Notas Taquigráficas
19/09/2023 - 30ª - Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
Horário |
O texto a seguir, após ser revisado, fará parte da Ata da reunião.
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| O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fala da Presidência.) - Vamos iniciar a nossa audiência pública. Havendo número regimental, declaro aberta a 30ª Reunião, Extraordinária, da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. A presente reunião destina-se à realização de audiência pública para instruir o PL 5.384, de 2020, que altera a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, para dispor sobre o programa especial para o acesso às instituições federais de educação superior e de ensino técnico de nível médio de estudantes pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio ou fundamental em escola pública, conforme o Requerimento nº 28/2023-CCJ, de iniciativa do Senador Paulo Paim. A reunião será semipresencial, sendo permitida a participação remota das Sras. e dos Srs. Senadores e dos convidados, pelo sistema de videoconferência, para exposições e debates. Será realizada em caráter interativo, ou seja, com a possibilidade de participação popular. Dessa forma, os cidadãos que queiram encaminhar comentários ou perguntas podem fazê-lo por meio do Portal e-Cidadania, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania ou pelo telefone da Ouvidoria 0800 0612211. Nós temos aqui a lista de convidados, são dez convidados. Eu vou fazer de imediato aqui, antes de citar os convidados, a fala que compete à Presidência, para que todos tenham uma visão, quem está nos assistindo ou ouvindo pela Rádio Senado, TV Senado ou Agência Senado, e saibam o motivo deste debate. Fala da Presidência. Creio, com muita fé e esperança, que a igualdade de oportunidades e a inclusão social e econômica estão juntas em um mesmo caminho, que supera a disputa partidária ou mesmo ideológica. Estamos realizando hoje esta audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, com o apoio do Senador Davi Alcolumbre, do Senador Rodrigo Pacheco, do Senador Flávio Arns. Registro que esta audiência pública foi um acordo firmado na Comissão de Direitos Humanos, da qual sou Presidente, no caso, Relator da matéria, a pedido também do Senador Girão. Lá fizemos um acordo em que eu entraria com o requerimento para uma audiência pública. Esse acordo permitiu que nós votássemos lá a matéria por unanimidade, não teve nenhum voto contra. Consequentemente, o Requerimento nº 28, de 2023, foi apresentado e aprovado para tratar da avaliação e do aprimoramento da Lei 12.711, de 2012, a Lei de Cotas. É importante destacar para todos que estão aqui no Plenário, que estão nos assistindo, mesmo para aqueles que vão participar como painelistas por videoconferência: a lei não perde a sua vigência e vigora por apenas 11 anos. O que nós estamos discutindo aqui é como a lei deve ser aperfeiçoada. |
R | Conforme estudo do Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas, realizado em 2022, com o cenário de 2021, estudantes pretos, pardos e pobres correspondiam a 31% dos matriculados nas universidades públicas no Brasil. Hoje, esse índice chega a 52%. Agora, se nós retomarmos desde a época em que não havia política de cotas, nós vamos ver que tivemos um aumento de mais de 40%. A legislação é um sucesso e muda a vida das pessoas. A avaliação da norma é realizada no Congresso Nacional, através do PL 5.384, de 2020, de autoria da Deputada Maria do Rosário e outros Parlamentares, como a Deputada Benedita da Silva, tendo como Relatora de Plenário a nobre Deputada Dandara, que só não está aqui porque está numa missão na ONU, onde ela vai também tratar desse tema. O texto foi, na Câmara Federal, aprovado por unanimidade, com acordo de todos os Líderes, da situação, da oposição, e agora está no Senado, onde foi aprovado, como eu destacava antes, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, também por unanimidade. Eu gostaria de destacar que acompanhei todo o debate lá na Câmara dos Deputados. E faço aqui os meus elogios a todos os Deputados e Deputadas. Houve o debate democrático, e isso faz parte da nossa caminhada, nós que amamos a democracia, como faremos o debate aqui. Mas nenhum pediu verificação de quórum, nenhum exigiu que a matéria ficasse truncada no Plenário. Todos - todos -, unanimemente, colaboraram para que houvesse a aprovação. Agora estamos aqui na CCJ. O relatório, eu lembro aqui a todos, aprovado na Câmara, aprimora, sim, o projeto nos seguintes pontos: primeiro, no processo de ingresso de estudantes na universidade ou no instituto federal, primeiro serão observadas as notas por ampla concorrência, ou todos concorrem no mesmo patamar, e, posteriormente, as reservas de vaga para as cotas é que entram. A Lei de Cotas não perde a sua vigência e será, como é agora - dez anos foi o ano passado -, avaliada a cada dez anos, com ciclos anuais de monitoramento realizado pelo Ministério da Educação. O projeto de lei faz a atualização dos órgãos encarregados pelo acompanhamento e avaliação da Lei de Cotas. Falei aqui do Ministério da Educação e agora eu destaco onde aprimora: o Ministério da Educação, os ministérios das políticas de promoção de Igualdade Racial - Ministério da Igualdade Racial e Ministério dos Povos Indígenas - e ainda a Fundação Nacional dos Povos Indígena serão os responsáveis, quatro. |
R | Prioridade de auxílio estudantil para os alunos cotistas que se encontrem em situação de vulnerabilidade. No ano de 2010, tinha já apresentado um projeto nesse sentido e que, felizmente, agora foi incorporado no substitutivo da nossa querida Deputada Dandara. A renda familiar per capita, que era de um salário mínimo e meio - isso no item 5 -, passou agora a um salário mínimo de reserva de vagas de 50% das cotas, para efetivamente contemplar os mais pobres. A proposta amplia as ações afirmativas para os cursos de pós-graduação. Também fiquei muito feliz, porque, no ano de 2020, apresentei o PL 3.434, que trata do mesmo assunto e agora está contemplado no substitutivo apresentado e aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados. Uma das maiores inovações foi a inclusão dos quilombolas na Lei de Cotas das instituições federais de ensino superior e nas instituições de ensino federal do ensino técnico de nível médio - os quilombolas agora estão contemplados. O PL institui que as vagas reservadas para subcotas não utilizadas serão repassadas primeiramente para outras subcotas - estudantes pretos, pardos, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência - e depois serão ainda distribuídas para todos os estudantes de escolas públicas, sendo que aí o critério também será para os mais vulneráveis. O projeto ainda permite o uso de outros institutos de pesquisa, além do IBGE, como o do Censo, para o cálculo da proporção de cotistas nos Estados. A questão da inclusão daqueles que, historicamente, foram marginalizados é urgente. Ao longo dos anos, temos testemunhado a verdadeira transformação trazida pelas políticas de cotas. Permitam que eu faça um comentário. Alguns diziam que a nossa juventude não aceitaria os cotistas. Ledo engano. Tiveram que nos engolir. Estou falando isso numa boa, não tem nada de agressão aqui, não, porque a juventude se entendeu e não temos visto conflito nenhum entre brancos, índios, negros dentro das universidades e nos institutos. Isso é bom, mostra que a democracia avança e o combate ao racismo e ao preconceito, a partir da nossa juventude, se amplia. Eu sempre digo que o acesso à educação não é apenas uma estrada para a justiça social, mas, sim, uma chispa, um farol de luz que cruza a geografia brasileira para erradicar as barreiras que, por tanto tempo, discriminam nossa população. Desde os primeiros debates na Assembleia Nacional Constituinte - eu estava lá -, tínhamos a bancada negra, dou um destaque aqui. Estou vendo o Moura, que chegou aqui, que foi o fundador da Fundação Palmares, na época do Presidente Sarney. Eu queria dar uma salva de palmas para o Moura. (Palmas.) Que ele chegue à frente. Sente-se aqui na frente, Moura, não fique aí atrás, escondido. Ele foi um dos grandes articuladores e nos ajudou muito também no Estatuto da Igualdade Racial. Como eu dizia, desde os primeiros debates na Assembleia Nacional Constituinte, a bancada negra lá era composta por Benedita da Silva; Caó, que já faleceu - e fica aqui minha homenagem ao Caó -; Edmilson Valentim, do Rio de Janeiro; e este Senador. Foi essa bancada que, junto com Domingos Leonelli, esteve na África do Sul exigindo a libertação do Mandela, seguindo uma determinação da Assembleia Nacional Constituinte. A Assembleia decidiu que Mandela tinha que ser liberto, e nós fomos encarregados de lá entregar essa moção, esse documento. Felizmente, naquele mesmo ano, não pela obra nossa, mas, sim, pelo movimento mundial pela libertação do Mandela, ele foi liberto, veio ao Brasil já como Presidente e nós tivemos o prazer de recebê-lo aqui no Congresso. |
R | Os movimentos negros, as vozes das ruas, o esforço daqueles que acreditam na força transformadora da educação contribuíram muito para o cenário atual. Todos estão de parabéns, brancos, negros, índios, enfim, todos que colaboraram do seu jeito, da sua forma para que a gente estivesse aqui hoje discutindo a ampliação da política de cotas. A luta foi feita e está sendo feita por muitas mãos. Depois de 20 anos de luta, o Estatuto da Igualdade Racial foi sancionado em 2010, Lei 12.288. Recordo o momento épico e histórico, em 2010, quando tive que ir ao Supremo defender a política de cotas. Alguém poderia dizer: "Mas por que foi o senhor? Por que não foi outro?". Só tinha eu de negro no Senado. Então, eles escolheram um Senador que fosse negro e um Senador que não fosse negro e que tivesse até uma posição diferente, mas assim se escreve a história da humanidade. Felizmente ganhamos o debate no Supremo por 10 a 0. Não teve nenhum ministro que tenha votado contra para que fossem consideradas as cotas inconstitucionais - foram consideradas constitucionais. A nossa força - a nossa força que eu digo não é minha, é a nossa do povo brasileiro - está na união em busca da igualdade, um passo que nos aproxima mais e mais do sonho de uma sociedade justa e inclusiva, sem racismo, sem discriminação, sem homofobia, sem ódio e sem violência. Termino dizendo o que Paulo Freire já dizia: "Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda". Essa é a introdução da fala como Presidente dos trabalhos. Agradeço aqui aos nossos queridos apoiadores, ao Senador Davi Alcolumbre, que, na semana passada, quando eu informei que o relatório já estava aqui, já marcou audiência para hoje, para debatermos o tema. E, num acordo que fizemos inclusive com o Senador Girão, por ele votaria até no mesmo dia. Essa foi a decisão tomada lá. Como no mesmo dia não dava, nós esperamos que se vote, quem sabe, amanhã - se der, amanhã. Eu entendo que o debate é construído com muitas mãos e muitas vozes, e vamos falar com o Presidente da Comissão se vamos votar amanhã ou na outra semana. Claro que a decisão final é do Presidente Davi. Agora vamos, de imediato, então, chamar os nossos convidados, sabendo que todos, todos... Sabendo, não. Quero dizer que todos, todos são bem-vindos. Aqui nós não convidamos só para falar aqueles que pensam e falam da mesma forma. Todos têm direito de expressar o seu ponto de vista para que a gente possa aprimorar cada vez mais o caminhar do nosso povo, combatendo todo tipo de preconceito e discriminação. |
R | Eu convido o Sr. Clédisson Júnior, cientista político, representante da Dandara Tonantzin, que é a Relatora, porque ela está no exterior. O Clédisson vai entrar por videoconferência. Eu gostaria que ele ficasse a postos já. Como aqui ele representa a Dandara, eu fiz questão de que ele fosse o primeiro a falar, para explicar o relatório, porque no que eu aprovei, no que nós aprovamos na CDH (Comissão de Direitos Humanos) nós não mexemos uma vírgula. Então, não há ninguém melhor do que ele, que acompanhou a Dandara desde os primeiros minutos na construção desse substitutivo - ela viajou pelo país, inclusive, dialogando com a sociedade brasileira -, para fazer a primeira fala. Na sequência, Sra. Geisiane Freitas, Bacharel em Ciências Sociais e Pesquisadora. A Geisiane está aqui? (Pausa.) Então, venha para a mesa, Geisiane, por favor, com as nossas palmas. Venha para a mesa. (Palmas.) Sra. Geisiane Freitas, Bacharel em Ciências Sociais e Pesquisadora das relações raciais brasileiras e de gênero. Presença confirmada, e aqui ela está. Então, como já combinado - está aqui o pedido, inclusive, do assessor do Senador Girão -, o primeiro a usar a palavra será o Sr. Clédisson e, depois, a Geisiane falará tranquilamente, porque o Girão quer te ver aqui. Então, a senhora fala quando o Girão estiver aqui, não há problema nenhum. A Deputada, autora do projeto - nós também entendíamos que ela deveria ser uma das primeiras a falar, que é a Sra. Maria do Rosário, Benedita e tantas outras -, Maria do Rosário teve um problema de voo, mas chegará. Logo que ela chegar, ela usará a palavra. O próximo convidado, que, se estiver aqui, eu peço que venha à mesa, é o Sr. Cleber Santos Vieira, Assessor do Gabinete da Secretaria de Atenção Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Ministério da Educação (MEC). (Palmas.) Muito obrigado aqui já. O Governo está mandando aqui os seus representantes, para um tema que eles vão ter que regulamentar, não é? Por isso, é preciso que todos entendam que, se nós ficássemos debatendo uma semana, duas, três, quatro, era uma forma de divulgar ainda mais o projeto. O problema é que o Ministério da Educação já fez contato comigo, porque eles têm que regulamentar todo o processo. Por isso, há uma certa urgência para que a gente possa fazer com que a matéria seja aplicada já a partir do início do próximo ano. Então, esse é um pedido que eu faço para que a gente vote o mais rápido possível. Eu convido também para a mesa, seguindo aqui a ordem de quem estiver presente, o Sr. Eli Vieira, que é Biólogo e Mestre em Biologia Molecular pela UFRGS e Mestre em Genética pela Universidade de Cambridge, Reino Unido. Ele vai ser por videoconferência. Deve estar a postos já, e a gente vai chamá-lo depois. Agora chamo o Sr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, Diretor de Políticas e Programas de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC). Está presente? (Pausa.) Muito obrigado, Sr. Alexandre. O Ministério da Educação é fundamental nesse debate. (Palmas.) |
R | Convido agora o Sr. Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves, Presidente da Nação Mestiça... (Pausa.) Senhora - é, eu estava confundindo aqui. Convido agora a Sra. Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves, Presidente da Nação Mestiça. Seja bem-vinda, Doutora. (Palmas.) Convido o Sr. Eliel Benites, Diretor do Departamento de Línguas e Memória do Ministério dos Povos Indígenas, para que ele se sente aqui na primeira fila - à medida que as pessoas forem falando, todos virão para a mesa. O senhor se sentaria aqui na primeira fila até a hora da sua fala. Seja bem-vindo, Eliel. Bateram palmas para o Eliel? Se não baterem, eu vou bater. (Palmas.) Agora chamo o Sr. Fernando Holiday, Vereador da Câmara Municipal de São Paulo, por videoconferência também confirmada. Ele estará à nossa disposição no momento adequado. Convido agora a Sra. Márcia Regina de Lima Silva, Secretária de Políticas de Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial. (Palmas.) Faça o favor, se puder, de sentar-se aqui na primeira fila - na hora da sua fala, a senhora será convidada a vir aqui à mesa, está bem? Então, como havíamos combinado já, nós vamos de imediato passar a palavra, representando a Relatora Dandara, na Câmara Federal, ao Sr. Clédisson Júnior, Cientista Político, que trabalhou com a Dandara durante todo esse período, viajou com ela, e está bem a par do substitutivo final, que foi aprovado por unanimidade. Sr. Clédisson Júnior, por favor, a palavra é sua por dez minutos com mais cinco. Quando eu digo dez mais cinco, cada um pode trabalhar com quinze minutos; mas, se entender que dez é o suficiente, nos dez a campainha toca. O SR. CLÉDISSON JÚNIOR (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde, Senador Paulo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Oi, meu amigo, boa tarde. Seja bem-vindo. O SR. CLÉDISSON JÚNIOR (Por videoconferência.) - Boa tarde, demais Senadores presentes, debatedores, convidados que estão presentes no Senado e que nos assistem pela internet e pela TV Senado. Queria começar agradecendo pela oportunidade de estar aqui nesta audiência pública apresentando um pouco... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Clédisson, tu me ouves? O SR. CLÉDISSON JÚNIOR (Por videoconferência.) - Ouço você, sim. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, deixe-me falar, Clédisson. Eu queria fazer um apelo aqui à Polícia do Senado. Eu tenho com eles uma relação de muito respeito. Todas as minhas audiências públicas ficam lotadas, nunca tem problema algum, como fizemos ontem e fizemos hoje pela manhã, e esta aqui não está lotada. Existem aqui dezenas de lugares. Peço para que liberem aqueles jovens, adultos e idosos que querem vir aqui para a audiência. (Palmas.) Não sei por que... Nunca aconteceu isso, não acontece isso. Então, fica o meu apelo, de público aqui, para que eles... É só vir aqui olhar: tem dezenas de lugares aqui à disposição dos nossos convidados. Eles vieram aqui porque foram convidados para este debate. Fica o apelo feito. Sr. Clédisson, me desculpe, mas volta o seu tempo original. Você tem dez minutos, com mais cinco, quinze no total. |
R | O SR. CLÉDISSON JÚNIOR (Por videoconferência.) - Novamente obrigado, Senador Paulo. Eu retomo agradecendo a oportunidade de estar aqui expondo um pouco do processo que se deu na dinâmica da aprovação do relatório do substitutivo da Deputada Dandara, na Câmara dos Deputados. Eu quero inicialmente localizar um pouco da minha trajetória particular. Enfim, sou cientista social e gosto de falar que tive uma oportunidade de assistir à história do Brasil sendo construída, no período passado, quando tive a oportunidade, enquanto diretor da União Nacional dos Estudantes, à época Diretor de Combate ao Racismo, de participar ativamente das articulações que permitiram que nós pudéssemos ter, à época, o Estatuto da Igualdade Racial, lá em 2009. Também tive a oportunidade, representando a União Nacional dos Estudantes, de ser amicus curiae na ADPF 186, no Supremo Tribunal Federal, que, enfim, tinha como foco a proposta apresentada pelo Partido Democratas, antigo PFL, à época, e hoje União Brasil, sobre a inconstitucionalidade das cotas raciais na UnB. Obviamente, o resultado todos nós sabemos, e ele foi preponderante para que dois anos depois pudéssemos aprovar, no Congresso Nacional, em 2012, a Lei de Cotas. De lá para cá, obviamente, a minha trajetória tem sido intimamente construída dentro dessa agenda, e tive o privilégio também de ter três mandatos, um representando a União Nacional dos Estudantes, no Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, o nosso CNpir, e dois representando o Coletivo Nacional de direitos de negros, o Enegrecer, permitindo-me coordenar de forma executiva a III Conferência Nacional da Promoção da Igualdade Racial, em 2013. Obviamente, depois de 2013, fiz uma opção por construir um processo mais orgânico junto ao poder público. Fui Secretário-Executivo do Conselho Nacional de Direitos Humanos, o antigo CNDH. Depois, veio golpe, e eu entendi que era o momento de me recolher e voltar para o processo de reflexão e para as cadeiras escolares. Fui fazer mestrado, fui estudar na UFRGS. Tive a oportunidade de conhecê-lo, de conhecer o seu trabalho muito de perto, Senador Paulo, e a oportunidade também de fazer campanha junto à sua militância de base. E hoje construo o mandato da Deputada Dandara, com a tarefa de articular politicamente os processos que envolvem as agendas que nos são caras. Hoje falo daqui de Minas Gerais, meu estado natal, e acredito que, nesses dez minutos, o importante, primeiro, é situar um pouco das dinâmicas que fomentaram a conquista da aprovação de caráter... O apoio de todas as lideranças partidárias da Câmara em relação a essa matéria. Eu gosto muito de dizer que tanto a construção como o conjunto muito próximo dos movimentos sociais são elementos que dão base à nossa correlação. Tanto a Deputada Dandara quanto eu temos origem no movimento negro, e nós entendíamos que foi necessário retornar o movimento negro para que nós construíssemos, primeiro, uma legitimidade desse processo e, segundo, que fosse possível colher, junto ao movimento negro, naquele primeiro momento, um conjunto de alterações que mirassem o aperfeiçoamento da Lei de Cotas. |
R | Foi necessário também que nós ampliássemos o conjunto de debates para o movimento educacional e, para tanto, uma relação de viagens foi feita pela Deputada e por mim, visitando universidades Brasil adentro, articulando com a militância, tanto negra quanto a da juventude das universidades, para propor um texto que estivesse à altura e correspondesse à correlação de forças internas da Casa, permitindo-nos hoje ter a matéria sendo debatida no Senado. Entendíamos também que a Lei de Cotas, em que pese tenha um pano de fundo que, na nossa avaliação, diz muito sobre o processo de reparação político e histórico, que tem por origem a escravidão negra no Brasil, também tem elementos que precisam ser debatidos que envolvem outras dimensões de grupos sociais que são, obviamente, beneficiados pela política. Então, foi necessária uma parceria muito próxima com o Ministério dos Povos Indígenas, para articular junto aos povos indígenas - e aí queremos agradecer, desde já, o papel da Deputada Célia Xakriabá, que nos ajudou bastante nesse processo, assim como a direção do Ministério dos Povos Indígenas -, e também com o Ministério da Igualdade Racial, que nos permitiu produzir diálogos importantes com atores que se localizam dentro da relação do próprio Governo Federal. O diálogo com o poder público do Governo Federal foi importante para que nós pudéssemos azeitar, por exemplo, elementos muito importantes na nossa avaliação, já na redação final do projeto que foi votado. A dinâmica de diálogo passava também por alguns melindres que nós avaliamos que eram necessários, como, por exemplo, dialogarmos com um conjunto de atores dentro da Câmara dos Deputados que nós já sabíamos, de largada, que eram historicamente contrários à política de cotas. Mas, obviamente, a nossa aposta no aperfeiçoamento tanto das cotas quanto da própria democracia nos fez, por exemplo, bater à porta de um conjunto de lideranças que, obviamente, se colocaram, num primeiro momento, céticos quanto à importância dessa aprovação, que diz respeito não só ao aperfeiçoamento da lei - que, como o próprio Senador já apontou na sua exposição inicial, alterou de forma qualitativa a presença negra, indígena, de pessoas com deficiência e mesmo dos povos quilombolas, porque hoje são poucas as universidades onde, de fato, existe um processo seletivo específico para isso -, mas que veio a cabo para tentar conter esses limites que, historicamente, nesses dez anos, nós identificamos como passíveis de serem melhorados. A Deputada Dandara trata a questão do diálogo participativo e da participação social como um princípio do seu mandato. É importante destacar que é um mandato de primeira legislatura, o que nós entendíamos que seria um limitante no acesso, por exemplo, às Lideranças da Câmara dos Deputados. Mas, obviamente, que pudemos contar com a própria ajuda do gabinete do mandato do Senador Paulo Paim, assim como de lideranças importantes no campo do centro democrático, que nos permitiram, por exemplo, dialogar não só com essas lideranças, mas com o próprio Presidente da Casa, o Deputado Federal Arthur Lira, que, no primeiro momento, se colocou ao lado da agenda, nos provocando a colocar para votar em momentos distintos; mas nós entendíamos que precisávamos amadurecer o diálogo, em particular com o movimento social, porque a gente sabe que o debate que se faz no Congresso ganha corpo, ganha fôlego quando as ruas exprimem essas opiniões que, de fato, apontam para os avanços que a sociedade tanto demanda. Então, foi preciso o tempo todo pautar no movimento social, foi preciso o tempo todo construir diálogo com o movimento negro em particular. |
R | E, aqui, eu quero agradecer à Coalizão Negra Por Direitos, à Convergência Negra, à Frente Favela Brasil, antirracismo, colegiados que congregam no seu interior uma gama de organizações, de movimentos dentro do próprio movimento negro, e que nos permitiram construir de uma forma muito qualificada, ouvindo ao mesmo tempo um conjunto de quadros históricos da agenda, o que é muito caro para a gente, pessoas que ao longo das suas próprias vidas se dedicaram a formular saídas para os limites que o racismo impõe à população negra. E o mesmo nós podemos dizer das lideranças indígenas que nos auxiliaram nesse processo, assim como o movimento em defesa e pela dignidade das pessoas com deficiência. Eu quero encerrar esta participação apontando, Senador e pessoas que participam deste debate, que nós temos muita confiança no povo brasileiro, que nós temos muita confiança na política e que por isso nós acreditamos que a matéria será aprovada no Senado e irá para a sanção do Presidente Lula. Nós iniciaremos um novo ciclo de conquistas para o povo brasileiro, em particular para o povo que demanda reparações históricas em função do nefasto, criminoso e muito triste passado de escravidão e de colonialismo, com o qual o Brasil ainda precisa repactuar. Encerro agradecendo. E desejo a todos nós um bom debate e que possamos sair dessa audiência muito mais convictos de que as cotas abrem portas e aperfeiçoam a democracia brasileira. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Meus cumprimentos ao Sr. Clédisson Júnior, Cientista Político, representante da Relatora, Dandara Tonantzin, Deputada Federal, que fez a sua exposição por videoconferência, falando de como foi essa caminhada até aqui. É com alegria que nós vemos já presente - como ela tem outros compromissos, porque aqui na Casa é assim - a nossa querida autora número um do projeto - permita que eu diga isso -, que muitos tantos, dezenas assinaram depois, entre eles a Benedita, a Deputada Federal Maria do Rosário, que pediu para falar neste momento, para que ela possa então depois se deslocar. Eu explicava antes que são dez minutos, com mais cinco, no total de quinze, para cada um dos painelistas. E a você, como autora do projeto, é claro que ninguém vai criar obstáculo para que seja uma das primeiras a usar a palavra. Eu quero também agradecer aqui de pronto ao pessoal da segurança do Senado, Isabel, porque eles já vieram aqui falar comigo. Estão liberando todo mundo, em seguida os que estão lá, e não vai ficar nenhum lá fora. Todos estarão aqui dentro, atendendo um pedido desta Presidência. Eles estavam fazendo, digamos, o crivo natural que fazem na Casa. Mas o importante é que foi liberado e que todos estejam aqui. Sejam bem-vindos! (Palmas.) Uns já chegaram, outros estão chegando. A palavra é sua, Deputada Maria do Rosário, autora do projeto. A SRA. MARIA DO ROSÁRIO (Bloco/PT - RS. Para expor.) - Senador Paulo Paim, é uma grande honra dirigir-me a esta Comissão de Constituição de Justiça e estar aqui ao lado de V. Exa., que é o meu Senador, o nosso Senador das causas mais importantes do Brasil, o Senador que compôs legislações que marcam a trajetória democrática brasileira. Portanto, sinto-me honrada, de fato, em estar ao seu lado aqui, Senador. Quero cumprimentar, igualmente, o Sr. Alexandre Brasil da Fonseca, o Sr. Cleber Santos Vieira, a Sra. Geisiane Freitas, a Sra. Helderli de Sá Leão, enfim, a todos os demais aqui, inclusive o Clédisson Júnior, que representou a Relatora Dandara, abraçando cada um e cada uma. Peço desculpas, como disse o Senador, pelas atribuições existentes na Câmara, que me levam àquela Casa, nessa tarde, ainda, no debate de matérias. |
