16/08/2023 - 3ª - Comissão de Defesa da Democracia

Horário

Texto com revisão

R
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 3ª Reunião da Comissão de Defesa da Democracia da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura, que se realiza nesta data, 16 de agosto de 2023.
A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com o objetivo de debater a questão da democracia no Brasil e o equilíbrio entre os Poderes da República, em atenção ao Requerimento nº 1, de 2023, desta Comissão, de autoria desta Presidência.
Convido, com muita honra, a compor os trabalhos desta mesa, a Sra. Ministra do Supremo Tribunal Federal, Ministra Cármen Lúcia. (Palmas.)
R
Também convido a compor esta mesa a Sra. Heloisa Starling, Professora Titular da Universidade Federal de Minas Gerais. (Palmas.)
Também convido a compor esta mesa o Sr. Roberto Freire, Presidente Nacional do Cidadania. (Palmas.)
Eu queria cumprimentar, mais uma vez, a Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, aliás, uma inspiração para todas nós mulheres brasileiras, e da mesma forma também, como inspiradora de todas as mulheres do Brasil, mulheres intelectuais, pesquisadoras, escritoras, a nossa querida Profa. Heloisa, Dra. Heloisa. Eu fico muito feliz de tê-la conosco aqui. Já fui presenteada com o livro muito importante: Independência do Brasil - as Mulheres que Estavam lá, as mulheres como protagonistas da história brasileira.
E, mais uma vez, quero cumprimentar o Presidente Roberto Freire, que é um grande ícone da política brasileira, um arquivo vivo para todos nós. Ele tem muita história, uma vivência de vida e um conhecimento do que é a democracia brasileira, e não apenas a brasileira, mas a do mundo inteiro - fico muito feliz -, a de vários países no mundo, como historiador, como alguém que conhece muito bem a política e é defensor da democracia no nosso país.
Portanto, cumprimentando todos vocês, eu creio que esta audiência pública singela é um momento histórico para o Senado Federal. Pela primeira vez em sua existência, a Casa conta com uma Comissão Permanente com foco absoluto na questão da democracia e também das liberdades.
A atitude do Presidente Rodrigo Pacheco, que, aliás, está chegando para participar desta Comissão, ao propor a formação da Comissão, transcende o Senado, num gesto simbólico para demonstrar ao Brasil que a democracia é um patrimônio inalienável e deve ser regada e vivificada a cada momento das nossas vidas.
Os atos do dia 8 de janeiro, quando dependências e bens dos prédios centrais dos três Poderes foram depredados, demonstram que a democracia não é instituto que se afirma por si só. Por trás dela, deve também estar a vontade muito intensa de uma nação, a consciência e o coração de cada cidadão.
Quero fazer um recorte, colegas integrantes desta mesa, num dia, aliás, muito simbólico, quando, exatamente depois do ato do 8 de janeiro, com os prédios destruídos, quebrados, numa cena aterrorizante e surreal, prédios físicos ao chão, nós vimos ali o Presidente da República, ao lado de todos os Governadores do Brasil, independentemente de seu viés político. Alguns deles naquele momento, inclusive, nem haviam votado no Presidente Lula, mas estavam aqui, juntos com o Presidente do Congresso Nacional, juntos com a Presidente do Supremo Tribunal Federal.
R
E, naquele ato, caminhando, ultrapassando ali, atravessando a Praça dos Três Poderes, mostraram para o Brasil que mais do que nunca as nossas instituições brasileiras são fortes. São tão fortes que o ato do 8 de janeiro aconteceu, mas elas estão, mais do que nunca, fortes, permanecem. E do ato do 8 de janeiro surge uma Comissão como esta, que é a Comissão de Defesa da Democracia, e um processo legislativo que precisa ser aprimorado para frear, impedir que atos dessa natureza possam ser repetidos na história do nosso país.
Sabemos também que a democracia viceja se ela se converte em instrumento verdadeiro para a consolidação da paz e da justiça social, para o patrocínio da felicidade de todos. Infelizmente vivemos tempos tumultuosos, não só no Brasil. O totalitarismo, como uma forma nova de agir, agora cavalgando mentiras e narrativas apenas, continua à espreita para assassinar os regimes democráticos tal como os conhecemos. O espírito de uma internacional democracia se impõe, até ultrapassando limites ideológicos, sobretudo os consolidados no século XX.
Às entidades aqui presentes, uma declaração: as portas desta Comissão estarão sempre abertas para zelar pela liberdade do nosso povo. Certamente podemos compartilhar várias ideias que possam frutificar no Congresso, transformar-se em normas cada vez mais iluminadas.
E aí, portanto, eu quero cumprimentar a todos nós, em especial as mulheres brasileiras, as mulheres margaridas que estão hoje em uma grande caminhada. E aí, agora há pouco, venho de um ato muito importante e vibrante, envolvendo e mostrando a todo o Brasil que nós mulheres somos capazes, que nós mulheres somos protagonistas. E aquela frase, Senadora Zenaide, que faz parte de nossas vidas: "As mulheres podem e devem estar onde elas decidirem estar, porque todos os nossos lugares também são os nossos lugares.".
Eu queria cumprimentar o Deputado Rogério Correia, que está aqui conosco participando desta audiência, um atuante Parlamentar inclusive na CPMI do 8 de janeiro. Cumprimento a Senadora Zenaide Maia, uma médica, protagonista, atuante, progressista, democrata brasileira, que nos honra ao lado de todas as demais entidades que já já cito, as demais entidades aqui presentes conosco.
Eu vou passar a palavra à nossa querida Cármen Lúcia, que está conosco numa agenda absolutamente apertada, mas nos deu a honra de participar conosco desta audiência pública.
Ministra Cármen Lúcia.
A SRA. CÁRMEN LÚCIA (Para expor.) - Boa tarde a todos os presentes, senhoras, senhores, Srs. Parlamentares, todos os que aqui estão. Queria que cada um dos Parlamentares se sentisse individualmente, pessoalmente cumprimentado, agradecido, com o meu agradecimento. Não podendo fazer isso, vou fazê-lo na pessoa da Senadora Eliziane.
Cumprimento também o Deputado Roberto Freire, este que, como a Senadora vem de dizer, é uma referência importantíssima para a minha geração e para as gerações, com certeza, presentes e as que vierem depois, de tudo o que tem sido a luta, que é a luta da vida, a luta permanente pela democracia. E não é diferente, portanto, aqui.
E cumprimento a Profa. Heloisa Starling, que representa também - é uma grande lutadora - a grande luta de todo membro, principalmente da academia, comprometida, de forma coerente, com os melhores ideais republicanos, ela que dirige o que se chama Projeto República, da UFMG, e que é realmente um ponto de referência intelectual, social, para todos nós.
Eu não quero deixar de me desculpar, já de antemão, porque, como afirmou já a Senadora, o plenário do Supremo se reúne exatamente às 14h, portanto, eu pedi permissão para a Presidente apenas para chegar com alguns minutos de atraso. Essa é a razão de eu não permanecer, e não quis deixar de vir.
R
Em primeiro lugar, quero cumprimentar, saudar o Senado da República, especialmente aqui, pela criação desta Comissão.
Sabem os senhores, sabemos todos nós que, desde 1789, Constituição tem um núcleo central. Quando se concebeu a ideia que hoje nós temos de Constituição - está no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão expressamente que toda sociedade na qual a garantia dos direitos não seja assegurada e a separação dos poderes determinada não tem Constituição, é exatamente essa a expressão, ou seja, em 1789 -, se acolheu de forma prática no texto de declaração de direitos que se torna então formalmente normas e que é a inspiração de toda a construção civilizatória contemporânea de democracia esse eixo central. Isto sempre veio, portanto, no constitucionalismo, na construção do constitucionalismo, a lição de Montesquieu de que o poder do estado é uno, é indivisível, mas se exerce em instituições e órgãos que separam as competências, as atribuições para que haja esse equilíbrio.
No próximo ano, Senadora, em 25 de março, nós vamos comemorar no Brasil e ter espaços de reflexão - e certamente esta Casa também muito contribuirá para que a gente tenha essa reflexão -, nós vamos comemorar o bicentenário da independência substancial do Brasil. Ano passado, em 7 de setembro, houve o bicentenário formal. Com a ruptura que se deu com Portugal, nós passamos a ser um Estado soberano. Mas a soberania se exerce quando se tem um direito soberanamente posto à observância de todos, segundo o que o povo entender ser a sua ideia de justiça. Nós só tivemos isso no dia 25 de março de 1824, data da outorga da primeira Constituição brasileira, a Carta de Lei de 25 de março, outorgada pelo Imperador Dom Pedro I. Então, a nossa independência soberana materialmente se deu em 25 de março de 1824; portanto, no próximo ano, nós vamos ter o momento em que nós vamos refletir, comemorar, pensar sobre essa data.
