Notas Taquigráficas
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| R | O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Fala da Presidência.) - Boa tarde a todos. Havendo número regimental, declaro aberta a 25ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Segurança Pública. A presente audiência pública tem como objetivo subsidiar a avaliação, por parte desta Comissão, no ano de 2023, da atuação da Justiça no âmbito do processo penal, no período de 2017 a 2022, nos termos do Requerimento 9, de 2023, e do plano de trabalho aprovados por esta Comissão. Estão presentes e podem tomar lugar à mesa a Sra. Lúcia Helena Barros de Oliveira, Coordenadora da Comissão de Política Criminal da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), que estará por videoconferência; Sr. Diego Roberto Barbiero, membro do Conselho Deliberativo da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp); Sr. Pedro Luís, Chefe da Assessoria Policial Militar de São Paulo e representante da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, por videoconferência, no sistema remoto; Sr. Márcio Alberto Gomes Silva, representante da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF); e Dr. Rodolfo Queiroz Laterza, Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), meu querido amigo do meu querido Estado do Espírito Santo, colega de profissão que muito me orgulha. |
| R | Informo também que foi convidado para esta audiência, mas, infelizmente, não pôde comparecer, o Sr. Rogério Greco, Secretário de Segurança Pública de Minas Gerais. Comunico que a presente audiência pública será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados pelo Portal e-Cidadania, na internet, no endereço senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211. O relatório completo, com todas as manifestações, estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores. Na exposição inicial, cada convidado poderá fazer uso da palavra por no máximo dez minutos. No fim das exposições, a palavra será concedida aos Parlamentares inscritos, para fazer as suas perguntas ou comentários. Neste momento, eu agradeço, mais uma vez, o comparecimento dos convidados e daqueles que estão no sistema remoto e, imediatamente, eu passo a palavra ao Sr. Diego Roberto Barbiero, membro do Conselho Deliberativo da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). O SR. DIEGO ROBERTO BARBIERO (Para expor.) - Exmo. Senador Fabiano Contarato, que preside esta sessão, a gente agradece a oportunidade de estar na presença de V. Exa. Estenda os cumprimentos ao Senador Sérgio Petecão, que preside a Comissão. Também cumprimento os outros presentes na nossa audiência, Dra. Lúcia Helena, Dr. Pedro Luís, Dr. Márcio Gomes e Dr. Rodolfo Laterza. Faço especial agradecimento ao Dr. Manoel Murrieta, Presidente da Conamp, e ao Dr. Alexandre Estefani, Presidente da Associação Catarinense do Ministério Público, que me possibilitaram estar aqui, Senador, para falar um pouquinho sobre o sistema de Justiça nos últimos cinco anos e o que, talvez, a gente espera para o futuro dele. Sou promotor de Justiça há 12 anos, em Santa Catarina. Fiquei quatro anos à frente do Gaeco de Chapecó e hoje coordeno o CyberGaeco, Divisão de Investigação Cibernética do Ministério Público de Santa Catarina, que, na verdade, é só coordenado pelo Ministério Público. É, sim, uma força-tarefa formada no nosso estado por Polícia Civil, Polícia Militar, Polícia Penal, Corpo de Bombeiros, todas as instituições trabalhando juntas em prol de resultados mais efetivos para segurança pública, para que a gente possa trazer um pouco mais de acalento às vítimas dos crimes. Quando a gente fala, Senador, em sistema de Justiça, eu acho que é invariável a gente pensar os resultados que conseguimos dar à população brasileira como órgãos integrantes do sistema de segurança pública e sistema de persecução penal. A gente vê, nos últimos anos, como as nossas Polícias Civil e Federal, encarregadas da investigação, deram um salto qualitativo em suas atuações. Isso resultou em investigações mais contundentes acerca de autoria e materialidade, levando também ao Poder Judiciário elementos mais seguros para apuração de decisões que vão, talvez, trazer um pouco de alento à população. |
| R | O que a gente vê, infelizmente, é um número muito elevado de crimes, e eu não vou falar sob ponto de vista de crimes em ação, mas sim de crimes com vítimas, pensarmos em quantas pessoas são vitimadas pelas ações criminosas no Brasil ano a ano. A gente fala aqui de 50 mil homicídios, em média, por ano; a gente fala de mais de 1 milhão de furtos ou roubos de celulares por ano; mais de 1 milhão de roubos praticados com violência e grave ameaça à pessoa; na última década, 500 mil mulheres estupradas. Como integrantes do sistema de Justiça, o membro do Ministério Público, o promotor de Justiça, é quem atua na defesa da sociedade num julgamento, mas é também, Senador, quem abre a porta para a vítima e a recebe em seu gabinete, dizendo: "Doutor, como é que aquela pessoa que há um ano assaltou meu mercadinho está na rua de novo? Eu vou ficar refém da ação dela?". Às vezes, a pessoa nem teve condenação ainda. Foi presa preventivamente, teve a liberdade restituída, o processo anda, e a intranquilidade e a insegurança permeiam a vida da população. Evoluímos muito, vejo, com o pacote anticrime e principalmente com o acordo de não persecução penal. São instrumentos que agilizam, que trazem celeridade a julgamentos que não envolvem violência e grave ameaça à pessoa, deixando ao Poder Judiciário a obrigação de julgar aqueles casos de maior relevância; mas, mesmo com esses mecanismos, Senador, o tempo médio de um processo judicial, de uma ação penal, em primeiro grau, é dois anos. Então, vamos pensar. Bom, temos o NPP, que, vejo, trouxe reflexos positivos, tanto que os números, os índices criminais dos últimos quatro anos reduziram em relação a quase todos os crimes. A NPP pode ser um dos motivos para isso, a melhora constante das forças de segurança... E parabenizo os doutores que aqui estão, principalmente o Dr. Márcio Gomes, que está na formação dos policiais federais. A gente pode ir além, pensar em ir além, porque, se temos uma audiência de custódia, Senador, não poderíamos pensar em tentar evoluir o NPP, para que, numa custódia que envolva, por exemplo, um furto sem violência, sem grave ameaça, possa ser aplicada imediatamente uma pena, ou privativa de liberdade ou restritiva de direito, no momento da audiência de custódia, sem necessitar retirar o policial militar que eventualmente fez o flagrante da sua atividade ostensiva, para, depois de um ano e meio, dois anos, prestar um depoimento sobre uma ação que ele nem sequer vai lembrar, de tão usual que é? Temos essa oportunidade na audiência de custódia. Por que não vamos pensar também, Senador e demais Senadores que nos acompanham e quem nos assiste, em olhar também o processo penal sob o ponto de vista da vítima? Aqui eu falo principalmente nos crimes cibernéticos. Hoje temos uma dificuldade em delimitar competência - e os delegados bem sabem - para conseguir a obtenção de cautelares e investigações de crimes cibernéticos, porque a nossa legislação processual é muito, ainda, apegada à ideia de fixação da competência pelo local do crime, mas o crime cibernético acontece em qualquer lugar. Ele acontece no laptop, no celular daquele indivíduo que pratica essa ação, e ele pode estar em qualquer lugar. A vítima não. A vítima reside em um local específico, e é ela quem sofre a ação imediata dessas violações dos seus direitos. É claro: a tarefa do legislador é da mais árdua. Equilibrar um sistema de persecução que garanta efetiva proteção aos direitos individuais daquele que é criminalmente processado, mas também restituir à vítima tanto a dignidade quanto aquele direito que lhe foi violado, a restituição do bem jurídico retirado. Às vezes isso é possível, como no caso de crimes patrimoniais, mas às vezes as marcas deixadas pela criminalidade vão muito além da aferição econômica, às vezes a vida se perde, às vezes a ferida mental é tão grande que se levam 20, 30 anos para se recuperar ou quiçá não se recupera. |
