23/08/2023 - 16ª - Comissão de Agricultura e Reforma Agrária

Horário

Texto com revisão

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O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC. Fala da Presidência.) - Meu muito boa tarde a todos os presentes, convidados, amigos debatedores, assessores, e a toda a população que nos assiste pelos meios de comunicação do Senado, pelo e-Cidadania.
Sob a proteção de Deus, iniciamos nossos trabalhos, nesta quarta-feira, 23 de agosto de 2023.
Declaro aberta a 16ª Reunião da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, da 4ª Sessão Legislativa Ordinária, da 57ª Legislatura do Senado Federal.
Antes de iniciar os nossos trabalhos, proponho a dispensa da leitura e a aprovação da ata da reunião anterior. (Pausa.)
Não havendo quem queira discutir, declaro aprovada.
Na sequência, a reunião está dividida em duas partes: audiência pública e deliberativa. A primeira parte destina-se à realização da audiência pública para instruir o PL 2.903, de 2023, da Câmara dos Deputados, que regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas; e altera as Leis nºs 11.460, de 21 de março de 2007, 4.132, de 10 de setembro de 1962, e 6.001, de 19 de dezembro de 1973, em atendimento ao Requerimento 26, de 2023, de iniciativa dos Senadores Beto Faro e Tereza Cristina.
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Esta audiência pública é interativa por meio do por meio do Portal e-Cidadania, no site do Senado, e pelo telefone 0800 0612211.
Neste momento eu convido os oradores a tomarem seus assentos à mesa.
Convido o Sr. Marivaldo de Castro Pereira, Secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública. (Pausa.)
Acabei de ser informado que o Sr. Marivaldo teve um contratempo, vai chegar um pouco atrasado.
Vamos dar continuidade.
Convido a Presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a ex-Deputada Joenia Wapichana.
Ainda não chegou? Acabou de chegar.
Convido o Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kleber Kapurinan. (Pausa.)
Fazendo aqui a correção, é Kleber Karipuna.
Lá no Acre nós temos o tronco Naua e tem muita terminação "an" no final.
Convido Arnaldo Zunizakae, para não errar o nome aqui.
Arnaldo, por gentileza. Presidente da Cooperativa Agropecuária dos povos haliti nambikwara e manoki.
Arnaldo, muito obrigado.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Convido o ex-Deputado Federal, Osmar Serraglio, ex-Ministro, que nos traz aqui... também em substituição ao ex-Ministro Aldo Rebelo, que não pôde estar presente. Ex-colega Deputado Federal e ex-Ministro de Estado da Defesa.
Convido o Presidente da Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Marcelo Bertoni. (Pausa.)
Esta audiência pública será dividida na palavra de cada um dos integrantes desta mesa, dos oradores.
Como são seis debatedores, daremos o tempo igual de dez minutos para cada um deles fazer sua explanação. E, na sequência, teremos a participação dos Senadores e as considerações finais.
Também temos recebido as manifestações pelo Portal e-Cidadania, através do telefone e também do site, do e-mail. (Pausa.)
Vamos aqui dar andamento, na ordem, como está aqui na nossa audiência pública.
Na sequência, com a chegada dos próximos convidados, eles também terão a palavra.
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Quero convidar a fazer a sua explanação, por dez minutos, o Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sr. Kleber "Kapurina".
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Karipuna! Uai, Kleber, está ruim para eu acertar o teu nome, hein, Kleber?
O SR. KLEBER KARIPUNA - Agora foi.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Kleber, muito obrigado. Você tem dez minutos.
O SR. KLEBER KARIPUNA (Para expor.) - Obrigado, Senador Alan.
Primeiramente uma boa tarde a todos.
Onde a gente conta o tempo? Ah, ali atrás, não é? Tá.
Uma boa tarde para todos, todas e "todes" aqui presentes, em especial aos nossos parentes, lideranças indígenas que estão aqui, da nossa Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, da nossa base política, do movimento indígena, que estão aqui presentes com todos nós; para as Srs. e os Srs. Senadores e Senadoras, especialmente aos nossos Senadores e Senadoras aliados dos povos indígenas, do movimento indígena, que se mantêm aí bastante combativos na nossa empreitada aqui no Senado, não é? E parabenizo essa aliança com os Senadores e Senadoras nesse processo de diálogo, de debate, quase que diariamente, toda semana, para tentar achar formas e caminhos viáveis para todos nós, na garantia do direito dos povos indígenas. Mas também quero saudar todos os Senadores e Senadoras que compõem a Comissão de Agricultura e que compõem esta Casa nesta audiência de hoje.
Senador Alan e todos os demais Senadores e Senadoras aqui presentes, acho que um ponto inicial, fundamental para entendermos esse processo, e principalmente esta audiência, conseguida a partir do requerimento do Senador Beto Faro, a quem a gente agradece, também a sua contribuição no debate, mas é importante ressaltar que esta audiência pública, Senador Alan, não se compara nem um pouco, o mínimo possível, com o processo de consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas do Brasil, conforme prevê a Convenção 169, da OIT, da qual o Brasil é signatário e é lei no nosso país, a garantia de que em todo e qualquer projeto legislativo, administrativo que venha impactar os povos indígenas no Brasil, tem que ser seguido esse processo de consulta.
Então ressalto que para além deste formato de audiência pública, é uma necessidade extrema a gente ampliar esse debate para um formato mais adequado, principalmente na consulta aos povos indígenas do Brasil, que serão, nesse caso, o PL 2.903, se vier a ser aprovado nesta Casa, os mais impactados pelas medidas que estão postas ali no PL, que daqui a pouco relataremos, algumas delas danosas aos povos e territórios indígenas. Então a importância de a gente garantir, Senador Alan e todos os Senadores e Senadoras aqui presentes, a Senadora Soraya, que é Relatora desse PL aqui na CRA, a importância de a gente ampliar esse debate num processo de consulta que garanta uma escuta dentro da diversidade que somos os povos indígenas do Brasil como um todo.
Estamos falando de mais de 305 povos, fora os povos que se encontram ainda em isolamento voluntário. Então é importante a gente entender que esse processo precisa ser muito mais ampliado e participativo e de acordo com o que prevê a Convenção 169 da OIT.
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É importante lembrar, ainda nesse processo de consulta - e aproveitando até que V. Exª citou o canal e-Cidadania, principalmente pelo site, inclusive sobre a proposta, tanto do PL nº 490, que veio da Câmara, como para o PL nº 2.903, que está aqui no Senado -, o processo de consulta à sociedade civil, enfim, é aberto para qualquer pessoa que queira contribuir com qualquer proposta legislativa que esteja tramitando nas duas Casas. É importante ressaltar o quanto a sociedade brasileira, no geral, rejeita esse tipo de projeto.
Só para lembrar todos que o PL 490, na Câmara, até a sua tramitação final, a sua aprovação, tinha uma rejeição, uma discordância total em relação ao texto do PL, de 87%, sem somar os indecisos e os que discordam em parte. Somando esses dois daria algo em torno de 89% de discordância do PL 490 ali na Câmara. E agora, já no Senado Federal, o PL 2.903, apurado até o dia de hoje, já com mais de 17 mil contribuições, aliás, quase 18 mil contribuições dos internautas, da sociedade civil como um todo, estamos falando de uma rejeição, de "não", contra o PL 2903, de 91%. Isso está no site do e-Cidadania, no portal. A gente se pergunta para o quanto que serve, por exemplo, essa consulta da opinião pública da sociedade civil como um todo, nesse processo de diálogo a partir desses canais para aferir essa importância de um debate com a sociedade.
Então é importante ressaltar o quanto que a sociedade brasileira rechaça esse tipo de projeto e o quanto que a gente precisa debater de uma maneira muito mais cautelosa, sem a assoberbação, a importância de incluirmos os povos indígenas também nesse processo de ampla consulta.
Queria trazer aqui uma questão importante em relação ao PL, que não trata somente do marco temporal. Ficamos todos nós, muitas das vezes, Deputados e Deputadas, lá na Câmara, quando estava o PL ali, aqui no Senado também, Senadores e Senadoras, focando muito na questão do marco temporal. É preciso trazer tantas outras coisas, tão danosas quanto, ou até mais, relacionadas à tese do marco temporal, em relação ao PL 2.903.
Acho que um ponto de destaque é trazer sobre a exigência que o PL traz de uma desconfiguração da caracterização física de um indígena para se determinar se aquela terra indígena ou se aquele povo indígena é ou não é reconhecido como um povo indígena e o quanto isso é danoso para o processo de reconhecimento dos povos indígenas no Brasil como um todo.
Além disso, quero trazer, além dessa questão das modificações dos traços culturais, algo que é de suma importância: essa questão sobre o contato forçado com os povos isolados. Temos aqui registros oficiais do governo de mais de 28 povos já contactados, há ainda processos gigantescos a serem confirmados de registros de povos isolados ainda no nosso país. A política do estado brasileiro, desde a Constituição de 1988, é uma política de não contato, porque sabemos o quanto a forçação de contato com esses povos em isolamento voluntário foi danosa e até levou à extinção de povos em isolamento voluntário no passado. Seria um prejuízo enorme se o PL, da forma como está, em relação ao art. 28, que fala sobre a questão do contato com os povos em isolamento voluntário, for para frente nesse sentido.
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Uma outra questão que é importante ressaltar, que o PL traz, é que os povos indígenas são impedidos de produzir nos seus territórios. E aqui o companheiro Arnaldo pode trazer depois, na sua fala, a experiência dos parecis, mas também quero reforçar aqui que tantos outros povos indígenas, seja na sua agricultura indígena tradicional, em pequena na escala, apenas para subsistência, seja para uma pequena geração de renda para sobrevivência, seja para uma comercialização em um comércio local do seu município, localmente, produzem, sim, nos seus territórios.
Então, o que o PL traz, como se fosse algo que não ocorresse hoje, é uma mentira. O PL traz que os povos indígenas não produzem nos seus territórios. Isso é uma falácia. Os povos indígenas produzem, sim, seja a sua produção lá, local, da mandioca, produção dos derivados da mandioca... Lá na minha região mesmo, se todos puderem ter oportunidade de conhecer, lá na região do Estado do Amapá, lá na fronteira com a Guiana Francesa, o povo karipuna, o povo galibi-marvorno e o kali'na trabalham na produção do açaí de um modo tradicional e, hoje, criaram uma cooperativa de beneficiamento do açaí para a produção do suco do açaí e do artesanato a partir do derivado do açaí.
(Soa a campainha.)
O SR. KLEBER KARIPUNA - Então, daí a importância de se quebrar esse estigma de que os povos não produzem nos seus territórios. Produzem, sim, e a gente tem que potencializar cada produção, cada estilo de produção dos povos indígenas.
Então, o PL poderia trazer formas de como ajudar esses povos indígenas, com as suas diversas formas de produção, a trabalharem a sua produção tradicional nos seus territórios.
Quero trazer a importância para esse debate, para ir finalizando, sobre a quantidade que nós temos... E aí, para contrapor essa falácia de muita terra para pouco índio, acho que é importante trazer dados aqui - pegamos informação de apenas cinco estados - da quantidade de áreas de imóveis rurais de particulares em relação à área de terras indígenas. Somente das homologadas a gente está falando aqui. Pegando aqui o exemplo da Bahia, por exemplo, estamos falando de 54 milhões, mais de 54 milhões de hectares em mãos...
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Concedo mais um minuto para conclusão.
Mais um minuto ao Kleber.
O SR. KLEBER KARIPUNA - Obrigado, Senador.
Só na Bahia, estamos falando de mais de 54 milhões de hectares na mão de particulares, em detrimento a 326 mil hectares, ou seja, 0,6% relacionado ao que é terra indígena na Bahia, ao que são unidades, áreas que estão na mão de particulares, imóveis rurais.
No Mato Grosso do Sul, o Estado da nobre Senadora Relatora desse PL aqui, na CRA, vamos falando de 39 milhões, um pouco mais de 39 milhões em relação a 891 mil, num contraponto de 2,25% em relação ao que é imóvel rural e ao que é terra indígena ali, no Mato Grosso do Sul.
Então, só para trazer números e dados para a gente sair desse debate do marco temporal somente e ver as outras tantas coisas danosas para os povos indígenas e seus territórios que esse PL traz no seu bojo como um todo.
E nós estamos nos colocando à disposição, Senador Alan e todos os Senadores e Senadoras aqui presentes, para aprofundar melhor esse debate, não só batendo contra. A gente é contra várias questões do PL, mas a gente pode também dialogar e trazer aqui, propositivamente, como a gente avança nesse debate, para a gente não fazê-lo assoberbadamente, em detrimento de uma disputa de poderes que está tendo entre o Legislativo e o Poder Judiciário com relação a apenas olhar para o marco temporal e esquecendo de outras tantas coisas danosas que existem no bojo do PL.
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Obrigado pelo tempo concedido a mais. Agradecemos e nos colocamos à disposição aqui a todos os Senadores e Senadoras para continuar este debate.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Muito obrigado, Kleber Karipuna, Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Eu vou estabelecer como regra a concessão de, pelo menos, dois minutos ao final - dei mais um ao Kleber -, e, assim, a gente pode trazer um pouco mais de tempo aos nossos convidados, com a aquiescência do Plenário da nossa Comissão.
Na sequência... Primeiramente, eu quero cumprimentar aqui o Senador Zequinha Marinho, o Senador Beto Faro, proponente desta audiência pública, a Senadora Tereza Cristina, proponente também, em conjunto, desta audiência pública; Senador Nelsinho Trad e demais amigos, assessores, participantes desta audiência pública.
Na sequência, seguindo a nossa ordem, eu convido a ex-Deputada, Presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, Joenia Wapichana, para a sua fala.
O SR. BETO FARO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Sr. Presidente...
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Pois não, Senador.
O SR. BETO FARO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Pela ordem.) - Eu cheguei atrasado aqui porque a gente estava em várias reuniões no dia de hoje. Eu não vi como é que foi estabelecida a organização, porque... Uma sugestão: como são três posições de um lado e três de outro, que se fizesse uma posição de um lado e uma outra de outro. Acho que ficaria melhor.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Perfeitamente! Da maneira como o nosso Plenário aquiescer.
Há concordância dos Senadores?
A senhora concorda, Deputada?
A SRA. JOENIA WAPICHANA (Fora do microfone.) - Fiquem à vontade.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Com a concordância também da nossa...
A SRA. JOENIA WAPICHANA (Fora do microfone.) - É bom que eu ouço que eles estão falando.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Perfeitamente.
Com a concordância da nossa oradora, eu quero, então...
Vamos aqui alterar a ordem? (Pausa.)
Eu convido, então, para o uso da palavra, como orador, o Sr. Arnaldo Zunizakae, Presidente da Cooperativa Agropecuária dos Povos Indígenas Haliti, Nambikwara e Manoki.
O senhor tem a palavra por dez minutos para as suas considerações. (Pausa.)
O SR. ARNALDO ZUNIZAKAE (Para expor.) - Boa tarde a todos!
Gostaria de cumprimentar aqui os Senadores presentes, as demais autoridades políticas que aqui se encontram e gostaria também de cumprimentar todos os parentes indígenas presentes nesta audiência.
Meu nome é Arnaldo Zunizakae, sou da etnia pareci, lá do Estado de Mato Grosso, do Município de Campo Novo do Parecis. Hoje, eu presido uma das cooperativas que, há bastante tempo, há 20 anos, vem desenvolvendo o trabalho da agricultura mecanizada, com fins comerciais, dentro de uma terra indígena, ou melhor, de várias terras indígenas que nós temos lá, demarcadas e homologadas.
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Esse assunto é, para nós, indígenas, um tanto quanto delicado e preocupante, e que nos coloca, nós indígenas - embora em situações diferentes, com projetos de vida diferentes uns dos outros -, praticamente no mesmo barco, com a mesma preocupação para discutir esse projeto.
Como indígena, eu vejo o marco temporal como um assunto muito delicado. Eu venho de uma etnia que, graças a Deus, tem 90% dos seus territórios já homologados, já num projeto de vida diferenciado, onde nós buscamos usar parte dessas terras para que a gente exerça, de fato, o nosso direito de trabalhar as nossas terras como diz a Constituição, quando nela é relatado que as terras demarcadas são para fins de uso coletivo, para reprodução física e cultural de uma população indígena. A gente busca fazer valer esse direito de buscar uma forma de sobreviver de maneira digna através do trabalho na nossa terra.
Mas também entendemos que, ainda no Brasil, há muitas etnias indígenas que precisam, sim, concluir os seus processos de demarcação. Agora, esse processo de demarcação precisa ser feito com responsabilidade. Ora, quando a gente fala das terras indígenas serem retomadas, essas terras todas tinham dono anteriormente, e os donos, até então, somos nós, indígenas. Agora, é fato que algumas dessas terras foram invadidas, mas também é realidade que o Governo brasileiro, no passado, incentivou a ocupação dessas terras que já tinham dono, a fim de ocupá-las, e titulou muitas dessas terras que hoje estão em processo de disputa.
Então, ora, se o Governo também é responsável pela criação desse conflito que hoje nós enfrentamos lá dentro, temos que também achar uma forma de resolver isso de maneira justa, onde as desintrusões, as desocupações ou desapropriações dessas áreas sejam feitas de maneira justa também, diminuindo, assim, o conflito que nós, indígenas, quando temos a nossa terra demarcada e homologada - pois o Governo demarca, homologa e deixa lá para nós -, nós é que vivemos com o conflito naquela terra, mesmo ela sendo demarcada, porque a desocupação é feita de maneira irresponsável.
E aquele cidadão que se dizia dono dessa propriedade não aceita a indenização, muitas vezes, injusta que é dada a ele, até pelo trabalho que ele fez ali, naquela terra, ou pela luta que ele teve para conseguir aquela terra, e ele fica revoltado e persegue os índios por muito e muito tempo. Nesse momento, infelizmente, o Estado brasileiro não tem dado suporte para aqueles indígenas que ficam lá, na maioria das vezes, à mercê da própria sorte.
Então, são coisas que aqui nós temos que debater. Eu concordo com o Kleber quando ele fala que esse tema precisa ser mais debatido. Tem que ser trazido mais para discussão, tem que ser ouvida, de fato, toda a sociedade, e, principalmente, as localidades, tanto a sociedade indígena quanto aquelas que estão lá.
A minha etnia trabalha esse processo de agricultura, e uma das lutas nossas hoje é para, como eu falei no começo, exercer o nosso direito de poder trabalhar. Quando vocês falam nesse PL, que vai facilitar a vida do índio que quer trabalhar, eu faço a seguinte pergunta... Eu não vi ali nada escrito de facilitação para que o índio acesse uma linha de crédito; eu não vi a criação de uma linha de crédito específica para índio. Precisamos discutir melhor a forma de licenciamento de empreendimentos feitos pelos indígenas dentro do seus territórios, isso tem que ficar bem claro.