Naquela primeira Constituição, já se tinha a adoção deste princípio, que vinha de 1789: o princípio da separação de Poderes, com a grande diferença que, naquela ocasião, se estabeleceram quatro Poderes, porque se incluiu o Poder Moderador. No entanto, como cidadã, que é a minha condição, claro, e de todos nós, primeira, primária - devo dizer da honra de estar aqui, por isso não quis deixar de vir cumprimentar o Senado, cumprimentar o Congresso Nacional como cidadã -, sei bem a importância desta Casa porque desde sempre o direito se cria. E quem é estudante de Direito, estudante permanente de Direito e profissional da área jurídica, nós sempre entendemos que, sem um Parlamento independente, sem, portanto, um direito criado de forma legítima, nós não teríamos possibilidade sequer de os outros Poderes atuarem com igual legitimidade. E no caso específico do Senado, o Senado e o Supremo Tribunal Federal foram criados com algumas identidades exatamente porque são pontos de equilíbrio.
E aqui eu queria, portanto, pedir licença, Senadora, para fazer uma leitura. A primeira Constituição brasileira, essa Constituição monárquica chamada Constituição do Império, estabeleceu exatamente a separação de Poderes, e ela foi comentada por Pimenta Bueno, que, ainda hoje, é considerado por todos nós, da área do Direito Constitucional, um dos principais pensadores do Direito brasileiro. Com a honra que eu tenho de estar aqui, Senadora, eu queria pedir licença para ler exatamente o que, desde 1824, tem-se insculpido no constitucionalismo brasileiro. Esta é a primeira obra de Direito Constitucional e de comentário, que nós - eu canso de citar nos meus votos -, todos os ministros, em geral, citam Pimenta Bueno, e, desta Casa, que nós, cidadãos, sabemos a importância e a alta significação jurídica de ter no Estado democrático. Ele afirmou o seguinte, ao comentar aquele dispositivo: "O Poder Legislativo é a mais alta expressão da soberania nacional; salvos os princípios constitucionais de Estado, [...] [da] justiça natural, que ele deve sempre respeitar, é sua a onipotência política"; ou seja, o Parlamento foi sempre tido, na história brasileira e no Direito Constitucional brasileiro, como a expressão máxima da ação legítima e democrática de um povo.
R
Ele ainda afirma o quanto é grande a sua missão: "Tem em suas mãos todos os elementos sociais, dispõe, combina, coordena, determina, dá os preceitos, é como que o criador que comunica a vida, imprime sua sabedoria, dirige as forças e movimentos sociais, todas as relações e variados interesses do Estado e dos indivíduos". Portanto, para nós, cidadãos, ter um Congresso Nacional livre, exercendo essa condição de onipotência política, é da mais alta significação. Quando eu tirei o primeiro título de eleitor, só podia votar para Vereadores, porque, como moradora, eleitora de uma capital, eu não podia votar nem para Prefeito, eu sabia o quanto eu lia, dos estudos estrangeiros, a valia que era um eleitor poder escolher os Parlamentares que criariam o Direito, que eu tinha estudado, e, claro, iria ter que aplicar como advogada, depois como procuradora, e hoje estou aplicando como juíza.
Esse equilíbrio dos Poderes é garantido hoje, repetindo-se o que sempre se teve na Constituição brasileira: "São Poderes [...] independentes e harmônicos entre si, o Legislativo [que vem em primeiro lugar], o Executivo e o Judiciário", e a inclusão, numa determinada escala constitucional... Nós falamos da topografia das normas constitucionais. Quer dizer, quando o Constituinte elabora, ele põe a importância dos Poderes independentes e dispõe quais são esses Poderes. Eu ouço, com muita frequência: "Tal instituição é o quarto poder". E tem tanto quarto poder. "Fulano é o quarto poder, o Ministério Público é o quarto...". Ministério Público é instituição, não é poder. "A imprensa é o quarto poder; a agência tal é o quarto poder". Não existem quatro poderes no Brasil. Existem três, o Legislativo é um deles, ele cria o Direito, e é um direito que nos obriga e nos faz viver de maneira organizada, legítima, já que a nossa legitimidade é racional, ou seja, é o acatamento do Direito que faz com que a democracia seja legitimada no sistema brasileiro.
Nem eu nem ninguém pode deixar de cumprir a Constituição, e esse equilíbrio é necessário porque, como dizia Montesquieu, em 1748: "Pela natureza das coisas, é preciso que o poder", ele diz, "arrête le pouvoir", pare o poder, porque, senão, o poder sem freios, sem limites, seria um poder absolutista, autoritário e chegaria ao totalitarismo. Por isso é que o Poder precisa andar de maneira equilibrada. E como também, pela natureza das coisas, a vida se movimenta, a política se movimenta, é preciso que o Poder se organize de tal maneira que ele se exerça de maneira equilibrada. A independência dos Poderes é que garante isso, e é a harmonia dos Poderes que dá o que é o fim da Justiça: a paz social. Quanto mais formos capazes - nós, servidores públicos; e, aí, falo como servidora - de sermos organizados e harmônicos nas nossas conversas, quanto mais parlamentarmos, mais chegaremos a consensos, que hoje são o único caminho, a única senda disponível para que a gente tenha uma vida em paz, que é o que todo mundo quer. Acho que todo ser humano tem a sua ventura de querer ser feliz, e ninguém pode ser feliz em situação de tumulto, de agressões... A Senadora lembrou os tumultos que vivemos, as agressões que as instituições sofreram, e o Estado democrático de direito, posto expressamente no art. 1º da Constituição de 1988, garante exatamente que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel de estados, Distrito Federal e municípios, constitui-se em Estado democrático de direito, e a democracia se exerce exatamente para que se busque a harmonia no pluralismo, que é próprio, especialmente num Estado como o brasileiro, de tantas humanidades, e de ainda tantas desumanidades, que é o que se precisa superar.
R
Não tenho dúvida, Senadora, Srs. Parlamentares, todos os participantes desta tão importante audiência, que uma Comissão como esta cumpre este papel de nos lembrar, todos os dias, que a democracia, como a vida, tem seus desafios. Urge que todos nós nos empenhemos em fazer com que ela seja um desafio com resposta própria, apropriada, adequada a uma sociedade que tem muitas chagas, mas que tem grandes possibilidades.
Somos um país com riquezas materiais, riquezas ambientais, mas principalmente riquezas humanas. Um povo como o nosso, que temos uma Academia Brasileira de Letras que começa com Machado de Assis e até a semana passada tinha, só para citar quem foi embora anteontem, este grande brasileiro, este grande historiador que veio nos deixar, que é o nosso amigo querido Zé Murilo, há de se dizer que não tem muito o que invejar de povo nenhum. Pode ser, como dizia o grande Darcy Ribeiro, que também compôs este Senado, que dizia que aqui era o céu... Eu brincava com ele: "Professor, então não é Senado; é "Céunado'". Porque ele dizia: "Isto é o céu". Para nós, cidadãos, se não é o céu, pelo menos é um vislumbre de grandes possibilidades de a gente ter uma vida muito mais em paz.
Neste tempo que vivemos, que é um tempo de, eu acho, mudança de eras, não mudança de modismos, não mudança de tempos, as tecnologias podem nos levar a escravizarmos de novo e nos tornarmos escravos de máquinas. É preciso que a gente mantenha a humanidade e a criação do direito com a busca de exatamente dar cor para este princípio de humanidade que se põe, segundo a ideia de justiça, formalizada como direito, é exatamente a função desta Casa, e eu tenho muita esperança e muita confiança de que o Parlamento brasileiro continuará, para sempre, independente, forte e, principalmente, capaz de se harmonizar com os outros Poderes, como eu acho também que é o nosso papel, do Supremo Tribunal Federal, no Poder Judiciário, e do Executivo. Acho que essa é a busca de todos nós. Eu agradeço e cumprimento, mais uma vez, o Parlamento brasileiro por tudo que tem feito, mas, principalmente, por compor uma Comissão agora como esta, que tem um papel, principalmente, de ser modelo, luz, um sinal. Quando eu fui convidada, Senadora, pelo então Prefeito de Belo Horizonte, Célio de Castro, a compor a Comissão de Direitos Humanos, ele dizia: "Eu quero conscientizar... Não [ele disse], cada um tem sua consciência. Eu quero sensibilizar o cidadão belo-horizontino de que os direitos humanos são essenciais". E, aí, ele dizia: "Por isso, eu quero essa comissão como um sinal de qual é o caminho que eu quero seguir". Eu acho que esta Comissão pode servir exatamente como um sinal, como um farol que dita que, para sempre, nós queremos um Estado democrático de direito para todos os brasileiros. Mais uma vez, eu cumprimento. E peço mil desculpas por ter que me ausentar para fazer parte desse julgamento no plenário, onde eu devo votar imediatamente. Muitíssimo obrigada a todos.