| R | Estamos avançando? Estamos, é indiscutível, mas temos que pensar, Senador, que a efetividade do sistema de persecução e a severidade vão ser responsáveis pela diminuição do número de crimes. Enquanto não diminuirmos o número de crimes, não haverá estrutura humana que terá capacidade de investigar, processar e julgar todas as violações que ocorrem em nosso país. Isso para falar só da parte de conhecimento, porque talvez outro gargalo do nosso sistema jurídico como um todo seja a efetividade da execução, mesmo a execução civil, e aqui falamos da execução penal. O processo de conhecimento é trabalhoso, a ação penal demanda produção probatória de qualidade, atuação intransigente, defesa da sociedade por meio do Ministério Público, investigações absolutamente perfeitas pelas polícias, só que às vezes a gente vê um trabalho muito grande na fase de conhecimento e, na execução da pena, as coisas acontecem mais rápido do que se poderia imaginar numa democracia. Indivíduos que são privados de liberdade acabam voltando ao convício social de forma prematura por uma deficiência que temos na estrutura dos sistemas de reclusão e, então, optamos, talvez, por um rodízio de vagas no sistema de execução, e essas curtas durações do cerceamento da liberdade, principalmente quando se trata de crimes graves, talvez não tragam àquele que pratica o crime a sensação de punição, de que o Estado atua também para restabelecer os direitos daqueles que foram vitimados pelo crime. E aí a sociedade começa a questionar o sistema de justiça como um todo e, via transversa, todos os poderes e instituições que legalmente foram postos no nosso país por meio da nossa Constituição e das nossas leis. Então, Senador, agradecendo a oportunidade de estar aqui conversando sobre um tema tão caro para a sociedade brasileira, penso que podemos, na atividade legislativa, que é o campo adequado e próprio para a discussão dos caminhos que devemos trilhar para alcançar aquele Brasil com que tanto sonhamos, tentar métodos que vão além do acordo de não persecução penal para trazer celeridade e talvez imediatidade de julgamento dos crimes que não envolvem violência e grave ameaça à pessoa, estabelecendo também critérios de fixação de competência criminal pensados sob a ótica da vítima. Senador, agradeço a oportunidade e devolvo a palavra à sua Presidência. |
| R | O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Muito obrigado, querido colega, que está aqui contribuindo com suas manifestações. Antes de passar a palavra ao próximo, eu só queria fazer também uma reflexão. Sempre que posso, eu tenho feito essa reflexão nas Comissões das quais eu faço parte. Nós sabemos também que o crime é um fenômeno social - e todos nós temos interesse na redução desse fenômeno -, mas também é bem verdade que o Estado criminaliza a cor da pele, é bem verdade que o Estado criminaliza a pobreza. Eu fui delegado de polícia por 27 anos, e o meu querido Rodolfo sabe disso. Se você traçar o perfil socioeconômico de quem está preso: pobres, pretos e semialfabetizados. Se você pegar qual é o crime que tem maior nocividade à população - e aqui eu não estou fazendo apologia ao crime, longe de mim -, quando pratica um furto aqui, que está lá violando a regra do art. 155, que é subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel, com pena de reclusão de um a quatro anos, e multa, você tem uma vítima determinada, mas, quando um político desvia verba da saúde, ele está matando milhões de pessoas; quando um político desvia verba da educação, ele está matando o sonho de milhões de jovens. Então, eu pergunto: qual é o percentual da população carcerária de condenados ou de presos provisórios por crimes como, corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, contrabando, descaminho, extorsão, concussão, crimes contra a lei tributária, crimes contra o sistema financeiro, crimes de negação fiscal? Agora, agir de forma contundente para criminalizar um segmento da população é sobre isso que nós temos que refletir, porque são populações que estão sendo vilipendiadas de seus direitos alimentares, e eu não posso conceber. Como que fica a democracia numa população que não tem segurança pública? Como que fica a democracia numa população pobre que não tem acesso à saúde? Que democracia é essa em que a população hipossuficiente não tem acesso à educação pública de qualidade, que não tem iluminação pública, que não tem saneamento básico? Hoje foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça um projeto de lei para alterar as penas, aumentar as penas de determinados crimes, inclusive de furto de fios de sistemas de rede elétrica. Será que é este efetivamente o caminho: pagar uma pena de reclusão, de três a oito anos, e multa? Eu queria ver se esta Casa tivesse a coragem de aprovar, equiparando e determinando que são crimes hediondos crime de corrupção, crime de desvio de verba pública, crime de desvio de programas sociais - Prouni; Projovem; Minha Casa, Minha Vida; Luz para Todos -, de todos os programas sociais, porque você atinge ali não uma vítima determinada, mas uma universalidade de vítimas. E aí eu fiz questão de estar presidindo e ser o Relator desse tema, porque muito se atribui aqui - eu não estou fazendo a defesa porque sou hoje político; não, longe de mim -, passa-se para a população o senso comum de que a culpa está no Legislativo, na morosidade da Justiça. E eu vou falar onde está a culpa, pontuando um a um para os colegas - e vocês sabem melhor do que eu -: prazo para conclusão de inquérito policial, art. 10, caput, Código de Processo Penal, 10 dias, se preso, 30 dias, se solto, cumpra o prazo; oferecimento de denúncia, art. 46, caput, 5 dias, se preso, 15 dias, se solto; prazo para apresentação de resposta à acusação, art. 396, 10 dias; prazo para concluir instrução criminal, art. 400, caput, 60 dias; prazo para apresentação das alegações finais, art. 403, §3º, 5 dias; prazo para o juiz proferir sentença, art. 403, §3º, 10 dias, que o CNJ até estendeu e colocou mais cem dias para dar uma permissibilidade, porque tinha muitos processos nas varas criminais; prazo para apresentação da apelação, art. 593, caput, 5 dias para termo de apelação e 8 dias para apresentar as razões de apelação. |