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Hoje, eu posso me colocar aqui como um agricultor indígena que vem sofrendo para poder fazer agricultura lá dentro. A agricultura que nós praticamos é agricultura mecanizada, de grande escala e de precisão. Nós trabalhamos com as mais atuais tecnologias que o agricultor mato-grossense utiliza, as melhores e as mais avançadas ferramentas estão à nossa disposição.
Qual é a nossa dificuldade? A lei não proíbe a nós, índios, de plantar, mas também nós não temos condições de buscar acesso ao crédito. Quando vocês falam que precisa... Se falar assim: "Precisamos criar linha de crédito específica para índio?", eu diria que não. Qual é a minha dificuldade hoje como presidente de uma cooperativa que movimenta milhões com a produção agrícola? É só e exclusivamente a falta de garantia real para eu acessar esse crédito.
Por que não discutir isso? Aí eu saio um pouquinho dessa questão do marco temporal. Por que não discutir isso? Criar medidas através do Fundo Garantidor para que esses indígenas possam produzir a sua cultura lá, seja ela o plantio de mandioca para fazer farinha, criação de gado, de peixe, de qualquer outra espécie ou de produção de grão?
A gente precisa discutir tudo isso, não é só... Vou deixar bem claro aqui: nós somos solidários, os povos pareci, manoki e nambiquara são solidários com aqueles indígenas que precisam ainda demarcar suas terras, mas também precisamos discutir aqui a criação de políticas para que nós, indígenas, possamos sobreviver lá com dignidade - não é só demarcar a terra.
Qual é a proposta que hoje tem para a recuperação, por exemplo, daquelas terras que nós invadimos e transformamos em terra indígena? Existe projeto de reflorestamento garantido para recuperar isso se nós estamos preocupados com o meio ambiente?
Então, esse tipo de situações...
(Soa a campainha.)
O SR. ARNALDO ZUNIZAKAE - ... a gente tem que trazer para a mesa, nós temos que debater toda essa situação.
E, para caminhar aqui para a finalização da minha fala, eu entendo e repito: vamos lutar como indígenas, sim, para a criação... para poder garantir ainda essas demarcações que faltam. O marco temporal de 5 de outubro de 1988, para mim, é preocupante porque lá fala que aquelas terras que estavam ocupadas ou que estavam sendo disputadas até essa data por indígenas ou que tenham indígena em cima podem, sim, ter uma chance maior de ser demarcadas; aquelas que não tinham indígenas naquela data fogem de qualquer possibilidade de marcação.
Mas eu pergunto: e aqueles índios que foram expulsos dali, que não estavam lá por falta de condições de vida, expulsos por grileiro, expulsos por diversas situações que eles enfrentaram? Como é que vai ficar? É preciso, na verdade, fazer um estudo antropológico sério para comprovar, de fato, se aquela terra era indígena, se ela é sagrada, se ela é necessária mesmo para aquele índio e se, nos dias de hoje, essa terra ainda tem característica suficiente para reprodução da cultura e da sobrevivência física do indígena ali dentro.
Então, essa é a minha fala. Coloco-me, como hoje um dos indígenas que desenvolvem a agricultura em terra indígena, à disposição para que a gente faça um debate amplo nessa situação não só de demarcação, mas também da sobrevivência do indígena dentro dessas terras por sua conta própria, utilizando desse recurso natural a que a Constituição diz que temos direito ao usufruto exclusivo, e esse usufruto pode ser, sim, através do desenvolvimento de agricultura, de pecuária, de exploração de madeira através do manejo florestal, enfim, uma série de coisa.
Então, essa é minha fala.
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Eu me coloco à disposição e agradeço pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Agradeço ao Arnaldo Zunizakae, Presidente da Cooperativa Agropecuária dos Povos Indígenas Haliti, Nambikwara e Manoki.
Na sequência, convido para fazer uso da palavra, como oradora, a Presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), ex-Deputado Joenia Wapichana.
A senhora tem dez minutos para a sua fala, com uma possibilidade de mais dois minutos de aquiescência.
A SRA. JOENIA WAPICHANA (Para expor.) - Muito obrigada, Sr. Presidente.
Quero aqui cumprimentar as nossas lideranças indígenas que estão aqui presentes na Plenária; cumprimentar o Líder indígena Kleber Karipuna, que é o Representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil; o Líder Arnaldo Zunizakae, que falou muito bem sobre a necessidade dos povos indígenas, que vai além da demarcação, mas da proteção e da gestão territorial; cumprimentar aqui Marcelo Bertoni, que é o Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul; e o Sr. Marivaldo Pereira, que aqui está representando o Ministério da Justiça e Segurança Pública; e demais Parlamentares, Senadores e Senadoras, que estão aqui na Plenária.
Senhoras e senhores, esse assunto, para nós, brasileiros e brasileiras, como um todo, é de extrema importância, porque nós estamos debatendo aqui a questão da validade da nossa Constituição Federal. Dessa Constituição, que foi por aqui, pelo Congresso Nacional, de uma forma bem ampla e participativa de todos os movimentos sociais, povos indígenas, Parlamentares, Senadores e Senadoras, aprovada aqui nesta Casa, em que colocaram questões essenciais e fundamentais para que ocorra a segurança e a proteção da vida dos povos indígenas. Então, discutir o PL 2.903, que está aqui no Senado, é justamente fazer valer ou não essa Constituição, que aqui é responsabilidade de todos.
Então, eu trouxe aqui, Presidente, alguns pontos que, para mim, são essenciais serem colocados e debatidos na mesa.
Primeiramente, eu gostaria de colocar questões preliminares. A gente recorre ao básico quando discute processos legislativos. Eu já havia falado isso quando esse processo, esse PL, naquela época, era o 490, de 2007. Então, vocês observem que é um pouquinho antigo, é de 2007.
Quem não conhece o trâmite dele, nele havia apenas um artigo, que era justamente discutir a competência da demarcação das terras indígenas, que seria responsabilidade não mais do Executivo, mas seria responsabilidade do Legislativo.
Depois de muitos anos parado, veio uma nova mudança: ele foi para a Câmara dos Deputados com um substitutivo, que foi aprovado. E esses mesmos pontos foram alertados não somente por mim, naquela época, como a única Parlamentar indígena no Congresso Nacional, mas como por juristas e especialistas. E vários apontamentos de vários Parlamentares também foram colocados.
Então eu volto a repetir, porque nós estamos no Senado agora: que essas questões preliminares sejam consideradas na hora de uma votação, na hora de um debate, na hora de uma análise legislativa.
Primeiro é que não há, nesse processo legislativo, assim como demanda a nossa Convenção 169, da OIT, no seu art. 6º, que diz que cada medida administrativa e legislativa, que o Governo... No caso, a gente está falando do Estado brasileiro. O Estado pressupõe tanto o Executivo, o Legislativo e mais o Judiciário, e, no caso, medidas administrativas e legislativas devem ser consideradas, precedidas por uma participação e também pelo direito de consulta prévia, livre e informada. Por quê? Porque justamente a partir dessa consulta é que os povos indígenas, caso tenham alguma medida legislativa, podem colocar seus pontos, podem considerar as suas opiniões, como hoje estamos aqui, já quase na iminência de uma votação, mas o processo não foi precedido pelo direito da consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas, que é assegurado na Convenção 69 da OIT, aprovada, ratificada aqui por este Congresso Nacional.
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Segundo, existe um vício legislativo, que é justamente você colocar uma interpretação, uma inovação, uma emenda... Eu digo emenda porque a proposta do texto do PL 2.903 faz justamente uma alteração nos dispositivos constitucionais. Essas alterações não poderiam estar sendo aprovadas e em trâmite através de uma lei ordinária, como é o PL 2.903. Ele flexibiliza, ele altera a concepção, além dos direitos fundamentais dos povos indígenas. O usufruto exclusivo dá uma nova roupagem em relação às indenizações de boa-fé e inclui, impõe um marco temporal a partir do dia 5 de outubro de 1988. Ou seja, ele altera a nossa Constituição no art. 231.
Então, isso é um vício de processo legislativo que não deveria estar sendo tratado numa lei ordinária, que requer um quórum mais simples, e não como requer uma PEC, que tem uma garantia a mais de ser discutida em dois turnos e com um quórum mais apropriado, ou seja, mais apropriado e absoluto. Então, ele é eivado de vícios legislativos.
Terceiro, que nossos arts. 231 e 232, como bem já falou o Supremo Tribunal Federal e demais estudiosos, até mesmo os povos indígenas, Parlamentares, têm falado... Desde quando a Constituinte aprovou os artigos relacionados aos direitos dos povos indígenas, teve uma segurança da nossa própria Constituição de considerá-los cláusulas pétreas.
Cláusulas pétreas são um direito extremamente importante para a vida da pessoa. São considerados direitos fundamentais que possibilitam que aquele povo esteja em segurança e harmonizam com os princípios da Constituição Federal.
Então, o 231 é que possibilita ao povo indígena exercer tanto a sua cidadania como o direito à educação, saúde, desenvolvimento sustentável. Essa questão da proteção das terras indígenas passa por esse pilar de proteção na nossa Constituição.
Então, são cláusulas pétreas e, muito bem já, em diversos julgados, em diversas referências, jurisprudências, foram amplamente - digamos assim - reconhecidos e garantidos.
E o quarto é que, além disso, ele refere um princípio que hoje nós discutimos, que é o princípio da vedação ao retrocesso social. Ou seja: com a possibilidade de marcar, de alterar procedimentos de demarcação em terras indígenas que estejam em curso, ele possibilita o retrocesso social, ou seja, o Estado brasileiro estaria, através de um PL, uma lei ordinária, possibilitando o retrocesso de um direito já adquirido e já garantido aos povos indígenas.
Além do mais - aí eu vou falar um pouco. Essas são só preliminares, senhoras e senhores -, o risco é justamente ferir em cheio os direitos constitucionais dos povos indígenas.
E, aí, nós vamos para o texto do PL 2.903.
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Com certeza, o Kleber Karipuna muito bem falou aqui de diversos pontos, mas, principalmente, a questão central é que a tese do marco temporal fere o princípio dos direitos originários; modifica o conceito de terra, o princípio da imprescritibilidade, da indisponibilidade - a partir do momento em que flexibiliza o usufruto exclusivo - e da inalienabilidade, fazendo com que o direito de consulta prévia e informada seja inferiorizado em termos de novos empreendimentos e entradas de invasões, sem qualquer direito à consulta.
O princípio do usufruto exclusivo modifica o §6º da Constituição e inclui indenizações de má-fé.
Então, uma das violações de direito de que podemos falar, de forma bem clara, é a violação do art. 231, que estipula o marco temporal; propõe indenizações de invasões; proíbe ampliação de terras indígenas - isso é uma discussão muito ampla - e, principalmente, possibilidade de expropriação de terras indígenas por alteração de traços culturais.
Isso tudo está no texto do PL 2.903, que, de uma forma bastante agressiva, quando se fala de terras reservadas, coloca em questão a própria identidade dos povos indígenas, que é garantida no art. 231, no seu caput, dizendo que alterações de traços culturais poderiam colocar em risco o direito à sua terra; limita o usufruto da terra e de seus recursos, ao mesmo tempo em que permite serem objeto de negociações por terceiros; e faz com que haja o contrato forçado de povos isolados.
E nós temos toda uma legislação já avançada de proteção. O Brasil, inclusive, é referência na política de proteção aos povos isolados.
E, com isso, além do retrocesso....
(Soa a campainha.)
A SRA. JOENIA WAPICHANA - ... coloca em risco a vida dos povos isolados.
Também uma questão que foi observada no voto da Senadora Relatora deste PL é que coloca como referência o caso da Raposa Serra do Sol.
Há de informar, porque, de uma forma propositiva, coloca como se essa decisão, que aconteceu em 2009 e teve julgamento de embargo de declaração em 2013, fosse aplicável a todas as terras de indígenas do Brasil.
Pelo voto do próprio Ministro Relator Luís Barroso, já se julgou que se trata apenas daquela terra Raposa Serra do Sol e que não haveria possibilidade de estender a outros casos.
Então, senhoras e senhores, não se aplicam à decisão deste PL as próprias condicionantes da Raposa Serra do Sol, como se fossem referências a serem seguidas no PL, pois não se aplicariam em outros casos.
Então, ele fere esse princípio de...
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Concedo mais dois minutos à nossa oradora Joenia Wapichana.
A SRA. JOENIA WAPICHANA - Só para concluir, Sr. Presidente.
O caso da Raposa Serra do Sol tão apenas foi o controle difuso de constitucionalidade. De uma forma bastante clara, inclusive, foi negado que ele fosse concretizado em súmula vinculante naquela época.
Para quem não acompanhou o caso da Raposa Serra do Sol - e eu fui advogada naquele caso -, esclareço justamente que os ministros se posicionaram, tanto naquele caso como, futuramente, em outros casos, fazendo referência à não aplicabilidade do caso Raposa Serra do Sol em demais terras indígenas no Brasil.
Por fim, essas questões que estamos discutindo hoje, a depender do resultado, podem causar uma insegurança jurídica tanto para os povos indígenas como para os não indígenas.
Quando a gente discute a necessidade de segurança jurídica, nós temos que ver os direitos já assegurados. Uma vez que você retroage, flexibiliza, restringe, limita, você causa insegurança jurídica seja para os que estão ali na terra indígena, seja para os que estão reivindicando.
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E, por fim, não sei se houve tempo razoável para discutir os 15 projetos de lei que estão apensos ao PL 2.903. Então, eu trago aqui uma necessidade de uma melhor discussão, seja aqui na Comissão de Agricultura, mas que haja também uma maior discussão em outras Comissões, como a Comissão de Direitos Humanos, como a Comissão de Meio Ambiente...
Se a gente está vendo do ponto de vista da Comissão de Agricultura, nada melhor do que se ampliar essa discussão com calma, não na pressa, para que os povos indígenas possam ser ouvidos; que esses pontos que eu trouxe aqui sejam amadurecidos na sua discussão, para que a gente faça justiça aos povos indígenas, àqueles que estão querendo também proteger a sua propriedade, porque em que nós estamos trabalhando aqui é na efetivação dos direitos constitucionais.
Então, obrigada e parabéns por essa iniciativa de discutir esse tema tão oportuno e importante para todos aqui no Brasil. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Muito obrigado, Presidente da Funai, ex-Deputada Joenia Wapichana.
Informo aos nossos oradores que aqueles que tiverem trazido qualquer material informativo que queiram entregar aos Senadores e Deputados presentes fiquem à vontade. A nossa assessoria desta Comissão... Aquele que tiver trazido pode, inclusive, tirar cópia do material que quiser entregar, para a formação do convencimento e da opinião de cada um dos nossos Senadores e Deputados presentes.
Dando continuidade à nossa audiência pública, convido para fazer uso da palavra o ex-Deputado Federal e ex-Ministro de Estado da Defesa Osmar Serraglio.
V. Exa. tem a palavra por dez minutos, com dois minutos de aquiescência deste Plenário, de prorrogação.
O SR. OSMAR SERRAGLIO (Para expor.) - Obrigado, Sr. Presidente.
Quero cumprimentar a todos os integrantes da Mesa - Deputados, Senadores -, através da pessoa da Senadora Soraya, e dizer que eu também venho aqui para defender a Constituição e também defender o que se decidiu no episódio Raposa Serra do Sol.
Quem verificar vai perceber que o Relator, como Relator do episódio da ação relativa à Raposa Serra do Sol, foi o depois Ministro Ayres Britto.
Ayres Britto, eu tive o privilégio de fazer mestrado com ele na PUC de São Paulo há mais de 30 anos, e, se vocês olharem a história dele, eu não acredito que ele seja um genocida, alguém que persiga os indígenas. E quem compulsar o que ele colocou no caso da Raposa Serra do Sol, como estando dentro da Constituição, vai entender aquilo que eu vou agora esclarecer, na medida do possível, em relação ao principal assunto, que é o marco temporal.
Se vocês observarem, é preciso antes lembrar o seguinte: quando da Constituinte, houve dois momentos na Constituinte. Num primeiro momento, em que a Constituição estava sendo construída, inclusive sob a intenção de ser um país com parlamentarismo... Num segundo momento, tudo o que foi construído no primeiro há mais de ano... Nos últimos três ou quatro meses, houve uma mudança radical na condução da Constituinte, e aquilo que se estava fazendo, que tinha surgido nas Comissões temáticas, setoriais, e passado por toda... Vejam só: pela Comissão da organização de todas essas propostas que tinham sido feitas, votado o primeiro turno, houve uma alteração radical, uma alteração radical em toda a Constituição. E uma dessas alterações foi exatamente no trato da questão indígena.
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Então, observem ali: em 1988, o primeiro turno...
Mas já está no primeiro turno? Não, esperem aí... Vamos voltar aí.
Aí, olhem: interpretação histórica.
A gente sabe que a interpretação histórica ajuda pelo menos a perceber o que os legisladores desejaram e, nesse caso, é fundamental, porque nesse caso houve essa mudança, como a gente acompanha aqui: vem um projeto de lei num sentido, e, de repente, o Plenário se reúne e diz: "Não, nós vamos mudar".
Volto a dizer: uma Constituição que estava sendo construída até com a ideia de parlamentarismo é que alterou.
Vejam: no primeiro substitutivo que chegou à Comissão de Sistematização, por três vezes consta o indigenato: "posse imemorial", "posse imemorial", "posse imemorial", que é o que hoje se prega que deveria ser.
Vamos em seguida...
Ich... Já fiz bobagem!
Na etapa seguinte, no segundo substitutivo, três vezes: "posse imemorial", "posse imemorial", "posse imemorial".
Depois, quando foi aprovado o substitutivo das emendas no Plenário: "posse imemorial", "posse imemorial", "posse imemorial".
Depois, no primeiro turno... Foi votada a Constituição no primeiro turno: "posse imemorial", "posse imemorial", "posse imemorial".
Tudo bem. Agora vamos para o segundo turno, quando houve a guinada.
Alguém consegue ler na Constituição "posse imemorial"? Está ali, é só mostrar: em nenhuma oportunidade apareceu isso, porque se mudou a concepção.
Não é possível que ninguém leia os anais da Constituição para perceber que havia essas duas correntes, a do indigenato e a do fato indígena, e a solução final inverteu tudo e conduziu para isso que nós entendemos, que é o fato indígena.
Mas quem somos nós? Desprezemos tudo isso que estou dizendo para vocês, que foi construído. Então, vamos para o Supremo, que interpreta a Constituição.
Não é possível que a gente entenda que algo é inconstitucional, como se tem pregado pelo Brasil afora, quando o Supremo...
Na Raposa Serra do Sol, que se disse que não se aplica, ninguém quer que se aplique...
Vejam só como é que o Supremo decidiu a Raposa Serra do Sol... Ele tinha um episódio que ele precisava definir, mas ele precisava saber qual era a concepção da Constituição, para, daí, a partir dessa concepção, decidir a Raposa Serra do Sol. Então, eles construíram um check-list, que eles chamaram de condicionantes.
Quem está colocando essas condicionantes não é ninguém senão quem interpreta a Constituição. E, se eles estão dizendo que isso está na Constituição, como é que as pessoas vêm aqui dizer que isso não está na Constituição? Quem disse isso foi o Supremo. Vejam como é que o Supremo...
