Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP. Fala da Presidência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 7ª Reunião da Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. Objetivos e diretrizes da reunião. A presente reunião destina-se à realização de audiência pública com o objetivo de debater a aplicação da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, com a participação dos seguintes convidados... Antes de falar um por um, eu queria me desculpar pelo atraso, teve um atraso no voo, e dizer que eu estou muito feliz de ter vocês aqui. Eu vejo não como o começo, porque há muito muitas e muitos já vêm trabalhando, mas eu acho que é um grande momento de a gente conseguir transformar muita coisa para melhor nesse tema. Eu estou muito empolgada com a nossa audiência. Então, eu queria falar dos nossos convidados. Com tantas mulheres, são dois homens que estão em primeiro lugar, mas a gente faz essa reverência a eles: André Veras Guimarães, Diretor do Departamento de Imigração e Cooperação Jurídica do Ministério das Relações Exteriores; André de Carvalho Ramos, Procurador Regional da República, em participação remota; Érico Lima de Oliveira, Defensor Público Federal, participação via Zoom; Lutiana Valadares Fernandes, Defensora Pública Federal, participação também via Zoom; Juliana Wahlgren - falei certo? Acho que não -, Diretora Fundadora da Rede Europeia de Apoio às Vítimas Brasileiras de Violência Doméstica (Revibra), participação remota via Zoom; Claudia Grabois, Advogada e Consultora Especialista em Direitos Humanos, Direito Internacional de Família, Diversidades e Convenção da Haia 28, participação remota via Zoom; Natalie de Castro Alves, Cofundadora do Instituto Nós por Elas; Tunisia Viana de Carvalho, mãe envolvida em caso de sequestro internacional de criança e parceira do Grupo de Apoio a Mulheres Brasileiras no Exterior (Gambe); Karin Rachel Aranha Mohamed Fayz, mãe envolvida em caso de sequestro internacional de criança; Teresa Joyce Shanks Nunes, mãe envolvida em caso de sequestro internacional de criança, participação remota; Raquel Cantarelli, mãe envolvida em caso de sequestro internacional de criança; Damaris Cristine Lima Rodrigues, mãe envolvida em caso de sequestro internacional de criança; Neide Heiniger da Silva, mãe envolvida em caso de sequestro internacional de criança, participação remota. |
| R | Informo também que foram convidados a Advocacia-Geral da União, o Ministério das Mulheres, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e Deborah Silva Oliveira, Fundadora do Coletivo Mães de Haia, que não puderam comparecer a esta audiência. Antes de passar a palavra aos nossos convidados, comunico que esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados por meio do Portal e-Cidadania, na internet, no endereço www.senado.leg.br/ecidadania ou pelo telefone 0800-0612211. Bom, quero agradecer a presença das autoridades e das mulheres brasileiras que vieram até aqui ou de forma remota, mulheres mães que enfrentam diversos desafios, que atenderam ao nosso convite e se dispuseram a vir a esta audiência pública. Muito obrigada pela presença de cada uma e de cada um de vocês aqui conosco. E eu quero agradecer também a presença dos Senadores que vierem. Quero cumprimentar a nossa pequena Senadora Ivani Boscolo, que é minha suplente, com muita honra, e os demais presentes nesta sala hoje. Muito obrigada a todos vocês. Eu não posso deixar de levantar e de lamentar a ausência do Ministério da Justiça e Segurança Pública e do Ministério das Mulheres, que não enviaram nenhum representante, mesmo com o convite tendo sido enviado há mais de dez dias pela Comissão. Eu não posso acreditar que não há nenhum servidor público disponível nesses ministérios que possa vir trazer informações sobre as atribuições, sobre o que estão fazendo sobre um tema que tem afligido fortemente muitas mulheres, famílias, muitas mães e dezenas de crianças e adolescentes que precisam de respostas e auxílio do poder público. Infelizmente, tais ausências beiram o descaso com essas famílias e o desrespeito com Deputados e Senadores desta Comissão Mista. Eu, antes de vir para cá, estava no telefone, ligando para o Ministro, para a Ministra, implorando: "Puxa vida, a gente precisa de representante", mas, enfim... Esta audiência pública é de extrema importância. É a primeira vez que reunimos tantas mulheres para trazerem seus depoimentos, para mostrarem, na prática, suas angústias e pedirem respostas. |
| R | Agradeço a parceria de sempre do Itamaraty com a CMMIR e agradeço também aos representantes do Poder Judiciário. Há pouco mais de oito anos, realizamos uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados justamente para discutirmos a aplicação da Convenção da Haia. Aquela audiência pública ocorreu em agosto de 2015. Os casos dessas mães que fogem da violência e dos abusos cometidos por seus ex-companheiros estrangeiros muito me sensibilizam. Essas mães fogem em desespero para colocar seus filhos em segurança e para se sentirem protegidas em seu país, perto das suas famílias e, depois de muito sofrimento, em vez de encontrarem amparo ao voltarem ao Brasil, essas mães passam a ser consideradas criminosas. Infelizmente, esses casos continuam a ocorrer ao redor de todo o mundo, colocando, além das mulheres, muitas crianças e adolescentes em uma situação extremamente vulnerável. Tal situação exige de nós, tanto no Parlamento quanto no Executivo e no Judiciário, uma atenção especial para defender os seus direitos. Eu tenho apelado para diversos ministérios, como o Itamaraty, aqui presente, mas, sobretudo, para o Ministério da Justiça e Segurança Pública e para o Ministério das Mulheres que possamos oferecer apoio para essas mulheres, mais especialmente, oferecer proteção para as crianças e adolescentes brasileiros, que muitas vezes não são ouvidos nas suas decisões judiciais, que as obrigam a voltar a viver em um país estrangeiro, sozinhas, com pais, muitas vezes, abusadores e que se valem da Convenção da Haia para retomar sua posição de poder e perpetuar os abusos. Também tenho mantido contato próximo com as instituições que buscam defender essas mães e proteger o melhor interesse para essas crianças e adolescentes, com a Defensora Pública da União, com o Ministério Público Federal e ainda com as associações de mães e de famílias, como as que estão presentes aqui, e esses são unânimes ao apontar que esse sistema precisa mudar. Neste mês de outubro, ocorrerá em Haia, capital dos Países Baixos, que costumamos chamar aqui no Brasil de Holanda, a 8ª Reunião da Comissão Especial da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, de 1980. Essa será uma oportunidade ímpar para que os países busquem caminhos para reformar a Convenção da Haia e para oferecer maior proteção às mulheres e aos direitos das crianças e dos adolescentes, que não podem continuar sendo as maiores vítimas dessas disputas familiares. O padrão adotado no cumprimento desse tratado internacional é a devolução das crianças e dos adolescentes, minimizando a sua segurança e a do cuidador principal, que normalmente é a mãe. Quando os Ministérios das Mulheres e da Justiça não se manifestam e os tribunais brasileiros adotam a posição de retorno a todo custo, não vemos uma política de salvaguarda ou de avaliação de risco para proteger essas crianças, devolvidas sob a égide da Convenção. Tampouco vemos nenhum tipo de acompanhamento dessas crianças para garantir que estejam seguras. |
| R | Os riscos, portanto, são muitos, e muito altos. Eu costumo dizer sempre, principalmente por trabalhar com deficiências, que as políticas públicas de prevenção são essenciais. No caso das mães da Haia, é urgente uma política pública robusta de prevenção para justamente evitar que casos de sequestro internacional de crianças ocorram. Nós vamos ouvir diretamente de algumas mães que vivem esse drama as suas histórias, por isso é que lamento tanto a ausência do Ministério das Mulheres, que seria a principal pasta a liderar esse processo e a defender as mulheres, as mães, que sempre são as partes mais vulneráveis nesse processo. Eu tenho defendido a criação e a difusão de cartilhas que apresentem, em linguagem simples e clara, quais são os direitos e os deveres de mulheres e também de homens brasileiros que queiram se casar com pessoas de outras nacionalidades. Precisamos também capacitar nossos servidores públicos, aqui no Brasil e em nossa extensa rede de consulados ao redor do mundo, para conhecerem os direitos e procedimentos relacionados à Convenção da Haia para a proteção das crianças e da sua infância, mas também para salvaguardar os direitos das mães, muitas vezes vítimas de violência doméstica. Por isso, nosso objetivo em promover esta audiência, em buscar reunir diversos atores - mães, sociedade civil organizada e representantes do Executivo e do Judiciário -, é buscar dar início ao protagonismo brasileiro, com uma posição mais ativa em prol da defesa do elo mais vulnerável, que são nossas crianças, nossos adolescentes e as mulheres brasileiras. Elas são a parte mais frágil e sofrem as consequências disso. Então, reafirmo o meu compromisso com as medidas necessárias para que possamos construir, juntas e juntos, essa nova agenda. E vamos dar voz às nossas convidadas e aos nossos convidados. Eu não queria que vocês ficassem tão chateados como eu estou com essas ausências, porque nossa audiência vai ser gravada e nós vamos fazer com que ela chegue a eles. Então, agora já virou um pequeno desafeto que nós vamos ter que consertar. Eles vão ter que se redimir, e com vocês, não comigo. |
| R | Antes de passar a palavra aos nossos convidados, eu comunico que esta reunião será interativa, transmitida ao vivo e aberta à participação dos interessados, por meio do Portal e-Cidadania, na internet, no endereço senado.leg.br/ecidadania, ou pelo telefone 0800 0612211. O relatório completo, com todas as manifestações, estará disponível no portal, assim como as apresentações que forem utilizadas pelos expositores. Na exposição inicial, cada convidado poderá fazer uso da palavra por até dez minutos. Ao fim das exposições, a palavra será concedida aos Parlamentares inscritos para fazerem suas perguntas ou comentários. Como temos uma participação expressiva de convidados na presente audiência, convidarei, primeiramente, para tomar lugar à mesa, as Sras. Tunisia Viana de Carvalho, Karin Rachel Aranha Mohamed Fayz, Raquel Cantarelli e ainda, a Damaris Cristine Lima Rodrigues, que está escrito aqui que ia ser remota, mas graças a Deus, ela está presente. (Pausa.) Eu vou começar passando a palavra para a Tunisia, que é uma das mães que está presente, e depois eu passo já para quem está com bastante pressa no plenário remoto, que vai ser a Juliana Wahlgren. Com a palavra, Tunisia Viana de Carvalho, que é uma mãe envolvida em caso de sequestro internacional de criança e parceira do Grupo de Apoio a Mulheres Brasileiras no Exterior (Gambe). Com você a palavra, Tunisia. A SRA. TUNISIA VIANA DE CARVALHO (Para expor. Fora do microfone.) - Boa tarde a todos. Agradeço a oportunidade à Senadora principalmente. Hoje a minha filha vai completar dez anos. Quando a audiência pública, em 2015, aconteceu, minha filha foi citada, nessa audiência que a senhora mencionou. Eu sou grata por todo seu apoio e acolhimento desde aquela época. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Obrigada. A SRA. TUNISIA VIANA DE CARVALHO - E hoje eu estou aqui para falar por muitas mães. (Fora do microfone.) Obrigada. Ah, perfeito. Ah, o.k. Tá certo, obrigada. Bem, vou tentar explicar brevemente. Eu tenho muito a explanar aqui. O que é o Artigo 28 de Haia? "Os Estados signatários da presente Convenção, firmemente convictos de que os interesses da criança são de primordial importância em todas as questões relativas à sua [...] [guarda]; desejando proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou de retenção ilícitas e estabelecer [...] [procedimentos] que garantam o retorno imediato da criança ao Estado de sua residência habitual, bem como assegurar a proteção do direito de visita...". O que significa cumprir Haia 28? Cumprir a convenção é usado constantemente como equivalente a repatriar a criança, mas qual o contexto social que leva uma mãe brasileira a entrar em Haia, seja viajando sem autorização ou praticando retenção ilícita do menor? Como repatriar uma criança reflete nos direitos da própria criança no pós-Haia? |
| R | Quais as garantias, ofertadas por outros países, de que a criança tem os seus direitos assegurados? Quais são os interesses superiores de uma criança? O que está em primeiro lugar quando se trata de decidir onde a criança vai morar a maior parte do tempo? A visão do superior interesse da criança é o objeto de várias discussões. Afinal, quem sabe o que é melhor para uma criança específica, além do contexto social maior e do conceito jurídico do superior interesse da criança? O direito da criança em pronunciar: uma questão de direitos humanos. Acreditar na palavra da criança quando elas são maduras para serem ouvidas e não classificar as mães como alienadoras quando a criança fala em favor de permanecer com a mãe. O reconhecimento do impacto do abuso doméstico nas crianças, como é bem reconhecido internacionalmente. Inclusive, há países cuja legislação reconhece explicitamente que a exposição ao abuso doméstico pode representar um dano significativo para menores e se apresenta como uma nova defesa contra o regresso em circunstâncias de abuso doméstico. Essa é uma menção à Relatora Reem, da ONU Mulheres. Também saiu, recentemente, um relatório mencionando Haia, diante da denúncia de uma ONG internacional, que se chama Philia. Eu vou retratar aqui para vocês o que de fato acontece com as mães no exterior para que elas cheguem a essa fatídica e trágica Convenção de Haia e a aplicabilidade no Brasil. A mulher brasileira é duplamente oprimida fora do Brasil, não somente pertence à categoria mulheres, que historicamente são colocadas em posição subalterna em relação ao homem, mas também são do terceiro mundo, racializadas, marginalizadas e sofrem xenofobia. Mesmo no âmbito familiar, muitas vezes são impedidas de falar português com suas crianças, apesar de inúmeros estudos que defendem o bilinguismo como vantajoso para o desenvolvimento neurocognitivo das crianças, como também são impedidas de transmitir outras heranças culturais como arte e culinária brasileiras. Quando essa mulher brasileira passa a enxergar o ciclo de violência doméstica em que vive e tenta buscar apoio em instituições de assistência social ou de saúde, não o encontra. À medida que as crianças vão crescendo e a violência vai escalando, cresce também o receio de perder o convívio com seus filhos, em caso de separação. Pode passar essa parte. Obrigada. Entrou em Haia? E agora? E agora, mãe? Os idealizadores do Artigo 28 da convenção não consideram que um dia as circunstâncias poderiam mudar e que mães talvez fossem fugir com seus filhos para se protegerem da violência doméstica a que eram submetidas. No contexto atual, a convenção acaba sendo usada como uma arma contra mulheres, tal qual a Lei da Alienação Parental no Brasil. Não há valoração da palavra da vítima nem compreensão do contexto social em que essas mulheres e crianças vivem em outros países. O controle coercitivo pode ser impedido, caso o protocolo de perspectiva de gênero seja aplicado. |