| R | Se você somar todos os prazos processuais que estão aqui, verá que a falha não é da lei, a lei está aqui! O mais difícil nós fizemos que foi colocar no sistema normativo prazos. Agora, por que a lei não é cumprida? Ela não é cumprida para um segmento: pobres, pretos e semialfabetizados; esses são vilipendiados nos seus direitos elementares e são subjugados e depositados no sistema prisional. Perdoem-me. Eu faço questão de fazer essa fala não só aqui - hoje mesmo, eu fiz essa mesma fala, nessa linha, na Comissão de Constituição e Justiça e em outras Comissões de que eu faço parte -, porque é muito triste a gente ter um comportamento dessa natureza. Ora, nós sabemos - e vocês sabem melhor do que eu - qual o percentual de crimes praticados no país. Quantos desses crimes chegam ao conhecimento através do poder público, seja da polícia militar, seja da polícia civil, seja das suas competências? É um percentual pequeno. Desses que chegam ao percentual de conhecimento dos órgãos de persecução penal, em quantos que se chega à autoria? Reduz. Desses que se chega à autoria, quantos são efetivamente julgados e condenados? É muito menor. Então, esse fenômeno social, que é a redução da criminalidade, eu acho que passa por uma análise muito mais de efetivação de direitos, que passa pela dignidade da pessoa humana. Não estou justificando a prática de nenhum crime. Para mim, a pessoa tem que cumprir; fez, responde pelo que fez. Agora, a gente não pode agir de forma contundente apenas para um segmento da sociedade. Volte para lá, vá para os bolsões de pobreza, e a gente vai ver o que efetivamente é a população mais pobre, e a grande maioria, pessoas boas, honestas, íntegras. Nós ocupamos locais privilegiados, homens, brancos, na grande maioria, ricos e engravatados. Agora, tenha um filho com uma lavadeira numa favela, e o sonho daquele filho é entrar num curso de medicina. Vá ver se não for o sistema de cotas, se ele vai entrar na universidade. E quem é que tem R$10 mil, R$12 mil para pagar um curso de medicina? Eu acho que são muitas as reflexões que a gente tem que fazer. Eu só faço questão de toda vez falar esse rol de crimes e dos prazos processuais para desmistificar uma falha que não é do Legislativo. A morosidade do processo penal brasileiro tem destino, o destino não é o Legislativo. O Legislativo legislou. Nós temos uma lei federal, que é o Código de Processo Penal. Desculpa pela contundência, talvez, na minha fala, mas é porque, quando eu vejo proposições dentro do Senado Federal de projetos de lei em que, mais uma vez, só quem vai ser atingido de forma contundente é um segmento da população, eu não posso me furtar em fazer essa humilde reflexão. |
| R | Eu agora, neste momento, passo a palavra à Sra. Lúcia Helena Barros de Oliveira, que é Coordenadora da Comissão de Política Criminal da Associação Nacional de Defensoras e Defensores Públicas (Anadep). Aqui eu quero fazer uma... Só enaltecer a defensoria pública, porque eu sempre que posso também faço isso. Eu sempre digo o seguinte: você quer ver como um governo quer bem a população? Olha como ele trata a Defensoria Pública. A Defensoria Pública tem que estar em todos os municípios, em todos os estados. Ela tem que estar ali, porque o acesso à Justiça é uma garantia constitucional e poucos têm acesso à Justiça. Então, eu quero aqui, mais uma vez, fazer o meu agradecimento ao empenho, ao trabalho hercúleo que a Defensoria Pública, seja ela estadual, seja ela da União, tem feito no Estado brasileiro. Com a palavra, a Sra. Lúcia Helena Barros de Oliveira, para, em no máximo, dez minutos fazer a sua manifestação. Muito obrigado. A SRA. LÚCIA HELENA BARROS DE OLIVEIRA (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde a todas e todos! Gostaria de saudar o Senador Fabiano Contarato, e é na pessoa do Senador que eu cumprimento todos os Senadores desta Casa. Gostaria de cumprimentar a todos os que estão participando diretamente, quer seja presencialmente, quer seja no modelo virtual, desta audiência pública, junto conosco, com quem a gente tem a alegria de dividir a fala e comentar o diálogo. Gostaria de agradecer a oportunidade, em nome da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos. A associação representa cerca de 7 mil defensoras e defensores associados em todo o país, e ficam aqui registrados os nossos agradecimentos. Eu sou Lúcia Helena Silva Barros de Oliveira, sou defensora pública, ingressei em 1997, e atualmente eu estou na coordenação da Comissão de Política Criminal da Anadep, mas também atuo como Coordenadora de Defesa Criminal da Defensoria Pública aqui do Estado do Rio de Janeiro. Eu penso ser muito proveitoso que a gente possa estar discutindo a atuação da Justiça no período de 2017 a 2022. É claro que nós temos muito que agradecer e enaltecer, porque a oportunidade de discutir - a democracia é isso -, a oportunidade de passar os nossos pensamentos, quer seja pelo lado defensivo, na defesa das pessoas mais vulneráveis, quer seja através das posições do Poder Judiciário, Ministério Público, essa é a saúde do diálogo. Isso é o mais importante, mas é claro que nós temos que também parabenizar e dizer que a gente teve alguns avanços ao longo de anos. O nosso Código é da década de 40, e claro que nós propomos avanços nisso, mas em que pese alguns avanços - e aí eu cito aqui, por exemplo, o fato de nós termos, em nosso cenário legal, a realização das audiências de custódia, que precisam ser comentadas por todos os atores do sistema de justiça -, nós também temos que apontar algumas necessidades de mudança, algumas necessidades de reflexões, sobretudo quando a gente fala do nosso sistema carcerário. |
| R | O Brasil ocupa a terceira maior população carcerária do mundo e nós temos hoje pouco mais de 800 mil pessoas presas. Em termos de presos provisórios, nós temos cerca de 210 mil pessoas presas. Esses dados são extraídos do Senappen. Quando a gente busca o percentual de pessoas presas até a idade de 30 anos, nós temos cerca de 40%. Essa população carcerária é majoritariamente de pessoas negras. Então, sobretudo quando a gente avalia o número de presos provisórios, quando a gente avalia quem está sendo levado para o cárcere, ainda há muito que caminhar, mas não só o Legislativo - eu penso que todos os Poderes, Executivo e Judiciário, e eu diria que todos os atores do sistema de Justiça. Os presos provisórios... É claro que quando a gente fala em um preso provisório, a gente também lida com o princípio da duração razoável do processo. Conforme o Senador muito bem descreveu agora há pouco, nós temos prazos a serem cumpridos, muito bem delimitados pelo Legislativo, mas a gente precisa se esforçar para que esse quantitativo de pessoas encarceradas não seja tão alto quando a gente fala de presos provisórios. A gente também sabe que vivemos num estado de coisas inconstitucional, e que por outro lado, embora o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido esse estado, a gente sabe que tivemos medidas provisórias que recomendaram que fosse revisto o contexto de privação da liberdade de certas unidades prisionais, tais como o Complexo Penitenciário do Curado, o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, o Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, aqui no meu Estado do Rio de Janeiro. Então é preciso olharmos para dentro do nosso cárcere para perceber que a gente precisa caminhar e que algo precisa ser feito. Quando a gente tem no pacote anticrime um dispositivo que aumenta o tempo de prisão - art. 75 do Código Penal -, que antes era de 30 anos passando para 40 anos, a gente tem que avaliar se efetivamente se faz necessário endurecer as penas sem que a gente olhe também para uma questão social. Por um outro lado, quando a gente vê o número de feminicídios aumentando de forma assustadora - e aí a gente olha pelo lado da vítima -, a gente percebe também que a gente precisa fazer alguma coisa e que, em verdade, a nossa legislação penal, a nossa legislação processual penal, tem, sim, muito a colaborar com tudo isso. |