Só, para antes dessa etapa, como mostrei na sequência, vocês vão ver que, olha... Se vocês pegarem como o trato - vejam os anais! - dos quilombolas não havia sido colocado, o que se pensou? "Vamos aplicar a mesma regra dos indígenas para os quilombolas". Isso está nas Disposições Transitórias. E como é que está lá? "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando [...]". É a mesma regra dos quilombolas para os indígenas: aqueles que ocupam. Está muito claro isso na Constituição. Além do mais, tem no art. 67 das transitórias que se concluirá a demarcação em cinco anos. Como que a Constituição não fala em marco temporal?
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Agora vamos para a apreciação no Supremo da Raposa Serra do Sol. É bom que se diga que alguém deve ler quantas vezes os ministros disseram: isso aqui é o regime constitucional da demarcação das terras indígenas no Brasil, todos eles. Vamos mostrar aqui a sequência deles, eu vou ter que atropelar.
O Ministro Menezes Direito, que foi o primeiro Relator, em primeiro lugar, as "terras indígenas são terras ocupadas [...], não terras que ocuparam em tempos idos [...], ocupadas quando da promulgação da Constituição". E o Carlos Ayres Britto, que inclusive foi candidato a Deputado Federal pelo PT, historicamente do PT, amigão meu, admiro o jurista de escol, vejam o que ele diz quando fala "Nós estamos fazendo a revelação do regime constitucional", até porque é o Supremo, o que ele está fazendo é dizer o que está na Constituição. O que ele diz quando trata do capítulo do marco temporal? "A Constituição Federal trabalhou com data certa - a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) - como insubstituível referencial para o dado da ocupação". E, dentro do acórdão, ele fala "[...] não aquelas que venham a ocupar. Tampouco as terras já ocupadas em outras épocas [e que], [...] sem continuidade suficiente para alcançar o marco objetivo do dia 5 de outubro de 1988".
O Ministro Lewandowski, vejam o que ele diz, ele estava comentando sobre os regimes: "E o faço, agora, com base na teoria do fato indígena, desenvolvida pelo eminente Ministro Menezes Direito", que é o nome dele, "teoria a qual adiro completamente". O Ministro Lewandowski, a teoria que ele está falando do fato indígena "teoria à qual adiro completamente, e que substitui, com vantagem, o [...] Indigenato". Então como é que vem se pregando que nós estamos rasgando a Constituição? Quem diz isso é o Supremo, todos eles.
Marco Aurélio, vejam ali: "A atual Carta não assegura aos indígenas o retorno às terras que outrora ocuparam".
O Ministro Celso de Mello: "As terras ocupadas [...], considerando-se [...] a data [...] da vigente Constituição, vale dizer, terras já ocupadas há algum tempo, desde que...
(Soa a campainha.)
O SR. OSMAR SERRAGLIO - ... existente a posse indígena no momento da vigência da [...] [Constituição]".
O Gilmar Mendes chegou a dizer, num outro julgamento, isso seria uma boutade, uma empulhação, se o que nós decidimos na Raposa Serra do Sol não é o regime constitucional da demarcação, então nós fizemos uma empulhação ao povo brasileiro, ele está dizendo ali. "Mas, não significa que nós fizemos lá uma boutade, que estivéssemos brincando ao julgar aquilo", quando eles julgaram que era o fato indígena que deveria ser levado... Depois fala: "Conforme ressaltei [...] A decisão que tomamos hoje, portanto, deve também estar voltada para o futuro. Devemos, isso sim, deixar fundadas as bases jurídicas" sempre pensando na aplicação da Constituição.
Aí falo do Ministro Roberto Barroso, é bom ver o que ele fala. Vejam só, ele diz que está sendo reconhecido o sistema constitucional da demarcação e dando as diretrizes...
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Concedo mais dois minutos à explanação do orador.
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O SR. OSMAR SERRAGLIO - Obrigado.
Agora, aí vem a ressalva dele, mas é muito inteligente a ressalva dele. Quando ele diz o seguinte: "Não é possível que este país não entenda que uma decisão do Plenário é uma decisão que ostenta força moral e persuasiva de uma decisão da mais Alta Corte do país, do que decorre um elevado argumento, um ônus argumentativo nos casos em que [...]"
Quer dizer, quando você quiser rasgar o que se decidiu na Raposa Serra do Sol, você precisa ter um argumento muito forte para isso. Quem diz isso é o Ministro Barroso.
Depois, num outro episódio, quando eles julgaram, seis anos depois da Raposa Serra do Sol, vejam o que diz o Gilmar Mendes: "[...] claro que, se nós formos retomar aquilo lá, Copacabana certamente teve índios". Inclusive ele fala: " [...] coitados dos que têm apartamentos lá, vão perder os apartamentos".
A Cármen Lúcia, falando sobre a Raposa Serra do Sol, a superlativa importância histórica cultural da causa examinou o regime jurídico...
(Soa a campainha.)
O SR. OSMAR SERRAGLIO - ... terminou.
Terminou regime jurídico constitucional da demarcação.
Todos eles dizem a mesma coisa, serviriam de norte para os futuros. Que norte para os futuros se nós estamos rasgando aquilo que é interpretado pelo Supremo?
O Celso de Mello, isso ali. Os tribunais. Nós colocamos no Código de Processo Civil uma regra dizendo que os tribunais têm que ter jurisprudência estável. Não é fazer hoje uma coisa e amanhã outra. Que estabilidade é essa se todo mundo vem aqui "a Constituição diz isso, a Constituição diz aquilo" e mudam? Eles fizeram, foi o Plenário que fez. E o Celso de Mello também chama atenção para essa segurança jurídica necessária.
Eu só queria concluir, me permita só um pouquinho. É o final. Eu tenho muito depois, mas não adianta.
O que é a interpretação? Eu coloquei a interpretação histórica, eu coloquei a do Judiciário. A teleológica significa a finalística. Por que se escolheu a teoria do fato indígena e não a do indigenato? Por causa disso. Todos eles dizem que é para evitar o contínuo conflito. Imagina se a gente vai resolver todo o passado.
O Ministro, agora há 15, 20 dias, não sei quando foi que o Ministro Alexandre de Moraes apresentou o voto dele. Ele insiste em chamar atenção a isso que a população... Minha gente, tem gente que está com 160 anos de título na mão e só tem o título na mão porque o imperador quis premiar aqueles que foram à guerra. Isso está lá nas terras do Mato Grosso do Sul, de Mato Grosso.
As pessoas que receberam aquelas terras estão perdendo tudo porque se diz que havia índios. Nem é conta. A única coisa que está errada é que se diz assim... Se eu tomar a fazenda de alguém que tenha fazenda, a Constituição diz assim: pague para ele. Se eu pegar um lugar e disser essa terra sua é indígena, a pessoa vai embora sem um centavo.
Isso não é nem cristão. Eu ressalvo quem não seja cristão, mas é cristão você chegar em alguém que está... O Ministro Moraes fala quem recebeu o título passou para o filho, passou para o neto, esse neto passou para um terceiro, que passou para o filho, passou para o neto, passou para o terceiro.
Agora, 160 anos depois, eles dizem: esse título de vocês não vale nada.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Ministro, eu agradeço, lhe concedi mais um minuto. (Palmas.)
E concederei também ao próximo orador.
Tenho certeza de que esta audiência pública tem buscado atingir seu objetivo, que é enriquecer esse debate.
Na sequência, convido o Secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Sr. Marivaldo de Castro Pereira, para a sua explanação.
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O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA (Para expor.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Muito boa tarde a todos os Senadores presentes. Quero cumprimentar a mesa aqui, na pessoa do Presidente, na pessoa da nossa Presidenta da Funai, ex-Deputada Joenia, cumprimentar a todos os presentes, que estão aqui acompanhando esta audiência, uma audiência bastante concorrida, e muito concorrida em razão da importância que esse tema tem para a sociedade brasileira.
Eu, como gestor público, tenho tido contato com o tema das demarcações, pelo menos, desde 2005. E grande parte do trabalho que se faz, no Ministério da Justiça, em relação a esse tema é buscar a mitigação dos conflitos decorrentes de um dever constitucional que é imposto à União, que é executado pelo Governo Federal, que é o dever constitucional de assegurar o direito aos povos indígenas às suas terras.
É evidente que, na reforma agrária, na reforma urbana, na demarcação de terras indígenas, sempre nós teremos conflitos a serem mitigados, a serem solucionados. E esse é o grande trabalho que o Ministério da Justiça fez ao longo dos anos em que realizou a demarcação de terras indígenas. E, obviamente, essa é uma tarefa extremamente complexa, é uma tarefa que passa pela Funai, que hoje passa pelo Ministério dos Povos Indígenas, que passa pelo Ministério da Justiça. E, por ser uma tarefa complexa, nós acabamos tendo processos de demarcações que demoram muito tempo, que demoram décadas. Há processos que levam mais de 40 anos para serem concluídos. E, enquanto isso, a gente vive uma situação em que os povos indígenas são privados de suas terras, a gente vive uma situação em que a insegurança jurídica sobre aquele território leva, muitas vezes, o poder público a estimular que outras pessoas ocupem aquelas terras, e isso vai escalonando o conflito. Então, essa é a complexidade da situação, complexidade que não vem de hoje.
Se nós analisarmos o tempo que levou para chegarmos ao modelo estabelecido no art. 231 da Constituição, levou muito tempo, foi muito debate, foi muita luta dos povos indígenas - e isso é importante a gente demarcar - para se chegar ao que está na Constituição; foi muita luta para se chegar ao modelo atual que vem sendo implementado; foi necessária uma série de julgamentos pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que interpretou inúmeras vezes o art. 231.
O que eu acho que tem de novidade neste momento? Há um consenso, no âmbito do Poder Executivo, de que é necessário sentar e dialogar, Senador Beto Faro, para buscar consensos; é necessário que a gente tenha segurança jurídica, é necessário que a gente mitigue os conflitos para que situações em que, muitas vezes, há um convívio harmonioso, em âmbito local, tanto entre os povos indígenas como os não indígenas, venham a se tornar conflituosas em razão da demarcação. Então, há abertura para que a gente possa dialogar e buscar caminhos para mitigar esses conflitos e ter a segurança jurídica que todos nós desejamos, tanto os povos indígenas como os não indígenas. Esse é o ponto. E cabe ao Governo Federal buscar caminhos para reduzir esses conflitos, para mitigar conflitos, para assegurar que não haja violação de direitos humanos de quem quer que seja. Então, essa é a posição que o Executivo vem colocando aqui, para que a gente possa dialogar.
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Diante desse contexto, nós avaliamos, com muita preocupação, nós aprovarmos desde já um projeto que, entre outras coisas, autoriza o plantio de organismos geneticamente modificados em terras indígenas, que estabelece um marco temporal, sem atentar para todo o contexto de debate que já está ocorrendo no Supremo Tribunal Federal.
Embora não tenhamos uma decisão definitiva, já há sinalizações do Supremo em sentidos distintos do que está no projeto, o que nos indica que pode haver uma continuidade da insegurança jurídica, caso ele venha a ser aprovado, e que nos recomendaria nos debruçarmos um pouco mais para buscarmos um caminho que dê a tão esperada segurança jurídica; um projeto que permite a retomada de terras indígenas já demarcadas; um projeto que fala, que trata sobre o contato a povos indígenas isolados - ou seja, nós temos aqui um conjunto de temas que mereceria um debate mais aprofundado, que mereceria ser analisado por outras comissões, que mereceria um diálogo entre esta Comissão e representantes do Poder Executivo para que a gente possa avançar.
Veja, esta proposta - vale dizer - já tramita há algum tempo. Sim. Para chegar ao art. 231 da Constituição foi muito tempo. Para chegar ao modelo de demarcação que a gente tem hoje, quantas decisões nós não tivemos no Supremo Tribunal Federal? Quantas decisões judiciais? Quantas manifestações do Ministério Público Federal nós tivemos para chegar ao modelo atual?
É consenso que nós precisamos buscar mecanismos para mitigação desses conflitos. "Ah, mas eu tenho muita dúvida, muita dúvida de que o que está aqui vá mitigar qualquer tipo de conflito".
Muito pelo contrário. O que está aqui, Senador Beto Faro, vai ampliar ainda mais o conflito já existente.
E aí eu queria, inclusive, enaltecer o esforço de V. Exa., Senadora Soraya, Senadora Tereza, para que a gente estabeleça uma mesa de diálogo, para que a gente converse com o Ministério dos Povos Indígenas, para que a gente converse com a Funai para buscar caminhos que mitiguem esse conflito.
Não me parece que autorizar o plantio de organismos geneticamente modificados em terras indígenas contribua de alguma forma para solucionar o conflito a que a gente assiste hoje.
Não me parece que autorizar o Estado a estabelecer o contato direto com povos isolados contribua de alguma forma para mitigar o conflito.
Não me parece que estabelecer requisitos para a retomada de terras indígenas contribua de alguma forma para amenizar os conflitos que a gente assiste hoje.
Parece-me que, da forma como a gente caminha aqui, nós estamos nos afastando mais da construção de consensos. Nós estamos jogando fora uma sinalização do Poder Executivo para sentar, dialogar e construir consensos para aprovar algo que certamente vai dar origem a uma enorme batalha jurídica e, mais uma vez, nós vamos conviver com a insegurança jurídica de que gostaríamos de nos livrar ao aprovar esta proposta.
Então, é muito importante que a gente reflita sobre isso.
Sobre a discussão do esbulho, quero chamar atenção para um ponto muito importante. A Comissão Pastoral da Terra tem um levantamento sobre a instauração de inquéritos penais relacionados a massacres no campo.
Nós estamos falando de regiões em que, muitas vezes, nem quando há massacre... veja, estou falando de dezenas, às vezes, de pessoas mortas, e não existe inquérito policial penal instaurado.
Nós estamos falando disso e nós estamos querendo exigir dos povos indígenas que tenham a comprovação do esbulho para que possam ter direito a suas terras. Nós estamos ignorando toda a história de ataque a esses povos que assistimos nos vários regimes, democráticos e ditatoriais, pelos quais o Brasil passou. Então os povos indígenas sempre tiveram suas terras atacadas.
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E não é à toa que nós chegamos a esse formato de demarcação, a partir das várias, inúmeras interpretações que o próprio Supremo fez em relação ao artigo da Constituição. Esse modelo é ideal? Não! Está longe - está longe - de ser o ideal. E exatamente digo isso como alguém que, do Ministério da Justiça, acompanha, há muitos anos, os conflitos decorrentes da demarcação e da não demarcação de terras indígenas; porque a não demarcação também gera muito conflito, gera muito sofrimento, gera centenas de mortes dos povos indígenas.
E é um dever do Estado olhar para os dois lados: para aqueles que têm seus direitos violados em razão da demarcação e para os povos indígenas, que têm o seu direito constitucional ainda muito distante de ser concretizado.
(Soa a campainha.)
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - E o Governo Federal está disposto a fazer esse diálogo. Eu tenho certeza de que com disposição para construir consensos, e o Senado vem dando exemplos sobre a possibilidade de construir consensos, os Senadores que estão aqui, muitos já estão dispostos, procurando esse diálogo, e eu tenho certeza de que é possível alcançarmos soluções que acenem para a mitigação dos conflitos decorrentes da demarcação e deem segurança jurídica para todos, tanto para os povos indígenas, que têm o seu direito assegurado constitucionalmente, como para pequenos agricultores, trabalhadores que eventualmente tenham seus direitos atingidos em razão da demarcação.
Mas, para isso, é necessário que a gente tenha tempo. Aprovar este projeto já é jogar fora uma oportunidade de estabelecer uma mesa de diálogo e buscar consensos que vão garantir a segurança jurídica para todos nós que estamos acompanhando aqui esta audiência. E seria uma grande homenagem à Constituição e mais uma grande entrega...
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Concedo mais dois minutos ao orador.
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - E mais uma grande entrega deste Senado a este país: chegar a um consenso com medidas que assegurem a mitigação desses conflitos. E, sem dúvida alguma, isso seria aprovado muito rapidamente se saíssemos daqui com um consenso apoiado tanto por aqueles que estão aqui representando os direitos dos povos indígenas, como por aqueles que têm a preocupação legítima com aqueles que são afetados pela demarcação.
É isso, Sr. Presidente. Queria concluir fazendo, mais uma vez, um apelo para que a gente tenha mais tempo para fazer o diálogo em torno deste projeto, um diálogo que chegue a uma proposta que esteja em sintonia, em consonância com o que está previsto no art. 231 da Constituição.
Obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Agradeço ao Secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marivaldo de Castro Pereira.
Na sequência, como último orador, convido o Sr. Marcelo Bertoni, Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), para fazer uso da palavra.
V.Sa. tem dez minutos, com a aquiescência de dois minutos de prorrogação por este Plenário.
O SR. MARCELO BERTONI (Para expor.) - Eu preciso do passador, antes de soltar meu tempo. (Pausa.)
Boa tarde. Eu queria agradecer aqui ao Presidente Alan Rick, a todos os Senadores, a todos da mesa. E vou começar, por causa do tempo.
Então eu estou lá no Mato Grosso do Sul, já fui visitado pela Joenia, já estivemos juntos, sobre essa mesma discussão.
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Então, para entrar no contexto do meu estado, eu tenho que entrar no contexto da Guerra do Paraguai, porque muitas pessoas esquecem que o meu estado esteve em conflito na Guerra do Paraguai, não só o meu estado, mas Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em muitos desses territórios do meu estado, lá atrás, houve confronto e nós, naquele momento de guerra, conseguimos retomar esse pedaço, que era do Brasil. Aí, sim, o Governo brasileiro entendeu que tinha que ocupar essa região para consolidar a soberania nacional.
E aí veio Mato Grosso. Cuiabá era a capital. Foram mandados para o Mato Grosso do Sul - que não era assim, era Mato Grosso uno -, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, os colonizadores daquela região. E esses títulos foram vendidos para essas pessoas que têm titulação desde 1854. Um pedaço das áreas dali... A Guerra do Paraguai foi de 1864 a 1870, só para ter um contexto.
E aqui eu entro no projeto de marco temporal. Muito se falou em segurança jurídica. Eu também quero a segurança jurídica, desde que meus produtores, que estão lá desde essa época, sejam indenizados, indenizados justamente na questão legal, tanto pela terra nua quanto pelas benfeitorias. Hoje não são; eles são expropriados nesse sentido.
Naquele momento lá atrás, eles eram heróis da soberania nacional. Hoje, os seus descendentes são como os invasores de índios. Isso não é justo com esses que estiveram lá na guerra mantendo a soberania nacional. Se não é justo com índio, não é justo com quem está lá. Então, não podemos resolver uma injustiça criando outra. E é isto que eu discuto aqui: o direito dos meus produtores de receberem, então, pela terra.
Segundo. O Estatuto do Índio fala que você pode criar novas reservas, desde que você indenize e pague. Já está lá. Dentro da lei, desse PL, foi colocado esse art. 17 - dentro desse PL, mas, no Estatuto do Índio, já se fala disso. Você pode, a qualquer tempo, fazer uma nova reserva, desde que você pague.