| R | O que esses casos têm em comum? A mãe brasileira que fez retenção ilícita do filho que nasceu no Canadá; a mãe brasileira que ficou dois anos retida num barco na Europa; a mãe brasileira que tem um filho autista e sofre violência; a mãe brasileira que fez retenção ilícita da filha com dupla nacionalidade, suíça e brasileira; a mãe brasileira que fez retenção ilícita dos filhos que sofreram violência sexual; a mãe que está de tornozeleira, pois é, uma mãe que teve até o seu direito de ir e vir ceifado; a mãe brasileira que fez retenção ilícita do filho autista e foi presa na Suécia ao retornar, foi espancada, quase veio à óbito e, depois, no dia da guarda do seu filho, o genitor, que requereu a guarda dessa criança, através da Convenção de Haia, estava na África passeando - essa é a realidade das mães; a mãe que sofreu violência, está retida na África do Sul e que em breve vai voltar ao Brasil e abandonar a sua filha, porque está em precariedade financeira. Protocolo de perspectiva de gênero do CNJ. É muito importante, ter em mente que não existe uma desigualdade de gênero única e universal. Isso porque as experiências de desigualdades são constituídas por inúmeros marcadores sociais que se interseccionam como raça e classe, por exemplo, ou seja, a multiplicidade de opressões opera em diferentes graus e formas sobre as pessoas. Aqui eu vou deixar um pouco das nossas ações em que nós fazemos um trabalho de pré-Haia, porque a nossa intenção é proteger essa mulher e essa criança para que elas não entrem dentro da Convenção de Haia, porque nós sabemos o quão dolorido é e como o Brasil trata mulheres nessa condição com os seus filhos, é fatal: o trabalho de prevenção é calcado em difusão de informações sobre o Artigo 28, de Haia; o Got Hagued, auxílio na preparação da mãe para os processos, bem como apoio psicológico, consultoria aos advogados que trabalham para a compreensão social e a perspectiva de gênero; e, o pós-Haia, que é a parte mais difícil para nós, apoio técnico no processo de custódia, acesso às organizações locais e apoio psicológico. E do que precisamos? Precisamos de atores do sistema, sejam policiais, advogados, juízes, médicos, assistentes sociais, técnicos periciais e dos conselhos tutelares, enfim, uma gama de profissionais que valorizem a palavra das vítimas, que tenham compreensão dos ciclos de violência e opressão e que saibam ter um olhar com uma perspectiva de gênero para este problema. A mãe é a base e o laço mais importante da vida de uma criança. Eu deixo aqui um memorial de todas as mulheres com quem nós compartilhamos a dor. Elas passaram por processos de Haia; nós conseguimos auxiliar algumas fora do país para que não caíssem dentro da Convenção de Haia. Eu tenho mais alguns dizeres, será que ainda tenho tempo disponível? A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP. Fora do microfone.) - Tem dois minutos. A SRA. TUNISIA VIANA DE CARVALHO - Tenho? Vou tentar ser breve. Eu registrei alguns pensamentos meus quando estava a caminho aqui de Brasília. O direito internacional público trata das normas e leis que regem as negociações entre países, como pactos e tratados, principalmente de direitos humanos. Já o direito internacional privado é responsável pelo conjunto de normas jurídicas criadas por um Estado ou bloco com a finalidade de resolver os conflitos de leis e espaço, no qual se aplica Haia e o seu Artigo 28, garantindo a efetividade do tratado, mas permitindo ao Estado do Brasil violar direitos humanos de crianças e mulheres em situação de vulnerabilidade decorrente de violência doméstica perpetrada pelo genitor agressor. |
| R | O requerente possui ampla defesa disponibilizada pela AGU, acionada pela Acaf, tornando o Estado do Brasil cúmplice da violência, considerada violência institucional. Além do mais, a atuação da AGU torna-se parcial, pois o princípio da reciprocidade não se aplica em outros Estados-membros. Faz-se necessária a contratação de um representante legal no exterior para ajuizar a ação de repatriação, e muitas mães encontram-se em situação de precariedade financeira devido à violência patrimonial perpetrada pelo genitor agressor. (Soa a campainha.) A SRA. TUNISIA VIANA DE CARVALHO - Infelizmente, nesses casos, são desconsiderados tratados internacionais, dentro deles o CEDAW, a Convenção de Belém do Pará para direitos de mulheres e meninas, o Pacto de São José da Costa Rica, o protocolo de gênero e a sua resolução, o ECA e a nossa Carta Magna, a Constituição Federal, que cita o art. 227 sendo enfático sobre o dever de todos em proteger a criança. E, por fim, recordamos que a inclusão da AGU se deu no período do caso do menino Sean Goldman, em que não havia denúncia de violência doméstica contra o genitor, mas, sim, um imbróglio sobre herança. Então, o Senador estadunidense propôs embargos políticos econômicos contra o Estado do Brasil. Logo o Governo, naquele momento, entendeu que poderia ser prejudicado economicamente e determinou a atuação da AGU em todos os casos de Haia, 28, sem levar em consideração que a maioria dos casos são de mulheres, mães, vítimas de violência doméstica, as quais tiveram os direitos negligenciados pelo Estado requerente, tornando o Estado do Brasil um agressor direto de mulheres e crianças, expondo a mesma mediação com denunciados, praticando violência institucional, repatriando as crianças e expondo a violência, situação intolerável. Diante do exposto, senhores, faz-se necessária uma legislação para casos em que existem violações de direitos humanos, pois eles são inegociáveis, indivisíveis e invioláveis. Obrigada. (Pausa.) A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Obrigada, Tunisia, pela sua fala. O Ministro Flávio Dino ligou e já está mandando a Acaf. Então, teremos alguém. Agora eu vou passar a palavra para Juliana Wahlgren, que não está no Brasil - e tem fuso horário aí. Ela é Diretora Fundadora da Rede de Apoio às Vítimas Brasileiras de Violência Doméstica (Revibra) e vai participar de forma remota. Então, a palavra está com você, Juliana Wahlgren. |
| R | A SRA. JULIANA WAHLGREN (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde a todas, a todos e a todes. Muito obrigada pelo convite à Comissão Mista e também à Senadora Mara Gabrilli. Eu falo da Revibra (Rede Europeia de Apoio às Vítimas Brasileiras de Violência Doméstica) e eu falo da Bélgica. Então, agradeço muito o espaço de poder falar em primeira ordem. Tenho uma pequena apresentação aqui para vocês. Espero não ser repetitiva. Eu acho que a conversa de hoje é muito importante para trazer a voz das mães. Então, fico muito feliz de ver Raquel, ver Karin, ver Damaris, ver Neide aqui, porque, se tem algumas pessoas que têm a voz da experiência "técnica", entre aspas, temos outras aí que têm a experiência da vivência, que é tão importante e, quem sabe, mais que a experiência dos advogados e dos atores de terreno. Trago uma apresentação muito dentro do contexto Brasil-União Europeia, porque, é claro, como a convenção traz uma dinâmica internacional, não podemos limitar a interpretação da Revibra somente no eixo Brasil-União Europeia. Acho também importante pontuar que a gente fala de um espaço de fala também das Mães de Haia, uma organização mãe-irmã com quem trabalhamos desde 2018, que, infelizmente, não puderam estar aqui hoje por problemas de saúde. Então, a Deborah Oliveira hoje teve que se ausentar. Como toda e qualquer mãe solo, sem família, desamparada não pode cumprir todos os compromissos profissionais, mas estamos aqui para falar com elas e para elas. Como já foi falado anteriormente na fala da Sra. Tunisia, a Convenção de 1980, que trata sobre o sequestro internacional, dentro do aspecto civil, só quer falar de uma coisa: é do país onde a criança mora, da sua residência habitual e para onde ela deve retornar se a criança passa para um segundo país. Então, é uma matemática muito simples, que, inclusive, é tratada dentro do direito comercial. Se a gente olhar como Haia foi tratada, ela não é uma convenção necessariamente de direitos civis. Ela é tratada neste protocolo de direito comercial, mas não é assim que se vê, como se a criança fosse um ativo dentro das negociações entre países. Como todos nós sabemos, a convenção tem cinco exceções. A mais conhecida é, realmente, o não exercício efetivo da guarda, da custódia sem o consentimento ou a concordância do pai ou da mãe. Aquele que é mais conflituoso no contexto brasileiro, que é o entendimento do risco grave à criança, do Artigo 13.1.b, porque no Brasil existe uma grande resistência em se estender e se aplicar e se entender como risco grave à criança não somente o que a gente chama de violência direta, mas também a violência indireta. Há a questão também da tese da criança madura, sobre qual é a idade perfeita para se escutar a criança. Aqui na União Europeia, já temos, inclusive, uma revisão processual que foi feita no ano passado que diz que a idade mínima, ou a idade média, não é nem mínima nem máxima, mas a idade média deveria ser de 12 anos, que serve de exemplo para que crianças possam ser ouvidas de maneira direta pelas autoridades competentes. O Artigo 20, que é um artigo muito pouco utilizado no Brasil, que é a questão da violação aos princípios fundamentais dos direitos humanos. E o Artigo 12.2, que fala sobre a não integração da criança após um ano. Então, a gente não poderia pedir a devolução, o retorno da criança durante um ano. Mas sabemos muito bem, como entendedores da prática e do direito que aqui estamos e dentro desta Comissão, que a teoria às vezes não condiz com a prática. E por isso estamos aqui. |
| R | A gente gostaria de pontuar essa conversa dentro de reflexões que nós entendemos, como Revibra, essenciais. O primeiro é que o Artigo 13.1.b não leva em consideração a evolução do entendimento do que é violência doméstica. Então, uma convenção que foi criada em 1980, antes mesmo de ser criada a Convenção sobre Direitos da Criança, que foi feita muito depois, dez anos depois, não contempla toda a dimensão e o subproduto do que seria o entendimento de violência direta e indireta e como afeta as células familiares. Um outro ponto que eu acredito e que a Dra. Claudia Grabois também vai falar na sua fala é a questão da reserva de gratuidade de representação da Advocacia-Geral da União. Se de um lado a gente oferece gratuidade de justiça para quem começa o processo já no exterior, a gente não dá os mesmos critérios de gratuidade de justiça para quem está no Brasil. Então, se de um lado a gente nem verifica quanto um pai ganha, uma mãe ganha ao iniciar o processo no exterior, no Brasil existem critérios de hipossuficiência enormes que fazem com que essas mães se endividem e que talvez não possam acessar os melhores recursos jurídicos para uma defesa equalitária. E de um outro lado, que é um aspecto que a gente vai elaborar durante essa fala, é a falta de interpretação profunda da exceção do Artigo 20. A gente fala muito do Artigo 13.1.b, que é a exceção da violência doméstica, mas, se a gente combinar com o Artigo 20, que é a violação dos direitos humanos, talvez o Brasil possa trazer reflexões muito profundas. Então, vamos pensar o que acontece antes e depois que a criança volta? O que acontece antes de a pessoa voltar? Porque a convenção é feita dentro de um espírito que tudo pode ser resolvido antes de a criança voltar para o Brasil, antes de a mãe decidir voltar para o Brasil. Mas vamos entender, o que acontece antes de a mulher voltar para o Brasil? A brasileira é lida pelos sistemas fora do Brasil. Existe uma proteção efetiva de violência da vítima antes que ela possa realmente se proteger e pedir uma relocação judicial protegida dentro do sistema criterioso que prevê Haia? Então, vamos lá. Mesmo que Haia preveja que a criança saia do país de residência atual e que tenha que ser com autorização de ambos os pais, quando a gente tenta fazer isso, tanto na conciliação, tanto no reconhecimento da violência doméstica, tanto no pedido de resolução equilibrado para o melhor interesse do menor, isso é tudo invalidado. E aí as mães desesperadas tentam voltar ao Brasil. Quando chegam ao Brasil, acontece, em alguns casos e em outros não, de a criança ter que ser retornada ao país requerente. O que acontece no país requerente? Como a questão é feita dentro do espírito de critérios quase comerciais, que a criança é quase uma commodity, é quase um produto, a gente não está falando aqui de um bem humano, a gente está falando simplesmente de uma mercadoria, de aplicação pura, simples e objetiva de um tratado, sem pensar no critério humano. A gente tirou da Convenção de Haia todo o aspecto emocional de toda a interpretação judicial. |
| R | A criança volta, porque a gente sabe muito bem que o Brasil não se importa com o que acontece antes e com o que acontece depois. O Brasil só se importa com o que acontece no meio. Onde está esse processo? Como a gente interpreta essa execução? E, entendendo as estatísticas mundiais de que 75% das pessoas que são acusadas de sequestro são mulheres, quando a gente entra no recorte migratório, vai entender que quase 90% dessas pessoas são mães migrantes e, se eu puxar mais um pouquinho, dentro das estatísticas de mães migrantes, a maioria é do eixo sul. O que a gente entende aí de desproporção do que é o entendimento do direito humano, da mais-valia humana, do direito fundamental? E aí, quando a criança volta, a gente tem quase um ciclo vicioso. Como a mãe não consegue reconhecer o seu direito no início, ela também não vai reconhecer o seu direito quando a criança volta. E aí temos alguns aspectos complicadores que poderiam ser muito importantes na análise do Artigo 20, que é a violação dos direitos fundamentais, combinado com o Artigo 13.1.b, mas que são desmerecidos e invalidados pelo Judiciário brasileiro. Começamos pela criminalização do sequestro. Se no Brasil a gente entende somente pelos aspectos civis, no direito europeu - que é o eixo que eu quero analisar -, ele é criminalizado também. Depois nós temos a ruptura permanente das mães com os filhos. E, pior, como essa mãe é lida pelo sistema em tentar se equiparar e acessar novamente os seus filhos? O que acontece é que, nesse percurso de tentar achar rede de apoio e tentar se credibilizar como vítima e documentar a violência, como vamos documentar essa violência física, médica, financeira e ambiental? Em alguns países, com efeito, como o Reino Unido, a discriminação financeira nem faz parte do direito da violência doméstica. E a mental, como a gente documenta? E a assistência depois, como é que ela é documentada? E o apoio jurídico? Quem é que prova? É o acusado ou é a vítima? A gente sabe que na lei é aquele que é acusado que tem que provar, mas, na regra, na prática, é quem está acusando que tem que provar. E o que ocorre? Nos poucos casos que a gente consegue levar à Justiça de relocação e violência doméstica, as sentenças são muito brandas em causas validadas. E aqui tem alguns exemplos. Temos um caso de 2019, de uma mãe, na Holanda, que, quando pediu a relocação, o pai falou: "Exijo o cancelamento do passaporte brasileiro, não quero elos familiares com nacionalidade fraca" - que é a brasileira. E um outro, um juiz belga, em 2020, em pleno covid, que fala: "Um único tapa na cara não é considerado violência física"; e fala ainda: "Um abrigo para vítimas é um risco de violência à criança". E depois, em 2003 - agora mesmo -, que fala: "A brasilianidade da mãe é um obstáculo ao exercício da maternidade". Isso foi feito no laudo pelo conselho tutelar na Alemanha neste ano. O que nos leva é esse fenômeno que a gente chama de lacuna do direito, o justice gap, que pode ocorrer de maneira combinada ou separada e ocorre em diferentes momentos: ou na abertura da ocorrência de um inquérito, em que ela quer se fazer como vítima; ou durante a investigação, em que a prova é descredibilizada a todo momento, em que o apoio à vítima nunca é dado depois das decisões judiciais, o que é claramente invisível. |