R | Mas eu fiz questão de estar aqui presente, porque esta audiência tem grande importância para deixarmos muito nítida a importância dessa política pública, para refletirmos juntos e juntas sobre o que nós estamos buscando consolidar aqui, e porque, afinal de contas, esta é uma lei que tem a grandiosidade de poder ser considerada um diferencial em termos de políticas afirmativas no Brasil, a lei mais importante como política afirmativa no Brasil, um país que não fez a reparação histórica, um país que muito pouco conhece a própria história sua, cujas desigualdades e contradições o compuseram como Estado, como sociedade, como cultura. Aqui, certamente, há uma lei que representa o povo negro deste país, as comunidades indígenas, as pessoas com deficiência, os estudantes das escolas públicas, mas, sem dúvida alguma, todas as pessoas que acreditam na igualdade de direitos, nos direitos humanos e na afirmação de um Brasil diverso de um país historicamente marcado pela exploração, se posicionam favoravelmente à aprovação dessa matéria. Então, em primeiro lugar, eu quero dizer que o sistema de cotas raciais e sociais foi composto no Brasil de uma forma original, muito própria, dentro da realidade brasileira, mas está plenamente respaldado na Constituição Federal brasileira, que no seu art. 5º estabelece que todos os brasileiros e brasileiras são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo assim a inviolabilidade à igualdade. É cláusula pétrea a igualdade de direitos. Mas a própria Constituição Federal, nas suas cláusulas pétreas, traz de forma também objetiva a missão de superarmos as desigualdades regionais e de toda ordem. E quando traz, carrega essa missão como cláusula pétrea, define o próprio país, a Constituição Cidadã aprovada, sancionada. Completa-se agora, no próximo 5 de outubro, 35 anos daquele momento, Senador Paim, em que os Constituintes como o senhor compuseram esta peça de democracia que inaugurou um Estado democrático de direito no Brasil. Ela não veio apenas com a manchete geral de uma democracia; ela indicou que o caminho da democracia é a superação das desigualdades. E não colocou outro lugar como missão às autoridades que, a partir dali, assumiram, nas diferentes esferas, o comando político, econômico e social deste país que não fossem as cláusulas pétreas - cláusulas que, independentemente de governo, de quem governe cada período, têm a responsabilidade e obrigação de ver instituídas. Se é, então, um país desigual, se a Constituição não conseguiu fazer superar a desigualdade pela força objetiva da Lei Maior promulgada, é porque, na cultura nacional, na história nacional, essa desigualdade está incrustada de forma a permanecer produzindo mais desigualdade, mais violações e mais segregação no formato de um racismo estrutural, se não for cessado, se não for enfrentado, se não for superado. E é isso que essa lei busca instituir. Ela é parte de um complexo maior, porque não apenas com acesso à universidade e à educação profissional e tecnológica, como ela prevê, nós vamos superar esse racismo estrutural. Mas não há dúvida de que é por via da educação e do acesso, que diante da desigualdade jamais é igualitário, que nós deveremos enfrentar a violência que é a segregação. Portanto, o Brasil precisa de cotas raciais e sociais. O Brasil precisa de dispositivos que objetivamente superem a desigualdade que nas demais esferas não foram superadas naturalmente. Entre o próprio dispositivo constitucional em 1988 e 2012, quando aprovada a Lei de Cotas, durante todo este período, qual era a marca das universidades brasileiras? Qual era a presença de alunos oriundos das escolas públicas, das comunidades mais empobrecidas do Brasil e, sobretudo, de negros, negras, indígenas e pardos desta população que carrega consigo as marcas da segregação? |
R | Pois, senhores e senhoras, a política de cotas foi adotada primeiramente nas universidades do Rio de Janeiro - na UERJ, depois na Estadual Fluminense -; depois na Universidade do Estado da Bahia - primeiro, portanto, em universidades estaduais. Em 2004, a Universidade de Brasília tomou uma importante decisão de adotar o mesmo procedimento, mas, passados dez anos dessa primeira experiência, as organizações da sociedade civil, o movimento com autonomia da luta dos negros e negras, da população brasileira, sedenta de transformações mais profundas - e deve ser creditada essa autoria, principalmente aos negros e negras, que são os protagonistas da sua própria história e da transformação brasileira -, aí, este movimento, o movimento estudantil, o movimento negro, assume um processo de mobilização e incide de forma cidadã para que fosse apresentado um projeto de lei, trabalhados projetos de lei que já se encontravam na Câmara dos Deputados. Faço questão de referir que a primeira autora de uma matéria dessa natureza foi a Deputada Nice Lobão, que não tratava ainda, Senador Paim, de cotas de caráter racial ou social, era uma outra forma de acesso que ela buscava, não por vestibular nas instituições, mas o andamento do projeto legislativo também contou com diferentes Relatores e Relatoras que conseguiram apresentar relatórios que vieram trazendo esta vontade da sociedade de ver-se primeiro dentro do Parlamento, onde eram poucos os negros e negras, muito bem representados, certamente, pelo Senador Paim, prezado Senador Girão, a quem cumprimento, mas certamente muito, em termos numéricos, muito pouco representados, com a sua própria pele, com a sua própria cultura, porque não se trata apenas da cor da pele, mas de uma existência cultural, de uma identidade que conjuga um povo como o povo brasileiro, mas não deixando de ser ele próprio, a sua própria existência, a sua própria matriz. Portanto, a política de reserva de vagas vem dialogar com o Parlamento a partir da sociedade. Adentra o Parlamento brasileiro a partir da sociedade. Ela, portanto, indica o seguinte: que ela tem, inclusive hoje, amplo apoio da população. Segundo o Datafolha, metade da população se declara a favor de cotas raciais nas universidades públicas. O apoio - chamo a atenção - é ainda maior, nessa mesma pesquisa aferida, de pessoas cujos filhos estão em escolas particulares: 60% das pessoas cujos filhos estão nas universidades particulares avaliam que é positiva a existência de cotas; que tenham 50% de vagas para os alunos oriundos das escolas públicas e com a consideração de acordo com os critérios regionais do IBGE para a reserva de vagas para estudantes indígenas, quilombolas, negros e negras, pardos e pretos de um modo geral. Essa evidência demonstra que a sociedade é favorável porque compreende que o benefício da existência dessa política afirmativa não se limita ao jovem negro que passa a acessar a universidade. A sociedade vai compreendendo cada vez mais que estar organizada com bases igualitárias enfrenta o racismo e constrói melhores condições em todas as esferas das relações humanas e não apenas na esfera educacional. Formar-se, portanto, em profissões mais diversas, aquelas que têm sobretudo uma remuneração mais pronunciada também a jovens negros e negras, significa forjar e formar camadas médias multiétnicas que vão conviver em uma condição de renda, de desenvolvimento igualitário para o bem da sociedade. Isto demonstra também o pesquisador Adriano Senkevics, do Inep, que mostrou que a participação de pretos, pardos e indígenas nas instituições federais de ensino superior vindos das escolas passou de 27,7%, em 2012, para 38,4%, em 2016. Agora, observemos que, em 2019, essa proporção de acesso ao ensino público chegou a 39%, enquanto em termos populacionais naquele ano já se indicava que 56% da população brasileira entre 18 e 24 anos é composta de pessoas pardas, indígenas e pretas. |
R | Há um mito, Senador Paim, sobre o tema da qualidade do desempenho. Esse mito foi exaustivamente pesquisado nas próprias universidades e pelo próprio Ministério da Educação, como, por exemplo, na USP, com um histórico muito forte até mesmo de rejeição de cotas. Em 2018, ela decidiu definir cotas com critérios raciais, e uma pesquisa recente, em 2022, indicou que a diferença de notas entre cotistas e não cotistas é pequena no início de cada curso e diminui ao longo da existência acadêmica dos estudantes. |
R | A pesquisadora Marta Arretche, por exemplo, afirma que a inclusão dos cotistas não compromete em nenhuma medida a excelência dos cursos realizados pela Universidade de São Paulo. E essa hipótese ela refuta, inclusive com o próprio Enade, posteriormente, também demonstrando que ou não há diferença entre aluno cotista e não cotista na nota, ou essa diferença corresponde menor, quando menor, a cinco pontos percentuais no desempenho, o que representa dois pontos em uma prova com cem itens para serem respondidos, o que significa um desempenho considerado semelhante, idêntico ou superior dos jovens cotistas em relação aos não cotistas. Portanto, é totalmente falsa e, inclusive, preconceituosa a ideia de que os jovens cotistas têm notas menores ou podem vir a comprometer o desempenho institucional. Aliás, como pedagoga e sendo da área da educação, eu digo que a nossa principal preocupação, como professores e professoras, é garantirmos não apenas que o jovem acesse, mas que dentro da instituição possamos ter estes resultados que estão em comum sendo desenvolvidos em todas as universidades brasileiras, de que o jovem ser cotista ou não cotista não significa nada em termos de desempenho educacional, porque as nossas universidades estão preparadas para a equivalência não apenas de oportunidades, mas também da garantia de os conhecimentos serem desenvolvidos. O caminho, portanto, para o ensino superior se mostra mais positivo com cotas, e, sem dúvida, o projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados, fruto de um amplo debate no ambiente parlamentar, fruto da concordância e - concluo dizendo - da unanimidade na votação dos Srs. Deputados e Deputadas, demonstra o potencial para superarmos a ideia de que teremos de tempos em tempos uma revisão que virá precarizar o sistema. (Soa a campainha.) A SRA. MARIA DO ROSÁRIO (Bloco/PT - RS) - Como o racismo não tem prazo - e nós lamentamos muito isso -, políticas afirmativas também não podem ter prazo. O que nós propomos aqui, portanto, que nós afirmamos, para finalizar, é que o Brasil encontrou, Senador Paim, graças ao seu trabalho, da Deputada Dandara, da Deputada, ex-Senadora, ex-Governadora Benedita da Silva, a quem homenageio nesta hora, como líder que ela é, inclusive minha, eu digo ao senhor: nós encontramos um formato próprio no Brasil, uma forma que deve ser valorizada como projeto legislativo, como execução do Poder Executivo, com autonomia das universidades, sobretudo com protagonismo negro, negra, indígena, do povo brasileiro. Este Brasil, finalmente, faz um encontro consigo mesmo, porque se não tivemos justiça de transição em nenhum momento, se nunca enfrentamos as nossas próprias dores e as nossas próprias chagas, e se elas não cessam na juventude negra que ainda tomba nos lugares mais perversos desse Brasil onde ela se encontra abandonada, se ainda há mães negras, mães indígenas que choram seus filhos, nós temos a obrigação neste Parlamento de enfrentar a desigualdade, não pelo hoje, mas porque recebemos essa obrigação dos próprios Constituintes, e não abriremos mão da Constituição Cidadã. Muito obrigada. É esse o meu pronunciamento. Obrigada pela oportunidade. (Palmas.) |
R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa foi a autora do projeto, Deputada Maria do Rosário, como outros tantos que assinaram, como ela citou a Benedita aqui. Parabéns pela fala! Senador Girão, meus cumprimentos, você é um dos autores desse requerimento junto comigo. Quero dizer, Maria do Rosário... Dizer não, eu tenho que explicar ao Plenário que ela vai ter que sair... A SRA. MARIA DO ROSÁRIO (Bloco/PT - RS. Fora do microfone.) - Vou para a Câmara. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... mas os outros tantos debatedores ficarão aqui e a gente continuará. São em torno de 11 debatedores. A SRA. MARIA DO ROSÁRIO (Bloco/PT - RS. Fora do microfone.) - Paim, posso levantar daqui? É regimental? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pode. Pode. É regimental. A SRA. MARIA DO ROSÁRIO (Bloco/PT - RS. Fora do microfone.) - Minha saudação às comunidades indígenas que estejam aqui. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k. De imediato, então, uma salva de palmas à Deputada que está saindo, mas que veio aqui dar o seu ponto de vista. Valeu, amiga! (Palmas.) O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Sr. Presidente, pela ordem, rapidamente. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Pois não. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Pela ordem.) - Primeiro, eu queria cumprimentar a Deputada Maria do Rosário - muito obrigado pela presença nesta Comissão - e cumprimentar todos os presentes aqui que vieram debater num debate amplo e democrático que a Comissão de Constituição e Justiça está fazendo aqui. Inclusive, o Senador Plínio Valério me ligou agora há pouco e perguntou se está aqui a Sra. Helderli Fideliz Leão Alves. Ela está aqui conosco e vai colaborar também, porque eu acho que a gente precisa ser includente e, nessa hora, deixar a questão político-ideológica e ver de forma técnica o que é melhor para o Brasil. O Senador Paulo Paim sabe. Eu já votei aqui... Acho que, na maioria das vezes, a gente está junto em muitas pautas, procurando trabalhar pelo Brasil. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Com certeza. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Só queria ver, Presidente, como é que o senhor... Porque, daqui a pouco, começa o Plenário e tem umas matérias lá que me chamaram para... Como é que o senhor está organizando? Vai ser um de um lado, outro de outro, com contrapontos. Vai ficar alternando. É isso? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Alternando de acordo com a sua presença, porque eu fui orientado aqui... O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Certo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - que a Geisiane... O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Ela vai ter que viajar, não é? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... que eu desse a palavra para ela no momento em que o Senador Eduardo Girão estivesse no plenário. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Perfeito. Perfeito. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, cumprindo esse acordo, eu estou colocando um, dois, um, dois... O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Claro. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - ... de forma bem equilibrada. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Eu queria ouvir os argumentos dos dois lados. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Agora, chegou a vez da Geisiane então. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Está bem. Muito obrigado, Senador Paulo Paim. A SRA. GEISIANE FREITAS (Para expor.) - Olá, boa tarde. Bom, eu não gosto de partir muito dessa premissa, mas, como eu sei que, por exemplo, o nosso primeiro colega, o Clédisson, utilizou e geralmente isso dá uma boa base para as pessoas entenderem, eu quero começar dizendo que eu sou até hoje moradora de periferia, sou estudante de escola pública, estudei a minha vida inteira em escola pública, sou Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural de Pernambuco e Mestre em Sociologia pela Universidade Federal em João Pessoa e pesquiso relações raciais e relações de gênero do nosso país há mais ou menos dez anos, porque, assim que eu entrei na universidade, comecei a pesquisar a respeito disso. Ainda coloco que eu sou ex-feminista e ex-marxista. Durante a universidade, eu fui e defendi essas ideias, mas depois eu deixei de defender, porque encontrei a verdade. É basicamente isso. E aí o que me chama a atenção em relação a esse assunto é que, primeiro, aqui eu não enxergo muita pluralidade e que me incomoda bastante não ter pluralidade num assunto tão sério em relação ao Brasil. Inclusive, faço um convite à própria população negra que não é conservadora ou liberal... |
R | As pessoas brancas têm o direito à pluralidade de pensamento, mas, no Brasil, a população negra, por imposição do movimento negro contemporâneo - não o movimento negro como um todo, mas o movimento negro contemporâneo -, não têm direito à pluralidade de pensamento. Para alguns, por exemplo, nem sequer eu sou considerada uma mulher negra, o que me soa muito curioso a respeito desse assunto. Bom, posto isso, me chamou a atenção a fala dos nossos dois primeiros colegas, da Maria do Rosário e do Clédisson, porque eles falaram a respeito da política de cotas como uma política reparadora em relação à famosa dívida histórica que é tão falada nos nossos meios culturais e, portanto, dentro das universidades, das escolas, da imprensa, aqui dentro do nosso Senado, e falaram também a respeito do racismo estrutural e da desigualdade. Então, eu quero ir por partes. O meu grande problema com as cotas raciais - e é por isso que eu sou veementemente contra elas e também, portanto, contra o que está sendo debatido aqui hoje, essa ampliação das cotas - é muito simples: as cotas raciais partem de premissas equivocadas, partem de premissas falaciosas. Quando a gente pega, por exemplo, o caso da dívida histórica - e eu acreditava na dívida histórica -, a gente vai ter que fazer aí uma volta lá para o nosso Brasil Colônia e entender o que aconteceu naquele período. A história que nos é contada, que é pulverizada na nossa sociedade é que brancos malvadões chegaram ao nosso país, exploraram o nosso país, houve o processo de escravidão e aí, quando a gente teve o golpe republicano, em 1889, a população foi desassistida e, portanto, todo aquele processo de abolição foi perdido. Bom, André Rebouças, um dos maiores negros deste país e um dos maiores abolicionistas deste país, junto com José do Patrocínio, ao ouvir essa história, estão se revirando no túmulo, uma vez que eles eram monarquistas. O André Rebouças era liberal, acreditava inclusive no capitalismo como uma forma de ascensão da população negra, coisa em que o movimento negro contemporâneo não acredita, porque tem bases epistemológicas no marxismo; e o José do Patrocínio defendia o isabelismo, ou seja, defendia a monarquia, conseguiu ver ali o processo de ação da monarquia dentro do movimento abolicionista. O que eu quero dizer com tudo isso é que a história do nosso país é contada erradamente e que, portanto, a história do nosso país é recriada dentro das escolas para recriar essa ideia de luta de classes, de brancos contra negros. É óbvio, é evidente que a escravidão deixou resquícios para a população negra; é óbvio que, após o golpe republicano de 1889, a população negra ficou ainda mais em vulnerabilidade, uma vez que de fato eram escravos, de fato estavam numa situação opressora. No entanto, a gente contar essa história sem respeitar a complexidade do período, ou a gente olhar com olhos de luta de classe, ou olhar com olhos do anacronismo, é um grande erro. Por exemplo, durante a escravidão, negros que conseguiam ser alforriados compravam escravos, negros tinham negros escravos. E por que isso acontecia? Porque a escravidão é legal, é bacana? É óbvio que não, a escravidão é uma violação do direito humano, não restam dúvidas a respeito disso. A grande questão é que a ordem social da época era aquela, uma ordem social esdrúxula, uma ordem social desumana, não restam dúvidas, mas era a ordem social da época. |
R | É importante a gente ainda lembrar, quando a gente fala desse argumento de dívida histórica, em que são colocados também os portugueses como os criadores desse sistema escravocrata, que isso não é verdade. Dentro do continente africano, já existia o sistema de escravidão. O que os portugueses de fato fizeram - aí é na conta deles - foi meio que modernizar o processo, mercantilizar e ampliar o processo. Então, eles também têm a culpa deles, mas é importante a gente dizer que líderes da população negra nata dali daquela região também tiveram os seus benefícios em relação a esse processo de mandar outras pessoas negras para serem escravas. Vejam só, as premissas de dívida histórica já partem de maneira falaciosa, de maneira equivocada. Então, eu não consigo remontar agora que todo e qualquer negro de fato veio dessa linhagem - vamos colocar assim -, dessa linhagem de opressão, até porque existem pessoas brancas que são pobres, pessoas brancas que estão em condições financeiras precárias, pessoas brancas que também precisam de um governo que tenha algum tipo de assistência em relação àquela população. Posto isso, eu quero falar a respeito do racismo estrutural, porque bastante me incomoda esse termo. Inclusive, recentemente, escrevi e lancei um livro, junto com a Patrícia Silva, que também é pesquisadora, a respeito do tema, porque é um termo que me incomoda bastante. Por quê? O termo racismo estrutural é tomado como se ele fosse o racismo e não é. De fato existe racismo dentro da sociedade brasileira, não há dúvida quanto a isso, mas dizer que o país é racista ou, pior, tomar que o racismo estrutural é algo que existe dentro da nossa sociedade é equivocado, inclusive por uma questão acadêmica. Eu sou socióloga, como eu disse. Logo nas primeiras páginas do livro do Silvio Almeida, que agora inclusive é Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, ele fala o seguinte... O livro dele é uma tese social, ou seja, a tese de doutorado dele. Preciso aqui só dar uma explicação acadêmica: quando nós temos uma tese social dentro do meio da academia, nós vamos até a realidade e vemos se a realidade comprova a nossa tese ou refuta a nossa tese. O que acontece atualmente, infelizmente, dentro dos meios acadêmicos, é que teses sociais são empurradas goela abaixo por narrativas dentro da sociedade para que a realidade se adapte àquela narrativa. Não interessa se aquilo dali tem respaldo na realidade ou não, o que é um grande problema. Bom, posto isso, ele coloca ali no livro dele, que é uma tese social, e fala o seguinte: que ele não tem por objetivo definir o conceito de racismo estrutural, ou seja, é um não conceito, não existe uma definição. Simplesmente a gente não sabe o que é, não existe. Ele vai além e fala que, embora não dê essa definição, parte do princípio de que todo e qualquer racismo, de que o racismo da nossa sociedade sempre tem bases estruturais. Quando a gente corre ali a leitura do livro, quando a gente finaliza a leitura do livro e, quando a gente lê um outro livro dele que agora me fugiu o nome, mas que tem marxismo no nome - eu não me lembro agora muito bem o nome -, a gente vê que, na verdade, ele está reimplantando ali aquela teoria marxista; portanto, de estrutura, superestrutura, campo ideológico... Ele menciona, no livro, o campo ideológico. Quando ele menciona, no capítulo a respeito da economia, é a economia de Karl Marx inteira ali. Então, quer dizer, ele remonta a teoria de Karl Marx ou do marxismo, portanto, adicionando a categoria raça e partindo do princípio de que estruturas... (Soa a campainha.) A SRA. GEISIANE FREITAS - ... não estruturas físicas institucionais, mas que toda a sociedade brasileira só existe como existe em decorrência do racismo. Esse tipo de afirmação é muito séria e muito grave. |