Hoje, nós temos, em demarcação de novas terras indígenas - esses estudos foram feitos todos com dados da Funai -, 615 áreas reivindicadas no Brasil. Hoje nós temos problemas indígenas em 20 estados brasileiros. Com essa reivindicação, nós vamos para os 26 estados. E eu tenho certeza de que o Distrito Federal também tem um problema indígena que vai entrar nessa conta. Então, vamos para os 27. Nós não sabemos qual é a área, porque a área está em estudo, e o estudo aparece zerado. Então, nós não sabemos o tamanho que vai ser. E eu não estou dizendo que isso é muito ou é pouco.
Aqui eu quero falar das demarcações de novas terras indígenas. Nós temos hoje 621 terras indígenas, com 119,82 milhões, sendo 14,1% com essa última homologação que o Lula fez agora este ano. E eu não estou dizendo que isso é pouco ou é muito, eu não estou entrando no mérito da questão, eu quero que vocês entendam isso. Eu estou defendendo o direito dos meus produtores. São 118 áreas delimitadas de que nós sabemos o tamanho. São 9,1 milhões de hectares que eles estão pretendendo, e a Funai diz o tamanho das áreas. Passariam para 130 milhões de hectares, vamos arredondar ali. São 15,1% do território nacional. Nós temos 495 reivindicadas e 120 em estudos. Essas áreas são as 615 de que eu falei para os senhores. Nós não sabemos o tamanho. Pode dobrar? Pode triplicar? Pode, dependendo do entendimento de um laudo antropológico que fizerem. Então, eu não estou entrando no mérito.
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Impacto sobre as propriedades rurais e, nisso, eu entro no mérito. Eu tenho 9.169.150 hectares. De acordo com um estudo realizado em 20 estados de que hoje eu sei o tamanho: são 10.249 propriedades rurais atingidas nesses estados. E eu fiz uma conta de boteco, como diz o outro. São quatro pessoas por propriedade, em torno de, aproximadamente, 41 mil famílias atingidas nessas demarcações. E a grande maioria são pequenos produtores da agricultura familiar. Eu tenho um estudo e mostro para vocês.
Impacto sobre a propriedade rural só do meu Estado, Mato Grosso do Sul: são 275.633 hectares e 903 propriedades que eles estão reivindicando no meu estado, na região mais produtora do meu estado, na região que mais produz no meu estado. E aqui eu dou o exemplo de Douradina, que é uma cidade que fica perto de Dourados e Itaporã, onde a área delimitada são 12.196 hectares, um impacto de 315 propriedades de quatro módulos fiscais abaixo. E aqui tem sitiante de 4ha. Uma proprietária que se chama Vanilda tem um sítio de 8ha, onde ela plantava hortaliças, fazia toda a questão da agricultura familiar, e hoje é invadida. Impacto em mais de 90% da agricultura familiar. Isso é importante dizer.
Eu queria botar um vídeo daqui a pouco e só dizer que, sobre segurança jurídica, Dr. Marivaldo, o senhor falou... Eu tenho, no meu estado, 154 propriedades invadidas e nenhuma com reintegração de posse cumprida. Tem produtores invadidos há 20 anos. Há 20 anos, eles estão fora da área. Isso é só um caso de uma produtora.
E eu coloco lá de novo: não podemos resolver uma injustiça criando outra. Os senhores vão criar outra injustiça com pequenos produtores que estão lá e não vão receber nada por isso. E aqui digo mais uma vez: eu não estou entrando no mérito de se os povos indígenas merecem mais ou menos. Não é a minha discussão. A minha discussão é o pagamento para o meu produtor, que está lá na ponta sofrendo com isso. Se há injustiça com os indígenas, está havendo injustiça com meus produtores. Eu quero deixar bem frisado isso.
Pode soltar o vídeo.
(Procede-se à exibição de vídeo.)
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(Procede-se à exibição de vídeo.)
O SR. MARCELO BERTONI - Cortou um pouco porque eu queria que o tempo atendesse. Mas essa proprietária está fora da área dela há muito tempo. A mãe está passando por necessidades hoje.
Então, nós não podemos hoje... Eu tenho vários pequenos produtores de Douradina que, hoje, a gente ajuda economicamente porque estão fora das suas áreas e não têm como fazer o sustento das suas famílias.
(Soa a campainha.)
O SR. MARCELO BERTONI - E são pequenos produtores da agricultura familiar.
E aqui eu já relato... Eu acho importante esta discussão, principalmente porque a gente precisa resolver esse problema e não só, mas outros, porque, quando se muda também o CAR - e eu gostaria também de dizer, porque eu tenho um tempinho a mais ali -, quando se muda o entendimento de terras homologadas e declaradas, a maioria das pessoas do meu estado estão sofrendo. Lá, 761 pessoas da agricultura familiar não conseguem tirar o Pronaf, porque trancou as áreas. Eles são vizinhos de uma terra pretendida e, dessa terra pretendida, já trancou o financiamento desses pequenos produtores.
No mais, é agradecer pelo meu tempo.
Obrigado, mais uma vez, Soraya, pela relatoria e a todos os Senadores e Deputados envolvidos com esse PL.
Agradeço a todos aqui. Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Agradeço ao Sr. Marcelo Bertoni, Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Mato Grosso do Sul (Famasul).
Encerradas as falas dos nossos oradores, eu quero citar aqui a participação da população pelo e-Cidadania: Rosilene da Conceição, da Bahia; Eilor Castaldo, de São Paulo; Delci Vesco, do Paraná; Thethe Dantas, do Rio de Janeiro; Marcelo de Troi, de São Paulo; Martha Jares, do Pará; Célia Aparecida, de São Paulo; Rosilene da Conceição, da Bahia; e muitos outros que têm nos enviado perguntas e, na sequência, na própria fala dos nossos oradores, estão sendo colocadas, na sequência também das perguntas dos Senadores e Deputados Federais presentes.
Concluída esta etapa, abriremos, neste momento, para as perguntas dos nossos Senadores e Deputados presentes, agradecendo também aqui a presença da nossa Relatora, Senadora Soraya Thronicke, do Senador Humberto Costa, do Senador Hamilton Mourão e daqueles que não cumprimentei aqui, o Deputado Sergio Souza, a Deputada Célia Xakriabá e todos os demais que, de alguma forma, se fizeram presentes aqui, e tiveram que se ausentar.
Primeiro inscrito para pergunta, concedo a palavra por dois minutos...
A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - MS) - Pela ordem, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Pois não, Senadora.
A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - MS. Pela ordem.) - Eu não me inscrevi para fazer perguntas. Só gostaria de cumprimentar a todos aqui e, apenas, apresentar a Maria Eduarda, que é Jovem Senadora e aqui está nesta semana dos Jovens Senadores de todo o Brasil. Maria Eduarda, que é de Fátima do Sul, Município do nosso Mato Grosso do Sul, está aqui hoje conosco, aprendendo e vivendo este momento tão importante.
Eu disse a ela, Bertoni, que isso aqui é histórico.
Então, era apenas para registrar a presença da Maria Eduarda.
Obrigada, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Com certeza.
Registro aqui a presença da Maria Eduarda, também como da Ana Sophie, lá do Acre, e dos demais Jovens Senadores e Jovens Senadoras presentes nesse programa.
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Consulto o Senado, este Plenário, para que nós possamos utilizar bem o tempo... Peço para fazermos as perguntas num prazo de dois minutos, como são muitos os inscritos, que a gente possa utilizar bem o tempo, Senadores, para que a gente possa dar oportunidade a todos de fazerem as perguntas e os nossos oradores possam responder. No momento... Eu consulto, claro, obviamente, o Plenário, uma vez que nós temos muitas perguntas e os nossos oradores certamente terão um tempo maior para expor as suas respostas.
O SR. BETO FARO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Desde que o subscritor aqui do requerimento tenha mais tempo, não vejo problema. (Risos.)
Acho que era razoável a gente fazer em cinco, nem tem tantos Senadores aqui. Eu acho que seria importante.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Concederei aos subscritores um tempo maior, Senador Beto Faro.
Então, com a aquiescência dos demais, eu acredito que para a gente usar bem o tempo e explorar bastante os nossos oradores, solicito esse entendimento, essa compreensão do nosso Colegiado.
Com a palavra, para fazer a sua pergunta, o primeiro inscrito, o Senador Zequinha Marinho.
O SR. ZEQUINHA MARINHO (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - PA. Para interpelar.) - Muito obrigado, Presidente. Quero aqui cumprimentar a mesa, cumprimentando nossos expositores: Marivaldo Pereira, do Ministério da Justiça; Marcelo Bertoni, da Federação da Agricultura do Mato Grosso do Sul; Joenia, nossa Presidente da Funai. É uma alegria rever aqui meu amigo querido Osmar Serraglio - tivemos bons tempos na Câmara. Quero cumprimentar nosso - está dando um reflexo danado aqui - representante, o Arnaldo, e o Kleber. Muito bem!
Quero cumprimentar aqui a iniciativa do Senador Beto Faro de que a gente tivesse esta oportunidade de conversar e cada parte colocar o seu entendimento sobre tudo isso.
Então, só falo de um fato, que termina entrando em choque, mas não é um problema dos povos indígenas...
(Soa a campainha.)
O SR. ZEQUINHA MARINHO (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - PA) - ... mas sim da política do Governo, e não é deste Governo, é de qualquer um outro que ficou para trás, que é com relação ao direito de propriedade das pessoas que estão em áreas que são reivindicadas.
Nunca foi nem será - não é e nem será - justo expropriar alguém e mandá-lo embora, procurar um outro rumo, um outro lugar, recomeçar a vida sem a devida indenização. Isso é uma coisa desumana. Tenho certeza de que nenhum outro país aí fora faria o que a gente faz aqui hoje. Então, eu acho que esse é o ponto que precisa ser corrigido.
E aí, meu caro Marivaldo, que aqui representa o Ministério, naturalmente representa o Governo neste debate, a gente tem que corrigir isso. Ninguém faz nada em cima de uma base injusta. Tudo que se faz em cima de algo injusto não prospera, não é bom para ninguém, não avança. E é preciso ter cuidado com isso. "Ah não, porque eu posso". Tudo bem. Você pode? Pode. Mas amanhã alguém vai lhe cobrar a injustiça que você fez hoje. Então, a gente precisa dar uma equilibrada nesse jogo.
Naturalmente, temos aqui nossos pontos de vista, mas eu não quero aqui expor, só quero me referir ao Arnaldo, da etnia parecis. Arnaldo, lá no nosso estado, nós temos várias etnias, vários povos, e a gente ainda não avançou na produção. Eu defendo, inclusive estou terminando uma PEC neste momento, que o cidadão indígena tenha o direito de trabalhar, produzir, comercializar sem nenhum impedimento. Naturalmente, nós teremos aí alguma coisa a ajustar.
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Você falou de crédito. Aí o Governo tem a obrigação de buscar uma forma de poder assistir ou de dar assistência creditícia, assim como também assistência técnica, o que é, de repente, mais fácil de se fazer. A questão é que nossos bancos são acostumados a pegar garantia real. Lá é uma coisa diferente, é um trabalho coletivo, uma produção coletiva. Naturalmente, a terra indígena... Não sei como é que vocês dariam isso em garantia, mas o dono do crédito vai achar uma forma. E eu gostaria de convidá-lo, queria pegar teu contato para dar uma volta lá pelo Pará uma hora dessas que a gente pudesse programar, a fim de que você pudesse falar dos avanços do seu povo lá no Mato Grosso. Sempre ouço alguma coisa a respeito, que são bons produtores e que estão assimilando esse trabalho de forma muito competente. Isso é muito bom, porque, lamentavelmente - e a nossa Presidente aqui sabe -, as dificuldades de dinheiro para fazer alguma coisa... Todo dia diminui, não é?
Ontem eu estava fazendo um pronunciamento falando, chamando a atenção para isto: nós estamos com 61% dos municípios operando no vermelho. O que significa isso? Todo mundo quebrado, sem dinheiro. Se tivéssemos bastante dinheiro, não precisaríamos ensinar os nossos irmãos indígenas a trabalhar e produzir. Mas não temos. O povo caiapó, no sul do Pará, ali no Município de Cumaru do Norte - tu deves conhecer -, aldeia indígena Gorotire, tem uma dificuldade de alimentação muito grande e, aqui e acolá, a gente tem surto de tuberculose. Por quê? Alimentação ruim, fraca, não tem um medicamento que... De repente, essa pessoa entra em crise, pega uma tuberculose e até morre.
Então, a gente precisa dar um jeito. Já que não temos dinheiro para suprir a necessidade, que se permita trabalhar, que se permita crescer, desenvolver. E combinar com o Ministério Público, porque tem hora que eu acho que o Ministério Público exagera sobremaneira com relação a isso. Fiquei sabendo que, em Santa Catarina, os nossos irmãos indígenas de uma certa etnia produziram, e a soja teve ficar lá armazenada porque o Ministério Público embargou. Que coisa irracional! Que coisa maluca! "Ah, não, porque não é cultura". Pelo amor de Deus! Vamos abrir essa cabeça.
Então, minhas considerações com relação a todo o trabalho desenvolvido. Nós precisamos dar segurança jurídica ao Brasil, escolher o melhor caminho. E se há alguma coisa para consertar aqui, eu tenho certeza de que vem da parte do Governo para que a gente possa... Se vai fazer com a terra, então, indenizem os donos, paguem as terras, benfeitorias, enfim, é disso que se precisa, porque nós somos todos irmãos e não queremos ficar nesse jogo de um contra o outro.
Muito obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Agradeço, Senador Zequinha.
Registrando, os Senadores são os maiores interessados até porque votarão a matéria, e o tempo, obviamente, é muito importante em uma audiência como esta, peço atenção ao tempo aos nossos oradores.
Na sequência, concedo tempo para pergunta ao Senador Beto Faro, lembrando que eu farei aqui um bloco de três e, na sequência, nós colocamos as respostas para os nossos convidados.
O SR. BETO FARO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Para interpelar.) - Sr. Presidente, demais membros aqui do Senado, Senadores e Senadoras, nossos convidados e palestrantes aqui, primeiro, quero parabenizá-los pelas informações, por todo o debate que fizeram aqui. É uma demonstração clara de que é necessário ter mais debates civilizados aqui, numa audiência tranquila, está certo? Então, acho que é importante que a gente faça...
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Esse projeto está na Câmara há quase quinze anos, e nenhuma audiência pública foi feita na Câmara. Em nenhum momento se colocaram os lados da questão para que pudessem debater. Faz-se uma votação agora, de uma forma extremamente açodada, e a traz para o Senado; e nós, em três meses, queremos deliberar tudo. Há inclusive uma voz recorrente, no caso do Senado, Sr. Presidente, de que a Câmara demora demais para aprovar e que a gente tem pouco tempo para poder deliberar. Vamos dar um tempo para a gente poder deliberar sobre isso aqui no Senado. Tem sido, inclusive, uma das reclamações deste Senado que a gente possa debater.
(Soa a campainha.)
O SR. BETO FARO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Essa é a primeira audiência pública em que nós temos os lados se colocando aqui sobre esse projeto nesse período todo.
Então, não é...
Eu não acho razoável a gente fazer a deliberação, mas sou defensor da democracia. Sei as regras, cumpro o Regimento da Casa e vou tocar do jeito que for estabelecido. Comigo não tem... Como se compõe maioria, para poder deliberar os projetos, aceitamos esse processo. Mas não acho... Não podem querer a minha concordância para que, num processo que chegue dessa forma aqui, muito rápido, a gente possa deliberar. Essa própria audiência aqui já trouxe uma série de informações.
Eu sou defensor de que a gente pudesse buscar uma política que conciliasse, que pudesse achar um meio termo para a questão. Hoje estão tão radicalizadas as posições que não se permite inclusive dialogar: é o projeto ou não. Se for o projeto da forma que está, vou votar contra, porque não tem como votar a favor, mas eu acho que se podia buscar um meio termo, porque não é razoável dizer: "Ah agora ó...", no ponto que trata da questão do marco temporal.
É a Constituição de 1988 para as populações indígenas. Para as outras populações, a gente tem brigado aqui para que, se o caboclo ocupar uma área de terra pública há um ano, já possa ser feita a regularização dele e já lhe seja dado o título. A briga é essa aqui. Então, para uma população tem um jeito, e, para a outra população, é considerado de outra forma. Então, eu quero debater isto: qual é o tempo efetivo e como é que se organiza essa questão.
Sobre essa questão das indenizações nas terras, eu sou favorável a isso aqui, Senador Zequinha. Eu sou favorável, Presidente, que tenha que ter a indenização: se o cidadão está lá e agora você estabelece a área, tem que fazer a indenização justa. E é papel da gente aqui no Congresso debater o Orçamento, inclusive, porque, como é que se vai indenizar, se os órgãos aí - Funai ou quem deve indenizar - não têm os recursos necessários inclusive para fazer indenização? Eu acho que nós temos que dialogar inclusive aqui no Congresso como a gente vai aportar os recursos necessários para se fazer indenização - e acho que tem que ser feita a indenização. Está certo? Acho que tem que ser feita a indenização.
Então, tem uma série de questões que a gente poderia estar discutindo, em audiências públicas e em reuniões, no projeto, e não só essas questões que estão estabelecidas, com todo o respeito ao relatório e ao projeto que a Senadora Soraya está fazendo.
Aqui eu acho que se cria mais conflito, na minha avaliação. Eu não acho que nós vamos parar o conflito, primeiro porque tem mecanismo de judicialização dessas questões. Então, ao perder um lado aqui, no debate do Congresso, isso vai para a judicialização e nós vamos ficar numa briga. Quanto tempo se passou para se resolver uma questão, que era a própria Raposa Serra do Sol, ou outras questões? Tem a área de Santa Catarina. Há quanto tempo está judicializada para poder se resolver? Aqui era o momento de a gente poder aproveitar isso e fazer um grande debate, chamar o Governo à responsabilidade, botar numa mesa valendo, dado um prazo aí de dois, três meses, com uma comissão do Congresso Nacional e o Governo Federal, para que a gente achasse uma solução. Eu acho que é possível achar isso, eu sou defensor do que é possível, para que a gente possa fazer.
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"Ah, hoje as áreas indígenas..." Acho que nem tanto o mar, nem tanto a terra. Os índios têm muitas áreas, mas se a gente for comparar aí entre os índios, os maiores produtores, rapidamente a diferença é enorme, do ponto de vista das áreas. Eu conheço isso, sou produtor - quero dizer isso -, tenho áreas onde está sendo feita desintrusão. No Pará agora está sendo feita a desintrusão da terra dos índios tembés, e ali de fato são pequenos produtores, não são grandes produtores. Ali não se abre, ali não é garimpeiro que está fazendo em terra ilegal, não é nada disso. São pequenos produtores, base inclusive, muitos deles votam em mim lá para Senador, que são meus parceiros, e de anos. Nós temos que achar esse meio termo, e o que eu chamo a responsabilidade do Senado era para que a gente pudesse dar esse tempo.