| R | E no relatório da Revibra a gente vê que os relatórios de violência doméstica são cruzados. A maioria dos casos são de violência psicológica de grande dificuldade de documentação. Nós temos também casos de violência administrativa, que não são reconhecidos em grandes países. A retenção do visto, cárcere privado, a questão da necessidade do visto financeiro para uma mãe ficar com o pai não são vistos como violência em alguns dos arcabouços financeiros dos países europeus. E o que leva? É que na parte de Haia, que nós chamamos aqui de HP, de Haia de prevenção, somente 10% não são vítimas de violência doméstica. A maioria, oito em cada dez mães tentando não entrar na convenção de subtração são vítimas de violência doméstica e se veem amarradas no exterior, dentro de um círculo permanente de violência. E daqueles casos que são judicializados no Brasil, 98% dos nossos casos que foram estudados entre 2019 e 2021, 2022, são casos de violência doméstica ativa. Mas aonde queremos chegar? Na criminalização da violência, principalmente no Artigo 20. Quero usar quatro países de exemplo. Na Espanha, todos os casos da Revibra deste ano têm pena pecuniária e pena privativa de liberdade. Então, todas as mães que têm que voltar para a Espanha ou têm que ter um bom advogado, que não é oferecido pela assistência jurídica gratuita, porque elas não são residentes, têm que pagar para tentar fazer isso entre 750 euros a 7 mil euros, mais pena privativa. A Bélgica, além de tudo, interdita a mãe de entrar em território, mais a pena privativa de liberdade. A Itália aplica multa, em média, de 10 mil euros, mais pena privativa de liberdade. E a França, que é um combo disso tudo. Então, a gente vê a amplificação de Haia na criminalização quando a mãe fala: "Ah, então, tá bom. Vamos voltar à criança. Basta o acesso". Só que o acesso nunca ocorre. E é isso muito preocupante. E a gente vem, como Revibra, tentar lembrar que a flexibilização do Artigo 13.1.b é importante. Essa flexibilização já existe dentro do Manual da Convenção desde 2020. O Manual da Convenção já disse que os países têm a liberdade de aplicar a interpretação da violência doméstica dentro do seu contexto nacional. Então, o Brasil já tem essa carta branca. Um outro contexto é a questão do reconhecimento da criminalização dentro do Artigo 20. Por que a gente só pensa no durante no Brasil e a gente não pensa no antes e no depois? O que acontece com o acesso à criança depois que a mãe volta para cá? Por que o Brasil não avalia isso como risco à criança? Inclusive, a lei australiana e a uruguaia, que foram modificadas recentemente, preveem que o risco à violência pode ser futuro, não somente passado, e a documentação não tem que ser somente perfeita e concreta, pode ser circunstancial. Então, por que estamos bloqueando a documentação e a prova da violência em documentação tão rígida? E, de um outro lado, também a gente gostaria de concluir, a gente não precisa da revisão total da convenção para ser mudada, que é praticamente impossível com 108 países de maneira unânime. Podemos aplicar o Manual da Convenção de 2020, que diz que o Brasil pode ter uma interpretação local e flexível para as exceções da convenção. |
| R | Muito obrigada. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Muito obrigada, Sra. Juliana Wahlgren. Obrigada pela sua explanação. Agora eu quero passar a palavra para Karin Rachel Aranha Mohamed Fayz, mãe envolvida em caso de sequestro internacional de criança. A SRA. KARIN RACHEL ARANHA MOHAMED FAYZ (Para expor.) - Primeiro, eu quero agradecer você, Mara, porque eu não sou uma mãe de Haia. O Egito não é signatário de Haia. Eu sou a única mãe aqui que tive meu filho sequestrado, mas o Egito não faz parte da convenção. Eu quero corrigir aqui que eu não sou só uma mãe envolvida em um sequestro internacional, mas eu também sou uma vítima. Eu fui vítima do golpe do casamento, do golpe da cidadania, e o meu filho foi levado via terrestre. Ele foi levado pela Ponte da Amizade, que eu falo que é a ponte da inimizade, sem fiscalização, porque eu nunca dei autorização nenhuma de viagem para o genitor. Eu e o Adam, a gente é vítima, vítima de um criminoso, de um genitor que veio com más intenções, e o meu filho foi levado sem fiscalização nenhuma. Pelo rastreio da Interpol, ele saiu pela Ponte da Amizade; do Paraguai ele foi para Madri; e de Madri ele foi para o Egito. Ele usou o passaporte americano do meu filho também, que tem dupla cidadania. O Adam chegou neste país com 28 dias. O Adam é brasileiro. Vamos lá, agora. Eu luto há um ano e doze dias com vários órgãos. Primeiro, vou falar do Judiciário, porque o juiz me deu a guarda em 1º de dezembro de 2022, a guarda unilateral do Adam, mais o pedido imediato de volta do Adam - pedido imediato - desde o dia 1º de dezembro. E ele esqueceu de me dar o divórcio, porque o meu nome está aqui, de casada. Há um ano e doze dias, eu ainda sou casada com um sequestrador. A Polícia Federal já tem todas as provas de que o meu filho está no Egito, mas até agora não se encerrou o inquérito. A minha pergunta é o porquê. Por que não foi encerrado? Por falha, não é? Hoje o Adam é uma criança desaparecida no Egito, sem nenhum tipo de contato comigo. O único contato - agora nós vamos falar de embaixada - que eu tive com o Adam... Eu não tive contato com o Adam. A embaixada conseguiu um contato com o genitor no dia 18 de abril deste ano, de 2023. Eles marcaram em um shopping e foi tirada a foto por um funcionário da embaixada. |
| R | Eu gostaria, Gabriel, que colocasse aquela foto dele, do pai beijando a boca do meu filho. Você consegue colocar para mim? (Pausa.) Essa foi a foto que a embaixada me mandou. Essa foto é muito importante, ela está na internet, saiu na televisão... Eu gostaria muito que conseguissem colocar. Foi essa foto. Dia 18 de abril, gente? Próximo do dia das mães. Foi esse presente que eu recebi, e foi o único contato que eu tive, em um ano e 12 dias, com o Adam. Eu não sei onde está o meu filho. A embaixada sequer checou o endereço de onde está o Adam. Eu não vou nem falar o tratamento que eu tenho com a Embaixada do Cairo, porque não tem condições... Até hoje, todos os órgãos falam assim para mim: "Nós estamos acompanhando o caso". É esse tipo de resposta que eu tenho. Mas, graças a Deus, a gente tem uma rede de apoio muito grande. Eu não sou de Haia, mas eu tenho amizade com as Mães de Haia, que me dão força, fora seguidores e mulheres que estão ali, que mandam mensagens para mim, diariamente, de força, para eu não desistir. E eu não vou desistir do meu filho. Eu não vou desistir. Eu já falei que eu só vou desistir no dia em que eu parar de respirar. Depois de falar da embaixada, eu vou ser breve. Hoje eu venho aqui informar a todos os senhores que a Organização das Nações Unidas aceitou o caso do Adam. E a Dra. Andrea Romaoli Garcia, representante das Nações Unidas, já entrou com o pedido de uma medida cautelar. Também foi feita uma denúncia no Conselho de Segurança Internacional. E amanhã ela estará avisando, internacionalmente, sobre o caso do Adam. Sem mais. (Manifestação de emoção.) (Palmas.) E que isso sirva de exemplo para todas essas mães aqui. Que essa medida seja cumprida. E que o meu filho - eu gostaria que você colocasse o meu filho, aquela foto do girassol... (Manifestação de emoção.) Eu ainda tenho um tempinho, não é? Vamos aproveitar. E que o meu filho, esse anjinho, essa criança feliz, volte para cá, porque eu estou cheia de amor para dar, e tem uma família toda esperando por ele. Sem mais. (Manifestação de emoção.) Eu quero que todas vocês tenham seus filhos de volta, porque a gente merece. Nós somos vítimas. Nós não somos envolvidas. Nós somos vítimas. Quero falar que eu agradeço demais à Mara por este espaço - ela já está acompanhando há um tempo -; à Tunisia, que acompanha desde o começo; à Raquel, que é uma graça - nós estamos juntas, não é, Raquel? Até dividindo o quarto hoje -; e à Damaris, uma fofa, que também está na mesma casa. E desejo a todas que tenham os filhos novamente; principalmente a Neide, que vai fazer remoto. Eu falo com a Neide todos os dias. Nós nos falamos todos os dias. E o dia que uma não está bem, a outra liga. Isso é muito bonito, porque a força vem de uma para outra. Tantas outras mães, todos os dias, chamam a gente na internet para contar os casos delas, para ver se a gente pode ajudar. |
| R | Eu quero que o Adam sirva de exemplo. Eu vou levantar essa bandeira e ajudar quem precisar. Sem mais, muito obrigada. (Manifestação de emoção.) (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Obrigada, Karin. Eu vou aproveitar a oportunidade e vou chamar a Neide, porque a Neide está na Suíça e também tem uma diferença de horário grande. Então, com a palavra, Neide Heiniger da Silva, mãe envolvida em casos de sequestro internacional de crianças. A SRA. NEIDE HEINIGER DA SILVA (Por videoconferência.) - Olá a todos, boa tarde. Estão me ouvindo? (Pausa.) Olá? A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Estamos ouvindo, Neide. A SRA. NEIDE HEINIGER DA SILVA (Para expor. Por videoconferência.) - Estão ouvindo? Ai, que bom. Olá a todos, boa tarde. Eu me chamo Neide Heiniger. Sou mãe da Moara Luna Heiniger, uma mocinha de 13 anos. Vou contar um pouco da nossa história agora, já agradecendo a todos que estão aí para nos ouvir. Minha filha foi repatriada de São Luís, no Maranhão, no dia 13 de junho de 2023. A gente estava no Brasil já havia mais de quatro anos, e os direitos da Moara foram todos violados. O Juiz Clodomir Sebastião Reis não quis ouvir a Moara, não deu o direito de a Moara ser ouvida. É muito difícil falar de tudo agora, eu me emociono muito pela situação da minha filha. Moara estava dentro do quadro do Artigo 12 e do Artigo 13.b da Convenção de Haia. O juiz Sebastião Reis passou por cima do laudo psicológico, em que estava declarado o risco que Moara estava correndo se voltasse para a Suíça; passou por cima do Ministério Público, que também era a favor de a Moara continuar no Brasil; e ainda mentiu na sentença, falando que o Ministério Público era contra a repatriação da Moara. Moara foi dopada - porque, como Moara já era uma mocinha de mais de 12 anos, ela sabia de tudo o que estava acontecendo, rejeitava ver o genitor, rejeitava voltar para cá. Não posso falar muito, me desculpem, sobre o momento e sobre, ainda, algumas situações, porque, como todo mundo sabe, eu estou na Suíça lutando pelos direitos da minha filha e estou no meio de um processo no momento. Quem não conhece a história da Moara pode seguir lá no Volta Moara. Lá estão todos os detalhes, a situação de Moara e nossa situação, a situação dela do momento, a nossa luta. |
| R | Graças a Deus posso contar com muitas amigas, com muitas mães, que estão nessa luta junto com a gente, porque o que foi decretado pelo juiz na sentença da repatriação da Moara não foi cumprido. A única parte que foi cumprida foi a de retornar minha filha para a Suíça, mas quanto à assistência, que está na ata da última audiência, nada se cumpriu, que é a ajuda psicológica, a ajuda jurídica quando a gente chegasse à Suíça; e nada disso a gente teve, nada disso foi cumprido. A única coisa que foi cumprida foi a covardia da repatriação da minha filha. E a situação dela no momento é muito, muito, muito triste. A situação de Moara... Agora, no momento, ela já tem 13 anos, vai fazer 14 anos em fevereiro - está bem perto -, e a gente... Estamos aqui, não só eu como ela também. Ela está determinada a lutar, ela não fecha a boca, ela não para de falar: "Eu quero voltar para a minha pátria. Eu quero voltar para o Brasil. Eu sou brasileira, eu tenho todos os meus documentos". Moara tem toda a documentação dela brasileira: identidade, CPF, tem residência fixa, passaporte, certidão de nascimento. Então, gente, onde está o corpo brasileiro? Onde estão as leis brasileiras que funcionem, que deem esse apoio para a gente ter as nossas filhas repatriadas, os nossos filhos, sabe? (Manifestação de emoção.) A gente chega aqui, a gente é tachada como uma criminosa. Eu tenho um processo agora na Justiça também, eu estou respondendo a um processo criminal, corro o risco de ser presa, sabe? Estou sendo tratada aqui como uma criminosa, já passei por várias situações que eu... Como eu estou num processo aqui, eu não posso falar muito sobre a parte daqui, mas eu gostaria muito de falar sobre essa injustiça que foi feita no Brasil. Todos os laudos que tinha da minha filha o juiz rasgou. Agora eu gostaria de saber quem vai repor todos os danos por que Moara está passando, todos os danos por que eu estou passando. Mas o ser mais precioso é minha filha. Arrancaram meu coração e eu vim buscar. (Manifestação de emoção.) Eu só saio daqui sem ela se eu for expulsa deste país. E, enquanto eu puder continuar aqui lutando, eu peço ajuda do Brasil, eu peço ajuda dos Senadores, do Presidente, de quem quer que seja. Cadê? O que foi que o juiz assinou para repatriar a minha filha? Tem alguma ordem? Cadê a ordem dele que disse que era para a gente ter ajuda aqui? Cadê essa ajuda? Cadê o apoio para mim e para a Moara? Nós somos duas brasileiras que estamos aqui abandonadas, passando por xenofobia, não só eu, como minha filha também - ela tem duas nacionalidades. Isso é muito triste, sabe? Eu penso, ela defende tanto o Brasil: "Mãe, o Brasil é minha pátria, eu amo o meu Brasil, eu quero voltar para casa". E eu falo: "Filha, eu estou gritando ao mundo, eu estou pedindo ajuda. Eu vou trazer você de volta, eu te prometo". |
| R | A Moara não é mais um bebê, ela sabe tudo que está acontecendo. Isso é uma vergonha, sabe? Eu amo o meu país, mas eu me sinto às vezes envergonhada porque a gente não tem apoio. Repatriam crianças e as mães chegam aqui... Meu Deus do céu, vocês não têm noção, a gente é muito machucada, a gente é muito maltratada, precisa de uma força muito grande para você poder continuar de pé, levantar todo dia e lutar para defender a sua pátria, defender a sua filha. Eu luto com a minha filha, não só eu, ela também, ela luta, os desejos dela, ela fala, ela é ouvida, mas não é escutada aqui na Suíça, e isso é muito triste, é muito triste. Eu morei aqui, mas não tinha o meu direito também de ser mãe, fui para o Brasil. Quando ela chegou ao Brasil, eu fui, com autorização do genitor, eu não sequestrei minha filha. Eu já estava há mais de oito anos sem ir ao Brasil. Minha filha não conhecia a avó, não conhecia a família, e eu implorei que eu a levasse para conhecer. Ela queria muito, só conhecia por internet, e fui depois de oito anos. Quando chegamos ao Brasil, ela não quis mais, ela disse: "Mãe, por favor, nunca mais vamos voltar nesse país" - não só por causa desse motivo de não poder ficar comigo, de não ter o direito de ter a mãe, tem outros motivos também. Infelizmente, no momento, estou no meio de um processo aqui e não posso falar tudo, mas a minha filha está muito, muito machucada, muito triste, muito abandonada. Eu preciso que alguém faça alguma coisa para nos ajudar a cumprir com o que o juiz determinou, uma lei que funcione. Como ele faz o compromisso de repatriar minha filha sem ser ouvida, sem deixar o direito dela ser respeitado, e não acontece nada, não tem ninguém que se responsabilize? Onde estão os nossos direitos, onde estão os direitos da criança e do adolescente? Onde estão os direitos de a minha filha ter a mãe? Minha filha é brasileira também. Já já minha filha está votando, está votando para gente no Senado, está votando no Governo. Nós não podemos ter ajuda para voltar para casa? A nossa casa é no Brasil. Fiquei um ano vendo a minha filha por visita monitorada, como se eu fosse uma bandida, duas horinhas durante um ano. Agora estou conseguindo ver minha filha de 15 em 15 dias, a última visita foi semana passada, nesta semana agora que passou. Eu não sei o que vai acontecer agora quando eu for vê-la, o que vai acontecer. Tudo isso por causa de uma injustiça, de um juiz que poderia estar cuidando das crianças, que poderia estar ajudando, que poderia estar protegendo, mas jogou na cova dos leões, jogou para ser maltratada uma adolescente. E nunca vai esquecer isso, ela fala isso para mim: "Mãe, eu nunca vou esquecer o que esse juiz fez comigo, o que ele fez com a minha vida, o que está acontecendo comigo a cada dia. Eu nunca vou esquecer". Isso é muito triste, não só para mim como para várias, várias, várias outras mães que eu conheço, que eu vejo nesse sofrimento. Gente, pelo amor de Deus, isso tem mudar. Ninguém tem noção, só quem passa por essa situação tem noção de você ver a situação do seu filho. |