R
É uma honra estar aqui.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Presidente, se me... (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Muito obrigada.
Eu queria...
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Pela ordem.) - Presidente, se a senhora me permite, pela ordem, é só para fazer um breve comentário antes da saída da nossa querida Ministra Cármen Lúcia, que nos recebeu muito bem - ela nem se lembra disso. Logo quando eu cheguei aqui no Senado, ela recebeu um grupo de Parlamentares, tanto lá da Câmara como do Senado, de forma muito cortês, com muita serenidade. Eu fiquei muito feliz com aquele cartão de visitas. Se a senhora puder me me dar alguns minutos para eu fazer um comentário, eu agradeceria, antes da saída da nossa querida Ministra.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Eu vou deixar com a Ministra, porque, realmente, ela está com o tempo limitado.
A SRA. CÁRMEN LÚCIA - É que a Ministra Rosa já me chamou duas vezes, mas eu ouço V. Exa. e saio...
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Eu lhe agradeço demais, porque a vinda da senhora aqui é muito importante.
Eu estava conversando aqui com o nosso querido Deputado... Nós estamos em campos diferentes, faz parte da democracia, lá na CPMI, mas tem sido um combativo e sempre respeitoso Parlamentar o seu conterrâneo Rogério Correia, que é meu conterrâneo também! Aí você vai ficar... Você não sabia que eu era mineiro?! Na verdade, eu sou cearense, nasci em Fortaleza, mas tive a benção de, num único lugar, Presidente Eliziane, ter recebido o título de cidadão que foi lá em Pedro Leopoldo, em Minas Gerais. É porque a minha vida se transformou a partir do conhecimento da obra do grande humanista Chico Xavier, o que me emociona um pouco. Eu tive a oportunidade de fazer filmes sobre a vida dele e eu sou grato eternamente a esse grande mineiro - mineiro do século, inclusive, segundo os institutos na época.
Meu querido Roberto Freire, em 1989, na minha primeira eleição - a senhora falou do primeiro voto para Vereador -, lembro-me bem daquela campanha de que o senhor fazia parte. Eram dezenas de candidatos. Eu acho que nunca teve uma campanha mais ampla no Brasil. E eu tive a oportunidade, ali foi o meu chamamento para a política. Eu jamais imaginava que, um dia, estaria aqui, no Senado Federal, servindo. Sei das minhas inúmeras limitações e imperfeições.
R
Eu queria só fazer um apelo à senhora, na realidade. A gente já teve algumas Comissões aqui, no ano passado ou retrasado, se eu não me engano, em que a gente aprovou requerimentos para convidar respeitosamente Ministros do Supremo, mas, infelizmente, não puderam vir. E a sua presença aqui é uma presença que me... (Pausa.)
Chega o nosso Presidente Rodrigo Pacheco.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Não, fica muito bem... Está em casa, não é, Presidente? É outro...
O que eu queria, para ser bem objetivo, Ministra...
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Senador Girão, com a permissão de V. Exa....
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Claro.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Eu queria pedir que o Presidente Rodrigo Pacheco presidisse os trabalhos aqui desta Comissão, porque é simbólico, Presidente. Faço essa solicitação, porque a ideia de instalação desta Comissão, Ministra Cármen Lúcia, foi uma ideia que veio da cabeça do Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, depois de tudo o que nós vivemos. E V. Exa. fez uma colocação de esta Comissão servir como um farol para nos nortear em cima de uma conquista histórica que nós temos, que é a democracia brasileira. Nós mulheres estamos aqui com o protagonismo, mas, em nome, na verdade, da simbologia do Congresso Nacional. Então, a nossa primeira audiência pública eu faço muita questão que seja conduzida pelo Presidente do Congresso Nacional, porque vai demarcar exatamente o sentimento do que serão as próximas audiências públicas aqui desta Comissão. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MG) - Obrigado.
Muito boa tarde a todos.
Eu queria dizer que não sei se é antidemocrático, mas é muito pouco simpático tomar o lugar de uma mulher na Presidência da Comissão, mas vai ser muito rápido.
A SRA. ELIZIANE GAMA (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA. Fora do microfone.) - Por uma simbologia muito importante.
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MG) - É um simbolismo que agradeço à Senadora Eliziane Gama, pela deferência, como Presidente do Senado, e, de fato, com muito orgulho de ter sido idealizador da existência desta Comissão de caráter permanente do Senado Federal, que cuida da defesa da democracia.
Por isso, quero saudar a nossa Presidente escolhida, a Senadora Eliziane Gama, uma representante parlamentar do seu Estado do Maranhão da mais alta qualificação e de espírito público muito acentuado.
Quero agradecer imensamente a presença da minha conterrânea, que orgulha muito o Estado de Minas Gerais no âmbito do Supremo Tribunal Federal, na Corte Maior do Poder Judiciário, a Ministra Cármen Lúcia, Professora da faculdade de direito em que me formei e que, infelizmente, não fui dela aluno em razão de algumas circunstâncias daquele momento profissional da vida da Ministra Cármen Lúcia. Acabou que, naquele semestre justamente, eu não pude ter o prazer de tê-la como professora, mas uma grande referência do direito constitucional, do direito administrativo, do direito como um todo é a Ministra Cármen Lúcia, que nos honra com a sua presença aqui no Senado Federal.
Quero cumprimentar o nosso Presidente do Cidadania, essa grande figura pública que é o Roberto Freire, a quem também agradeço penhoradamente pela presença; o Deputado Federal Rogério Correia, que também nos visita, do Partido dos Trabalhadores, do meu Estado de Minas Gerais; e o nosso estimado Senador Eduardo Girão, representando aqui os Senadores da República que compõem esta Comissão.
R
Um cumprimento muito especial à Professora titular da Universidade Federal de Minas Gerais, Profa. Heloisa Starling, que é uma grande referência do Brasil e da Universidade Federal de Minas Gerais e que prestou ao Senado Federal, num passado recentíssimo, uma grande contribuição nas comemorações e celebrações dos 200 anos de Independência do Brasil, promovendo, então, diversas iniciativas, no âmbito do Senado Federal, para que pudéssemos dar o devido valor àquela data de 200 anos de independência. Desde já, peço à Profa. Heloisa Starling que nos ajude também agora nas celebrações dos 200 anos de existência do Senado, concebido na Constituição do Império de 1824 e implantado em 1826, no Rio de Janeiro, de modo que é plenamente possível se compreender que os 200 anos de existência é a partir da previsão constitucional em 1824, de modo que, em 2024, Senador Eduardo Girão, celebraremos 200 anos de existência do Senado Federal, obviamente a nossa Casa dando o devido valor a essa data e a esse acontecimento.
Eu não vou me alongar. É apenas uma breve saudação, em nome da Presidência do Senado Federal, a esta Comissão, que reputo uma Comissão de grande importância para este momento que vive não só o Brasil, mas o mundo. Não foi só o acontecimento de 8 de janeiro que nos impôs a necessidade de uma reflexão de uma Comissão Permanente desta natureza de defesa da democracia e, consequentemente, do Estado de direito, da República brasileira, no âmbito do Senado; foi um acúmulo de coisas que extrapolam, inclusive, os limites nacionais, que é um movimento que se sente no mundo, em diversos países, de questionamentos em relação à democracia. A democracia, em diversos momentos, em diversas situações, em diversos lugares do mundo, tem sido questionada, criticada e, por vezes, afrontada; em alguns momentos extremos, se chegou, inclusive, a tentar tomar de assalto a democracia no Brasil e a democracia em outros países. Então, é muito importante que o Senado Federal, que cuida não só de legislar, mas também de fiscalizar - e, aqui no Senado Federal, com diversas Comissões que cuidam de diversos temas, como Constituição e justiça, os assuntos econômicos, os assuntos sociais, a agricultura e pecuária, a fiscalização e controle -, tenha aqui um foro permanente de discussão da democracia brasileira e do cumprimento constitucional, a exemplo, de certo modo, do que aconteceu nos Estados Unidos da América, quando lá também houve um questionamento muito severo, com invasão, inclusive, ao Capitólio, e lá o Parlamento constituiu uma comissão de caráter permanente, não temporária, para se vigiar e se discutir a democracia. Até sugeri à Senadora Eliziane Gama que pudéssemos fazer, a partir da nossa Comissão de Defesa da Democracia, o intercâmbio e a troca de experiências com outros países do mundo, com outros Parlamentos do mundo, para que pudéssemos deliberar, discutir, amadurecer temas inerentes ao cumprimento constitucional, aos direitos fundamentais, às garantias individuais, às liberdades públicas, aos direitos sociais, tudo isso que compõe o que é o cerne de um Estado democrático de direito.