| R | Nós tivemos - e aí isso é uma alegria - uma grande mudança de paradigma provocada pela jurisprudência, e foi pelo Superior Tribunal de Justiça, sobre o reconhecimento de pessoas por fotografias. E nós precisamos continuar com essa melhoria. A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, fez pesquisa identificando diversos casos de erro de reconhecimento por fotografias. O Condege (Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais) também participou de pesquisa e identificou um percentual grande de pessoas negras encarceradas por força de reconhecimento fotográfico. Nós precisamos, sim, melhorar o nosso sistema penal e processual penal. A situação não é diferente quando a gente fala... A gente sabe bem que há uma diferença entre reconhecimento de pessoas através de fotografias e o reconhecimento facial, que é o uso da tecnologia para efeitos de reconhecimento. Muito embora a gente saiba o quão saudável é a utilização de tecnologias, a utilização de meios atuais para nos amparar, a gente sabe bem que ao usar essa tecnologia, se não tomarmos cuidado, poderemos estar fomentando o racismo, poderemos estar fomentando as problemáticas raciais que a gente vem identificando ao longo de tanto tempo. É claro que a gente sabe, que a gente também identifica que o acordo de não persecução penal foi um grande avanço, avanço esse introduzido pelo pacote anticrime, mas a gente sabe - e aí a gente também sabe da dificuldade -, a gente entende que precisa melhorar esse sistema de aplicação do acordo de não persecução penal, e talvez não seja na audiência de custódia o lugar mais adequado para se realizar o acordo de não persecução penal, diante das circunstâncias de cada pessoa que é levada às audiências de custódia. A Defensoria Pública aqui do Rio fez um relatório, segundo o qual de cada dez pessoas presas que passam pela audiência de custódia, sete são de pessoas negras, e essas pessoas - já me encaminhando para o fim - têm baixa escolaridade e são pessoas pobres, enfim, todo aquele cenário que a gente já conhece. Parece-me que essas pessoas talvez não tenham condições de decidir acordar naquele momento, então talvez não seja a audiência de custódia o momento propício para se falar em acordo de não persecução penal. Por fim, realmente me encaminhando para o fim, a gente precisa avançar com a questão do princípio da insignificância adotado nas hipóteses dos casos de furto famélico. É inconcebível que a gente tenha questões de furto de papel higiênico, de pacotes de macarrão, sendo levados ao Supremo Tribunal Federal para que o Supremo possa decidir se adota ou não o princípio da insignificância. Talvez seja necessário olharmos para esse ponto para, enfim, caminharmos de forma diferente e, talvez, evitar o grande volume, também, que abraça o Poder Judiciário por conta de diversos casos que chegam a suas mãos. |
| R | Despeço-me e agradeço mais uma vez pela oportunidade de poder estar aqui. Essas são as considerações pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos. Muito obrigada! O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Muito obrigado pela consideração e, mais uma vez, um abraço carinhoso à Defensoria Pública. Neste momento, concedo a palavra ao Sr. Pedro Luís, que é chefe da Assessoria Policial Militar de São Paulo e representante da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, que está no sistema remoto. O SR. PEDRO LUÍS (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde a todos! Boa tarde, Senador Fabiano Contarato. Parabéns pela iniciativa. É uma honra muito grande poder representar o Secretário Derrite nesta audiência. É muito importante para que nós possamos compartilhar as nossas preocupações. São preocupações muito mais ligadas ao dia a dia do que, efetivamente, a questões formais associadas a debates sobre alteração legislativa. A gente está aqui em São Paulo implementando uma série de inovações que envolvem a participação muito efetiva dos atores que formam o sistema de persecução, em especial o Judiciário, o próprio Ministério Público e, com destaque, a Administração Penitenciária, porque, no Estado de São Paulo, a Administração Penitenciária é órgão do Executivo, independente da Segurança Pública, mas há um alinhamento muito bom, que hoje tem produzido excelentes resultados. Vou começar pontuando por algumas premissas da política de segurança do Estado de São Paulo nesse tema de justiça penal. Primeiro ponto, e aí aproveitando a fala do Senador e da defensora Lúcia Helena, a quem eu parabenizo pelas considerações - muitas delas vão exatamente ao encontro do que a gente pensa como prioridade aqui em São Paulo -, nós entendemos que efetivamente existe, sim, uma correlação entre fatores socioeconômicos, estruturantes e a percepção do sistema penal. Ela é debatida pela literatura há mais de século. Tem, obviamente, muitos senões que precisam ser pontuados, mas a segurança pública, de uma forma geral - e aí eu falo das organizações policiais em especial -, têm, obviamente, que focar as suas preocupações naquilo que é mais urgente para a segurança imediata da população, que são os crimes de contato, aquela criminalidade que nós classificamos na literatura como criminalidade de contato predatória por conta do risco que ela, obviamente, envolve, mesmo a de natureza patrimonial, à integridade física das pessoas. Então, digo aqui, especialmente em relação ao crime de roubo, que é a principal preocupação atualmente da pasta de segurança paulista. Essa é uma primeira ponderação. Uma segunda palavra introdutória: a gente tem contado com uma expressiva aproximação, tanto do Ministério Público quanto do Poder Judiciário, para muito além do controle externo. Senhores, isso é importante porque há uma reivindicação das organizações policiais há muito tempo no Brasil, de maior envolvimento - eu falo pela Polícia Militar, pela Polícia Civil, tenho origem na Polícia Civil também, meu pai é policial de carreira - dos órgãos do sistema de persecução com a questão da efetividade da segurança pública, e não só com o controle externo da atividade policial. Isso tem acontecido em São Paulo. A atual gestão da Procuradoria Geral de Justiça implementa um grupo de controle externo que tem focado em questões relacionadas à efetividade da entrega dos serviços policiais, das políticas públicas de uma forma geral, e isso tem gerado resultados importantes. |