| R | Eu não tinha condição de ficar no Brasil. Eu disse: "Eu vou embora atrás da minha filha o mais rápido possível, eu não consigo viver sem meu coração". E minha filha é meu coração, é minha vida. E eu não saio daqui sem ela. Eu peço muito, muito, muito que alguém no Brasil nos ajude e faça alguma coisa, que lute junto com a gente, que nos apoie, que apoie Moara, uma jovem que defende tanto a sua pátria. Eu vou expor tudo, quando acabar, desses processos nas mídias, nas redes sociais, para vocês verem o quanto Moara é apaixonada pela nossa pátria, pelo Brasil, sabe? E não tem o respeito, ninguém tem a dignidade de dizer: "Vamos ajudar essa mãe, vamos ajudar essa criança" - não só eu como outras também, não só a minha filha como outras filhas de outras mães também. A gente se sente abandonada, jogada, principalmente quando você está em outro país, falando outra língua, sendo olhada diferente, sendo olhada como uma criminosa. Eu sou olhada aqui como uma criminosa, gente. Vivi com minha filha muito feliz mais de quatro anos no Brasil e agora eu sou tratada como uma criminosa, e minha filha clama por mim dia e noite. Ela quer voltar para casa. Ela já gritou aqui para todos e ninguém ouve. Ela fala, mas eles não ouvem. Que injustiça que esse juiz fez com minha filha, juiz do Maranhão. Ele fez essa grande injustiça com minha filha, de mandar minha filha para a cova dos leões de novo. A gente já tinha passado por muita situação cruel aqui. Isso tudo foi declarado no laudo psicológico que esse próprio juiz pediu. Ele estava ciente de tudo. Ele estava ciente de tudo que ia acontecer com Moara, com a volta dela para cá, de toda a situação. Ele sabia de tudo. O Ministério Público estava contra. Ele falou que estava a favor. Gente, pelo amor de Deus, como é que um juiz comete um erro desse tão grande com uma adolescente, prejudicando a vida de uma adolescente para sempre? Moara nunca vai esquecer tudo que a gente passou, o jeito que a gente foi pega no Brasil, a crueldade que fizeram com ela e comigo: seis Hilux cheias de Polícia Federal separando mãe e filha, separaram na noite. Às 12 horas da noite, nós estávamos dentro do tribunal de Areinha. Separaram a mim e minha filha. Isso numa sexta-feira. O juiz falou que na segunda-feira eu ia ver minha filha. Eu não vi mais minha filha. Doparam a minha filha e botaram dentro de um avião com o genitor. Meu Deus, o que é isso? É um filme de terror total, um filme de terror total que nós estamos vivendo, que nós vivemos nesse período de repatriação da minha filha e que nós estamos vivendo até agora. Isso é um filme de terror. Eu não tenho outra explicação, eu não acredito. Às vezes, eu fico, sabe, chocada de a gente estar vivendo uma situação dessa. O que eu mais quero na vida é ajuda para a gente sair daqui, ajuda do Governo, ajuda que foi prometida e não é cumprida. Cadê as embaixadas, cadê os consulados? A gente pede ajuda e ninguém pode fazer nada. Ninguém faz nada por nós. Ninguém liga para a gente, a gente está aqui jogada. E somos duas brasileiras que queremos voltar para casa. Então, eu deixo aqui meu apelo. Por favor, nos ajude, nos ajude a voltar para casa. Ajude a minha filha. Nós estamos precisando muito, muito de ajuda. Estamos contando só com os amigos, com as amigas, com as mães, com outras mães que se unem. E a ajuda que tem que ser feita não temos. Não temos a palavra de ninguém. |
| R | Eu agradeço muito à Mara Gabrilli, que escreveu e já provou nos ajudar. Tenho gratidão demais por ela, que veio aqui à Suíça, nos encontramos, conversamos, e provou de novo. Então, tenho gratidão a ela. O Suplicy também já escreveu uma carta para cá, pedindo ajuda para a gente. E eu desejo que alguém ouça, desejo que todas nós possamos gritar. Meu Deus, é isso. Eu agradeço desde já a todos, agradeço às outras mães que estão aí, agradeço aos que nos apoiam, nos ligamos, nos falamos. Isto é muito gratificante: a gente ter esse apoio. E eu gostaria muito de pedir que ninguém se esqueça da gente, que ninguém se esqueça das nossas crianças, que ninguém se esqueça de que nós somos brasileiras e que precisamos voltar para o nosso país. Eu peço às leis brasileiras que façam alguma coisa, que mudem essa Convenção da Haia, porque são todos violados os direitos das nossas crianças, de nós mães. Quando a gente volta, a gente não tem mais direito, a gente não tem nosso direito de ser mãe, nosso direito de ser mãe acabou a partir do momento em que as nossas crianças são repatriadas. Imaginem o quanto a criança sofre, imaginem o quanto a minha filha sofre. (Manifestação de emoção.) Minha filha é uma adolescente, ela sabe de tudo que está acontecendo, e está num cárcere. Ela não pode falar com a mãe, porque eu sou julgada como uma criminosa; não tem liberdade para ficar comigo, para fazer uma ligação sozinha, quando está na casa do genitor. E agora eu não sei o que vai acontecer depois deste final de semana, em que eu a vi na última visita. Eu desejo que a gente tenha sorte, que mude, que fique melhor, porque a minha filha não está bem, ela está muito, muito chocada com tudo isso. E eu falo: "Gente, não é fácil, não é fácil". Eu peço a todos que troquem essa lei, façam isso, pelo amor de Deus, porque está acabando com as mães, acabando com as crianças, acabando com a nossa vida, porque é uma luta muito grande, é uma luta muito cruel, é uma dor que não tem como explicar para ninguém, é uma dor muito cruel você ver o seu filho, você ver a sua situação... Você se sente incapaz, porque, quanto mais você luta, parece que mais a situação fica pior quando você está fora. Pelo menos quem está no Brasil pode gritar um pouco mais. Quando a gente chega a outro país, a gente fica muito, muito, muito triste, muito destruída, é muito pesado. Eu peço a todos que ouçam, que nos ouçam, que ouçam as nossas crianças, que ouçam essas mães que estão passando por essa situação e façam alguma coisa por nós, em outro país. Nós somos brasileiras, nossas crianças também são brasileiras. A gente está aqui pedindo socorro para voltar para casa, a gente está pedindo socorro por ajuda jurídica, a gente está pedindo socorro por ajuda psicológica, e a gente não tem nada. Pelo menos que o consulado fale uma palavra de apoio, que nos atenda, que nos dê um aconchego, a gente não tem aqui. E isso é muito triste. |
| R | A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Neide... A SRA. NEIDE HEINIGER DA SILVA (Por videoconferência.) - Isso é muito triste. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Acho que a gente vai ter que encerrar, porque tem mais... A SRA. NEIDE HEINIGER DA SILVA (Por videoconferência.) - Obrigada. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - ... outras mães para falar. A SRA. NEIDE HEINIGER DA SILVA (Por videoconferência.) - Obrigada, muito obrigada a todos. Eu agradeço muito. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Eu tenho que te agradecer por esse depoimento tão emocionante. É muito importante para a gente saber o que você está vivendo aí, os dramas que você está vivendo aí com a sua filha, com o seu ex-marido, com a madrasta, enfim. Muito obrigada, Neide. A SRA. NEIDE HEINIGER DA SILVA (Por videoconferência.) - Obrigada a você, Mara. Muito obrigada. Deus te abençoe, continue assim, ajudando essas mães, a nós. Um beijo grande no seu coração, fique com Deus. Muito obrigada a todos. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Você também. Beijo. A SRA. NEIDE HEINIGER DA SILVA (Por videoconferência.) - Beijo. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Agradeço à Neide por esse depoimento. Eu queria passar a palavra agora para a Raquel Cantarelli, que também é uma mãe envolvida em caso de sequestro internacional de criança. A SRA. RAQUEL CANTARELLI (Para expor.) - Boa tarde a todos. Eu gostaria, primeiramente, de agradecer à Senadora Mara Gabrilli pela iniciativa de trazer esta pauta tão importante para ser debatida aqui no Senado e para que, juntos, possamos discutir e encontrar medidas adequadas para solucionar essa realidade tão triste que assombra mulheres e crianças brasileiras que sofrem silenciadas as consequências da Convenção da Haia. Eu queria pedir para passar um vídeo, o primeiro vídeo, por gentileza. (Procede-se à exibição de vídeo.) A SRA. RAQUEL CANTARELLI - Eu não sei se deu para ouvir muito bem os gritos desesperados da minha filha ao ser levada pela busca e apreensão da Polícia Federal. (Procede-se à exibição de vídeo.) A SRA. RAQUEL CANTARELLI - Meu nome é Raquel Cantarelli, eu sou mãe da Julia e da Isabella, duas meninas de quatro e seis anos de idade, que se encontram, neste momento, nas mãos do próprio abusador. Há três meses, elas foram arrancadas aos gritos dos meus braços de uma forma cruel, violenta e desumana. No dia 14 de junho, policiais armados de fuzil nos surpreenderam em nossa casa, às 6h da manhã, para entregar as minhas filhas, que dormiam seguras e tranquilas, a um agressor. Se puder colocar o segundo vídeo, que foi o momento em que eu soube e que a minha filha soube também que elas seriam levadas embora. (Procede-se à exibição de vídeo.) |
| R | A SRA. RAQUEL CANTARELLI - Esse foi o momento em que ela descobriu que ela voltaria para os braços do próprio agressor dela. Há três meses, as minhas filhas são privadas do amor, dos cuidados e do contato materno. Há três meses, eu não tenho qualquer notícia delas. Em 2019, após sofrermos violência das mais diferentes formas, retornamos ao nosso Brasil, nos reerguemos, construímos um lar de amor longe de toda a maldade que nos machucava diariamente. Como mãe, não há violência pior do que presenciar a sua própria filha, na época com apenas dois anos de idade, ser abusada pelo próprio pai, aquele que deveria ter como dever maior garantir a proteção e a segurança. E falando de abuso sexual infantil, é importante salientar que mais de 80% dos casos acontecem no âmbito familiar. Eu sei, é ruim, dói, machuca. E muitos preferem se calar e fazer de conta que essa realidade não existe até acontecer com o seu filho. Eu recentemente assisti ao filme O Som da Liberdade e me surpreendi em saber que existem mais pessoas sendo escravizadas hoje do que na própria época da escravidão. Em sua grande maioria, crianças entregues aos seus abusadores. Segundo dados da Care, que é uma instituição irlandesa que cuida de crianças vítimas de violência sexual, uma em cada cinco crianças são abusadas naquele país. Duas dessas crianças são minhas filhas. Ser vítima de violência em nosso país é muito difícil. Ser vítima de violência na condição de mulher brasileira imigrante é muito pior. Ela vem acompanhada da xenofobia, da violência de gênero, da violência institucional. Escutar que a solução estaria em buscar proteção naquele país não me parece a melhor alternativa neste momento, visto que eu tentei e tentei muito, de todas as formas possíveis, me proteger e proteger as minhas filhas. Fui, diversas vezes, negligenciada. Após narrar as situações de abuso e violência que vivenciamos para uma enfermeira do centro de saúde, eu passei a ser ameaçada. Tive dinheiro, todos os meus documentos, incluído o passaporte das minhas filhas, furtados da minha bolsa pessoal. Meus e-mails e redes sociais foram invadidos, impossibilitando a minha comunicação e dificultando qualquer pedido de socorro. A minha linha de telefone foi cortada, e a internet de casa, suspensa. Com a ajuda de uma vizinha, eu consegui um sinal de internet e encontrei um número de emergência destinado a brasileiros em situação de risco, da embaixada. Após verificadas as informações, foi enviada uma autoridade consular, que nos retirou de uma situação de cárcere privado, na qual eu me encontrava com as minhas filhas, uma delas ainda em fase de amamentação. Nós fomos até a delegacia, eu fiz um boletim de ocorrência, que durou mais de uma hora e meia, em presença de autoridades da embaixada brasileira, que, ao final, solicitou que fosse disponibilizado um abrigo de emergência, para que eu pudesse ser encaminhada com as minhas filhas. Foi informado, em tom de ironia, que não havia vaga para nós. Então, a Tina, uma senhora irlandesa de coração gigante, que eu conheci na época em que fazia trabalhos voluntários, nos abrigou em sua casa. E, ainda na delegacia, a embaixada informou o endereço ao qual seríamos levadas, para que não fosse configurado sequestro. No dia seguinte, ainda muito assustada, eu acordei, procurei uma ONG que cuida de mulheres vítimas de violência doméstica, chamada Women's Aid, e uma outra que cuida de crianças vítimas de violência sexual, a Care. Nesse mesmo dia, eu recebi uma intimação do próprio genitor, via WhatsApp, para comparecer à corte na segunda-feira de manhã, tudo arquitetado, sabendo que eu estaria sem documentos, sem dinheiro e sem tempo para conseguir um advogado. |
| R | Eu entrei em contato novamente com a ONG e foi agendada uma audiência especial, com o juiz, que me deu uma medida protetiva contra o genitor das minhas filhas. Ao comparecer à corte, a embaixada foi proibida de me acompanhar e de prestar qualquer amparo. A juíza ignorou a medida protetiva fornecida pelo juiz e disse que aquilo, para mim, não representava nada. Ela ordenou que as crianças retornassem imediatamente para a casa do agressor. Eu disse que eu estava com medo de voltar, que eu havia sido ameaçada e ela me disse que eu não precisava voltar, mas que as crianças retornariam para a casa onde uma delas foi abusada. Eu disse que eu ainda amamentava a minha filha, de apenas sete meses de vida, que o leite materno era a sua principal fonte de nutrição. Ela, então, me disse que o genitor poderia, nesse caso, encontrar uma outra mulher para alimentar a minha filha. Como mãe, mesmo com medo, eu decidi voltar, porque eu jamais abandonaria minha filha. E foi então que vivemos os piores momentos das nossas vidas, situações de pânico e terror, como passear de carrinho com as minhas filhas, dentro do condomínio, e ele dirigindo, em alta velocidade, jogar o carro em cima de nós. Humilhação, ameaças, era essa a situação da casa para que fomos obrigadas a voltar. A comida apodrecendo, tudo sujo e sem condições de moradia. Quando questionei sobre a falta de comida, ele me dizia que, se fosse eu, não me preocuparia com isso, pois eu não saberia o que tinha dentro e que seria fácil dizer que eu havia me matado, que eu não passava de uma imigrante e que eu não teria ninguém para olhar por mim. Eu era assombrada, dia e noite, com medo de acontecer algo comigo e não saber quem olharia pelas minhas filhas. (Manifestação de emoção.) Ele colocava bilhetes de ameaça de morte no quarto onde eu dormia com elas e, diversas vezes, eu alimentava a minha filha com comida que era passada por cima do muro pela vizinha. Eu chamei a polícia algumas vezes, a vizinha também, mas ao chegarem a casa e se depararem com a situação, os policiais diziam sempre a mesma coisa, que sentiam muito, mas que não podiam fazer nada. Retornar àquele país e acreditar... (Soa a campainha.) A SRA. RAQUEL CANTARELLI - ... que eu serei defendida? Eu não acredito. Eu sou uma mãe lutando contra dois países pelo simples direito de amar e proteger as minhas filhas. A violência parecia não ter fim. Na Irlanda, não houve uma investigação efetiva. Somente as assistentes sociais o questionaram e ele, obviamente, negou. E, com isso, elas decidiram simplesmente encerrar o caso. Com a ajuda das autoridades brasileiras, da Polícia Federal, do Itamaraty, das embaixadas, eu finalmente consegui os documentos para retornarmos ao Brasil. Depois do nascimento das minhas filhas, foi a melhor sensação que eu experienciei até hoje: a sensação de liberdade, de estar de volta aqui à minha pátria. (Manifestação de emoção.) Nós chegamos de volta aqui, escoltadas pela Polícia Judiciária do Porto, que, constatados todos os fatos e todas as provas, nos ofereceu a segurança de um retorno seguro. Nós vivemos aqui durante quatro anos. Eu enfrentei o doloroso processo de Haia, que se iniciou com um comunicado da Acaf. Eu pude contar com uma excelente defesa da Defensoria Pública da União da primeira instância. Eu participei de audiências, entreguei pessoalmente os nossos passaportes para a Justiça Federal, e me certifiquei sempre de que meus dados estavam atualizados. Depois de quatro anos, foi decidido pela juíza principal que ao nosso caso se aplicaria o Artigo 13 da Convenção de Haia, que desobriga as autoridades do Estado envolvido de ordenar a repatriação quando existe risco grave de a criança ficar sujeita a perigo de ordem física, psíquica ou, de qualquer forma, ficar numa situação intolerável. |