No requerimento inicial que eu fiz a esta Comissão, eu pedia duas: uma que fosse essa composição e outra para ouvir o Ministério dos Povos Indígenas, que está recém criado, que está estabelecido. Era importante ouvir, assim como ouvir outros atores para que a gente pudesse fazer.
O projeto, na minha avaliação... Eu fiz três emendas, na verdade, ao projeto, três emendas: uma que eu acho que é prejudicial, que é essa questão do acesso às populações isoladas. Nós temos todo um debate sobre isso, a possibilidade de trazer para a lei essa questão do arrendamento das áreas indígenas. Eu sei até que, se a gente for buscar e fizer um pente fino, um diagnóstico do Brasil, vão aparecer terras hoje que já têm essa prática, mas é do ponto de vista da legalidade. Trazer para a legalidade eu acho que não é o melhor caminho, porque aí é a força de quem tem o dinheiro, daqueles que não têm, e aí daqui a pouco nós estamos descaracterizando, assim como há muitos assentamentos da reforma agrária, que eu conheço, que hoje são terras dos assentados e que não estão mais na mão dos assentados. E a gente precisa estar debatendo isso.
Então, Sr. Presidente, a minha solicitação é para que a gente pudesse dar o maior tempo, sem essa posição radicalizada. Eu acho que hoje aqui é a demonstração clara, a mesa aqui é a demonstração clara de que a gente pode pegar as várias posições existentes sobre esse tema e, civilizadamente, achar um ponto de equilíbrio para que a gente possa dialogar, e talvez com isso a gente pudesse fazer essa matéria ser mais rapidamente decidida do que a gente ia decidir aqui, porque daqui a pouco a briga vai estar lá na Comissão de Constituição e Justiça, a correlação de forças da CCJ não é a mesma correlação de forças aqui da CRA, e assim por diante. A correlação de forças do Senado Federal não é a mesma correlação de forças daqui da CRA, e, daqui a pouco, a gente vai estar fazendo um debate que, talvez, para aqueles que de fato estão querendo resolver essa situação, seja um tempo maior até do que a gente poderia fazer se a gente estabelecesse uma comissão efetiva do Senado e do Governo para que a gente pudesse dialogar sobre isso.
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Era isso, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Obrigado, Senador Beto Faro.
Na sequência, por ordem de inscrição...
O SR. JAYME CAMPOS (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - MT) - Sr. Presidente, pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Pois não, Senador Jayme Campos.
O SR. JAYME CAMPOS (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - MT. Pela ordem.) - Seria apenas a título de contribuição para o ilustre Senador Beto Faro.
Na verdade, havia uma Comissão especial, de que V. Exa. tem conhecimento, lá na Câmara. Foram feitas 18 audiências aqui.
Só quero contribuir com o ilustre e eminente Senador da República sobre o que é mais importante, meu querido Senador Beto Faro: não é razoável o que está acontecendo, causando esta intranquilidade que está havendo em relação a essa possibilidade de aumento de reservas indígenas e outras situações que estão sendo criadas já há alguns anos aqui.
Quero contribuir apenas com o Senador Beto Faro, que talvez não tenha conhecimento nem obrigação de saber: foram 18! A última, agora, foi promovida no dia 04/05/2023, quando houve uma nova reunião lá na Câmara. Inclusive, invoco o testemunho do conterrâneo Deputado Assis, que participou do evento lá. Não é isso, Coronel? Foi o requerente, melhor dizendo.
A título de contribuição, eu acho que nós não podemos mais postergar.
Presidente, nós tínhamos um acordo, feito na semana passada, nesta mesma Comissão. V. Exa. nos assegurou que esta matéria seria votada hoje aqui. Entretanto, não há impeditivo regimental para que, lá na CCJ, V. Exa. proponha, com certeza, uma nova audiência pública.
Nós viemos aqui hoje para votar! Nós, aqui, de forma respeitosa, mas de forma séria, fizemos um acordo de que íamos permitir - melhor dizendo, na terça-feira, e passamos para hoje - fazer esta audiência.
Todavia V. Exa. tem um compromisso com esta Comissão, composta por homens e mulheres do Senado, Senadores, de votarmos esta matéria hoje. Postergar, com todo respeito, eu particularmente já me vou manifestar: "não". Sou contra a postergação desta matéria, para se votar outro dia, com mais audiência pública.
Caso contrário... Tudo o que nós acordamos aqui, de forma civilizada, respeitosamente, tem que prevalecer.
Saúdo meu querido amigo Arnaldo, lá da comunidade que respeito muito, até pela sua luta incessante em defesa dos povos indígenas. Todos nós aqui respeitamos.
Esta semana, só vou dar um exemplo, eu estive com o Presidente da Cooperativa Coopaibra, Felisberto Cupudunepá, índio trabalhador. Sabem o que ele foi me pedir? Disse que está solidário em relação a esta matéria. Sabem o que ele veio pedir para mim? Equipamentos mecânicos, ou seja, trator, grade. Queria, se possível, que nós o atendêssemos. Inclusive, no ano passado, já dei cinco máquinas para o pessoal kaiabi. Atendi. Este ano, vou atender com mais dez máquinas.
É bom que se esclareça aqui que todo mundo já está sabendo desta matéria, Deputado Sergio, Zequinha, Soraya, que foi a Relatora, todos nós já estamos carecas de saber como é o projeto. Já vimos, já relemos a relatoria de S. Exa. e nós queremos votar, Presidente.
Peço aqui até, inclusive, aos membros desta Comissão, sobretudo, àquelas pessoas que se manifestaram e se inscreveram para que faça a inscrição para participação, mas nós temos um horário regimental - V. Exa. tem conhecimento disto -, após a abertura dos trabalhos da Ordem do Dia do Plenário, por conseguinte, é obrigatório que esta Comissão encerre, com certeza, os seus trabalhos.
Obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Agradeço a contribuição do eminente Senador Jayme Campos.
Com a palavra, pela ordem, o Senador Jorge Seif.
A não ser que S. Exa. queira conceder a vez da palavra à Senadora Tereza Cristina. (Pausa.)
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A Senadora já...
O SR. JORGE SEIF (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - SC. Para interpelar.) - Vocês sabem que, quando eu fui Secretário Nacional de Pesca, com tantos ensinamentos da Tereza Cristina, eu passei a chamá-la de "mommy poderosa". E, até hoje, ela para nós é uma referência.
Sr. Presidente, parabéns pela audiência. Obrigado a todos os debatedores.
Sr. Presidente, esse assunto está trazendo um desconforto ao Brasil inteiro. Primeiro que não existe "povo indígena" e "agricultor", todos somos brasileiros. Somos brasileiros.
Segundo, lá no meu estado, o acordo que estava correndo na Advocacia-Geral da União - estivemos três vezes com o Ministro Jorge Messias... E representantes da AGU que foram ao meu estado disseram o seguinte, Sr. Presidente: "Olha, os indígenas de Santa Catarina estão dispostos a fazer um acordo; no entanto, as ONGs e os órgãos que estão ali em volta estão pressionando-os, contaminando-os", isso palavras de um Advogado-Geral da União, cujo nome eu não vou falar...
(Soa a campainha.)
O SR. JORGE SEIF (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - SC) - ... para preservá-lo.
Então, Sr. Presidente, os indígenas são hoje, segundo o IBGE, 1,7 milhão e, praticamente, quase 20%... 15% do território. Se o problema dos nossos indígenas, que são brasileiros como eu e como o senhor, fosse terra, já se teria resolvido, pelo espaço que eles já têm no Brasil. Então, nossos indígenas querem caminhonete, arado, trator, plantar, colher, internet, colégio. O que eles precisam é realmente de todas as benesses que toda a população brasileira tem.
Com essas palavras, Sr. Presidente, eu peço ao senhor, fazendo mais um apelo, que realmente a gente vote essa matéria e que seja encaminhada para a CCJ.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Apenas para corroborar o que já foi debatido na sessão passada, na reunião passada desta Comissão, o acordo celebrado entre todos os Senadores será cumprido, como está sendo, de celebrar, de realizar esta audiência pública e, na sequência, apreciarmos a matéria.
Por ordem de inscrição, com a palavra, Senador Esperidião Amin.
O SR. ESPERIDIÃO AMIN (Bloco Parlamentar Aliança/PP - SC. Para interpelar.) - Sr. Presidente, eu quero também, à semelhança do que fez o Senador Jayme Campos, me dirigir ao Senador Beto Faro. Sempre haverá tempo para colher, desde que se semeie. E eu acho que esta votação... Nenhum de nós pode imaginar que esta votação seja a última deliberação a respeito deste assunto, mas é uma demonstração de que nós não queremos assistir à consumação de fatos pelo Governo, sem dizer que existe uma maioria expressiva no Congresso que não concorda com a insegurança jurídica nem para um lado nem para o outro. Estou falando em termos de pendenga, porque nós todos somos brasileiros e os nossos interesses todos têm que ser considerados interesses dentro da mesma família. Eu sou, Presidente, filho de imigrantes, por parte de pai e por parte de mãe, portanto, eu sou um arrivista, quero ajudar é com paz.
E, finalmente, quero lembrar um fato concreto a respeito do que o Senador Beto Faro falou. Eu era Governador do estado, o Secretário da Agricultura da época era o Odacir Zonta, quando foi criada a terra indígena Toldo Chimbangue, perto de Chapecó. O governo indenizou os pequenos proprietários. Aliás, Santa Catarina tem o melhor Índice de Gini do Brasil em matéria de distribuição de terras. São todas pequenas propriedades, e o nome era Sede Trentin, portanto, predominantemente de origem italiana. O governo pagou, houve um trauma, mas indenizou todos os proprietários.
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Voltei ao governo em 1999, e o Secretário da Agricultura era o mesmo. Fiz uma reunião em Chapecó. O governo queria duplicar a terra indígena, só que não haveria mais indenização da terra, muito embora os títulos fossem tão legítimos quanto os anteriores. Resultado: não aconteceu. Ou seja, foi uma investida clara para trazer mais habitantes para aquela terra, porque eles não estavam lá. Então, nós não podemos ficar sob o espectro de redemarcações de terra.
Em Santa Catarina nós temos 23 processos de redemarcação, um estado que tem a menor concentração fundiária do Brasil, Senador Beto Faro, a menor concentração, onde tem crédito fundiário, Banco da Terra, além dos programas de reforma agrária do Governo Federal; onde se implantaram escolas indígenas. A primeira banda larga de terra indígena eu tive oportunidade de colocar na terra vanhkre: escola de educação básica e, inclusive, de ensino médio, chamada Cacique Vanhkre, de Ipuaçu, que é a nossa maior reserva indígena. Ou seja, fizemos escolas, fizemos programas de financiamento com base no escambo, no troca-troca, no preço da mercadoria, para financiamento. E a nação indígena caingangue, no caso de Ipuaçu, pagou o empréstimo.
Portanto, temos experiências de desenvolvimento social das pessoas. Eu estarei sempre aberto para isso, mas não sob a ameaça de que fatos serão consumados enquanto se discute. Isso nós não podemos aceitar.
Então, esta votação que nós vamos ter hoje - daqui a pouco ocorrerá o debate na Comissão de Constituição e Justiça - significa o seguinte: quando se perde segurança jurídica, se perde para o Brasil, independentemente da origem do brasileiro que a reivindica.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Agradeço ao Senador Esperidião Amin.
Na sequência, com a palavra a Senadora Margareth Buzetti.
A SRA. MARGARETH BUZETTI (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MT. Para interpelar.) - Boa tarde, Presidente! Boa tarde a todos da mesa!
Joenia, eu estive lá na Funai falando com você sobre as demarcações de terras indígenas, sobre os estudos de demarcação que paralisaram já 201 propriedades no nosso Estado de Mato Grosso. Lá eles não têm mais acesso ao CAR, não podem mais comercializar seu produto, não têm mais acesso ao licenciamento.
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Fizemos um requerimento ao Presidente do Senado, porque V. Sa. me informou que os produtores teriam 90 dias para as contestações. O.k. Fizemos um pedido ao Presidente do Senado, para que pedisse ao Ministro da Justiça quais as áreas que estão passíveis de demarcações no nosso estado, porque essa é uma causa que interessa ao estado e interessa a todos os estados brasileiros.
(Soa a campainha.)
A SRA. MARGARETH BUZETTI (Bloco Parlamentar PSD/Republicanos/PSD - MT) - Até hoje a gente não obteve acesso a nenhum processo, e já se passaram 25 dias do prazo das contestações desses produtores.
Então, Presidente, eu contesto o Beto Faro também. Nós temos que votar sim, é um caso que, para mim, já é, vou votar, tem que ser votado, o Senado precisa dar uma solução a esse caso.
Somos todos irmãos, somos todos brasileiros; por que não podemos conviver pacificamente?
Agora, aqueles produtores que estão lá em cima, eles têm a terra há 30, 40 anos, têm suas benfeitorias e, se ficarem sem a terra, eles têm lucro cessante. E aí? Como é que faz com a vida dos brasileiros? É diferente da vida do indígena?
Só isso, Sr. Presidente.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Obrigado, Senadora Margareth Buzetti.
Convido agora, para fazer uso da palavra, a Deputada Federal Célia Xakriabá.
A SRA. CÉLIA XAKRIABÁ (Bloco/PSOL - MG. Para expor.) - Muito obrigada, Sr. Presidente.
Quero dizer que hoje é um momento histórico. Ontem recebi também, na nossa Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, que presido... Sou também Coordenadora da Frente Parlamentar Mista, composta pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.
A primeira vez que entrei na escola indígena... Estudei na escola indígena desde 1996. Quando eu entrei, perguntaram o que é que nós queríamos ser, e todo mundo falou que queria ser advogado, alguns falaram que queriam ser políticos - sou a primeira indígena eleita pelo Estado de Minas Gerais, a terceira mulher mais votada do estado -, e aí, quando eu falei que queria ser professora, a professora ficou constrangida e falou: "Seu Valdir, se o senhor tivesse oportunidade de ir para a escola, o que é que o senhor queria ser?". Ele falou: "Ah, minha filha, eu só queria ter uma enxada bem amolada para plantar para esse bando de doutor". Isso para dizer que, do ponto de vista da agricultura, nós concordamos, nós apoiamos, juntamente com a Funai, em dizer que o marco temporal, para nós, é a reprodução da invasão do Brasil.
Nós queremos mais marcos, na verdade, de ter a primeira Presidenta na Funai.
(Soa a campainha.)
A SRA. CÉLIA XAKRIABÁ (Bloco/PSOL - MG) - Nós queremos mais marcos é de ter o primeiro ministério indígena...
E, sobretudo, quando se votou o PL 490... Nós damos aula nessa matéria, e não é interesse de conflito, porque nós viemos acompanhando, juntamente com o jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, e nós queremos que, com a mesma urgência com que se vota aqui nesta Comissão, que se tenha urgência no mínimo de ter um contraste na Comissão de Direitos Humanos.
Ontem estive com a Ministra aqui, fazendo altos diálogos também, junto com vários Senadores, Beto Faro, Jaques Wagner, a Ministra esteve também com a Senadora Soraya, e isso para dizer que não se trata de correlação de forças.
Quando foi falado aqui "será que não estamos pedindo para devolver todo o passado?", na verdade nós estamos aqui é para não comprometer todo o futuro, porque se nós, povos indígenas, quiséssemos Copacabana, se quiséssemos Itaquera...
Na verdade, nós estamos aqui porque se falou que não se pode ser injusto. Não se pode curar o mal com a mesma enfermidade. Então, se não podemos repetir a injustiça, que seja justo, minimamente, para distribuir para outra Comissão.
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Quando se fala que é muita terra para pouco indígena porque somos nem 1%... Hoje nós somos 0,84 com o novo IBGE, mas, na verdade, vocês também são 1% da população brasileira, que detém em torno de 46 do território nacional. Não se trata de matemática, porque, se for na matemática também, o número é desigual.
E se nós, povos indígenas, realmente quiséssemos todo o Brasil, nós estamos sendo até generosos demais, porque nós não queremos Copacabana. Nós queremos é ter o direito dos territórios indígenas garantidos.
E, já para ir finalizando, no art. 16 do PL 2.903, que era o antigo 490, ele fala de alteração de traços culturais. Ou seja, aqueles povos que tiveram traços culturais esse território pode ser destinado para terra da União ou reforma agrária.
Quem não acompanhou a situação ianomâmi? Eu fui a primeira Parlamentar a estar no território ianomâmi, mesmo sendo do Estado de Minas Gerais.
Então, se a questão ianomâmi não se indigna a cada pessoa, na verdade nós estamos caminhando... E não adianta também falar do tamanho do território ianomâmi, porque o maior déficit de demarcação dos territórios indígenas também está na Região Nordeste.
Nós precisamos pensar uma civilidade. E toda vez ficam falando.
Eu estive lá com o companheiro do Mato Grosso do Sul, Marcelo, aqui representado, e o povo guarani kaiowá é o povo que mais morre, inclusive de suicídio, inclusive da expansão agrícola. E nós falamos para o companheiro Marcelo: Mato Grosso do Sul quer realmente seguir, Senadora Soraya, como um dos estados que mais mata os povos indígenas?
A guerra no campo não beneficia ninguém. Nós, povos indígenas, queremos caminhar para uma civilização. E caminhar para uma civilização não pode significar o retrocesso também da demarcação dos territórios indígenas.
Já para ir finalizando mesmo, quem não se lembra da ditadura militar? Até na época da ditadura militar já se reconhecia a urgência da demarcação dos territórios indígenas, que foi pelo compromisso da Constituinte, na verdade, cinco anos depois garantir.
Eu venho de um estado onde existia o Reformatório Krenak, em que mais de 8 mil indígenas foram torturados na época da ditadura militar, para dizer que estamos aqui porque nós queremos e entendemos que é impossível barrar a mudança climática. E, se todas as pessoas aqui estão realmente preocupadas com a economia, a não demarcação dos territórios indígenas vai impactar muito mais a economia.
Estou no Parlamento enquanto Deputada Federal, mas a nossa preocupação é fazer pelo planeta.
Srs. Senadores, com muita humildade estou aqui para dizer que a não demarcação dos territórios indígenas compromete não somente a nossa vida, mas a vida dos seus filhos.
Ao chegar em casa, perguntem aos seus filhos se eles são contra os povos indígenas ou se eles são a favor. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Obrigado, Deputada Célia.
Com a palavra, Deputado Sergio Souza.
O SR. SERGIO SOUZA (MDB - PR. Para expor.) - Sr. Presidente, quero cumprimentar, em nome de V. Exa., todos os colegas Parlamentares e também toda a Mesa.
Primeiro, quero começar por onde finalizou a minha colega da Câmara dos Deputados: ninguém é contra índio, principalmente o produtor rural.
Segundo, esses dados que foram distribuídos aos Parlamentares aqui, que coloca em vermelho, bem vermelho-sangue, os agricultores, brancos, índios... Isso aqui são dados mentirosos. Inclusive, eu fui checar algumas fontes, que nem existem e também são mentirosas.
