz fundamental para se aquilombarem essas escolas. E é interessante que não podemos pensar nesse aquilombamento nas escolas só no apontamento para os professores e professoras que fazem parte dos movimentos negros que há no Brasil, como bem citou uma das palestrantes, porque aí é uma provocação que a própria Nilma Lino Gomes faz no movimento negro educador: de que muitas das vezes a escola faz o apontamento de que aquela professora, aquele professor, por ser negro, por ser negra, vai estar responsável, mas muitas das vezes exclusivamente só no dia 20 de novembro. Precisamos também reconstruir essas narrativas no chão da sala de aula.
Perceber as ancestralidades no contexto da comunidade em que a escola está inserida é uma outra provocação que a escola precisa perceber, até porque é interessante que há aquelas escolas em que "Não, estamos, sim, implementando a 10.639", mas, quando chega a narrativa das religiões de matriz africana e a gestão pedagógica, que muitas das vezes tem lá suas religiões, colocam um escudo: "Opa, aqui a gente não pode dialogar com as religiões de matriz africana". E não é favor, é um cumprimento de lei até porque vivemos num Estado laico.
Esse letramento racial se faz necessário para termos uma escola antirracista. Claro que a gente percebe que não há receita pronta - não é? -, nessa concepção, mas se trata de uma lei a ser implementada e que já tem 20 anos. São vários os desafios, mas buscar ter o entendimento, e a partir do plano de implementação da educação para as relações étnico-raciais e a implementação da 10.639, é, sim, possível, como já foi falado por diversos companheiros e companheiras que aqui passaram.
E respeitando aqui o prazo do horário, a gente finaliza com uma provocação da Angela Davis: “Numa sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Regis Alves, Secretário do Combate ao Racismo e Coordenador do Fórum Permanente de Educação e Diversidade Étnico-Racial do Ceará.
Por obrigação, porque senão eles não fazem mais contato, o e-Cidadania fez um resuminho de perguntas, que eu vou deixar aqui, a que, depois, a equipe que organizou pode responder.
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Gabriela Dias, do Rio Grande do Sul: "Como a Lei 10.639 contribui no que tange ao reconhecimento dos povos tradicionais brasileiros e na autoidentificação dos estudantes negros?".
Alison Luiz, de Minas Gerais: "Qual o impacto do novo ensino médio na aplicação da Lei 10.639 e no ensino da História e Cultura Afro-Brasileira?".
Edson Muniz, do DF: "O ensino sobre história e cultura afro-brasileira nos níveis fundamental e médio está sendo cumprido? Há uma estatística? Há fiscalização?".
David Morais, do Maranhão: "Por que o MEC não faz uma resolução para que as secretarias municipais e estaduais de educação tenham coordenações para garantir a lei?".
Gerson do Valle, do Ceará: "Como efetivar a capoeira na grade curricular de ensino, fora do contraturno, com base na Lei 10.639, por ter influência afro-brasileira?".
Luiz Mendes, do Rio Grande do Sul: "Enquanto secretários de educação estaduais e municipais não forem punidos por descumprimento da lei, educadores também não irão cumprir".
Alex Ferreira, de Goiás: "Eu aprendi história afro-brasileira porque fui procurar nos livros. Não ensinam nas escolas. Se dizem que ensinam, estão mentindo".
Leonardo Bruno, do Rio de Janeiro: "O amálgama de um povo é a sua cultura e a sua história. Se esse povo não conhece a sua história, não cria identidade".
Helena Azevedo, de Minas Gerais: "Os ambientes de ensino privado ignoram (consciente ou inconscientemente) as Leis 10.639 e 11.645. Nós, professores, ficamos vulneráveis".
Eu anotei aqui porque eu sou muito de fazer justiça da origem. Queria dar uma salva de palmas para a Deputada na época Esther Grossi e Ben-Hur, que foram os primeiros que apresentaram essa proposta que se transformou na Lei 10.639.
Esther Grossi, lá do meu Rio Grande. Ben-Hur... Se não me engano, o Ben-Hur... Qual é o estado do Ben-Hur? Agora me deu branco aqui. Ben-Hur, estou homenageando você aqui.
Quero também, por questão também de justiça, lembrar o nome do Deputado Marçal Filho. Não sei nem qual é o partido. Ele foi o primeiro a apresentar o projeto no Congresso de salário igual homem e mulher. Lembro, pelo PL 130, que ficamos 20 anos brigando. Enfim, já contei a história, não é?
Ben-Hur, do Mato Grosso do Sul. Marçal Filho, também do Mato Grosso do Sul, viu?
Enfim, o Lula chegou e aí apresentou um projeto construído com todo mundo e foi à sanção. E vai ser hoje à tarde o grande evento.
Eu queria só terminar agradecendo a todos e a todas. Um belíssimo evento. Por isso, não deu tempo para fazermos o debate que gostaríamos. Eu me comprometo, pela importância e a visibilidade que dá, a fazer um outro evento aqui e vou tentar também uma sessão temática no Plenário do Senado só para discutir a 10.639, para dar visibilidade e fazer com que realmente ela seja aplicada, oxalá, um dia, em todo o Brasil.
Estou muito orgulhoso de vocês e de mim também porque eu estou aqui. Enfim, um abraço grande a todos vocês. Estamos juntos. Podem crer que esse é um compromisso de todos nós. E, oxalá, um dia, a gente possa fazer uma sessão aqui para festejar que em todas as salas de aula do nosso país a 10.639 está sendo contada na sua versão correta, certa e honesta.
Um abraço a todos vocês.
Declaro encerrada a reunião.
(Iniciada às 9 horas e 51 minutos, a reunião é encerrada às 13 horas e 39 minutos.)