| R | Com essa decisão, eu entrei com o pedido de guarda das minhas filhas pela Justiça estadual e foi definido, juntamente com o Ministério Público estadual, que fosse fixado, em caráter de emergência, a guarda unilateral das minhas filhas e suspenso o direito de visita paterno, pelo risco que ele oferecia. Finalmente, eu pude respirar aliviada, para mim todo o pesadelo havia chegado ao fim. Ledo engano! As minhas filhas são lindas, são saudáveis, carinhosas e tinham uma vida feliz aqui no Brasil, totalmente adaptadas, estudando, fazendo aulas de balé, de judô, tinham uma rotina preestabelecida, um lugar seguro e um lar de muito amor. Na decisão que culminou na busca e apreensão não foram levados em consideração um parecer do Ministério Público, da perícia técnica da Polícia Federal, da juíza de primeira instância, do parecer da assistente social, da juíza do processo estadual, do Ministério Público Federal, das medidas protetivas dada por um juiz irlandês, do relato consular e todas as outras provas que estão contidas nos atos do processo, constando toda a violência, tudo ignorado pelo TRF2, do Rio de Janeiro. O genitor recorreu da decisão. Eu não fui informada, não fui intimada, não soube de nada e não tive o mínimo de defesa e sustentação oral por parte da Defensoria Pública da União em segunda instância. Eu fui surpreendida por uma decisão abrupta, provisória e que não respeitou o prazo de interposição de recurso pelo Ministério Público Federal. Hoje estou aqui clamando por justiça, pois, mesmo depois de tanto, eu continuo acreditando na Justiça do meu país, em nossas leis de proteção à criança, de dignidade e direitos humanos, que as minhas filhas foram e estão sendo privadas. (Manifestação de emoção.) E me dói ver, no meu processo, um magistrado afirmar que a Justiça de lá é melhor do que a daqui. Ele falou isso, esse foi um dos argumentos utilizados para a decisão de um desembargador que foi a favor do cumprimento da Convenção de Haia, ignorando a violência que eu e minhas filhas sofremos. A Julia e a Isabella têm apenas quatro e seis anos de idade e já passaram por tanta coisa, elas não merecem tanto sofrimento. A convenção é necessária, mas é preciso... (Manifestação de emoção.) É preciso que seja averiguado, isso é desumano e fere as regras de direitos humanos e de proteção à criança. Eu acredito que devem ser mais bem analisadas e respeitadas as regras de exceção ao retorno, pois não retornar a criança também é cumprir a convenção. Eu acredito também que deveria ser revisada a atuação da AGU em casos que envolvem violência. Eu não acho justo que criminosos não nacionais se utilizem da convenção para continuar perpetuando a violência e atingindo as mães em seu ponto mais fraco, os seus filhos. Ao utilizar da Convenção de Haia, os criminosos se tornam vítimas, passam a ser chamados, em nosso país, de genitores abandonados e são acobertados pela melhor defesa deste país, a Advocacia-Geral da União, muitas vezes contratando além, com os seus muitos euros e dólares, um ótimo e caro escritório de advocacia como assistente, tendo, assim, duas defesas dentro de um processo. Enquanto nós mães brasileiras sozinhas, com seus filhos, buscando oferecer o melhor para eles, contamos apenas com a Defensoria Pública, que conta com ótimos advogados, mas, como todos nós sabemos, eles estão sobrecarregados com inúmeros processos e impossibilitados de oferecer a atenção que casos tão sensíveis como esse necessitam e acabam deixando a desejar, como aconteceu comigo em segunda instância, e o resultado é um processo desigual e injusto para nós. No meu processo, um dos desembargadores compara a minha história com a de um filme, e eu gostaria que fosse, desembargador, mas, para mim, é um pesadelo em que eu vivo acordada. A Justiça nem sempre acerta e dessa vez ela falhou muito com as minhas filhas, só que ainda há tempo de reparar. A minha vida se transformou em uma missão de busca para reencontrar as minhas filhas. (Manifestação de emoção.) |
| R | Não tem sido fácil, mas eu tenho a certeza de que vamos estar juntas novamente, e o que vai definir se vai ser daqui a um mês ou daqui a um ano é a minha capacidade de continuar lutando e acreditando, mas também contando com a Justiça aqui do nosso país para pedir a repatriação das minhas filhas, amparada pela exceção do Artigo 13 da convenção, minimizando, assim, toda essa dor que foi causada a dois anjos que não mereciam tanto sofrimento. (Soa a campainha.) A SRA. RAQUEL CANTARELLI - Eu seguirei firme com a certeza de que o melhor está sempre por vir. Antes de elas irem, eu prometi que a mãe daria um jeito e que estaríamos sempre juntas. E eu sei que, de onde elas estiverem, elas estão acreditando, e eu vou cumprir a minha promessa. Eu queria dizer que eu não sou mãe de Haia, eu sou mãe da Julia e da Isabella. Elas são minhas filhas, e eu vou lutar por elas. Obrigada. (Manifestação de emoção.) (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - O Senador Eduardo Gomes veio acompanhar a nossa audiência. E fizeram a foto já, Eduardo. O SR. EDUARDO GOMES (PL - TO. Fora do microfone.) - Fizeram? A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Então, eu o convido para acompanhar a audiência aqui um pouco com a gente. Por favor, estamos precisando de Senadores. O SR. EDUARDO GOMES (PL - TO. Pela ordem.) - Cumprimentando a Senadora Mara Gabrilli, minha grande amiga e orientadora no grupo de que nós fazemos parte aqui de temas sensíveis, registro a minha solidariedade e o meu compromisso de recolher na Comissão todas as informações que foram dadas acerca do tema. A gente vive, neste momento, no Senado, uma série de funcionamentos simultâneos de audiências públicas - eu estava em outra, vim aqui -, mas eu vou me inteirar do tema, Senadora, e você tem o meu mesmo compromisso das nossas causas para ajudá-la. Em determinados temas, a Senadora Mara nos orienta. Assim tem sido nesses cinco anos, e não vai mudar. Então, conte comigo. Eu não vou poder ficar, porque eu vim aqui para que você tirasse a foto, mas vou pedir já à assessoria e vou pegar com a consultoria todas as informações. Você tem minha luta junto com você e com vocês. Muito obrigado. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - O Senador Eduardo é um parceirão de tudo, do que diz respeito à pessoa idosa, à pessoa com deficiência, à pessoa com doença rara, tem um coração enorme e é um grande parceiro. O SR. EDUARDO GOMES (PL - TO. Fora do microfone.) - Obrigado. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - E nós queremos você nessa causa. A gente precisa de Senadores sensíveis como você. Essa foto não tem mais jeito? Já a tiraram? (Pausa.) Então, vamos lá. Obrigada, Senador. Obrigada mesmo. Eu quero chamar a Damaris Cristine Lima Rodrigues. O SR. EDUARDO GOMES (PL - TO. Fora do microfone.) - Posso tirar a minha foto histórica? A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Por favor. Por favor. Com tanta mulher bonita nesta mesa... O SR. EDUARDO GOMES (PL - TO) - Estou junto. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Damaris Cristine Lima Ribeiro, você tem a palavra. Ela é outra das nossas mulheres que foram vítimas de sequestro internacional dos seus filhos. |
| R | A SRA. DAMARIS CRISTINE LIMA RODRIGUES (Para expor.) - Boa tarde a todos. Boa tarde, Mara Gabrilli. Quero agradecer pela oportunidade de estar aqui hoje falando sobre esse assunto que assola tanto as mulheres, as mães brasileiras. Agradecer à Mara por ter abraçado a minha causa, por estar me ajudando. Bom, eu tive... A minha filha, hoje com 7 anos, ela os completou ontem, dia 2 de outubro... Eu tive minha filha subtraída do Brasil pelo pai sul-coreano, levada para a Coreia do Sul, no ano passado. Eu estou, há um ano e seis meses, lutando para repatriar a minha filha para o Brasil. Infelizmente, eu não tive ajuda da Justiça brasileira, do Governo brasileiro. Eles não deram suporte à minha causa. Eu tive que entrar com o processo na Coreia do Sul para o retorno da minha filha ser aprovado e, infelizmente, hoje eu estou há um ano e seis meses longe da minha filha, sem contato algum com a minha filha. O genitor faz uma alienação parental muito grande. Um ano e seis meses nessa luta, nesse sofrimento e, assim... (Manifestação de emoção.) E, assim, para mim, é um sofrimento muito grande estar longe da minha filha, não ter um suporte e eu gostaria de... (Pausa.) Ah, eu não tenho o que falar. Fiquei nervosa. (Pausa.) Foi um relacionamento que eu tive com o genitor, um relacionamento abusivo. Eu me separei, fui vítima de agressões físicas, psicológicas, abuso patrimonial. Eu não tinha forças para sair de um relacionamento por causa da minha filha, por pensar na minha filha. Depois de quatro anos de um relacionamento, eu consegui e saí e fiquei dois anos e meio com a minha filha, até o genitor vir ao Brasil e sequestrar a minha filha, furtar os documentos da minha filha, sair, levá-la e, simplesmente, dizer para eu esquecer que eu tinha filha. E, assim, hoje ele teve a chance de recorrer no país dele da sentença que foi favorável a mim. E eu estou aqui, lutando para a repatriação da minha filha e pedindo ajuda do Governo brasileiro, da Justiça brasileira, porque eles em nenhum momento pediram o retorno da minha filha. Simplesmente, pediram para eu entrar com um processo na Coreia do Sul. E foi o que eu fiz, porque a Justiça brasileira, o meu país, não me ajudou em nenhum momento. Eu fui na Defensoria Pública. Eles, simplesmente, disseram que não tinham advogados especializados no meu caso. Então, é uma injustiça com todas nós mães que lutamos para ter nossos filhos perto da gente. Então, eu só queria que essa lei, essa Convenção fosse revista, porque nós mães, a gente precisa dos nossos filhos perto da gente. Os direitos humanos precisam estar do nosso lado e, em nenhum momento, a gente teve isso ou tem isso. |
| R | Eles simplesmente lavam as mãos para o nosso caso. É isso. Obrigada. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Unilateral. A SRA. DAMARIS CRISTINE LIMA RODRIGUES - Eu tenho a guarda unilateral da minha filha. Tenho. Ele simplesmente levou a minha filha. E detalhe, ele ganhou a guarda da minha filha na Coreia do Sul. Eu não tive defesa alguma, ele simplesmente ganhou. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Mas agora você ganhou também. Ela vai voltar com a sua filha. A SRA. DAMARIS CRISTINE LIMA RODRIGUES - Vai sim. (Manifestação de emoção.) A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Bom, eu queria pedir licença para as outras mulheres que estão inscritas, porque a Lutiana Valadares Fernandes, que é Defensora Pública Federal, tem um horário e gostaria de falar. A SRA. LUTIANA VALADARES FERNANDES (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigada, Senadora. Boa tarde a todos. Agradeço o convite da Senadora Mara Gabrilli e da Comissão Mista, na pessoa de quem eu cumprimento todos as membras e membros da mesa e todas as pessoas aqui presentes, especialmente as mães. Vocês estão me escutando bem? A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Está bom. A SRA. LUTIANA VALADARES FERNANDES - Está bom? Ah, então, está ótimo. Eu sou Lutiana Valadares Fernandes Barbosa, sou Defensora Pública e estou atualmente coordenando o grupo de trabalho nacional da Defensoria Pública da União, Grupo de Trabalho de Migração, Apatridia e Refúgio, e também sou ponto focal do Grupo de Trabalho Mulheres. A DPU trabalha diuturnamente prestando assistência jurídica e promovendo os direitos humanos. Nos últimos anos, a gente tem observado esse fluxo migratório crescente e o surgimento de famílias que transcendem as fronteiras nacionais. Nesse aspecto, o deslocamento transfronteiriço de crianças e adolescentes pode levar a situações de conflito. A Defensoria Pública da União tem uma cartilha de educação em direitos elaborada pelo Grupo de Trabalho Mulheres sobre o sequestro internacional de crianças, que tem justamente essa lente de gênero. Vou falar um pouquinho da atuação da DPU e depois vou passar para a questão da lente de gênero. A DPU atua na Justiça Federal na defesa das pessoas que não têm condições financeiras de contratar um advogado. Nesse caso, tanto mãe quanto pai ou outro responsável legal pela guarda que forem acusados da subtração ilícita de crianças podem procurar a DPU para promover sua defesa no processo judicial movido pela AGU. A defesa para impedir o retorno é bem específica e deve estar de acordo com as hipóteses da própria Convenção que irão obstar o retorno ao país de residência habitual. A Defensoria incentiva a resolução dos casos por meio de mediação ou conciliação, de forma a estabelecer um ambiente amistoso para as crianças. E aqui, rememoro que a Convenção de Haia prevê que aquele que não exerce efetivamente a guarda ou direito de visita não pode ter o pedido julgado a seu favor e que, além disso, os artigos 12 e 13 da Convenção listarão as hipóteses de metas importantes para o impedimento do retorno, dentre elas: mais de um ano, quando a parte requerente demorar mais de um ano para fazer o pedido de retorno, é possível demonstrar que a criança já está integrada em seu novo meio, ou seja, já frequenta escola, já tem amigos, enfim, já criou laços importantes no país; a questão do risco grave, em que não será determinado o retorno quando existir um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer modo, ficar em uma situação intolerável; e a questão do desejo da criança, quando a própria criança, com idade e maturidade suficientes, se opor ao retorno. |