R
Esta Comissão, embora tenha a sua especificidade de ser uma Comissão de defesa da democracia, tem um escopo muito amplo, pois diversas questões podem aqui ser tratadas, diversas matérias podem ser aqui objetos de discussão e de deliberação, para que, em cada projeto de lei, em cada proposta de emenda à Constituição, quando há algum tipo de iniciativa que possa gerar algum tipo de crítica, ou de fragilidade, ou de vulnerabilidade, ou de mitigação da democracia, possa o Senado estar num foro permanente de Senadores e Senadoras vocacionados para esse cuidado e esse zelo com a democracia e possa, então, esta Comissão se pronunciar, orientando a Presidência do Senado, orientando as instâncias do Senado, orientando, eventualmente, outras Comissões nas iniciativas legislativas e no trabalho, de modo geral, do Senado Federal.
Nós temos diversos desafios no Brasil. Há muitas coisas muito positivas que aconteceram nos últimos anos, mas muitas coisas negativas também e desafios que se apresentam e que envolvem a necessidade de termos uma Constituição que seja efetivamente cumprida no nosso país. Que os Poderes possam se respeitar e reconhecer os seus próprios limites e as atribuições do outro. Que essa separação entre os Poderes seja uma realidade praticada em diversas situações da vida nacional: a convivência harmônica que se impõe aos chefes de Poder, aos membros de Poderes em relação às discussões institucionais, às discussões com outros Poderes; os diversos desafios que nós temos, que compõem o nosso objetivo de um Estado de direito democrático pleno no nosso país, que é o combate à fome, à miséria e à desigualdade, que é a garantia à moradia minimamente digna às pessoas do Brasil; a busca de oportunidades de emprego e de trabalho para todas as pessoas, para que a dependência do Estado não seja uma tônica permanente de uma sociedade que se visa reconhecer-se a partir da sua própria capacidade de gerar trabalho, de gerar riquezas para o país e para a subsistência de suas próprias famílias. Então, há uma enormidade de desafios que o Brasil tem, com discussões importantes, discussões relevantes. E é muito importante, muito significativo que uma Comissão Permanente possa discutir sobre eventuais modificações constitucionais que se pretendam e cuidar de acontecimentos, sejam acontecimentos que possam mitigar a democracia brasileira.
Eu gostaria de desejar a todos os membros que estão ali consignados já no painel, nessa primeira reunião da Comissão de Defesa da Democracia presidida pela Senadora Eliziane Gama, um belíssimo trabalho à frente desta Comissão. Contem irrestritamente com a Presidência do Senado para o bom desempenho de suas atividades. Que ela possa extrapolar os limites, inclusive de dependência física, do Senado Federal e que possa alcançar os inúmeros estados brasileiros, as cidades brasileiras, inclusive em missões que possam ser realizadas juntamente às Assembleias Legislativas, às Câmaras Municipais, para que o tema de preservação da democracia, que foi tão atentada e tão criticada nos últimos tempos, seja um tema de relevância no seio da Casa Alta do Parlamento Brasileiro, que é o Senado Federal.
Por isso, eu quero externar aqui, primeiro, a minha alegria de poder ter concebido essa ideia de uma Comissão Permanente nesse sentido e de hoje torná-la realidade. Agradeço imensamente o apoio que me foi dado pelos Senadores e Senadoras unanimemente nessa iniciativa de transformar uma Comissão então existente nesta Comissão de Defesa da Democracia. Agradeço, repito, aos membros que se dedicarão no dia a dia dela nas reuniões e nas deliberações que aqui serão realizadas.
R
E faço um agradecimento muito importante de ser registrado que é o pela presença de todos que aqui estão nesta primeira histórica reunião, em especial a da Ministra Cármen Lúcia, que nos honra com a sua presença e já revela que o caminho é justamente este: de uma harmonia entre os Poderes, que os Poderes possam conversar, possam trocar ideias, possam dialogar, respeitar os limites um do outro. E é muito simbólico que tenhamos aqui a Ministra Cármen Lúcia, representando o Supremo Tribunal Federal, que foi, de fato, e é muito importante também nessa toada da defesa e da manutenção da democracia no Brasil, de modo que celebro e agradeço a sua presença entre nós nessa primeira reunião.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Presidente, Presidente Pacheco, a Ministra vai ter que sair, ela avisou antes de o senhor chegar...
O SR. PRESIDENTE (Rodrigo Pacheco. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MG) - Sim, e eu já ia concluir neste minuto - agradeço, Senador Girão - dizendo que, considerando que a Ministra Cármen Lúcia tem que sair neste momento, eu também vou encerrar o meu pronunciamento e devolver a Presidência desta Comissão a quem de direito, que é a Senadora Eliziane Gama.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Pronto.
Rapidamente, só um minuto, porque sei que a senhora já está no limite, mas, além de saudar...
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - São 30 segundos, Senador, porque a Ministra não tem mais como permanecer. Ela está apavorada aqui.
O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Pela ordem.) - Claro, claro.
Além de saudá-la como Presidente desta Comissão, Senadora, porque nós estamos em muitas causas juntos - muitas causas! -, quero saudar também a Profa. Dra. Heloisa Starling.
É só para... É porque não é todo dia que a gente tem esta oportunidade de receber uma Ministra do Supremo, e eu tenho pela senhora um apreço por nos ter recebido num grupo parlamentar em 2019. E eu quero lhe fazer um apelo justamente sobre aquela reunião.
Nós estamos aqui fazendo um debate sobre democracia e equilíbrio entre os Poderes. O Presidente Rodrigo Pacheco levou muita esperança à população brasileira duas semanas atrás. Eu sou um Parlamentar, Ministra, que vou às praças, vou aos mercados, converso com pessoas de direita, de esquerda; eu gosto de dialogar - eu acho que é esse o papel - e eu estou vendo que a população, até a fala do Presidente Rodrigo Pacheco, estava apavorada. Eu estou lhe dizendo a voz de 80% dos brasileiros, pode ter certeza, segundo as pesquisas dos grandes institutos de opinião, sobre a questão da descriminalização do porte de drogas. Eu sei que isso está em pauta lá no Supremo Tribunal Federal, mas eu queria lhe fazer um apelo pelo equilíbrio entre os Poderes. Nós votamos essa matéria em 13 anos duas vezes. Uma no Governo Lula - foi aprovada - e outra no Governo anterior, do Bolsonaro, em 2019, em que eu, o Presidente Rodrigo Pacheco e a Senadora Eliziane Gama pudemos votar e aprovamos novamente a matéria. Então, nós fomos eleitos para isso. É uma coisa que mexe muito com a população. Eu visitei países e quero ter oportunidade também de conversar com a senhora. Vamos fazer um debate amanhã aqui, no Senado Federal, reunindo Senadores e especialistas com relação a essa questão da constitucionalidade do art. 28. Então, é o apelo que eu lhe faço. Se é para julgar a constitucionalidade, o.k., mas legislar eu acho que é uma atividade para a qual nós fomos eleitos. E, em respeito à democracia, eu faço esse apelo a senhora, porque é um assunto de valores e princípios do povo brasileiro, e eu sei que a senhora tem muita sensibilidade.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Muito obrigada, Senador Girão.
Ministra Cármen, muito obrigada de coração. Que Deus a abençoe...
A SRA. CÁRMEN LÚCIA (Fora do microfone.) - Desculpe-me mais uma vez.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Que é isso? Muito obrigada. (Pausa.)
Vamos seguir aqui...
(Intervenção fora do microfone.) (Risos.)
R
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Vamos seguir aqui na nossa audiência pública.
Vou passar agora a palavra à Profa. Dra. Heloisa Starling.
A SRA. HELOISA STARLING (Para expor.) - Muito obrigada.
Boa tarde a vocês! Boa tarde a todos! Boa tarde aos senhores e às senhoras!
Muito obrigada, Senadora, pelo convite. Estou muito honrada de estar aqui ao lado da senhora. Para mim, é importante.
Vocês vão me dar um desconto, porque, veja bem, ao lado dela... Felizmente, a Ministra já saiu, e, então, eu já estou mais tranquila. (Risos.)
Vocês me deem um desconto, porque é uma situação complexa aqui para a Professora. E vocês segurem a onda para mim, vocês me deem um desconto se eu falar bobagem. A gente pode combinar de cortar o som ou de vocês fazerem um sinal, delicadamente, e eu entendo.
A minha ideia, não sei se vai... É uma Comissão muito importante esta. Quando eu conversei com a equipe da Senadora, quando do convite da Senadora, eu fiquei pensando que talvez a melhor maneira de trazer para vocês questões seria pensar um pouquinho... A democracia tem uma história no Brasil. Nós temos uma ideia, em geral, de que a democracia no Brasil não é de nada, de que a democracia é fraca, de que a democracia não tem história. E isso é um negócio estranho, essa é uma questão estranha, porque, se a gente for à França, nós temos uma pilha desta altura de livros da história da democracia na França. Se nós formos aos Estados Unidos, nós temos outra pilha de história da democracia.... E não existe uma história da democracia no Brasil. Reparem. Nós não nos debruçamos sobre uma questão que é da maior importância. E aí eu queria referenciar alguns marcos, para que a gente pudesse, como não existe essa história, entender um pouco mais do nosso legado democrático. Se nós reconhecermos o nosso legado, nós temos condições de pensar melhor sobre o nosso presente e projetar o nosso futuro.