Aonde que 1% da população brasileira é detentora de 45% do território nacional? Nem tem... Só tem 8% utilizado para agricultura e floresta, mais 22% para a pecuária neste país, gente! Isso são dados do IBGE, dados da Embrapa e assim por diante. Então, não pode distribuir um material desse, mentiroso, e fazer como se fosse verdade.
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Segundo, Sr. Presidente, e de maneira bem rápida, eu faço aqui um comparativo. Primeiro, todos nós somos iguais - todos! - perante a lei e perante Deus. Não há diferença do Senador Esperidião Amin, que tem nos seus ancestrais um imigrante, de qualquer povo originário deste território. Nós somos todos iguais sob a mesma Constituição que estamos debatendo aqui. A mesma Constituição que dá os direitos ao índio também dá, Serraglio, aos demais cidadãos brasileiros.
Terceiro, não é o tamanho da terra que resolve o problema. Se fosse assim, os ianomâmis têm um território maior do que o território de Santa Catarina - maior! - e têm 27 mil índios. Santa Catarina tem 8 milhões de cidadãos brasileiros, que têm a maior longevidade e o maior PIB per capita.
(Soa a campainha.)
O SR. SERGIO SOUZA (Bloco/MDB - PR) - E aí, Sr. Presidente, eu digo que aqui é o momento de resolver e que esta é uma pauta que tem que se tratar através de lei ordinária, porque é a lei ordinária que regulamenta a Constituição.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Agradeço ao Deputado Sergio Souza pela sua fala.
Concedo a palavra ao Deputado Coronel Assis.
O SR. CORONEL ASSIS (UNIÃO - MT. Para expor.) - Sr. Presidente, só quero agradecer a oportunidade de poder falar aqui, nesta tão importante Comissão do Parlamento Brasileiro, e parabenizar a Comissão pela coragem de colocar à baila um tema tão sensível quanto esse.
Realmente, nós precisamos ter muita responsabilidade para tratar desse assunto, Sr. Presidente, uma vez que, realmente, como foi dito aqui pelos meus antecessores, de maneira alguma o tamanho das terras vai melhorar a vida das pessoas, muito pelo contrário. Sabem por quê? Porque não tem como fiscalizar.
A nossa Funai está sucateada, Sr. Presidente, e isso não se muda aumentando mais as terras indígenas, muito pelo contrário.
E outra, Sr. Presidente: nós não somos contra os povos indígenas, de maneira alguma. Queremos que o nosso índio possa, sim, escolher; escolher progredir; escolher, dentro do seu perfil, trabalhar a sua terra, no sentido de prosperar. Temos aqui o Cacique Arnaldo...
(Soa a campainha.)
O SR. CORONEL ASSIS (UNIÃO - MT) - ... lá da nossa região de Campo Novo do Parecis, que é prova viva disso e sofre a duras penas, porque a todo tempo eles são impedidos de trabalhar, são impedidos de crescer. E nós estamos lá, sim, na Câmara dos Deputados. Nós fizemos uma audiência pública. Essa matéria está, desde 2007, tramitando no Parlamento brasileiro, e nós precisamos resolver isso.
E, mais uma vez, parabéns a esta Comissão pela coragem. Temos que votar, temos que conseguir caminhar e ir em frente.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Agradeço a participação dos nobres Senadores e Deputados Federais.
E, neste momento, possibilitando a fala dos nossos oradores, inicio concedendo cinco minutos, para sua fala e considerações finais, ao Sr. Kleber Kapurinã... Karipunã...
O SR. JAYME CAMPOS (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - MT) - Presidente, pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - ... Karipuna.
O SR. JAYME CAMPOS (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - MT. Pela ordem.) - Pela ordem, Presidente.
Eu ia sugerir a V. Exa., para dar celeridade ao trabalho aqui, dar três minutos e dois minutos de tolerância. Três minutos eu acho que é o ideal...
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Perfeito. Três e dois, para que nós possamos cumprir o tempo.
O SR. JAYME CAMPOS (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - MT) - Por favor.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Sr. Kleber... Kleber, eu estou com dificuldade de falar o seu nome, Kleber. Karipuna.
O SR. KLEBER KARIPUNA - Até o final, a gente acerta.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - A gente acerta.
Kleber, muito obrigado.
Com a palavra, o Coordenador Executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kleber Karipuna.
O SR. KLEBER KARIPUNA (Para expor.) - Obrigado, Senador Alan. Obrigado a todos os Senadores e Senadoras que se manifestaram e aos Deputados e Deputadas.
Primeiro, para reafirmar e concordar com as diversas falas de vários Senadores e Senadoras aqui. Eu acho que a gente está caminhando para um debate que é muito igual para todos nós. Eu acho que o direito territorial, o direito dos produtores à indenização todos nós queremos. Nós defendemos o direito constitucional garantido na Constituição.
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A garantia, ex-Deputado Osmar Serraglio... Se a sua interpretação em relação ao marco temporal, em relação à data de 5 de outubro, dialoga com a Constituição, a partir do momento em que o Estado brasileiro não garante a demarcação, no prazo estabelecido constitucionalmente, da demarcação dos territórios indígenas, esse marco temporal não existe mais.
A Constituição prevê e solicita que o Estado garanta a demarcação dos territórios indígenas. E hoje nós temos um déficit gigantesco, que nem se compara ao tamanho de área... E, no caso do 1%, os dados que estão no folheto não são inverídicos. A fonte é o próprio IBGE, e a fonte é a própria associação dos produtores, no sentido de número de produtores detentores de áreas, e não da população em geral do Brasil. É o número de produtores detentores de áreas, e não da população em geral do Brasil.
Então, só reforçando que a gente está convergindo para um debate e, colocando aqui o que vários Senadores e Senadoras colocaram, para a possibilidade de a gente expandir esse diálogo.
Votar soberbamente, às pressas, no dia de hoje, neste momento, um relatório que foi só um "copia e cola" do que veio da Câmara Federal, é não debater o processo.
Os Senadores e as Senadoras desta Comissão não estão debatendo. Não foi mudada uma vírgula do que veio da Câmara dos Deputados. Que debate V. Exas. estão fazendo neste processo? Não estão debatendo.
Então, o que a gente está pedindo e concordando é que a gente debata profundamente, que a gente minunciosamente discuta. Estamos nos propondo aqui, enquanto movimento indígena, enquanto povos indígenas, a colaborar nesse debate, para garantir, sim, a indenização dos produtores.
Não somos a favor de que famílias que estão em áreas indígenas que vão ser homologadas sejam expulsas sem uma indenização devida, dentro das benfeitorias de boa-fé que elas usufruíram e construíram naquele momento em que estiveram sobre o território. Elas têm que ser indenizadas sim. Então, poderíamos estar discutindo num debate sobre como garantir a efetivação de orçamento, como bem colocado pelo Senador Beto Faro, como garantir o orçamento público, a garantia das indenizações.
Nós estamos falando do agronegócio brasileiro, que detém, só no primeiro trimestre... E vocês são muito mais sabedores do que eu desses números. Só no primeiro trimestre deste ano... O crescimento maior em relação ao PIB brasileiro traz o agro com aproximadamente R$650 bilhões no primeiro trimestre brasileiro.
Se nós fizermos uma discussão aqui rasa, de números rasos, em porcentagem...
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Dois minutos para o nosso orador.
O SR. KLEBER KARIPUNA - Estou colocando 1%, Isso daria 1% que o agro brasileiro, que diz, que se vangloria por ser a matriz motora do nosso país... Não vamos entrar aqui no mérito da discussão de como essa matriz motora assola os territórios. Se colocarmos 1%, daria R$1,5 bilhão só relacionado ao número dos primeiros três meses deste ano, o que poderia contribuir para o processo de resolução dos conflitos da ponta, tanto para garantir a demarcação das terras indígenas sim, mas para garantir a indenização dos produtores rurais que V. Exas. defendem aqui nesta Casa, e também nós estamos a favor dessas indenizações.
Então, aqui não é um debate apenas ideológico. Cada um defende um lado - e nós defendemos, sim, o nosso lado -, mas estamos nos propondo também a debater, e aprovar o relatório hoje não é debater.
Uma audiência pública como esta, que não respeita a Convenção 69, que é lei neste país, aprovada neste Congresso, que dá o direito à consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas, não é debater.
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Então, é o mínimo que a gente pede.
E estamos propondo um diálogo qualitativo, participativo, que contribua com esse processo a partir de todos os números trazidos aqui, seja do nosso lado, seja lado dos que defendem o PL 2.903, para a gente poder avançar nesse processo. E, de fato, a gente não está aqui...
(Soa a campainha.)
O SR. KLEBER KARIPUNA - ... debatendo sobre retomar Copacabana como um todo, retomar o Brasil como um todo, o que não seria injusto com os povos indígenas, com mais de 5,6 milhões que existiam 523 anos atrás neste país. Não seria injusto, Senadores e Senadoras. Agora, este não é o debate. Abram a mente para um debate que é muito mais além do que o marco temporal em si e que a gente quer se propor a debater conjuntamente com V. Exas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Muito obrigado, Kleber Karipuna.
Na sequência, concedo a palavra ao Presidente da Cooperativa Agropecuária dos Povos Indígenas Haliti, Nambikwara e Manoki, Arnaldo Zunizakae.
V. Sa. tem três minutos, mais dois de tolerância.
O SR. ARNALDO ZUNIZAKAE (Para expor.) - Está ligado? Alô.
Veja bem, pessoal, eu vejo bastante preocupação na celeridade que os Senadores propõem aqui. Sou de Mato Grosso, como já disse, e vejo meus representantes políticos, tanto quanto, também pressionando a definição dessa questão, mas não posso deixar de registrar aqui a minha preocupação. Defendo que seja mais discutido isso aí também.
Mas uma coisa que mais me preocupa não é apenas a demarcação das terras indígenas. Eu trago uma preocupação maior, já falei isso aqui no começo, volto a dizer e peço aos senhores que também pensem bastante sobre isso, tanto aos Srs. Senadores, quanto... Nós temos aqui a Presidente da Funai, que é uma indígena.
Recentemente, agora, nos últimos dados do IBGE, mostrou-se aí a população indígena crescente, não é? Graças a Deus, cresceu bastante. Mas, se terra indígena tivesse todas as condições favoráveis que muita gente prega, muitas organizações não governamentais, inclusive estrangeiras pregam, uma maravilha das terras indígenas da forma como elas são, nós não teríamos também um grande percentual dessa população indígena morando nas periferias da cidade. Então, tem coisa errada aí, gente.
Se tem muito indígena morando fora do território, é porque lá está faltando alguma coisa. Lá estão faltando condições de vida. Lá está faltando... O Governo precisa olhar com mais carinho para esses povos.
E, para finalizar, sou solidário aqui à questão da demarcação. Peço aos senhores um pouco mais de paciência. Temos questões aqui que a gente precisa rever, sim.
Somos favoráveis à indenização desses produtores ou proprietários de terra que estão lá, porque, dessa forma, nós vamos garantir a tranquilidade e a situação mais pacífica, diminuir os conflitos lá...
(Soa a campainha.)
O SR. ARNALDO ZUNIZAKAE - ... nas localidades. Porém, precisamos... Os senhores precisam ouvir a voz de boa parte da população indígena, que, sim, Presidente Joenia, querem trabalhar nas suas terras. Dentro de normas, de regras a serem estabelecidas por estas Casas, a gente precisa trabalhar, garantir o nosso direito de produzir e ter dignidade.
Não estou falando só de agricultura não. Quando meu colega aqui do meu lado fala que o agronegócio produz bilhões em impostos, sei lá, nós também, como indígenas, estamos pagando. Nós também pagamos, recolhemos tributos importantes para este país e nós cobramos o retorno dele para a nossa população.
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Então, minha gente, a minha fala é essa.
Fico preocupado com a pressa dos senhores, mas é uma questão que nós temos que discutir melhor. Nós temos que pensar naquele povo que está lá dentro. Temos que criar política de desenvolvimento para a população indígena.
Vamos criar critérios, vamos criar regras.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Dois minutos a mais de tolerância.
O SR. ARNALDO ZUNIZAKAE - Mas deixar essas pessoas que estão ali, esses indígenas trabalharem, desde que no sentido coletivo, que o recurso obtido, que a renda obtida por tais atividades atinja como um todo a população moradora de tais terras indígenas.
Era essa a minha fala.
Agradeço a oportunidade.
Novamente, nos colocamos à disposição para estar aqui.
Agradeço o convite do Senador. Gostaria, sim, de visitar o seu estado e poder passar um pouco desta experiência que hoje a gente desenvolve lá na nossa etnia, em Mato Grosso.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Muito obrigado, Dr. Arnaldo Zunizakae.
Na sequência, com a palavra, a Presidente da Funai, ex-Deputada Federal Joenia Wapichana.
V. Exa. tem três minutos, com tolerância de dois minutos.
A SRA. JOENIA WAPICHANA (Para expor.) - Obrigada.
Primeiramente, gostaria de esclarecer que não se confunde o direito de ter a terra regularizada com o direito de exercer cidadania, de acesso a saúde e educação e tampouco de ter o apoio para agricultura familiar indígena.
Há total conciliação em relação ao acesso a esses direitos.
Nas terras indígenas, tem que se reforçar a proteção de direitos sociais, políticos, econômicos. Por que não?
Nós não estamos colocando a questão aqui de que, com a demarcação, haveria o risco da sobrevivência física. Pelo contrário. As terras indígenas, quando são regularizadas, há total obrigação do Estado brasileiro de prover as condições para que aquele povo possa desenvolver efetivamente seus direitos, como qualquer um brasileiro ou brasileira.
Agora, o que falta é investimento para que os povos indígenas realmente tenham isso. Não é por isso que não deveria haver a demarcação nem a proteção dos direitos indígenas. São direitos conciliáveis. E devem, sim, ter um orçamento.
Aí eu quero agradecer a quem falou que a Funai está sucateada. Realmente, por muitos anos e, principalmente, nos últimos anos, a Funai foi realmente sucateada, desmantelada, propositalmente, para que não tivesse a defesa dos direitos dos povos indígenas. Hoje, é preciso resgatar esse órgão federal para que possa desenvolver a sua missão institucional.
Então, agradeço a quem fez essa nota, porque a gente precisa apoiar os povos indígenas realmente, inclusive no direito de ter a sua terra demarcada e protegida.
Em relação aos demais debates, creio que é importante - cumprimento o Senador Fabiano Contarato e o Senador Humberto Costa - que tenha mais debate, inclusive, se pudesse ir para outras Comissões, como falou a Deputada Federal Célia Xakriabá, que...
(Soa a campainha.)
A SRA. JOENIA WAPICHANA - .... tivesse essa oportunidade, na Comissão de Direitos Humanos e na Comissão de Meio Ambiente, para que se discutissem as questões conciliáveis em relação aos temas do meio ambiente e até mesmo dos direitos humanos dos povos indígenas, que podem ser impactados com esta proposição legislativa.
Em relação a Gorotire, de que falaram aqui, é uma aldeia que tem garimpo. Quanto aos impactos, realmente você tem toda razão. Se os indígenas estão numa situação vulnerável, grande parte é por causa do garimpo ilegal.
E a gente tem que tomar nota. Por isso não pode deixar acontecer o que está acontecendo com os povos ianomâmis. Se existe a presença do garimpo, existe indício de violação dos direitos humanos e deve ser chamada a atenção, sim, para esse caso; tanto a investigação, quem está promovendo essa invasão, para tomar as condições por parte do Governo.
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Em relação à informação, Senadora, o documento, pelo que eu vi...
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Concedo mais dois minutos à nossa oradora.
A SRA. JOENIA WAPICHANA - Obrigada, Presidente.
Então, o documento que a senhora cita, não foi endereçado à Funai. Como qualquer informação pública, a ele a gente tem que responder. Mas, pelo que eu vi no andamento, foi encaminhado ao Ministério da Justiça. E ainda está aqui na Secretaria do Senado.
Então, é importante... A Senadora que esteve lá, visitando a Funai e que falou que precisa dessas informações para se manifestar em relação à demarcação lá na terra.
Mas o que eu queria também falar é que, independentemente desse prazo de contestação da Kapôt Nhinore, que foi delimitada, ela não está vinculada em relação a outras terras, que se pode, sim, ter ciência, a qualquer momento, da informação de outras terras, sem se ter essa pressa de 90 dias. As informações independem do prazo de contestação da terra Kapôt Nhinore.
E, em relação, também, à questão dos toldos, Senador, o Governo do estado, que indenizou a terra... Porque o Governo daquele estado reduziu os toldos indígenas...
(Soa a campainha.)
A SRA. JOENIA WAPICHANA - ... e reconheceu o título errado à terra. Então, por isso que houve essa questão dessa correção.
E aí, por fim, eu queria deixar uma mensagem aqui totalmente relacionada ao papel nosso como qualquer obrigação de cidadão e de cidadã brasileiros de que a gente deve promover um Estado democrático e de direito e que os povos indígenas não estão aqui ameaçando o direito de outros, de terceiros; estão aqui para garantir que já se concretize, efetive o que está bastante atrasado, que é o reconhecimento de suas terras, que poderiam muito bem perguntar aqui não apenas de 14% do território brasileiro, mas de menos 86% na mão dos povos indígenas.
E não é uma teoria de tese memorial, porque a gente vai justamente fazer com que cresçam os conflitos. A gente tem que se sentar com as teses dos direitos constitucionais, que todos devem, digamos assim, priorizar em termos de debate e de respeito ao que já é garantia na Constituição. A gente quer efetividade.
Então, muito obrigada.
Quero agradecer esse espaço aqui, Senador, de promover... A Funai está aberta ao diálogo, assim como recebe os Senadores. Nós temos essa missão institucional que é defender a legislação brasileira, defender a nossa Constituição e prezar pelo bem-estar dos povos indígenas. Temos essa obrigação oficial de estar na promoção dos direitos dos povos indígenas, mas, principalmente, defendendo o direito de ter a terra demarcada, protegida e defendendo sua gestão territorial, mas conforme o que os povos indígenas querem, aceitam e têm de direitos a serem efetivados.
Então, muito obrigada pela oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Obrigado, nossa colega, ex-Deputada Federal Joenia Wapichana, Presidente da Funai.
Com a palavra, por três minutos e tolerância de dois, convido o ex-Deputado Federal e ex-Ministro de Estado da Defesa Osmar Serraglio.
Da Justiça - perdão.
O SR. OSMAR SERRAGLIO (Para expor.) - Apenas em relação à expressão Copacabana, é bom que as pessoas leiam que não fui eu que introduzi essa expressão. Foram ministros do Supremo que afirmaram isso quando julgaram a questão indígena e também se reportaram a Piratininga, a São Paulo, a Guarulhos como exemplos da imemorialidade que se pretende.
Ninguém... Que fique bem claro: todos nós queremos o bem dos indígenas. Ter o bem dos indígenas é ter saúde, educação, ter oportunidades.
