28/06/2023 - 21ª - Comissão de Meio Ambiente

Horário

Texto com revisão

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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 21ª Reunião da Comissão de Meio Ambiente da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, que se realiza nesta data, 28 de junho de 2023.
Comunico que foram apresentados à Comissão os seguintes documentos:
- Ofício 62, de 2023, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional da Presidência da República (Consea), que encaminha manifestação sobre o Projeto de Lei 1.459, de 2022, para solicitar que a matéria seja debatida nas Comissões de Assuntos Sociais, de Meio Ambiente, de Direitos Humanos e de Cidadania, com todo o tempo necessário ao amplo debate e análise profunda sobre a normatização de agrotóxicos no Brasil, inclusive de outras iniciativas na pauta legislativa, como a Política Nacional de Redução de Agrotóxico (PL 6.670, de 2016) e o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos. Nos termos do art. 261, §2º, será anexado ao processo da matéria.
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- Correspondência do Instituto Somos do Minério (SDM) sobre repasse da compensação financeira pela exploração de recursos minerais para atividade de proteção ambiental em regiões impactadas pela mineração, conforme legislações atuais apontadas no documento, cujos dados apresentados indicam possível ausência de compensação e fiscalização das instituições responsáveis. Nos termos da Instrução Normativa nº 12, de 2019, da Secretaria-Geral da Mesa, o documento estará disponível para consulta no site desta Comissão na internet, pelo prazo de 15 dias, podendo ser solicitada pelos membros a correspondente autuação.
A presente reunião é destinada à realização da quarta audiência pública com o objetivo de instruir o PL 412, de 2022, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, previsto pela Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, e altera as Leis nºs 1.284, de 2 de março de 2006; 12.187, de 29 de dezembro de 2009; e 13.493, de 17 de outubro de 2017 e as demais matérias que tramitam nesta Comissão: o Projeto de Lei 2.122/2021, Projeto de Lei 1.684/2022, Projeto de Lei 4.028/2021, Projeto de Lei 3.606/2021 e o Projeto de Lei nº 2.229/2023, e em atenção ao Requerimento nº 21/2023, de autoria do Senador Confúcio Moura, e Requerimento nº 50/2023, aqui desta Comissão, CMA, do Senador Zequinha Marinho. (Pausa.)
Convido para tomar lugar à mesa os seguintes convidados:
- a Ministra Liliam Chagas de Moura, Diretora do Departamento de Clima do Ministério das Relações Exteriores - ainda não está presente, está a caminho;
- o Sr. Gustavo Barbosa Mozzer, Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, nossa querida Embrapa; (Palmas.)
- o Sr. Pedro Martins, advogado membro do Grupo Carta de Belém - seja bem-vindo; (Palmas.)
Obrigada.
- a Sra. Tatiana Oliveira, Assessora para Políticas Públicas Socioambientais do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). (Palmas.)
Participam por videoconferência o Sr. André Pirajá, Presidente da Associação Nacional de Produtores Rurais pela Liberdade; o Sr. Dione Torquato, Representante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas; o Sr. Marcelo Moraes, Presidente do Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico; a Sra. Marta de Freitas, Gerente do Departamento de Clima do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES; o Sr. Shigeo Watanabe Júnior, da Organização ClimaInfo, representando o Observatório do Clima; e o Sr. Tiago Ricci, que é líder do grupo de trabalho da Aliança Brasil NBS.
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Foram também convidados a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e o Banco Mundial, mas...
Estão presentes? (Pausa.)
Não estão presentes.
Esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania na internet, no endereço senado.leg.br/e-cidadania, ou pelo telefone 0800 0612211 - 0800 0612211.
O relatório completo, com todas as manifestações, estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos nossos expositores.
Na exposição inicial, cada convidado poderá fazer o uso da palavra em até dez minutos. Nós vamos dar um acréscimo de mais cinco, para termos mais tempo para ouvi-los, e, ao fim das exposições, a palavra será concedida aos Parlamentares inscritos, para fazerem suas perguntas ou comentários.
Hoje damos continuidade ao ciclo de debates com o objetivo de instruir o PL 412, de 2022, e seus apensados, que tratam do mercado brasileiro de emissões, mais comumente chamado mercado de carbono.
Essa é a quarta audiência pública que realizamos sobre o tema este ano em nossa Comissão. Trata-se de um concentrar de esforços para reunir diferentes visões e trazer, em nosso relatório, uma proposta que atenda, de uma forma ou de outra, os diferentes posicionamentos apresentados. Em um cenário de emergência climática, viabilizar mecanismos efetivos de financiamento climático é urgente.
O Brasil tem muito a ensinar ao mundo quando falamos de sustentabilidade. É imperativo que encontremos soluções viáveis e sustentáveis para enfrentar esses desafios, e a viabilização de um mercado brasileiro de emissões se traduz em uma ferramenta valiosa nesse processo.
Seguindo a toada da transição ecológica, ontem estive presente no lançamento do novo Plano Safra, do Governo Federal. Esse novo plano possui uma diretriz clara de sustentabilidade, que colocará o agro brasileiro novamente à frente no cenário mundial. O plano sinaliza um comprometimento com a agenda ambiental transversal e busca a implementação de uma política de apoio ao agronegócio brasileiro a qual contenha instrumentos para um caminho que nos leve a uma economia e agricultura de baixo carbono.
Sabemos que temos uma legislação ambiental robusta e seguiremos, nesta Comissão, no compromisso por manter nossa legislação em um padrão de excelência.
Uma ótima audiência para todos.
Eu aproveito para agradecer a presença, aqui, dos nossos expositores, daqueles que estão aqui presentes.
Antes de eu passar a palavra, o Senador já está presente, o Senador Wellington? (Pausa.)
Não?
O Senador Wellington pediu a palavra, ele deve estar se preparando para entrar na nossa reunião. Eu vou passar para o nosso primeiro expositor.
Gente, são tantos papéis, na Comissão de Meio Ambiente. (Risos.)
Fazer o quê, não é? A gente ainda é um pouquinho analógico, eu peço até desculpas.
Eu vou passar a primeira palavra agora para o Sr. Tiago Ricci, que é da Aliança Brasil.
Seja bem-vindo, Sr. Tiago.
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O SR. TIAGO RICCI (Por videoconferência.) - Bom dia, Senadora!
Vocês me escutam bem?
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Tudo bem. Estamos te ouvindo. Só vamos desligar aqui o ar.
Pronto!
O SR. TIAGO RICCI (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, Senadora! Bom dia, demais Congressistas e demais participantes da audiência! É um prazer estar aqui.
Meu nome é Tiago. Sou advogado. Hoje, eu represento aqui a Aliança NBS. Agradeço à diretoria da Aliança por solicitar minha participação aqui. Eu me sinto honrado de poder falar mais uma vez com vocês a respeito do nosso PL, um PL que a gente já vem tentando emplacar há muitos anos, um PL sobre o qual a gente já tem uma discussão há muitos anos. É bom sempre lembrar que o mercado de carbono está previsto na Política Nacional sobre Mudança do Clima, que é de 2009. Então, tem muitos anos que a gente debate, discute, estuda esse tipo de regulação. Então, a gente tem aí já bastante bagagem para poder emplacar uma regulação que seja pertinente, que seja técnica, que seja viável do ponto de vista do que a gente precisa regular. E aí, nesse primeiro ponto, eu queria falar um pouquinho da importância da Aliança NBS.
A Aliança NBS é uma associação que congrega mais de 24 instituições. São instituições que vão desde ONGs a desenvolvedoras de projetos de carbono. Então, hoje a gente tem, dentro dessa aliança, dessa associação... Mais ou menos, 70% das emissões de crédito de carbono do mercado florestal brasileiro estão dentro da Aliança NBS. Isto significa, mais ou menos, uma redução ou remoção de 6 milhões de toneladas de CO2 equivalente. Então, a gente está falando aí de um número expressivo no mercado brasileiro de ativos de carbono. Então, a aliança tem um papel fundamental porque a gente tem aí um histórico de atuação nesse mercado (Falha no áudio.)...
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Oi, Tiago. Seu som está desligado. (Pausa.)
Tiago? (Pausa.)
Técnica, mande uma mensagem aí.
Peço desculpas a todos. (Pausa.)
Estou tentando. (Pausa.)
Oi, Tiago.
Tiago? (Pausa.)
Bom, eu vou pedir para a nossa equipe entrar em contato, para que possamos, novamente, dar a palavra a ele.
Eu vou passar, então, para o Sr. Gustavo Barbosa Mozzer, que é pesquisador da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Seja bem-vindo, Gustavo.
O SR. GUSTAVO BARBOSA MOZZER (Para expor.) - Obrigado, Senadora. É um prazer estar aqui podendo contribuir com esta discussão e com esta Comissão tão estratégica para o país.
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Eu tenho uma apresentação e peço que, se possível, a coloquem na tela para facilitar a condução. (Pausa.)
Perfeito.
Senadora e colegas, a ideia nossa aqui é trazer uma contribuição técnica para a discussão, como é o papel da Embrapa nesses processos. A Embrapa está sempre à disposição, tem contribuído com vocês largamente nessas discussões. Estamos absolutamente à disposição. Na verdade, é um prazer poder contribuir.
Trata-se de uma discussão extremamente estratégica, como bem mencionou na sua fala inicial. É uma discussão de longo prazo, é uma discussão que tem raízes antigas, raízes que vêm lá desde o processo inicial, na verdade, de formatação da própria Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
Eu peço que passem para o próximo eslaide, para que a gente discuta um pouco dessas raízes iniciais estratégicas, da essência dessas questões.
Fundamentalmente, para o que eu gostaria de chamar atenção aqui é, no primeiro ponto, a questão da competitividade, é a questão da transição para um processo de economia de baixo carbono. Senadora, esse é o pilar fundamental no qual a Convenção-Quadro das Nações Unidas foi estabelecida lá atrás, na Rio 92, e depois consagrada aqui com os acordos fundamentais iniciais que deram origem à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas na sua primeira COP em Berlim.
Então, esse é um ponto que é importante que a gente estresse, que a gente, no contexto da discussão de qualquer desdobramento associado à mudança de clima, não perca de vista. Se nós perdermos de vista esse panorama, esse enquadramento estratégico do porquê de estarmos discutindo isso, do porquê de a mudança do clima ser uma agenda relevante, do porquê de os países se aportarem nessa discussão e entendermos que esse é um processo de longo prazo, a gente corre o risco de, no contexto dessa discussão, deixarmos de levar em consideração essa visão estruturante de que o que nós precisamos fundamentalmente e o que a convenção almeja é que todos os países-membros da convenção avancem nas suas discussões internas de como fazer essa transição de forma a assegurar a sua própria competitividade, mas que, nesse processo, façam uma mudança para uma economia de baixas emissões de carbono.
Nesse sentido, a convenção estabelece a obrigação de inventariar as emissões. Conhecer o tamanho das nossas emissões foi um compromisso fundamental. Se nós não entendermos, não tivermos a dimensão de quanto a gente emite, como a gente vai trabalhar o processo de transição?
Estabelecer o papel do Painel Intergovernamental como um ator fundamental para homogenizar metodologias para que a gente possa conversar entre países e, nesse contexto, identificar ou comparar nossas emissões também foi um papel fundamental.
E, nesse contexto inicial, lá na época da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP 1, o objetivo ali foi estabelecer uma meta ainda difusa: "Precisamos reduzir as emissões". O quanto vamos reduzir as emissões não sabemos, é uma meta coletiva.
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Temos que reduzir as emissões a um patamar tal que não prejudique o meio ambiente, não prejudique a capacidade de produção de alimentos e, fundamentalmente, não prejudique as economias, mas precisamos alcançar. Naquela época, não havia ainda clareza de qual era essa meta.
Em seguida, agora no Acordo de Paris, mais recentemente, esses elementos estruturantes da convenção foram revisitados, foram ajustados, foram modernizados e de maneira muito importante. Aqui a gente começa já a embarcar na discussão específica em que a gente precisa chegar; quer dizer, enfatizar-se a urgência, a questão da competitividade permanece, é fundamental. Nós precisamos olhar e termos, cada país, como uma missão doméstica esse olhar. A Convenção-Quadro, enfim, não faz nenhum tipo de ingerência doméstica em relação a qual é a estratégia de país A, país B, etc., mas é uma discussão nossa. É isso que vocês estão fazendo aqui, isso que nós, coletivamente, estamos fazendo aqui.
Estabelecer obrigações universais de inventariar as emissões. Agora, no Acordo de Paris, um avanço muito importante é dado. Se antes havia um acordo de que todos precisamos inventariar emissões, agora, no Acordo de Paris, o nível de entendimento que se alcança é de que todos precisamos continuar inventariando nossas emissões, mas esses inventários passarão por um processo de escrutínio internacional homogêneo entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
É nisso que o Brasil agora já se insere. Há um mês e pouco, o MCTI lança o esforço para o próximo Inventário Nacional e, junto com o próximo Inventário Nacional, o que a gente chama de Relatório Bienal (BTR). Esse BTR é um instrumento do Acordo de Paris que vai avaliar, então, a forma como cada um dos países está implementando os esforços de redução de emissões.
Isso é muito importante, Senadora, porque isso que a gente discute aqui tem conexão direta com todas essas normativas e elementos acordados no Acordo de Paris, pelos quais nós seremos cobrados.
Em seguida, a gente avança para a questão de estabelecer o inventário, que já comentei. Confirma-se o papel do IPCC, define-se agora, como método, o IPCC 2006, e, obviamente, continua, é um processo contínuo de aprimoramento metodológico que está em curso, e, fundamentalmente, o que todos nós conhecemos, estabelece a meta do Acordo de Paris, de buscar estabilidade. Se antes, na convenção, não se sabia qual era o nível de esforço, Paris traz para a mesa esse nível de esforço de, preferencialmente, 1,5 grau, até 2 graus acima da média da temperatura pré-Revolução Industrial.
Próximo, por gentileza.
Bom, a gente está aqui para falar sobre mercado de carbono, mas esse mercado que a gente discute, Senadora, não é a primeira experiência que nós tivemos, a própria convenção já adquiriu uma grande experiência no passado, na época, com o estabelecimento do Protocolo de Kyoto. O Protocolo de Kyoto, esse, sim, estabelece as bases iniciais conceituais de qual seria o papel, de como trabalhar essa questão do uso do mercado, mecanismos de mercado, formas de fomentar a parceria entre países para alcançar objetivos mais estruturantes de reduzir essas emissões.
Eu vou, na medida do possível, na minha fala, tentar recordar aquele ponto inicial, porque eu quero que isso seja expressado aqui, na nossa fala, que é a competitividade.
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Então, lá atrás, o Protocolo de Quioto foi um instrumento cuja essência, a gênesis estabeleceu um princípio que consagrou um grupo de países com obrigações quantitativas de redução de emissões... A gente chamava lá atrás de grupo de países Anexo A, Anexo 1, da convenção ou do Protocolo de Quioto. Esse grupo de países tinha obrigações de reduzir emissões.
E é importante que a gente entenda que, Senadora, lá atrás, o setor privado, os entes econômicos responsáveis pelas emissões de gás de efeito estufa já estavam começando a compreender, então, ao longo dessa jornada, como iriam trabalhar o uso dessas ferramentas como formas de fomentar a transição econômica, o ganho de sua competitividade. Esse é um ponto fundamental e esse é um jogo jogado no longo prazo.
Então, o mindset desses players estava sendo formado, estavam compreendendo a dimensão da complexidade do que se trata aqui.
Reduzir emissões não é barato. É custoso. O Protocolo de Quioto entra como uma ferramenta para ajudar na redução desses custos para esses países Anexo 1, com compromissos quantificados de redução de emissões.
É um jogo de longo prazo. Envolve desenvolvimento tecnológico. Envolve transição. Envolve decisões de investimento. Envolve processos estruturantes, econômicos. Envolve debates legislativos. E isso estava sendo desenvolvido lá atrás, no Protocolo de Quioto, enquanto para nós, países em desenvolvimento, a oportunidade que estava sendo formada, naquele momento, era de fomentarmos, nesse processo, como fornecedores de crédito de carbono e, no contexto da discussão do Protocolo de Quioto, internalizarmos, introjetarmos, na nossa economia, desenvolvimento sustentável, porque esse era o objetivo do Protocolo de Quioto para países como o nosso.
E fizemos isso muito bem. Dr. Migueis, na época meu chefe no Ministério da Ciência e Tecnologia, estávamos à frente dessa discussão e trouxemos para cá projetos maravilhosos, que, para o Brasil, foram estruturais e centrais.
Vou dar o exemplo de dois conjuntos de projetos. Por exemplo: aterros sanitários. Nessa época do Protocolo de Quioto, aterro sanitário ganhou uma dimensão estratégica para municipalidades, porque, junto com os aterros sanitários, vinham projetos de carbono, reduções de emissões, ganhos ambientais, sustentabilidades e econômicos para os municípios.
Outro exemplo, aqui na área de agricultura: a questão de energia, a interface entre agricultura e energia com os projetos ligados à indústria, o bagaço de cana e a utilização desse bagaço de cana para a geração de energia elétrica, hoje tão fundamentais e essenciais para a matriz energética brasileira. Senadora, surgiram lá, com o Protocolo de Quioto, e foram catalizados lá pelo Protocolo de Quioto, ajudando numa visão de longo prazo do Brasil de ganho de competitividade.
Então, isso a gente alcançou no Protocolo de Quioto, mas também - e aqui é o ponto. A gente já vai fazer a transição agora para o Acordo de Paris -, nesse contexto, formatou o mindset da nossa sociedade civil de que mercado de carbono era uma oportunidade para fornecimento de créditos, enquanto, para os países em desenvolvimento, havia já um início da compreensão de que não é disso que se trata: é um custo para a redução de emissões.
Agora vamos transitar para o próximo, por gentileza.
Nesse próximo eslaide, então, a gente reformata a ideia de mercado de carbono.