R | Bom, além disso, só para a gente... Eu tenho dez agora? Eu tenho mais cinco, é isso? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Sim. A SRA. GEISIANE FREITAS - Ah, está bom. Eu tenho mais cinco. Bom, então, estes são os pontos principais que me incomodam: essa história da reparação histórica e essa história do racismo estrutural. Como de fato o Brasil é um país pobre, o nosso problema não é a desigualdade, o nosso problema é a pobreza, porque seres humanos são desiguais. É inato à natureza humana a desigualdade. Eu não quero ser igual a outra mulher negra, porque eu tenho a minha individualidade, principalmente se for uma mulher negra da esquerda, por exemplo, que não me representa em termos de ideias. O nosso problema principal é a pobreza. Inclusive, para mim, o principal problema da população negra é a pobreza, o principal problema, por exemplo, é ela não ter acesso ao saneamento básico. Isso afeta muito mais a população negra do que o racismo efetivamente. Bom, aqui foi falado bastante da desigualdade também, mas não foi falado que o movimento negro contemporâneo tem base marxista e que esse movimento antirracista tem inerentemente a ele essa ideia anticapitalista, ou seja, o movimento negro quer atacar o sistema econômico, que tem como condição mitigar a pobreza. Não estou aqui dizendo que todos nós ficaremos ricos ou bilionários porque não ficaremos mesmo. Isso é a vida acontecendo. O que eu estou dizendo é que ele tem a... É engraçadíssimo falar e ver a carinha de riso de alguns. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Fique tranquila... A SRA. GEISIANE FREITAS - Mas o que eu quero dizer é que ele tem a capacidade de mitigar e de promover a ascensão material. E a ascensão material para a população negra é muito importante, como para qualquer pessoa, porque é por meio dessa ascensão que nós conseguimos ter outras, a exemplo da ascensão cultural, da ascensão intelectual, ou seja, o ser humano, se ele não está pensando só no arroz e feijão, se ele não está pensando só que dentro da casa dele vai passar o esgoto, se ele está em condições mínimas de sobrevivência, consegue aspirar a novos horizontes - percebe? -, consegue aspirar a novas coisas. Por isso é que é tão importante essa ascensão material da população - e aí a gente pode fazer isso como um todo. Ainda falando sobre o marxismo, eu acho importante dizer que um dos maiores problemas do nosso país é que a população negra sofre com o que a gente chama de desestrutura familiar, por assim dizer, que são aquelas mães solo. O movimento feminista gosta bastante de mencionar as mães solo. E isso afeta diretamente na população, porque a família precisa da estrutura da mãe e do pai para ter o mínimo de estrutura, de ordem, de harmonia dentro de uma família. E isso vai prover para os rapazes, por exemplo, que eles não entrem no tráfico, que eles de fato estudem, que as meninas tenham um bom exemplo de homem dentro de casa para saberem se valorizar e não serem hipersexualizadas. O que afeta a população negra, portanto, é essa ausência de base familiar. O que, por exemplo, para mim, afeta a população muito mais é um show da Anitta dizendo que é o.k., que é legal meninas com shortinhos supercurtos, extremamente vulgarizadas e hipersexualizadas serem tratadas como a carne mais barata do mercado, que é o que o movimento feminista fomenta, por exemplo. Isso afeta a população negra. Isso, sim, é que tem que ser transformado e mudado dentro da nossa sociedade. E aí, só para finalizar, preciso dizer a respeito da educação, que o ambiente acadêmico não é feito para todo mundo por um motivo muito simples: nada tem a ver com a cor da pele da pessoa, mas sim com a aptidão, com a vocação daquele indivíduo para determinada atividade. Por exemplo, nós aqui temos alguma vocação para a política e estamos aqui falando e debatendo e deliberando. É uma questão de vocação, não uma questão de cor, não tem a ver com cor. |
R | Portanto, se você implantasse uma cota social para todos, seria muito mais efetivo, eu conseguiria abranger inclusive a população negra e outras pessoas e teria um crivo muito melhor de análise do que tribunais raciais que imitam tribunais eugenistas, onde a pessoa quase aparece ali com um negrômetro do seu lado e vai dizer se você é negra o suficiente ou não, uma situação completamente constrangedora, a meu ver, e eugenista. Então, ainda falando de educação, além de o ambiente acadêmico não ser para todos por uma questão de aptidão e não por uma questão de quanto dinheiro tem na sua conta ou de qual é a sua cor, a gente ainda precisa dizer que a gente tem uma defasagem educacional muito grande. Os nossos alunos não sabem... (Soa a campainha.) A SRA. GEISIANE FREITAS - ... fazer conta de matemática, português... A gente tem uma população que sai das faculdades e universidades que não consegue interpretar textos básicos de 60 linhas, aquilo que a gente chama de analfabetismo funcional. Então, nós temos outros gargalos muito maiores, e outras políticas conseguiriam atingir esses problemas com muito mais efetividade do que as cotas raciais. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Essa foi a Sra. Geisiane Freitas, que é bacharel em Ciências Sociais, é pesquisadora das relações raciais brasileiras e de gênero. Ela expressou o seu ponto de vista. Essa é a nossa jovem democracia. Eu sei que nem todos concordaram, mas a vida é assim, não é? Por isso, nós somos democratas, cada um expressa o ponto de vista e vamos em frente. Eu passo a palavra, neste momento, ao Sr. Cleber Santos Vieira, Assessor de Gabinete da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi) do Ministério da Educação (MEC). O SR. CLEBER SANTOS VIEIRA (Para expor.) - Muito boa tarde a todos e a todas. Quero cumprimentar a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, aqui presidida hoje pelo Senador Paim, todos os Senadores, todas as Senadoras, as pessoas que estão presentes, os colegas militantes, as organizações sociais, os colegas de outros ministérios e também o público que está assistindo através da internet. É uma honra muito grande participar desta audiência pública. É muito importante dizer, logo de início e a princípio, que nossa premissa é aquilo que está na Lei 12.711 e o que a Câmara dos Deputados, a Deputada Dandara, a Deputada Maria do Rosário e a Deputada Benedita da Silva cumpriram de maneira muito importante, que é tratar da avaliação e da revisão da Lei de Cotas, conforme previsto, dez anos depois. Então, reafirmando as palavras do Senador Paim, nós não estamos discutindo vigência, estamos discutindo aprimoramento, estamos discutindo aperfeiçoamento, estamos discutindo, portanto, aquilo em que podemos avançar em relação ao principal programa de ações afirmativas que nós temos no Brasil e no ensino superior, que é a Lei de Cotas. Então, com essas palavras, eu inicio dizendo que de fato a Lei 12.711 não interessa apenas às pessoas negras, apenas aos indígenas, apenas às pessoas com deficiência e, certamente, após aprovada no Senado e sancionada pelo Presidente Lula, também à população quilombola. A Lei de Cotas é um projeto estratégico para o desenvolvimento nacional, é um projeto estratégico para se combater o racismo, para se combaterem outras formas de opressão e, com isso, certamente aperfeiçoar nossa democracia, certamente aperfeiçoar a nossa sociedade e certamente controlar essas desigualdades, inserindo aí uma política pública eficiente. |
R | Eu gostaria de que passasse o primeiro eslaide, por favor. Eu não tenho o controle. Eu queria dizer... São dados do Inep que nos dizem de que ponto saímos. Em 2012 - é bom e importante que seja reafirmado aqui o que foi lido pela Deputada Maria do Rosário -, já existiam ações afirmativas nas universidades públicas brasileiras, inclusive nas federais. Portanto, já existia um contingente estudantil nessas universidades. E o importante é que nós chegamos a 2021, através da Lei de Cotas, com 1.080.566 estudantes que ingressaram nas universidades. Isso é muito importante dizer pelo seguinte: quando eu falo que a Lei de Cotas é um projeto estratégico para o desenvolvimento do Brasil, é porque a Lei de Cotas é, antes de tudo, uma lei de cotas sociais. Nós não estamos falando de lei de cotas raciais aqui, a não ser que seja outra lei. A lei que está sendo debatida, a lei que está sendo aprimorada, a lei que está sendo atualizada, a lei que está sendo aperfeiçoada e debatida hoje é a Lei 12.711, que trata de programa de reserva de vagas, cuja premissa primeira, inicial, antes de tudo, é o estudante estar matriculado na escola pública. Essa é a condição. Como subcotas, nós temos então indígenas, temos pessoas com deficiências, temos a população negra, considerando pretos e pardos, e temos também, o Senado aprovando e sendo sancionado, a população quilombola. Então, nós estamos falando de um contingente populacional que tem como condição inicial estar matriculado na escola pública. Isso é importante dizer, porque, como a nossa Profa. Nilma Lino Gomes tem ensinado muito para a gente, uma face importante das transformações recentes da sociedade brasileira, sobretudo do ponto de vista das políticas públicas, são as lições do movimento negro, que ela chama de movimento negro educador. Aí, sim, temos uma discussão importante: à medida que os problemas que atingem a população negra são atendidos, são escutados, são transformados em políticas públicas, não se beneficia apenas a população negra, mas a sociedade como um todo. Então, a Lei de Cotas tem essa faceta importante, que foi exatamente a de apresentar um problema como denúncia e depois como sugestão de política pública e estamos avançando nesse sentido. Então, os números são muitos importantes. Pode passar o próximo eslaide, por favor. O próximo. Nós entramos aí no tema que talvez seja o tema do substitutivo do Senador Plínio Valério, que apresenta a proposição das comissões de heteroidentificação. Certamente nós também estamos aqui dentro de um debate, dentro de um tema que foi tremendamente debatido, intensamente debatido na primeira década dos anos 2000. Foi muito debatido esse assunto, a começar pela questão da UnB. A Lei de Cotas é constitucional, isto é, reservar vagas para pessoas negras... E, na UnB, nós estávamos falando de cotas para pessoas negras, aí, sim, cotas raciais, no debate do início da primeira década dos anos 2000. E, segundo, de que maneira verificar o pertencimento racial dessas pessoas. |
R | Então, nós precisamos lembrar que o que pacificou do ponto de vista jurídico... E certamente os Srs. Senadores e Senadoras da Comissão de Constituição e Justiça conhecem muito bem a matéria. Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 186, no voto do Ministro Ricardo Lewandowski, ele afirmava, com todas as letras: "[...] Tanto a autoidentificação, quanto a heteroidentificação, ou ambos os sistemas de seleção combinados, desde que observem, o tanto quanto possível, os critérios acima explicitados e jamais deixem de respeitar a dignidade pessoal dos candidatos, são, a meu ver, plenamente aceitáveis do ponto de vista constitucional”. Então, nós estamos aqui num processo de aprimoramento, mas temos uma base legal que precisa ser considerada e respeitada, porque nós não estamos iniciando o debate; pelo contrário, nós o estamos aprimorando e estamos caminhando. Pode passar o próximo, por favor. Vamos em frente. No acórdão da ADC 41, que foi sobre a Lei de Cotas no serviço público, o voto do Ministro Barroso também reconheceu a constitucionalidade das cotas e, mais, reconheceu a constitucionalidade das comissões de heteroidentificação. Ele coloca lá: “É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa”. Portanto, nós temos, em duas situações, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, no caso da ADPF 186, reconhecendo a constitucionalidade tanto das cotas como das comissões de heteroidentificação. Por favor, adiante aí. Para aproveitar aqui o meu tempo, nós pensamos: de que maneira isso se desdobra no aprimoramento da política pública, de que maneira as comissões de heteroidentificação chegam às universidades, combinadas à Lei de Cotas, de que maneira isso também está de certa forma pacificado, inclusive no Ministério Público Federal. Lembramos que tão logo o extinto Ministério da Gestão Pública e de Orçamento construiu a normativa das comissões de heteroidentificação para as cotas do serviço público, a Procuradoria se manifestou, através da então Procuradora Deborah Duprat, e ofereceu às instituições de ensino superior, às universidades a possibilidade de se adequarem ao processo. Ela coloca lá: "Considerando a importância das quotas raciais para o acesso aos sistemas de ensino, bem como as conclusões do Supremo Tribunal Federal na ADPF 186 e ADC 41, indago a Vossa Magnificência sobre a existência de comissões de verificação em sua instituição, com o propósito de atestar a veracidade da autodeclaração de pretos e pardos, e, em caso afirmativo, informar as normas que regem a sua constituição, bem como os critérios e modos de decisão". Então, nós temos duas decisões do STF e uma decisão, uma orientação, uma recomendação do MPF para avançar no reconhecimento constitucional e aplicação das comissões de heteroidentificação. Adiante aí, por favor. Essa discussão, lá na primeira década dos anos 2000, foi muito intensa. E de fato o termo pejorativo de tribunal racial, que as comissões seriam na verdade tribunais raciais, foi muito empregado, é bem verdade. Isso foi fartamente colocado. Mas não veio de nós, não, que atuamos na causa. |
R | Eu, antes de ingressar na Secadi, no Ministério da Educação, sou professor da Universidade Federal de São Paulo, sou doutor em Educação, historiador por formação; sou ex-Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as, com muito orgulho, e também ex-Coordenador Nacional do Consórcio de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros, Indígenas e Correlatos, também com muito orgulho. E o Ministro Fux colocava, no seu voto, ainda na ADPF 186, que as comissões de heteroidentificação não se tratavam de tribunal racial coisíssima nenhuma. "A medida é indispensável para que as políticas de ação afirmativa não deixem de atender as finalidades que justificam a sua existência". Então, esse é o caminho. Não se trata de tribunal, mas, sim, de um mecanismo para aperfeiçoar, para implementar, para aplicar a lei da melhor maneira possível. Adiante também, por favor. E, para finalizar, o tanto que esse tema foi debatido na comunidade jurídica... Nós temos que lembrar que o PL 5.384, da Deputada Maria do Rosário e da Deputada Benedita da Silva, tem origem no episódio muito dolorido de nossa história, mais um episódio de racismo e de violência, que foi o assassinato do jovem Beto, no Rio Grande do Sul, que resultou, entre outras coisas, na criação de uma Comissão externa da Câmara dos Deputados, que foi acompanhar a apuração do caso. Dentre outras coisas, essa Comissão propôs a criação de uma outra comissão, que foi a Comissão de Juristas. E essa Comissão de Juristas, presidida pelo Ministro Benedito Gonçalves, do STJ, também recomenda as comissões de heteroidentificação e também reconhece a importância desse mecanismo para coibir as fraudes. Não se trata de tribunal racial, mas, sim, de um mecanismo público jurídico para controlar as fraudes nas universidades públicas. Então, por fim, meu tempo vai encerrando... Passe aí, por favor. Esses são uma tabela e um gráfico elaborados pela Consultoria do Ministério da Educação, junto à Unesco, que elaborou esse trabalho para pensar nas comissões de heteroidentificação, porque o substitutivo do Senador Plínio Valério fala de proibir as comissões de heteroidentificação. Nós precisamos pensar assim: as universidades gozam de autonomia administrativa, gozam de autonomia pedagógica, conforme prevê o texto constitucional. A nossa base aqui não é a Carta Régia de 1750; a base para a nossa discussão é o texto constitucional de 1988. Então, as universidades gozam de sua autonomia. E, gozando de sua autonomia, nós pensamos que, sem ser obrigatório - portanto, não se pode impor -, a evolução das comissões de heteroidentificação têm um histórico. Em 2014, era apenas uma; nós chegamos, em 2023, com 66. Tem um corte muito importante, que vocês podem observar, que é a partir de 2018. É exatamente quando é aprovada a escolta no serviço público, e o Ministério da Gestão e do Orçamento, à época, expede uma portaria determinando de que maneira era para controlar o acesso às vagas no serviço público através de cotas. Então, nós temos uma ampliação muito significativa. Prestem atenção: das 69 universidades federais que nós temos no Brasil hoje, 66%, valendo-se de sua autonomia, adotam critério de verificação. |
R | Na verdade, o que nós queremos dizer é o seguinte: da mesma forma que esse conjunto de agentes públicos do Poder Judiciário se manifestou favoravelmente às cotas, favoravelmente às comissões de heteriodendificação, a comunidade acadêmica, que lá trás também era muito resistente... Não vamos esquecer que tivemos, inclusive, um manifesto de intelectuais contra as cotas, assinado por 111 pessoas, muitos dos quais hoje, felizmente, se convenceram e, arrependidos, defendem hoje as cotas, porque o histórico demonstrou que as cotas, na verdade, mais do que um assunto de interesse da população negra, são de interesse do Brasil, para o desenvolvimento do Brasil. Então, as instituições universitárias também já estão convencidas da necessidade. É bem verdade que há uma profusão de modelos adotados nessas instituições, há modelos de formas adotadas, mas o fato é que o debate foi acumulado, a discussão está feita e, de alguma forma, está institucionalizada. Então, esse caminho é que tem que ser visto a partir da perspectiva do aprimoramento, do aperfeiçoamento, e não o de um retrocesso para colocar uma proibição em algo que já está consolidado nas instituições. E, por fim, para terminar, o último eslaide, por favor. Falando então... Isso foi a partir de uma pesquisa desenvolvida pela Defensoria Pública da União. O Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais, à época conduzido pela atual Secretária Executiva do Ministério dos Direitos Humanos, a Dra. Rita Cristina, junto à ABPN, provocou, então, através da DPU, as instituições universitárias, perguntando quantas foram as pessoas que ingressaram nas universidades e passaram por comissões de heteroidentificação; e, ao mesmo tempo, quantas autodeclarações foram recusadas por essas comissões. Nós temos, então, como ano de referência, 2019. E nessa amostra não estão todas as universidades, apenas as universidades que responderam ao questionamento impugnado pela Defensoria Pública da União. E nós temos que dos 81.659 ingressantes, tivemos 3,7 mil autodeclarações recusadas, o que demonstra o seguinte: que as comissões de heteroidentificação cumprem um papel muito importante, como os demais falaram, no sentido de aprimoramento e, mais, de implementação da política pública... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Fora do microfone.) - Dez minutos. O SR. CLEBER SANTOS VIEIRA - ... da política pública, mais importante do ponto de vista de ação afirmativa no ensino superior brasileiro. Então, eu concluo por aqui. Peço desculpas por exceder um pouco o tempo, certo de que a Lei de Cotas, por tudo o que nós demonstramos aqui e que outros colegas demonstrarão, cumpre o papel de democratização do ensino superior, de diversidade, e por isso merece ter a sua continuidade aprovada no Senado e sancionada pelo Presidente Lula. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse foi o Sr. Cleber Santos Vieira, Assessor do Gabinete da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Ministério da Educação, que expôs aqui o seu ponto de vista. Como dizíamos aqui, o Senador Girão elogiava todos os painelistas aqui para mim: "Olha, parabéns pelo nível do debate". É assim que a gente vai construindo... A frase é outra: assim caminha a humanidade, pensando sempre na democracia e direitos para todos. O Sr. Fernando Holiday, Vereador da Câmara Municipal de São Paulo, estava com problema de horário, mas conseguiu entrar agora. Então, a pedido do Senador Girão, nós vamos de imediato passar a palavra para ele. Por favor, Vereador, Sr. Fernando Holiday, a palavra é sua. |
R | O SR. FERNANDO HOLIDAY (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigado, Presidente. Obrigado a todos que nos acompanham aí presencialmente, no Senado, e também pela TV Senado. Curiosamente, no mesmo dia em que o Senado discute um tema tão importante quanto a Lei de Cotas e, por consequência, o racismo, aqui na Câmara Municipal de São Paulo estamos discutindo a cassação de um Vereador por conta de ofensas raciais proferidas em Plenário. Portanto, é um dia inteiro, no meu caso, dedicado à discussão desse assunto tão importante e, ao mesmo tempo, tão infeliz para o nosso país. Gostaria de deixar aqui a minha contribuição sobre uma visão histórica e política da Lei de Cotas e sobre a maneira adequada - pelo menos, eu considero - de se combater o racismo no nosso país e sobre por que acredito, mesmo sendo negro, que a Lei de Cotas, como está pensada e como é apresentada nesse projeto, é um absoluto equívoco e, pelo contrário, pode acabar aumentando o racismo no nosso país ou pelo menos trazendo consequências drásticas para aqueles que já são vítimas do racismo quase que cotidianamente no nosso país. Bom, acredito que os convidados aqui já trataram disso e tratarão, ao longo do dia, sobre a triste história do nosso país, desde o período da escravidão, e as consequências dessa escravidão na nossa realidade atual. Quer dizer, acredito que todos nós concordamos que há consequências práticas nos dias atuais e que o racismo que nós vivemos é consequência daqueles diversos séculos de escravidão pelos quais nós passamos. Há um erro também histórico, no Brasil, que foi o fato de, após a libertação dos escravizados, nós termos simplesmente abandonado a população negra à própria sorte, sem que houvesse um processo de alfabetização, de profissionalização, sem que houvesse uma preocupação também com a distribuição de terras para essas pessoas. O tempo passou, o racismo se enraizou na nossa sociedade, e hoje nós o vemos se manifestando das mais diferentes formas e estamos aqui, portanto, discutindo formas de tentar corrigi-lo. Mas, ao mesmo tempo em que nós admitimos esse diagnóstico e admitimos esse problema, nós não podemos esquecer uma característica fundamental do nosso país, que é a miscigenação. O Brasil é um dos países, se não o mais miscigenado do planeta. É muito difícil encontrarmos, em qualquer outro lugar do mundo, algum país, alguma nação ou algum povo que se misturou tão intensamente como o país em que nós vivemos. Aliás, esse inclusive é um dos motivos de maior orgulho dos brasileiros: o fato de nós lidarmos bem, apesar dos nossos problemas, com a diversidade: a diversidade regional, a diversidade de idioma, a diversidade religiosa, a diversidade de cores. Essa é uma característica essencialmente brasileira, e nós a absorvemos a partir do momento em que passamos a nos identificar como brasileiros, no século XIX e ao longo do século XX. Diversos historiadores e sociólogos estudaram esse processo de integração, principalmente esse processo de integração após o fim da escravidão. Nós poderíamos aqui citar, por exemplo, Florestan Fernandes, que escreveu a sua tese de doutorado, que depois também se transformou em um livro publicado, que era A Integração do Negro na Sociedade de Classes. Nesse estudo, Florestan Fernandes, que era um sociólogo de esquerda e, inclusive, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, estudou principalmente a integração do negro na sociedade paulistana, isto é, como aquela população negra, que havia deixado a escravidão, que havia acabado de deixar a escravidão, passava a se integrar em uma sociedade agora completamente capitalista e sem a escravidão como sistema econômico oficial do país. |
R | Florestan Fernandes tirou diversas conclusões que evidentemente não teríamos tempo de elucidar aqui, mas, entre estas conclusões, ele chega a uma que é muito interessante, que é como a falta de capacitação profissional e a falta da compreensão das relações trabalhistas também foi essencial para a exclusão do negro do mercado de trabalho, no início do século XX. O que eu quero dizer com isso? Havia o elemento racial, claro. Os ex-donos de escravos ou ex-donos de escravizados, agora patrões, donos de empresas, donos de fazendas etc. tinham um elemento racista que os impedia de contratar pessoas negras. Isto é um fato, ninguém pode negar. Mas havia aqueles que tinham superado de certa forma essas questões raciais e tentaram contratar ex-escravizados, mas encontraram diversos problemas, como, por exemplo, diversas pessoas negras que não entendiam que as ordens de um patrão não eram a mesma coisa que as ordens de um dono; que não entendiam que trabalhariam por um tempo e, depois desse período, receberiam algo pelo seu salário - achavam, por exemplo, que deveriam receber imediatamente, a cada trabalho feito, um pagamento; e não era assim que funcionava na sociedade capitalista, e não é assim que funciona na maioria dos lugares. Ou seja, essas pessoas não foram preparadas para a liberdade, não sabiam o que significava a liberdade. Portanto, a falta de profissionalismo, a falta de preparação profissional foi um elemento crucial na exclusão. Foi um elemento crucial também a falta de alfabetização. A imensa maioria dos ex-escravizados que foram jogados à liberdade não sabiam escrever o próprio nome. Aliás, não sabiam escrever a palavra liberdade, não sabiam o real significado da palavra liberdade. E por que eu trago esse estudo de Florestan Fernandes? - poderia aqui também falar sobre a miscigenação e a obra de Gilberto Freire. Porque o fator social, embora haja sim o peso racial, é importantíssimo para a compreensão da exclusão dos negros no Brasil. Excluindo o fator social, nós faremos aqui uma conclusão absolutamente ignorante sobre a realidade do país e, portanto, uma conclusão absolutamente ignorante sobre as reais soluções que nós precisamos discutir. Conforme as décadas foram passando, ao longo do século XX, essa miscigenação foi aumentando, porque, como os negros não se adaptavam a essa nova realidade e também havia o fator racial, havia também um incentivo para que imigrantes europeus viessem ao Brasil e passassem a ocupar essas vagas. Diversos desses imigrantes vieram em condições absolutamente sub-humanas, sem ter o que comer, em navios absolutamente depredados, não tinham relações familiares, digamos, muito fixas ou muito fortes, vieram aqui em condições realmente deploráveis, mas tiveram melhores elementos que os permitiram progredir na vida. Por que? Porque eram alfabetizados, porque foram preparados profissionalmente, porque tiveram uma educação de qualidade, ou seja, apesar da pobreza, eles tinham as condições necessárias para ascender socialmente e financeiramente, como muitos fizeram. |