O mais surpreendente é que a história da democracia no Brasil é muito antiga. A nossa concepção moderna de democracia - e estou pensando na concepção moderna, que é quando é como forma de governo, uma nova forma de governo, mas também uma nova linguagem, mas também uma nova prática política - vai desembarcar no Brasil no final do século XVIII, nas duas grandes conjurações que encerram o século XVIII: uma conjuração que nós conhecemos pouco, que é pouco conhecida, que é a Conjuração do Rio de Janeiro, que é em 1794 e é a primeira vez que se trata da ideia da democracia no Brasil; e a expansão que vai acontecer, em seguida, da ideia de democracia moderna com a Conjuração Baiana, em 1798.
R
Os conjurados cariocas entendiam democracia a partir do argumento de que - e diziam isto - o exercício do poder não pode ser o privilégio de uma pessoa só. Em seguida, vão articular os dois princípios - isso, pensem gente, no Rio de Janeiro, em 1794 - constitutivos da democracia: a liberdade, que significa a ausência de dominação; e o princípio da igualdade, o apelo igualitário. O líder da Conjuração do Rio de Janeiro era um poeta - e talvez não seja por acaso que quem traz a democracia para o Brasil seja um poeta. Trata-se de Manuel Inácio da Silva Alvarenga. Ele defende o argumento, o tempo todo da Conjuração, de que não há justificativa para a desigualdade real. É um tema que nós estamos enfrentando até hoje no Brasil, e ele está argumentando isso lá no século XVIII. Diz Silva Alvarenga: "é injusto imputar tratamento diverso a indivíduos que possuem idêntico valor. Não há como conceber liberdade sem igualdade [ele diz]. E não podem existir leis para defesa da liberdade que permitam o desenvolvimento de desigualdades extremas". Então, vejam que ele está conversando conosco, ele está falando de hoje.
O momento seguinte desse desembarque da democracia no Brasil é a Conjuração Baiana, em que a Conjuração Baiana vai expandir a ideia de igualdade. Pela primeira vez, o conceito de democracia no Brasil é a igualdade entre os diferentes. Vocês têm dois líderes sensacionais na Conjuração Baiana, que são o Lucas Dantas e o João de Deus. Aí eles estão conversando como eles vão fazer para divulgar a ideia da Conjuração num momento em que eles precisam de novos adeptos, porque eles vão pegar em armas e deflagrar a insurreição que vai instalar a República em Salvador. Aí eles têm uma conversa em que o Lucas Dantas diz que é muito fácil conseguir novos adeptos: é preciso explicar para os adeptos que é preciso construir uma República democrática e que essa República democrática tem que viabilizar o espaço de passagem para a igualdade. Aí eu vou citar, literalmente, o Lucas Dantas, abrem-se aspas:
Quando lhes falar [aos novos adeptos], diga-lhes assim: o Povo tem tentado uma revolução, a fim de tornar essa Capitania em Governo Democrático, [...] [num Governo democrático] seremos felizes; porque só governarão as pessoas que tiverem capacidade para isso, ou seja, brancos ou pardos ou pretos, sem distinção de cor, e sim de juízo, e é [muito] melhor do que ser governado por tolos, [diga isso] e logo os convencerá.
De novo, século XVIII. Olhem o que esse Lucas Dantas está aprontando lá nas vésperas da Conjuração Baiana!
R
Eu acho - aqui um segredo entre nós, nós não vamos contar para ninguém - que ele deve ser um antepassado do Caetano Veloso, porque ele leu Rousseau, o danado, e transformou o Rousseau em canção que tocava no violão no Dique do Desterro, naquele lugar do dique onde eles se reuniam. Ele tocava: "Democracia é liberdade e igualdade, no sacrário da razão, ao lado da sã justiça, confortam o meu coração". Ele plagiou, ele pegou Rousseau - se eu faço isso, dá cadeia, plágio. O antepassado do Caetano Veloso tocava Rousseau ao violão para defender a democracia.
Reparem: é uma história cuja origem é bonita, e é para a gente ter orgulho dela. E a democracia sai desse espaço — eu tenho que andar depressa — e vai para a rua, já não se sabe quando. Ela sai dessas conjurações e ganha as ruas do Brasil na década de 20, entre a década de 20 e a década de 30, do século XIX. É o momento em que a democracia, então, se torna um espaço para o debate público e para andar nas ruas, igual nós vamos ver em outros momentos.
E aí, só para vocês verem como isso acontece, é uma história bacana também, que a gente conhece pouco. No início, em 1823, no dia 19 de julho de 1823, o Imperador Pedro I vai fazer uma fala, uma proclamação sobre os procedimentos das Câmaras, para o primeiro Parlamento brasileiro. Ele fala para os 90 Deputados que assumiram suas cadeiras e vão fazer a Constituinte. Olhem o que D. Pedro fala, abro aspas: "Democracia no Brasil! Neste vasto e grande Império, é um absurdo". Constituinte, ótimo; Constituição, melhor ainda; mas democracia nem pensar - diz D. Pedro. E ele faz essa proclamação nesse dia.
Felizmente, no Rio de Janeiro, nem todo mundo concordava com D. Pedro. E o Rio de Janeiro tem uma imprensa, a imprensa surge nesse momento. A imprensa vai nascer na década de 1820, e só no Rio de Janeiro vocês vão ter 52 jornais circulando e soprando, em vários desses jornais, o que a gente poderia chamar de uma sociabilidade democrática. E aí, dois dias depois dessa fala de D. Pedro, o jornal O Clarim da Liberdade sai com uma manchete: "Só a Santa Democracia poder-nos-á salvar”. Então, D. Pedro diz que democracia não; e a democracia está na rua.
Desses jornais, o mais interessante, que merece a gente estudar, nós precisamos estudar este jornal e conhecer o seu redator, é o jornal Nova Luz Brasileira. O Nova Luz Brasileira foi a fala mais desabrida em defesa da democracia durante todo o século XIX. Ele não circula por todo o século XIX, mas é o momento mais importante. O editor se chama Ezequiel Correia dos Santos e constrói o nosso argumento moderno de democracia. Então, ele fala, em um dos números do jornal, que a democracia não pode ser uma maneira de organizar o poder apenas. Ele diz que nós precisamos defender o princípio igualitário, esse princípio igualitário é essencial para um sistema que se pretenda democrático.
R
E aí ele diz, em uma manchete no Nova Luz Brasileira, que tem na Biblioteca Nacional, o seguinte: "Aquilo que afeta a todos precisa ser aprovado por todos"; e ele diz - nós estamos falando de 1823: "Mendigo também é cidadão e precisa do desvelo da sociedade. Miserável também é cidadão e pede o cuidado da sociedade. Pobre é cidadão como todos os outros".
Num outro número do jornal... Só para vocês gostarem do Ezequiel, pode ser? Só para a gente curtir o Ezequiel. Ele é completamente desabusado, é o jornalista mais desabusado da imprensa brasileira. Ele publica outra matéria no jornal. Estou citando: "Entre nós não há mais do que povo, e escravos; e quem não é Povo, já se sabe que é [...] escravo"; "Quem diz Povo por desprezo é desprezível aristocrata [...] o governo deve emanar de todos, e pender de todos em massa"; "Deus, que quando fez Adão, não o fez [nem] Conde, [nem] Frade, [...] [nem] Marquês".
Então, são muito legais as matérias, porque é uma linguagem... Ele usa de uma linguagem acessível, o jornal circula e as pessoas começam a ter acesso. As pessoas do mundo real, as pessoas comuns começam a ter acesso ao debate sobre a democracia.
Reparem, esse debate está acontecendo no mesmo momento em que toma forma o projeto vitorioso da independência, que é centralizador, que é conservador e que mantém a escravidão - está na matriz do Estado brasileiro -, mantém a monarquia e mantém a dominação senhorial. Então, ao mesmo tempo em que nós estamos lidando com um projeto de independência que vai permitir o florescimento de uma sociedade autoritária, de uma sociedade desigual, nós também estamos lidando com o momento em que a democracia desembarca no Brasil e passa a circular nas ruas.
Talvez essa questão nos ajude a entender...
Eu tenho que terminar isso, mas é porque é bonita essa história, não é? Eu vou terminar, espera aí.
Eu só queria fazer uma pergunta: vocês aguentam mais dez minutos?
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA. Fora do microfone.) - Pode falar, pode falar. (Risos.)