À luz do Acordo de Paris, o que houve no mercado de carbono do Protocolo de Quioto deixa de existir. Para nós, é uma reformatação. Há uma necessidade aqui de revisitação do nosso mindset, coletivo, em relação do que se trata mercado de carbono, porque agora, com o Acordo de Paris, não há mais a lógica de fornecedor e comprador.
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Há a ideia aqui, no Acordo de Paris, de um coletivo de obrigações quantitativas de reduções de emissões. Todos nós passamos a ter metas de reduções de emissões, e isso nos coloca, Senadora, numa condição, digamos assim, de desvantagem, digamos assim, de compreensão em relação ao que se trata de mercado de carbono, quando comparados com os nossos colegas do Anexo 1 - europeus, norte-americanos e japoneses. Esses colegas lá, o setor privado desses países, já vêm com esse processo de entendimento do que se trata de mercado de carbono, qual é a função desse instrumento no contexto da convenção e agora, no Acordo de Paris, como um instrumento para fomento do processo de transição e ganho de competitividade. Para nós, agora, há uma quebra, uma ruptura. Se antes, no Protocolo de Quioto, a nossa função no mercado era de fornecedores, agora a gente assume o mesmo papel que os nossos colegas europeus e norte-americanos: o papel de olhar para esse instrumento como uma oportunidade para fomentar o nosso desenvolvimento e buscar reduzir os custos para a implementação dos esforços necessários para que, no contexto da redução de emissões dos nossos gases de efeito estufa, a gente faça aquela transição para uma economia de baixo carbono com ganho de competitividade no longo prazo. Esse é um jogo jogado no longo prazo.
Esse mindset precisará ser reconstruído ou reformatado aqui no Brasil. É fundamental que a gente entenda e compreenda a diferença entre o que foi o mercado de carbono no âmbito do Protocolo de Quioto e o que será o mercado de carbono que se inicia agora no âmbito do Acordo de Paris, porque, no fundo, no fundo...
(Soa a campainha.)
O SR. GUSTAVO BARBOSA MOZZER - ... se colocarmos em poucas palavras, competitividade é o que está por trás dessa discussão.
Próximo, por gentileza.
Enfim, já me encaminhando para a gente encerrar essa fala, quando eu coloco aqui, então, a discussão de que mercado de carbono, no contexto do Acordo de Paris, é uma questão de competitividade, isso significa que, então, no âmbito desse mercado, dessa discussão no Acordo de Paris, é um processo dinâmico. É um processo onde o conjunto dos nossos esforços, via o BTR, que eu comentei mais cedo, via inventários, via um conjunto de medidas nesse sentido, vai estar sendo recebido pelas Nações Unidas na forma do que a gente chama ali de registro: um grande banco de dados estruturado das Nações Unidas, com muita bagagem nesse processo - isso vem lá da época do Protocolo de Quioto -, com mecanismos restritos que assegurem, digamos assim, a qualidade desses dados, que verifiquem, com processos de verificação que ocorrerão no Brasil e em outros países em desenvolvimento, que já são padrão para países desenvolvidos, mas que ocorrerão aqui, dados que entrarão nesse processo - em outras instâncias, por exemplo, os europeus já estão começando a construir mecanismos como o mecanismo do CBAM, na Europa, que também vai olhar esses dados, que vai acessar dados de outras formas, via interação direta entre fornecedores e compradores.
O fato é que, hoje, nós estaremos cada vez mais expostos a escrutínio dos nossos dados, e esses dados avaliarão se a nossa tendência de cumprimento das nossas obrigações - porque nós definimos a nossa NDC voluntariamente - está em rota de cumprimento ou não. No fundo, no fundo, o que o Acordo de Paris está procurando, no contexto desse conjunto de normas, é verificar se cada um dos países está exercendo as ações necessárias domesticamente, para que aquela rota de desenvolvimento que eles propuseram alcançar para aquela transição para uma economia de baixo carbono, com a sua sustentabilidade, está sendo executada.
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E isso será feito ao longo do Acordo de Paris com periodicidade, com frequência bianual em relação aos dados e frequência a cada cinco anos em relação à revisitação da meta, olhando o coletivo da meta do Acordo de Paris de estabilidade de um e meio ou dois.
Então, é um processo que será dinâmico, Senadora. Daqui para frente, a gente vai estar tendo essas discussões corriqueiramente, porque diuturnamente a gente vai ter um relatório brasileiro sendo revisitado, revisores internacionais nos visitando no Brasil ou fazendo revisões centralizadas lá em Bonn para verificar se a nossa meta de trajetória de cumprimento está indo adequadamente. E, no fundo, no fundo, isso vai pesar essa balança: ou a gente vai estar pendulando para cá, em relação a "estamos mal, a nossa trajetória está vermelha"... Então, nós temos obrigações, a gente tem que procurar acessar esse mercado, a gente está devendo esforços, e o mercado poderia ser, então, uma oportunidade para que a gente acesse e para reduzir os custos de implementação daquilo que nós nos comprometemos a fazer.
Agora, se nós estivermos bem, performando, etc. e o nosso registro estiver robusto, o ponteiro da balança vai pendular para o outro lado em relação à oportunidade. Nesse caso, se nós estivermos com muita performance, a gente terá a oportunidade, sim, de comercializar créditos de carbono internacionalmente, acessar o mercado internacional para ajudar outros países que estão tendo dificuldade. O fato é que não é mais tão simples quanto foi na época do Protocolo de Quioto. O nosso papel será dinâmico e dependerá da nossa capacidade de cumprir aquilo que a gente se propôs a cumprir. E, no fundo, no fundo, mais importante até do que isso é termos feito o nosso dever de casa doméstico de compreensão, se o que a gente está fazendo aqui em relação a essa discussão nos ajudará a nos mantermos competitivos ou sermos ainda mais competitivos no modelo econômico de baixo carbono, que é uma transição econômica. Não é a economia que nós temos hoje.
Próximo, por gentileza.
Eu já devo ter estourado o meu tempo. Eu já vou me encerrando por aqui só com esta mensagem aqui. Se a gente pensa o setor privado, a economia, quer dizer, os agentes econômicos e essa discussão toda em relação à mudança do clima, a gente tem que pensar um conjunto complexo de atributos, adaptação, porque dois graus acima da média pré-revolução industrial não é algo trivial, não é algo simples, é algo que terá um impacto fenomenal nas nossas economias, na nossa capacidade de produzir. Então nos adaptarmos a essa realidade é fundamental.
(Soa a campainha.)
O SR. GUSTAVO BARBOSA MOZZER - Eu já estou encerrando.
É resiliência, então, dos sistemas produtivos, eficiência desse olhar de um processo de transição para uma economia nova, com produtividade, e obviamente com estratégias para controle das emissões de gases de efeito estufa, que passam por papéis estratégicos de desenvolvimento tecnológico, uso eficiente de produtos e insumos.
A Embrapa tem contribuído com essa discussão, almeja continuar de maneira estratégica com a visão de longo prazo, apoiando o Brasil nessa transição com tecnologia, mas precisamos pensar o que é o mercado de carbono. O mercado de carbono para nós precisa ser olhado como um catalizador, um catalizador desse processo de transição, um instrumento que nos ajude a avançar de maneira estratégica para esse objetivo de uma economia mais eficiente, competitiva, moderna, numa transição pós-petróleo.
Obrigado.
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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós que agradecemos sua participação, Sr. Gustavo, pesquisador da Embrapa.
Os desafios não são poucos, acho que nós passamos um bom tempo, desculpa a palavra, comendo mosca com relação à regulação do mercado de carbono e agora vamos ter que correr atrás, digamos, desse prejuízo. Nossa capacidade vai ser muito testada nesse próximo período.
O SR. GUSTAVO BARBOSA MOZZER (Fora do microfone.) - Com certeza. Tudo começa a ser jogado agora.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Parabéns pela sua exposição. Eu vou passar agora a palavra novamente para o Tiago, depois eu passo para os nossos expositores aqui na mesa. Tiago Ricci, que é... ele está representando o... líder do grupo de trabalho da Aliança Brasil NBS.
Seja bem-vindo, Tiago. Novamente, vamos lá.
O SR. TIAGO RICCI (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado, Senadora. Novamente, bom dia a todos e a todas. Obrigado por mais uma vez estar aqui. É importante esse movimento de ter essas audiências recorrentes, pois é um assunto muito sensível, muito complexo e merece ser debatido muitas e muitas vezes, para a gente poder caminhar bem para uma regulação.
Eu estava falando hoje que eu estou aqui porque a diretoria da Aliança NBS não pôde comparecer. Pediram-me para eu participar, e é um prazer falar mais uma vez aqui no Senado. Eu queria fazer uma breve apresentação sobre a Aliança NBS.
A Aliança NBS é uma instituição sem fins lucrativos, uma associação que congrega mais de 25 instituições entre desenvolvedores e membros do terceiro setor, desenvolvedores de projetos de carbono e terceiro setor. São instituições que atuam na ponta, que vão a campo, que desenvolvem os projetos, que lidam com comunidades, que lidam com produtores rurais, pequenos, médios, grandes, então, é uma representação de instituições que realmente estão há algum tempo nesse mercado desenvolvendo seus projetos. Então, 70% de toda a emissão de ativos de carbono do mercado voluntário florestal está representado dentro da Aliança NBS, isso significa mais ou menos seis milhões de toneladas de carbono já emitidos, ou seja, a gente já conseguiu fazer a remoção ou redução de aproximadamente seis milhões de toneladas de carbono. A Aliança NBS tem uma representatividade importante no mercado voluntário de carbono e por isso o interesse, o grande interesse nessa questão da regulação do mercado.
Como a gente já havia dito, e o nosso colega anterior também disse, essa questão do mercado não está sendo discutida agora. A gente já tem a previsão dessa regulação do mercado de carbono desde 2009, na própria Política Nacional de Mudança Climática, no seu art. 9°, isso já está previsto. A gente tem, nas últimas décadas, debatido bastante esse tema e a gente tem estudado bastante esse tema. A gente já teve experiências com o mercado, que foi o Protocolo de Quioto, mercado em nível internacional. Mas falando em mercados locais, regionais, a gente também tem experiências longevas, então, chegou a hora. Chegou a hora de a gente realmente, apoiado na boa técnica, apoiado na experiência, nos estudos produzidos ao longo dos últimos anos, passar a regulamentar o que a gente entende como realmente importante para o mercado, e aí a gente já entra no primeiro ponto que é a diferenciação entre o mercado voluntário e o mercado regulado, pois são mercados diferentes, são metodologias de verificação, são metodologias de aplicação mercadológica diferentes, e isso é importante a gente entender.
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Enquanto que no mercado voluntário nós não temos uma lei, uma norma legal que obrigue compradores e vendedores a participarem dele, no mercado regulado por lei a gente tem uma certa obrigação, a gente tem um setor econômico que passa a ficar adstrito a limites de emissões e a poder fazer transações com quem ficou acima dos seus limites, com aqueles que ficaram abaixo dos seus limites.
Então, são sistemas diferentes. E, por serem diferentes, isso não quer dizer também que eles não possam se comunicar. É perfeitamente aceitável e elegível que os ativos do mercado voluntário possam ser aceitos dentro do mercado regulado. Isso é importante para trazer liquidez para os ativos brasileiros, para que as nossas reduções e emissões fiquem no mercado brasileiro para fins de contabilização nacional também.
Então, é importante a gente fazer essa distinção porque, quando a gente fala de um mercado regulado, nós estamos falando de setores da economia que terão teto de emissão e, dentro desse teto de emissão, eles têm uma série de regras legais impostas a eles e que a transação desses ativos, das allowances, dessas permissões ocorrerá entre eles, entre esses setores regulados.
O mercado voluntário é aquele que, apesar de não ter uma lei que obriga os seus atores a participarem dele, também tem uma norma adstrita, mas é uma norma técnica. É uma norma em que se produz metodologia científica conforme o livro de regras.
E, ao se adotar esse procedimento, ao serem adotados ali critérios de MRV, que são critérios de monitoramento, relato e verificação, você gera esse ativo e vende esse ativo voluntariamente para aqueles compradores que majoritariamente estão fora do Brasil, principalmente concentrados na Europa, na Ásia e na América do Norte.
Então, esse primeiro ponto da distinção é importante fazer justamente para a gente entender que, quando a gente vai tratar de um PL de mercado regulado, a gente precisa dar o tratamento adequado para um e o tratamento adequado para outro.
Então, quando a gente vê, por exemplo, o PL 412 e alguns outros PLs que correm tanto no Senado quanto na Câmara, a gente muitas vezes percebe uma certa dificuldade de o texto da lei diferenciar esses dois modelos. Então, a gente precisa, é nosso dever aqui como membros atuantes do mercado voluntário trazer essa informação, para que a gente possa realmente ter um melhor tratamento técnico de texto de lei para que a gente possa separar realmente uma coisa da outra.
E, com isso, trazer aí melhores aplicações da lei, melhores formas de fazer a transação, com foco em integridade socioambiental. Então, a gente precisa tomar um certo cuidado porque, quando a gente pensa em regular o mercado voluntário, a gente não pode buscar uma burocratização e uma limitação desse mercado. Pelo contrário, a gente precisa fomentar tratamento disso, mas fomentar buscando a boa técnica e buscando a integridade.
Então, há alguns pontos aqui de regulação que a Aliança NBS defende. A gente defende que a regulação seja feita por meio de lei, para fins do mercado regulado; haja uma separação do mercado voluntário com o mercado regulado; para o mercado regulado, que seja implementado um sistema de cap and trade, a exemplo do que já acontece na Europa, a exemplo do que já acontece na Califórnia, a exemplo do que aponta o PMR, que é um estudo fomentado pelo Banco Mundial durante vários anos com o Governo Federal brasileiro e demais atores técnicos, particulares, que ajudaram a desenvolver esse estudo. Então, a gente já tem um embasamento técnico para isso.
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Esse tratamento técnico precisa acontecer. Esse modelo, que é a cap and trade, precisa trazer um Plano Nacional de Alocação, que vai determinar quais são os setores da economia que precisam ficar adstritos ao teto de emissões, quais são os setores da economia que vão ter permissões de emissões, como é que vai ser o registro dessas transações e desses ativos entre eles; e, para isso, é preciso ter uma governança desse sistema. Essa governança precisa ser participativa. A gente precisa trazer não só os membros do Governo Federal, mas também os membros da iniciativa privada, do terceiro setor e das populações tradicionais, para participarem dessa governança porque, no final do dia, eles são os principais afetados por uma regulação dessa. Então, essas implicações precisam ser pensadas por uma cabeça multidisciplinar, por meio de cabeças multidisciplinares, para que a gente tenha uma boa aplicação prática daquilo que se pretende regular.
Por fim, que é o mais interessante e o que é de maior importância para o mercado voluntário é que se estabeleçam critérios de elegibilidade e de aceitabilidade para os ativos gerados do mercado voluntário serem aceitos dentro do sistema regulado. O Brasil é um grande provedor de ativos de carbono, principalmente em ambiente florestal, em ambiente rural. Então, deve-se incentivar que novas práticas de produção, novas práticas de conservação, através de metodologias científicas que passam por um processo de acreditação, possam ser aceitos - ainda que um percentual deles - dentro do mercado regulado, porque isso traz liquidez, isso traz melhoria de preços; e, ao se fazer isso, a gente traz recursos para ambientes em que a gente não tem um desenvolvimento econômico tão aplicado assim. Então, a ideia de você ter esses critérios de elegibilidade e de aceitabilidade dos ativos de carbono do mercado voluntário para o mercado regulado é extremamente importante.
Como eu já mencionei, a gente tem diversos estudos que apontam nesse sentido, como o próprio PMR, que hoje está depositado no Ministério da Fazenda e no Ministério da Economia, e que há muitos anos vêm sendo estudado e trabalhado nesse sentido.
Então, essas são as principais linhas, os principais pilares que a Aliança NBS gostaria de colocar para os legisladores. A gente gostaria de nos deixar à disposição para provê-los de toda informação técnica e de dados que a gente puder porque, no final do dia, o que interessa para os desenvolvedores de projeto é que a gente tenha um ambiente que traga segurança, mas aquela segurança que permita aplicação, permita o desenvolvimento dos projetos e permita a autodeterminação dos povos tradicionais, dos povos originários. Muitas vezes, a gente percebe que, no afã de querer regular o mercado voluntário, o texto da lei tem até uma finalidade de ajudar, mas busca limitar a autodeterminação dos povos. E o que a gente precisa hoje é de critérios claros do que é o consentimento livre e prévio informado para essas populações e não limitar a sua autodeterminação, não limitar a sua autonomia de decisão, e sim criar critérios claros para que a gente possa fazer os consentimentos livre e prévio informado de uma maneira correta e adequada, para a gente poder aplicar isso aí no mercado.
Então, muitas vezes o texto da lei, como alguns que a gente já verificou, busca regular como o mercado regulado vai tratar isso, como o mercado voluntário deve lidar com determinadas situações de desenvolvimento, mas extrapolam um pouco a boa técnica e passam a tutelar também os povos tradicionais, os povos originários, os pequenos proprietários, os proprietários rurais, e o interesse deveria ser o contrário, deveria ser fomentar essa participação, mas buscando mecanismos de integridade socioambiental.
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Então, a Aliança NBS tem aqui um comprometimento com a boa prática e com o desenvolvimento ético dos projetos. Eu acho que a gente tem uma oportunidade muito importante hoje de ter um texto de lei que propicie esses acontecimentos, em que a gente possa realmente desenvolver o mercado com muita probabilidade de geração de recursos para o nosso território nacional, em que a gente possa fazer a distribuição desses benefícios gerados para todo o nosso território, mas principalmente para os ambientes florestais que nós temos concentrados no norte do país.
Obrigado. Foi um prazer falar com vocês.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós que agradecemos a participação, Tiago Ricci, que representa o grupo de trabalho da Aliança Brasil NBS.
Vou passar a palavra agora para a Sra. Tatiana Oliveira, Assessora para Políticas Públicas Socioambientais do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Seja bem-vinda, Tatiana.