R | Aliás, evidentemente, a chegada desses imigrantes europeus aprofundou essa miscigenação do nosso país, a ponto de ser muito difícil hoje, no Brasil, nós encontrarmos uma pessoa negra que diga com certeza absoluta que, em nenhum momento, em toda linhagem de sua família, houve uma pessoa branca. Muito provavelmente, essa pessoa negra terá tido alguém branco na sua linhagem. Da mesma forma o contrário: uma pessoa branca não consegue afirmar com certeza absoluta que em nenhum momento da sua linhagem houve uma pessoa negra ou um indígena ou algum tipo de miscigenação entre povos diferentes, porque esta é uma característica natural do nosso país. Portanto, não há uma ligação direta entre mim e os meus tataravós escravos, por exemplo. Há uma diluição no tempo desse sofrimento, digamos assim, porque houve uma miscigenação muito grande ao longo desse período. E por que isso é importante para a discussão da Lei de Cotas? Porque nós precisamos entender que no Brasil o racismo é um problema que precisa ser combatido, é um problema que precisa ser superado, mas ele não está de forma alguma dissociado do problema social, porque o problema social, a falta de qualidade na educação é o verdadeiro problema que impede um negro de entrar na universidade pública hoje. E eu digo isso com a maior calma possível, porque, veja, não há nenhum tipo de avaliação de entrada na universidade pública na qual o racismo de um avaliador possa impactar na sua avaliação. No Enem, o avaliador não vê a foto de quem ele está avaliando a redação. Aliás, ele sequer sabe o nome da pessoa. Da mesma forma nos maiores vestibulares do país, como a Unicamp ou a Fuvest. Tudo que se sabe é o conteúdo que aquele estudante colocou numa folha de papel, e o conteúdo que ele põe naquela folha de papel está diretamente ligado à qualidade de educação que ele teve, não importa se ele é branco, não importa se ele é negro, não importa se ele é indígena. Se ele aprendeu, ele sabe responder; se ele não aprendeu, ele não sabe responder. Logo, não faz o menor sentido colocar um elemento racial nesse tipo de avaliação. Aí alguém poderá dizer: ora, mas o racismo pode impactar no processo de aprendizagem de uma pessoa negra. É verdade. Eu, por exemplo, sofri racismo na minha escola algumas vezes e estudei em escola pública a vida inteira. Mas também é verdade que eu conheci pessoas brancas, na escola pública, que não tinham o que comer em casa, que só iam para a escola para comer e que, portanto, por conta da fome, não tinham condições de se concentrar na aula, problema esse que eu nunca tive. É possível também que tenham passado pela minha vida escolar meninas ou meninos que eram abusados dentro de casa pelos pais. E, evidentemente, este é um problema que poderia atrapalhar na sua concentração e no seu processo de aprendizagem. Acontece que para todos esses outros problemas que podem impactar na aprendizagem de um aluno não tem uma cota específica. Não há uma cota para a menina ou para o menino abusado; não há uma cota para a menina ou para o menino que passa fome; não há uma cota para o menino ou para a menina que perderam os pais, independentemente da cor da pele, independentemente da sua religião. Quer dizer, o que importa é que esta criança, naquela condição social, consegue aprender ou não. |
R | Portanto, o melhor caminho, ao invés de segmentar os sofrimentos ou de criar cotas para cada um dos sofrimentos que pode impactar a aprendizagem de um aluno, é haver uma cota única que abarque todos aqueles que sofrem com a péssima qualidade do ensino público. Esta cota já existe, é a cota social. Aí vão dizer: "Ora, mas nada impede que nós continuemos com as cotas sociais e também com as cotas raciais, como já é hoje". É claro que importa, porque, no caso da cota social, quando o aluno é visto dentro da universidade, não tem um carimbo na testa dele dizendo "eu sou cotista", porque o sujeito da cota social pode ser indígena, ele pode ser uma pessoa com deficiência, ele pode ser uma pessoa negra, ele pode ser uma pessoa branca. Agora, se a cota é racial, é como se eu tivesse um aviso gigantesco na testa daquele aluno dizendo "sou cotista". E, por mais capaz que ele seja, por mais esforçado que ele seja, por mais competente, por mais inteligente, isso vai impactar, sim, a carreira do sujeito, porque somos um país racista. E isso não quer dizer "se submeter ao racismo", não; pelo contrário, quando nós tiramos o aspecto racial da seleção, estamos dizendo que a cor da pele não é razão para que esta pessoa seja discriminada, colocada para baixo ou colocada como alguém menos inteligente, menos capaz ou menos competente. O que realmente impacta a competência, o aprendizado ou o conhecimento desta pessoa é a qualidade de ensino que ela teve. É por isso, senhoras e senhores, que, já há muito tempo, eu sou contrário às cotas raciais e advogo a ampliação das cotas sociais. E acredito que este, sim, seria um projeto muito digno e muito excelente para o futuro do nosso país: discutirmos o fim das segmentações, talvez com algumas exceções. Acho válida a cota no caso de pessoas com deficiência ou até mesmo a cota para indígenas ou quilombolas, que vivem em uma realidade particular, mas, do ponto de vista geral, acredito que a ampliação das cotas sociais em detrimento do fim das cotas raciais seria muito mais efetiva, muito mais saudável para o nosso país e, ainda assim, traria uma inclusão muito grande para as nossas universidades públicas, porque, como todos nós sabemos, a maioria dos pobres do nosso país são negros. E, se nós passarmos a transformar a ascendência social dessas pessoas com uma condicionante ligada à cor da sua pele, acredito que nós acabaremos piorando esta situação racial do nosso país, aumentando as tensões, como já dizia o economista norte-americano Thomas Sowell, que também é negro, que também se coloca contra esse tipo de sistema. Acredito que nós devemos tomar para nós, como lição, uma frase, um trecho... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Por favor, Vereador, você tem mais um minuto para concluir. O SR. FERNANDO HOLIDAY (Por videoconferência.) - Perfeito. Já ia concluir mesmo, Presidente. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k. O SR. FERNANDO HOLIDAY (Por videoconferência.) - Pegando um trecho, então, do discurso de Martin Luther King, em que ele diz lá, no I Have a Dream, o seguinte: "Sonho com o dia em que os filhos de ex-escravos e os filhos de ex-donos de escravos se sentarão juntos na mesa da fraternidade", ou seja, o dia em que todos nós sentaremos à mesa, deixando de lado as nossas aparências e olhando para o que realmente temos por dentro. Muito obrigado. |
R | O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse foi o Vereador Fernando Holiday, Vereador da Câmara Municipal de São Paulo, que expressou aqui o seu ponto de vista. Agora, vamos de imediato ao Sr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, Diretor de Políticas e Programas de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC). O SR. ALEXANDRE BRASIL CARVALHO DA FONSECA (Para expor.) - Boa tarde a todos e todas. Boa tarde, Senador Paim. É um prazer enorme estar ao seu lado e ao lado dos colegas da mesa e outros que falarão depois, conversando sobre esse PL tão importante. Preparei aqui alguns comentários. Eu sou Professor universitário - sou Professor titular na UFRJ - e estou, desde março, colaborando, dentro do MEC, na Diretoria de Programas e Políticas de Educação Superior. Então, basicamente, a minha área é responsável pelo acesso e permanência de estudantes de educação superior, pelos sistemas de acesso, o Sisu, o Fies e o Prouni, e é um pouco a partir desse lugar que eu vou comentar alguns pontos que me parecem relevantes. Próximo, por favor. O primeiro elemento que eu queria salientar com todos os presentes é o investimento que o Governo brasileiro, já há algum tempo, tem feito na ampliação do acesso ao ensino superior. Então, há ali, no primeiro gráfico, o aumento de oferta privada e pública. Hoje, o ensino superior brasileiro se configura com um terço presencial público, um terço presencial privado e um terço de educação à distância. Próximo, por favor. A partir de 2002, 2003, você tem um investimento muito forte no aumento do ensino público gratuito e de qualidade, o que caracteriza as universidades e institutos federais, universidades estaduais, municipais e federais e os institutos federais no Brasil. Isso é algo em que o Governo investiu muito fortemente a partir do início desse século. Próximo, por favor. Aí é o mapa de universidades federais da SESu, que é a secretaria de onde eu venho. Então, a cobertura do território nacional em relação a universidades públicas tem um avanço absurdo nesses últimos 20 anos. Próximo. E o que acontece de preocupante - em que, hoje, nós, na SESu, estamos debruçados de uma forma muito intensa - é que o crescimento que vinha em uma velocidade teve uma redução a partir de 2016, no contexto do impeachment, da mudança na direção do Governo Federal, mas nós temos esperança de que isso se retome a partir da atual gestão, que tem a educação como uma prioridade. Próximo, por favor. E por que investir tanto no aumento do acesso ao ensino superior? Se a gente compara os dados do Brasil em relação aos de países mais ricos e desenvolvidos do mundo, a nossa realidade da presença de jovens na universidade ainda é muito baixa, ainda é muito aquém do que precisamos para sermos aquele país que nós somos e que desejamos ser. Próximo, por favor. E um dado - e aí eu concordo com a Sra. Geisiane quando fala que o problema é a pobreza -, um dado básico que nós temos é que, no Brasil, ao contrário de todos os países ricos do mundo, o fato de alguém ter curso superior representa um ganho de renda muito significativo. Quatro vezes mais ganha uma pessoa no Brasil, em média, se ela tem um curso superior, do que quando ela não tem. E eu me lembro, década de 90, eu era estudante de ciências sociais lá no Rio de Janeiro, de um documento do Banco Mundial e do BID, recomendando a privatização do ensino público superior e dizendo que as pessoas não precisavam estudar em universidade na América Latina. E o documento dizia "com exceção do Brasil" - isso em 90 -, porque, no Brasil, ter nível superior faz diferença. Então, pode ser em qualquer profissão, se a pessoa tem nível superior, ela tem uma renda maior no Brasil. Então, é fundamental nós ampliarmos a presença na educação superior dos nossos jovens e da população brasileira. |
R | Próximo. Diante desse quadro, o MEC, na época, no início desse século, criou um ecossistema de acesso à educação superior, que envolveu Sisu, Fies e Prouni. São três sistemas que, nesses últimos 20 anos, levaram 9 milhões de jovens e adultos às universidades brasileiras, públicas e privadas, ao sistema federal de ensino. E esse sistema hoje, quando a gente entra, quando o Partido dos Trabalhadores retorna ao Governo Federal... A nossa preocupação hoje envolve... Primeiro, a gente precisa ampliar a oferta de cursos de ampla procura, de grande procura. Tem cursos que têm uma disputa enorme de candidatos. A gente precisa aumentar essas vagas. Segundo, a gente precisa ter uma discussão da relação com as universidades e reavaliar cursos que estão muito ociosos, isso tanto na esfera privada como na pública. A gente tem que repensar o que tem sido oferecido para os nossos estudantes. Terceiro, nós precisamos, fundamentalmente, fortalecer e ampliar a permanência estudantil; investir mais recursos; aumentar a presença e o apoio de estudantes para que eles possam estudar, se alimentar, ter transporte, ter moradia - dar uma situação de presença. Dentro dos processos de seleção que o MEC promove, uma preocupação nossa hoje é melhorar a experiência dos estudantes em aplicar para entrar na universidade. E um elemento que hoje me parece muito importante é o que representa hoje no Brasil estar numa universidade, o quanto, infelizmente, nos últimos anos, isso foi visto como algo ruim, como algo errado, como algo prejudicial, perigoso. Mas, não; no mundo inteiro, é fundamental nós termos um contingente de pessoas que passam pela universidade, que têm um processo de formação, como prevê nossa Constituição, para que sejam cidadãos e cidadãs que contribuam para o desenvolvimento social e econômico do nosso país. E a universidade tem um papel central no território e na ampliação da população. Próximo, por favor. Aí, já é esse. Então, quando a gente discute hoje, nesta audiência pública, nesse contexto, nessa introdução que eu quis trazer para os senhores e senhoras, fundamentalmente, primeiro, como o Vereador Fernando Holiday coloca, o que nós temos hoje são cotas sociais. Você tem cotas para escola pública. Esse é o corte que a gente tem. Hoje, no ensino médio, 70%, 80% dos estudantes brasileiros se formam em escolas públicas. Quando a gente vai para a universidade, isso se inverte: 30%, 40% dos estudantes de escolas públicas estão no ensino superior. Por quê? Porque o ensino superior é de qualidade, é extremamente concorrido, e há o interesse de que todos nossos filhos e netos estudem em escolas públicas, federais especialmente. Diante desse quadro de qualidade e de necessidade de acesso, o que as cotas trazem de novidade, a partir de 2013, quando regulamentadas em nível federal, é uma equalização e um ajuste, digamos assim, da entrada na universidade pública, porque havia, anteriormente, algo muito desigual. Então, pegando os últimos quatro anos no Sisu, a gente vai ver que a variação em entrada de cota e não cota - e somente o pessoal da Lei de Cotas, porque também tem a ação afirmativa, que as universidades oferecem cerca de 10% das vagas por instrumentos próprios -, a gente vai ter que varia de 47% a 54% a presença de estudantes cotistas ingressando no ensino superior. Como o número que o Prof. Cleber trouxe, você tem um ingresso de estudantes de escola pública, associado a outros elementos, que é muito significativo e importante e que tem dado um tom diferente à universidade pública brasileira. Próximo. |
R | Um elemento que se questiona muitas vezes é a questão da diferença de notas ou a pseudodificuldade ou não capacidade do estudante cotista. Então, ali eu peguei de cursos de alta procura, o extrato superior ali da base de dados do Sisu, as notas de corte para ingresso nas universidades públicas. Então, em geral, pegando setecentos e poucos cursos que nos últimos dez anos foram oferecidos pelas universidades, a diferença entre a nota de corte de cotistas para não cotistas, para ampla concorrência, foi de 26% em média. Se eu pego um dos dez cursos mais concorridos - aí tem exatamente os dez que têm maior competição -, vai variar aí de 5% a 12% a diferença de nota. E o que a gente tem que ter em consideração em relação à cota é que a cota é mérito, as pessoas concorrem entre si num grupo que é diferente, que corre em ruas diferentes; mas é uma concorrência extremamente difícil, complicada. Estudar Medicina por cota ou não cota é extremamente complicado no Brasil, é difícil, há muita concorrência. E não há possibilidade de a gente pensar que haja perda de qualidade ou incompetência desses candidatos, porque eles têm uma nota muito próxima daqueles que entram por ampla concorrência. O que acontece é que são muitos candidatos, há muita concorrência, e a entrada se dá por pequenas diferenças. E, com isso, nós temos aí um desempenho muito similar de alunos cotistas e não cotistas. E estudos vários demonstram que o desempenho acadêmico é bastante próximo, e a dedicação de alunos cotistas até, às vezes, é identificada como maior. Próximo. E aí - os outros dados anteriores são da SESu -, esse dado é de uma tese de doutorado de uma orientanda minha na Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Luciana Lessa, que está estudando a trajetória dos estudantes egressos do Pibic nas Ações Afirmativas, que é um programa do CNPq voltado para alunos cotistas. E a gente analisou os dados dos alunos que são egressos, entre 2009 e 2011, das universidades públicas e bolsistas do CNPq que tiveram bolsas do Pibic-Af e os que não tiveram... (Soa a campainha.) O SR. ALEXANDRE BRASIL CARVALHO DA FONSECA - ... que são do Pibic normal, digamos assim, e como eles estão hoje em relação à pós-graduação. O que ela encontrou, analisando cerca de 67 mil pessoas? Fizeram mestrado ou doutorado, em 2021, 28% de alunos que não são Pibic-Af e 23% entre alunos cotistas. Tiveram bolsa de mestrado durante esse período - o percentual é muito próximo -, acho que 21% de Pibic e 19% Pibic-Af. Então, a continuidade da vida acadêmica entre alunos cotistas e não cotistas é muito semelhante, é muito similar. O tempo de ir para o mestrado do aluno cotista foi um ano e meio, do aluno Pibic foi um ano e dez meses. Então, a ideia é um pouco de uma proximidade grande. E aí eu concluo nesses meus últimos cinco minutos, Senador Paim. Eu confesso que, lendo a sua justificativa para esse requerimento, eu me inspirei, porque eu sou sociólogo, adoro dados, falo dados o tempo todo, mas não vou falar dados hoje. E aí o Senador Paim, no requerimento, começa a justificativa afirmando "creio com minha fé e esperança". E aí eu queria compartilhar essa frase e dizer que muito o admiro, Senador Paim, pela sua trajetória, pela sua militância, pela sua luta, e agradecer pela sua vida e seu trabalho aqui neste Senado, que tanto engradece a população negra brasileira. E eu queria, nesses quatro minutos que me faltam, falar sobre a minha experiência como Professor universitário e a questão das cotas - o que eu vivi, o que eu convivi. Eu sou Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro desde 2004, eu atuo num programa de pós-graduação de excelência, nota 7 na Capes, na área de educação, e fui antes Professor na Universidade Estadual de Londrina. Então, tenho essa cara de garoto, mas estou com 51 anos e sou Professor há 30 anos quase. |
E, quando eu entro em Londrina, toda a discussão que existia na universidade era exatamente sobre política de cotas - isso no final da década de 90. E Londrina tem uma experiência muito interessante, que foi a experiência de cotas para indígenas. E eu dava aula no curso de Medicina - sou sociólogo, mas trabalho com sociologia da saúde, educação e saúde. E era impressionante, em Londrina, ver os grupos indígenas caingangues, os alunos - três, quatro, no início, porque entravam quatro ou cinco de cem alunos - estudando juntos na biblioteca, buscando encontrar espaço dentro da universidade tão arredia em relação àquela presença. E como aquilo, para mim, foi muito significativo: vê-los ali na universidade e depois vê-los se formando na universidade. Então, isso, para mim, foi muito marcante. Depois eu vou para a Universidade Federal do Rio de Janeiro, outro mundo, uma universidade imensa, centenária. E eu trabalho em um centro de excelência da universidade, que existe desde 1972, o Instituto Lutz, que desenvolve pesquisas na área de tecnologia, desenvolve programas de educação à distância, cinema, uma área muito interessante da UFRJ. E ali, naquele programa, eu tive o privilégio de ter contato com essas duas alunas, que foram as minhas orientandas de doutorado. Então, eu trabalho num programa da UFRJ, que é em um instituto que é só de pós-graduação, e dou aula de disciplinas obrigatórias para Medicina da UFRJ. Quando eu me tornei Professor da UFRJ, em 2004, em sala de aula, eu era o único negro dentro daquela sala de aula com 50, 60 alunos - o único negro e o mais novo na sala de aula também, na época. Quando eu volto, em 2018 - eu fiquei em Brasília, na época do mandato da Presidente Dilma -, quando eu volto, em 2017, para a sala de aula, para dar aula para Medicina, tinha dez alunos negros, oito, e de vários lugares do Brasil. Então, a mobilidade que o Sisu promoveu, a possibilidade de colorir um pouco mais aquela universidade foi algo, para mim, muito significativo. E, quando eu olho duas trajetórias em dois minutos, um minuto para cada uma, eu pego duas professoras hoje universitárias no Brasil. A Profa. Rute Costa, da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, é formada em Nutrição na primeira turma de cotas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com mestrado feito na Universidade Estadual do Rio de Janeiro e doutorado feito sob minha orientação no NUT da UFRJ. A Profa. Rute, primeira da família que faz curso superior, tem um trabalho de liderança na análise de segurança alimentar e nutricional, na questão da alimentação na escola, na questão dos quilombolas, no papel da alimentação e da cultura para o ensino, para a saúde pública, e tem todo um trabalho de liderança e de destaque. Ali, as fotos dela, embaixo, falando no II Congresso Internacional de Alimentação Escolar, que o FNDE organizou. Toda a experiência que ela tem... (Soa a campainha.) O SR. ALEXANDRE BRASIL CARVALHO DA FONSECA - ... e a preocupação dela e a intervenção dela em conseguir que uma escola num quilombo no Rio de Janeiro, na Região Norte do Estado do Rio, se tornasse uma escola quilombola, a partir da intervenção do trabalho dela de pesquisa e de um grupo grande de pesquisadoras que ela coordena e lidera. E hoje ela é Professora do mesmo programa que eu sou Professor, que é esse programa de educação e saúde. A outra pessoa que eu gostaria de compartilhar com vocês, com quem eu tive o privilégio de conviver na minha vida, é a Profa. Tamiris Rizzo, Professora da Universidade Federal de São Paulo, formada na Universidade Federal de São Paulo, também, na família, fazendo, a partir das cotas, a sua graduação, o seu mestrado. Ela fez doutorado com a gente no NUT. Ganhou prêmio de menção honrosa de melhor tese, um trabalho belíssimo, sobre a presença de coletivos negros dentro da universidade e o papel que esses coletivos fazem no processo educativo da universidade, a contribuição que eles fazem. E hoje a Profa. Tamiris é Professora da Universidade Federal de São Paulo também. | |
Então, Senador, além de 500 dados estatísticos da importância e da relevância da Lei de Cotas, eu diria que só por essas duas pessoas com que eu tive contato direto... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você tem um minuto para concluir. O SR. ALEXANDRE BRASIL CARVALHO DA FONSECA - ... eu considero que nós precisamos avançar. E agradeço a celeridade que o senhor tem dado. Como o senhor comentou no final, nós do MEC e da SESu estamos preocupados com o tempo, porque a gente quer ver isso acontecendo já a partir de 2024, mas, fundamentalmente, a relevância, a contribuição que a Lei de Cotas trouxe para a sociedade brasileira é um avanço inegável que a sociedade brasileira conseguiu e que nós precisamos fazer avançar e aprofundar. Obrigado, Senador. Boa tarde. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Sr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, Diretor de Políticas e Programas de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC). Meus cumprimentos. Eu queria fazer algum comentário no final, mas eu vou dizer uma frase só - não vou fazer comentário, vou dizer uma frase sua, que mexe com o coração. Pode saber que, se você mexeu comigo, mexeu com todo mundo. Quando você disse que, quando se formou, era o único aluno negro, eu me lembrei do meu filho no Rio Grande do Sul, da formatura dele em Direito. Era o único aluno negro. Mas, quando você diz que você volta depois de um tempo como Professor e vê, devido às cotas, alunos negros e índios na universidade, isso quebra comigo. (Manifestação de emoção.) (Palmas.) Essa frase é mais bonita do que muitos imaginam. Mas vamos em frente. Eu passo a palavra agora, seguindo aqui, tentando fazer um de cada lado, ao Sr. Eli Vieira, Biólogo e Mestre em Biologia Molecular pela UFRGS e Mestre em Genética pela Universidade de Cambridge, Reino Unido, por videoconferência. O SR. ELI VIEIRA (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde a todos. É um prazer estar aqui. É realmente uma honra que a CCJ acredite que a minha opinião nesse assunto seja digna de ser ouvida pelos outros cidadãos, especialmente em uma Casa que é criada pelo voto popular. A nossa Constituição diz que o poder é humana do povo, então acredito que isso faz, de certa forma, um poder mais legítimo, quando é formado pelo voto. E, por falar em poderes não formados dessa forma e para explicar por que razão eu estou aqui - o único biólogo -, eu não estou aqui, por exemplo, para falar de genoma ou questionar a identidade racial de alguém em função do genoma. Eu acredito que a ideia da autoidentificação é uma boa ideia, só que ela está gerando problemas, porque as cotas presumem que a gente saiba distinguir o que é o grupo favorecido do que não é favorecido. E aí, quando me vem um termo como Comissão de Heteroidentificação da autoidentificação, isso me remete direto ao George Orwell, com aqueles nomes irônicos do livro dele em 1984, "ministério da verdade", que era dedicado a mentir para a população, "ministério do amor", que era dedicado a torturar - torturou o personagem principal no livro. Então, para mim, Comissão de Heteroidentificação da autoidentificação parece uma contradição em termos. | |
Então, para mim, comissão de heteroidentificação, de autoidentificação parece uma contradição em termos, e é uma contradição em termos que revela que há algo errado na posição que está em vigor no Brasil. Reconheço que sou minoria aqui, de opinião, e, como se trata de tema de minoria, acho que é especialmente proveitoso que o lado que é a maioria de opinião está virando. Como citaram, já metade da população concorda, mas, nesse debate, a minha impressão é de que a maioria é do lado contrário ao meu. Então, nesse espírito de ouvir minorias, vamos ouvir pessoas como eu, Geisiane e Fernando Holiday. Eu acho muito bom para a nossa democracia que a gente ouça um ao outro. E, nesse ouvir um ao outro... Nós estamos numa era de extrema polarização, e a gente tem que entender por que a gente se polariza em posições políticas diferentes. Há teorias para explicar por que isso acontece. Há pessoas como a Geisiane que mudam de lado. Ela repensou as crenças delas políticas e mudou de lado: ela se disse antifeminista, por exemplo. E há uma simetria de entendimento aí. Qual lado entende mais que o outro? Presumem que são dois só. Eu não acho que são dois só, mas convencionou-se falar em apenas dois lados - esquerda e direita -, às vezes, dando outros nomes como progressistas e conservadores. E há a pesquisa empírica do psicólogo social Jonathan Haidt mostrando que os progressistas têm mais dificuldade de entender como pensam os conservadores do que o contrário. Os conservadores entendem melhor como pensam os progressistas. Então, esse é um convite, na verdade, de despolarização, para que a gente reveja os nossos próprios vieses, especialmente quando nós estamos integrando maioria de opinião. Será que há algum argumento que eu ainda não ouvi? É possível. Então, eu discordo bastante. Eu não lembro na fala de quem apareceu: "O debate já foi feito, já passou". Não é bem assim. Se fosse assim, as pessoas parariam de discordar a respeito de política, e não parece nem um pouco perto disso. Enfim, por que eu estou aqui? Eu sou biólogo e jornalista. Uma das coisas que eu fiz, digamos, na vida pública, pensando no meu país, como melhorá-lo, eu fui presidente de uma associação humanista, a Liga Humanista, e nós mandamos um representante, como amicus curiae, ao STF, para falar, por exemplo, em nome do princípio da laicidade: que o Estado deve ser neutro diante das crenças religiosas da população. Em 2017, o STF entendeu que não viola o princípio da laicidade que as escolas públicas no Brasil tenham um ensino religioso confessional, que é aquele que não é só tratar da diversidade das crenças religiosas, sua história, sua sociologia, mas aquele que pode ensinar à criança: "Olha, essa é a verdade religiosa". Inclusive, pessoas com crenças diferentes das minhas a respeito de religião concordam comigo que não foi uma boa decisão do STF essa. E, analogamente, eu acredito que a decisão do STF de considerar as cotas constitucionais também está equivocada, pelo princípio da violação de outro princípio, que não é a laicidade, é o tratamento igual perante à lei, que foi citado aqui, como cláusula pétrea, corretamente, pela Maria do Rosário. Ela disse que todos são iguais perante a lei. Só que eu acho que o entendimento que a Maria do Rosário tem de igual não é o meu e não é de pessoas que não são progressistas ou de esquerda, mas o de que há igualdade perante à lei, igualdade de tratamento. Então, para uma pessoa que não é progressista e olha para as cotas, isso imediatamente parece injusto para elas, porque parece que se tem uma balança, e o Estado está botando o dedo para pesar mais para um lado do que para o outro. É como pensam pessoas que não compartilham daquelas fundações morais, como o Jonathan Haidt coloca, que são priorizadas pela esquerda, pelo progressismo. | |