| R | E aqui é preciso considerar o seu grau de desenvolvimento e as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina oitiva obrigatória do maior de 12 anos, e sempre que possível, da criança quanto a assuntos que lhe digam respeito. E agora eu vou falar um pouquinho da questão da lente de gênero. As disputas em razão da eventual ocorrência de sequestro internacional de crianças têm que levar em conta as especificidades próprias da análise a respeito da igualdade de gênero. E a respeito aos direitos das mulheres nos países de... (Falha no áudio.) ... o consentimento do ex-companheiro ou cônjuge para garantir sua regularidade migratória. Assim, quando as mulheres são acusadas de sequestro internacional de crianças, é necessária uma análise pela lente de gênero, ou seja, conferindo uma especial atenção a questões que podem... (Falha no áudio.) ... estar relacionadas à desigualdade de gênero e combater todas as formas de violência contra a mulher, seja ela física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. A Convenção de Haia, infelizmente, não faz referência explícita à hipótese de violência doméstica, mas deveria fazer. A violência doméstica causa danos profundos no ambiente familiar, atingindo todos e todas que de alguma forma são expostos a essa vivência. Nesse sentido, a sua ocorrência caracteriza a hipótese de não retorno da criança, pois se enquadra no art. 13 referido, expondo a criança a perigos de ordem física ou psíquica ou, de qualquer modo, a uma situação intolerável. Ainda que seja demonstrada a violência apenas contra a mãe e não haja violência física contra a criança, é possível caracterizar a violência psíquica e o ambiente intolerável. Assim, essas questões específicas de gênero envolvem também a temática da disputa internacional relacionada à subtração de crianças, devendo ocorrer um olhar atento para que essas percepções não acentuem a desigualdade, a misoginia e o machismo enraizado em muitos dos países, inclusive no Brasil. Eu agradeço aqui a oportunidade de falar sobre esse tema tão relevante, a oportunidade de ouvir tantas mães e suas histórias, e coloco a Defensoria Pública da União à disposição nesse debate, para que a gente possa sempre enfatizar a necessidade de uma lente de gênero e de um julgamento com perspectiva de gênero para as mulheres acusadas de subtração internacional de crianças. Muito obrigada. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Muito obrigada, Lutiana. Eu queria passar a palavra agora para Teresa Joyce Shanks Nunes, que também é uma mãe envolvida em caso de sequestro internacional de criança, e ela vai participar de forma remota. A SRA. TERESA NUNES SHANKS (Por videoconferência.) - Boa tarde. Conseguem me ouvir? A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Sim. A SRA. TERESA NUNES SHANKS (Para expor. Por videoconferência.) - Agradeço à Senadora Mara e a todos presentes. Boa tarde. Meu nome é Teresa Joyce Nunes Shanks. Tenho 55 anos de idade. Morei 30 anos nos Estados Unidos. Com muita luta e muito esforço próprio construí por lá uma vida. Em 2018, deixei para trás a minha casa nos Estados Unidos, tudo o que estava dentro dela, o meu carro na garagem, e a minha mãe ficou com o meu irmão, pois ela não tinha condições de saúde para poder me acompanhar. |
| R | Deixei dois PETs muito queridos, todos os meus amigos e um emprego excelente para trás. Eu vim ao Brasil com os meus dois filhos e apenas algumas malas. Decidimos permanecer no Brasil, próximos à nossa família, porque a vida nos Estados Unidos havia se tornado insuportável e perigosa. Deixei tudo para trás para começar do zero, porque lá a minha vida se tornou um pesadelo. Fazia três anos que eu havia me divorciado de um estadunidense. Eu respeitava o direito dele às visitas e, como ele não sabia dirigir, eu levava e trazia os nossos filhos até ele a cada 15 dias, para passarem o fim de semana. Ele sempre teve as suas manias. Mas eu descobri que o meu filho mais novo - quando teve condições de explicar para mim o motivo de ele não querer visitar o pai e o porquê ele urinava nas roupas quando chegávamos próximos à casa do pai dele, e vomitava, e me segurava e implorava para não entrar no apartamento do pai - estava sendo abusado. No início eu pensava - entre aspas - "que eram abusos psicológicos, físicos." Mas com o tempo e a maturidade do meu filho, os abusos sexuais também foram revelados por ele. A minha filha mais velha, que, naquela época, tinha 12 anos, e ia sempre junto com o irmão nessas ocasiões, nas visitas, confirmou muitas das coisas que o meu filho mais novo dizia. Infelizmente, após tentar por diversas vezes procurar ajuda na Justiça americana, os meus filhos não foram ouvidos, não foram respeitados; e, ao contrário, fomos ameaçados. Já aqui no Brasil, no processo de Haia, fui acusada de sequestrar os meus filhos. O meu ex, o genitor, conseguiu contratar os serviços de uma equipe de advogados particulares, especialistas na área, para representá-lo. Ele tem também o acompanhamento e todo o suporte da Acaf e da AGU. Além disso, ele tem direito garantido no Brasil, apesar de não ser brasileiro, à gratuidade completa de Justiça. Eu não tenho esse direito. Apesar de ser brasileira, a ADPU não pode me representar porque meu salário de professora é um pouco acima do máximo de dois mil e poucos reais que eles requerem para hipossuficiência. Ademais, apesar de ser um processo comum na vara civil, o genitor pediu que colocassem uma tornozeleira eletrônica em mim e passei mais de um ano com ela no meu pé. Quais são as provas que temos no processo de Haia contra o genitor? Temos o laudo do Conselho Tutelar comprovando os abusos; três relatórios da vara - um da pedagoga com a assistente técnica... com a assistência social - desculpe-me! -; com a psicóloga perita, todos produzidos com estudo minucioso do meu filho mais novo. Temos o depoimento acolhedor de mais de três horas da minha filha mais velha; e temos um laudo, que eu trouxe comigo dos Estados Unidos; temos duas cartas escritas a punho por meus filhos ao juiz; temos o parecer contra o genitor preparado pelo Ministério Público do meu estado; temos o parecer de 17 páginas contra o genitor, preparado pelo Ministério Público Federal; e também agora, por fim, a sentença favorável a mim, do juiz federal na primeira instância. Todos esses que eu acabei de citar mantiveram que existe exceção a retorno, ou seja, existem exceções a Haia. Eu não sou sequestradora, eu sou mãe protetora. |
| R | Após o depoimento acolhedor da minha filha, adolescente de 16 anos, sobre os abusos sofridos do genitor, o Ministério Público Federal e o juiz determinaram que o genitor não poderia ter contato com os filhos durante esse processo de Haia aqui no Brasil, mas o advogado da União, após ouvir esse depoimento acolhedor, simplesmente concordou com o advogado do genitor. Por onde anda o Estatuto da Criança e do Adolescente nesses momentos? Por onde andam os direitos humanos garantidos na Constituição Federal? Por onde anda o protocolo de gênero? Os meus filhos estão com 17 e 12 anos. A mais velha completará 18 anos em sete dias; o mais novo 13, em dezembro. As especialistas no estudo da vara indicaram que o retorno deles aos Estados Unidos geraria neles danos psíquicos inimagináveis. Eles são irmãos, não podem e não devem ser separados. Ambos clamam a quem queira ouvir que não querem voltar aos Estados Unidos e nem conviver de forma alguma com o genitor que abusou deles friamente. E a Acaf e a AGU, nisso tudo? Infelizmente, provavelmente seguirão o que é, para todos os efeitos, um suporte ao genitor. Provavelmente o ajudarão a seguir adiante para a segunda e a terceira instância. Anos de litigância ainda pela frente, mesmo existindo exceções comprovadíssimas dentro do processo. Por que tanto sofrimento desnecessário para os meus adolescentes? Estou aqui hoje para expor apenas uma história. Uma história da Convenção de Haia aqui no Brasil, a minha. Mas cada mãe aqui no Brasil e ao redor do mundo tem a sua própria história, a sua própria dor relacionada a essa convenção ou à falta de aplicabilidade dela, no caso de ser ao contrário. Se os filhos forem levados ao exterior, existe o mesmo suporte para elas? É importante notar que essa ação de defender o genitor estrangeiro gratuitamente não tem reciprocidade igual em todos os países signatários dessa convenção. Eu me sinto entre as sortudas que ainda estou com os meus filhos. Sempre fui e ainda sou cuidadora primária deles. Nunca recebi pensão do genitor. Sempre fui a única a levá-los para a escola, a única a acordar durante a noite para ficar ao lado deles quando estavam doentes, a única a defendê-los de bullying na escola, a única a preparar todas as comidas saudáveis e gostosas que eles comiam. |
| R | Eu dei a luz e a vida a eles. E continuarei a cuidar e a protegê-los com a minha própria vida, pois sempre fui a cuidadora primária deles. Portanto, eu carrego esse peso, essa dor, e também esse imenso privilégio. Grata por me ouvirem hoje. Agradeço à Senadora e a todos vocês. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Muito obrigada, Teresa. Obrigada mesmo. Estamos trabalhando. Acho que juntas, aqui, somos muito mais fortes. Eu queria fazer uma alternância aqui da mesa e convidar os outros participantes que estão aqui. Queria agradecer a essas mulheres maravilhosas. Parabéns! Vocês só nos ensinam, a cada palavra. Gratidão. A SRA. KARIN RACHEL ARANHA MOHAMED FAYZ - Nós é que agradecemos o espaço e a oportunidade. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Obrigada, Karin. Eu queria chamar André Veras Guimarães, que é o Diretor do Departamento de Imigração e Cooperação Jurídica do Ministério das Relações Exteriores; a Natalie de Castro Alves, co-fundadora do Instituto Nós Por Elas; e a Michele Najara, Coordenadora-Geral da Autoridade Central Administrativa Federal, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. (Pausa.) Oba! Gruda mais perto de mim. (Pausa.) Obrigada. (Pausa.) Com a palavra, agora, o Dr. André de Carvalho Ramos, que é Procurador Regional da República. O SR. ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde a todas e a todos. Vocês me escutam? Obrigado. Obrigado, Teresa. Então, boa tarde a todas e a todos. Eu inicio cumprimentando e agradecendo o honroso convite à nossa Presidente, Senadora do meu estado aqui, Senadora Mara Gabrilli. Sempre é uma honra estar nesta Comissão. |
| R | Eu vou fazer aqui uma breve apresentação. Primeiro, uma autodescrição para aqueles que também nos assistem pela internet: sou homem, uso óculos, pele clara, cabelos castanhos. Estou aqui num ambiente com livros atrás de mim, de terno e gravata. Sou coordenador nacional do Grupo de Migração e Refúgio do Ministério Público Federal; sou também observador, pelo Ministério Público Federal, no Conare; também aqui, como já foi bem mencionado, temos, no Ministério Público Federal, uma atuação tanto na parte extrajudicial, na proteção de direitos humanos, na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, mas também na parte judicial, especialmente nessas ações que visam à implementação da Convenção da Haia no sequestro internacional de crianças. Por aquelas junções dos destinos, sou Professor de Direito Internacional aqui da Faculdade de Direito na Universidade de São Paulo, no Largo São Francisco, e tive um grupo de pesquisas só sobre a Convenção da Haia. Aqui, os depoimentos mostram bem, Senador e eminentes e Exmos. membros da Comissão, determinados pontos que talvez mereçam destaque no relatório, e talvez mereçam, então, uma certa atenção da Comissão nas suas atividades que virão. O primeiro deles diz respeito justamente à necessidade de buscarmos uma perspectiva de gênero, um atendimento àqueles relatos de violência que a Convenção da Haia não foi construída para abarcar. A Convenção da Haia nasce em uma linha de proteção do melhor interesse da criança. Ela nasce em conjunto com a própria Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, que possui um dispositivo expresso. A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança busca justamente evitar esse tipo de ruptura, busca preservar o melhor interesse da criança, e, por isso, a Convenção da Haia foi construída com hipóteses muito restritas, que mantivessem a criança no local do qual a criança foi levada. Então, por isso os depoimentos.... Toda a minha solidariedade a essas mulheres que sofreram e sofrem essa violência. A Convenção da Haia, por outro lado, possui uma válvula de escape - vamos chamar assim -, que é o famoso art. 20, que aqui foi mencionado, que estabelece que também a devolução não será autorizada caso venha a violar princípios e direitos essenciais defendidos pela República Federativa do Brasil. Então, esse é um primeiro ponto importante que também tem que ser levado em consideração. Outro ponto importante que tem que ser levado em consideração, pelos relatos aqui mencionados, é sobre o próprio acolhimento das mulheres, porque estamos falando de um perfil novo. A Convenção nasce em um momento em que o perfil da abdução eram abdutores homens; e hoje o perfil se vê ao contrário, vê-se que são mulheres que retornam ao Brasil e, muitas delas, como aqui bem mencionado, vítimas de violência. Então, há um outro ponto importante que é o retorno dessas genitoras ao Estado no qual a criança tinha residência habitual. Há, sim, em vários casos, como aqui foi relatado, a criminalização, a criminalização do retorno. Há casos emblemáticos que foram divulgados na mídia brasileira, e isso é importante que também seja levado em consideração na avaliação a ser feita sempre. |
| R | E aqui também cumprimento o dileto Dr. André Veras, meu xará, grande especialista, defensor de direitos humanos no Ministério das Relações Exteriores; é sempre uma honra, uma alegria estar em ambientes com o Dr. Veras -, deve ser levado em consideração inclusive na própria avaliação da manutenção de laços da convenção com esse tipo de país que mantém essa criminalização. E por quê? A criminalização leva a uma alienação parental secundária, na medida em que há dificuldade de a própria mãe manter... mesmo que retornem ao estado da residência habitual da criança, há dificuldade. Então, mais um ponto de destaque aí, que deve ser levado em consideração pela Comissão, diz respeito a esse afastamento, que não estava previsto na convenção. A manutenção dessa criminalização, do meu ponto de vista, fere a própria essência da convenção. E também algo que deve ser levado em consideração é justamente a necessidade de que se assegure, além da inexistência da criminalização, a manutenção dos vínculos, dos laços, no estado que recebe essa criança, fruto da aplicação da convenção. A convenção, então, na minha perspectiva, tem a sua prática, que necessita de uma avaliação constante. Aqui os relatos mostram isso. Há necessidade de se incluir perspectiva de gênero, de se entender violência doméstica, quer seja gerada uma situação que seja o retorno... que gere um sofrimento psíquico, como diz a convenção no Artigo 13, ou que gere uma violação dos direitos essenciais, uma vez que eu interpreto - e escrevo sobre isso - que a Lei Maria da Penha estaria dentro, claro, desses direitos essenciais protegidos pelo Estado brasileiro, o combate à violência contra a mulher estaria dentro desses direitos essenciais do Artigo 20, mas isso é necessário que seja demonstrado nesses processos. E um último ponto, que talvez seja interessante, eminente Senadora, para uma reflexão, é que o CNJ regulamentou a Convenção da Haia e busca dar celeridade na devolução. Então, temos a Resolução 449 do CNJ, e essa resolução merece também ser aqui debatida, para que se inclua essa perspectiva de gênero, que se estimule, até porque o próprio CNJ tem uma resolução sobre perspectiva de gênero. Então, entendo que é um parceiro, é uma instituição, é um órgão que compõe o Poder Judiciário, de acordo com a reforma constitucional da Emenda 45, e merece, então, também essa reflexão sobre como, de que modo manter aquele espírito da Convenção da Haia, que é uma resolução célere desses conflitos transnacionais, ao mesmo tempo que essa resolução célere não fira direitos, especialmente - como aqui já foi bem mencionado - daqueles que estão sofrendo violência nesses estados da residência habitual. E, por fim, como se debateu muito a assistência jurídica aqui, é um tema também que me é muito sensível - no Ministério Público Federal nós lutamos muito, inclusive lutamos para que a Defensoria Pública da União tenha cada vez mais estrutura; tem aqui o Dr. Érico, que é também um Defensor Público extremamente combativo -, que também se tenha em mente a necessidade de se assegurar a assistência jurídica nesses estados nos quais há o maior número de relatos de falta de assistência. |