| R | Então vou começar a mencionar aqui as iniciativas, começar a me voltar às iniciativas em especial. Nós acabamos de assinar com o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo dois termos de cooperação que visam o compartilhamento de bases de dados com o objetivo de dar maior serenidade à comunicação das constatações policiais em relação, por exemplo, à violação de condições impostas pelo juízo ao usufruto de benefícios tanto de ordem processual como de ordem pré-processual. Esse termo que acaba de ser assinado vai permitir ao juiz da execução que tenha noção em tempo real das situações que são verificadas pelo policiamento ostensivo que envolvam violação de benefícios. Por quê? Qual é a lógica por trás dessa iniciativa? Não é nenhuma novidade - a literatura mundial também já aponta isso como uma verdade quase que consensual - que quase a maioria esmagadora da criminalidade violenta é praticada ou envolve pessoas que têm antecedentes pela prática de crimes também violentos. Então, a gente fez um experimento nos primeiros meses de gestão, na área central em especial, que demonstra que essa premissa acadêmica se verifica na prática. Quase 70% das pessoas presas em flagrante pela prática de crime de roubo estavam no gozo de algum benefício concedido ou em fase processual ou em fase pré-processual, e a gente espera, por conta desses experimentos que já foram levados a termo em São Paulo, que a medida traga efetivo resultado na redução desses crimes, que são os mais relevantes. Também vale a pena mencionar, como uma iniciativa, que há uma mobilização, já há algum tempo levada a termo por alguns estados do Sul, Centro-Oeste e Sudeste, com o objetivo de otimizar a atuação da polícia em face da atuação do crime organizado, especialmente nas fronteiras. Então é um grupo chamado SULMaSSP. Ele tem se reunido periodicamente envolvendo os Secretários de Segurança de todos os estados do Sul, São Paulo e Mato Grosso. Esse grupo, além de fomentar uma maior integração nas divisas entre os estados na atuação das polícias, tem também apontado questões de fundo legal que vão ser em alguma medida levadas ao conhecimento do Poder Legislativo Federal, mas isso ainda está em fase muito incipiente. O que vale a pena mencionar é que essa aproximação dos estados do Sul, Sudeste e Mato Grosso tem gerado uma melhora na comunicação e na gestão da atuação policial na fronteira, e a gente tem medido já isso tanto com variáveis associadas à apreensão de entorpecentes, como a redução de alguns indicadores que são típicos de fronteira, como roubo de carga e contrabando. |
| R | Por último, para não me estender demais, eu queria mencionar que toda essa lógica de maior envolvimento com o Poder Judiciário, maior interação entre os estados que mantêm divisa territorial em face do crime organizado, é refletida pela política que é nuclear, a atual gestão, que é uma política de monitoramento por meio de câmeras, câmeras inteligentes. E não é só isso, obviamente, mas é principalmente isso, é um sistema denominado, um programa denominado Muralha Paulista, que tem o objetivo de se valer do legado de monitoramento eletrônico, que já existe, com a finalidade de desenvolver mecanismos ou algoritmos de acionamento policial emergencial ou imediato, no caso de constatação de comportamento sujeito à atuação policial. Então, são obviamente leitores de placa, são sistemas de correlação de comportamento que podem estar associados à prática de crime. Isso já tem, só nessa parte, nesse primeiro momento de levantamento de legado e incremento da base já integrada no sistema informatizado, a gente já conseguiu aumentar a eficiência policial em face de crimes patrimoniais quase da ordem de 300% a 400%, em pouco tempo. Então, a ideia tem gerado muitos resultados. Ela é o núcleo da nossa política de segurança e ela aposta, sim - aí indo na mesma linha das palavras do Senador -, na efetividade, no incremento da efetividade da aplicação da lei penal como a principal estratégia para mitigação, para prevenção e controle da criminalidade, em especial da criminalidade predatória, que é a que causa tanto mais prejuízo à integridade das pessoas, como afeta mais importantemente a percepção de segurança do cidadão. Então, mais uma vez, eu queria agradecer pelo convite, em nome do Secretário da Segurança do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, e parabenizar a Comissão pela iniciativa, porque é uma constatação também - não é uma reclamação; é uma constatação -: o sistema de segurança pública brasileiro demanda, se ressente da falta de diálogo entre os seus atores, ou os atores que envolvem persecução penal. E este momento aqui é muito importante para que a gente possa comunicar as nossas necessidades e divulgar as práticas que parecem já ter produzido resultado importante. Muito obrigado a todos. O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Muito obrigado. Neste momento, eu concedo a palavra ao Sr. Márcio Alberto Gomes Silva, que é representante da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF). Obrigado. O SR. MÁRCIO ALBERTO GOMES SILVA (Para expor.) - Boa tarde a todas, a todos. Queria cumprimentar o Senador Fabiano Contarato pela excelente iniciativa de reunir aqui entidades para discutir esse tema tão caro para a sociedade. E inicio a minha fala dando efusivos parabéns ao Senador pela sua fala contundente. Particularmente, antes de ser delegado de Polícia Federal há mais de 15 anos, Senador, eu fui policial civil, eu fui defensor público e sou professor também há mais de 15 anos. Então, discutir segurança pública apenas pensando na segurança pública é algo que não é efetivo; a segurança pública depende da implementação de direitos sociais para que ela possa efetivamente avançar. Então, a gente só consegue diminuir efetivamente índices de criminalidade e resolver problemas no âmbito da segurança pública, quando a segurança pública serve apenas e tão somente para afastar temporariamente da sociedade quem optou por cometer crime, e essa opção pelo cometimento do crime só vai ser uma opção verdadeira quando os direitos sociais forem todos respeitados pelo Estado e pela sociedade, quando a sociedade entender que precisa dessa observância dos direitos consagrados no art. 6º da Constituição Federal para que a gente possa pensar efetivamente num livre-arbítrio. Então, parabéns pela fala do senhor, uma fala precisa. |