A SRA. TATIANA OLIVEIRA (Para expor.) - Bom dia a todas e todos, bom dia a todos os requerentes desta audiência pública, em especial, a Senadora Leila Barros, que relata a matéria.
Eu sou a Tatiana Oliveira e represento o Instituto de Estudos Socioeconômicos, que é uma ONG de direitos humanos sediada em Brasília, que atua há mais de 40 anos na pauta socioambiental, acompanhando especificamente as negociações climáticas internacionais desde 1992, então desde o início de tudo.
A nossa participação nesta audiência pública tem o objetivo de abrir o diálogo com os Senadores e Senadoras a respeito da necessidade que nós hoje reconhecemos de regular o mercado brasileiro de emissões, justamente para não deixar esse mercado sendo operado exclusivamente por meio dos mercados voluntários de carbono, que hoje nós sabemos estão sob escrutínio internacional em função das fraudes que têm sido atreladas a esses mercados e de todas as violações de direitos humanos e territoriais de povos indígenas e comunidades tradicionais, que também estão em questão com o avanço do mercado voluntário, sobretudo no norte do país, nos estados amazônicos brasileiros.
Então, para ter uma regulação efetiva no mercado regulado, a gente acredita que é preciso, pela complexidade que já foi citada aqui, garantir uma ampla participação social em todas as etapas de discussão dessa regulação. Infelizmente nós chegamos à última audiência com pouca participação dos sujeitos políticos potencialmente afetados por esse mercado. Então ampliar e garantir essa participação é algo absolutamente fundamental.
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Associada à participação, a gente acredita que a transparência e o acesso à informação também são absolutamente fundamentais e devem incluir não só a construção de espaços de governança, como também já mencionado, e a criação de mecanismos de monitoramento, reporte, verificação, mas também a possibilidade de uma auditoria cidadã das metodologias que são aplicadas a cada projeto e a cada setor. A discussão das metodologias foi muito importante para a discussão que aconteceu em Bonn neste ano e que regulou os mecanismos do Acordo de Paris, dentro do art. 6º, que incidem sobre a constituição desses mercados de carbono. Mas transparência e controle social também dependem de um esforço de comunicação e educação popular sobre esse tema, já que os efeitos dessa regulação devem também ser plenamente compreendidos, como eu disse anteriormente, pelos sujeitos políticos potencialmente afetados por esse mercado e pelos trabalhadores - por exemplo, os trabalhadores da indústria e os trabalhadores do setor da energia.
Um outro ponto que eu gostaria de colocar é a necessidade de políticas ambientais e climáticas fortes com capacidade de monitoramento e controle dos crimes ambientais, e essas políticas devem ser capazes de garantir a integridade ambiental e a credibilidade dos mercados, mais uma vez, evitando alegações de fraudes nesses mercados. Infelizmente, no entanto, a nossa reconstrução, a necessária reconstrução da política socioambiental brasileira ainda não atingiu esse bom termo. Então, é com certa preocupação que eu vejo as discussões sobre a regulamentação dos mercados de carbono, considerando justamente que, no âmbito das políticas públicas socioambientais e climáticas, a gente ainda não tem uma estrutura com um bom termo para ser operacionalizada. O respeito aos direitos humanos e territoriais de povos indígenas, comunidades tradicionais e rurais, com atenção à exigência para a realização da consulta livre e prévia informada, de acordo com a Convenção nº 169 da OIT e com os protocolos de consulta de cada povo e de cada comunidade, é algo também absolutamente primordial. A gente tem visto, no mercado voluntário, o desrespeito aos protocolos de consulta dos povos e comunidades tradicionais e rurais do Brasil.
Outro elemento que eu gostaria de trazer, que me parece muito importante, é que o direito ambiental e o direito agrário andam lado a lado, como vocês sabem, e, portanto, o impacto dessa regulação sobre a questão fundiária, no Brasil, deve ser considerado também do início ao fim da regulação. Pode parecer que a gente está aqui discutindo um tema muito abstrato, a gente está falando de carbono, uma medida de carbono, do carbono equivalente, mas, sobretudo, quando a gente fala da extração de créditos de carbono ou de unidades de mitigação de carbono, relacionadas a territórios de floresta, a gente está falando de um carbono que tem uma base no solo brasileiro e isso precisa ser considerado.
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Uma coisa é a extração de créditos ou unidades de mitigação de carbono em áreas privadas, em propriedades privadas. Outra coisa é esse mesmo processo acontecendo em áreas públicas destinadas.
Então, esse é um outro elemento que deve ser levado em consideração.
Na nossa opinião, pensando a partir do que a gente vem produzindo no Instituto de Estudos Socioeconômicos, uma boa regulação do mercado brasileiro de emissões dependerá do resultado da junção de todos esses fatores. Um assunto de tamanha complexidade, como são os mercados de poluição, e uma regulação tão abrangente como essa, porque ela se propõe a atingir diversos setores, não deve ser apagada, não deve ser simplificada, não deve ser desburocratizada em nome da celeridade do mercado e da extração desses créditos e unidades de mitigação.
Também será necessário, na nossa opinião, para se chegar a uma boa regulamentação, descentralizar as consultas a essa proposta, realizando consultas localmente, em cada estado do país, observando a especificidade dos impactos associados a esse mercado para cada setor e para cada povo e comunidade, para cada trabalhador atrelado aos setores que vão ser afetados por essa legislação.
Para terminar, eu queria ressaltar três pontos. Primeiro que a proposta de regulação que sair desta Casa ainda precisará passar por um processo de harmonização com outras propostas que estão sendo debatidas, particularmente com a proposta que vem sendo discutida e elaborada pelo Executivo, mas também é importante que a gente seja capaz de atualizar as nossas visões sobre o debate internacional. No debate internacional, embora a gente tenha o Acordo de Paris, embora a gente tenha o Livro de Regras do Acordo de Paris, ainda estão em processo de definição os mecanismos de operacionalização de cada artigo, o 6.2 e o 6.4, que têm uma influência muito grande sobre essa legislação e sobre a adequação da legislação nacional aos parâmetros internacionais.
Então, entender o modo pelo qual a operacionalização de cada um desses mecanismos está acontecendo dentro do Acordo de Paris vai ser absolutamente fundamental para que essa legislação ganhe uma efetividade maior do ponto de vista das relações internacionais. Esses mecanismos ainda não estão fechados. A gente tem os mecanismos de revisão bianual e quinquenais, que foram mencionados, mas, além desses, nós também teremos os mecanismos específicos para cada mecanismo do art. 6º do Acordo de Paris, e isso precisa estar contemplado nessa discussão também.
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O segundo ponto - é muito importante ressaltar isso - é que a sociedade civil brasileira, os movimentos sociais, sindicais, os povos e comunidades tradicionais, nós não temos uma posição uníssona, homogênea, sobre esse tema. E esse fato deve ser tomado como evidência da necessidade de ampliarmos o debate acerca dos mercados de poluição no Brasil. Então, não é ouvir um lado ou outro, não é privilegiar o mercado em detrimento da sociedade, mas entender a complexidade desse debate, inclusive no que diz respeito à multiplicidade de visões em relação a eles. Nós entendemos que nunca será possível a elaboração de uma lei que atenda os interesses plenos de cada um dos setores, mas essa escuta ativa precisa ser feita.
E, por fim, a regulação não deve e não pode ser pensada exclusivamente do ponto de vista do mercado, da sua rentabilidade e dos incentivos para que a iniciativa privada entre nesse barco.
Ao longo das audiências nesta Comissão, nós ouvimos reiteradamente, durante três sessões, a exposição dos posicionamentos do mercado, do sistema financeiro, envolvidos com essa regulação. A gente precisa dar mais peso ao posicionamento da sociedade civil, dos movimentos sociais e dos sujeitos políticos potencialmente afetados por essa regulação.
Enfim, gostaria de terminar lembrando que regular significa proteger e garantir a realização progressiva de direitos; regular significa proteger e garantir a realização progressiva de direitos; regular não é um exercício que se limita à estruturação de um mercado. Por isso, é absolutamente fundamental que a gente possa abrir esta Casa para a discussão dos sujeitos políticos potencialmente afetados por essa regulação. E, infelizmente, Senadora Leila, esse não é ainda um exercício que nós estamos vendo acontecer na sua plenitude e no volume que precisaria acontecer para a gente ter um debate amplo e honesto sobre os impactos dessa regulação sobre os territórios brasileiros.
Vou ficar por aqui.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Excelente, Tatiana. Obrigada pela sua participação e pela exposição.
Estou aqui com a minha assessoria. Vamos levar em consideração a sua posição com relação ao intuito do que queremos com a regulação. Obviamente, até por uma característica minha, eu procuro sempre ouvir todos. Se está faltando mais participação, nós iremos analisar, já dizendo aqui, olhando para os meus amigos assessores da Comissão, que vamos fazer uma reflexão a respeito do que foi colocado aqui na sua fala.
Obrigada.
Bom, eu vou passar a palavra agora... Eu estou alternando, remotamente. Pedro, Ministra, é rapidinho. Eu vou passar para o Sr. Shigueo Watanabe, da organização ClimaInfo, representando o Observatório do Clima.
Seja bem-vindo, Sr. Shigueo.
O SR. SHIGUEO WATANABE JÚNIOR (Por videoconferência.) - Ilustre Senadora...
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Só um minuto, o seu áudio. Acredito que o seu áudio esteja desligado.
O SR. SHIGUEO WATANABE JÚNIOR (Por videoconferência.) - Alô. E agora?
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Agora sim. Era o microfone.
O SR. SHIGUEO WATANABE JÚNIOR (Por videoconferência.) - Perfeito. Desculpa.
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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Pois não.
O SR. SHIGUEO WATANABE JÚNIOR (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, Senadora. Muito obrigado pelo convite. Eu quero cumprimentar todos os Congressistas presentes e todos os meus colegas participantes desta audiência.
O meu nome é Shigueo Watanabe. Eu trabalho junto ao Observatório do Clima, que é uma rede de mais de 90 organizações do campo socioambiental e, como a Tatiana disse, a gente tem várias discussões sobre os mercados de carbono. Há concordância em uma série de pontos e há divergência em uma série de outros.
Pessoalmente, eu estou envolvido, há mais de 20 anos, no mercado de carbono. No mercado voluntário, uma das certificadoras mais respeitadas é o Gold Standard e eu faço parte do Comitê Técnico do Gold Standard, então, eu analiso essas metodologias, procedimentos e regras, como parte do meu trabalho. Nos últimos anos, eu venho trabalhando junto com o Instituto Talanoa, para poder discutir, exatamente, o mercado regulado de carbono.
Pegando a deixa do Tiago, o mercado regulado é muito diferente do mercado voluntário. No mercado voluntário, a gente tem esses projetos de carbono, projetos florestais, projetos que vão ter que lidar com o território, vão ter que lidar com comunidades, eventualmente, e isso é um mundo. Um outro mundo à parte é o mercado regulado, o cap and trade, e, até onde eu consigo acompanhar, o grosso dos PLs que estão aparecendo, o grosso das discussões, no Executivo, está voltado para esse mercado regulado.
O mercado regulado é um dos instrumentos que o Estado tem para cumprir as suas metas climáticas. O Estado tem vários instrumentos possíveis: pode criar impostos, pode fazer comando e controle, pode criar subsídios. Ele tem instrumentos vários para atingir as suas metas climáticas e um desses instrumentos é o mercado de carbono.
Isso se reflete no seguinte: na hora que o país define a sua meta climática na NDC, ele deve dizer que parte dessa meta ele quer atingir através desse instrumento chamado mercado. Então, a conexão do mercado de carbono regulado com a NDC e com a política climática é muito mais estreita do que está aparecendo na maior parte desses documentos legislativos e do Executivo, que dizem vagamente que há que ter uma conexão. Essa conexão é matemática, essa conexão diz: "Eu quero que, da minha meta de redução de uma giga tonelada - ou seja na qual for o número -, qual é a porcentagem disso daí eu quero atingir com o mercado de carbono?" Daí sai o plano de locação.
Em relação a uma coisa que aconteceu no ano passado em relação a essa parte do plano de locação e dos planos setoriais, eu queria lembrar que, na reforma tributária que está correndo hoje no Congresso, a gente não pergunta para os setores - voluntariamente - quanto imposto eles querem pagar. A gente tem um Orçamento nacional que precisa ser cumprido e negocia com esses setores como é que esses impostos vão acontecer, mas a gente não pergunta para o setor siderúrgico: "Qual é o imposto que você pode pagar?".
Funciona exatamente da mesma maneira no mercado regulado. Ele não é voluntário, ele não é voluntário em lugar nenhum do mundo. Ele é uma imposição por causa da emergência climática. Existe um orçamento global de carbono que a gente precisa cumprir, o Brasil tem uma fração desse orçamento global e o orçamento vai ser dividido entre os vários entes regulados que vão participar desse mercado.
Outra coisa que é importante lembrar no mercado e de que pouca gente fala: ele não é um mercado de ganha-ganha. O que a gente quer com o mercado de carbono é eliminar, o máximo possível, a queima de combustíveis fósseis da nossa economia. Se eu não fizer isso, eu não controlo o aquecimento global. Então, sim, tem um setor que vai sair perdendo. O setor que vive de queimar combustíveis fósseis deve desaparecer o máximo possível. Isso quer dizer que petróleo, gás e carvão podem continuar operando como matéria-prima para outras indústrias, mas não como combustíveis. Então, não é um jogo de ganha-ganha. Setores e atividades vão ter que se transformar.
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Uma outra coisa que faz esse mercado regulado ser especial em relação a tudo que os economistas dizem é que, se esse mercado funcionar muito bem, ele desaparece. Se eu conseguir reduzir o aquecimento global, se eu conseguir controlar o aquecimento global, esse mercado se torna desnecessário. Então, ele é um mercado que é criado com o objetivo explícito de desaparecer um dia. É isso que eu quero que ele faça. Então, nesse sentido, esse mercado é muito diferente de qualquer outro mercado que normalmente a gente discute na economia. Tem gente que vai ganhar dinheiro nesse mercado? Tem. Tem gente que vai perder dinheiro nesse mercado? Tem. Esse não é o principal; o principal é: precisamos reduzir as emissões globais.
Uma outra coisa que eu gostaria de apontar, que vem sendo citada com frequência, e é interessante como, a cada mês ou a cada período, o número aparece multiplicado por 10, que é "o Brasil, agora, vai ser a Arábia Saudita dos créditos de carbono". Não vai. E há uma perversidade grande nessa frase. O grande potencial que o Brasil tem, hoje, como os mercados voluntários de carbono estão estruturados, seria dos projetos de proteção florestal. Então, "eu prometo não desmatar e eu recebo para não desmatar uma dada área". O volume de créditos de carbono que esses projetos ganham são proporcionais ao risco de desmatamento que se tem na região. Se eu vou para uma região, que nem a Cabeça do Cachorro, no Amazonas, onde a ameaça de desmatamento é pequena, uma dada área vai ganhar poucos créditos de carbono. Se eu vou para o Sul do Pará, onde o desmatamento corre solto, o volume de créditos de carbono que eu vou ganhar vai ser muito maior. A perversidade, então, é a seguinte: se eu definir uma política em que eu vou depender das receitas desses créditos de carbono, significa que o desmatamento tem que continuar alto. Se eu combater o desmatamento e terminar o desmatamento, esses projetos deixam de receber créditos de carbono. Então, não; o Brasil não vai virar uma Arábia Saudita, a menos que a gente continue destruindo a floresta. E eu vou me abster de dar a minha opinião sobre quem tem essa perspectiva, esse modelo de negócios pela frente. Eu gostaria que o desmatamento terminasse o mais rápido possível e que esses projetos deixassem de receber dinheiro o mais rápido possível.
Uma outra coisa que eu acho que é importante citar é: essa ligação desse mercado voluntário com o mercado regulado vai ser uma jabuticaba. Os mercados regulados que existem no mundo permitem uma pequena fração, em situações muito especiais, de créditos de carbono de projetos voluntários entrarem. Aqui no Brasil eu vejo uma área que vai ser importante, que é a restauração de vegetação nativa. Nós temos áreas degradas, e você deixar o mato crescer não dá dinheiro. Uma das fontes de riqueza poderia ser gerada a partir da restauração de vegetação nativa. Eu não estou falando de reflorestamento, eu não estou falando de pinos, eucalipto e outras madeiras comerciais; eu estou falando de deixar o mato crescer. Essa atividade poderia gerar créditos de carbono, e, possivelmente, durante algum tempo, seria interessante que o mercado regulado pudesse investir nessa área. Outra coisa para a qual eu preciso alertar, porque está aparecendo em alguns dos projetos de lei, é essa compatibilidade com o mercado internacional. Mercados regulados não trocam permissões internacionalmente. O mercado regulado tem um preço interno de carbono que define a sua política climática. Isso não é intercambiável, não tem... O mercado europeu não compra créditos, permissões do mercado chinês e vice-versa. Nós estamos falando de offsets, nós estamos falando de créditos de carbono internacionais. Os mercados regulados não são fungíveis, e isso precisa ficar claro.
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E, sobre a fungibilidade dos mercados voluntários, há que se prestar atenção a um ponto. Se nós queremos continuar vendendo créditos de carbono para outros países e, de preferência, para o mercado regulado de outros países, o que é possível, isso significa que o nosso mercado regulado, por reciprocidade, terá que estar aberto para aceitar créditos de carbono de outros países. Nós não podemos fazer um mercado fechado para créditos de carbono nossos e querer vender os nossos lá fora. O mercado internacional não funciona assim. O mercado internacional exige essas reciprocidades.