| R | Então, temos a Convenção da Haia sobre o Acesso Internacional à Justiça, de que o Brasil é signatário. Temos condições também de buscar maneiras pelas quais esses relatos nos quais fica evidente que não houve assistência sejam debatidos com as nossas contrapartes, as autoridades centrais, e aqui que tenha um espaço para falar da autoridade central brasileira, que também tem uma expertise incrível nessa área, tenha um espaço de diálogo com as demais. Eu estimularia essa reflexão sobre esse espaço... (Soa a campainha.) O SR. ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS (Por videoconferência.) - ... de diálogo com as demais autoridades centrais, para que esse atendimento que é feito aqui no Brasil, como aqui foi bem mencionado pela Advocacia da União, seja também buscado algo similar nesses estados nos quais há o maior número possível de relatos. Também acho que é muito importante que tenhamos esses registros, Senadora, esses relatos de maior incidência de discriminação contra a mulher brasileira. Eu atuo há mais de 27 anos na área, no Ministério Público Federal, mas especialmente na área de direitos humanos, e também não entendo que o fato de ser um país desenvolvido não possa passar por conjunturas de xenofobia, não possa passar - vou cumprir aqui meu prazo - por casos nos quais a mulher brasileira é vítima de violência e não tem a resposta adequada. Isso eu entendo que merece registro, merece acompanhamento. Também entendo que a autoridade central tem que ter um papel que seja voltado, claro, para a implementação da convenção, mas voltado também a entender os motivos pelos quais há isso tipo de vinda ao Brasil e buscar justamente, estimular a autoridade central desses países a averiguar por que há esses relatos de abandono, relatos de insensibilidade policial e outros, como foi bem aqui mencionado. Agradeço de novo. Tentei cumprir meu prazo. O tema é vastíssimo. Estou sempre à disposição, Senadora. O Ministério Público Federal é sempre um parceiro da Comissão Mista, contem conosco. E deixo aqui o meu abraço a todas e a todos, também aqui pelo YouTube, aqueles que fizeram uma série de perguntas superdifíceis, eu precisaria de um tempo absurdo para tentar responder essas perguntas. Um abraço especial a todas essas valorosas mães que deram seus depoimentos hoje. Obrigado. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Muito obrigada, Dr. André, pela sua explanação. Eu queria chamar o Dr. Érico Lima de Oliveira, Defensor Público Federal, que também está com horário e vai entrar de forma remota. O SR. ÉRICO LIMA DE OLIVEIRA (Para expor. Por videoconferência.) - Boa tarde. Muito obrigado, Senadora Mara Gabrilli, pela acolhida, pelo convite, Senadora pelo estado em que resido, então, sou muito grato aos bons serviços da senhora e por representar o nosso estado aqui. Na sua pessoa, eu cumprimento todos os membros da mesa e todos os presentes na audiência. O meu tempo também vai ser muito curto. Como defensor, eu quero falar da minha experiência do que foi atender as pessoas que estiveram implicadas na Convenção de Haia. Atendi três ou quatro casos e sempre são casos muito difíceis, a gente está na parte mais humana desse procedimento. A Convenção de Haia foi feita, foi confeccionada, como já mencionado aqui pelo Dr. André e por tantos outros, para não dar uma vantagem unilateral ao left-behind parent, ao pai que foi deixado para trás. E essa foi a visão com que a convenção foi formulada. |
| R | Então, tanto é que ela tem as suas exceções muito claras. Lá no art. 12, no art. 13, ela define o que é um ato ilícito e diz que são exceções a esse ato as questões envolvendo violência psíquica ou física, entre outras exceções, que são muito poucas. E na Defensoria nós protegemos a mãe, em geral é a mãe. Pode ser o pai, mas em geral é a mãe que chega até nós e fala o que foi. A gente tenta encaixar numa das exceções. Muitas vezes, não é fácil você comprovar para a jurisprudência brasileira, para o STJ. Primeiro que o risco deve ser grave e o ônus é todo nosso de comprovar a gravidade do risco. O STJ até falou que as alegações genéricas não servem, não são levadas em conta, mas às vezes a mãe só vem com a roupa do corpo. Não temo como comprovar a ameaça que estava sendo sofrida num país estrangeiro. Então, para nós, nós alegamos o art. 13, mas é preciso ter em conta que nós temos o ônus. E gera uma carga muito pesada, na minha visão, para quem está defendendo a mãe que às vezes foi vítima de violência física ou psíquica. Recentemente, o Comitê dos Direitos da Criança, que é o órgão responsável pela Convenção sobre os Direitos da Criança, emitiu uma decisão, acho que em 2022. Acho não, foi em 2022, o caso é JM x Chile, em que cotejou, falou: "olha, apesar de o Estado-parte, que no caso era o Chile, ter levado em conta, ter adotado o procedimento da Convenção de Haia, não procurou proteger o melhor interesse da criança, o interesse maior da criança, que está previsto lá no art. 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança". E nesse art. 3º, deve haver um diálogo entre a Convenção sobre os Direitos da Criança, da ONU, e da Convenção de Haia aqui sendo tratada. O que foi o caso chileno? Houve uma alegação de abdução de criança. A criança no caso tinha autismo e o pai, que ficou na Espanha, foi atrás da criança no Chile. E esse procedimento foi na primeira instância, na segunda instância. Chegou na Suprema Corte, a Suprema Corte simplesmente ouviu as alegações do pai em detrimento do interesse maior da criança. Então, o que comitê sobre os direitos da criança falou? Disse: "a gente não está aqui para rever o processo doméstico, que foi aplicado lá na Justiça chilena. O que a gente quer ver é se o processo que tramitou na Justiça chilena também procurou atender ao interesse maior da criança, que é o princípio que deve reger a tramitação da Convenção de Haia". Então, deve haver um diálogo entre a Convenção de Haia, o procedimento adotado pela Convenção de Haia, e o princípio da Convenção sobre os Direitos da Criança, porque nem sempre o que foi provado na Justiça está atendendo ao interesse maior da criança. |
| R | Então, para finalizar, nós da Defensoria Pública da União temos muita dificuldade com esses casos, porque, na minha visão, a AGU, que está protegendo o tratado, tem, digamos assim, uma sobreforça nesse tipo de situação, porque é como se fosse uma reserva moral, ela diz que está protegendo o tratado, e a gente está protegendo a mãe e a criança, então, nós temos que nos atentar também à Convenção sobre os Direitos da Criança, que foi assinada e ratificada pela República Federativa do Brasil neste tipo de procedimento. Era essa a minha fala. Muito obrigado, Senadora e toda a audiência que nos vê. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Muito obrigada. É muito importante a sua participação, da Defensoria Pública Federal. Eu queria passar a palavra agora para o Dr. André Veras Guimarães, que é Diretor do Departamento de Imigração e Cooperação Jurídica do Ministério das Relações Exteriores. Com a palavra, Dr. André. Obrigada. O SR. ANDRÉ VERAS GUIMARÃES (Para expor.) - Muito obrigado, Senadora. É uma satisfação e uma honra fazer parte desta Comissão e trazer um pouco da experiência que eu tenho nesse tema para poder contribuir para o melhor encaminhamento do tema. Eu sou Diretor do Departamento de Imigração e Cooperação Jurídica do Itamaraty e venho trabalhando, há praticamente nove anos, com os temas da Conferência da Haia, de maneira geral, e com o tema da migração também. Eu vou centrar a minha exposição nas competências do ministério, que são as competências de negociação internacional, a defesa dos interesses brasileiros e também uma outra função do ministério, que é a assistência consular no exterior. Como todos sabem, a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças foi concluída na cidade de Haia no ano de 1980, e o Brasil depositou um instrumento de adesão a esse compromisso internacional em 1999, passando a vigorar para o Brasil em 1º de janeiro do ano 2000. O depósito de instrumentos de ratificação desta convenção só foi possível ser feito após a aprovação do documento, a aprovação dessa convenção pelo Congresso Nacional brasileiro. É muito importante sempre lembrar que esta Convenção da Haia, de 1980, que é chamada de Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, é uma das várias convenções que foram firmadas no âmbito da Conferência da Haia, que é um organismo internacional que tem por objetivo aproximar as várias legislações dos países. Ele se chama direito nacional privado, porque o fim dele é buscar aproximar e chegar às várias legislações para que se consiga resolver o problema da jurisdição, ou seja, uma lei de um país ou uma decisão de um país, como ela se aplica em um outro país. E a Conferência da Haia faz isso. |
| R | Nós temos convenção sobre o sequestro, nós temos convenção sobre notificação no exterior, nós temos convenção que fala especificamente sobre pagamento de alimentos, temos outra convenção, que todo mundo também conhece muito, que é a da apostila, que simplifica essas várias legalizações, que são necessárias para que um documento feito num país seja utilizado em outro, ou seja, a Conferência da Haia de 1980 é uma entre muitas conferências, muitas convenções. E a convenção de sequestro, que no Brasil levou o nome de sequestro, nos outros países sempre eles usam o termo de retirada: é uma convenção que tem por objetivo impedir que uma criança seja tirada do seu local habitual de residência e levada para outro país. Sempre o objetivo, a partir do princípio de buscar o melhor interesse das crianças, é impedir e fixar uma jurisdição, ou seja, para que não haja conflito e para que não haja essa prática de retirar uma criança de um local para levar para outro país e nele buscar se escudar na legislação, os países decidiram assinar esse documento. É claro que esta é uma regra geral: impedir que se retire a criança, mas nós temos uma exceção, duas, basicamente, estabelecidas pela convenção, que são, primeiramente, verificar se há uma grave ameaça à criança. Essa grave ameaça à criança, como estava fechada nesse conceito na convenção, as discussões posteriores também passaram o entendimento de que uma ameaça à mãe também é uma ameaça à criança. Então, essa seria a exceção à regra, para que uma criança levada para um país não fosse devolvida. A exceção seria a alegação de violência, ou seja, os Estados definem pelo documento que a jurisdição, para as discussões sobre guarda, é a do local de residência habitual da criança, cabendo ao Estado para onde esta foi levada ou retida a obrigação de devolvê-la no prazo de seis semanas. E a exceção a essa obrigação é o art. 13. Eu lembro que nós ouvimos aqui depoimentos de mães - eu me solidarizo, me compadeço dos casos -, ouvimos casos de mães que sofreram problemas semelhantes com países que não são partes nem da conferência e nem da convenção, ou seja, quando não se tem o recurso da convenção, que é esse arranjo entre os países, a situação se torna ainda mais difícil. Quando você leva uma criança para o Egito ou para a Coreia do Sul, que foram os casos que nós ouvimos aqui, é preciso contar com outros mecanismos de cooperação internacional, que seja uma tramitação de uma carta rogatória, uma decisão judicial, ou levar a que esse pai ou essa mãe vá brigar, na justiça do país, pela guarda da criança. Eu já vi outros casos também e eu vejo que se torna ainda mais difícil, não é? |
| R | Ao longo dos últimos anos, nós vimos que os casos de sequestro, ativos e passivos, ou seja, sequestros que aconteceram com crianças no Brasil, ou seja, crianças trazidas para o Brasil e crianças levadas para o exterior, cresceram significativamente. E essa, eu acho que é a razão pela qual nós aqui estamos discutindo essa situação. O outro dado importante é que, se num primeiro momento, nós tínhamos muitos casos, um desequilíbrio entre números de casos de crianças que eram trazidas para o exterior e de crianças levadas, hoje eles praticamente se equivalem em número, ou seja, nós temos disputas também de mães que estão buscando trazer os seus filhos do exterior para o Brasil, ou seja, a regra que vale para lá vale para cá, não é? Nós temos vários elementos para serem discutidos sobre aplicação, mas o princípio é esse princípio, que se aplica dos dois lados. Ao longo dos anos, com esse crescimento, várias medidas foram tomadas internamente, e nós tivemos participação, porque cabe a nós, Itamaraty, também fazer a defesa do nosso país no exterior, nas suas relações com outros países, ou seja, a questão da responsabilidade internacional. Uma vez que nós nos comprometemos, nós temos que também buscar cumprir os nossos compromissos. Nós tivemos uma primeira questão, que foi muito importante, que foi fixar a competência da Justiça Federal, porque antes havia uma demora muito grande de disputa entre Justiças. Nós tivemos a decisão recente do Conselho Nacional de Justiça, que determinou prazos para julgamento. Nós tivemos a reformulação da rede de juízes, que é justamente um conjunto de magistrados, cada um de cada Tribunal Federal de Recursos, para que ele possa auxiliar o juiz, os seus colegas, para o melhor encaminhamento da questão, não definindo o julgamento, mas dando informação... (Soa a campainha.) O SR. ANDRÉ VERAS GUIMARÃES - ... porque a gente vê também que a falta de informação é um problema muito grande, não é? Então isso foi uma questão, uma medida que nós tomamos, juntamente com o Supremo Tribunal Federal, para que pudéssemos reformular essa rede e fortalecê-la. Há a realização de seminários, a realização de treinamento de mediadores. Todas essas medidas foram derivadas da necessidade de dar uma resposta a esse crescimento dos casos. Sabemos da importância do tema para o Legislativo e também para a sociedade civil, sobretudo em razão das alegações de violência doméstica. Nós temos o reconhecimento de que a convenção não é o melhor instrumento, mas é o instrumento que hoje nós temos. Mas nós temos um problema, hoje fundamental, que é o pós-retorno. Nós sabemos que há dificuldade de acesso, nós sabemos que há dificuldade quanto a questões migratórias, muitas mães não podem retornar. Nós temos problema de assistência jurídica, assistência financeira e, muitas vezes, casos até de criminalização. Eu tenho muito mais que falar, Senadora, mas eu vou só tocar num aspecto fundamental que a senhora, na sua introdução, levantou, que é a realização da 8ª Comissão Especial especificamente dessa convenção, que acontecerá agora na cidade de Haia, em meados deste mês de outubro. |
| R | A Comissão Especial, como o próprio nome diz, é um grupo com representantes de todos os países que são parte da convenção e que se reúnem, não anualmente, mas que se reúnem até de cinco ou seis, depende um pouco da época. É uma reunião que acontece para que se faça o balanço da convenção, do que tem acontecido, quais são os problemas que são identificados. Nós vamos - eu digo nós, Estado brasileiro - com uma comitiva da qual fazem parte o Itamaraty, o Ministério da Justiça, a AGU e os juízes de enlace, para que nós possamos discutir temas relacionados à convenção. O próprio Dr. André de Carvalho Ramos, que eu cumprimento também, mencionou um dado importante. A convenção, quando ela foi feita, tinha um momento específico, que eram os anos 80. Depois de 40 anos, a gente sente que a convenção precisa discutir aspectos importantes. Para nós, Brasil, é o aspecto do pós-retorno. Esse é um aspecto muito importante, juntamente com um outro aspecto que não é da convenção, que é sobre a assistência, o aconselhamento e a informação das mães sobre todas as consequências de uma retirada, de acordo com o que prevê a convenção. A nossa delegação vai começar um movimento para discutir esses elementos do pós-retorno. Não é um processo fácil. A senhora, que está no Parlamento, sabe como é a discussão Parlamentar. E, na conferência, é uma discussão parlamentar. São os vários países que vão discutir e vão tentar chegar a um compromisso para que a gente possa avançar nessas questões que são importantes não somente para nós. Vários países, sobretudo países do Sul, países em desenvolvimento, também enfrentam essas mesmas questões. Senadora, eu fico por aqui. Eu sei que o tempo foi muito curto, o tema é muito complexo, mas eu me coloco à disposição não só para a senhora, mas também para todos os presentes, para poder trazer algum outro elemento do qual eu não tratei neste momento. Muito obrigado, Senadora. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Obrigada, doutor. Até sugiro... Por que não fazer um convite a um Parlamentar para participar, lá em Haia, dessa reunião? O SR. ANDRÉ VERAS GUIMARÃES - Nós temos que ver... A convenção tem todas as suas regras de participação. Podemos consultar. Isso não é um problema. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Obrigada pela sua explanação. Bom, eu quero chamar a Claudia Grabois, que é Advogada e consultora especialista em direitos humanos, em Direito Internacional de Família, diversidades e na Convenção da Haia 28. A Claudia vai entrar por videoconferência. |