Então, eu acredito que um ponto de partida importante nesse debate é que a gente se despolarize pelo pensamento para tentar compreender como pensa o outro lado. Como eu disse, há um resultado empírico de que um lado tem mais dificuldade que o outro. Então, é necessário que um dos lados faça mais esforço. Não é implicância minha, é o resultado da pesquisa: um lado tem que fazer mais esforço para entender o outro. E, nesse sentido, eu ouvi aqui os colegas falarem antes, por exemplo, o Clédisson e a Geisiane, mesmo em lados diferentes, ambos com paixão pelo tema, o que eu gostei de ver. E o Clédisson disse que ele tem muita confiança no povo brasileiro de que a lei será continuada, a cota será continuada. Eu acho que, na verdade, confiar no povo brasileiro é pensar que nós conseguimos combater o racismo, que é um problema real no nosso Brasil, sem a necessidade de recorrer ao Estado para botar o dedo nessa balança. E por que eu confio no povo brasileiro? Tem pesquisa empírica sobre isso também. Uma divisão do King's College, de Londres, ouviu pessoas por todo o mundo, e os brasileiros, junto com os suecos, eram os menos racistas explícitos. O que eles perguntaram? Se a pessoa gostaria ou não gostaria de ter um vizinho de uma raça diferente da própria. Somente 1% dos brasileiros disse que não gostariam de ter um vizinho de uma raça diferente. Entre os americanos, é o triplo: são 3% que pensam assim. E isso é relevante. Falar dos Estados Unidos é relevante, porque ação afirmativa, por exemplo, é tido como o tema em que as cotas estão contidas, certo? E houve também uma decisão recente lá em que o critério racial foi derrubado como critério de entrada nas universidades. Ação afirmativa é um termo que surgiu numa medida provisória, uma ordem executiva do Presidente assassinado John F. Kennedy. Só que o sentido original era de igualdade de oportunidade. Então, já houve aí o que se chama na psicologia de deriva conceitual. Então, foi um termo que criado para enfatizar igualdade de condições de competição, que inclui nela o afastamento da discriminação injusta e racista. O termo mudou de sentido tanto que agora persegue-se a igualdade de resultados. Resultados, por exemplo, como olhar para um grupo, como os universitários, e achar que, se ele não é uma amostra representativa da população no quesito raça, isso só pode ser resultado de injustiça. É provável que injustiça seja uma das razões, mas não é a única. E a gente tem que estudar empiricamente a importância da causa injusta, entre as várias causas, como os fenômenos sociais são complexos e multicausais. Então, é necessário compreender isso. Por esse dado empírico de que somente 1% dos brasileiros é racista explícito, isso põe em questão o que quer dizer, como a Geisiane chamou a atenção para isso, o racismo estrutural. Uma das coisas que eu fiz, inclusive junto à Liga Humanista, foi checar a estatística anual de ONGs, especialmente no Grupo Gay da Bahia, sobre a homofobia estrutural. Então, quantas pessoas são assassinadas no Brasil por serem LGBT? Basicamente, esse é o tema. Nós fizemos uma checagem das estatísticas de 2016 e somente conseguimos confirmar motivação homofóbica em 9% daqueles casos. Havia afogamentos, acidentes, até mortes fora do Brasil - a estatística é referente ao Brasil. Então, havia um problema de rigor naqueles dados. E aí, quando eu mostrei resultados preliminares, o que eu ouvi de líderes dessas ONGs foi: nós colocamos esses casos problemáticos porque a homofobia é estrutural. Logo, se a pessoa morreu e ela é LGBT, a gente já presume que a causa foi a homofobia. Interessante. | |
Pesquisando documentos do Ministério dos Direitos Humanos, não lembro agora se foi no Governo Lula 2 ou Dilma 1, eu vi que a mesma organização, ao definir o que é homofobia estrutural, apelava para esses dados; ou seja, é circular, a definição é circular. A homofobia é estrutural, porque esses dados mostram. E incluímos esses dados lá porque é homofobia estrutural. Então, eu acho que é um problema epistemológico, de conhecimento, de o que se quer dizer quando se diz que certo preconceito, certa intolerância é estrutural em um país. Para mim, soa como até uma possível - e provavelmente não é a intenção - difamação coletiva do país inteiro. E isso tem consequências. Por exemplo, quando o Brasil foi sede das Olimpíadas, essas estatísticas eram usadas para colocar até medo nos atletas que fossem LGBT. Então, eu questiono até que ponto foi demonstrado que o racismo é um problema tão grave no Brasil que nós precisamos de um tratamento excepcional para as pessoas negras, assim como para mim está bem claro que nós precisamos de tratamento excepcional para as pessoas que nós chamamos de excepcionais, ao menos as APAEs, que fazem um belo trabalho Brasil afora - Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais. Então, os excepcionais, os deficientes precisam de tratamento excepcional. Agora, será que todo grupo no Brasil que realmente sofre preconceito e intolerância, como o meu - eu sou homossexual -, será que a única forma de melhorar a vida e elevar a igualdade é pela intervenção estatal? Para mim, parece que não. Então, é necessário pensar se toda solução neste país precisa ser estatal. Eu corrigi redações para o Enem, para simulado de Enem. Quase todo aluno dizia exatamente a mesma coisa na parte da intervenção, que é uma parte da redação: precisamos de mais políticas públicas, precisamos de mais políticas públicas. Em uma vez, eu estava vendo na TV um doutor em sociologia da UnB, e o assunto eram pichações na Asa Sul, em Brasília, que enfeiavam o bairro. E aí houve uma parceria bela entre grafiteiros, que faziam belas artes, belos grafites, e os empresários, que estavam tendo seus muros pintados. Onde o Estado era necessário nessa interação, nessa bela interação? Não era necessário. Então, eu acredito que o nosso país sofre de uma estatolatria, uma mania de usar o Estado para resolver problemas. Fazendo uma analogia, por que a União Soviética caiu? Entre outras razões geopolíticas, um dos principais erros ali era que o planejamento central da economia ia enriquecer as pessoas. Não funcionou, não funcionou. Eu acredito que as cotas são um tipo de planejamento central da harmonia racial, planejamento central da harmonia racial. Então, eu acredito que há outras soluções. Foram apresentadas algumas estatísticas, por exemplo: as cotas aumentaram o número de minorias raciais, minorias de etnicidade nas universidades. Isso também me soa circular, por quê? Elas estão criando um incentivo para as pessoas estarem ali, e elas vão estar ali. Qualquer grupo humano responderia a um incentivo desse tipo exatamente assim. É tratado como um sucesso uma coisa que está na premissa. Então, para mim, parece circular esse argumento de usar o aumento... Eu não vejo problema no aumento de pessoas representando essas minorias nas universidades, mas ele não deve servir como prova de sucesso. Esse é o meu argumento. | |
Outro: eu não vou discutir os estudos sobre se os cotistas se saem pior do que os não cotistas. Eu acho que, procurando, a literatura é complexa, e eu não acho que um lado desse debate ganhou na literatura também não. E uma coisa... (Soa a campainha.) O SR. ELI VIEIRA (Por videoconferência.) - ... que acontece muito nos debates políticos é que podemos sempre recorrer a anedotas contra estatísticas de que não gostamos. Bem, eu acho que há anedotas para o outro lado também. Enfim, deixe-me ver se eu falei tudo o que eu planejei. Ah! Finalmente, a Constituição também prevê - já que eu estou aqui para defender um princípio constitucional na minha visão, que é o princípio da igualdade perante a lei - qual é o papel da universidade. Ela diz que é um tripé: pesquisa, ensino e extensão; não é um quadripé: pesquisa, ensino, extensão e justiça social. E por que não é um quadripé? Eu acho que os Constituintes tinham em mente que... (Pausa.) Eu já estou terminando, Presidente. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu vou esperar mais um minuto. Vou dar mais um minuto para concluir. O SR. ELI VIEIRA - Obrigado, obrigado. Eu acredito que os Constituintes tinham em mente que, assim como o Estado deveria ser neutro em relação a crenças religiosas, ele também deveria ser neutro em relação a crenças políticas, que estão no campo doxástico, ou seja, de opinião, opinião política. Eu acredito que a lei de cotas em si parte de um desses lados que eu falei no começo, o progressista, ganhando do outro lado, e não é pelo voto; geralmente não é pelo voto, é pela decisão do STF. Como eu disse no começo, eu respeito muito esta Casa, o Senado, porque ela foi criada pelo voto, quem está aí está pelo voto. Então, acho muito perigoso até que qualquer lado da política, não interessa qual, se eu estou do lado dele ou não, use o que me parecem artifícios. Para mim, parece uma espécie de tráfico de influência por vias judiciais, para ganhar um debate que é milenar, vai estar aí para sempre, que é o que é justiça, como a sociedade deve ser conduzida... E, nas partes que mais fervem nesse debate, o Estado deveria ser neutro. É isso, Presidente. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem! Meus cumprimentos ao Sr. Eli Vieira, biólogo e mestre em Biologia, Biologia Molecular pela UFRGS e mestre em Genética pela Universidade de Cambridge, Reino Unido. Neste momento, eu pediria aos meus três convidados mais próximos, que já falaram, que eles voltassem ao Plenário para eu convidar três pessoas... O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Sr. Presidente, rapidamente... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Já vou lhe passar a palavra. Enquanto trocamos a mesa, em seguida você pode já... O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Eu queria fazer pergunta para eles, mas não sei como é a dinâmica. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas poderá fazer aí mesmo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu só quero dar uma chance para quem não esteve na mesa ainda. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Certo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mas você poderá fazer as perguntas tranquilamente. Eu peço que bote a plaquinha deles na mesa. Ela não falou, fica; e os três que não estiveram na mesa eu vou convidar agora. (Pausa.) O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Fora do microfone.) - A próxima vai ser a Helderli? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, porque eu estou trocando um a favor e um contra. Estou preservando-a. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Fora do microfone.) - Está com tempo de voo, ou não? Está tranquilo? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Só se ela quiser, porque agora eu vou botar um que tem a posição contrária. Aqui, o que me antecedeu... O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Fora do microfone.) - Já perguntaram por ela e se ela já tinha falado... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, é ela que sabe. Ela vai ficar aqui agora. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES (Fora do microfone.) - Eu tenho um voo... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Isso! O certo seria depois do outro, porque daí ela fala... Senão, ficam dois a favor e um contra. Eu quis evitar isso aqui ou pelo menos tentei. | |
O certo seria depois do outro. Daí ela fala, se não fica doido, por favor... eu quis evitar isso aqui. Pelo menos tentei, não é? Então, pelo meu calendário aqui, agora seria o representante dos povos indígenas. Então, já está na mesa o Sr. Eliel Benites, Diretor do Departamento de Línguas e Memória do Ministério dos Povos Indígenas. Já está na mesa a representante da Nação Mestiça e já está na mesa a Sra. Márcia Regina de Lima Silva. A Sra. Márcia Regina de Lima Silva é Secretária de Políticas Afirmativas e Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial. Então, neste momento, eu passo a palavra ao representante do Ministério dos Povos Indígenas, o Sr. Eliel Benites, Diretor do Departamento de Línguas e Memórias do Ministério dos Povos Indígenas. Em seguida, fala a senhora. O SR. ELIEL BENITES (Para expor.) - Boa tarde a todos, a todas e a "todes". Como foi apresentado, sou Professor indígena Eliel Benites, do Departamento de Línguas e Memórias do MPI e, na condição, primeiramente, de professor, eu vim de uma universidade também, como os demais colegas que estavam aqui falando, e também como indígena da etnia guarani-caiuá, que passou também por esse processo todo que foi colocado aqui em relação à pauta. Na mente, me vem uma ideia, quando se debate, em relação às cotas, ao papel da universidade, à própria educação, em relação à justiça histórica, não é? Porque considerar a presença indígena no Brasil... Ela foi considerada, no primeiro momento da história, até hoje, como um sujeito menor, um sujeito considerado tutelado, que deve ser exterminado, não é? São povos que merecem ser considerados como silvícolas, não é? Então, com essa visão, todo o papel da educação, da universidade, foi projetado em relação aos povos indígenas, não é? E eu quero, com essas ideias, apontar a própria violência justificada em relação aos povos indígenas, historicamente. E, nesse processo de violência, ela foi claramente vivenciada hoje pela reivindicação dos povos indígenas dos seus direitos aos territórios, à demarcação dos territórios, à proteção dos territórios e à sua dignidade. Então, primeiramente, nós, indígenas, povos indígenas no Brasil, hoje estamos, com a Ministra Sonia Guajajara, conduzindo uma política nacional em relação à promoção do direito, à promoção de uma política pública que se alinha com as ideias sobre ancestralidade. Depois eu vou falar um pouco o que isso significa, não é? E, antes disso, parabenizar esse momento. Eu fico bastante emocionado aqui, neste momento, por estar presente, pela primeira vez, falando no Senado, não é? Obrigado pela oportunidade, Senador Paulo Paim e as demais autoridades presentes, todo o pessoal que está assistindo, e por estar aqui falando como indígena, diretor, professor, tudo isso devido às cotas. Estou aqui por isso. | |
Eu me emocionei bastante com a fala do colega que anteriormente estava falando. Eu me lembro de quando estudava, não é? Cada indígena que estuda na universidade tem uma história muito forte, muito triste, muito forte de superação, graças às políticas públicas, não é? Por isso é fundamental considerar, porque a própria história coloca os indígenas como saindo numa corrida com uma distância já atrás, não é? Mesma força, mas com a distância mais atrás. Eu lembro, quando a gente estudava, que a gente andava 15km todo dia para chegar à casa, não é? Então, são dificuldades muito grandes, porque tem uma grande dívida histórica com os povos indígenas que merece ser considerada. Agora, nessa contemporaneidade, hoje é comum a gente ver recentemente a presença dos povos indígenas na universidade, nos espaços políticos, nas decisões, no governo, atuando de forma a construir uma nova realidade. E, com essa chegada, inclusive na própria universidade, por isso é importante a gente endossar essas ideias da importância dessa política pública e a pauta que foi construída de uma forma coletiva, com todo o envolvimento dos movimentos sociais, lideranças, políticos, porque essa vinda dos povos indígenas ao espaço acadêmico, à universidade, ela não é só uma presença física, ela traz com ela uma presença de transformação da estrutura da própria universidade no sentido conceitual e no sentido metodológico. Porque aí a gente questiona muito, e isso é importante colocar nessa mesa, o papel da universidade em relação aos povos, não é? Qual será o papel da ciência, da universidade em relação aos povos indígenas? Para nós é muito claro. É um processo de construção permanente de novas metodologias para a gente superar as nossas crises atuais. Como fruto de uma forma de conhecimento construída nós vemos hoje as crises globais, não é? Nós temos desastres ambientais, problemas sociais, econômicos. Isso é fruto de um conhecimento construído historicamente, que é verdade, não é? Então o processo da construção da verdade merece ser questionado. Então os povos indígenas vêm para contribuir nesse processo, para a gente superar todos os problemas sociais, por exemplo, a questão do racismo, o ódio, o preconceito, essa questão da dificuldade de a gente viver na diversidade. Então, nessa linha, trago a mensagem da Ministra. Por exemplo, ela diz muito essa palavra "reflorestar as mentes", fazer com que os conceitos indígenas, os saberes tradicionais dos povos, que têm um conhecimento milenar, que têm um conhecimento grandioso, histórico, estejam sendo conhecidos pela sociedade a partir da universidade, e construir de uma forma diferente, melhorar, enriquecer a própria ciência. Nesse sentido, você constrói novos valores, novos valores da sociedade. Nós temos inclusive uma filosofia indígena. Que tipo de sociedade queremos no futuro? Uma sociedade onde a gente vive na coletividade, na diversidade, porque a diversidade não é um problema; ela é uma riqueza da experiência humana. | |
Então, nesse sentido, trago as experiências indígenas para a contribuição, e para isso é preciso, nesse primeiro momento, que os povos indígenas cada vez mais estejam na universidade, nos espaços acadêmicos, principalmente, não para números - é importante -, mas para eles trazerem os seus conceitos, novos conceitos. Os conceitos são os fundamentos dos saberes que vão dialogando entre si. Os saberes vão dialogando entre si para produzir novos fundamentos dos saberes e, assim, novas verdades, diferentes, mas plenas. Então, nesse sentido, a presença... Considerar, sem esquecer, a violência histórica contra os povos indígenas, mas o processo de estar na universidade, através das cotas, é um processo de justiça histórica, de reparar, mas ela não fica ali. A ideia é que, nas universidades, começa-se a pensar novos pensamentos, novas filosofias, para que a gente possa dar conta da sustentabilidade do planeta, porque a ciência precisa ser enriquecida no sentido de pensar o saber mais holístico, mais integrado, acrescentar no conhecimento técnico a questão da espiritualidade. Exemplo: o que move a mecânica da Terra, o que move o sistema da Terra? É a espiritualidade. Os povos indígenas, milenarmente, já vêm trazendo esse conhecimento e a gente quer contribuir. E, com isso, a própria dignidade dos povos, trazer a importância e, assim, diminuir o preconceito histórico que eles sofreram durante séculos, em que foram considerados como selvagens, tutelados, subjugados, o pessoal diz "periféricos". Por quê? Hoje, ao falar em qualquer cidade, você percebe, olhando a sociedade, considera-se os povos indígenas como menores, incapazes. Isso é comum no sentimento da sociedade. Nós precisamos quebrar isso. Então, a presença indígena que eu quero deixar, em nome do Ministério, a nossa presença aqui como os povos indígenas nessa pauta, endossando a importância, é no sentido de enriquecer a sociedade nessa posição melhor e de superar onde a verdade é unilateral - ela sempre vem dos poderosos. Inclusive, já ouvi falar aqui, a forma de analisar, a forma de construir a ciência precisa ser questionada, precisam ser colocadas outras formas para que a gente possa enxergar a multiplicidade do olhar da realidade, que é o povo indígena. Por isso que a nossa mensagem é a questão a partir da ancestralidade, a partir da memória dos povos da floresta, considerar toda uma rede de saberes da existência para que a gente possa entender de uma forma ampliada, amplitude física e não física, a nossa realidade. E, nesse sentido, para dar mais essa riqueza ao próprio sentimento da humanidade. Humanidade, para nós, ela tem uma fonte, uma fonte que é a espiritualidade. | |
Então, nesse sentido eu quero colocar para nós essa proposta, convidar todas as autoridades, Senadores, para que olhem com bastante carinho, porque nós estamos falando em pessoas, sonhos, realidade, perspectiva, que os povos indígenas, os jovens, eles se reencontrem através da universidade, muitas vezes, a sua história, a sua identidade, a sua língua, a sua cosmologia. Porque muitas vezes os guardiões, os mais velhos, os sábios, também são acionados hoje nas universidades, e isso é fundamental. É importante hoje, cada vez mais, mostrar qual é o papel da universidade nesses tempos que nós estamos vivendo, em termos de pensar a sustentabilidade, em termos de continuidade do sistema Terra em que a gente vive, onde todos estamos vivendo juntos. Por isso que os povos indígenas não são um problema, são uma solução, mas uma solução que precisa ser compartilhada com todos, para que a gente possa ser mais... Em nossa língua, chamamos de teko joja, que é viver na coletividade. Então, essa é a palavra que eu quero deixar. E estamos sempre com muita expectativa de contribuir na construção permanente de uma política pública que se alinhe a partir da memória, da ancestralidade, dos valores dos povos indígenas no Brasil. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem. Esse foi o senhor Eliel Benites, Diretor do Departamento de Línguas e Memória do Ministério dos Povos Indígenas, que fez aqui a sua exposição, dentro da sua visão do tema. Senador Girão, você tinha me pedido já para fazer algumas perguntas, mas me permita que eu já vou lê-las. São quatro perguntas... cinco perguntas, e, em seguida, você faz as perguntas, antes de eu passar para as duas. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Eu queria ouvi-las, faltam só as duas, e eu dei um jeitinho aqui, remodelei a agenda para ficar para ouvi-las. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O.k. Perfeito, melhor ainda. Então, eu vou fazer a leitura aqui obrigatória, antes que as últimas duas usem a palavra. Pelo e-Cidadania pergunta Hemerson Pereira, de Rondônia: "Como podemos promover uma redução das desigualdades no Brasil que vá além do acesso à universidade?"; Pedro Henrique, do DF: "Quais são as principais mudanças propostas pelo projeto [...] na Lei de Cotas e como essas alterações podem impactar a inclusão?"; Leandro Avelar, do Rio de Janeiro: "Como intensificar a fiscalização de forma que a lei não seja empregada por quem não precisa se beneficiar das cotas?"; Vivian Guedes, de São Paulo: "Como efetivamente se identificar quem [...] teria direito [...] [à política de cotas]? [Não considero suficiente apenas a autodeclaração]. Comunicaram-me também que estão no plenário conosco Comunidade Bahá'í, União Nacional dos Estudantes, Fasubra, Comunidade Charrua de Porto Alegre, Proifes, Adufes, Adufrgs e ainda Unegro. Passo a palavra, neste momento, conforme havíamos combinado aqui, à Sra. Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves, Presidente da Nação Mestiça. (Pausa.) Pode, pode, pode... Ela prefere mudar de lugar. Fique bem à vontade. (Pausa.) A plaquinha eles trocam de lugar. Ela só quis trocar de lugar. Ela explicou, agora que eu estou entendendo. Ela queria ficar mais perto da tela para fazer a leitura. | |
estou entendendo. Queria ficar mais perto da tela para fazer a leitura. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Para fazer a leitura. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, tem toda a razão. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES (Para expor.) - Exatamente, Presidente. Eu saúdo a mesa na pessoa do Presidente, Senador Paim, e também cumprimento o Senador Girão, que fez com que acontecesse este debate, que é muito interessante e também proveitoso para que a gente possa aprovar o melhor para esta Casa e também principalmente para o povo brasileiro. Eu inicio a minha apresentação e começo com a seguinte frase: antes de haver pretos no Brasil, já havia mestiços (pardos). O povo mestiço é nativo e os primeiros pardos originaram no Brasil da miscigenação entre índios e brancos portugueses por volta de 1510, ou seja, anterior à chegada dos primeiros africanos ao Brasil, cerca de 1549. A escravidão do povo mestiço (pardos) iniciou-se antes e foi mais longa do que a dos pretos. Diversas leis portuguesas e do Brasil reconhecem o povo mestiço como etnia e identidade distinta de pretos. Próximo. Pardos e pretos nunca constaram como uma mesma categoria nos censos nacionais, desde o primeiro, de 1872, tendo a categoria censitária "parda" inclusive sido substituída por "mestiça" no censo de 1890. A palavra "negro" nunca constou como categoria de cor/raça do IBGE nem dos órgãos responsáveis pelos censos nacionais que o precederam. Próximo. Classificar pardos como negros também vai contra a Declaração de Durban, item 56, questões gerais, documento de direitos humanos do qual o Brasil é signatário, adotado na Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em 2001, a qual também distingue pardos de negros e condena a invisibilização de mestiços: "Reconhecemos, em muitos países, a existência de uma população mestiça, de origens étnicas e raciais diversas, e sua valiosa contribuição para a promoção da tolerância e respeito nestas sociedades, e condenamos a discriminação de que são vítimas, especialmente porque a natureza sutil desta discriminação pode fazer com que seja negada a sua existência". Próximo. Classificar mestiços (pardos) como negros também viola o Artigo 9 da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, que possui força de emenda constitucional. Próximo. Também dificulta a implantação de políticas de igualdade racial, pois conflita com leis estaduais e municipais que reconhecem mestiços como distintos de negros, a exemplo dos Estados do Amazonas, Roraima, Mato Grosso e Paraíba. Provoca efeito inverso ao que pretende, especialmente em estados com grande percentual de pardos onde a grande maioria destes não possui fenótipo aparentado com o de pretos, mas de índios, a exemplo dos Estados do Amazonas, Acre, Amapá e Tocantins, prejudicando a classificação destes em concursos e seu acesso a políticas de ação afirmativa. Expõe pardos a constrangimentos, humilhações públicas, injustas expulsões de instituições onde cursam em vagas reservadas para fins de ação afirmativa, processos administrativos e judiciais e acusações de fraude em concursos e pleitos eleitorais por não terem aparência de negros. | |