| R | Eu queria também cumprimentar inicialmente a Dra. Lúcia Helena, que está representando aqui a Associação dos Defensores Públicos; o Coronel Pedro Luís, que antecedeu a minha fala, representando o Secretário de Segurança Pública de São Paulo; o Dr. Diego Barbiero, que está representando o Ministério Público; o Dr. Rodolfo Laterza, representando a Adepol; as senhoras; os senhores; as Sras. Senadoras; os Srs. Senadores; e o público ouvinte. Bem, inicialmente, Senador, eu queria também destacar que essa fala do senhor está muito atrelada a iniciativas que a própria Polícia Federal... Eu estou aqui representando hoje a Associação Nacional de Delegados de Polícia Federal, mas não queria deixar de pontuar que a Diretoria de Ensino da Academia Nacional de Polícia está já pensando numa formação mais humanista para os nossos policiais, implantando, a partir deste ano, uma série de cursos tanto lá na formação inicial quanto nos cursos de capacitação continuada, nas especializações, uma formação que pensa na defesa da democracia, uma formação que pensa no enfrentamento ao racismo, uma formação que pensa no enfrentamento a crimes relacionados à violência de gênero. Então, todas essas iniciativas têm sido contempladas tanto na formação policial inicial - a gente está com o curso de formação atualmente lá na Diretoria de Ensino - quanto na formação continuada por meio de cursos de especialização e capacitações que são fornecidas pela Polícia Federal. Então, essa ótica é muito interessante e precisa ser repassada para todos os órgãos de segurança pública que ainda não têm oportunidade de ter esse pensamento um pouco mais amplo quanto à prestação de serviços de segurança pública. Outro ponto que eu queria destacar, exatamente relacionado aqui à eficiência da persecução penal, é que essa eficiência precisa ser buscada, obviamente, sem perder de vista a proteção e a defesa dos direitos fundamentais de todos os envolvidos. Então, investigado, indiciado, réu, vítima, testemunhas, todos os atores que acabam passando pelo sistema de persecução penal precisam desse respeito. E, dentro dessa linha, Senador - o senhor falou sobre sempre os órgãos de segurança pública e o aparelho de justiça atingirem, de certa forma, o mesmo, entre aspas, "público-alvo", reflexo aqui de graves problemas sociais que a gente acaba enfrentando historicamente - uma das propostas, uma das proposições que a Associação de Delegados de Polícia Federal vem fazer a esta Casa legislativa é para discutir a elaboração de uma lei que clarifique a competência. Um grande problema que a gente encontra na persecução penal, principalmente de autoridades que têm prerrogativa de foro, é essa imprecisão. Primeiro, há uma quantidade muito grande de autoridades que detêm prerrogativa de foro. Eu tive a oportunidade de participar esta semana de uma banca examinadora de um trabalho de conclusão de curso em que o candidato apresentou, só na Constituição Federal, trazendo para a realidade prática, que a gente tem mais de 30 mil autoridades com prerrogativa de foro, se a gente pensar em Deputados Estaduais, Distritais, Prefeitos, então, vindo lá desde o município até as autoridades federais. E a gente está num panorama em que me parece ser necessário uma clarificação em relação a como, desde o início, a investigação deve ser tocada pelas polícias investigativas. Então, por exemplo, na questão de ordem na Ação Penal 937, o Supremo restringiu a sua competência para julgar Deputados Federais e Senadores, indicando que as premissas são que o crime tenha sido praticado depois da diplomação e que o crime guarde relação com o mandato parlamentar. |
| R | Ora, só para exemplificar, para verem como é difícil essa atuação: e se um delegado de polícia, seja civil, seja federal, se depara com uma situação em que um Parlamentar federal comete um crime, mesmo que seja pós-diplomação, mas completamente apartado do seu mandato parlamentar? Como é que fica o início dessa investigação, já que o próprio Supremo afirmou, na Questão de Ordem na Ação Penal 937, que não é ele o competente para julgar esse Parlamentar porque faltaria uma perna dessa premissa? A gente precisa, antes de iniciar efetivamente a investigação, mandar esse caso para que o Supremo decida se realmente ele não é competente ou a gente já procede à instauração e passa a atuar junto com o juiz de primeiro grau? Como é que a gente vai tratar isso na prática? E veja, Excelência, que qualquer tipo de atitude tomada pode repercutir numa futura nulidade que vá ser identificada e, eventualmente, em grau recursal e naquelas discussões intermináveis no âmbito do Poder Judiciário com o uso de todas as ferramentas recursais possíveis, em prescrição e impunidade. Então, uma sugestão que nós fazemos aqui é exatamente essa de clarificar, de uma maneira muito bem visível e detectável pelos órgãos de segurança pública, principalmente quem está atuando lá na ponta, no primeiro grau, o delegado, o membro do MP que atua diretamente lá com a prática inicial de crime, para que ele saiba exatamente o que fazer, principalmente nesses casos que envolvem autoridades com prerrogativa de foro. Antes de vir para a academia de polícia, eu atuei na ponta durante 15 anos. Só para exemplificar, eu estava observando uma operação policial que eu coordenei quando estava na ponta, na Bahia, que já está em tramitação no âmbito do Poder Judiciário há dez anos, que ainda se não observou uma sentença meritória para se decidir se, afinal, houve ou não houve a prática de crime. Esse gargalo precisa realmente ser enfrentado para que a gente não transmude o que é provisório, por exemplo, o encarceramento preventivo, o encarceramento que acontece ali no curso do processo, em algo que pareça pena. Não! A pena só deve ser aplicada com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e com o reconhecimento efetivo de culpa. Um outro ponto que também é afeto a essa clarificação, digamos assim, buscando eficiência... E, aí, é uma coisa que talvez a gente possa, de certa forma, utilizar Portugal como um paradigma. Lá eles têm uma lei orgânica da investigação criminal que esclarece exatamente as atribuições de cada polícia que atua na seara investigativa para que se evite algum tipo de atropelo às atribuições. Então, só para a gente exemplificar, há aqui o reconhecimento pelo Supremo, com o recurso extraordinário ao qual se deu repercussão geral, da atribuição investigativa do Ministério Público com presidência direta de investigações. Só que até hoje o procedimento investigatório criminal é regido por uma resolução do CNMP. Então, a gente não tem claramente, com a atuação efetiva do Congresso Nacional, porque é uma decisão da competência do Congresso Nacional legislar em matéria de processo penal, como dizer, afinal, quais são os limites da investigação, em que momento o Ministério Público entra presidindo a investigação, em qual momento será a polícia investigativa. Só para exemplificar também, cito outro caso concreto: você ter, por exemplo, um procedimento investigatório criminal iniciado pelo Ministério Público que depois é enviado para a polícia em forma de requisição para a continuidade das investigações. Parece-me que isso acaba prejudicando a efetividade do trabalho investigativo. Talvez, se pudesse existir... (Soa a campainha.) |