A SRA. HELOISA STARLING - Olhem só, isso é porque talvez esse cruzamento entre o Estado monárquico e a democracia nos leve a entender duas coisas: uma, a de que a gênese da ideia de democracia entre nós é tortuosa, talvez por causa disso, pelo imbricamento dessas duas situações; e vai ser uma longa luta dos brasileiros, tanto no campo da imaginação, da cultura brasileira, quanto da nossa vida social e da nossa vida política. Reparem: com avanços lentos, drásticos, tem recuo e tem momentos obscuros. Então, talvez, esse percurso tortuoso da nossa história, que nós não conhecemos, tenha a ver com esse imbricamento.
E o outro elemento é a importância que assumiu entre nós a luta por direitos, porque, para o aprendizado da democracia, a luta por direitos foi essencial; e nos ajuda a enfrentar essa sociedade desigual, porque os direitos ressoam dentro de cada um de nós, a pessoa que vai... Ainda bem que a Ministra não está aqui para eu ficar carteando marra de que eu entendo de direitos.
R
Mas, se a gente pensar, o ato de declarar direitos aumenta o valor da nossa aposta democrática, e os direitos exigem uma participação ativa de cada um de nós. Então, é por isso que os direitos são a alma da democracia e talvez seja por isso que a gente tenha feito uma aposta, ao longo da história, na luta pelos direitos e na defesa dos direitos, que, de forma sistemática, nós vamos encontrar em dois momentos: na luta da população negra e dos abolicionistas e na luta das mulheres por direitos, que começa pelo direito de votar e de reconhecimento, que começa em 1910. É com uma mineira, de Campanha, que faz um jornal, a Senhorinha... Depois eu vou te contar essa história. As mineiras se saíram bem nessa história.
Outro ponto, então, é nós pensarmos que não existe democracia satisfeita consigo mesma. A democracia não é uma construção acabada, mas é um empreendimento contínuo. Isso mostra a importância do trabalho dos senhores com esta Comissão. Por quê? Reparem que ela é capaz de se refugiar nas bordas da sociedade quando ela está ameaçada e é capaz de inventar mudanças. E, nos seus momentos de maior euforia, ela não pode se considerar plena, nem completa, nem terminada.
A nossa última matriz vai desembocar na nossa Constituição. É a grande luta pela redemocratização do Brasil, que vai colocar em jogo, pela primeira vez, entre os anos de 1975 e 1985, o conteúdo e o alcance da democracia que a sociedade brasileira quer. E pela primeira vez os brasileiros passam a entender a democracia não mais como um meio para se chegar a uma boa sociedade, como nos anos 60: "Ah, vamos chegar ao governo socialista; então, a democracia é um meio para se chegar". Não, os brasileiros passaram a entender a democracia como um fim em si mesmo, como um valor em si mesmo e como um empreendimento que tem que ser constante e contínuo. E isso desemboca na nossa Constituição.
Só para terminar aqui, se os senhores lembrarem que até 2018 a democracia no Brasil só caiu por força de golpe de Estado - e dois deles foram bem-sucedidos, em 1937 e em 1964, com o golpe militar -, nós não tínhamos, até 2018, a referência, na história do Brasil, de destruição de democracia por dentro: um Presidente legitimamente eleito operar dentro da democracia para destruí-la num processo de erosão. Isso é inédito na nossa história e traz um novo problema para levantarmos as barreiras de defesa da democracia. A democracia não é só um sistema baseado em instituições, mas ela é, igualmente, um modo de vida e uma forma de sociedade.
Então, nós precisamos defender as instituições, mas nós precisamos fortalecer e construir uma cultura democrática no Brasil para que a democracia se torne... Talvez esta seja a nossa principal tarefa agora. Nós sabemos como a democracia morre, e nós precisamos que ela renasça, e nós precisamos construir essa cultura.
R
Acho que o meu desejo para esta Comissão é que ela nos ajude a tornar a democracia um hábito no coração dos brasileiros, como definiu lá o Alexis de Tocqueville, no século XIX. Vamos fazer, juntos, da democracia um hábito no coração dos brasileiros, para que ela não corra mais perigo no Brasil.
Muito obrigada, muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA. Fora do microfone.) - Muito bom mesmo.
A SRA. HELOISA STARLING - Não envergonhei a senhora, não?
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Muito bom. Eu quero, inclusive, que, se você puder deixar a sua fala...
A SRA. HELOISA STARLING - Uai, deixo, mas é só anotação, porque eu fico com medo de falar bobagem.
Deu certo aí? Ou ela está sendo educadinha?
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Você foi muito boa. Uma aula para a gente.
A SRA. HELOISA STARLING - Está bom, vou deixar assim.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Eu quero cumprimentar o Senador Randolfe Rodrigues. Ele está, eu o vi agora há pouco aqui, deu uma saída. Eu quero cumprimentar...
A SRA. HELOISA STARLING (Fora do microfone.) - Ah, porque ele ouviu o que eu falei, achou um horror, "cascou" fora.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Não, ele, com toda a certeza, ficou absolutamente encantado, porque o Randolfe é um historiador...
A SRA. HELOISA STARLING (Fora do microfone.) - É, de Pernambuco.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - ... e também amante de pessoas intelectuais como você, com toda a certeza.
Eu quero cumprimentar aqui o Arthur Mello, do Pacto, aliás, os representantes do Pacto pela Democracia, na pessoa do Arthur Mello. Quero cumprimentar também os integrantes da Democracia em Xeque: o Beto Vasquez, a Ana Bernardi, a Letícia Caroni; cumprimentar o Instituto Vladimir Herzog, com o Lucas Barbosa; cumprimentar a Nilza Valéria e a Fernanda, da Frente Evangélica; e a todos os demais alunos das universidades que estão aqui participando conosco.
Vou passar agora a palavra ao Presidente Roberto Freire, que é Presidente Nacional do Cidadania.
O SR. ROBERTO FREIRE (Para expor.) - Eu queria dizer que eu vim imaginando que era uma participação em algo importante, e eu vou sair daqui plenamente convicto de que era muito mais importante do que eu imaginava antes de vir. É um momento significativo. E, ouvindo aqui, veio-me um pouco da pernambucanidade. Ela falou de algo que... Eu, em algum momento, inventei de ser professor de história; não fui bem-sucedido, porque desisti, talvez pela política, e aí não segui. Mas uma das coisas que eu falava muito - e aqui a mineiridade muito presente - era que o Brasil optou pela Inconfidência Mineira e se esqueceu da Conjuração Baiana. E eu falava dela quando ninguém falava; pelo menos, poucos falavam. E eu achei ótimo...
E aí queria só colocar...
A SRA. HELOISA STARLING (Fora do microfone.) - Claro.
O SR. ROBERTO FREIRE - ... para que a senhora, como historiadora renomada, da nossa Confederação do Equador.
A SRA. HELOISA STARLING (Fora do microfone.) - Ano que vem. Ano que vem, 200 anos da Confederação do Equador.
O SR. ROBERTO FREIRE - Claro. Eu era Ministro da Cultura...
A SRA. HELOISA STARLING - Frei Caneca. (Fora do microfone.) Não me esqueça de Frei Caneca.
O SR. ROBERTO FREIRE - Claro. E era isto que eu queria um pouco lembrar quando eu falei da pernambucanidade: que nessas daí não se falava muito em democracia. Até porque democracia, para nós, é um conceito que é muito novo.
E eu queria até aproveitar... Mas é só para dizer que, quando Ministro, eu comemorei a Confederação do Equador, a revolução...
A SRA. HELOISA STARLING (Fora do microfone.) - Vamos comemorar.
O SR. ROBERTO FREIRE - ... em 1817.
A SRA. HELOISA STARLING (Fora do microfone.) - Vinte e quatro.
R
O SR. ROBERTO FREIRE - Não, em 1817, é a primeira revolução pernambucana; em 1824, ainda ficava para comemorar a Confederação do Equador. São várias revoluções libertárias e não tinham esse caráter da democracia que hoje começamos a ter.
Era isso um pouco o que eu queria trazer, inclusive, para nós que falamos muito em democracia e que imaginamos, durante muito tempo, no século XX, que a democracia era aquilo que imaginávamos na instalação do socialismo. E, naquela oportunidade, dávamos ênfase à luta pela igualdade, mas esquecíamos um pouco a questão democrática fundamental da liberdade, e a democracia como um valor universal. Hoje, o mundo caminha para isso.
Domingo, no dia dos pais, um avô escreveu um artigo que tem um levantamento que ele fez, porque o neto o perguntou sobre a guerra, e ele deu uma resposta que se enquadra muito na questão da democracia. Ele disse: "Olhe, eu fiz um levantamento, meu neto, e vou explicá-lo dizendo para você o seguinte: cento e tantas guerras foram de governos autoritários contra outros governos autoritários; mais de cem, contra governos democráticos; agora, não se tem nenhuma guerra de um governo ou um país democrático contra outro governo ou país democrático".