Classificar mestiços (pardos) como "população negra" faz parte de um projeto genocida que visa a dividir o poder político do país em raças - inclusive no processo eleitoral - e à aniquilação do povo mestiço enquanto identidade nacional brasileira e povo nativo. Mestiçagem une e por isso vai contra a divisão racial. As cotas raciais são positivas, mas têm sido usadas para aniquilar o povo mestiço. Daí a necessidade de garantir a separação das cotas dos mestiços (pardos) das cotas dos pretos. Próximo. O Estatuto da Igualdade Racial realiza assimilação forçada dos mestiços (pardos) na categoria "negro" para aumentar o percentual de cotas raciais, deixando para as instituições federais de ensino superior e técnico de nível médio excluir os pardos que não tenham aparência de preto: Art. 1º................................................................................................................................................................... IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga. O IBGE sempre separou pretos de pardos. Segundo o censo de 2010, ano da sanção do Estatuto da Igualdade Racial, viviam no país: 82 milhões de mestiços (pardos); 15 milhões de pretos; 91 milhões de brancos. Assim, estes 82 milhões de mestiços (pardos) foram "transformados" em "negros" no Brasil. Classificar pardos como "população negra" significa: genocídio, pois aniquila o povo mestiço; racismo, pois considera ser "de raça" superior a ser mestiço; imperialismo africano, pois substitui um povo mestiço nativo americano por africano, o que é incompatível com os direitos humanos, pois viola o Artigo 2 da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 30.822/52, e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial. Próximo. Inclusive, durante todo o trâmite do PL da Lei de Cotas (PLC 180/2008), constavam e foram aprovadas cotas separadas para negros e pardos. Porém, o Senador Paim, em seu parecer, reescreveu o texto do PL da Lei de Cotas, trocando a palavra "negro" por "preto", a fim de adequar à ideologia antimestiça dos movimentos negristas. Embora a atual Lei de Cotas já estabeleça cotas exclusivas para mestiços (pardos), esta norma não foi cumprida pelo MEC, que, através da Portaria nº 18, de 11/10/2012, sob a alegação de "autonomia universitária" e de que as cotas seriam destinadas a "duas raças", não a mestiços, somou as cotas dos mestiços (pardos) num único grupo "negro". Próximo. Aí a gente vê também o cavalo de troia. Eu queria só que voltasse, por favor. Pode passar o vídeo. (Pausa.) Faltou o som. (Procede-se à exibição de vídeo.) A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Próximo. A Lei n. 12.711/12 reserva as vagas com base no total de autodeclarados em cada unidade da federação. | |
A lei tramita com o critério da autodeclaração, maximizando a reserva de vagas. Porém, no preenchimento, aplicam exclusivamente a heteroidentificação. Criam uma barreira fenotípica para restringir o acesso dos mestiços (pardos) que foram utilizados para fixar o percentual de reserva. As universidades, por pressão do MPF, passaram a utilizar a Portaria nº 04/2018, do Ministério do Planejamento, destinada à Lei 12.990/14, de cotas no serviço público federal, para regulamentar a Lei 12.711/12, de cotas para estudantes. O Ministro Gilmar Mendes comprovou o fato num recurso extraordinário, após a Universidade Federal do Ceará expulsar uma estudante com base nessa sistemática. A Suprema Corte garantiu o retorno da estudante, ante o critério da autodeclaração. Próximo. Órgãos envolvidos na edição do art. 11 da Portaria 04/2018. (Soa a campainha.) A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Próximo. Após regulamentação ilegal da Lei 12.990/14 nos concursos federais para servidores, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão apoiou a utilização da referida Portaria na Lei 12.711/12 nas universidades. Daí milhares de estudantes foram eliminados de forma retroativa, outros milhares de estudantes estão sendo perseguidos nas universidades neste momento, pois estão aplicando heteroidentificação exclusivamente para validar a autodeclaração prevista em leis e editais. Esta ilegalidade foi comprovada pelo Ministro Gilmar Mendes no recurso extraordinário. O Estado brasileiro, assim, violou tratados internacionais de direito humanos. Bancas de heteroidentificação têm tratado autodeclarações de boa-fé com as quais não concordam como declarações fraudulentas. O que o Supremo Tribunal Federal entende por declaração fraudulenta é a pessoa, durante toda uma sequência da vida, declarar-se, em toda documentação, branco e depois vir e se declarar de outra forma somente para se aproveitar, conforme manifestação do Ministro Alexandre de Moraes na ADC 41. O Supremo Tribunal teve que julgar uma ação em que a União Federal buscava comprovar que irmãs bilaterais eram de raças diferentes, com base apenas no fenótipo. A União perdeu o processo em todas as instâncias. Próximo. O MEC racializou as cotas reservadas às pessoas com deficiência, reservando mais vagas aos "negros" do que aos brancos PCD e aniquilando os pardos. Próximo. "[...] a Resolução CNJ 203/2015 - não autoriza a eliminação sumária de candidatos não reconhecidos como negros ou pardos, porquanto a adoção da medida extrema é legítima quando constatada a intenção em burlar o sistema de cotas raciais. O reconhecimento da má-fé exige a instauração de processo administrativo com observância do contraditório e da ampla defesa, sob pena de conferir ares inquisitórios à decisão do Tribunal." Próximo. A Suprema Corte julgou inconstitucional a reserva de 80% das vagas para estudantes oriundos do Estado do Amazonas. A Lei de Cotas chega a reservar 90% das vagas exclusivamente para heteroidentificados, como é o caso da Universidade Federal da Bahia. A cada 20 vagas, 2 são para não negros e 18 são controladas pelas comissões raciais. Sisu 2022: 258 vagas para pobres não heteroidentificados - brancos/pardos (autodeclarados); 2.090 vagas para "negros" exclusivamente heteroidentificados - pretos. | |
São necessárias leis e políticas de proteção ao povo mestiço, que está sendo "transformado" em "negros" pelo Estatuto da Igualdade Racial, em índios pela Funai e sofrendo limpeza étnica pelo indigenismo que nos expulsa de nossas terras. Apoiamos a aprovação por este Senado do PL substitutivo proposto pelo Senador Plínio Valério, pois está em sintonia com o que preconiza a Suprema Corte e os tratados internacionais de direitos humanos; a revisão do Estatuto da Igualdade Racial, excluindo pardos da classificação como negros, o que viola tratados internacionais de direitos humanos; a proibição da exclusão de mestiços por critério de aparência, um absurdo, haja vista que uma das características do povo mestiço (pardo) é não ter padrão de aparência, o que não é exigido dos indígenas e quilombolas; que instituições específicas do povo mestiço (pardos) informem quem é ou não pardo e não movimentos negros, que excluem os pardos que não têm aparência de preto, como ocorre atualmente nas bancas de heteroidentificação; que seja investigado pelo Senado Federal o genocídio étnico promovido pelas autoridades que editaram o art. 10 da Portaria nº 18, do MEC, e o art. 11 da Portaria nº 04/2018, do Ministério do Planejamento, pois eliminaram sumariamente milhares de mestiços (pardos) brasileiros pobres das universidades e concursos. Pode passar o vídeo, por favor, para finalizar. (Pausa.) Pode aumentar o som. Isso aí é uma pessoa que foi expulsa da universidade. Só falta o som, por favor, para o depoimento. (Soa a campainha.) (Procede-se à exibição de vídeo.) A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - O próximo, do Iphan, por favor. (Procede-se à exibição de vídeo.) A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Aumentar o som. (Procede-se à exibição de vídeo.) | |
(Procede-se à exibição de vídeo. ) (Falha no áudio.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Nós não estamos ouvindo nada. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Pode aumentar o som? (Continua a exibição de vídeo.) (Falha no áudio.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Por favor, quero reafirmar que não estamos ouvindo. Temos boa vontade, mas... A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES - Só para finalizar, essa aí foi uma jovem que foi reprovada pela banca racial por ser não ter sido considerado parda. Ela tem 15 anos. E nós entramos com recurso junto ao Ifam, onde foi feita uma nova revisão pela bancada de ética e identificação, e foi comprovado que os pais dela são pardos. Hoje ela cursa Mecatrônica no Ifam do Estado do Amazonas. Então, o que eu coloco é que nós estamos aqui, nós somos mestiços, nós somos pardos, nós temos orgulho da nossa mistura de índio, de negro, de branco, e, com isso, a gente combate a discriminação, mas não podemos deixar de existir em detrimento de uma raça. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Essa foi a Sra. Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves. Eu vou ter que fazer uma pergunta para a senhora, mas farei depois, porque a minha é bem simples. É que, quando, inclusive, eu apareço ali - e eu fiz tudo proposital, muito obrigado por ter me colocado ali, onde eu digo que estão comportados pretos, pardos, índios, deficientes e brancos pobres, quando eu digo isso -, eu estou abraçando, naturalmente, toda a nação parda. Só faço esse esclarecimento para que não tenha nenhuma dúvida. Até, quando me falaram da questão, eu disse: bom, mas eu vivo ali no lado mestiço, entre parênteses, (pardo). Ora, se eu boto na lei que pardo está contemplado, está contemplado o que está colocado ali. Só para esclarecimento, para não ter dúvida. Mas vamos em frente. Senador Girão, vamos ouvir as outras duas convidadas? (Fora do microfone.) Agora, então, a Sra. Marcia Regina de Lima Silva, Secretária de Políticas e Ações Afirmativas e Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial. A SRA. MÁRCIA REGINA DE LIMA SILVA (Para expor.) - Olá! Boa tarde! Eu quero começar, mais uma vez, agradecendo ao Senador Paulo Paim e dizendo que é sempre uma enorme honra vir até esta Casa e ser recebida pelo senhor. Fico muito feliz por estar aqui novamente. E, assim como os demais colegas, quero destacar a sua importância e a sua história política no combate ao racismo no Brasil. Nós estamos aqui hoje para discutir o PL que foi apresentado, um PL que já foi aprovado na Câmara dos Deputados, e considero que estamos, aqui, seguindo todos os ritos da nossa democracia, portanto, estamos aqui para também trazer e ouvir opiniões diferentes. Acho que isso faz parte realmente da democracia que queremos e acho que também a gente tem que trazer um pouco o respeito às instituições, não é? Eu acho que | |
Eu acho que a gente tem um Supremo Tribunal Federal que é uma instância de garantia da nossa Constituição, dos nossos direitos. Portanto, quando a gente fala que, em muitas das questões apresentadas aqui nesses PLs, e especificamente no que a gente está discutindo hoje, nós estamos respeitando os ritos democráticos e estamos trazendo decisões que são decisões que reafirmam a importância da Constituição, portanto, nada do que a gente está colocando aqui ou que está na lei, e todo o processo da lei passa por pareceres jurídicos dentro dos ministérios... Temos já uma posição do STF em relação a isso. Então, eu quero reforçar aqui a importância de a gente reconhecer as instituições democráticas das quais nós fazemos parte. A gente não pode escolher o que a gente acha que é bom ou que é ruim. Então, acho que a gente precisa aqui... E aí eu retomo um pouco o que o meu colega do Ministério da Educação, Cleber, já disse em relação à constitucionalidade que a gente tem para a ADPF 186 e para a ADC 41 não apenas acerca das políticas de cotas, mas também da constitucionalidade, que está em debate, que está em aberto em relação às comissões. Inclusive, o PL veio para esta Casa já com essa questão colocada, ou seja, a das comissões. Acho também que, volto aqui rapidamente, eu não vou... Além dos aspectos legais que já foram apontados, eu quero destacar que temos também a posição do Supremo, que é validada por muitos juristas deste país, de que as ações afirmativas - mais do que a Lei de Cotas, as ações afirmativas - prestigiam, segundo o próprio STF, o princípio da igualdade material, porque elas garantem ao Estado lançar mão tanto de práticas de cunho universalista quanto de ações afirmativas para garantir esse princípio constitucional. O modelo constitucional brasileiro já incorporou diversos mecanismos institucionais que corrigem distorções de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade. Essa é uma posição da nossa Corte que a gente também está seguindo. Então, acho que é importante marcar aqui que o desenho dos projetos de lei e do que está sendo aprovado está seguindo os trâmites constitucionais. Temos também a adesão de outros documentos - como o Estatuto da Igualdade Racial, que define negros como a soma de pretos e pardos, acho que também já está colocado de uma forma bastante... -, outros documentos que o Brasil assina ou segue. Então, acho que o primeiro ponto que eu quero marcar aqui é a importância legal e constitucional do que está sendo colocado em votação ou do que foi proposto. Eu quero abrir um parêntese aqui para saudar e parabenizar a Deputada Dandara pela condução desse processo na Câmara dos Deputados. Eu acho que foi brilhante a atuação política dela, que nos fez poder chegar a uma questão que a sociedade brasileira tão avidamente defende, por que se interessa. A revisão da Lei de Cotas era algo muito esperado por estudantes, por diversos grupos. Eu acho que aí a gente tem a prova de que este debate é um debate importante e que, portanto, precisa dessa agilidade, precisa dessas realidades para que a gente possa continuar. | |
precisa dessa agilidade, precisa dessas realidades para que a gente possa continuar. Então, a gente primeiro supera aqui o debate da constitucionalidade. Nos últimos 30 anos da minha vida, eu me dediquei, como professora universitária, a estudar desigualdades raciais no Brasil. E algumas questões que foram colocadas aqui eu não consigo... Não adianta: a gente que é professora não larga nunca o vício de pensar, de trazer algumas questões que eu acho que são importantes. Antes de assumir o cargo em que estou hoje, eu dediquei muitos anos da minha vida a estudar a desigualdade, a estudar políticas públicas. O consórcio que o Senador citou no começo da fala dele eu coordenei, esse consórcio de ações afirmativas, no ano passado, junto com o Prof. Luiz Augusto Campos, do Iesp-Uerj. Nesse consórcio, nós produzimos um material empírico bastante consolidado, bastante sólido sobre a eficácia da política. Eu discordo do colega que falou que existe uma premissa que, portanto... Não! Eu acho que a gente poderia não ter a eficácia da política. O que a gente avaliou nesse tempo é que a política é uma política eficaz. E acho que temos dois pontos diferentes aí para que, nos estudos que a gente faz sobre a Lei de Cotas, a gente chama a atenção nesses dois momentos desses vinte anos de lei: a gente fala da importância da lei, dos dez anos da lei - a lei tem dez anos -, mas nós temos vinte anos de ações afirmativas nas universidades brasileiras, sendo que esses dez primeiros anos foram fruto de mobilização estudantil, do movimento negro e da autonomia universitária, que decidiram como implementar essas políticas. Então, quando a gente estuda, quando a gente olha para os dados sobre a implementação dessas políticas, a gente identifica que já existe um conjunto de ações da universidade... E aí eu discordo novamente do colega que diz que não está na missão da universidade a justiça. Eu acho que a universidade prevê isso sim; se é com o dinheiro público, ela não pode reproduzir desigualdade. Eu acho que a gente tem um ponto muito importante aqui que a gente não trouxe ainda para este debate: qual é o papel da educação e o papel do sistema educacional. As políticas de ações afirmativas visam corrigir o processo no qual a educação, que deveria ser o mecanismo de transpor desigualdades, se torna mecanismo de reprodução de desigualdade. Então, as ações afirmativas existem não apenas para incluir negros, pobres, indígenas nas universidades, mas também para que a universidade, que o sistema educacional possa retomar o seu papel de igualdade e de oportunidade. E eu discordo mais uma vez do que foi dito aqui em relação a... Quando nós falamos de pobreza, nós estamos falando de escassez de recursos; quando nós falamos de desigualdade, nós estamos falando da distribuição desses recursos. Então, você pode ter uma situação de países que são muito ricos e também desiguais, porque esses dois elementos não estão... Assim como você pode ter países com menos pobreza e com muita desigualdade. Então, é muito importante conceitualmente separar o que essa política vem corrigir. Essa política vem corrigir o fato de que o sistema educacional universitário no Brasil está reproduzindo desigualdades, e a educação não foi pensada para reproduzir ou para produzir mais desigualdade, por isso que nós precisamos de ações afirmativas, ações que vão... (Soa a campainha.) A SRA. MÁRCIA REGINA DE LIMA SILVA - Mais cinco minutos... | |
A SRA. MÁRCIA REGINA DE LIMA SILVA - Já acabou? Mais cinco minutos? (Pausa.) Bem, então, acho que isso é um ponto importante. O segundo ponto, ao qual eu tenho dedicado muito do meu tempo, da minha vida... Inclusive, hoje, estando Secretária de ações afirmativas do Ministério da Igualdade Racial, eu continuo me baseando em evidências empíricas para produzir políticas. Eu acho que este é o ponto: a gente não faz política pública com base nos nossos desejos pessoais: eu acordei de manhã e resolvi fazer uma política pública. Nós temos diagnósticos, nós temos acúmulo de pesquisas sobre isso. Na ocasião do consórcio das ações afirmativas, nós fizemos um levantamento bibliográfico, selecionamos um conjunto de textos acadêmicos que tivessem sido citados pelo menos uma vez, criamos um critério bastante importante - não é, Cinthia? Dentro da comunidade científica, esse material, esses textos já foram citados. Nós levantamos 980 referências de capítulos de livros, de artigos e fizemos uma avaliação desse material, uma grande equipe de pesquisadores se dedicou a avaliar esse material. E a gente tem que 53% dos resultados dessa avaliação são avaliações positivas das políticas. Nós não pegamos apenas pessoas... Nós pegamos material produzido intelectualmente e que foi citado e referenciado sobre esse tema. Então, eu acho que a gente tem como provar cientificamente que estudos sobre esse tema têm demonstrado, sim, que a universidade hoje é um lugar mais diverso. Se a gente pega... Por exemplo, em 1992, segundo os dados do próprio Adriano Senkevics, 73% das matrículas de ensino superior eram dos mais ricos em renda do Brasil. Hoje nós temos que, de 73%, caiu para 40%. Ou seja, o acesso à universidade pública se tornou mais igualitário, e se tornou mais igualitário por conta dessas políticas. E, aí, eu quero voltar novamente à missão da universidade e acompanhar aqui o meu querido colega de mesa quanto ao que significa o conhecimento e a produção intelectual. Eu não acho que a universidade seja entendida apenas como espaço acadêmico para pessoas que tenham vocação acadêmica. A universidade é um espaço de formação intelectual e profissional. Ter uma carreira acadêmica é uma decisão que você toma depois que você acessa o ensino superior. Então, me causa muita estranheza dizer que ir para a universidade é para quem tem aptidão acadêmica. Acho que essas coisas são bem diferentes do que a gente... Não é um caminho interessante pensar isso. E acho que tem outras questões, como: nas universidades, as ações afirmativas trouxeram uma dinâmica para a produção intelectual do país para diferentes campos disciplinares, trouxeram novos atores, e aí eu falo de novos grupos, o que tem consequências para LGBT... Como o colega citou anteriormente, hoje esses grupos têm espaço na universidade, têm representação na universidade e têm voz na universidade. E é essa a universidade que o Ministério da Igualdade Racial defende e em que acredita. Acho que tem ainda um outro ponto importante, além dessa mudança do cenário da universidade: que existem, vocês podem procurar, diferentes autores que vão dizer que diversidade produz | |
autores que vão dizer que diversidade produz o conhecimento, não somente o conhecimento, mas o ambiente de trabalho. Nós precisamos de ambiente diverso para ter mais qualidade na educação, no mercado de trabalho. Então, isso também é uma aposta na diversidade. Eu acho que é muito importante que a gente tenha isso em vista. Considerando que o meu tempo está acabando, eu acho, sim, que nós temos desafios e acho que a gente precisa olhar para eles também, para melhorar a inclusão social e racial na universidade. A gente sabe que ainda temos muitos problemas, e é nesse sentido que eu acho que o PL de que a Deputada Dandara foi revisora traz avanços importantes. Primeiro, ela não cria uma obrigatoriedade nem uma proporção de cotas para pós-graduação; ela respeita a diversidade da pós-graduação no Brasil e respeita a autonomia desses programas para definirem suas formas de inclusão. Eu acho que isso é um ponto importante. (Soa a campainha.) A SRA. MÁRCIA REGINA DE LIMA SILVA - A gente está pensando também na questão da autonomia universitária, mas também a gente está pensando em outros aspectos que eu acho que a gente tem que... Eu sempre lembro muito disto: no começo desse debate, sempre se falava muito que a gente estava violando a autoridade das universidades, e, quando a gente olha para os dados, a gente vê que a adesão das universidades foi muito grande, sem precisar que a gente... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Mais um minuto para concluir. A SRA. MÁRCIA REGINA DE LIMA SILVA - Muito obrigada. ... que a gente impusesse esse aspecto. Então, eu acho que a gente tem que avançar nisso; a gente tem que avançar na permanência, que é um outro aspecto que a Deputada Dandara coloca na sua relatoria. Mudamos também a faixa de renda, que foi algo que o TCU levou até o Ministério da Educação, e discutimos muito isso internamente. Então, o que eu quero afirmar aqui é que hoje quem está no Governo Federal e nos ministérios está focado em olhar... (Soa a campainha.) A SRA. MÁRCIA REGINA DE LIMA SILVA - ... para o sistema educacional como um sistema que não vai mais reproduzir injustiças, e, sim, corrigir essas injustiças. Eu encerro por aqui. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Sra. Márcia Regina de Lima Silva, Secretária de Políticas e Ações Afirmativas e Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial. Senador Girão. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Pela ordem.) - Presidente, é só a título de saber como vai funcionar. A gente tem quanto tempo para fazer algumas colocações e perguntas? Depois, os nossos convidados aqui, debatedores, terão quanto tempo para responder? É só para eu poder me organizar aqui. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - O que eu sempre fiz em todas as Comissões. O Senador terá o mesmo período que os painelistas, ou seja, dez minutos, se entender que está de bom tamanho - dez minutos e com a tolerância que eles tiveram também. Os convidados terão três minutos, cada um, para responder - três minutos cada um. Três minutos, que é o que nós sempre usamos. Bom, se chegar de três a cinco minutos, também não vou ser eu que vou barrar a palavra. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Com a tolerância da Casa, não é? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Com a tolerância da Casa, Senadora Girão e Senador Sergio Moro, que eu vejo aqui, está prestigiando o evento - fiquei muito feliz de ver a sua entrada aqui -, a Presidente da UNE está aí desde a abertura dos trabalhos. Não sei o que houve, ela não foi inscrita, porque tem tudo a ver com a UNE. Só que eu disse para ela - e vou ser muito franco, porque sou assim - que eu só daria alguns minutos para ela se expressar se os Senadores entenderem que é possível. Ela pode falar? O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Fora do microfone.) - Pode falar. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Então, daí mesmo. Olha a bondade dos Senadores aí! | |