E um último aviso que acho importante é sobre o papel do Governo. E isso não está aparecendo em nenhum projeto. O Artigo 6.4 e o Artigo 6.2, que a representante do Inesc citou, têm uma exigência que se chama ajuste correspondente, que é como evitar a dupla contagem quando eu estou trabalhando com dois países diferentes. Esses ajustes correspondentes precisam ser regulados e precisam ser regulados pelo Governo. O Governo tem que definir que tipos de projetos nacionais vão ganhar ajustes correspondentes, que categorias de projetos, a que condições um projeto precisa obedecer para receber esse ajuste correspondente para ser negociado lá fora. Talvez a regulação que o Inesc cita que é necessária tenha que estar atrelada a esse ajuste correspondente, porque, no mercado puramente voluntário, sem ajuste correspondente, o Governo não tem mão no jogo, não tem mão nesse jogo. Ele terá e terá a obrigação de definir claramente que projetos poderão entrar para os ajustes correspondentes, que condições, que grau de integridade, coisas assim.
Era isso que eu teria a falar.
Agradeço muito, mais uma vez, a oportunidade.
Um bom dia a todos.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós é que agradecemos, Sr. Shigueo, da organização ClimaInfo, representando o Observatório do Clima.
Eu vou passar a palavra para o Pedro Martins, Advogado e membro do Grupo Carta de Belém.
Seja bem-vindo, Pedro.
O SR. PEDRO MARTINS (Para expor.) - Bom dia, Senadora Leila Barros. Bom dia a todos e todas.
Meu nome é Pedro Martins, sou advogado popular na organização de direitos humanos Terra de Direitos e também membro do Grupo Carta de Belém.
O Grupo Carta de Belém é uma rede nacional composta por diversas organizações, entidades e movimentos sociais. O grupo já tem praticamente 15 anos de atuação e de acompanhamento dentro dessa política nacional, acompanhando também os territórios e as negociações internacionais.
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Agradeço imensamente a oportunidade de debate, de diálogo sobre esse tema importante.
Como já foi bastante colocado, a gente trata das urgências que a emergência climática traz. Entendo que nós estamos lidando com várias e diversas urgências que precisam ser melhor consideradas no debate desse PL e de tantos outros.
Uma consideração importante a ser feita é que, nesse momento, a gente também não pode cair na urgência da COP 30. A COP 30 não pode ser, após esse anúncio de que o Brasil sediará a COP 30, especialmente na cidade Belém do Pará, um fator de urgência que possa atropelar alguns processos de debate, de construção de políticas, principalmente na área ambiental e climática.
Então, que a gente tenha tempo de considerar qual é a realidade brasileira para se discutir crédito de carbono, para se discutirem políticas climáticas, também considerando que, apesar de já termos 14 anos de instituição da Política Nacional sobre Mudança do Clima, foram 14 anos bem complexos na política brasileira. Então, a gente não tem um movimento linear de evolução da legislação socioambiental e climática no Brasil. É importante que se considere, no Senado, que nós estamos ainda num período de viver retrocessos e retomadas da política. Por isso, nós ainda precisamos reestruturar a governança climática brasileira.
Passamos aí por diversas perdas dentro da estrutura governamental em nível federal. Nós tivemos instituições que, inclusive, dificultaram o acesso da sociedade civil e da participação popular em processos de tomadas de decisão sobre a pauta do clima, e nós ainda estamos, nesse primeiro ano, tentando recuperar, reaver espaço, reconstruir e, principalmente, ter visões amplas e plurais sobre os temas.
Então, considerando que a gente já tratou aqui sobre a Lei 12.187, de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima, qual é o processo que nós temos agora? Quais os desafios para essa reestruturação da governança climática para que essa seja a nossa segurança de que nós teremos uma governança climática brasileira que corresponda a diversos anseios? Não conseguiremos, nunca conseguiremos, no Brasil, dissociar a pauta ambiental e climática da pauta territorial e fundiária. O próprio texto do PL 412 traz, quase que expressamente, nas entrelinhas, a demanda fundiária, não só porque ela traria, supostamente, a segurança jurídica para um possível mercado, mas porque essa é a nossa realidade.
E qual é a situação que nós temos de avanço da pauta da reforma agrária? De avanço da demarcação de terras indígenas? De avanço da consolidação das estruturas de unidades de conservação em diferentes modalidades, mas, especialmente, das reservas extrativistas? Porque são elas, no texto do PL 412, que são os locais, os territórios principais para verificação, para emissão de crédito de carbono.
Então, é essa a realidade que prescinde esse debate. E, considerando mais uma urgência contraditória dentro do Senado, é que, ao mesmo tempo em que nós temos o debate da regulamentação do mercado de carbono, nós temos um pedido de urgência para a votação do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
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Então, isto é fundamental de parar para ver: como que as terras indígenas são divulgadas internacionalmente como - entre aspas, porque discordo do tema - "consumidores de carbono"? Mas, ao mesmo tempo, o Brasil está com urgência no debate de aprovação do marco temporal, que dificultaria, que atrasaria a demarcação, que inviabilizaria a demarcação de terras indígenas no Brasil. E, nesse tema, a articulação dos Povos Indígenas no Brasil, as lideranças indígenas, a assessoria jurídica do PIB teriam mais propriedade também para trazer esse tema, para que a gente possa não dissociar, equivocadamente, o tema do mercado de carbono, dos créditos de carbono, do tema da proteção das florestas, e florestas que são territórios tradicionais.
O art. 27, em especial, desse texto, do PL 412, traz a relação com os povos indígenas e povos de comunidades tradicionais, mas também, num ponto muito específico, fala sobre as áreas públicas não destinadas. Então se prevê a possibilidade de criação de ativos financeiros, dentro de uma estrutura de mercado regulado, mas que está desconsiderando a proteção desses territórios. Porque qual é a vantagem real, concreta, na vida das famílias que estão na floresta, que fazem parte da floresta, de elas não terem a sua área devidamente destinada, mas já começarem a fazer a comercialização de crédito de carbono?
Isso vai se responder em outra parte, em outro momento do texto, quando se abre a possibilidade de comercialização de crédito de carbono em terras indígenas por terceiros.
Não é só um exercício de tutela, porque a questão da tutela pode ser questionada aqui também, mas é a identificação de que o sujeito principal do mercado, ou melhor dizendo, que a regulação de um mercado de crédito de carbono vem para consolidar a estrutura jurídica de quais seriam os sujeitos protetores da floresta. E, nesse art. 27, ela desconsidera a prioridade dos guardiões da floresta, por assim dizer, ou daqueles que devem ser considerados como parte componente da floresta, que são os povos e comunidades tradicionais, ou seja, eles não podem ou não precisariam, necessariamente, estar nesse jogo político da questão dos créditos de carbono.
E isso me chama muito mais a atenção, porque ainda não apareceu, nesse texto, a questão do direito de consulta prévia, livre e informada garantida pela Convenção 69 da Organização Internacional do Trabalho, como foi mencionado pela colega Tatiana, do Inesc.
E mencionando que, recentemente, dois anos atrás, com a aprovação da Lei 14.119, que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, que ainda apresenta várias lacunas e que não apresenta alternativas, ainda assim, essa lei, em seu texto, apresenta o objetivo de garantia da consulta prévia, livre e informada para povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais. Então, talvez essa urgência, para ficar melhor demonstrado, de que o cumprimento das NDCs, de que o cumprimento de metas climáticas pelo Brasil precisa de uma urgente regulação do mercado está nitidamente atropelando alguns direitos básicos e a realidade territorial e fundiária brasileira.
Falo isso também porque estamos tendo a oportunidade do debate, e esse debate precisa ter uma continuidade.
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Nesse ponto específico que fala sobre a possibilidade de negociação internacional dos créditos de carbono, isso também está expresso na legislação, a transferência internacional dos resultados de mitigação. Então, a aprovação e a regulação desse mercado, obviamente, estariam conectadas a uma transferência internacional de resultados de mitigação. Ainda que estivesse pendente uma regulamentação específica dessa transferência, mas a lei está trazendo, o projeto de lei está trazendo esse debate expressamente, essa previsão expressamente.
Bom, eu gostaria que fosse considerado também que essa interpretação, ou melhor dizendo, a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris, fosse altamente contextualizada para o Brasil. Ela precisa de uma contextualização de qual é a nossa realidade socioambiental, climática e especialmente territorial, para que se tenha uma implementação do Artigo 6 do Acordo de Paris. Se já se falava tantas vezes nos debates climáticos, nas negociações sobre responsabilidades comuns, porém diferenciadas, então o Brasil tem um papel específico a cumprir. Se ele tem um papel específico, então ele tem uma realidade específica a ser trabalhada, e essa é a realidade não só de um país com florestas preservadas, protegidas, mas com uma realidade de desafio de garantia de que esses territórios continuem sendo protegidos e preservados pelas populações locais, ou, melhor dizendo, pelas categorias mais adequadas: de povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e comunidades quilombolas, o que sempre vale a pena reiterar.
E gostaria de chamar a atenção, Senadora, para a recente aprovação, que muito nos assustou e mais uma vez traz essa ideia de urgência, do texto que se transformou na Lei 14.590, de agora, final de maio de 2023, que coloca milhares de hectares de florestas sob controle de empresas que não representam povos e comunidades tradicionais. Essa lei modificou a atual legislação sobre concessão florestal e colocou tudo num pacote só. Ao mesmo tempo em que a empresa vence a concessão florestal, o processo de concessão florestal, ela adquire o direito de comercialização de créditos de carbono a partir dessa área de floresta - mais uma vez considerada como sumidouro de carbono -, e essa aprovação não considerou que essas concessões florestais existentes são dominadas por empresas que estão ali em situações de conflito, em unidades de conservação, em florestas nacionais, em situações de conflito local. O que é a Flona do Crepori, no Estado do Pará, que tem concessão florestal? O que são as outras realidades locais? E falo especialmente da Amazônia, que é de onde estou partindo para essa leitura, porque ela precisava ser considerada. Num piscar de olhos, isso foi aprovado pela Câmara, que surgiu como PL 1.151; e, quando vimos, já estava aprovado pelo Senado e, em final de maio, já tinha se tornado lei, através desse texto da 14.590.
Então, a emergência climática está trazendo urgências, mas quais urgências nós estamos considerando na aprovação dessas leis? Porque algumas urgências foram consideradas, as urgências de alguns setores, mas de alguns outros estão sendo desconsideradas. Uma das justificativas para a aprovação da Lei 14.590 foi a segurança jurídica para esses atores de comercialização de crédito de carbono, seja no mercado voluntário ou não.
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Mas e a insegurança jurídica gerada pela aprovação dessa lei, a insegurança jurídica que traz? E são concessões florestais e aproveitamento para comercialização de crédito de carbono por 30, 40 anos. E foi uma antecipação da regulação do mercado brasileiro de emissões, foi uma antecipação. Como é que já se cria a figura jurídica dos provedores desses ativos ambientais a partir de concessão florestal sem ter o mercado regulado de emissões no Brasil? Como é que se antecipa? Antes de criar o mercado, já se instituíram os atores. Então, estamos vendo - aí só para aproveitar, Senadora, inclusive nessa sua fala sobre uma legislação em padrão de excelência - que nós vamos ter que correr muito atrás disso, porque o que nós tivemos recentemente... Porque essa lei que mencionei agora é de 2023, de maio de 2023, nós teremos que correr com isso e nós precisamos retomar uma série de mecanismos de participação para a pauta climática.
Apesar do que foi muito louvável e está sendo muito proveitoso, como a instituição de vários conselhos - isso sempre foi pauta da sociedade civil -, o Fórum Interconselhos, estamos tendo assim a oportunidade, enquanto sociedade civil brasileira, de participar da criação e da implementação de políticas...
(Soa a campainha.)
O SR. PEDRO MARTINS - ... mas especificamente sobre a pauta climática nós precisamos ainda ter um pouco mais de tempo para garantir que outros pontos de vista sejam colocados antes da aprovação de novos marcos legais no Brasil.
Obrigado, Senadora.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós que agradecemos a sua participação, Sr. Pedro Martins, advogado membro do Grupo Carta de Belém.
Eu vou passar a palavra agora, via remota, para a Sra. Julia Sagaz, Diretora Socioambiental do Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico (Fmase). Seja bem-vinda, Sra. Julia.
A SRA. JULIA SAGAZ (Por videoconferência.) - Bom dia, Senadora, está me ouvindo bem?
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Sim, sim, desculpa.
A SRA. JULIA SAGAZ (Para expor. Por videoconferência.) - Então, eu sou a Julia Sagaz, eu estou aqui representando o Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico, que já vem trabalhando nesse tema há bastante tempo. Eu vou tentar projetar aqui uma apresentação. Se estiver tudo certo, por favor me avisem. Está aparecendo?
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Está, sim... Não. Você colocou no modo de edição.
A SRA. JULIA SAGAZ (Por videoconferência.) - De edição?
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - É, precisa compartilhar. É só colocar na apresentação embaixo.
A SRA. JULIA SAGAZ (Por videoconferência.) - Está bom. (Pausa.)
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Perfeito.
A SRA. JULIA SAGAZ (Por videoconferência.) - Deu certo? O.k., então.
O Fmase representa 16 associações de todos os segmentos do setor elétrico. Então, nós trabalhamos com geração, transmissão, distribuição, comercialização e consumo de energia. O fórum também trabalha com todos os tipos de geração de energia elétrica, então a gente brinca que a gente defende de solar a nuclear, porque nós trabalhamos com uma matriz diversificada, em que cada fonte de geração de energia cumpre seu papel para atender o consumidor.
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Como a gente está trabalhando desde 2004, a gente tem uma atuação bem ampla com o Poder Legislativo e o Judiciário. Já estivemos aí conversando com o Ioran sobre esse tema e vários outros. Nós participamos também da CNI através do Coema e vários... temos também assento no CNRH e trabalhamos para uma área bem ampla de conversa, sendo um dos principais interlocutores hoje do setor elétrico na área de meio ambiente.
A nossa apresentação é um pouquinho mais didática no sentido de que muito se conversa, mas ainda tem muita gente que não entende como funciona o mercado de carbono. Existem vários tipos de precificação de carbono, uma delas é o mercado de carbono. Ela pode também ser através de uma taxação ou através do CBAM.
Quando a gente começou a atuar nesse projeto, a gente fez parte do projeto PMR, que começou lá em 2017 e discutiu quais eram as melhores formas de instrumentos de precificação na economia brasileira. Ele concluiu que o melhor para o sistema brasileiro seria um comércio cap and trade, um mercado de carbono através de uma comercialização no sistema cap and trade, com uma simplicidade de desenho e que teria que ser faseado e gradual para que todo mundo focasse no aprendizado dos participantes nesse primeiro momento. Deveria ter mecanismos de alocação gratuita, deveria ter um MRV nacional e ele deveria também trabalhar com o sistema de offsets do mercado voluntário, fazendo uma interligação desses dois mercados.
Então, como eu falei, existe o mercado voluntário que é um mercado de créditos de carbono, ele tem padrões diversificados de regulamentação, existem regras próprias para ele, e já funciona há bastante tempo no Brasil. Ele é um mercado fragmentado e movimentou cerca de um a dois bilhões de dólares, mundialmente falando, em 2022.
Já o mercado regulado nacional, seria um mercado de permissões, seguiria um sistema cap and trade, teria obrigações legais e geraria permissões. Então, cada empresa pode ter um tanto de permissões, se ela ultrapassar esse teto de permissões, teria que comprar permissões de outros setores para fazer esse trade entre o comércio. Ela tem pré-requisitos estabelecidos e para o voluntário comunicar com o regulado teria que seguir as regras do regulado. Esse mercado mundialmente movimentou cerca de US$56 bilhões dólares em 2021.
O mercado global, que é esse do art. 6°, do qual muito se fala, tem regras aprovadas e detalhadas pela ONU. Ele é um outro tipo de mercado. Muita gente fala em comunicar, em a gente estar preparado para comunicar. Realmente, eu acho que o sistema brasileiro tem que estar preparado para se comunicar com o sistema internacional, se houver. Ele está sendo regulamentado ainda, então não vamos colocar o carro na frente dos bois.
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Vamos esperar um pouquinho para ver o que a ONU vai decidir a respeito desse tema, porque, ao mesmo tempo em que se avança na discussão desse tema, também voltam a se questionar questões que já foram ultrapassadas. Então, vamos ter um pouco de cuidado nessa questão.
Complementando o colega do Observatório do Clima, muita gente acha que vai vender, que o Brasil vai ser assim um grande provedor de créditos de carbono. Mas, pelas regras do art. 6º e pelas regras e questões de adicionalidade, muitos dos créditos do Brasil não seriam considerados.
Então, não vamos fazer o nosso mercado doméstico pensando em um mercado internacional. Vamos fazer o nosso mercado doméstico como uma forma de controle de emissões domésticas, e não vai ser um mercado que vai alcançar e vai fazer a gente alcançar as nossas NDCs. Ele vai ser apenas um dos instrumentos.
Aqui são todos os países que já têm algum tipo de precificação de carbono. Como eu falei, pode ser entre taxação e pode ser entre mercado. Atualmente são 68. Eu acho que esse eslaide está um pouquinho desatualizado, já são cerca de 75 instrumentos que estão em vigor no mundo.
Como a gente comentou, o mercado regulado traz uma maior projeção e uma maior valorização dos créditos. Então, o mercado internacional está trabalhando hoje em dia em ETS a 93 euros a tonelada do carbono. Então, ele dá uma ampla valorização para o mercado.
O que a gente aprendeu com as experiências internacionais? O que se percebeu estudando? A CNI fez um estudo amplo sobre os mercados internacionais e trouxe essas questões. O mercado tem que ser faseado e gradual. Por quê? Porque o mercado da Europa já foi previsto para ter três fases. Na primeira fase, houve uma volatilidade muito grande de preços e uma necessidade de ampliação. Eles perceberam que a base de dados dele não estava correta e, por isso, o preço subia e descia muito rápido.
Então, na segunda fase, eles já corrigiram isso e já trouxeram maior ampliação de base de dados e de benchmarks, em que eles conseguiram segurar os preços e as permissões também foram emitidas de acordo com um histórico de emissões de cada um dos setores que estava participando naquele momento.