| R | O SR. MÁRCIO ALBERTO GOMES SILVA - ... uma clarificação quanto a isso, seria interessante, para que os órgãos atuassem dentro dos seus escopos, obviamente, com a possibilidade, como o Dr. Diego falou, de atuação em conjunto, porque essa atuação em conjunto é uma atuação realmente muito profícua e que acaba rendendo bons frutos. No mais, além dessas duas sugestões, uma última sugestão quanto às possibilidades recursais. Então, de novo, aqui sempre falando dessa situação que é recorrente quando a gente discute a eficiência do sistema de persecução penal, que há... E aí entra também na fala do senhor quando o senhor fala que a gente tem nos presídios ali as pessoas pobres. Dificilmente pessoas pobres conseguem um atendimento de um advogado que vai estar ali, atento só àquele caso criminal, para manejar aquela infinidade de recursos que vá levar o caso à prescrição, enquanto que, se a pessoa tiver uma condição de contratar um escritório muito bom, com a infinidade de recursos que nós temos, o caso tende a não chegar ao termo, e a prescrição, de maneira fatídica, pode acabar acontecendo. Então, mais uma vez, a gente propõe aqui a discussão quanto ao sistema recursal brasileiro. Agradeço demais a possibilidade e a ADPF fica à disposição deste Senado Federal. O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Muito obrigado, Sr. Márcio Alberto. Transmita o meu abraço carinhoso a todos os delegados e delegadas da Polícia Federal. Agora concedo a palavra ao meu querido amigo e delegado do Espírito Santo, Dr. Rodolfo Queiroz Laterza, que é Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol). O SR. RODOLFO QUEIROZ LATERZA (Para expor.) - Boa tarde a todos. Desde já, cumprimento o eminente Senador Delegado de Polícia Fabiano Contarato, meu amigo com muito orgulho, meu colega de profissão, foi meu professor na Academia de Polícia Civil - aqui preciso destacar, grande professor -, e tenho aqui orgulho de tê-lo ao meu lado. Muito obrigado! Cumprimento todos os participantes, que fizeram suas exposições muito bem fundamentadas. Sintam-se devidamente cumprimentados aqueles que estão pelo meio virtual e aqui todos os presentes que nos assistem. Somente, Senador Fabiano Contarato, a sua fala a respeito do nosso sistema de política criminal seletivo inerente ao nosso direito penal simbólico, realmente, tem um recorte da sociedade quanto, fundamentalmente, à morosidade da Justiça quanto a uma categoria social e econômica. Isso é reflexo, fundamentalmente, das nossas mazelas encobertas. O Brasil - e isso é pouco debatido - está na sétima pior posição do planeta no Coeficiente de Gini. O Coeficiente de Gini, para quem não se lembra, mensura os índices de distribuição de renda e de desigualdade social. Isso é um padrão absolutamente vergonhoso, que não explica toda essa criminalidade pujante que nós temos, mas contribui ao recorte do nosso sistema de Justiça Criminal, que repercute justamente nós termos essas piores desigualdades de renda do planeta. Outro fator que também é pouco aqui discutido é o ranking do próprio Banco Mundial - aqui tirando qualquer viés ideológico -, em que o Brasil só decai no IDH, no Índice de Desenvolvimento Humano, que é uma fórmula da ONU que mensura longevidade, renda per capita, educação, etc. Nós somos o 87º. Num debate que houve nesta Casa, em 2020, sobre a reforma administrativa, em que nós alertamos que a reforma administrativa levaria o Brasil para a 100ª, a 120ª, talvez, posição no IDH... Eu acho que foi falado. Nós estamos abaixo, com todo o respeito, de certos países que são estereotipados. Vou falar: nós estamos abaixo da Bósnia, nós estamos abaixo da Armênia, nós estamos abaixo do IDH do Irã, nós estamos abaixo da Bielorrússia, muito abaixo de certos países aqui por que tenho muito respeito, mas que são estereotipados por parte da nossa mídia, por parte desta nossa sociedade, que defende, fundamentalmente, talvez a manutenção desse status quo. E nós somos um reflexo, pelo sistema de Justiça criminal, de todo esse problema, de todas essas mazelas seculares que nós não enfrentamos. |
| R | Então, o sistema de Justiça criminal, primeiramente, reflete estes dois índices vergonhosos: 7º pior Coeficiente de Gini do planeta e 87º em desenvolvimento humano do planeta, abaixo desses países estereotipados. Outro ponto a destacar: o Dr. Diego Barbiero falou algo muito importante, o nosso problema relativo ao nosso processo de conhecimento. Para isso, nosso clamor pela Adepol do Brasil. Tivemos excelente debate com a Conamp, ao longo desse período, a ADPF também participou, que foi sobre nós aprovarmos, na Câmara - e já foi aprovado aqui no Senado -, o novo Código de Processo Penal. Primeiro, porque é a pacificação das instituições. Nós debatemos com todas as instituições e chegamos a difíceis acordos ali, mas que foram necessários. Suplantamos problemas corporativos. Todas as instituições - e têm que ter, porque é inerente à democracia - têm seus sistemas de freios e contrapesos: as polícias investigativas, o Ministério Público, o Judiciário... O ANPP, no novo CPP, relatado pelo Deputado João Campos, já aprovado grande parte do texto, é fortalecido; o papel relacionado à sentença extintiva da investigação, quando é verificada causa de exclusão de tipicidade, causa de exclusão de antijuridicidade, culpabilidade, para não ter que passar, Dr. Diego, pela absolvição sumária, porque é um problema o Ministério Público ser obrigado a oferecer denúncia, para aí depois arguir absolvição sumária... Isso daí é um problema que nós temos no nosso sistema, que leva, muitas vezes, a essa quantidade de prisões provisórias que o senhor muito bem retratou, a maioria inerente a esses problemas da nossa sociedade, das classes mais excluídas, e, fundamentalmente, como o Dr. Márcio falou, aos problemas relacionados à competência, um excesso de foro de prerrogativa de função, que é inerente à nossa formação nobiliárquica da nossa República, não é? Na época... Desde o Império, nós éramos o país que tinha a maior quantidade de prebendas, baronatos e ducados do planeta. Isso talvez se refletiu na nossa República. Então, isso tudo explica. Agora, os órgãos de persecução penal estão procurando trabalhar. E eu queria aqui trazer que, finalmente, a gente conseguiu concluir uma pesquisa que a gente faz, desde 2021, do índice de resolutividade de inquéritos policiais no Brasil, na qual nós não manipulamos nem calculamos dado nenhum. Cada instituição fornece seus dados oficialmente, com base na Lei de Acesso à Informação, e é muito simples a métrica, que é adotada no mundo todo: proporção entre inquéritos instaurados e inquéritos concluídos - e o senhor sabe muito bem, o senhor nos ensinou isso na nossa academia: inquérito é para verdade real; inquérito não é só para indiciar. O inquérito é para elucidar a materialidade também, tendo autoria ou não. Quantas vezes isso é importante para balizar o trabalho qualificado do Ministério Público? E, a contrario sensu do que se afirma, o Brasil - vou falar aqui pelos índices de homicídio - não tem um índice superbaixo, de 8%, como se afirma. A média é em torno de 60%, com Polícia Civil sucateada, desvalorizada e, fundamentalmente, pouco financiada. A Polícia Federal tem um índice de 82%, e o Ministério Público - perdoem-me aqui me furtar - tem o seu índice também de oferecimento de denúncia, mas não basta ter uma persecução penal preliminar tão sobrecarregada, que tem seus graus de ineficiência - ninguém aqui está comemorando nada -, mas que produz para a sociedade, o senhor sabe... Como o senhor era da Delegacia de Delitos de Trânsito, como o senhor era, com todo o respeito, uma máquina de relatar inquéritos com muita qualidade, elogiado na Justiça, simplesmente nós temos dificuldades no âmbito do processo de conhecimento. |