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Vejam só... Eu só quero concluir dizendo o seguinte, vejam o que diz a Declaração dos Direitos da ONU sobre os povos indígenas. "Os povos indígenas têm o direito de determinar e de elaborar as prioridades e estratégias para o [exercício do seu direito de desenvolvimento]". Aí vocês pegam tanta a Convenção 169, mas vejam o que diz o Artigo 2ª da Convenção, item 2, letra "a": os governos são obrigados a assegurar "aos membros desses povos o gozo, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos demais membros da população". Eles têm que ter os mesmos direitos que nós.
Eu pergunto: os agricultores de Santa Catarina e os indígenas de Santa Catarina não foram atropelados com multas, porque não podiam exercer a autonomia que eles têm de escolher o seu destino? Os parecis não foram multados com isso? Está aqui a prova disso. Esse pessoal que fala tanto da 169 não lê a 169? Só veem a possibilidade de ouvir? E os direitos dos indígenas... Coloca arrendamento. "Não, porque não pode".
De novo: estão querendo proibir os indígenas de eles próprios escolherem o seu destino. É isso que está posto neste projeto.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Agradeço ao ex-Deputado Osmar Serraglio, ex-Ministro da Justiça.
Com a palavra o Sr. Marivaldo de Castro Pereira, para as suas considerações finais, por três minutos e uma tolerância de mais dois.
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA (Para expor.) - Obrigado, Sr. Presidente.
Eu acho que o debate aqui, na Comissão, apontou mais ainda para a necessidade de aprofundamento da discussão que foi colocada aqui. Acho que tem alguns pontos muito importantes.
O Deputado e ex-Ministro Osmar Serraglio trouxe aqui o histórico da evolução do tema no debate sobre a Constituição de 1988, mas, talvez, fosse importante também a gente pegar o histórico do tema nas Constituições que antecederam a Constituição de 1988. O direito dos povos indígenas à posse das terras, por exemplo, está lá desde 1934. Qual o impacto disso na discussão do projeto? Isso deveria ser avaliado, deveria ser aprofundado, deveríamos debater sobre isso. Porque, se esse direito estava lá desde 1934, algo muito errado aconteceu que esse direito não foi assegurado aos povos indígenas até agora. E, diante disso, seria absolutamente equivocado você definir que o corte seria de 1988, se, desde 1934, esse direito está sendo assegurado.
Então, seria muito importante que nós refletíssemos e aprofundássemos, até inspirado no excelente trabalho que o Deputado trouxe aqui, de análise histórica do debate, para que a gente analise historicamente como esse direito vinha sendo tratado na Constituição e avalie se esse projeto, da forma como está, contempla o histórico que vem sendo garantido e previsto na Constituição, porque, certamente, isso vai ser discutido nos tribunais se o projeto for aprovado da forma como está. E todo mundo que está aqui em busca de segurança jurídica pode acabar frustrado se o projeto for questionado e, aí, nós entrarmos num limbo e continuarmos sem a tão almejada segurança jurídica.
Veja: aprofundar um pouco mais o debate pode nos resguardar de ter que levantar, de ter que voltar...
(Soa a campainha.)
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - ... mais uma vez, a esse tema, mais uma vez, inúmeras audiências, mais uma vez, uma tramitação na Câmara, no Senado, para a gente tentar chegar à solução do tema.
Outro ponto muito importante: muito se falou aqui sobre exploração de atividade econômica em terras indígenas. Veja - e aí, Deputada Joenia, me corrija se eu estiver equivocado - que nós temos mais de 266 povos indígenas, com culturas distintas em nosso país.
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(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - Quantos?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - Mais de 305. Mais de 305! Veja, será que a Comissão analisou o impacto das medidas que estão aqui fomentando e incentivando atividade econômica em cada um desses povos? Será que essas atividades econômicas não podem significar o fim desses povos, o extermínio desses povos? Será que a gente fez essa reflexão? Será que a gente fez a reflexão sobre esse contato do Estado com povos indígenas isolados? Qual é o impacto disso em cada um dos povos? Pode ser que, em determinadas situações, se avalie: "Olha, aqui o projeto vai bem, porque tem uma situação que eu conheço e tal." E os outros casos que a gente não analisou, será que o projeto resguarda o direito desses povos?
Parece-me que tudo isso não está devidamente colocado aqui, tudo isso não está maduro a ponto de se permitir essa votação. E é por isso que eu faço, mais uma vez, um apelo, fazendo coro aqui aos Senadores que estão pedindo... veja, ninguém está pedindo aqui "não; somos contra o projeto". Estamos pedindo para dialogar, numa Casa com representantes do povo, numa Casa democrática. Há um pedido para que a gente aprofunde o diálogo em busca da segurança jurídica.
Dr. Marcelo colocou aqui a imagem de uma produtora que sofre porque está sem a sua terra. A nossa rotina no Ministério da Justiça é o tempo todo ouvindo pequenos produtores e ouvindo os povos indígenas, ambos privados de sua terra, ambos privados da segurança jurídica, que poderia ser assegurada a partir do aprofundamento do debate nesta Casa.
(Soa a campainha.)
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - Uma segurança jurídica que o próprio Governo está pedindo para sentar à mesa para que a gente construa um caminho que resolva esse problema, para seguir num caminho que a gente garanta o direito constitucional assegurado aos povos indígenas, mitigue os conflitos sem violar os direitos de trabalhadores que querem produzir, de trabalhadores que têm, sim, direito constitucional e que precisa ser assegurado. É a grande tarefa que nós temos aqui enquanto poder público, de buscar esse caminho. Já foram os dois minutos? (Pausa.)
Eu queria agradecer e, mais uma vez, fazer o apelo para que a gente aprofunde este debate e consiga entregar à sociedade um caminho que leve à segurança jurídica, tanto para os pequenos produtores como para os povos indígenas, que têm esse direito assegurado na Constituição já há muito tempo, mas que, infelizmente, está ainda muito longe de ser concretizado.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Agradeço ao Secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marivaldo de Castro Pereira.
Último orador, o Sr. Marcelo Bertoni, Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul).
O SR. MARCELO BERTONI (Para expor.) - Muito se falou em tempo, então, eu quero ser bem rápido por causa do tempo.
Esse projeto de lei ficou 15 anos na Câmara, já teve tempo suficiente de discussão lá. Está aqui na discussão... O meu produtor, que está lá há 22 anos invadido, não tem tempo. A mãe da senhora que tem 82 anos, será que ela vai receber a indenização? Cada área homologada da forma como está sendo feita, sem ter o marco temporal, sem ter qualquer regramento de pagamento, são mais produtores e famílias que vão ser injustiçadas com isso. Então, eu acho que o tempo urge nessa questão.
Então, precisamos votar realmente e tocar para frente.
Obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Agradeço, Sr. Marcelo Bertoni.
Neste momento, quero cumprimentar inicialmente o plenário desta Comissão pela maneira extremamente elegante, de alto nível, com que conduziu os debates e os questionamentos aos nossos oradores.
Quero parabenizar cada orador convidado pela excelência de suas explanações, pela maneira democrática com que expuseram o seu entendimento, seus pontos de vista e enriqueceram o debate, que é extremamente pertinente para o Brasil.
Mais uma vez agradeço o Sr. Arnaldo Zunizakae, Sr. Kleber Karipuna, Presidente Joenia Wapichana, Secretário Marivaldo de Castro Pereira, Ministro Osmar Serraglio e Presidente Marcelo Bertoni.
Agradeço a presença dos senhores, dos nossos oradores e de todos os presentes.
Concluída a audiência pública, encerro neste momento a primeira parte da nossa reunião.
Passemos à segunda parte, na sequência, a deliberativa.
Muito obrigado a todos. (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Convido os Srs. Senadores e as Sras. Senadoras a tomarem seus assentos para que possamos dar início à segunda parte da nossa reunião. (Pausa.)
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Item único da pauta.
2ª PARTE
ITEM 1
PROJETO DE LEI N° 2903, DE 2023
- Não terminativo -
Regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas; e altera as Leis nºs 11.460, de 21 de março de 2007, 4.132, de 10 de setembro de 1962, e 6.001, de 19 de dezembro de 1973.
Autoria: Câmara dos Deputados
Relatoria: Senadora Soraya Thronicke
Relatório: Pela aprovação do Projeto e pela rejeição das Emendas nºs 1 a 10.
Observações:
- Em 16.08.2023, a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária acordou unanimemente, nos termos regimentais, sobre uma sequência de procedimentos para apreciação do Projeto:
- A Senadora Soraya leu seu Relatório com a complementação de voto pela rejeição das Emendas apresentadas.
- A Presidência concedeu Pedido único de Vista Coletiva nos termos do acordo aprovado.
- A Comissão aprovou o Requerimento nº 26, de 2023-CRA, de Audiência Pública para instrução do Projeto nos termos regimentais.
- A Senadora Eliziane Gama apresentou as Emendas nºs 1 a 7.
- A matéria vai à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para prosseguimento da tramitação.
- Votação simbólica.
Autoria: Deputado Federal Homero Pereira, PL, do Mato Grosso. Relatora: Senadora Soraya Thronicke. O relatório é pela aprovação do projeto e pela rejeição das emendas apresentadas.
Em 16 de agosto deste ano, o colegiado desta comissão, por acordo unânime, nos termos regimentais, aprovou uma sequência de procedimentos para apreciação do projeto. Na última reunião, foi feita a leitura do relatório e concessão de pedido de vista único, coletiva, aos Senadores.
(Soa a campainha.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Vou solicitar o silêncio dos nossos amigos, assessores, convidados, para que possamos continuar a nossa reunião.
Na última reunião, portanto, leitura do relatório e concessão de pedido único de vista coletiva aos Senadores. Nesta data de hoje, a realização de audiência pública de instrução do projeto, seguida de sua apreciação.
Até o presente, foram apresentadas as seguintes emendas: nºs 1 a 7, Senadora Eliziane Gama; nºs 8 a 10, Senador Beto Faro.
Realizada a audiência pública, indago a Relatora se manterá seu voto, pela aprovação do projeto e pela rejeição das emendas apresentadas.
Com a palavra a Relatora, Senadora Soraya Thronicke.
A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - MS. Como Relatora.) - Sim, Sr. Presidente. E vou apresentar uma complementação de voto.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Muito bem. A matéria está em discussão. (Pausa.)
A Senadora Soraya vai apresentar uma complementação de voto. Perdão, Senadora.
A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - MS) - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Com a palavra, a Senadora Soraya Thronicke.
A SRA. SORAYA THRONICKE (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - MS. Como Relatora.) - Eu gostaria, Sr. Presidente, primeiramente, de parabenizá-lo pela realização desta audiência pública necessária, importante.
E quero dizer, mais uma vez, que durante essa semana em que nós aguardamos a realização da audiência, novamente eu me coloquei à disposição de todas as partes envolvidas e, sim, ouvi todas as pessoas que me procuraram, inclusive a Ministra Sonia Guajajara. Foi uma conversa pública muito importante. E quero também deixar aqui registrado que a Ministra trouxe uma tese, trouxe uma nota determinando quais seriam os pontos. Ela foi extremamente objetiva. Portanto, o Ministério dos Povos Indígenas teve toda a oportunidade possível e cabível de dialogar. Trouxe pontos importantes, o que significa que ela, todos eles, na verdade, discordam de alguns pontos, mas foi possível dialogar. Este momento de diálogo é de extrema importância, principalmente para nós, ali no Mato Grosso do Sul; esse é um assunto que nos toca, porque conflitos, brigas, guerra de sangue e realmente mortes já ocorreram por conta disso.
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Enfim, também falei com o Ministro Carlos Fávaro, falei com o Ministro Alexandre Padilha, falei com o Líder Jaques Wagner, abri para todos esse diálogo de extrema importância.
Vou ler agora a complementação de voto e deixar claro aqui: ainda não foi terminada a discussão e o diálogo. Mesmo deliberando aqui na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, o projeto de lei não é terminativo aqui; ele segue para a Comissão de Constituição e Justiça e também segue para o Plenário. Então, ainda há tempo, ninguém está acabando com o tempo da discussão. Enfim, estamos terminando uma fase, mas vamos deixar claro aqui: estamos bastante maduros, porque as audiências públicas a que eu estava acostumada a assistir, a participar, sempre eram muito difíceis, um ambiente muito hostil. Então, este momento realmente mostra o amadurecimento de todos nós para deliberarmos sobre o caso, que já tramita aqui no Congresso Nacional por 16 anos.
Complementação de voto.
Entre 15 e 16 de agosto de 2023, a Senadora Eliziane Gama apresentou sete emendas ao Projeto de Lei 2.903, de 2023, sendo seis delas faltando apenas uma hora para o início da 15ª Reunião Extraordinária, a reunião passada - e eu já estava trabalhando na relatoria deste projeto de lei há três meses mais ou menos; inclusive, me disponibilizei a conversar durante o nosso recesso parlamentar. E, ontem, o Senador Beto Faro apresentou mais três emendas. Foi a primeira vez que o PT, que o partido do Governo apresentou emendas.
Então, daí e da fala do nosso Senador, a gente pode extrair que realmente ele concorda com a maior parte deste projeto. São alguns pontos apenas. Então, nós já estamos realmente prontos para deliberar sobre o assunto.
Considerando, por um lado, que o atual texto do PL 2.903, de 2023, representa fruto de um amadurecido debate acerca da regulamentação do art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação - olha só, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação -, o uso e a gestão de terras indígenas no Brasil, e convicta de que a data da promulgação da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, representa parâmetro apropriado de marco temporal para a verificação da existência da ocupação pela comunidade indígena da terra e ser reivindicada, e, por outra parte, observando que deverão ser respeitadas no país as 19 salvaguardas institucionais definidas pelo Supremo Tribunal Federal e ainda tendo em conta a urgência para todo o povo brasileiro de um novo marco regulatório do tema, opinamos pela rejeição das Emendas 1 a 10 ao PL nº 2.903, de 2023.
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Termino aqui, Sr. Presidente, deixando claro que o inciso II do art. 5º da Constituição Federal, que é uma cláusula pétrea, assegura a todos os brasileiros - em brasileiros a gente inclui indígenas e não indígenas - o direito à propriedade. A Constituição Federal, que nós estamos reiterando aqui... Não bastasse a Constituição Federal dizer, no art. 231 e também no art. 67 do ADCT e pelo que determina o inciso XXII do art. 5º da Constituição Federal, que repete o que está no caput, que o direito à propriedade só pode realmente ser mudado com uma PEC, não um projeto de lei... Então, aqui nós não estamos fazendo mudanças na Constituição por meio de um projeto de lei, certo? O Supremo foi instado a deliberar sobre o tema, e o Supremo deliberou reiterando o art. 231 da Constituição Federal e o art. 67 do ADCT, com base também no caput do art. 5º e também no inciso XXII do art. 5º, que é o direito à propriedade.
Como se não bastasse, nós estamos, mais uma vez, depois de tanto tempo, tratando desse assunto, e, agora, não bastasse estar aqui, na Constituição Federal, nós estamos repetindo tudo isso dentro do projeto de lei que já vem sendo discutido, tanto no Congresso Nacional como no Brasil inteiro, há 16 anos.
Presidente, era essa a complementação de voto, e o que nós pedimos é a aprovação do PL 2.309, de 2023, aqui do Senado Federal.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Agradeço, Senadora Soraya Thronicke, e a parabenizo mais uma vez pela maneira como tem conduzido o debate e pela construção de seu parecer.
A matéria está em discussão.
Com a palavra a Senadora Tereza Cristina.
A SRA. TEREZA CRISTINA (Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS. Para discutir.) - Bom, Presidente, eu acho que já ouvimos hoje, na audiência pública, os dois lados, todo mundo com as colocações pertinentes à matéria.
Essa matéria está sendo discutida no Congresso Nacional, quer dizer, ela entrou para ser discutida no Congresso Nacional há mais de 16 anos. Acho que nós já esgotamos aqui essa primeira fase na Comissão de Agricultura. Então, eu sugeriria a votação; três de um lado e três de outro para encaminhar a votação, já que nós temos, daqui a pouco, que ir para o Plenário do Senado para a votação.
Então, Presidente, parabéns pela condução!
Se todos estiverem de acordo com três de cada lado...
O SR. JAYME CAMPOS (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - MT) - Presidente - permita-me, Ministra -, uma questão de ordem.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Senador Jayme Campos.
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O SR. JAYME CAMPOS (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - MT. Para questão de ordem.) - Aqui no art. 275, quando encerrada a discussão, evidente que, na ausência de oradores, o que orienta o nosso Regimento Interno? Por deliberação do Plenário, a requerimento de qualquer Senador - e eu quero fazê-lo verbalmente, requeiro, nos termos do art. 275, dizendo que eu quero que, quando encerrarmos a discussão, se por acaso tiver oradores querendo se manifestar, nós escolheremos três a favor e três contra para fazer o encaminhamento -, baseado nisso aí, no inciso I e no inciso II, por deliberação do Plenário, a requerimento, que é o caso do que hoje faço verbalmente para V. Exa., quando houverem falado, por exemplo - nesse caso foi sugerido pela Senadora Tereza Cristina -, nós encerraremos, se por acaso tiver alguém que queira votar. Caso contrário, e isso é um instrumento legal, é o Regimento Interno desta Comissão aqui, como não tem, pelo que estou constatando aqui, nenhum orador, conforme palavra do Beto, eu gostaria que V. Exa. colocasse em votação a matéria.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Senador Beto Faro com a palavra.
O SR. BETO FARO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) - Vamos acatar a sugestão da Senadora Tereza e vamos abrir as três falas, quem não quiser falar não fala.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Perfeito.
A matéria está em discussão e, com a concordância deste Plenário, que é soberano, abriremos então para a discussão, três de cada lado.
O SR. ZEQUINHA MARINHO (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - PA) - Eu me inscrevo, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Com a palavra o primeiro; na sequência, o Senador Humberto Costa, e aqui a nossa Secretaria vai anotando, por favor.
Com a palavra o primeiro orador inscrito, Senador Zequinha Marinho.
O SR. ZEQUINHA MARINHO (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - PA. Para discutir.) - Muito obrigado.
Só para dizer para todo mundo que a gente não tem mais dúvida sobre isso. O Brasil precisa de segurança jurídica para começar a trabalhar, para ter paz, para caminhar. Como não é terminativo aqui, entendo que na CCJ ainda teremos algum tempo para fazer o debate, portanto, quero aqui pedir a toda a bancada da Frente Parlamentar da Agropecuária, da nossa FPA, que tem como missão dar ao Brasil esse projeto votado nos próximos dias, que a gente parta para essa votação o mais rápido possível.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Obrigado, Senador Zequinha.
Com a palavra, o nobre Senador Humberto Costa.
O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PE. Para discutir.) - Sr. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, parece-me que hoje estamos tomando aqui uma decisão de extrema gravidade, ainda que ela não seja definitiva. Todos nós esperamos que o Senado tenha a sensibilidade adequada para entender que esse projeto não é bom para o Brasil, esse projeto não é bom para as comunidades indígenas, esse projeto não é bom para os brasileiros e as brasileiras, ele vai na contramão de tudo que se debate hoje no mundo inteiro. Decisões como essa terminam se voltando contra aqueles que, do ponto de vista econômico, são os mais interessados.