Ele trabalhava anteriormente nessa segunda fase apenas com leilões gratuitos. E nessa terceira fase, que começou em 2013 e foi a 2020, ela já trouxe alguns outros setores e já trabalhou com leilões precificados. E agora já se fala até em incluir transporte e aviação nessa nova fase que está se iniciando.
O mercado da Califórnia já veio baseado no mercado europeu. Então, ele já trouxe uma ampla base de dados antes de começar. Eles começaram a coletar dados em 2008 e eles só foram ter o mercado em 2013. Então, eles evitaram bastante essa volatilidade de preços e essa questão de adequação das permissões através das emissões históricas.
Então, isso é um aprendizado que a gente precisa ter porque o Brasil ainda não trabalha com esse sistema de inventários organizacionais das empresas.
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Muitas empresas ainda não têm essa metodologia. Dentro das grandes empresas do setor elétrico, eu falo que elas já fazem esse tipo de controle porque a gente trabalha com empresas internacionais também. Então a gente já trouxe essa cultura. Mas muitas empresas ainda não têm essa cultura, tá? Então, é preciso que o Brasil avance nessa questão de inventários organizacionais, para a gente poder trabalhar com um histórico correto de emissões.
Então, o que a gente precisa levar em consideração? Que o Brasil precisa realmente de um mercado faseado e gradual, para que os atores possam aprender com o processo. Como eu falei, a gente não tem nem histórico de emissões, então a gente tem que ir com calma. A gente precisa trabalhar com uma base de dados ampla; então, nos primeiros dois anos, somente trabalhar com sistema de inventários talvez e já começar a colocar algumas metas de permissões, mas sem sanções, sem penalidades, onde se trabalhe realmente com o aprendizado dos agentes.
É preciso que o sistema não coloque tudo dentro da lei, que ele deixe muita coisa para regulamentação. Para quê? Para que, conforme a gente for vendo que as coisas não estão dando certo, a gente tenha a possibilidade de voltar atrás e fazer ajustes no decorrer do processo. Como eu falei, é preciso ter um sistema robusto realmente de monitoração, relato e verificação de MRV, para que os créditos realmente tenham uma validade e uma integridade ambiental, tá? E é preciso que tenha também uma interligação entre o mercado voluntário e o mercado regulado, porque muitas vezes o mercado regulado pode precisar de um pouquinho de RVS para suprir a sua necessidade dentro do regulado, tá?
Como eu disse, o Fmase já vem atuando há bastante tempo nessa área. A gente trabalhou no PMR e agora a gente está em parceria com a CNI e apresenta os direcionamentos da indústria como um todo para esse tema, porque os setores, principalmente os regulados internacionalmente e que provavelmente serão os primeiros a serem regulados no Brasil serão os de energia e os de indústria. Então, é preciso tomar um cuidado e ouvir esse setor neste momento, tá?
Então, a gente defende uma estrutura nacional no sistema cap and trade, com uma ampla base de dados, em que se negociarão permissões, tá? A gente defende que se aproveite um pouco das estruturas já existentes, como o Sirene, para ser um sistema de inventário - provavelmente o Sirene já vem agora com inventários organizacionais, então pode-se aproveitar um pouco desse sistema também -, e de uma estrutura de governança, em que o setor regulado possa fazer parte do processo deliberativo. Eu vou explicar um pouquinho mais na frente, mas, pelas NDCs brasileiras, é preciso ter uma observação mais adequada para os setores regulados para que eles não respondam como um todo.
A gente defende então que tenha esses planos nacionais de alocação, em que o setor regulado também possa participar desse processo, e um programa de monitoramento de emissões.
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A gente defende também que tenha que se trabalhar com reciclagem de receita, para que os valores voltem para o próprio sistema, para investir em novas tecnologias e preparar as empresas para estarem cada vez mais aderentes a esse mercado, e outras coisas que a gente já veio falando no decorrer da apresentação.
Enfim, a gente chegou agora aos pontos de atenção que é preciso ter. Como eu falei, a gente está trabalhando no mercado regulado doméstico brasileiro. A gente tem que realmente olhar e colher os aprendizados internacionais, mas a gente tem que ter as nossas regras, não simplesmente copiar um sistema que deu certo na Europa, que pode ser o sistema que não é o mais adequado para o Brasil.
O Brasil tem uma característica de emissões totalmente diferente do resto do mundo. Como a gente tem uma matriz energética que é três vezes mais limpa do que a matriz do segundo, que é o mercado europeu, então a gente não tem tantos desafios quanto eles têm no sistema de energia, principalmente em se falando de geração de energia elétrica. A nossa matriz de geração de energia elétrica é altamente renovável, ela trabalha com mais de 80% de geração renovável e, quando se fala em mercado de energia, que se fala em combustíveis, nós trabalhamos também com biocombustíveis. Então as nossas emissões têm características muito diferentes do resto do mundo, por isso que se precisa olhar com atenção para o Brasil quando forem feitas essas regras e esse sistema para se aproveitarem esses créditos brasileiros.
Como eu falei, as NDCs, quando foram apresentadas, foram apresentadas no sistema economy-wide e, quando se fala em economy-wide, se fala no sistema como um todo. Então ela não determinou emissões para cada tipo de setor, dizendo o setor "x" tem que reduzir tanto, o setor "y" tem que reduzir tanto, não tem um plano ainda, não existe um plano de implementação para as NDCs, para um que saiba, e o nosso principal emissor, diferente do resto do mundo, é o uso da terra. Então quando se fala em desmatamento, fala-se que 2020 foi o maior responsável pelas emissões. Por isso que a gente fala que o mercado é apenas um dos instrumentos para se alcançar - se não se acabar com o desmatamento, não há forma nenhuma de se alcançar as NDCs. Todos os planejamentos de transição energética no Brasil relatam que, se até 2028 não houver um combate ao desmatamento, não há forma de o Brasil alcançar suas NDCs.
Então, como eu já falei, em 2020, o maior foi o uso da terra, com 44% das emissões; depois veio o setor agropecuário, com 28%; e em terceiro lugar o setor de energia. Por isso que eu falo que é muito diferente do resto do mundo. Dentro desses 19% de responsabilidade do setor de energia, muita coisa é do transporte, apenas 8% desses 19% foram da geração de energia elétrica no Brasil. Então, como eu falei, o nosso sistema é muito renovável, a nossa matriz é muito renovável e é preciso atender essas características.
Então, só lembrando, essas emissões de 2020 e 2021 foi quando houve a crise hídrica, os reservatórios estavam operando abaixo da média e teve que se gerar muita energia térmica, por isso as nossas gerações foram lá para cima.
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Em 2022, houve recorde de geração de energia elétrica renovável no Brasil, 92% da energia consumida no Brasil foi de origem renovável, já houve 61% de queda de emissões dentro do sistema elétrico. Então, vamos observar essas características para poder fazer um mercado que seja aderente à realidade brasileira; vamos verificar essas questões de adicionalidade, fala-se muito do art. 6º, mas o art. 6º tem muita gente querendo vender e pouca gente querendo comprar, tem poucos países demonstrando interesse em comprar. Então, vamos pensar no nosso mercado doméstico e depois olhar para o mercado internacional.
Era isso, muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Grata pela participação, Julia Sagaz, Diretora Socioambiental do Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico (Fmase).
Vou passar agora a palavra para a Ministra Liliam Chagas de Moura, Diretora do Departamento de Clima do Ministério das Relações Exteriores.
Seja bem-vinda, Ministra.
A SRA. LILIAM CHAGAS DE MOURA (Para expor.) - Muito obrigada. Começo me desculpando pelo atraso, tive um imprevisto para chegar aqui.
Eu sou Diretora do Departamento de Clima no Ministério das Relações Exteriores, é um novo departamento, não existia antes de janeiro de 2023, e a criação dele deve ser entendida no contexto da prioridade que o atual Governo brasileiro resolveu colocar na proteção ao meio ambiente e no combate à mudança do clima. Então, a nossa função é coordenar e liderar a posição do Brasil nas negociações internacionais de mudança do clima. Os negociadores não vêm só do Itamaraty, eles vêm de um grande número de entidades na Esplanada, principalmente dos demais ministérios, e essas negociações acontecem no contexto da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima.
A apresentadora anterior mencionou que o art. 6º são regras da ONU, não é exatamente que sejam regras da ONU. A ONU são os países, então, o art. 6º do Acordo de Paris e o aprimoramento que se está buscando conseguir são o que os países querem desses mecanismos, não é a ONU que fica ditando as regras. A ONU são os Estados Partes, então são o que os países definem para que aconteça. E é uma negociação muito complexa, como vocês podem entender, se já é complexo aqui, no Brasil, regulamentar o mercado nacional, vocês imaginem 195 Países Partes negociando alguma coisa. São realmente negociações muito complexas, muito difíceis, e isso explica o avanço um pouco lento dessas negociações, lento do ponto de vista dos negócios, dos interesses privados, mas é o assunto que mais tem avançado no regime multilateral.
Eu também queria dar outra informação: pela complexidade desses temas, pela tecnicidade, por ter a ver com os inventários, que setores emitem, em que quantidade, qual a metodologia de verificação, como se definem, como se dá a alocação de permissões de tetos de emissão por cada setor...
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São questões que envolvem conhecimentos muito específicos e, um pouco em função disso, são poucos países nesse grupo universal de 194, 195, que conseguem, realmente, influenciar essas decisões. E o Brasil tem sido um desses poucos países. E continua sendo.
Portanto, a gente está até... A gente tem se fortalecido, trazido mais pessoas, mais negociadores, feito muitas reuniões de coordenação com as entidades no Brasil para que a gente consiga continuar influenciando essas negociações, porque elas vão determinar, um pouco, o futuro do regime do clima.
Bem, eu imagino que essa é uma das... É a primeira audiência pública a que eu venho. Imagino que vocês já tenham, de modo claro, o seguinte: no Regime Multilateral para a mudança do clima, o objetivo, conforme já dito aqui pelo representante do Observatório do Clima, o objetivo central é controlar e reduzir as emissões de gases de efeito estufa para controlar o aquecimento global. A novidade que veio com o Acordo de Paris... Não. Só um pouquinho antes. Todo o regime construído pela Convenção Quadro da mudança do clima, em 1992, foi construído em torno de que há um reconhecimento global de que os responsáveis pelo aquecimento global até aqui, que são os países desenvolvidos, têm maiores responsabilidades de controlar as emissões e de financiar a transição nos países em desenvolvimento. Então, a lógica do regime é: o Norte faz mais, faz mais rápido e ajuda o Sul a também se organizar para que não aumente as suas emissões, para conseguirem, todos juntos, enfrentar o problema, porque a mudança do clima não tem fronteiras, como os senhores sabem.
Bem, a Convenção Quadro foi complementada pelo Protocolo de Quioto em 1997 e foi no Protocolo de Quioto que foi aberta a porta para o que se chama de cooperação internacional. Foi aberta a porta para mecanismos auxiliares. E aí entra o mercado de carbono como um mecanismo auxiliar do sistema. Ele é uma parte. Ele não vai ser a resolução do problema. A gente não pode acreditar que, pelo comércio internacional de emissões de créditos de carbono, vai-se conseguir controlar o aquecimento global. Ele é, realmente, uma parte acessória que deve ajudar os países a mitigarem as suas emissões. Apenas isso. Ele não é a solução da lavoura. Ele não vai resolver todos os problemas, não vai fazer nenhum país extremamente rico em função disso. Ele é uma parte do sistema. O fulcro do sistema é o financiamento climático. E o financiamento climático, previsto na Convenção e recuperado no Acordo de Paris, é: precisam existir, e existem, mecanismos financeiros que os países que precisam de auxílio para fazer essa transição energética podem usar.
Então, tem uma série de fundos já operativos...
(Soa a campainha.)
A SRA. LILIAM CHAGAS DE MOURA - ... o fundo do clima, e, mais recentemente, o Acordo de Paris também abriu para outras formas de financiamento, entre elas, um pedacinho seria o mercado de carbono.
Então, realmente, é importante que o Brasil esteja olhando para isso e regulamentando o seu mercado doméstico, porque esse mercado precisa estar em linha, em concordância com o que as regras internacionais preveem e permitem.
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A importância disso é que as regras internacionais permitem um intercâmbio internacional, permitem que a emissão poupada, que a emissão economizada numa determinada parte do globo seja transferida para outro que não conseguiu fazer na velocidade ou na quantidade que gostaria. E isso é a transacionalidade dos créditos de carbono. Então, a regulamentação do mercado doméstico, do mercado brasileiro é muito importante porque precisa estar em linha com o que está sendo decidido internacionalmente e precisa ajudar o Brasil a cumprir a sua NDC.
Outro fator que a gente tem que levar em consideração é que o Brasil apresentou uma NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) de países desenvolvidos. Ele foi muito além do que precisava ter ido. Então, do grupo de países em desenvolvimento, apenas o Brasil e as Ilhas Marshall têm NDCs que são economy-wide, que abrangem todos os setores da economia. Isso nos credencia, por um lado, no cenário internacional, porque mostra uma grande responsabilidade, uma grande preocupação com o fenômeno.
O Brasil quer fazer a sua parte, apesar de ser responsável hoje por 3%, segundo o IPCC, das emissões globais. O Brasil quer fazer parte desse grande esforço mundial para conter o problema. O problema, se existir... Se o aquecimento global se realizar, nós seremos um dos países mais prejudicados. A agricultura brasileira, como existe hoje, ficaria inviável. Então, nós damos todos os sinais internacionais de que somos sérios e de que queremos participar ativamente desse esforço global.
Agora, a nossa NDC, ao ser muito ambiciosa, precisa ser cumprida. Então, a questão do comércio internacional de créditos, para nós, vai ter que ser vista com muito cuidado. E, portanto, a regulamentação do mercado doméstico é fundamental, porque essa eventual troca internacional passa pelo mercado doméstico no sentido de que é o mercado doméstico que vai ter as instituições para dizer que o Brasil pode vender "x" créditos, porque nós vamos contabilizar, nós vamos contabilizar na nossa... vamos diminuir o que foi vendido para essa meta. Então, isso não está proibido, pode vir a acontecer, tem que vir a acontecer, se for, assim, um paralelo, um instrumento adicional ao nosso próprio esforço, às nossas próprias metas de diminuição de gases de efeito estufa, como bem foi apresentado. Passa também pela drástica redução do desmatamento nas florestas.
Eu acho que... Deixe-me ver o que mais eu poderia dizer. É importantíssimo, nós já estamos sendo procurados... Esse comércio internacional já ocorre. Países pequenos ou países muito industrializados que vão estourar a sua capacidade, que vão estourar o seu teto de emissão, têm interesse de comprar créditos para que cumpram as suas NDCs.
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Essa transação internacional já existe: países como Coreia do Sul, Suíça, Singapura e Japão compram créditos de outros países e esses outros países - quem vende - têm que debitar da sua conta, para a contabilidade fechar. Se a contabilidade não fechar, o sistema geral tem um problema, porque nós estaremos fazendo green washing e deixando de fazer o que tem que ser feito, que é diminuir as emissões e controlar o aquecimento global.
O Brasil tem sido procurado por alguns países, porque o art. 6, na visão de muitos e com a regulamentação que já tem, permite essas transações internacionais; e essas transações internacionais estão ocorrendo. Nós ainda não estamos fazendo, porque nos falta a institucionalidade, que virá com essa regulamentação, para que essa contabilidade internacional seja debitada da nossa conta.
As nossas posições históricas - o que também foi mencionado aqui - excluem conservação de floresta como possibilidade de geração de crédito de carbono, porque isso é uma ameaça à integridade ambiental e pela dificuldade de se dizer o quanto se está reduzindo de emissões por aquela atividade. Por outro lado, outras atividades florestais poderão ser incluídas, principalmente o reflorestamento, a restauração de vegetação nativa. Outras atividades florestais, sim, serão incluídas.
Outra coisa em que essa regulamentação deve prestar atenção: o nosso interesse, como potencial vendedor de emissões, se o cumprimento da nossa NDC assim permitir, o nosso exercício aqui é aumentar o valor do carbono que vai ser comercializado pelo Brasil, porque, se há uma variação de 98 euros a 5 euros e o nosso é o mais barato, aí alguma coisa não funciona muito bem. Não é só nos habilitar a participar desse comércio, se isso for possível e se isso for auxiliar as nossas próprias metas, mas buscar também uma valoração, para que nós não sejamos o parceiro do carbono barato ou do carbono sujo, como se fala também.
Um outro dado que eu queria trazer, do ponto de vista internacional, é que, conforme a Tatiana já falou, a regulamentação do art. 6 continua - não pela ONU, mas na ONU, pelos países -, tanto que, nas reuniões que tivemos, agora em junho, reuniões intersecionais, que preparam a próxima convenção das partes, do meu ponto de vista, o grupo que mais avançou, que mais trabalhou, que mais buscou interesse, porque esse é o interesse dos países desenvolvidos, foi o grupo que negocia o art. 6.2 e o art. 6.4.
(Soa a campainha.)
A SRA. LILIAM CHAGAS DE MOURA - Nessa negociação, o nosso interesse e o nosso trabalho é fechar as lacunas do art. 6.2, para que a integridade ambiental dos projetos seja uma prioridade de todos os países, não apenas do nosso, de todos os países. A nossa participação é fundamental.
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A gente, cada vez, precisa se capacitar melhor para ir a essas negociações, porque para os países industrializados, que precisam comprar créditos de carbono, é onde está o interesse deles, nas negociações internacionais, onde eles possam comprar créditos para debitar, para poder dizer que não, que eles também estão cumprindo as suas metas participando desse...
Então, assim, é muito importante que essa regulamentação seja bem formulada, bem adaptada, bem assentada e que esse mercado, essa nova área de atuação reforce a nossa reputação de um jogador sério, comprometido, que não está interessado em dinheiro, está interessado em conter a mudança do clima, porque nós somos um dos que mais vai perder. Inclusive, geograficamente, nós que moramos e trabalhamos em Brasília, o bioma Cerrado, o Centro-Oeste brasileiro vai ser um dos primeiros a sentir o efeito das altas temperaturas e dos eventos climáticos extremos.