A SRA. MANUELLA MIRELLA NUNES DA SILVA - Olha aí! O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não criaram nenhum obstáculo para a UNE falar. A SRA. MANUELLA MIRELLA NUNES DA SILVA (Para expor.) - Então, primeiro, boa-tarde, quase noite, a todas as pessoas que estão presentes. Antes de mais nada, queria parabenizar o Senador Paulo Paim por esta audiência, um debate tão importante, que são as cotas no Brasil. Queria aqui iniciar me apresentando. Sou Manuella Mirella, sou Presidenta da União Nacional dos Estudantes, mas fui a primeira da minha família a ingressar no ensino superior público. Sou fruto das políticas de ações afirmativas, inclusive a primeira da minha família a me formar também na universidade. Fui estudante de Licenciatura em Química da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Hoje, estou na minha segunda graduação, estudando engenharia ambiental. Sou a prova viva de que as cotas abrem portas, porque, de algumas coisas que eu vi aqui, Senador Paulo Paim, em muito já fui contemplada pela Márcia Regina, enquanto resposta, mas acho que nós precisamos nos atentar ao debate das cotas no que está posto hoje. Anos depois, aqui, o debate não é se as cotas raciais vão ser ou não renovadas, se elas deram ou não certo - elas deram certo. Inclusive, a UNE produziu um estudo técnico que se chama "De lá pra cá: dez anos", sobre a questão da Lei de Cotas, inclusive, disponível para quem quiser acessar, no site defendoascotas.org.br. Tem o nosso manifesto e nosso estudo técnico também, reforçando a importância da Lei do Cotas, no que tange ao debate sobre a democratização do acesso ao ensino superior. Foi falado aqui sobre vocação para universidade. Eu fiquei muito assustada com esse debate, porque, se olhamos para um Brasil onde foi necessário iniciar a discussão sobre aprovação ou não da Lei de Cotas, é porque já existia um problema. Porque se for falar de vocação para universidade, a gente vai falar, então, que os negros, no Brasil, têm vocação para serem maioria nas estatísticas de morte; os negros, no Brasil, têm vocação para serem acertados pela polícia; os negros, no Brasil, têm vocação para serem maioria nas taxas de desemprego. Eu não acredito nisso; acho, inclusive, que isso é fruto da falta de políticas públicas para acessar essa população. E a Lei de Cotas foi fundamental para que a gente conseguisse democratizar o acesso ao ensino superior e dar perspectivas para esses jovens, porque, ora, eles estavam fadados, de onde eu vim... Eu vim de uma periferia, lá de Paulista, Pernambuco, onde eu tive que me esforçar duas vezes mais para conseguir estar na universidade, porque a Lei de Cotas, é certo que conseguiu democratizar o acesso ao ensino superior, mas, aproveitando aqui o debate sobre a sua renovação, é importante colocarmos também o debate da permanência, porque nós, estudantes negros e cotistas, sabemos como é difícil permanecer na universidade. E fico muito feliz quando a Deputada Dandara coloca na lei inclusive a preferência de os estudantes cotistas terem acesso às bolsas de permanência. Isso diz respeito à possibilidade de jovens como eu permanecerem na universidade e poderem escolher se querem seguir carreira acadêmica ou não, mas, com certeza, queremos ser os quadros técnicos que irão reconstruir o nosso país. E é certo que o debate hoje de que as cotas raciais revolucionaram e mudaram a cara da universidade, é certo que olhamos hoje as produções da universidade federal brasileira e de como nós conseguimos transformar um pouco esse perfil, mas nós queremos muito mais. | |
E nós, da União Nacional dos Estudantes, seguimos a luta, lembrando, inclusive, e respeitando a discussão sobre a renovação da Lei de Cotas, colocando num debate de que se uma política pública foi tão importante para dar perspectiva para uma juventude que nunca teve oportunidade de sonhar, para uma juventude preta brasileira, cujos corpos sempre, sempre eram encontrados por balas perdidas - e ainda o são -, infelizmente, quando temos uma juventude que, por muito tempo, não pôde sonhar, a Lei de Cotas foi, sim, e continua sendo um respiro para esses jovens. Fico muito feliz que este debate hoje esteja sobre sua renovação, e, sim, pela garantia de que esses jovens, podem, sim, continuar sonhando, porque, além de negros e negras, além de estudantes de escola pública, além de pessoas de baixa renda, nós, juventude negra, queremos ser cientistas, queremos ser professores, queremos ser engenheiros, e a Lei de Cotas deu possibilidade para que jovens pudessem fazer isso. Fico muito feliz e tenho certeza de que esta Casa aprovará a renovação da Lei de Cotas. Vamos continuar juntos, lutando contra as desigualdades sociais, diariamente, mas dando perspectiva para essa juventude. As cotas abriram portas, as cotas continuam abrindo portas, e tenho certeza de que as cotas vão continuar abrindo as portas do nosso país. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Usou cinco minutos, terminou ali no talo. (Risos.) Senador Girão, primeiro, agradeço a tolerância de V. Exa., que era fundamental. Se V. Exa. não concordasse, a UNE não iria falar. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Não, o que é isso? Pelo amor de Deus! A gente... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Cumprimento V. Exa. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Para interpelar.) - ... Precisa, Senador Paulo Paim, ouvir. Eu não pude chegar no começo desta sessão; lhe peço desculpas e, ao mesmo tempo, lhe cumprimento pela condução democrática, de forma equilibrada. Eu digo para o senhor que eu aprendi muito aqui, com todos os palestrantes, todos os que se manifestaram. Obviamente, vou precisar me aprofundar mais sobre dados trazidos aqui. Eu acho que a regra da boa convivência é o respeito, e a gente viu o respeito aqui de todos, com a opinião divergente. Isso já é algo que aponta para que a gente vá construir realmente uma legislação, se é para aprimorar, o que quer que seja... Mas eu acho que esse diálogo aqui foi fundamental. Eu confesso à D. Helderli Fideliz Leão Alves - foi uma sugestão do Senador Plínio Valério que ela estivesse aqui -, eu confesso a minha ignorância, pois eu não tinha noção do que foi trazido aqui, que os pardos estão se sentindo desrespeitados. Então, nós estamos criando certas situações de divisão de algo que foi feito para acolher a todos. Mas, Presidente, eu já tenho uma posição muito clara com relação à questão da cota social. Acredito que essa questão da desigualdade socioeconômica pode ser abordada daí, embora, quanto a essa questão de recurso não tem que ser, no meu modo de entender - respeito que pensa diferente -, distribuído; ele tem que ser gerado. Agora, a gente pode beneficiar indivíduos com base em critérios como renda, educação, condições de vida. Eu acho que é por aí o caminho. | |
Para avaliar esses primeiros dez anos da Lei 12.711, de 2012, na verdade, que prevê o prazo de dez anos para que se realize a sua revisão, nós já temos 11. Desde a sua publicação, não houve qualquer parecer oficial do Poder Público brasileiro atestando as transformações realizadas pela lei. O que há são estudos acadêmicos, matérias jornalísticas, manifestações de agentes políticos, o que também é legítimo, mas com caráter oficial, a gente precisava de algum órgão, para que a gente pudesse fazer essa avaliação e deliberar sobre a matéria, no meu modo de entender. Não sei se as perguntas que eu tenho aqui eu vou poder... Até porque todos vão ter apenas três minutos apenas para responder - e eu entendo, é o limite de horário que nós temos -, mas, se não for possível, peço aos palestrantes todos, se puderem enviar para o Senado, o Senador Paulo Paim me passa, ou então... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Já me passa. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Pronto, perfeito. E o nosso Gabinete 21 da Ala Teotonio Vilela também está à disposição. Mas o que me preocupou foi o Tribunal de Contas da União, que, expressamente, manifestou que são notórias a desarticulação, a omissão de agentes envolvidos e as deficiências de monitoramento e avaliação da política de cotas, isso porque não exitem relatórios anuais sistemáticos sobre a avaliação da implementação das reservas de vagas nem relatórios com dados consolidados relativos ao período de 2017 a 2022. Na avaliação do Tribunal, essa ausência de dados prejudicará a revisão da política pública. E aí, Sr. Presidente, eu já vou começar a fazer algumas perguntas. Algumas deu para eu direcionar aqui; outras, não. Então, eu digo que, dessa forma, como se pode propor a mudança da letra da lei, alterando o seu alcance e restringindo o perfil econômico demográfico por ela amparado, se não tem parecer oficial das transformações promovidas pela atual redação legal em 11 anos? Essa é a primeira pergunta que eu faço: como a gente pode avaliar se não tem dados oficiais. Segundo: é possível concluir que o PL, o projeto de lei em análise, ainda que bem-intencionado, age sem o devido embasamento técnico que lhe permitiria promover uma boa revisão. Essa é um complemento, reforçando a primeira. Vocês acham que há um duplo benefício aos estudantes cotistas quando se prevê que vagas remanescentes serão preenchidas por cotistas, que, pelo texto do projeto, agora também disputarão as vagas de ampla concorrência? Em relação às vagas remanescentes, o texto do projeto de lei prioriza o preenchimento dessas vagas pelos cotistas raciais e deficientes, em detrimento dos oriundos de escolas públicas que atendem os critérios de renda? Então, eu lhes pergunto: por que fazer tal distinção. Outra pergunta: essa medida não vai na contramão da concepção do regime de cotas que visa redução das desigualdades sociais no país? Se são afirmativas, se ações afirmativas são criadas para reparar erros do passado, os quais, em essência, promovem desigualdade social no presente, por qual razão o PL promove a redução do teto de renda dos contemplados pelas cotas, criando exclusão de enorme contingente de estudantes com parca condição socioeconômica? Qual estudo serve de base para tal alteração promovida pelo projeto de lei? | |
serve de base para tal alteração promovida pelo projeto de lei. A eficácia das cotas. Como as cotas estão cumprindo seu objetivo de aumentar a representatividade de grupos historicamente sub-representados nas universidades? Essa eu queria destinar para o Cleber, para o Prof. Cleber aí- professor também, não é, Kleber? Pronto. O impacto nas taxas de desistência. Qual é o índice de permanência entre os beneficiários das cotas? As desistências estão relacionadas a desafios específicos enfrentados pelos estudantes cotistas? Essa outra, no geral, essa pergunta... Necessidade contínua, sobre a necessidade contínua. Após anos de implementação das cotas, ainda é necessário manter essa política ou existem alternativas mais eficazes para promover a inclusão? Para o Dr. Eli, que participou virtualmente: critérios de seleção. Os critérios de seleção usados para as cotas são os mais seguros? Eles refletem com precisão as desigualdades existentes na sociedade? Uma geral, para quem quiser se colocar: políticas de apoio. Além das cotas, quais outras políticas de apoio estão sendo inovadoras para garantir o sucesso acadêmico dos estudantes cotistas? Para Geisiane: mérito versus diversidade. Como equilibrar a busca pelos méritos acadêmicos com a necessidade de promover a diversidade e a inclusão nas universidades? Sete: monitoramento e avaliação. É geral, para quem puder responder. Como as universidades estão monitorando e avaliando a eficácia das cotas? Existem indicadores específicos sendo usados? Por último: experiências bem-sucedidas. Também geral aqui. Existem exemplos de programas de cotas que alcançaram sucesso notável? Eu digo pelo mundo. Eu acho que foi falado aqui sobre a questão dos Estados Unidos - não sei se foi pelo Eli... -, mas se falou que lá já foi abolido o processo de cotas raciais. Quais lições podem ser aprendidas com essas experiências internacionais? Com o tempo que me resta, com a tolerância, Sr. Presidente... A gente vê aí, inclusive na campanha eleitoral aconteceram casos, assim, sui generis, em que Deputados, Senadores e tudo, candidatos, se autodeclararam. Isso causou um transtorno, porque depois não tiveram como comprovar, enfim, e ficou uma coisa que a gente precisa ter isso mais bem definido. Eu estava observando os debates aqui, muito bons, repito, todos os debates... Eu fui presidente de um clube de futebol, o Fortaleza, e, na semana passada, nós tivemos um debate riquíssimo, Senador Paim. O senhor não pôde, porque estava na CCJ, estava aqui, mas foi sobre o racismo no futebol. Racismo é algo deplorável. E a gente tem que fazer campanhas, o Brasil tem dado passos significativos... Entra governo, sai governo, a CBF tem um papel importante nisso também - pode evoluir, claro, sempre pode -, mas, o que a gente vê acontecer em outros países, inclusive o que aconteceu com aquele jogador, o Vini Jr., é algo surreal, e, no Brasil, isso não é tolerado, e a gente tem que expandir punição. É punição. Campanha, mas punição também com relação a isso. | |
Eu falei até para o Presidente da CBF: "O senhor vai matar a galinha dos ovos de ouro". Porque tem aí uma série de coisas que estão atentando contra a beleza do futebol, que é feito para unir. Outra coisa, uma causa nossa, é a aposta. A aposta está manipulando o resultado, enfim... E foi colocada a questão de cotas também: "Olha, tem que ter em clubes, diretorias e tal...". Eu digo: "Olha, será que isso não está reforçando, isso não faz reforçar...". Porque eu fui presidente e, se a gente tivesse, ali, toda a diretoria de negros, seria... Não vejo problema nenhum. Absolutamente nenhum. Agora, na hora em que você estipula, eu acho que você, como foi colocado aqui por algum participante, você reforça o racismo, em vez de você promover. Técnicos de futebol, jogadores... Tem diretores, tem pessoas que atuam nisso, e eu acredito que é o caminho. Nos três minutos que me faltam... Eu me preocupo muito... Por isso que eu acho que a ideologia tem que ser deixada de lado. Nessas horas, política ideológica atrapalha. Acho que é técnica - no meu modo de ver. Respeito quem pensa diferente. Por exemplo, falando de racismo: eu fiquei estupefato, Senador Paulo Paim. Antes de chegar ao Senado, eu nem imaginava - o senhor sabe da história - de disputar qualquer eleição e eu vi um debate que me assustou, com eugenia, sobre aborto. E foi demonstrado, especialistas sendo ouvidos lá nos Estados Unidos... Inclusive, a sobrinha do Martin Luther King participa desse documentário, chamado Blood Money. Eu recomendo que as pessoas que possam assistir... E foi mostrado, Senador Sergio Moro, lá, nesse documentário, que as clínicas de aborto, na indústria - que foi legalizado em 1973. Já voltaram atrás nos Estados Unidos -, estavam em bairros pobres, onde tinha uma maior concentração de pretos, de negros. Ou seja: era uma eugenia para acabar com os negros. Isso foi denunciado publicamente no Congresso americano, e as pessoas se assustaram. A gente tem que ter cuidado com isso, para a gente não estar reforçando algo... Porque nós temos um histórico, no Brasil, de acolhimento, de respeito e de convivermos muito bem uns com os outros. Então, eu queria deixar essas perguntas, colocando aqui para os senhores os meus parabéns sinceros para todas as palestras. E a gente vai ficar atento para fazer um bom debate nas próximas. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Senador Girão, eu vou fazer o seguinte encaminhamento: a todas as suas perguntas nós vamos responder, naturalmente, conversando com os painelistas, e vamos remeter, dar o retorno. Agora, nesse minuto de encerramento, eu vou dar três minutos para cada um dos convidados que estão presentes. Os que quiserem responder respondam a alguma das perguntas; outras, você recebe por escrito. Então, ela vai ser a primeira - Geisiane, não é? A Geisiane vai ser a primeira a usar os seus três minutos à vontade. Se quiser responder pergunta, sim; se não, expresse o seu ponto de vista do debate do dia de hoje. Daí mesmo. Fique à vontade. A SRA. GEISIANE FREITAS (Para expor.) - Eu queria só saber o nome da moça que é a Presidente da UNE... A SRA. MANUELLA MIRELLA NUNES DA SILVA (Fora do microfone.) - Manuella Mirella. A SRA. GEISIANE FREITAS - Ô, Manuella... Interessante... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Ela vai falar para ti, Manuella. Se tu puderes esperar um pouquinho... A SRA. GEISIANE FREITAS - Interessante a Manuella ter dito algumas coisas, porque eu também sou de Paulista e me identifiquei com a sua história. Na verdade, eu sou de São Paulo, mas eu morei quase dez anos em Paulista. Eu realmente estou muito feliz, assim, com o dia | |
Eu realmente estou muito feliz, assim, com o dia de hoje. É evidente que eu sou minoria aqui, nós defendemos coisas completamente distintas, mas isso aqui é o princípio da democracia, não é mesmo? É a discordância de opiniões. Então, eu quero realmente agradecer a oportunidade de conversar com todos vocês a respeito disso. Nós temos discordâncias, talvez, intransponíveis, mas em relação ao debate acadêmico, e não em relação ao convívio uns com os outros. Bom, ainda sobre todo esse assunto, eu não posso deixar de dizer que as cotas raciais, na verdade, fomentam muito mais uma segregação, que é o que a gente chama, dentro da academia, de discriminação positiva em relação a isso. Eu não nego, inclusive, os seus efeitos. É evidente que mais pessoas entraram nas universidades públicas por uma questão muito simples: ora, se tem um mecanismo que está fomentando a entrada das pessoas por uma questão de fenótipo dentro das universidades, é evidente que, quando eu for fazer uma avaliação de fenótipo dentro das universidades, essa população será maior. Mas a minha grande questão, insisto nisso, porque tenho um apreço muito grande pela educação, é a qualidade disso, e essa qualidade, eu reitero, não tem relação com o fenótipo da pessoa, porque, se fosse assim, eu estaria dizendo aqui, tal qual um eugenista, que todo negro tem uma limitação cognitiva. Esse não é o meu ponto. Não é que o negro tem uma limitação cognitiva. A grande questão é que há centros acadêmicos em que a educação preza, sim, por um formato e tem uma característica que não é uma aptidão para todos, e não há um demérito em não ter a aptidão, não há um demérito em fazer outras funções que não passem pela vida acadêmica. Ora, estamos em sociedade. Precisamos de todas as funções para funcionarmos. Se a gente for usar aí Durkheim na sua sociologia funcionalista, nós somos um corpo em funcionamento. Por exemplo, para falar a respeito especificamente dessa questão da qualidade da educação: a USP está agora ocupando a posição 85 dentro de 1.499 universidades. E, aí, eu fiquei curiosa a respeito disso. A USP, uma das maiores universidades do nosso país... Foi de lá, por exemplo, que saiu Florestan Fernandes, marxista que é muito celebrado dentro da academia. Ali, por volta dos anos 30, a gente teve aquele debate todo entre os uspianos e tal... Portanto, é uma universidade muito importante dentro do nosso país. Mas fiquei curiosa a respeito dos critérios que levaram a USP a ter essa posição dentro da nossa educação. Veja, os critérios são os seguintes: empregabilidade dos alunos; a melhora da reputação internacional da instituição... Vale lembrar que a sua reputação tem muito a ver com o aparelhamento que o marxismo tem em relação dentro dessas instituições. Então, por exemplo, eu posso ter uma baita organização, um baita instituto liberal ou... (Soa a campainha.) A SRA. GEISIANE FREITAS - ... conservador que não seja considerado com uma boa reputação, porque ele refuta algumas ideias marxistas... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Cinco minutos. Agora é um. Eu vou manter cinco bem rígido, para todo mundo. A SRA. GEISIANE FREITAS - O.k. O.k. Vamos lá. A empregabilidade, o número de professor por alunos, a produção científica. Essa produção científica chama bastante a atenção, porque essa produção científica não diz respeito à qualidade, mas à quantidade de produções. Então, a quantidade de teses, de dissertações, de monografias que são dispostas. Há práticas de sustentabilidade e posicionamento no mercado de trabalho e as relações internacionais. Ou seja: a gente não está preocupado aqui com a qualidade da educação, de fato. Se você fizer uma pesquisa dentro dos bancos educacionais, já que a gente está batendo tanto na diversidade, e a diversidade é extremamente importante, nós vamos encontrar trabalhos que são, em sua grande maioria, de cunho marxista ou neomarxista - chamem pelo termo que gostarem. Então, são trabalhos que têm como citação o próprio Marx, que têm como citação Escola de Frankfurt, que têm como citação Pierre Bordieu, | |
o próprio Marx, que têm como citação Escola de Frankfurt, que têm como citação Pierre Bordieu, que têm como citação Foucault e assim por diante. Ou seja: são trabalhos que não dão a pluralidade de pensamento. Onde está Roger Scruton, por exemplo, onde está Thomas Sowell, por exemplo, onde estão os autores que falam contra o marxismo, o que inibe a pluralidade que a gente tanto busca? O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Terminou o seu tempo. Para eu ser duro com os próximos, eu tenho que te avisar. A SRA. GEISIANE FREITAS - O debate foi ótimo. Obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Foi bom. Eu fico feliz que você gostou. Eu vou seguir agora a lista aqui de todos, e cada um... Eu digo três, mas até cinco. Todos sabem que podem falar cinco. Então, eu começo com o Sr. Clédisson Júnior. Está na tela? Não? Não está. Geisiane já falou, que seria a próxima. Maria do Rosário já não está mais também... Sr. Cleber Santos Vieira. Sr. Cleber Santos Vieira, Assessor de Gabinete da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos. O SR. CLEBER SANTOS VIEIRA (Para expor.) - Bom, muito obrigado, Senador Girão, pelos questionamentos. Acredito que estamos aqui num debate importante, visando ao aprimoramento da Lei 12.711, e eu vou tentar responder utilizando os três minutos, talvez avançando pelos cinco, me baseando aqui no documento que o senhor citou, o Acórdão nº 2.376, de 2022, do Tribunal de Contas da União. E assim caminhamos para uma audiência muito importante. Estamos aqui no Poder Legislativo, o Poder Judiciário, com a sua importância, foi citado diversas vezes, o movimento social, a sociedade civil, então... E nós, do Poder Executivo, também participando. Então, acho que é dessa forma que nós vamos construir uma reflexão importante para dar ainda mais força aos argumentos apresentados no relatório da Deputada Dandara. Eu vou tentar pontuar o que está no acórdão e responder, tudo bem? No item 9.1 do acórdão, ele recomenda ao MEC, à Seppir - agora MIR - e à Funai criar instrumentos para comitê de monitoramento. Está previsto, nós sabemos, no Decreto 7.384, e o que nós estamos fazendo agora - que o projeto de lei aprovado na Câmara contempla - é reformular, adequando as nomenclaturas e ampliando o número de membros que participam. Isso está contemplado no PL 5.384, aprovado pela Câmara - item 9.1 do acórdão. Coloca ainda: "Realiza estudo sobre impacto do Programa Nacional de Assistência Estudantil e Programa Bolsa Permanência". Nós fizemos a lição de casa, encomendamos, através da Unesco, um estudo - depois, Senador Paim, eu o deixarei de forma digital, para que o senhor compartilhe com eles... Encomendamos o estudo, conforme solicitado pelo TCU, e esse relatório, esse trabalho, esse documento foi entregue para a Relatora, Deputada Dandara, que certamente analisou e aproveitou aquilo que, dentro do projeto dela, está contemplado. Então, esse item também está contemplado aqui. Além do mais, coloca o item 9.2.3 - o TCU coloca: "Elabora estudos da revisão de critério de renda atualmente utilizado", que era o item 9.5, e o relatório de Dandara, o projeto aprovado na Câmara, traz para um salário mínimo. Está aqui também o trabalho que nós encomendamos junto à Unesco, o Ministério da Educação, com os dados que também entregamos para a Dandara, dos quais ela se utilizou para formular seus argumentos. O outro tópico é a abrangência da faixa de renda, que também | |
Outro tópico, que é a abrangência da faixa de renda, que também está no 2.3.1, também está contemplado ali na questão. Outro tópico que o TCU recomendou foi exatamente das comissões de heteroidentificação, porque, além de comissão de juristas, STF, MPF considerarem a constitucionalidade das comissões de heteroidentificação, o TCU também expressa a preocupação do mecanismo que combate as fraudes e pediu que encomendássemos os estudos, pediu ao MEC. Nós encomendamos, o estudo está aqui e também será compartilhado com o Senador Paim. Esses são estudos encomendados. Agora, não é verdade que não existem dados oficiais sobre o acompanhamento e monitoramento da Lei de Cotas. Em 2019, houve, ainda no Governo anterior, um TED, junto com a Enap (Escola Nacional de Administração Pública)... (Soa a campainha.) O SR. CLEBER SANTOS VIEIRA - ... encomendando exatamente um estudo para saber o impacto da Lei de Cotas no serviço público e criar uma metodologia... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tem um minuto. O SR. CLEBER SANTOS VIEIRA - ... para avaliação da Lei de Cotas. Esse estudo foi realizado, é público, está online no site da Enap, encomendado por um órgão do Poder Executivo para uma autarquia e foi realizado. Também, desde 2016, foi elaborado o Simope (Sistema de Monitoramento de Políticas Étnico-Raciais), que estava anteriormente na responsabilidade do MIR, agora MIR. Esse sistema foi elaborado, porém foi descontinuado a partir de 2016, mas é uma plataforma oficial. E, para completar, Senador Paim, também os dois estudos do nosso principal instituto de pesquisa educacional do Brasil, que é o Inep, criado pelo saudoso Anísio Teixeira. E nós encomendamos também dois estudos abrangendo as questões colocadas pelo TCU na revisão de cotas, isto é, dois estudos avaliando exatamente a questão da distorção de renda e a questão do ingresso de ampla concorrência e cotas. Então, os estudos do Inep são estudos oficiais. Os dados apresentados pelo Inep são trabalhos, estudos, pesquisas oficiais, que foram entregues à Relatora do projeto na Câmara dos Deputados, a Deputada Dandara, e que serão também entregues aqui ao Presidente Paim, que depois compartilhará com o senhor. Obrigado, Senador. Desculpe-me ter avançado em tempo. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, ficou dentro do tempo. Esse foi o Sr. Cleber Santos Vieira, Assessor do Gabinete da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão, Secadi, Ministério da Educação. Agora eu vou passar a palavra para o Eliel, porque ele tem voo também. Então, vou passar a palavra para o Sr. Eliel Benites, Diretor do Departamento de Línguas e Memórias Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas. O SR. ELIEL BENITES (Para expor.) - Obrigado pela oportunidade. Eu queria responder ao Senador Girão trazendo um pouco... Não tem uma pergunta específica, mas uma parte dessas perguntas traz um pouco no âmbito das boas experiências. Eu acho que a presença indígena na universidade é importante relatar um pouco aqui. Eu acho que é fruto também dessas políticas afirmativas. Hoje os povos indígenas estão procurando, vindo nas universidades em todo o país. Por exemplo, na própria Universidade Federal da Grande Dourados, nós temos cursos específicos voltados aos estudantes indígenas, mas eles estão também nas outras graduações, e estão saindo muitos trabalhos muito interessantes. É importante considerar esse processo. | |