| R | E isso só ocorre no Brasil? Não ocorre só no Brasil... Eu estava estudando, e determinadas -e aí o senhor tem - categorias sociais e econômicas dos Estados Unidos também têm morosidade processual. É um problema que talvez seja inerente a cada vez mais um mundo em que o processo penal é seletivo. E isso leva a problemas muito sérios, um desafio estrutural para a sociedade. É importante aqui destacar que nós precisamos desmistificar certos debates, porque realmente não basta só você trabalhar eficazmente a persecução penal. O Dr. Diego tem razão. Processo de conhecimento precisa ser observado. E o que acontece? Nós temos um rol de nulidades, como foi bem falado aqui pelo colega Dr. Márcio, e o que acontece? É muito complexo você, dentro do processo de conhecimento, com esse rito formalístico que nós temos, obedecer a todo esse sistema de formas, de modo que são invocadas constantemente nulidades, o que torna difícil você levar a uma sentença penal condenatória. É outro problema sério. E o pior é que são casos absurdos, realmente! Há dificuldades, principalmente, de determinadas categorias tipológicas de crimes de você ter justamente uma efetividade maior da tutela penal. É incrível, mas tem casos realmente em que certos processos de conhecimento duram dez anos, doze anos, principalmente quando se tem complexidade de investigação. Tem casos, o senhor sabe, em que eu trabalhei no Espírito Santo, que envolvem crimes contra a administração pública e que estão desde 2012, e não se conclui uma sentença, por causa justamente dos mecanismos da defesa... Não estamos discutindo aqui que não tenha que se ter ampla defesa, mas nós temos que ter um processo penal com regras claras no que se refere: fundamentalmente à não repetição de certas testemunhas; fundamentalmente a ter também penalidades no processo para mecanismos protelatórios; e também fundamentalmente, o que é um absurdo, ao respeito aos prazos dos presos provisórios. Não dá para ter extemporaneidade de presos provisórios, principalmente em certas categorias de crimes em que os indivíduos não têm condições de pagar bons advogados - a gente verifica isso. Então, o problema é conjuntural e estrutural. Aqui, falo também de outro problema inerente à nossa sociedade. Eu estava conversando aqui com o Doutor, e nós precisamos encarar isso. A sociedade brasileira tem um problema cultural muito sério, uma cultura de crimes, que é arraigada na nossa formação cidadã, decorrente de problemas educacionais. É inerente justamente a uma tolerância com a microcorrupção do dia a dia, que legitima a macrocorrupção. Os nossos... (Soa a campainha.) O SR. RODOLFO QUEIROZ LATERZA - ... costumes, as nossas práticas acabam influenciando nessa dinâmica. Aqui, já concluindo, a pobreza e a desigualdade social explicam muito, mas, por exemplo, Paquistão, que é um país mais populoso que o Brasil, e Bangladesh, dentre outros países, têm índices de crimes violentos menores, mesmo com conflitos étnicos e religiosos, que o Brasil, com essa taxa de homicídios vergonhosa! É por causa dessa cultura de violência que é arraigada na nossa formação social, dessa cultura, eu diria, deturpada de que, infelizmente, a nossa educação precisa tratar, porque não adianta ter um sistema de segurança pública, um sistema criminal, como aqui muito bem falado por todos, eficaz. Então, é um problema transversal. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Fabiano Contarato. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES) - Obrigado, querido Dr. Rodolfo Queiroz Laterza, ao passo em que agradeço também a todos que compareceram. Aqui, também, só para concluir aos meus amigos que estão aqui, eu acho lamentável... Nós sabemos que existe um princípio em direito penal que é o da irrefragabilidade da lei penal: a lei penal não cai pelo desuso. E nós ainda temos no nosso ordenamento jurídico uma contravenção de vadiagem. |
| R | Ora, o Brasil, com desigualdade, com 20 milhões de pessoas desempregadas, com uberização da relação trabalhista, com precarização... Nós tivemos uma reforma trabalhista que veio com o discurso de que ia alavancar a economia, gerar emprego e renda, e não foi isso que foi feito. Depois, teve uma reforma da Previdência, em que só o trabalhador que foi penalizado. E aí você ainda continua com... Aí eu apresentei um projeto para descriminalizar a vadiagem. É inaceitável que o Parlamento ainda tenha que se debruçar sobre assuntos dessa natureza. Eu, absolutamente, concordo plenamente que esse fenômeno social está ligado a essas políticas públicas para efetivação dos direitos sociais. Isso não sou eu que estou dizendo, está lá no art. 6º desde o dia 5 de outubro de 1988. É direito social o direito à educação. Mas eu tenho uma realidade em que 83% das escolas públicas de educação básica no Brasil não têm biblioteca; em que 73% não têm quadra esportiva, não têm acessibilidade... Então, como você vai falar em efetivação de direitos? Eu acho que essa discussão passa pelo Índice de Desenvolvimento Humano, sim; passa pela efetivação desses direitos humanos, que são essenciais. Agora, eu faço um apelo aqui a todos os colegas, porque, às vezes, a gente é seduzido a se deixar levar por um direito penal imediatista, por um direito penal populista. A gente não exerce a empatia, colocar-se na dor do outro e contextualizar o aspecto daquela pessoa, daquela família. Eu acho que é isso. E cobrar, efetivamente, que seja tratado de forma igual um comportamento igual. Eu só acho inaceitável você ver uma população carcerária astronômica como a que nós temos, com esse perfil social, e, se você pegar o Código de Processo Penal, o art. 323 é claro: Art. 323. Não será concedida fiança: I - nos crimes de racismo; II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; ....................................................................................................................................................... Lei de segurança nacional. Só esses. Então, as cadeias estão lotadas por quê? Por que as cadeias estão lotadas? Por que as cadeias estão lotadas, efetivamente, de pessoas que estão sendo violentadas em seus direitos elementares? Eu espero que todo esse ciclo de audiências públicas... E eu faço um apelo à minha equipe e a esta Comissão no sentido de que a gente passe a coletar todas essas indicações e sugestões para que a gente possa formular um relatório que contribua para que nós tenhamos uma Justiça eficiente, porque, como bem dizia Ruy Barbosa, "justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta". Muito obrigado. Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente sessão. (Iniciada às 14 horas e 23 minutos, a reunião é encerrada às 15 horas e 31 minutos.) |