Eu paro por aqui. Posso depois participar melhor.
É isso!
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós que agradecemos, Ministra, a sua presença aqui e a sua exposição.
Vou passar a palavra para os demais, porque nós temos algumas perguntas que eu gostaria de compartilhar com os nossos expositores aqui, e o Senador Wellington Fagundes também está presente no remoto.
Senador, eu vou passar aqui, rapidamente, para a Marta Bandeira e, já na sequência, encaminho para o senhor usar a palavra, tá?
Obrigada.
Vou passar a palavra para a Sra. Marta Bandeira de Freitas, Gerente do Departamento de Clima do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
Seja bem-vinda, Marta!
A SRA. MARTA BANDEIRA (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada, Senadora. Bom dia a todos e a todas. Obrigada pelo convite para estar aqui.
Eu vou fazer uma breve apresentação. Vou compartilhar aqui a minha tela.
Só um minutinho. (Pausa.)
Deixa eu colocar no modo de apresentação. (Pausa.)
Vocês veem a minha tela?
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Sim.
A SRA. MARTA BANDEIRA (Por videoconferência.) - Vamos começar.
Eu trouxe aqui um pouco da estratégia do BNDES para falar como o banco pode apoiar esse mercado novo, esse mercado de carbono que acabou de começar aqui no Brasil, apesar de ele já existir há muito tempo. E, quando eu falo "acabou de começar", não é que ele não tenha existido antes, mas eu acho que o volume e a atenção dada a esse mercado agora, no Brasil, realmente atingiu um outro patamar.
Então, o BNDES tem aqui, como estratégia, esses eixos. E eu circulei aqui os dois eixos que são relacionados ao mercado de carbono, que é a preservação da Amazônia e dos outros biomas brasileiros e a transição justa para a economia de baixo carbono. O banco tem algumas modalidades de apoio para isso. Então, a gente faz financiamento e crédito; a gente estrutura projetos para concessões PPPs; a gente tem o braço de participação societária, com investimento em ações, em debêntures, em fundos de investimento. A gente tem um outro setor de garantias. Então, o BNDES agora também fornece garantias para alavancar financiamentos. A gente tem BNDES FGI e novos produtos como o Garante Amazônia e o FGEnergia. E nós temos os nossos fundos não reembolsáveis. Então, temos o Fundo Amazônia, que é o maior fundo de REDD+ do mundo; o nosso fundo de estruturação de projetos; o fundo socioambiental e o cultural; e o Funtec, para inovação. Todos esses instrumentos têm um potencial de apoiar projetos que gerem créditos de carbono.
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Aqui é um pouco como o BNDES está organizado hoje. E aí a gente fez um organograma cujo fio condutor da nossa estrutura é o clima e a biodiversidade. Então, a gente tem uma área de meio ambiente hoje no banco - voltamos a ter - que cuida de toda a parte de biodiversidade, não só a biodiversidade das florestas, mas também a biodiversidade marinha e de todos os biomas nacionais, com foco em controle de desmatamento e restauração florestal, bioeconomia e soluções baseadas na natureza. A gente tem uma área de transição energética. O BNDES é o maior financiador de energias renováveis do mundo, e a gente só financia dentro do Brasil. Então, isso é muito relevante. O BNDES faz parte da história da transição energética brasileira. E, dentro da área de transição energética, foi criado o Departamento de Clima, do qual faço parte, para também acelerar essa agenda climática de maneira transversal no banco. O foco desse departamento é em reindustrialização verde e na competitividade da indústria brasileira, com foco na descarbonização, e em infraestrutura sustentável e resiliente ao clima.
Por fim, há a questão da agricultura, de que a gente não pode deixar de falar. O BNDES apoia a agricultura principalmente via operações indiretas, ou seja, em segundo piso, mas o foco do banco, a estratégia do banco é sempre apoiar a agricultura sustentável de baixo carbono e também, com os nossos recursos não reembolsáveis, apoiar a agricultura familiar, com foco em agroecologia e bioinsumos.
E aqui, transversalmente, há a questão da inovação e do adensamento de cadeias produtivas, ou seja, descarbonização como uma estratégia de adensamento de cadeias e inovação tecnológica, sempre com um olhar da transição justa: qualidade de vida, novos empregos que são os empregos verdes, desenvolvimento local e saúde.
Aqui, o Departamento de Clima sustenta, com ferramentas, novos produtos e metodologias, essa estratégia do banco.
Aqui, voltamos mais para o mercado de carbono. Então, aqui, vou tentar pincelar algumas falas que já foram ditas. O mercado de carbono foi criado para acabar. Eu gostei muito desta visão de que, se a gente performar bem, esse mercado tem que acabar. Aqui há alguns dados: a gente tem 60% do território ainda coberto por vegetação nativa; a gente tem uma agropecuária pujante que representa 21,5% do PIB nacional. O Brasil tem 12% das florestas do planeta e o maior estoque de biomassa do globo. Isso são dados do CEBDS. Isso aqui leva ao quê? É muito importante aqui a presença da Ministra, do Ministério de Relações Exteriores, porque, quando a gente vai lá para fora, a gente vê que o mercado de carbono lá, principalmente no Hemisfério Norte, tem se voltado para tecnologias que ainda não estão maduras, tecnologias como CCUS, captura de carbono e estoque de carbono, o próprio hidrogênio verde, em que o Brasil tem um grande potencial, mas são tecnologias que vão estar maduras, se tudo der certo, na segunda metade do século.
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E o Brasil, hoje, já tem as tecnologias urgentes, e a gente precisa atuar agora para a redução de emissões, que são os nossos biomas. Então, não só os nossos biomas, mas como a gente soube transformar a nossa biomassa em energia. Então, a gente tem bioenergia, a gente tem terra para fazer isso e a gente tem as florestas para fazer isso. A gente tem uma agricultura que produz resíduos. Esses resíduos podem ser transformados em energia; a gente pode transformar os resíduos agrícolas em biometano.
Então, a gente tem tecnologia que já existem, que já estão maduras e que são a solução do agora. O mercado de carbono pode viabilizar essas soluções, e é uma janela de oportunidades, porque, quando chegar em 2050, essas outras tecnologias vão estar maduras, e o tempo passou. Então, a gente precisa aproveitar essa janela de oportunidade.
Na questão do REDD+, como foi falado aqui pelo Prof. Shigueo, a gente tem um potencial de captar muito mais recursos via o mecanismo de REDD+. Com a última redução de desmatamento que a gente teve, a gente conseguiu captar 2 bilhões com o Fundo Amazônia e outros fundos menores, mas a gente tinha um potencial de 20 bilhões. Então, vamos usar esse potencial.
O mercado de carbono pode ser um instrumento, mas existem simplesmente fundos, fundos de doação de REDD+, como o Fundo Amazônia. A gente já tem o Fundo Amazônia, ele já existe, é o maior do mundo e já está recebendo novas doações. Então, a gente tem que escalar isso. O BNDES é o gestor do fundo, e a gente pretende escalar esses recursos.
A gente tem a nossa meta da NDC, que é restaurar 12 milhões de hectares de florestas, implementar 5 milhões de ILPF até 2030, e a gente tinha a meta, até 2020, de recuperar mais de 5 milhões de hectares de pastagens degradadas. O mercado de carbono pode viabilizar essa meta.
Eu acho que, mais uma vez, é o mercado de carbono como viabilizador do desenvolvimento, e não como um instrumento em si. A gente não pode simplesmente desenvolver o projeto, vender o crédito, e acabou - e embolsar o dinheiro. Não, a gente tem que aproveitar esses recursos dos créditos de carbono para viabilizar outras atividades econômicas perenes, essas, sim, que vão ser perenes e que vão garantir o nosso desenvolvimento.
Então, quando a gente fala em projetos de mercado de carbono, de crédito de carbono de REDD+, como o Prof. Shigueo falou: "Pô, mas é um incentivo perverso: quanto mais desmatamento eu tiver, mais créditos de carbono eu vou gerar". Sim, é um incentivo perverso, mas é também uma janela de oportunidade para vender esses créditos de carbono e aplicá-los numa atividade perene de alto valor agregado, que é o que a gente consegue, a gente tem potencial de fazer. Então, é o mercado de carbono viabilizando, é a bioeconomia brasileira... Então, a gente tem o potencial gigantesco em setores como medicina natural, que é um mercado que cresce vertiginosamente no mundo, de alto valor agregado, o mercado de cosméticos nem se fala, a Natura já está lá tentando fomentar esse projeto. Mas por que só uma empresa está lá? Por que não outras empresas nacionais de cosméticos não poderiam estar aproveitando esse nosso potencial de maneira sustentável? E a indústria de alimentos. É inviável a gente continuar produzindo, coletando açaí na Amazônia e processando o açaí no Sudeste. Isso não pode acontecer mais. A gente tem que processar lá e vender de lá. E, para que isso aconteça, a gente precisa de infraestrutura. Então, a gente precisa fomentar, a gente precisa construir e viabilizar a infraestrutura na Amazônia, uma infraestrutura de escoamento desses produtos da bioeconomia, de maneira barata, para que eles sejam competitivos tanto para o mercado interno quanto para o mercado externo, e, para isso, a gente também precisa adensar essas cadeias em nível territorial, em nível local. Então, para isso a gente precisa de uma descentralização da indústria. Então, criar polos industriais no Norte do país, no Nordeste, enfim, cada um com o seu potencial, só que, para isso, a gente precisa de uma malha logística que viabilize esse escoamento dessa produção desses polos descentralizados.
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Então, a gente tem que ter essa visão de longo prazo e a gente tem que usar essa oportunidade do mercado de carbono como um meio para se alcançar esse olhar e essa estratégia de desenvolvimento do país, e não como um fim em si mesmo, porque o mercado de carbono, como já foi dito aqui, é só mais um instrumento que a gente tem para fazer tudo isso acontecer.
O financiamento climático, como a Ministra de Relações Exteriores falou aqui, é fundamental, e esse nosso potencial, tudo aqui que foi dito, a gente tem que apresentar ao mundo, com bons projetos. Esse potencial de captação de recursos climáticos líquidos... Existe uma liquidez de recursos lá fora e até aqui dentro para viabilizar esses investimentos vultosos de que a gente precisa, principalmente em infraestrutura, para que todo o resto aconteça. A gente vive falando do potencial brasileiro, não há Acordo de Paris sem o Brasil - eu acho que esse deve ser nosso mantra -, e a gente tem que fazer o dever de casa.
Eu acho que a regulação do mercado de carbono é um dos passos em que a gente precisa avançar. Ela vai viabilizar muito o potencial do Brasil, mas a gente precisa fazer muito mais.
Então, isso aqui é apenas o mercado de carbono - apenas não, é muita coisa -, um instrumento que a gente precisa fazer, e precisa fazer bem-feito, considerando tudo que foi dito aqui nesta audiência, todos os estudos técnicos, a competitividade da indústria brasileira, que não pode ser deixada de lado, e todo o potencial da bioeconomia brasileira também e da agropecuária brasileira, que precisa também ser envolvida na discussão porque, como a gente sabe, mudança do uso da terra e agropecuária são mais de 70% das nossas emissões
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Então, é um setor que a gente precisa também olhar e ver como o mercado de carbono pode viabilizar soluções de agricultura de baixo carbono, ILPFs, inclusive com as metas que colocamos na nossa NDC.
Eu não quero me alongar muito para não ser repetitiva, acho que a discussão foi bastante densa, então, é um pouco a mensagem aqui do BNDES, que pode ser um braço, o braço financeiro dessa estratégia, e uma bússola para levar os investimentos do país na direção da economia verde, da economia para a transição climática, e pode ser também um hub de captação de recursos de financiamento climático e também pode ajudar no financiamento dos projetos para esse mercado de carbono, não só via descarbonização da indústria, mas também fomentando a cadeia do reflorestamento brasileiro.
Era isso que eu tinha a dizer.
Agradeço novamente o convite e me coloco à disposição para o que for preciso e outros esclarecimentos.
Obrigada. Bom dia.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Bom dia, Marta.
Marta de Freitas, Gerente do Departamento de Clima do BNDES. Obrigada pela sua exposição.
Bom, antes de passarmos para os dois últimos expositores e já pedindo desculpas pelo avançado da hora a todos que nos acompanham nessa audiência, no dia 22 de maio, o Senador Wellington Fagundes representou esta Comissão de Meio Ambiente no 2º Congresso Ambiental dos Tribunais de Contas, com o tema "Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável". O Senador tem um vídeo sobre o evento que gostaria de compartilhar com todos nós, mas, antes, eu passo a palavra para suas considerações.
Seja bem-vindo, Senador Wellington. (Pausa.)
Senador, o áudio.
O SR. WELLINGTON FAGUNDES (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - MT. Para interpelar. Por videoconferência.) - Bom dia, Presidente Leila, bom dia a todos os debatedores.
Sra. Presidente, em relação ao vídeo, eu acho que, se for o caso, a gente poderia deixar para o final da reunião, até para não tomar muito tempo aí dos debatedores, mas aí fica sob a sua definição.
O vídeo que nós temos aí para passar é um vídeo sobre o Pantanal, fruto da nossa última reunião, em que V. Exa. me designou para nos representar num grande encontro dos Tribunais de Contas do Brasil, para discutir o tema "Meio Ambiente e Pantanal" especificamente. Conforme V. Exa. acompanhou, em Mato Grosso também nós tivemos um problema sério na questão do Pantanal com as queimadas, e isso nos trouxe uma preocupação muito grande, tanto é que, à época, formamos aqui uma comissão externa que acompanhou tudo isso no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e depois também fizemos aqui, fruto de toda essa experiência, a proposição do Estatuto do Pantanal, que está hoje na Comissão de Meio Ambiente, sob a relatoria do Senador Jayme Campos. Mas é bom dizer também que, por uma ação da Procuradoria-Geral da República, isso está no Supremo - inclusive, pelo voto do Ministro Marco Aurélio, já determinando que, enquanto tiver uma omissão do Poder Legislativo, o Pantanal Mato-Grossense fosse regido pelo mesmo código da Mata Atlântica.
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Todos sabemos que Mata Atlântica é algo praticamente intocável, que tem que ter a sua preservação. A Mata Atlântica já foi praticamente também toda dizimada, então nós temos que ter um cuidado com a Mata Atlântica, que é diferente da condição do Pantanal, porque o Pantanal tem vida, lá no Pantanal nós temos uma economia forte da agropecuária, temos os ribeirinhos, os quilombolas, os indígenas, os donos de hotéis, de pousadas, que fazem a movimentação. E é importante dizer, Senadora Leila, que 93% do território pantaneiro, tanto Mato Grosso como Mato Grosso do Sul, está na mão da iniciativa, portanto quem tem que cuidar e fazer toda a conservação do Pantanal e o desenvolvimento sustentável são praticamente os proprietários. Pouca ação nós temos do governo.
Bom, então fica a critério da Presidente essa questão do vídeo a ser passado no final.
E eu quero aqui, nesta audiência pública, Sra. Presidente, fazer três perguntas, que são genéricas inclusive.
Além de parabenizar todos os expositores, quero dizer que, com a assinatura em 2015 do Acordo de Paris, os países fixaram metas nacionais de limitação do aumento da temperatura global, a contribuição nacionalmente determinada (NDC). Estimativas indicam, portanto, que é necessário que todas, Sra. Presidente, as emissões de gases de efeito estufa sejam compensadas com remoções simultâneas, de forma que as emissões líquidas sejam nulas em 2050 e negativas a partir de então. E aí é importante dizer que, entre as alternativas para acelerar a transição climática, o mercado de carbono ganha cada vez mais a atenção.
O mercado voluntário de carbono avançou no Brasil, mas a regulamentação se faz necessária. Por isso o Projeto de Lei 412, de 2022, e os demais projetos que com ele tramitam em conjunto objetivaram regulamentar um sistema de comércio de crédito de emissões, que é o GEE.
E as perguntas são as seguintes.
No sistema de comércio de crédito de emissões vinculadas ao marco regulatório, os governos estabelecem obrigações para os agentes econômicos responsáveis por emissões de GEE, onerando as fontes emissoras pelas externalidades negativas causadas. Com isso, na prática, buscamos a regulamentação que estabelece um limite máximo de emissões de GEE, e os agentes que emitem abaixo desse limite podem negociar os seus direitos de emissão com os agentes que emitem acima desse limite, em um arranjo conhecido como cap and trade. A pergunta é: como garantir num marco regulatório limites para fontes de emissão não fixas?
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Além disso, a proposição consegue evitar, de fato, as emissões ou há risco de o agente adquirir um direito de poluir? Está bem claro? Quero repetir aqui: para aqueles que vão adquirir, se há algum risco, então, de adquirir esse direito e ainda estar contribuindo para a poluição?
A segunda pergunta é: no mercado de carbono, observa-se a geração de cobenefícios diretos para a comunidade local. Na relação que se propõe, benefícios para a comunidade como um atributo social de relevância serão contabilizados na formulação dos preços do crédito de carbono?
E a terceira pergunta é: estudos apontam a potencialidade do Brasil e as vantagens competitivas do país na geração de créditos a partir de soluções baseadas na natureza, que incluem atividade de conservação de florestas, reflorestamento e manejo sustentável dos solos e pastagens. Na opinião dos senhores debatedores e das senhoras, o PL nº 412, de 2022, tem o potencial de fomentar essa cadeia econômica de modo adequado? Nos projetos florestais, qual a área mínima da propriedade ou posse rural que poderia se beneficiar dessa potencialidade diante dos altos custos de monitoramento e implementação dos projetos? E complementando: como é que um pequeno sítio, uma pequena propriedade pode efetivamente participar da remuneração do crédito de carbono?