Ouvi aqui algumas coisas como, por exemplo, que 1,8 milhão de pessoas detêm uma quantidade de território gigantesca. E eu pergunto: e as terras que estão concentradas nas mãos de poucos produtores que existem no nosso país? O tema, quando se trata de garantir um direito histórico, um direito consagrado pela Constituição brasileira, não vale, mas é legítimo que poucos tenham uma concentração de terra em suas mãos que afronta o fato de que 210 milhões de brasileiros têm hoje, na sua maioria, uma situação de vida profundamente complicada.
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Esse projeto é mais grave porque não trata só do tema do marco temporal, que já está em debate lá no Supremo Tribunal Federal; ele avança, alterando o regime jurídico das terras indígenas, permitindo inclusive fases de contestação em nível local, estadual e nacional. Gera uma situação de insegurança jurídica até para o que já foi objeto de demarcação anteriormente porque ele permite que isso seja objeto de rediscussão. Ao mesmo tempo, cria situações que me parecem que deveriam ser objeto de uma discussão muito mais séria, inclusive ouvindo especialistas na questão antropológica, no relacionamento com os povos indígenas, entre elas, essa possibilidade de abrir contato por parte do Estado com aqueles indígenas que vivem em situação de isolamento, além dessa decisão de permitir a abertura econômica das terras indígenas, inclusive com contratos de cooperação com não indígenas para exploração econômica da terra demarcada.
Então, nós entendemos que esse projeto é, em todos os aspectos, nefasto para o nosso país, nefasto para o momento que estamos vivendo, nefasto para a imagem que nós queremos que o país tenha no exterior, inclusive num momento relevante como esse que nós estamos vivendo, em que estão sendo adotados outros paradigmas, entre eles, economia autossustentável, defesa do meio ambiente e garantia de apoio para os povos originários de cada país.
Portanto, eu sou contra esse projeto. Nós votaremos contra esse projeto e vamos continuar a batalha em todos os espaços que teremos aqui no Senado Federal.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Muito obrigado, Senador Humberto Costa.
Com a palavra a Senadora Tereza Cristina.
A SRA. TEREZA CRISTINA (Bloco Parlamentar Aliança/PP - MS. Para discutir.) - Senador Alan Rick, Senadora Soraya, Senador Beto Faro, eu acho que hoje, ao contrário do que alguns pensam, nós vamos dar um grande passo, um passo para a pacificação.
O marco temporal vai trazer segurança jurídica para todos os lados, inclusive vai trazer mais tranquilidade ao Governo.
Então, eu hoje fico muito feliz de podermos estar aqui encaminhando um projeto de tamanha importância, que este Congresso Nacional já devia há muito tempo ter colocado em votação. São 16 anos que ele está na pauta da Câmara e depois, agora, vem para o Senado, assim como outros projetos importantíssimos para o país, como mineração, por exemplo. Nós temos aqui a mania de não deliberar sobre pautas tão importantes e depois reclamamos quando elas vão para o Supremo Tribunal Federal para que lá eles possam fazer o papel que é nosso, de legislador.
Então, eu acho que aqui é um avanço nesta Comissão.
Parabéns, Senador Alan Rick, pela condução dos debates desta Comissão.
Teremos mais tempo para debater na CCJ esse projeto e talvez possamos aperfeiçoá-lo um pouco mais, mas eu acho que hoje é um grande passo que se dá nesta Comissão de Agricultura. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Muito obrigado, Senadora Tereza Cristina.
Na sequência, concedo a palavra ao Senador Fabiano Contarato.
O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Para discutir.) - Sr. Presidente, senhoras e senhores, eu também hoje confesso que para mim é um momento muito difícil a aprovação desse projeto de lei.
Esse projeto viola, além de princípios constitucionais, aquilo que eu acho é mais sagrado, que é o princípio da dignidade da pessoa humana.
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É muito fácil para nós, Parlamentares, estarmos aqui decidindo a vida dos povos indígenas, nossos irmãos, é muito fácil, enquanto somos aqui, na grande maioria, homens, brancos, na grande maioria, ricos e engravatados, quando os povos indígenas deveriam estar aqui sentados, (Palmas.) quando eles, sim, deveriam estar aqui debatendo. Porque esse projeto, vocês me perdoem, não trata apenas do marco temporal, ele permite a expropriação de terras indígenas por alteração de traços culturais.
Ora, o Japão é uma das culturas mais tradicionais que nós temos no planeta, mas são os mais tecnológicos, nem por isso eles estão renunciando à tradição deles. Não é pelo fato de eu botar um cocar na minha cabeça que eu vou me tornar um indígena, não é o fato de um indígena utilizar um celular que ele perdeu o traço cultural. Que visão míope é essa? (Palmas.)
Isso é uma visão imediatista, isso é uma visão simplista, porque ela está dialogando com aquelas pessoas que sempre detiveram o poder, sempre detiveram a economia, sempre massacraram os povos indígenas. Esse projeto permite, minha gente, e eu faço um apelo aos colegas Senadores e Senadoras, o contato forçado com os povos isolados. Isso viola o princípio da autodeterminação dos povos indígenas. Isso está violando o que é mais sagrado. Nós vamos aqui contaminar povos isolados, nós vamos aqui autorizar a expropriação de terra indígena por perda de traço cultural e tudo com o discurso de que é um marco temporal. O marco temporal é um detalhe. Arrendamento de terra indígena... Ora, há o argumento de que isso já ocorre. Ocorre de forma ilegal! E aqui nós estamos legalizando-o.
Então, eu quero aqui fazer esse apelo, porque, quando Álvares Cabral chegou ao Brasil em 1500, qual era a população indígena? Ninguém me falou isso, Senador Marcio Bittar. Eu, quando presidi a Comissão de Meio Ambiente do Senado, que muito me orgulha, saí daqui e fui lá, no Mato Grosso do Sul, visitar os guaranis kaiowás dizimados. Aquilo que está acontecendo com os ianomâmis eu já tinha denunciado. Denunciei, inclusive, na CPI da covid, porque o ex-Presidente deveria ser responsabilizado pelo genocídio dos povos indígenas.
Agora, hoje, aqui nós vamos aprovar o marco temporal que não é só o marco temporal, mas é uma violação daquilo que é mais sagrado, uma cláusula pétrea prevista na Constituição Federal, uma determinação expressa do nosso legislador constituinte. E nós temos que ter a serenidade, o equilíbrio, a sobriedade de manter isso que, talvez, poucos países no mundo têm, que é a riqueza, a cultura e a generosidade que os povos indígenas nos proporcionam. (Palmas.)
Eu não tenho a procuração dos meus colegas - eu não tenho a procuração dos meus colegas -, mas humildemente eu peço perdão aos povos indígenas, perdão pelo ataque que vocês vêm sofrendo diuturnamente, perdão por este projeto ser aprovado dessa forma, violando aquilo que é a espinha dorsal do Estado democrático de direito, que se chama Constituição da República Federativa do Brasil.
Obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Agradeço ao Senador Fabiano Contarato.
Com a palavra, o Senador Jorge Seif.
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O SR. JORGE SEIF (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - SC. Para discutir.) - Sr. Presidente, o Brasil inteiro tem reivindicado o respeito à Constituição Federal. A nossa Constituição tem sido desrespeitada. E, pior do que isso, infelizmente Poderes têm invadido a competência de outros.
Desde 1988, já estava previsto que haveria cinco anos para a demarcação de terras indígenas, inclusive no art.67 do Ato das Disposições Transitórias. Então, Sarney não cumpriu; Collor não cumpriu; Itamar não cumpriu. E assim sucessivamente. Nem Fernando Henrique, nem o Presidente Lula, nem a Presidente Dilma, nem o Temer, nem o Presidente Bolsonaro. E agora continua nessa mesma coisa.
Nós precisamos respeitar a Constituição, e a Constituição já previa. Hoje o que nós vivemos é essa insegurança jurídica. Hoje nós vivemos um momento delicado, em que famílias do meu Estado de Santa Catarina que têm títulos de 1900 estão prestes a perder suas terras. Pessoas que, quando chegaram, imigrantes que chegaram aqui e tiveram que ir de facão derrubar mata para construir sua vida, sua história, sua família. Estão lá até hoje, e simplesmente três municípios do meu estado, se o reconhecimento, se não for confirmada a Constituição Federal, simplesmente vão ser expulsos. Não existe isso.
Eu acho que é um acerto muito grande deste Senado Federal em aprovar hoje essa regulamentação, trazendo paz, paz para o Brasil e segurança jurídica para os indígenas, para os brasileiros, para os produtores rurais. E acabar com essa instabilidade que se arrasta há tantos anos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Muito obrigado, Senador Jorge Seif.
Com a palavra o Senador Jaques Wagner.
O SR. JAQUES WAGNER (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - BA. Para discutir.) - Eu queria começar cumprimentando V. Exa. pela condução da sessão. Não pude estar aqui o tempo todo, porque infelizmente eu não tenho o dom da ubiquidade, e aqui no Senado, são dez coisas acontecendo ao mesmo tempo.
Mas fiz questão de vir para dar uma opinião ponderada neste debate.
Primeiro eu vou aproveitar o que o Senador Jorge Seif acabou de falar. Realmente a nossa Constituição é de 1988, foram concedidos cinco anos pelo Ato das Disposições Transitórias, o que, portanto, seria 1993, para que o Governo fizesse as regularizações, o reconhecimento. Bom, nós já estamos com 35 anos.
Mas seguramente isso não é culpa nem dos indígenas, nem dos não indígenas, que, como disse aqui o Senador Jorge Seif, alguns casos estão há 100, 120 anos. Na minha terra então, que é a Bahia, é o mesmo episódio.
Na verdade, a responsabilidade é de governos sucessivos, inclusive o meu, o meu, no sentido daquele de que eu participei, que não conseguiram cumprir o Ato das Disposições Transitórias, que sabiamente, quando se diz cinco anos, é porque é claro que um país de dimensões territoriais como o Brasil não pode viver em insegurança jurídica territorial ad infinitum.
Desse ponto de vista, eu tenho acordo, que nós temos que, de alguma forma, chegar a um ponto. Porém, eu só quero registrar, sem fazer juízo dos sucessivos governos, que muitas vezes, isso não foi cumprido por conta exatamente dos conflitos existentes.
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E aí eu não vou entrar no mérito de quem é que está com a razão, porque, se fosse fácil, alguém já poderia fazer. Na verdade, não foi o Presidente Sarney. Na verdade, começou com o Presidente Itamar. Em 1988, 1993, ainda era o Presidente - porque o Sarney foi de 1985 até 1989 -, mas, depois, sequenciaram... Itamar, que pegou...
O SR. JORGE SEIF (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - SC. Fora do microfone.) - O Collor, o Itamar...
O Collor foi 1989. Então, ainda não tinham vencido...
Hein?
(Intervenção fora do microfone.)
É, mas não tinham vencido os cinco anos. Mas era para ele ter feito também. Depois, o Fernando Henrique. Depois, o Lula. Depois, a Dilma. Depois, o Michel. Depois, o Presidente Bolsonaro. E nenhum deles conseguiu botar um ponto final. E eu reconheço que não é possível ficar dizendo "Isso aqui vai ficar ad infinitum", porque essa insegurança não é boa nem para índios, nem para não índios.
De qualquer forma, eu vou repetir o que disse a Senadora Tereza, em diálogo que temos procurado ter sobre vários temas do interesse no segmento do agronegócio, que, se não é razoável ser ad infinitum, também não me parece razoável que se queira marcar o marco temporal em 88, quando a demanda do setor para a regularização fundiária de não índios que estão assentados em terras, produzindo, quer que venha... Não lembro mais se é 2018. Eu não me lembro da data, mas é uma data muito mais próxima.
Então, veja que não há equilíbrio nessa lógica, porque, na verdade, se fosse para ter lógica, os dois, o índio e o não índio deveriam ter a mesma data final. E seria a mesma regra para todos. Eu sou muito mais sensível, mesmo que já tenha acontecido isso no Ato das Disposições Transitórias, a se colocar, imaginando a boa-fé de governos, um ponto final na disputa. Só que não pode ser hoje, ou, pior ainda, remetendo para 1988.
Eu só estou deixando isso como reflexão. Não sou membro da Comissão. Estou vindo aqui porque eu continuo na minha obstinação de que o bom senso e a tentativa de se achar uma conciliação deve ser próprio da democracia, em que ninguém sai com 100% do que quer. Democracia é espaço de 50%, 60%, 70%. Nos regimes autoritários, alguém sai com 100%, porque não tem esse debate da Casa, não tem Ministério Público, não tem uma série...
Então, na verdade, eu quero fazer mais uma ponderação do que uma questão. Nós iremos para a CCJ e teremos outro período para discutir. Eu só queria ponderar com os colegas essa questão do equilíbrio das datas. Uma, para indígena - 88. Outra, para não indígenas. Não me lembro da data, mas acho que é... Dois mil e quanto?
(Intervenção fora do microfone.)
É 2020 ou 2018, tanto faz.
Era só o que eu queria.
Eu lhe agradeço, Presidente, pela palavra.
Eu quero parabenizar a Senadora Soraya, e também até me penitenciar, porque, como Líder do Governo, trouxe poucas vezes ideias para a Senadora. De qualquer forma, eu sei que V. Exa. teve contato com a Ministra dos Povos Indígenas e acho que fez um trabalho dentro daquilo que é esperado, independentemente de eu discordar de parte da decisão sua.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Agradeço, Senador Jaques Wagner.
Neste momento, esta Presidência oferece aos nobres Senadores um singelo lanche, devido ao longo tempo de espera pelos Senadores.
Gostaríamos de poder servir a todos os convidados aqui, mas os nossos Senadores estão desde o início.
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Conforme acordado por este Colegiado, encerradas as falas de três a favor e três contra, declaro encerrada a discussão.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Não havendo objeção, consulto o Plenário se podemos votar nominalmente. Podemos? (Pausa.)
Os Srs. Senadores e as Sras. Senadoras que concordam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovado.
Solicito à Secretaria da Comissão que prepare a votação nominal. (Pausa.)
Pode-se votar tanto pelo aplicativo no celular, quanto pelo computador.
A Secretaria está preparando a a votação nominal.
O SR. JAYME CAMPOS (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - MT) - Presidente, pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Pois não, Senador Jayme.
O SR. JAYME CAMPOS (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - MT. Pela ordem.) - Eu gostaria que V. Exa., na sua orientação, desse a senha de que forma vai ser votado. "Quem acompanha o relatório..."
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Perfeito! Faremos isso exatamente agora.
O SR. JAYME CAMPOS (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - MT) - É isso? Gostaria que V. Exa. orientasse como vamos votar.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Quem acompanha o relatório da Senadora Soraya Thronicke vota "sim" ao relatório; quem discorda do relatório vota "não".
O SR. JORGE SEIF (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - SC) - Sr. Presidente, pela ordem.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Senador Jorge Seif.
O SR. JORGE SEIF (Bloco Parlamentar Vanguarda/PL - SC. Pela ordem.) - Eu queria registrar aqui que o Senador Jaime Bagattoli, que é membro desta Comissão, nos mandou uma mensagem pedindo perdão, porque ele está passando por um momento delicado de sua saúde, está fazendo uma cirurgia no coração - na verdade, já fez -, está em convalescênça e manda um abraço a todos.
Esse é um tema muito caro para ele, um tema muito caro para Rondônia, mas ele tem certeza de que vários Senadores aqui o representarão, como é o nosso caso.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Quero fazer esse reconhecimento ao Senador Jaime Bagattoli, nosso Vice-Presidente, que, de forma extremamente dedicada a esta Comissão, tem nos ajudado. (Pausa.)
Está iniciada a votação.
Quem vota com a Relatora vota "sim" ao relatório; quem vota contra vota "não".
(Procede-se à votação.) (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Os Senadores que estejam em seus gabinetes ou em outros compromissos podem votar pelo aplicativo. (Pausa.)
O SR. JAYME CAMPOS (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - MT) - Presidente, pela ordem, enquanto caminha a votação.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Senador Jayme.
O SR. JAYME CAMPOS (Bloco Parlamentar União Cristã/UNIÃO - MT. Pela ordem.) - Eu queria apenas registrar aqui a presença do Prefeito Elson, da cidade de Serra Nova Dourada, do Presidente da Câmara, o João, de todos os Vereadores daquela cidade, como também de várias lideranças do Município de Alto da Boa Vista, que vieram acompanhar pessoalmente a votação nesta Comissão, diante da preocupação que eles têm também da possível ampliação das reservas indígenas no Estado do Mato Grosso.
Dessa forma, desejo as boas-vindas ao Prefeito, aos vereadores, tanto de Serra Nova Dourada, como também de Alto da Boa Vista. Sejam bem-vindos aqui ao Congresso Nacional, sobretudo aqui na Comissão da Agricultura e Reforma Agrária, muito bem presidida pelo ilustre Senador Alan Rick
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Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, muito bem presidida pelo ilustre Senador Alan Rick.
Obrigado, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Muito obrigado, Senador Jayme Campos.
Indago se todos já votaram. Todos votaram?
O SR. ZEQUINHA MARINHO (Bloco Parlamentar Democracia/PODEMOS - PA) - O Senador Izalci está votando pelo aplicativo.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Os Senadores que tenham registrado presença podem votar pelo aplicativo de onde estiverem. (Pausa.)
Indago mais uma vez ao Plenário se todos já votaram. (Pausa.)
Podemos encerrar a votação? (Pausa.)
Indago se pode esta Mesa encerrar a votação? Todos já votaram? (Pausa.)
Está encerrada a votação.
(Procede-se à apuração.)
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC) - Votaram SIM 13 Srs. e Sras. Senadoras; votaram NÃO, 3.
Nenhuma abstenção.
Quorum: 17. (Palmas.)
Está aprovado o relatório da Senadora Soraya Thronicke, que passa a constituir parecer da Comissão, favorável ao projeto e contrário às emendas apresentadas.
A matéria vai à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para prosseguimento e tramitação.
Mais uma vez parabenizo a Relatora e o Colegiado desta Comissão de Agricultura e Reforma Agrária. (Pausa.)
Concedo a palavra ao Senador Chico Rodrigues.
O SR. CHICO RODRIGUES (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSB - RR) - Presidente, eu gostaria de pedir a V. Exa. que registrasse o meu voto também favorável na ata em função do tempo que tive para chegar a esta Comissão. Então, eu gostaria que o senhor deixasse registrado em ata o meu voto favorável também.
O SR. PRESIDENTE (Alan Rick. Bloco Parlamentar Democracia/UNIÃO - AC. Fala da Presidência.) - Será registrado em ata o voto favorável do Senador Chico Rodrigues.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada esta reunião.
(Iniciada às 13 horas e 10 minutos, a reunião é encerrada às 16 horas e 19 minutos.)