Não sei se essa é uma pesquisa histórica muito firme, correta, em termos de dados totais, mas só essa lembrança nos traz essa componente fundamental: se se quer viver em paz, a democracia é a base para isso; sem ela, a dificuldade de ela permanecer é total. E nós estamos hoje, como geração, vivendo concretamente isto: uma autocracia, um regime autoritário invadindo uma democracia. Não tem nenhuma democracia invadindo regime democrático. Quando os dois se encontram, se entendem, porque o diálogo é a base.
Você aqui falou, não sei se imaginando, um termo que era muito próprio nosso de falar da Internacional, seja social-democrata, Socialista ou a nossa Internacional Comunista. Você falou de um internacional-democrático, uma internacional da democracia, e isso é algo que está surgindo no mundo. Esse valor está se implantando, apesar de termos, a todo momento, notícias de que a democracia está sendo golpeada, está se tentando golpeá-la. Nós tivemos aqui, no Brasil, recentemente, até alguns desvios ao dar um poder ao Poder Judiciário, porque foi um dos instrumentos importantes para impedir que a democracia morresse por dentro da própria democracia, no Governo passado.
R
E aqui eu até, quando da colocação do Senador Girão, disse à Ministra baixinho, mas, como a Senadora Eliziane Gama ouviu, eu vou tornar público, que ela levasse uma posição contrária: eu disse a ela que levasse uma posição contrária à do Senador Girão.
Eu, como representante de um partido, ex-Senador, ex-Deputado e cidadão brasileiro, tenho posição contrária, até porque, nesse caso, o Supremo Tribunal não está legislando, o Supremo Tribunal está suprindo uma omissão que a lei criou e, pior, degenerou em termos de uma arbitrariedade de juízes, aí sim, e de policiais para determinarem o que é que significa a diferença que a lei fez entre traficante e usuário. Trata-se de suprir algo que o Poder Legislativo não fez e que não é inconstitucional, porque na Constituição de que eu, como Constituinte, participei, está escrito sobre a possibilidade do mandato de injunção: por seu intermédio, quando há omissão, o Poder Judiciário, provocado, pode supri-la, e é o que está acontecendo. Não está inventando usuário e traficante; ele está definindo o que significa ser usuário ou ser traficante, não deixando isso para o livre arbítrio, seja da força policial ou de um juiz singular qualquer.
Então, é só para dizer que não é apenas uma escolha; é também uma afirmação democrática da separação dos Poderes, cada um cumprindo com as suas competências.
Quero lhe dizer, Eliziane, que quando eu comecei dizendo que era importante... Eu quero dizer que você está presidindo um fato histórico e num momento em que o mundo precisa afirmar a democracia. E o Senado da República brasileira tem um papel fundamental, até para dizer ao Governo que não é se preocupar apenas com a democracia nossa, mas com a democracia no mundo. E o mundo significa um peso que a gente tem como um país da dimensão nossa, do papel político que temos, papel político no mundo, e é um papel de afirmação da democracia e da liberdade em todo o mundo, sem discriminação alguma. Isso não é algo tão fácil, e quem está dizendo é quem esteve em Internacional que se despreocupava com a questão democrática. Como hoje temos muito claro que a democracia é um valor universal, coloque isso como lema desta Comissão para que exerça um papel que o Senado brasileiro pode exercer e que a democracia brasileira tem por dever exercer. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Muito obrigada, Presidente Roberto Freire!
Nossa, gente, estou muito feliz iniciando os trabalhos desta Comissão com esta audiência pública em altíssimo nível! Ouvimos a nossa Profa. Heloisa, que o Brasil inteiro conhece pela referência que é, e ouvimos Roberto Freire, com essa exposição a partir de uma vivência própria.
Eu adoro ouvir o Roberto, gente, eu paro e fico encantada, porque ele conta a história do que ele viveu, do que ele viu e, ao mesmo tempo... Ele é um pouco mais velho do que eu, um pouco mais maduro do que eu, mas ele tem uma visão para além do seu tempo. Acho que o Roberto conseguiu construir isso, ter uma vivência de tempos difíceis da história brasileira e ter um olhar para além do seu tempo; é uma mente absolutamente brilhante que dá uma lição para todos nós. Então, queria lhe agradecer profundamente por sua presença aqui conosco.
R
E eu vou passar aqui... Na verdade, na nossa audiência pública, há participação dos presentes; a gente teria que fazer aqui a inscrição, mas eu vou ver se alguém mais quer se inscrever, vamos inscrever apenas quatro ou cinco pessoas para poder ganhar tempo.
Vamos iniciar com o Arthur Mello, que representa aqui o Pacto pela Democracia, uma organização que tem mais de 200 entidades e tem tido um papel preponderante. Esteve ontem aqui conosco, Roberto e Heloisa, num momento também histórico: nós recebemos cinco Parlamentares americanos aqui que participaram intensamente de um comitê no Congresso americano que tratou da investigação acerca da invasão do Capitólio, dentre eles a Alexandria, que esteve conosco, e vários outros representantes. Então é um momento realmente muito importante, e o Pacto pela Democracia é uma organização parceira desta Comissão.
Então, muito obrigada, Arthur e todos os demais membros do Pacto pela Democracia que estão aqui conosco.
O SR. ARTHUR MELLO (Para expor.) - Obrigado, Senadora.
Antes de mais nada, a gente combinou aqui de passar a palavra, vou falar no máximo dois minutinhos.
Primeiro, vou começar agradecendo à Sra. Senadora por convidar a sociedade civil para fazer parte deste momento histórico. Também quero agradecer à Profa. Starling por essa aula, a gente poderia ficar ouvindo por bastante tempo a explicação da senhora, e ao Presidente Roberto Freire, Presidente do Cidadania, na pessoa de quem que saúdo todos os partidos, que também são essenciais para a democracia brasileira, e a gente tem total entendimento disso.
A criação da Comissão de Defesa da Democracia é sintomática, é criada neste momento, que é um momento de dificuldade, em que a palavra democracia, o conceito de democracia está na boca das pessoas, as pessoas estão cada vez mais entendendo qual a importância da democracia. Isso é sintomático pelo desmonte que a gente teve nos últimos anos. Eu acho que agora a gente está aqui traçando uma linha no chão e mostrando que não vai mais passar, não vai mais acontecer. A sociedade civil está aqui neste papel de fiscalização, de ajudar a Comissão, mas para mostrar que isso não pode mais acontecer. Gostei muito de ouvir, Presidente, que a Comissão está de portas abertas. A sociedade civil tem vontade de participar, tem vontade de continuar aqui, tem vontade de ajudar como for esta Comissão, que a gente entende que é de suma importância para o Brasil.
Eu acho também que a gente tem um papel de celebração da democracia aqui nesta Comissão. A gente tem que lembrar por que ela é importante, por que a gente não pode abrir mão dela. E a gente tem que lembrar também aqui nesta Comissão, como já diria Ulysses Guimarães, que traidor da Constituição é traidor da pátria. A gente tem que lembrar nesta Comissão que a gente tem ódio e nojo da ditadura. Esse papel da Comissão também é essencial, esse papel educacional.
E a Comissão sendo um farol, como a Ministra disse, eu acho que ela é a primeira de muitas comissões em defesa da democracia que a gente espera que se espalhem pelas Assembleias Legislativas, pelas Câmaras Municipais, internacionalmente, por que não? E a sociedade civil, junto às organizações do Pacto pela Democracia, também se dispõem a ajudar nesse movimento.
Por fim, podem contar com a gente em tornar a democracia um hábito, professora. A gente tem entendimento de que isso é importante. Contem com a sociedade civil, contem com o Pacto pela Democracia, que a gente está aqui para isso.
Eu queria passar a palavra para a Valéria, para a gente continuar essa intervenção.
Obrigado.
R
A SRA. NILZA VALÉRIA (Para expor.) - Boa tarde. Em nome da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, a gente celebra esta Comissão. E a gente destaca que, para nós, evangélicos comprometidos com a Democracia, esta Comissão é um marco. É um diálogo que a gente tem feito de forma constante com a Senadora Eliziane.
E, se hoje as igrejas evangélicas cresceram neste país, só foi possível crescer porque vivemos numa democracia. Se não fosse a democracia, as igrejas não teriam como crescer como cresceram. Então, isso torna um contrassenso que o fundamentalismo religioso seja uma ferramenta para minar a democracia por dentro dela.
Então, contem conosco. Há muitos evangélicos neste país dispostos a construir uma nação para todo mundo, um país para todo mundo, o que só é possível na democracia.
Então, eu agradeço muito. Foi muito importante ouvir a Ministra Cármen Lúcia. É uma pena que ela tenha se retirado. Foi extremamente importante a fala dela.