São essas as perguntas, Senadora Leila, a todos os debatedores, e agradeço muito, inclusive, a possibilidade de estarmos passando o vídeo, chamando a atenção dessa questão do Pantanal.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós que agradecemos sua participação, Senador Wellington Fagundes.
Senador, eu vou acatar sua sugestão para apresentarmos o vídeo ao final desta audiência pública. Sobre as respostas, eu gostaria de pedir ao senhor, pois faltam mais dois expositores aqui, se podem depois responder. Os senhores anotaram aqui e no final da fala dos últimos dois expositores, eles responderão às suas indagações, suas perguntas, o.k.?
O SR. WELLINGTON FAGUNDES (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - MT. Por videoconferência.) - O.k., muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Eu que agradeço.
Vou passar a palavra agora para o Sr. André Pirajá, Presidente da Associação Nacional de Produtores Rurais pela Liberdade.
Seja bem-vindo, Sr. André.
O SR. ANDRÉ BEDIN PIRAJÁ (Para expor. Por videoconferência.) - Olá, bom dia a todos. Primeiramente, gostaria de agradecer a participação nesta audiência.
Estão todos me ouvindo? Tudo certo?
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - O.k.
O SR. ANDRÉ BEDIN PIRAJÁ (Por videoconferência.) - Agradeço também e cumprimento a todos na pessoa da Senadora Leila. Agradeço também ao Senador Zequinha pelo convite e pela indicação para participar desta audiência pública.
Eu não quero me alongar demais, até por conta do horário, mas, de certa maneira, eu vou dividir minha fala em dois pontos. O primeiro ponto seria basicamente as consequências da implementação desse mercado do ponto de vista da entidade que eu represento - nós estamos falando de produtores rurais - e qual seria esse contexto da criação do mercado regulado de carbono que ainda não foi discutido. Já que eu sou um dos últimos, talvez o último debatedor, posso trazer essa informação sob o aspecto do agro. E quando eu falo de agro e uso do solo, como algumas pessoas - até está escrito isto nos relatórios de emissões: o uso do solo e agropecuária -, de certa forma nós estamos falando de segurança alimentar. E este é um ponto relevante: nós não estamos falando só de uma atividade empresarial, nós estamos falando de comida. E, quando nós falamos de comida, eu estou falando do arroz, por exemplo, que é uma produção agrícola no Brasil, na qual nós não temos excedente de exportação. Basicamente tudo que nós produzimos nós consumimos. O feijão, a mesma coisa.
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Da carne bovina sequer nós exportamos 40%. A última exportação, salvo engano, pelo relatório, estava em torno de 23% a 25% de excedente para exportação.
Agora, pegando um pouco da fala do Shigueo e trazendo para minha fala, se nós vamos implementar um mercado que de certa forma deve levar em consideração limites setoriais - e aí nós estamos falando da Lei 12.187, de 2009, que criou a política do clima, lá no seu art. 11, desculpe o tecnicismo, parágrafo único -, quais são as atividades que terão que sofrer, de certa forma, adaptação, mitigação, transformação para a política de baixo carbono? O agronegócio está inserido.
Então, não há como se discutir política de carbono, mercado regulado, entre outras coisas, se o agronegócio não estiver presente. Aqui utilizo a fala da colega Tatiana, salvo engano, que disse muito bem da necessidade de se ampliarem as vozes - e sinto que eu estou sozinho: em todas as audiências públicas anteriores, acredito que nenhuma vez uma entidade do agro de certa forma compareceu. Posso estar enganado, mas já deixo aqui a minha ressalva e as minhas desculpas se eu estiver enganado...
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Está enganado, está enganado.
O SR. ANDRÉ BEDIN PIRAJÁ (Por videoconferência.) - Estou enganado, Senadora? Então, já deixei minha desculpa.
Então, assim, o que nós temos que levar em consideração? Bom, primeiro ponto e que ainda não foi dito, mas que os nossos debatedores trouxeram com muito afinco: uma violação da política climática é crime? Será crime? Será instituído um crime pela violação das emissões de gases de efeito estufa? Isso não está de certa forma no projeto, ainda que existam sanções administrativas, civis.
Mas o Conselho Nacional do Ministério Público, por exemplo, já trouxe que pastagem degradada é uma violação da política climática e uma violação do ponto de vista ambiental. Pastagem degradada. O colega da Embrapa não me vai deixar mentir que, em relação à pastagem degradada hoje no Brasil, de certa forma, nós temos aí 60% das pastagens do país com grau médio ou severo de degradação, segundo o próprio estudo da Embrapa, que foi inclusive apresentado no Global Forum Agribusiness em São Paulo recentemente.
Então, se nós estamos tratando pastagem degradada como uma limitação setorial de emissões de gases de efeito estufa, a existência dessas pastagens possibilitaria que o produtor fosse de certa forma sancionado, sofresse uma ação do Ministério Público?
E agora o ponto mais importante: essa pastagem degradada seria uma afronta à função social da propriedade, tendo em vista toda a política climática que será inserida no país com limitações de emissões? Se nós falarmos de violação da função social da propriedade, nós estamos falando de desapropriação. Esse é um ponto que eu quero trazer para o debate.
Segundo ponto: a consequência jurídica - eu não consegui enxergar no próprio mercado, não só eu, as pessoas, os produtores rurais com quem nós conversamos.
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Os mercados são pautados por limites de emissões, e o Brasil tem um relatório de emissões. O.k. Mas o agronegócio brasileiro já, de certa forma, realiza uma função de sequestro desses gases do efeito estufa - as limitações, as NDCs, enfim, os limites emitidos.
Nós temos um colega que participou de uma audiência pública no Rio Grande do Sul, que é um pesquisador, agrônomo e pesquisador, assim como a maioria do pessoal da Embrapa, que normalmente é agrônomo, pesquisador, zootecnista, e ele trouxe um dado: que somente o sequestro de carbono do agronegócio brasileiro isentaria, ou seja, de certa forma anularia, as emissões inteiras do Brasil - somente pelo sequestro de carbono das atividades! Ou seja, ou seja, nós temos uma questão que talvez deva ser levada em consideração do ponto de vista de pesquisa - de pesquisa.
Aproveitando essa linha, quando nós falamos de reflexo jurídico, nós aí estaríamos criando um mercado artificial no Brasil. Por que é artificial? Porque é um método cap and trade, como todo mundo já citou - e não vou entrar no mérito -, em que você estabelece limites artificiais para cumprir metas predeterminadas, em que pessoas irão transigir quando passar do limite. Isso é o mercado artificial, porque ele não tem lastro. "Ah, mas o carbono é o lastro!". Não, o carbono é um ar volátil, etéreo, não tem lastro, não é identificável, então é um mercado artificial. Quando nós criamos um mercado artificial, qual é a consequência prática do ponto de vista social? E aí eu utilizo o Pedro, por exemplo, que trouxe questões dos menos favorecidos, enfim: custo.
Olha, se nós temos limites, e vai começar pela energia e indústria, que são a base da sociedade, ainda que a gente tenha que, do ponto de vista renovável, a nossa energia é 80% renovável - e concordo com a colega do BNDES, concordo -, para o agronegócio/segurança alimentar, tudo o que acontece na indústria e na energia sofre com custos, que consequentemente serão repassados. Esses custos a gente chama de "antes da porteira", que são todos aqueles produtos que serão produzidos para um produtor rural adquirir e exercer a sua atividade, ou seja, nós estamos tratando de custos operacionais. A criação do mercado regulado de carbono incrementará os custos, como bem disse o Shigueo: você cria um mercado de carbono ou, entre outras, as limitações de emissões de gás do efeito estufa, para que se observe de forma impositiva, da mesma forma como é feito o tributo. Concorda? Mas, do mesmo jeito que é criado e implementado, você aumenta o custo de produção. Aumentando o custo de produção, você onera os produtores rurais.
Nós não podemos esquecer que possivelmente... E eu acredito que, já que nós somos, de certa forma, um dos maiores, entre aspas, "emissores de gases do efeito estufa do país", juntamente com a conversão de uso do solo, não há mercado regulado de carbono se nós não limitarmos as operações dentro das fazendas. Então, o agro vai ter que estar incluído. Se o agro estiver incluído, além dos custos de aquisição de produtos, nós temos um incremento no custo produtivo. Qual é o incremento no custo produtivo? Como bem disse a colega do BNDES: "Ah, nós temos que intensificar a produção", que foi o chavão utilizado pela Embrapa, entre outros, no Fórum Agrobusiness, em que trouxeram estudos. Concordo com os estudos - é muito bom intensificar a produção - para combate climático, combate, enfim, de possibilidade mercadológica. Agora, uma coisa é você fazer isso de forma voluntária; outra coisa é você fazer isso de forma obrigatória.
Quantos são os produtores rurais - e são mais de 5 milhões de produtores rurais no Brasil responsáveis pelo abastecimento alimentar do país - que têm condição de incrementar a sua atividade, de aumentar a tecnologia, para que se cumpra, sejam medidas climáticas, sejam medidas mercadológicas, uma limitação de emissões?
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Você pega o Seu João, a D. Maria, o pequeno produtor e o médio produtor, como bem disse o Senador Fagundes - ele tem uma realidade, ele vive no Mato Grosso, ele sabe como isso funciona -, quantos deles têm a condição de fazer uma integração lavoura-pecuária-floresta? O que é isso? Na mesma área você ter esses três tipos de cultura tecnificados. Quantos deles têm? "Ah, não, mas isso é com o tempo, é para décadas, é século!". Tudo bem, mas você acha que ele está disposto a assumir um risco, inclusive financeiro, por meio de financiamentos, dar a sua área em garantia, para implementar um tipo de produção que ele já não realiza?
É por isso que o mercado regulado de carbono, quando vem a Lei 12.187, ela disse, é uma transformação, é uma mudança, ou seja, é uma imposição cultural. Aí eu rememoro o estudo do meu colega da audiência pública: será que nós precisaríamos? Bom, se é uma exigência internacional - e nós já tratamos dos primeiros aspectos que eu queria tratar com vocês, principalmente da relação custo -, qual é o custo social? Nós temos, de certa forma, uma criação de oligopólios? Por que criação de oligopólios, Senadora? Porque, de certa forma, o aumento do custo faz com que você demande uma maior área produtiva, você demande indústrias maiores para diluição desses custos. Pequenos comerciantes, pequenos produtores, médios, enfim, industriais terão capacidade de implementar todas essas medidas mitigadoras para fins de não terem mais custos como aquisição de créditos para poluir? Porque não deixa de ser um crédito para poluir, como bem disse uma das perguntas do Senador. Até a venda, a suposta venda de créditos internacionais, é um direito de poluir, porque você tem uma atividade que, de certa forma, não é sustentável e você está adquirindo créditos de outros países. É por isso que até hoje possivelmente uma regulamentação da ONU não passou, porque basicamente você está separando países desenvolvidos de superdesenvolvidos, onde num você produz inatividade e no outro você produz atividade por meio da compra de carbono.
Encaminhando para o final, para não me alongar demais na fala, nós temos que sopesar as duas coisas, e isso foi muito bem dito aqui na audiência pública. Nós temos uma urgência climática e nós temos uma urgência mercadológica. Por que mercadológica? Porque são diversos os estudos, o WayCarbon, entre outros, que trazem a questão do incremento no PIB, 14%, geração de emprego verde. Enfim, é até de certa forma curioso porque, se nós vamos salvar o mundo do clima, talvez os financiamentos deveriam ser a juro zero. Eu já tenho uma ressalva com relação a isso. Se é para salvar o mundo, não pode ter juros e talvez nem precisaria de garantia, poderia ser doação, como bem disse a colega, para a gente mudar, transformar a nossa produção. Agora, do ponto de vista climático, a urgência climática, COP 30 se aproximando, bem disse o Pedro, passar a carroça na frente dos bois, salvo engano até a Carta de Belém traz essas questões envolvendo a aprovação da medida provisória. Aprovou-se algo que sequer estava aprovado no mercado regulado. E aqui quero fazer outra ressalva, Senadora. Existe uma discussão de um projeto de carbon capture and storage - salvo engano, está no Senado, acredito eu; teve audiência pública; já está sendo discutido - de que precisa da existência do mercado regulado de carbono. Agora, nós não temos uma noção dos efeitos sociais, como bem disse a colega Tatiana, do impacto que isso pode causar seja nos povos originários, seja nas questões dos produtores rurais, na influência que isso vai ter nos pequenos e médios do país - talvez até o Cade precisaria se pronunciar do ponto de vista da formação de oligopólios a depender do custo, a depender do custo dos incentivos criados, das externalidades negativas criadas pelo mercado regulado de carbono.
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E aí nós temos a pauta climática, que acelera os países como Irlanda, Espanha, Holanda, na Europa, entre outros, que estão tendo que abater animais, estão tendo que reduzir a sua produção agrícola - logo, reduzir a sua segurança alimentar -, para cumprir uma meta climática. Nós temos a China - saiu uma reportagem, salvo engano, ontem, no Le Monde -, que vai incentivar o desmatamento no seu país para a garantia da sua segurança alimentar, ou seja, nós temos completamente o oposto. E aí nós temos o Brasil, o grande celeiro do mundo, um dos maiores produtores de alimento do mundo, que alimenta mais de 500 milhões de pessoas no mundo, além de garantir a sua própria segurança alimentar, flertando com medidas que possivelmente reduzirão a sua segurança alimentar.
Então, eu acho que nós temos que ir com cautela, quando a gente entra nesse ponto. Aí eu já não estou nem falando mais de produtor rural, estou falando de comida, é diferente. Qual é o custo? A Europa está sofrendo com o custo alimentar por conta da redução. A FAO, agência da ONU, já disse que, até 2050, nós precisaremos aumentar a nossa produção de alimento em 60%. Quem vai aumentar essa produção de alimento em 60% quando todas as outras medidas estão incentivando a redução da produção de alimentos? "Ah não, mas é tecnologia. A gente aumenta a produção agrícola na mesma área". Eu até concordo, mas será que a gente não poderia estar investindo recursos financeiros da Embrapa para pesquisas com aumento de produtividade em plantas, enfim, quando há um aumento de CO2 atmosférico?
Questões climáticas de urgência, acredito eu, Senadora, que a gente tem que levar com muita ponderação, porque, ao pensar em 50 anos para frente, talvez, no meio do caminho, não tenha tempo de corrigir retrocessos, como foi dito aqui, por meio de regulações.
E, quando nós falamos de Paris e das questões mercadológicas, não deixemos que as questões financeiras sejam o principal fator de decisão do nosso país, porque, para produzir alimento, demora: o Senador que é do Mato Grosso sabe que a carne não vai ficar pronta amanhã, muito menos o arroz. Então, saibamos disso e tenhamos, de certa forma, paciência para que tudo no mundo esteja arranjado para que nós, que somos a segurança alimentar, de certa forma, do país e possivelmente no futuro do mundo, não adotemos conduta que possa prejudicar não só os produtores rurais, mas nós mesmos na hora de chegar na gôndola do supermercado.
Muito obrigado, Senadora.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Por nada, Sr. André Pirajá, Presidente da Associação Nacional dos Produtores Rurais pela Liberdade. Grata pela sua exposição.
Vou passar a palavra agora para o Sr. Júlio Barbosa, Presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).
O SR. JÚLIO BARBOSA (Por videoconferência.) - Bom dia, Senadora. Estão me ouvindo bem?
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Bom dia. Sim, sim.
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O SR. JÚLIO BARBOSA (Para expor. Por videoconferência.) - Eu só queria pedir desculpa primeiro, porque eu estou falando aqui da minha casa. Eu sou do Acre. Sou morador da cidade de Xapuri, terra de Chico Mendes, e a minha casa aqui é perto de uma travessia de uma balsa que tem um motor que grita que só... E às vezes até eu fico meio atrapalhado aqui com o problema desse motor.
Mas, enfim, quero agradecer o convite que foi formulado ao Conselho Nacional das Populações Extrativistas para participar desse debate, porque é um debate que tem tudo a ver, também, com a nossa pauta, tem a ver com o interesse da nossa população, a população que aqui eu estou representando.
Eu queria dizer que o Conselho Nacional das Populações Extrativistas é uma instituição criada há 38 anos por um grupo de seringueiros da Amazônia, liderada por uma figura extraordinária que, 40 anos atrás, já previa que a forma, o modelo e o comportamento nossos poderiam levar o Brasil, a Amazônia e o mundo a um colapso insustentável do ponto de vista climático, o companheiro Chico Mendes, do qual tive a honra de ser companheiro nessa luta em defesa da nossa Amazônia e dos nossos povos.
Bom, tratando da pauta dessa discussão sobre mercado de carbono, nós do conselho nacional de seringueiros, hoje, 38 anos depois da nossa existência, temos 66 reservas extrativistas criadas na Amazônia, atingindo uma área de pouco mais de 20 milhões de hectares de terra, floresta e água, com um número de acima de 50 mil famílias sendo beneficiadas diretamente por essa iniciativa. Essa população vive exclusivamente das atividades desenvolvidas, do produto da sociobiodiversidade.
Nos últimos tempos, nós estamos envolvidos demais, muito, há mais de 20 anos, nós estamos discutindo a questão de como implementar uma política de pagamento por serviço ambiental para as populações da Amazônia, principalmente àquelas a quem chamamos agora de guardiões e protetores da floresta.
Agora, nos últimos anos, nós temos nos empenhado muito nessa discussão sobre a política de créditos de carbono, tanto no que diz respeito ao mercado regulado, como também ao mercado voluntário. E uma preocupação muito grande que nós temos é que o mercado voluntário, hoje, é um mercado que está... Quando se fala voluntário, já é meio complicado, porque ele extrapola, muitas vezes, o limite da possibilidade de alguma empresa ou alguma organização implementar um projeto de créditos de carbono dentro de uma região, principalmente na Amazônia.