O que falta, expresso aqui, é um tratamento dessa política pública - respeitando, claro, as universidades, a sua autonomia -, como conduzir de uma forma mais ampla essas iniciativas exitosas de muitas universidades em relação à recepção dos acadêmicos indígenas. Tem muita experiência, por exemplo, a UFGD, a própria UnB, a UFMG e outras. Temos iniciativas, mas que merecem ainda focar, considerar. E o Ministério dos Povos Indígenas, junto com o nosso departamento, está trabalhando nesse processo agora, para que a gente possa estar junto não só ao entrar o indígena na universidade, mas na permanência deles, colocando-o sem perder a sua identidade, porque muitos indígenas vêm das suas comunidades e ficam isolados. Isso dá um impacto para os acadêmicos jovens, muitas vezes, e isso a gente tem que levar em consideração, para que a gente possa construir, de uma forma integrada institucionalmente, esse processo de recepção dos acadêmicos indígenas. Também, com esse processo todo, a própria universidade vai ter ganho epistemológico, ganho em termos de produção acadêmica que está sendo muito importante e interessante considerar. Então, essas mensagens eu quero deixar. Neste debate aqui, eu acho que é importantíssimo constantemente a gente estar refletindo, porque a presença indígena, cada vez mais, desafia em todos os âmbitos a própria universidade, em termos de metodologia, de gestão, de forma de promoção, e precisam estar constantemente avaliadas, analisadas e refletidas essas ações. Então, são essas minhas palavras. Obrigado pela oportunidade, Senador e toda a Casa. Estamos à disposição para estar contribuindo e estamos juntos para construir essa pauta de uma forma coletiva. Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Sr. Eliel Benites, Diretor do Departamento de Línguas e Memórias Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas. Agora voltamos à lista, estamos aqui. Passo a palavra para o Sr. Eli Vieira, Biólogo e Mestre em Biologia Molecular pela Uergs e Mestre em Genética pela Universidade de Cambridge, Reino Unido. Está na tela? O SR. ELI VIEIRA (Por videoconferência.) - Obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Está liberado. O SR. ELI VIEIRA (Por videoconferência.) - Obrigado, Presidente. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Três, mas podendo chegar a cinco, viu, Doutor? O SR. ELI VIEIRA (Para expor. Por videoconferência.) - O.k., tudo bem. Eu sou mestre, não sou doutor. (Risos.) Mestre duas vezes. Obrigado, Presidente. Senador Girão, V. Exa. me perguntou se os critérios das cotas são seguros. Minha resposta curta é não. Eu vou fazer uma elaboração sobre ela com um exemplo. O Instituto Federal do Pará, em 2016, chocou até mesmo os defensores das cotas raciais quando vazou de lá uma tabela com nove critérios para escolher quem seria contemplado ou não pelas cotas raciais, que lembram critérios da ciência racista lá do começo do século XX. Por exemplo, processo zigomático, que é um osso aqui da face, se os lábios são grossos ou não, se os dentes são muito alvos e oblíquos ou não. Então, isso parecia esse ressurgimento de uma coisa muito tenebrosa, que mancha a história da ciência e da minha ciência, a Biologia. O que é interessante para mim é que a desaprovação quase universal a essa tabela parece ser baseada somente na precisão do instrumento; quando, então, uma comissão de heteroidentificação usa uma tabela como essa, é errado porque estão usando o paquímetro. | |
O paquímetro é um instrumento científico para medir como uma régua. É diferente da régua, porque você vai abrindo, assim, para ver o comprimento de alguma estrutura. Então, quando é o paquímetro, é errado, mas, quando é o olhômetro, é certo? Que interessante. Então, a parte errada da coisa está na precisão do instrumento? É isso que eu pergunto. Para mim, esse é um dos problemas insolúveis, insolucionáveis da posição pró-cotas raciais. Se o Brasil estabeleceu, como o IBGE ainda usa, que a cota é autodeclarada, o que está acontecendo, quando se criam coisas orwellianas, como eu defendi, como a heteroidentificação da autoidentificação, é que, na verdade, esse critério da autodeclaração é insincero - é insincero. E foi este o erro da comissão do IFPA, foi sinceridade excessiva, porque eles estabeleceram critérios objetivos para medir com régua ou talvez com tabelas de cores das pessoas, em vez de critérios subjetivos, porque é interessante para uma universidade preferir critérios subjetivos. Então, esse é um dos perigos, esse ressurgimento de uma coisa tenebrosa, um dos perigos desse critério racial para selecionar quem entra ou não entra em cotas reservadas ou coisa assim. E, nos Estados Unidos, o critério racial foi derrubado pela Suprema Corte em julho, agora, por quê? Porque já estava discriminando racialmente os americanos de origem asiática. Inclusive, acharam conversas horrendas das comissões que julgavam se uma pessoa ia entrar, por exemplo, em Harvard ou não, falando mal mesmo, se fosse asiática: "Nossa, olha que nota excelente eles tiram, porque eles têm uma cultura em casa de estudo rigoroso, mas que pena que é asiático, então não vai entrar". Então, é esse tipo de conversa que estava acontecendo lá, está tudo nos autos do processo americano. Sei que já deu três minutos, Presidente. A secretária, cujo nome infelizmente eu esqueci agora, respondeu ao meu ponto, que há um tripé universitário previsto pela Constituição, que estabelece a função da universidade, e eu disse que não, que é um quadripé e que a justiça social é o quarto pé. Quando eu disse justiça social aqui, não é num sentido amplo de justiça social. Todo mundo é a favor de algum tipo de justiça na sociedade. O meu ponto é: a interpretação de justiça social que está sendo feita na adoção de cotas é parcial politicamente, e o Estado brasileiro deveria ser imparcial politicamente. O Estado, não o governo, porque as pessoas votam num governo com certa visão política, mas o Estado tem que ser neutro, assim como ele tem que ser neutro em crenças religiosas. Esse é o meu ponto. (Soa a campainha.) O SR. ELI VIEIRA (Por videoconferência.) - E, para terminar, uma das pesquisas mais ignoradas... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Você tem mais um minuto. O SR. ELI VIEIRA (Por videoconferência.) - Mais um minuto. Obrigado, Presidente. Uma das pesquisas mais ignoradas foi feita pelo casal Leda Cosmides e John Tooby, na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Eles viram que desenfatizar o critério raça como marcador de grupo humano é o que reduz o racismo. Então, há um esforço, eu acredito, baseado em ideologia. Por isso eu pedi para os adeptos da ideologia que reconheçam que eles têm dificuldade de entender outros pontos de vista. A pesquisa mostra isso. Então, desenfatizar a raça é a solução para o racismo, segundo essa pesquisa aqui, que inclusive foi replicada. Outros cientistas refizeram e descobriram a mesma coisa. Então, o Senador Girão não sei se endossou este ponto de vista, mas seja lá quem expressou este ponto de vista: realçar a raça como um critério de tratamento diferenciado nos cidadãos, sim, é uma receita para o racismo. Eu não digo que é racista em si, mas é uma receita para piorar o racismo, sim. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Esse foi o Sr. Eli Vieira, Biólogo e Mestre em Biologia Molecular pela Uergs e Mestre em Genética pela Universidade de Cambridge, Reino Unido. | |
De imediato, passo a palavra ao Sr. Alexandre Brasil Carvalho. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca é Diretor de Políticas e Programas de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC). O SR. ALEXANDRE BRASIL CARVALHO DA FONSECA (Para expor.) - Boa noite. Muito rapidamente vou responder duas questões, uma feita pelo e-Cidadania, pelo site, que o Sr. Paim leu, sobre, além da questão do acesso à universidade, o que mais tem sido feito visando à redução da desigualdade. Então, eu diria que o Ministro Camilo Santana, dentro do MEC, tem estabelecido uma pauta de atuação que envolve investimento forte em educação infantil. O MEC, este ano, até junho, investiu R$400 milhões em educação infantil; no ano passado inteiro, foram R$100 milhões. Então, há um foco muito forte em educação infantil, fortalecimento das escolas. O primeiro ato como Ministro foi o aumento da alimentação escolar, e, para mim, o Pnae é a política pública brasileira mais sensacional, que é a alimentação escolar nas escolas a partir da agricultura familiar, com alimento de qualidade, e que envolve uma série de representações educativas, de saúde e de desenvolvimento local. O foco também do Ministério da Educação hoje é da escola em tempo integral - também é outro investimento pesado que tem sido feito no MEC - e a questão do PL das obras, que foi aprovado aqui por esta Casa e que prevê 3,5 mil conclusões de obras em escolas de educação básica. Então, um elemento fundamental e paralelo a isso, que também foi aprovado aqui pelo Congresso, é o PL da Política Nacional de Educação Profissional e Tecnológica. Então, a universidade, dentro do PAC, tem ampliação de campos universitários como também de campos de escolas tecnológicas, mas a ideia é pensar a educação como um todo, que começa na educação infantil e termina no doutorado, e o MEC tem somado esforços, com o apoio do Presidente Lula e todo o Governo Federal, do centro de governo, no sentido de um investimento pesado em educação, que é fundamental e que visa à redução das desigualdades e ao desenvolvimento do país. Acho que não há dúvida da importância da educação e do papel que ela possui nesse processo. O acesso à educação superior, no caso brasileiro, é fundamental, mas essas outras frentes também têm tido investimento muito pesado, e a intenção do MEC é no desenvolvimento da educação básica e do ensino profissional e tecnológico. E, em relação às perguntas do Senador Girão - e agradeço as observações e comentários -, vou pegar uma questão que foram as políticas de apoio para a questão da universidade. Também está em discussão aqui na Câmara - a Deputada Alice Portugal é a Relatora - uma Política Nacional de Assistência Estudantil. Então, tanto a questão da Bolsa Permanência como as ações hoje no Plano Nacional de Assistência Estudantil, que atualmente existe, são uma preocupação do MEC e da área de que eu estou à frente, no sentido, primeiro, da necessidade de mais recursos financeiros e, segundo, de estratégias de busca de boas práticas que visem a garantir a permanência estudantil e a apoiar os estudantes. O Sisu tem uma grande virtude, que é promover a mobilidade dos estudantes no Brasil: cerca de 10% de estudantes saem da sua cidade para outra cidade. Então, é fundamental que as universidades ofereçam a estrutura mínima, como existe mundo afora, para que os alunos fiquem na universidade, tenham acesso à biblioteca 24 horas, tenham acesso ao transporte, tenham acesso à alimentação, tenham acesso a uma série de serviços que o poder público oferece, que não é uma atuação exclusiva do MEC, mas que envolve toda uma rede de que a universidade precisa fazer parte, precisa estar atenta em relação aos seus estudantes, como também em relação ao seu entorno. Acho que um elemento importante nessa redução das desigualdades é a própria atuação das universidades, com a produção de conhecimento, com as políticas de extensão, que é outra ênfase que atualmente nós temos no MEC, | |
atenção, que é outra ênfase que atualmente nós temos no MEC, de aumentar a extensão, de oferecer recursos financeiros para que as universidades possam estar presentes no seu entorno e contribuir junto à prefeitura, junto aos governos de estado, junto ao Governo Federal na execução de políticas públicas e no enfrentamento dos desafios que nós enfrentamos enquanto nação. (Soa a campainha.) O SR. ALEXANDRE BRASIL CARVALHO DA FONSECA - Quero agradecer novamente ao Senador Paim por esse bom debate e desejar todo sucesso na trajetória e também saudar o Senador Girão. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito obrigado, Sr. Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca, Diretor de Políticas e Programas de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC). De imediato, Sra. Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves, Presidente da Nação Mestiça. A SRA. HELDERLI FIDELIZ CASTRO DE SÁ LEÃO ALVES (Para expor.) - Bem, queria dizer que estou feliz de estar aqui. O Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro foi ouvido, 83 milhões de pardos que estão sendo excluídos por não se assumirem negros foram ouvidos, e eu agradeço muito ao Senador Plínio Valério, o nosso Senador mestiço do Estado do Amazonas, que abriu essa porta para o movimento. Agradeço ao Senador Girão, que provocou essa audiência pública para os debates, junto com o Senador Paim. Quero dizer que me preocupa muito quando o Governo começa a fazer política que visa dividir o povo. Eu estou aqui... Inclusive, apresentei no meu eslaide: está aberta a inscrição do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Aí aparece aqui, ó: por um Brasil para e pelo povo negro. Se eu sou... O Conselho de Igualdade Racial é um conselho para todos. Agora, quando eu começo a direcionar a apenas um segmento, isso é preocupante. Então, que mude o nome, não é? Que o Ministério da Igualdade Racial mude o nome do Conselho Nacional da Igualdade Racial, porque igualdade é para todos. Então, nós queremos igualdade. E eu peço a esta Casa: nós pardos somos os misturados, somos mestiços, conforme o IBGE. E aí eu peço ao Senador Paim que possa rever o Estatuto da Igualdade Racial, que nos qualifica como negros: somando pretos e pardos, formam-se os negros no Brasil. Precisa ser revisto, porque nós, segundo o IBGE, somos mestiços. E nós devemos ter o respeito e o direito: se tem cotas, nós também, os pardos, temos o direito de ter nossas cotas separadas das dos pretos. E também quero dizer da satisfação de estar aqui, fazendo valer o nosso grito, calado há 11 anos, quando foi aprovado o estatuto, em 2010. E nós ficamos sendo subjugados quando nós tentamos acessar as cotas, principalmente nós do Estado do Amazonas, onde nós somos aquela mistura do índio com o branco. Fomos excluídos, escorraçados, ameaçados. Como vocês viram, aquela jovem de 15 anos, o quê... Uma jovem de 15 anos, você dizer que ela não é parda, você está sendo uma pessoa fraudulenta. Para uma jovem, para uma adolescente, é uma coisa terrível. | |
Então, nós só queremos fazer valer o nosso direito de ser mestiço, de ser pardo e de ser brasileiro. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Sra. Helderli Fideliz Castro de Sá Leão Alves, Presidente da Nação Mestiça, foi a última aqui que usou da palavra antes do encerramento. Eu farei uma consideração rápida no encerramento, inclusive entendendo eu que, com essa minha fala eu atendo, inclusive, o interesse de V. Sa. - V. Sa., eu acho que nessa audiência pública foi a mais vitoriosa, porque V. Sa. vai ver na minha fala que a senhora pode ir para casa tranquila, porque o seu pleito foi atendido. Mas farei isso agora, no encerramento. Pode falar, Dra. Márcia Regina de Lima Silva, Secretária de Políticas e Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial. A SRA. MÁRCIA REGINA DE LIMA SILVA (Para expor.) - Senador, muito obrigada pelas suas questões. Eu acho que as suas perguntas, boa parte delas... A que eu acho que é mais preocupante é em relação à revisão da Lei de Cotas, ao sentido da palavra revisão. Eu acho que os colegas, tanto o Cleber quanto o Alexandre, responderam bem quanto ao encaminhamento que para isso foi dado. Eu só queria complementar com uma coisa: eu acho que aí entra uma questão política que a gente não pode deixar de tratar aqui nesse momento. A Lei de Cotas foi aprovada em 2012, e todos os problemas que foram relatados aqui... A gente não teve, desde o Governo Temer, um acompanhamento da política. Eu acho que um governo que assumiu em janeiro conseguir dar em nove meses uma resposta formal... Foram feitos os estudos, as consultorias. Nós já sentamos várias vezes com o MEC para discutir a recomposição do comitê de acompanhamento e avaliação, que também não existiu. Então, acho que é um mérito muito grande dessa gestão e dos ministérios envolvidos nesse processo que a gente esteja muito empenhado nas suas preocupações, que são muito legítimas. Eu acho que a gente tem aí um conjunto, agora, de dados oficiais, informações do Inep e de outros órgãos públicos, relacionados ao que é realmente esse processo da revisão, que eu acho que é realmente preocupante. O trabalho que eu desenvolvi e o de diversos colegas acadêmicos são estudos acadêmicos, como o senhor mesmo chamou à atenção, mas todos muito voltados, utilizando dados oficiais das universidades e dados oficiais do Governo brasileiro... A gente tem... Embora a política, a lei tenha dez anos, nós temos vinte anos de muito estudo, de muita investigação e de muitas experiências bem-sucedidas, como o senhor realmente chamou à atenção. Estudos internacionais, de outros países para além dos Estados Unidos, que é sempre o país em que se mira para olhar essa questão, também implementaram políticas de ações afirmativas, e aí eu acho que é importante a gente chamar a atenção aqui para essas comparações internacionais. Elas têm muita dificuldade... Por exemplo, o caso americano, que o senhor citou. A Suprema Corte voltou... Lá, o processo seletivo é muito diferente, então você fala de usar o critério racial como um dos elementos com que você analisa o candidato para entrar na universidade. O que a Suprema Corte proibiu foi usar um desses critérios, mas outros critérios continuam funcionando, como pobreza, como outras condições sociais e outros elementos também que muitas das vezes sequer têm a ver com performance acadêmica. Então, é uma experiência muito diferente, e as universidades vão poder continuar olhando esse candidato e a aplicação dele - os candidatos apresentam uma candidatura -, e eles não vão poder utilizar esse critério, mas outros critérios socioeconômicos poderão ser usados, e não há uma proibição de criar diversidade na universidade. | |
Então, acho que esse é um ponto. Temos muitas experiências bem-sucedidas. O modelo de ação afirmativa que se construiu no Brasil é puramente brasileiro, não é? Ele não é cópia do modelo dos Estados Unidos, ele não é cópia do da África do Sul, ele não é cópia do da Índia, ele é um modelo nosso, com as características das nossas desigualdades. E tem um fator que eu acho que a gente fala muito pouco, Senador, relacionado às ações afirmativas: é que essa política transformou a demanda de acesso ao ensino superior. Hoje, nós temos mais candidatos pobres, pretos... (Soa a campainha.) A SRA. MÁRCIA REGINA DE LIMA SILVA - ... pardos, indígenas se candidatando às universidades. Eles têm hoje a universidade como um projeto de vida. Antes dessas políticas, nós não tínhamos, Senador. Se você pega estudos sobre estudantes de ensino médio, o que eles vislumbravam depois do ensino médio era o mercado de trabalho, era uma formação ou outra, uma qualificação profissional. As ações afirmativas mudaram a perspectiva do jovem brasileiro, e isso não tem preço. Isso muda a forma de você olhar para o seu futuro. Eu acho que, às vezes, nesse debate, Senador, a gente fica muito preso a esses cálculos muito objetivos, essa métrica do sucesso da política. A política mudou a maneira como os jovens pobres no Brasil olham para o seu futuro. Isso não pode ser menor na avaliação da política. Os jovens brasileiros nunca acreditaram, porque a nossa desigualdade nunca permitiu a esses jovens acreditar nesse potencial, que eles pudessem chegar a esse lugar. Vários colegas aqui falaram - inclusive a pesquisa que eu coordenei no consórcio também chamou a atenção para isso - da pouca diferença de resultado de desempenho. A gente poderia se perguntar: então, por que precisamos de políticas? Porque o sistema educacional exclui. A gente precisa demonstrar que esse sistema não é mais um sistema excludente. Eu acho que esta é a mudança mais profunda: os nossos jovens, hoje, têm opção. E isso precisa ser mantido, isso precisa ser valorizado. Muito obrigada. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, parabéns, Sra. Márcia Regina de Lima Silva, Secretária de Políticas e Ações Afirmativas, Combate e Superação do Racismo do Ministério da Igualdade Racial. A SRA. MÁRCIA REGINA DE LIMA SILVA (Fora do microfone.) - Só isso, Senador... Que nome grandão deram para minha função! É um trabalho simples... (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Tem muito, muito por fazer. Olha, eu queria agradecer a todos. Foram quatro horas de um bom debate, qualificado, em um alto nível, em que ficou claro para todos que nós aqui não estamos debatendo se cota deve ou não ser aprovada. E esse foi o eixo do debate, que cota vai ter revisão de dez em dez anos. Assim diz a lei original e isso é o que nós estamos fazendo. Nós não estamos debatendo aqui se cotas devem ou não devem... Digamos que não fosse votado esse ano. As políticas de cotas vão vigorar como estavam. E tem algumas coisas que têm que ser aperfeiçoadas. | |
E aí eu vou me dirigir à senhora com o maior carinho e respeito que eu tenho para com a senhora. Eu quero cumprimentá-la pela defesa que fez aqui dos pardos, e fez uma defesa que o painel mostrou com muita clareza: a senhora botava a população mestiça, entre parênteses, pardos. É exatamente isso que nós trabalhamos. E agora quem vai cuidar exatamente disso nesse projeto? O projeto de lei faz a atualização dos órgãos encarregados pelo acompanhamento da avaliação da Lei de Cotas: o Ministério da Educação, e o ministério de política de promoção da igualdade racial, o Ministério da Igualdade Racial, e o Ministério dos Povos Indígenas, e vai mais: ainda vai ter agora a Fundação Nacional dos Povos Indígenas. Esses serão os responsáveis. A senhora pode ficar tranquila mesmo, que com essa fiscalização a sua preocupação está resolvida. Os pardos estarão contemplados com a inovação. Por isso que a senhora tem que ser uma das primeiras... Quero ver a senhora no dia da votação, hein? No dia da votação a senhora tem que estar aqui junto conosco, fazendo campanha, porque, com essa nova redação, o seu povo, da senhora, que é presidenta do movimento, vai estar contemplado porque agora os pardos terão participação do Ministério dos Povos Indígenas e ainda da Fundação Nacional dos Povos Indígenas. Entendo que, com essa fala, que era a maior preocupação... Se eu não me engano, é o que está no substitutivo apresentado pelo Senador Plínio Valério, porque ele está preocupado: que os descendentes de indígenas com negros e brancos estejam também contemplados. E com essa redação dada aqui vão estar contemplados. Quero que a senhora faça um apelo, inclusive... Vou fazer esse último apelo a V. Sa.: peça para o nosso querido Senador, meu amigo querido, como é o Senador Girão, que retire esse substitutivo, porque não tem razão de ser, já que, com essa redação feita - e eu estou aqui garantindo, porque está escrito e há regulamentação, os ministérios podem também assegurar isso, porque estão aqui representados -, a questão está resolvida. Com isso, a matéria poderá ser votada até amanhã, de forma simbólica, e vai para a regulamentação com essa preocupação expressa pelo nosso querido Senador Plínio e também por V. Sa. Com isso, cumpridos os motivos dessa reunião, eu dou a nossa audiência pública de hoje por encerrada, e oxalá a gente vote a matéria no dia de amanhã. A proposta do Girão era para votar no mesmo dia. Está encerrada a audiência pública... O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE. Pela ordem.) - Só um detalhe, Presidente: a pauta já saiu, e não está na pauta para amanhã. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, eu estou sabendo. Eu vou fazer o apelo... O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - E o pessoal quer fazer um apurado do que aconteceu aqui; alguns Senadores que não puderam vir... O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Não, mas é natural. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - ... alguns nomes pediram para fazer um relatório, e até amanhã não dá tempo de a gente conseguir trazer. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Eu fiz esse apelo porque V. Exa. havia proposto lá na CDH - e eu cumpro acordo -, V. Exa. me disse - e não estou cobrando, estou apenas dizendo - que faríamos a audiência pública e votaríamos até no mesmo dia. Essa era a sua... O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Eu disse que, por mim, não teria problema. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Votaríamos até no mesmo dia. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Por mim, não teria problema, agora, pelo que eu soube dos colegas, eles querem um apurado dessa audiência pública. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - É uma pena eles não estarem aqui. O SR. EDUARDO GIRÃO (Bloco Parlamentar Vanguarda/NOVO - CE) - Infelizmente. O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Infelizmente, porque se quisessem apurar, o melhor momento era esse, com todos os convidados para responder todas as perguntas. Eu me preparei hoje para ficar aqui, se necessário fosse, até 10h, 11h, meia-noite. Na Constituinte eu ficava, e hoje eu ficaria também. Eu só espero que não se atrase a votação. É fundamental para que ela possa ser regulamentada pelo Ministério da Educação. | |
Muito obrigado a todos. Parabéns a todos que ficaram aqui, heroicamente, até o último minuto. Está encerrada a audiência. (Iniciada às 14 horas e 59 minutos, a reunião é encerrada às 19 horas e 12 minutos.) | |