Profa. Heloisa, foi uma alegria imensa conhecê-la e ouvi-la pessoalmente. E Roberto Freire, a quem acompanho há muitos e muitos anos, quando ainda adolescente, desde as eleições de 1989, como já foi mencionado, é uma alegria muito grande ouvi-lo.
E saibam, contem no que for possível, respeitando os limites entre Estado e igreja. Contem com a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito para fazer a disputa que se faz necessária nesse momento neste país.
Obrigada por esse espaço.
O SR. ARTHUR MELLO - E agora queria passar para o Beto Vasques, do Democracia em Xeque.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Eu queria, antes do Beto Vasques, cumprimentar o Democracia em Xeque, que tem sido também muito importante inclusive na contribuição dos trabalhos da CPMI do 8 de Janeiro.
Então, eu agradeço assim profundamente ter também o Democracia em Xeque aqui nesta audiência. É a demonstração de que a gente está no caminho certo, ao lado das demais entidades.
Beto.
O SR. BETO VASQUES (Para expor.) - Obrigado, Presidente. É uma honra, um prazer e uma profissão de fé nossa poder ajudar a democracia.
Quero ser muito breve, mas recordando o que o próprio Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, acabou de colocar, o aprendizado nosso nessa última década nos mostrou que tentações autocráticas tentaram colocar os regimes democráticos em xeque.
A gente viu isso ao longo de todas as atitudes do planeta. A gente viu recentemente na Espanha, a gente viu no Paraguai. A gente viu isso em diversos países, não só os que vinham, mas neste último ano, depois das eleições brasileiras, a gente vê que a integridade dos sistemas eleitorais e o próprio regime democrático têm sido postos em xeque.
Então, eu acho que isso nos recorda uma lição que talvez dez anos atrás, o meu xará Roberto Freire estará de acordo, a gente tinha dado como mais ou menos finiquitada, resolvida. A gente achava que a democracia, uma vez estabelecida, ela é autoexecutável. E ela não é autoexecutável.
R
E aí, eu acho que esta Comissão... Nesse sentido, reforço as palavras do Arthur, a gente louva a criação da Comissão. E. mais que um farol, como a própria Ministra colocou - eu me remeto às palavras iniciais da Senadora Presidente, Eliziane Gama - eu acho que esta Comissão tem um papel de regador.
Então, louvando o trabalho e nos pondo à disposição para colaborar com esta Comissão desde o primeiro momento, quero parafrasear - os jovens não se lembrarão - uma canção de a A Cor do Som, de 1980, que dizia que... Eu vou parafraseá-la, em homenagem à democracia:
"[...], é como a flor
De água e ar, luz e calor
[...] [A democracia] precisa para viver
De emoção, e de alegria
E tem que regar todo dia"
Obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Gente, muito obrigada.
Eu quero registrar a presença da Senadora Damares.
Muito obrigada pela sua presença aqui conosco, na nossa Comissão.
Não sei se a Senadora vai querer usar a palavra, antes do nosso encerramento.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF. Pela ordem.) - Eu só vou usar a palavra para lamentar, de não poder ter estado antes, ouvir a professora, a nossa querida professora... Eu não estou conseguindo.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Heloisa Starling.
A SRA. DAMARES ALVES (Bloco Parlamentar Aliança/REPUBLICANOS - DF) - Heloisa.
Eu sei o nome, confundo com Sandra, é sempre assim. (Risos.)
Professora, obrigada por estar conosco, esta é uma Comissão que realmente promete. Eu acho que as discussões aqui vão ser interessantes e vão ser fundamentais para a gente caminhar nessa construção dessa democracia forte, com o nosso grande inspirador nessa luta também. Que Deus abençoe! Pena que eu não ouvi a Ministra Cármen, mas todos os demais que estão aqui acreditem, a pluralidade de ideias também faz parte deste Estado democrático de direito.
E a gente está aqui também para ajudar na construção, a gente está aqui também para se levantar - como disse o último orador - contra tanta atrocidade que um sistema ditador traz.
Eu acho que a gente precisa celebrar mais a democracia e falar especialmente com as novas gerações.
Eu não vou falar da música do senhor, não, porque eu não era nascida ainda... (Risos.)
... mas eu acho que a gente vai ter, neste espaço, nesta Comissão aqui, grandes oportunidades, grandes oportunidades de a gente fazer este debate que vai ser interessante para essa construção e fortalecimento de nossa democracia.
Parabéns, Presidente.
Deus abençoe a todos vocês.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Amém!
Muito obrigada, querida.
Eu queria cumprimentar a presença do Francinácio Medeiros, que é Superintendente da Polícia Rodoviária Federal do Maranhão, que está aqui.
Tudo bem, querido? Satisfação.
Quero cumprimentar também Raniery Felipe, que é Superintendente Executivo da PRF do Maranhão, e o Maronilton Souza, que é Assessor Parlamentar da PRF do Maranhão.
Muito obrigada pela presença de vocês aqui conosco.
Eu quero cumprimentar o Alexandre Santos, ele é do Rio Grande do Norte, que nos fez algumas... Na verdade nós temos aqui o Alexandre Santos, do Rio Grande do Norte, o João Victor, do Ceará, o Giovanni, de Santa Catarina, e o Roberto Zero, de São Paulo, que enviaram aqui, pelo e-Cidadania do Senado Federal, alguns questionamentos.
Alguns deles, inclusive, a Ministra Cármen poderia conversar conosco, mas ela não está aqui, que são mais direcionados à questão jurídica, mas eu acho que os questionamentos deles aqui são exatamente a essência do que nós vamos trabalhar nas próximas semanas, meses e anos aqui nesta Comissão.
Por exemplo, o Alexandre coloca: "[Que] mecanismos podem ser inseridos na Constituição da República para aprimorar a defesa das instituições e da própria democracia?"
Aliás, esse é um dos objetivos desta Comissão: o aprimoramento do arcabouço legal brasileiro faz parte de uma luta diária dentro do Congresso Nacional, e, do ponto de vista do fortalecimento dessas instituições, tudo aquilo que a gente entender que é preciso o aprimoramento, nós vamos apresentar e, aliás, discutir, dentro desta Comissão, não apenas como audiência pública, mas, por ser uma Comissão ordinária também, fazendo o debate legislativo, através da avaliação, análise e aprovação dessas proposições legislativas que serão apresentadas por todos os Parlamentares.
R
Os demais vêm basicamente da mesma linha: o papel do cidadão comum na manutenção do equilíbrio entre os Poderes da República e também na promoção da democracia do país. O Giovanni fala da polarização política e da corrupção que afeta o equilíbrio entre os Poderes.
E o Roberto Zero fala da posição brasileira, que está na 51ª, no que se refere ao ranking publicado pela revista The Economist, que fala sobre o processo democrático, ou seja, nós precisamos melhorar, de fato, essa posição nesse ranking internacional.
Por fim, mais uma vez, eu quero agradecer profundamente a todos vocês. Faremos várias outras audiências. Os convites serão feitos.
Mais uma vez, obrigada, Profa. Heloisa.
A senhora quer fazer uma consideração final antes do nosso encerramento?
A SRA. HELOISA STARLING (Para expor.) - Quero só agradecer à Senadora. Sandra é minha prima. (Risos.)
E todas as vezes que me chamam de Sandra, eu acho o máximo, porque ela era a prima mais velha, sabe? Dava um monte de ordem. Então, Senadora, muito obrigada.
E a outra coisa é o seguinte: além de a gente ter que lembrar da Confederação do Equador, Pernambuco tem... Eu vou provocar os pernambucanos. É porque um dos maiores historiadores do Brasil, que é Evaldo Cabral, é pernambucano, não é? Então vamos provocar Evaldo. Aí eu queria lembrar vocês o seguinte: o Frei Caneca tem um jornal, que é o Typhis Pernambucano, em que ele faz a discussão da democracia. Os dois grandes jornais democráticos são o Typhis Pernambucano e o do Ezequiel, nosso amigo de que eu falei hoje. Vocês acreditam que ninguém sabe onde estão os originais do Typhis Pernambucano? Vamos ver se a gente acha, gente? Está bom? Por favor! Vamos pôr na pauta: onde está o Typhis Pernambucano?
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Um bom desafio, aliás.
A SRA. HELOISA STARLING - E a homenagem à Frei Caneca.
A SRA. PRESIDENTE (Eliziane Gama. Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MA) - Muito bom.
Portanto, gente, eu submeto à deliberação do Plenário a dispensa da leitura e a aprovação da Ata da 2ª reunião, realizada no dia 12/7/2023.
As Sras. Senadoras e os Srs. Senadores que aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
A ata está aprovada e será publicada no Diário do Senado Federal.
Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos e todas e declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigada.
(Iniciada às 14 horas e 23 minutos, a reunião é encerrada às 15 horas e 51 minutos.)