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E, com isso, os nossos territórios têm vivido momentos muito difíceis, porque, nessa tese do mercado voluntário, muitos ditos proprietários de grandes extensões de área da Amazônia têm feito estudos para a elaboração de projetos de carbono em que pegam áreas ocupadas por populações tradicionais e essa população nem sequer é consultada sobre essas iniciativas. Só depois que começa a circular na mídia que uma determinada empresa está comercializando crédito de carbono, no mercado internacional, oriundo de uma determinada região é que aquela comunidade percebe que a área onde vive e explora seu produto, para a sua renda do dia a dia, está incluída naquele pacote do projeto de crédito de carbono.
Isso tem sido muito difícil para o CNS, tem sido muito difícil para as nossas comunidades organizadas. Então, a partir dos últimos dois anos, nós começamos a fazer uma discussão com as nossas organizações comunitárias e começamos, também, a procurar conhecer algumas experiências desse chamado mercado voluntário para conhecer como é que tem sido, como está sendo executado, como é que ele foi elaborado. A gente tem percebido que há várias formas de as empresas trabalharem essa questão do mercado voluntário em determinadas comunidades, em determinados territórios.
Uma das ausências que nos preocupa muito é a ausência da consulta pública livre e informada. E, por isso, nós do CNS realizamos já algumas oficinas. Em janeiro deste ano, janeiro de 2023, nós realizamos uma primeira oficina envolvendo representantes de associações concessionárias de reservas extrativistas para a gente começar a discutir e procurar entender o que significa não só essa história do crédito de carbono, mas entender também qual é a diferença entre o mercado regulado e o mercado voluntário. A partir dessa nossa oficina, realizada em Brasília, em janeiro deste ano, nós tiramos uma resolução em que temos como um ponto muito importante que qualquer projeto de elaboração de crédito de carbono em território de uso coletivo - que são as nossas reservas extrativistas, os nossos projetos de assentamento extrativistas, as nossas reservas de desenvolvimento sustentável - não pode ser elaborado se não houver uma consulta muito ampliada com toda a comunidade beneficiária daquele território. Então, nós estamos muito envolvidos no processo de que uma política de elaboração de projeto para crédito de carbono precisa ter uma efetiva participação das nossas comunidades.
Por isso, essa discussão sobre a definição ou a regulamentação do mercado de carbono no Brasil, para nós, tem uma importância muito grande, porque nós moramos - e eu sou beneficiário de uma reserva extrativista aqui no Acre - em territórios que pertencem à União. Nós apenas temos o usufruto e sabemos que os nossos territórios, para podermos nos inserir no mercado de carbono, precisam de uma regulamentação, sem dúvida alguma. Eu acho que essa discussão está sendo desenvolvida em um momento muito importante.
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O que não pode - aí eu concordo com o Pedro Martins quando ele assim coloca - é a COP 30 ser o fator para a regulamentação de uma atividade dessa natureza, tampouco a Cúpula da Amazônia, que vai acontecer com chefes de Estado, agora em agosto, em Belém, pode ser um fator para essas questões, porque eu acho que esse é um processo que tem que ter um amadurecimento muito grande, com a participação efetiva das comunidades locais.
Como ouvi o meu antecessor falando sobre a questão dos produtores rurais, nós também temos a nossa preocupação, relacionada às nossas comunidades, às nossas populações tradicionais, aos povos indígenas, aos territórios de quilombolas. Para uma iniciativa dessa natureza, para a regulamentação de uma política dessa, é preciso que haja um processo muito forte de escuta dessa população, para que a gente possa ter o melhor desenho possível para a regulamentação de um mercado que possa trazer benefício para a nossa população.
Então, são essas as minhas palavras, a mensagem que eu trago do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, em nome de todas as populações extrativistas da Amazônia, do nosso bioma Amazônia, mas o que eu estou falando aqui representa também o pensamento de todos aqueles que ocupam todos os biomas do Brasil.
Muito obrigado, Senadora.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Nós que agradecemos, Sr. Júlio Barbosa, Presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).
Bom, nós estamos chegando à parte final da nossa audiência pública. Existem algumas sugestões de perguntas da nossa assessoria, a consultoria da CMA, e eu vou me ater à primeira e à segunda, porque eu acho que já está avançado o horário aqui. Vou citar as perguntas dos nossos internautas, mas não precisam responder. Eu acho que todos vocês receberam, então, depois, vocês poderão, se possível, mandar essas informações.
Da nossa assessoria: há um tema recorrente, no debate em torno do mercado de carbono, que se refere ao valor da floresta em pé. Trata-se de premissa fundamental para o futuro da Amazônia que merece a nossa consideração. Segundo alguns debatedores que aqui estiveram, há uma grande controvérsia sobre o tema. Sobre o assunto, eu indago a todos, pedindo uma atenção especial até à própria Ministra, que está aqui, Liliam Chagas, do Ministério das Relações Exteriores.
Primeiramente, como está funcionando o REDD+? Como estão as discussões mundiais sobre a valorização da floresta em pé na geração dos créditos de carbono e como esse instrumento pode funcionar em paralelo com o REDD+?
Outro tema que suscita controvérsias é a natureza jurídica do crédito carbono no mercado. Qual é a visão das senhoras e senhores sobre essa questão?
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E a outra polêmica envolvendo o mercado de carbono: como envolver as populações tradicionais no processo? Já foi respondida aqui, mas acho que seria interessante mais uma vez reforçar essa resposta.
Quais os elementos fundamentais para garantir que tais populações usufruam dos benefícios gerados, sem prejuízo para elas próprias e o meio ambiente?
É isso.
Eu gostaria de... Vou dar aí... Claro que não teremos tempo para responder a todas, mas, na medida do possível, vou dar dois minutos.
Quem gostaria de começar? (Pausa.)
Fique à vontade.
A SRA. TATIANA OLIVEIRA (Para expor.) - Vou fazer só dois comentários breves, então, Senadora.
A primeira coisa é dizer que, para um bom funcionamento de um mecanismo de mercado do carbono, uma das coisas a que a gente precisa ficar muito atenta - e aí eu faço referência às perguntas sobre a floresta em pé - é que não pode haver compensação cruzada entre setores. O que eu quero dizer com isso? A floresta não pode compensar emissão de combustíveis fósseis. Se a floresta compensa emissão de gases de combustíveis fósseis, a única coisa que está acontecendo aqui é a emissão de uma licença para poluir e que, finalmente, não vai contribuir nem para a redução da emissão de gás de efeito estufa, nem para o cumprimento das metas assumidas internacionalmente pelo país. Então, esse é um comentário que eu queria fazer em relação à pergunta da floresta em pé.
O segundo comentário que eu quero fazer é sobre o envolvimento das comunidades. O pleno envolvimento das comunidades nesse debate, como eu já mencionei anteriormente, demanda um esforço do Estado brasileiro, do Congresso Nacional em uma escuta ativa, com a realização de audiências locais. Então, a gente precisa debater a possibilidade de realização de audiências locais, em todos os estados brasileiros, para que as comunidades possam efetivamente participar do processo de discussão da criação do mercado brasileiro de emissões.
Eu vou ficar por aqui.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada, Tatiana.
Gustavo, representante da Embrapa, pesquisador.
O SR. GUSTAVO BARBOSA MOZZER (Para expor.) - Obrigado, Senadora. Obrigado pela oportunidade. Eu acho que foi uma manhã extremamente produtiva, extremamente rica, com uma troca em relação à complexidade desse tema.
Em relação, então, às perguntas que foram apresentadas e, enfim, considerando o conjunto das falas que a gente escutou nesta manhã, eu acho que fica evidente, sim, a importância estratégica de uma discussão como esta, com foco na compreensão do papel do mercado de carbono, do papel das discussões do desenvolvimento, do desenho de uma política brasileira para o enfrentamento das questões da mudança do clima.
Na minha fala, eu expressei a importância de uma visão com foco em longo prazo, que tenha um componente que tangencia a competitividade, que consiga trazer esses múltiplos atores que foram colocados por colegas. Quer dizer, acho que, aqui, a gente teve uma oportunidade de escutar falas, enfim, de espectros muito diferentes, mas todos com a mesma preocupação. Ora, como nós vamos continuar sendo relevantes, sobrevivendo, sendo viáveis, sendo efetivos?
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Eu acho que essa é uma fala que a Ministra Liliam expressou muito bem na fala dela. Enfim, é o cerne do que foi negociado entre países no âmbito das Nações Unidas. É o componente que eu havia comentado inicialmente na minha fala, de lá quando a gente começa na convenção. É disso que se trata. Esse é um desenho que nós temos que desenvolver e entender domesticamente.
Eu vejo aí intrinsecamente a questão de como envolver as populações tradicionais. Ora, precisamos ter políticas que façam com que essas populações estejam no contexto de suas atividades sendo valorizadas...
(Soa a campainha.)
O SR. GUSTAVO BARBOSA MOZZER - ... e entregando as atividades ambientais, as questões econômicas associadas.
Para os grandes produtores, é da mesma forma. Precisamos ter políticas que os engajem, que façam com que eles estejam de maneira estratégica contribuindo no exercício da sua atividade, entregando os produtos com o tipo de qualidade, com o tipo de parâmetros necessários para esse processo de desenvolvimento brasileiro sustentável, adequado nessa transição econômica de baixo carbono.
Eu fico por aqui.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada, Gustavo.
Pedro Martins.
O SR. PEDRO MARTINS (Para expor.) - É mais interessante que a Ministra fale por último, para que a gente possa ouvi-la.
Já é bem interessante essa diferenciação entre REDD+ e a questão do mercado de emissões, até por conta de que tivemos um avanço na estratégia nacional de REDD por volta dos anos 2017 e 2018, que poderia ser retomado, ser reconfigurado e ser atualizado, porque estava garantindo a participação da sociedade civil na discussão. É muito interessante esse debate.
Só vou aproveitar aqui para comentar alguns pontos do que já foi também apresentado pelo Senador sobre a questão de aliar o valor da floresta em pé e a forma de contabilização dos preços de créditos de carbono. É bom que fique bem especificado que o marco legislativo de regulação do mercado de emissões vai criar e instituir o mercado, mas não garante um instrumento de total controle, porque é um mercado, que vai funcionar de acordo com regras mercadológicas.
Então, o que tem até se apresentado recentemente e se tem visto em realidades como no Estado do Pará é grupos que fizeram contratos com empresas intermediárias para acessarem o mercado voluntário e que, hoje, quando tentam discutir valores, preços e o que chega, de fato, de recursos, de retorno para a comunidade, não têm essa capacidade de discutir essas regras. Vejam que esta é a diferença: uma coisa é você ter o direito de acessar o mercado, outra coisa é o mercado mesmo ter possibilidade de controle. Isso é uma situação que tem gerado esse conflito. E é importante destacar isso.
Existem sujeitos intermediários. Então, a gente está falando da comunidade local, de um sujeito intermediário, que pode ser uma pequena empresa, uma startup, e aí da relação direta com o mercado, para colocar o quanto é difícil para que esse mercado seja visto como modelo de, por exemplo, aquisição de renda... Eu até colocaria uma questão: o mercado de carbono não tem se apresentado... Eu não vejo pelo menos estudos de que ele é um agente do desenvolvimento endógeno, do desenvolvimento local. Parece-me que ele segue outras funções, outros atributos, lembrando, mais uma vez, que qualquer tipo de mercado com esse objeto de carbono, de emissões, tem sido desenhado para 30 a 40 anos. Então, você está falando do valor da floresta em pé, mas uma floresta em pé que vai ter o seu uso regulado. Os modos de viver, de criar e de fazer dentro dessa floresta serão modificados. Tanto é que, numa recente nota que a Terra de Direitos fez...
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(Soa a campainha.)
O SR. PEDRO MARTINS - ... junto com a Malungu e a Confrem, a gente indica que todas as propostas de contratos de créditos de carbono sejam muito bem avaliadas, porque elas trazem modificações do uso da terra por uma longa data, e isso tem consequências severas na própria reprodução social das comunidades que estão na floresta.
Obrigado, Senadora.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada, Pedro.
Passo a palavra agora para a Ministra Liliam de Moura.
A SRA. LILIAM CHAGAS DE MOURA (Para expor.) - Obrigada.
Eu vou sempre procurar me manter no nível internacional da nossa esfera de atuação e de responsabilidade.
Nas negociações internacionais, o Brasil preferia o que existia no Protocolo de Kyoto, que era o chamado MDL (Mecanismos de Desenvolvimento Limpo), porque ele passava por uma etapa multilateral, uma etapa em que órgão multilateral, a ONU, tinha uma responsabilidade de avalizar os projetos que tramitavam, e isso dava maior segurança, sobretudo segurança de que o projeto realmente estava realizando um objetivo de reduzir emissões ou de conservacionismo. Esse mecanismo se perdeu, foi substituído pelo Acordo de Paris, pelo Artigo 6. Houve uma tentativa ali, no Artigo 6.4, de que o 6.4 fosse uma reprodução do Protocolo de Kyoto e que houvesse alguma forma de controle. Não controle, mas verificação de uma instância externa de que os projetos cumpriam com seus objetivos.
Mas, como o Acordo de Paris também instituiu o 6.2, que deixa os países mais livres, sem essa instância de monitoração, isso se perdeu um pouco. Então, fica um pouco autodeterminado se o projeto é íntegro, se o projeto cumpre o seu objetivo.
(Soa a campainha.)
A SRA. LILIAM CHAGAS DE MOURA - E isso é motivo de forte preocupação no sentido de que, nas negociações que continuam - porque esses Artigos 6.2 e 6.4 continuam a ser regulamentados -, a nossa atuação, então, seja para que o 6.2 seja um pouco mais amarrado, para que alguém, no caso um governo, tenha um papel na definição de que projetos podem ser passíveis de créditos de carbono.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada, Ministra.
Eu pergunto à Marta Bandeira, representante do BNDES, se gostaria de fazer o uso da palavra para responder.
A SRA. MARTA BANDEIRA (Para expor. Por videoconferência.) - É só para fazer um resumo.
Eu acho que é uma oportunidade. Vou repetir um pouco aqui o que eu já falei.
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Eu acho que tem várias nuances, tem vários detalhes que têm que ser acertados, mas, em termos gerais, é uma oportunidade para o Brasil o mercado de carbono, ainda mais com o mercado regulado, porque eu acho que, quando você bota um cap de emissão dos agentes econômicos, necessariamente você revela o custo de abatimento desses agentes e, aí, você ajuda a precificar a tonelada de carbono num nível mais alto. E, aí, quando o preço de carbono atinge um determinado valor, você viabiliza, por exemplo, os projetos de reflorestamento, que hoje, com o preço de carbono no mercado voluntário a US$5, US$10, são inviáveis.
Então, não é um ganha-ganha, como foi dito aqui. As indústrias que forem submetidas a um teto vão sofrer. A gente tem que tomar cuidado com o impacto inflacionário que isso pode causar. Mas, por outro lado, ele é um instrumento que pode viabilizar a transição climática e pode viabilizar toda essa oportunidade, inclusive, de desenvolvimento, aí falando das comunidades tradicionais, dos povos originários, porque hoje o mercado de carbono, como está, pode simplesmente ser um fim em si mesmo, e isso não se perenizar, mas, se for bem utilizado e servir como investimento para atividades perenes e viáveis economicamente, pode ser sim um vetor de desenvolvimento. Mas a gente tem que tomar muito cuidado com os detalhes, com essas nuances, com as negociações internacionais... O Artigo 6 pode ser um tiro no pé, se a gente não tiver fortalecido, nessas negociações para o Brasil... Como eu falei, o Hemisfério Norte já está se voltando para outras tecnologias e talvez não veja o reflorestamento, a biomassa brasileira como uma alternativa.
Então, não sei se eu consegui responder sobre a questão do preço. Eu acho que o mercado regulado ajuda muito nessa questão de precificar melhor, dar maior transparência à precificação do carbono, e, por outro lado, há a oportunidade de desenvolvimento das populações impactadas por esse mercado.
Acho que é isso.
A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Obrigada, Marta.
Eu vou citar aqui os nomes dos nossos internautas, apenas os nomes. Já entregamos as perguntas para os nossos expositores, que ficaram de responder prontamente, por causa do avançado da hora.
Eu quero agradecer a participação do Thiago Gehre, do Distrito Federal; do Carlos Lúcio, de Minas Gerais; do Lucas Clementino, de Goiás; do Kauê Augusto, do Paraná; do João Gabriel, de São Paulo; do Júlio Rosa, do Rio de Janeiro; do William Ampese, de Santa Catarina; da Mara Viegas, do Rio Grande do Sul; da Ruthe Rebello, de Minas Gerais; e da Cátia de Moraes, do Rio de Janeiro.
Antes de finalizarmos os nossos trabalhos, eu submeto à deliberação do Plenário a dispensa da leitura e a aprovação da ata da reunião anterior.
As Sras. e os Srs. Senadores que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
A ata está aprovada e será publicada no Diário do Senado Federal.
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Quero mais uma vez agradecer a participação dos nossos expositores. Cada vez que nós nos aprofundamos nessa temática, mais desafios batem de frente conosco aqui, para voltarmos para os nossos gabinetes, para os nossos trabalhos, para maiores reflexões. Então, quero agradecer demais a contribuição de todos vocês.
Mais uma vez, quero parabenizar o Senador Wellington Fagundes, que representou esta Comissão de Meio Ambiente no 2º Congresso Ambiental dos Tribunais de Contas, com o tema "Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável", e abro esse espaço para que o Senador possa exibir o vídeo, deixando bem à vontade os nossos expositores, pelo avançado da hora, para encerrarmos a nossa Comissão.
Por favor.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
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A SRA. PRESIDENTE (Leila Barros. Bloco Parlamentar Democracia/PDT - DF) - Excelente, excelente, Senador Wellington. (Palmas.)
Quero agradecer mais uma vez a sua participação e a de todos que nos acompanharam nesta jornada, uma audiência muito profícua, realmente muito especial. É um tema realmente em que nós temos que avançar e iremos com certeza.
Nada mais havendo a tratar, eu agradeço a presença de todos e declaro encerrada a presente sessão.
Muito obrigada.
(Iniciada às 9 horas e 19 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 38 minutos.)