| R | A SRA. CLAUDIA GRABOIS (Para expor. Por videoconferência.) - Parabéns pela Presidência desta Comissão tão importante de migrações internacionais e refugiados. Eu gostaria de começar a minha breve explanação com a leitura do Artigo 20 da convenção: O retorno da criança de acordo com as disposições contidas no Artigo 12° poderá ser recusado quando não for compatível com os princípios [...] do Estado requerido com relação à proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Esse artigo, de fato, tem uma relevância absoluta, porque está totalmente em consonância com a nossa Constituição Federal, com o art. 227 da Constituição Federal, que coloca a criança como prioridade absoluta no ordenamento jurídico. Realmente, é emocionante ouvir as mães falarem dessa forma. Eu vejo que nos últimos anos, nos últimos 10 anos, esse fluxo de vinda para o Brasil de mães, que denominamos que são mães que fazem retenção ilícita, pela forma que chegaram, vem com relatos fortes de violência, vem com relatos, vem com provas, então, são indícios fortes. Essa reforma, na verdade, passa a ser imprescindível porque, de fato, como foi dito anteriormente, quando a convenção foi pensada e elaborada, não era para ser uma convenção para se pesar contra mães que protegem os filhos de violência e contra pais que protegem os filhos também de situações de violência, era uma convenção para inibir o sequestro internacional de crianças, a retirada de crianças. O que a gente vê, hoje em dia, na verdade, são as mães chegarem ao Brasil sem proteção, as mães buscarem também as embaixadas dos países, como brasileiras, sem proteção, tanto que não há mais com tanta constância o caso de saídas súbitas, a maioria das mães que aqui se colocou demorou para sair do país de origem, do país onde elas residiam. Elas não saíram do país de onde residiam de um dia para o outro, a maioria delas buscou a Justiça, a maioria delas buscou proteção e a maioria delas também buscou a embaixada local. Então, nós temos aqui um contexto de violência de gênero muito forte. Nós temos aqui um contexto de discriminação da mulher brasileira muito forte e muito assertivo também, são mulheres que relatam discriminação, de certa forma, extrema, são mulheres, na verdade, que chegam ao Brasil já com um sofrimento extremo, e essas mulheres têm que ser protegidas pelo seu país. Eu vejo que há um avanço muito grande nas práticas da Defensoria Pública da União, vejo, também, uma efetividade muito grande na PGR, na atuação da PGR, e uma falta de reciprocidade. E por que essa falta de reciprocidade? Quando o Brasil ratifica a convenção, ele não faz a reserva de direito para o artigo da oferta da assistência jurídica gratuita e, sem essa reserva de direito, o Brasil se obriga à oferta. |
| R | O marco pode ser o marco da AGU estar atuando em todos os processos - talvez possa ser o caso Sean; isso é uma coisa -, mas o Brasil se obrigou a oferecer essa oferta gratuita. A mulher brasileira não conta com essa mesma oferta quando está fora do Brasil, e isso não tira em nada a importância da Acaf. A Acaf, na verdade, tem um papel fundamental. A Convenção, na verdade, requer essa Autoridade Central. A Autoridade Central brasileira lida com situações muito complexas. Isso é uma coisa que todas as pessoas envolvidas com trabalhos relacionados à Convenção, com casos relacionados à Convenção e todos os entes envolvidos precisam reconhecer; que são casos e mais casos de alta complexidade. Muitos deles vêm sendo resolvidos em mediação, assim como a AGU também vem tentando resolver e vem iniciando essa boa prática, que eu chamo de boa prática. O primeiro caso foi na França, eu acho que há dois anos atrás, de forma extrajudicial. Mas o que não cabe em negociação? Não cabe negociação quando existe violência. Nós temos na mesa, por exemplo, um caso - eu posso falar sobre ele, não advogo para ele - de uma mãe que foi esfaqueada pelo pai, com uma medida protetiva. O que quer dizer protetiva? Com uma medida de afastamento total, com o pai com mandado de prisão, e ele sai com essa criança do Brasil - uma retenção ilícita, na verdade - para a Coreia do Sul. E o que acontece é que a eficácia da Acaf coreana não é a mesma. A Coreia do Sul é signatária da Convenção, pelo que me consta - corrijam-me, por favor, se eu estiver errada -, mas a Coreia do Sul ratificou a Convenção, é um Estado contratante. A gente não conta, na verdade, com os outros países fazendo essa defesa tão eficaz como a Acaf brasileira faz dos pais, isso de uma forma um tanto indiscriminada, um tanto indiscriminada. Agora, é importante a existência da Acaf? É. Do que eu acho que é preciso aqui, na verdade, é de um ajuste de práticas: até onde a Acaf deve ir. A Acaf também não é obrigada a emitir parecer que retorne criança. A Acaf também deve respeito à Constituição Federal, que é a nossa lei maior. A Acaf também deve respeito a todo o nosso ordenamento jurídico. O nosso ordenamento jurídico é um ordenamento riquíssimo, é um arcabouço legal de proteção à mulher, de proteção à criança. E por que essas mulheres chegam ao Brasil, na verdade, sem contar com a proteção devida? E daí, é verdade que a gente não está falando de uma mulher que traz os filhos, de uma mãe que traz os filhos porque não gosta do país onde estava residindo, ou porque se cansou, ou porque mesmo está longe da família, porque isso é uma decisão de vida que foi tomada, não, a gente está falando sobre uma pessoa que não está sendo protegida no país de origem. Então, isso não é nem pós-convenção, isso é pré-convenção. Para a gente falar no pós-convenção, nós temos que pensar em uma série de medidas a serem tomadas porque, na verdade, a mulher não pode retornar ao país de onde ela saiu sem todas as salvaguardas, sem um acordo, na verdade, que permita que ela volte e que ela tenha o convívio com o filho da forma que ela tinha. |
| R | A gente não está falando de uma pessoa que saiu porque quis. Todas as pessoas que fizeram as suas exposições, que trouxeram os filhos para o Brasil, as mães que trouxeram os filhos para o Brasil, todas elas expuseram a violência pela qual elas passaram e crianças também vítimas de violência. E não cabe desculpa. Quando uma criança é vítima de violência, a criança, na verdade, com processos... Porque a criança, na verdade, é o centro de um processo da convenção. Ela mal é mencionada, mas é o centro do processo da convenção. Então, é ela que tem que ser protegida e é o seu superior interesse que deve ser protegido. E mal se fala em uma criança nos processos. As crianças são agredidas com socos. Há pais que se desculpam. Não cabe desculpa. A criança foi agredida com um soco. No Brasil, seria inadmissível que esse pai tivesse a guarda da criança. Então, é inadmissível que retorne para o país de origem. Então, aqui nós temos, assim, uma gama de casos, todos eles super, assim, tristes. São tristes. Tristes para todos que os acessam. E a gente está tratando aqui de uma convenção do multiculturalismo, multicultural. É uma convenção de diversidade. E, quando a convenção foi elaborada, essa diversidade também não foi tão pensada e é uma coisa em que se deve pensar agora. Em outubro, tem-se uma chance de se pensar nisso, porque os países têm leis diferentes para a proteção da criança e proteção da mulher. E essas leis, internamente, devem prevalecer. E elas podem prevalecer, inclusive de acordo com a própria convenção. Aliás, hoje não há nada que impeça que a convenção seja implementada e cumprida, defendendo os direitos das crianças e de suas mães que são vítimas de violência. Uma pessoa que comete violência contra a mulher pode cometer violência contra o filho, contra a filha. E há vários relatos e nós podemos pegar os indicadores também. Os indicadores da Convenção de Haia são públicos. Há decisões de vários estados contratantes. Eu gostaria de... É muito pouco tempo para falar, na verdade, mas eu gostaria de pontuar o importante papel do MRE e das embaixadas e consulados ao redor do mundo, não só em matéria de informação sobre o que pode e não pode, mas sobre orientação, inclusive com a proposta de que possa ser um elo de informação ao Brasil, ao Ministério das Mulheres, sobre o que aquela mulher que se dirigiu à embaixada está passando naquele país, que tipo de discriminação ela está sofrendo, porque entendo, muitas vezes, que pode não ter pessoal suficiente, mas é preciso que tenha, porque nós estamos falando aqui de vidas. Estamos falando aqui de pessoas. Outra coisa que eu não entendo é por que o Ministério das Mulheres, na verdade, a SPM tem uma resolução, tinha uma resolução, hoje Ministério das Mulheres, onde emitiria aparecer em todos os casos de Convenção de Haia, com relatos e denúncias de violência contra a mulher, e esses pareceres, nós não estamos vendo nos processos. |
| R | Então, é importante aqui a gente reconhecer que a existência da AGU é fundamental. A AGU exerce um papel fundamental no andamento do Estado democrático de direito. A Acaf exerce também um papel fundamental como Autoridade Central Administrativa Federal, inclusive na busca da garantia desse convívio. Nós estamos falando aqui na construção de um novo paradigma, um paradigma, na verdade, que também seja um paradigma de proteção e não seja um paradigma punitivista, no qual a criança seja de fato o centro da Convenção, no qual as sanções econômicas não possam falar mais alto, no qual, na verdade, os núcleos familiares e todas as suas diversidades possam ser considerados. É muito importante que o Ministério das Mulheres volte a emitir o parecer. É importante esse acolhimento das mães pela Acaf e que a Acaf as escute também. Não sei como isso poderia acontecer, mas a Acaf fez esse movimento anteriormente e pode voltar a fazer, ou seja, de escutar as mães, de entendê-las, na verdade, sobre o que de fato aconteceu naquele país de onde ela saiu e, muitas vezes, de onde ela foi obrigada a sair. Estamos falando aqui de violência, de pessoas que sofreram, de pessoas que têm os filhos hoje retirados, em situações totalmente adversas, e muitos deles em situações até digamos assim perigosas, conforme os relatos das mães, e de mães que vivem apavoradas com medo de busca e apreensão após uma audiência de conciliação ou após uma audiência de mediação. Busca e apreensão que pode acontecer na calada da noite a qualquer momento. É importante que a gente consiga construir, na verdade, um comitê que possa trabalhar em conjunto com a Acaf, que possa ouvir as mães, que possa interagir com a AGU. Até porque, quando a AGU sabe... Por exemplo, aqui uma mãe disse que estava com tornozeleira e, quando a AGU sabe que uma mãe está com tornozeleira no âmbito da Convenção de Haia, acho necessário que ela tome alguma providência. A AGU não é um órgão acusador de mães e não é um órgão acusador de crianças, embora seja um órgão fundamental para o funcionamento do Estado democrático de direito. Então, é preciso que esse olhar e que essa prática mudem. É preciso que seja, de fato, uma cooperação para um fim específico. Aqui a gente não está falando em colaborar, não, a gente está cooperando, está tentando cooperar para um fim específico que é de proteção ao superior interesse da criança. Ou seja, a proteção da criança como pessoa, como gente. A criança não pode ser coisificada dessa forma, ser tirada daqui e colocada lá. E a atenção a cada caso em específico. O que aconteceu naquele caso para essa mãe chegar ao Brasil dessa forma? |
| R | O que acontece, na verdade, quando uma criança é retirada do Brasil e a mãe não sente o empenho da autoridade central que deveria ter, na verdade, de uma forma muito efetiva, porque a autoridade central do outro país, muitas vezes, não age da mesma forma. E como, na verdade, essa reciprocidade pode ser construída. Eu acho que o momento de fazer isso... Eu penso que o momento de fazer isso é agora, essa construção pode ser agora! Senadora Mara, nós temos hoje um momento ímpar mesmo. O que a Senadora proporcionou às mães, mas eu digo também, inclusive, ao Ministério das Mulheres, que não está presente, à Acaf, que está presente - parabéns pela presença; obrigada pela presença - porque é muito importante para a advocacia, é muito importante para todos essa presença. A participação brilhante da PGR, da DPU, que avançou muito em matéria de defesa de direitos, inclusive, com resoluções; inclusive, com recorte de gênero, com atenção à violência de gênero, porque ela existe, ela é um fato. Ela pode ser observada, inclusive, sem leitura de indicadores. Basta acessar jornal, acessar o Google. Então, eu espero que a partir desse momento e desse evento, tão relevante que aconteceu hoje, Senadora Mara, que seja dado um passo à frente para a proteção dos direitos das crianças, porque sem também que as mulheres tenham seus direitos assegurados conforme a Lei Maria da Penha, e essas mulheres vêm para o Brasil - são brasileiras em geral -, vêm para o Brasil, são brasileiras e esperam contar com a proteção da Lei Maria da Penha, a gente não tem justiça. Então, é um embate muito grande, é um embate muito grande. Vamos lembrar do art. 12, mas vamos lembrar do art. 20. O art 20 é um artigo fundamental, porque, na verdade, ele assegura os direitos fundamentais... (Soa a campainha.) A SRA. CLAUDIA GRABOIS - ... e vamos voltar ou vamos colocar, pela primeira vez, a criança no centro do direito quando se fala em Convenção de Haia 28, porque é o que nós precisamos fazer. Então, fica aqui a proposta, Senadora Mara, de criação de um comitê que possa, na verdade, receber as mães, mas também monitorar e interagir junto à Acaf, junto à AGU, junto ao Ministério da Justiça em geral, de forma geral, ao Ministério de Direitos Humanos também, ao Ministério das Mulheres, em busca de soluções, em busca de boas práticas. Sem desmerecer a Acaf, sem desmerecer a AGU, sem desmerecer nenhum ente, na verdade, mas reconhecendo que nós precisamos avançar, principalmente nesse momento em que vários movimentos nesse sentido são feitos em diversos países. Movimento de proteção à mulher em casos domésticos e em casos de Convenção de Haia. Eu sei que tenho que encerrar. Então, eu agradeço profundamente o convite, Senadora Mara, parabenizo-a muitíssimo, porque há mais de 10 anos, quer dizer, há mais de 10 anos ou há quase 10 anos, a Senadora tem sido a voz de muitas mães e uma propositora e defensora de propostas, na verdade, que acabam se tornando efetivas, mas só o acolhimento que acontece em seu gabinete já faz toda a diferença para essas mães que chegam com um sentimento de impotência tão grande. |
| R | Nesse sentido, muito obrigada, Senadora, e que venham mais audiências e mais construções em benefício não apenas das mães, não apenas dos filhos, mas em benefício das famílias. E que nenhum agressor tenha o filho repatriado, porque nós sabemos o que acontece. Nós temos o exemplo de vários países onde aconteceu o pior por colocar a criança junto com o agressor... (Palmas.) ... a exemplo da prática da reunificação. Então, na verdade, não é uma novidade para ninguém. As pessoas que estão aqui, que são da área do direito conhecem. Então só tenho realmente a agradecer e falar para as mães que elas continuem nessa luta, que elas continuem unidas e que consigam, na verdade, cuidar dos seus filhos. E também quero falar para as mães que, na verdade, é preciso considerar toda essa diversidade cultural nas escolhas que são feitas. Isso também é fundamental. Eu acho que se esse comitê for criado, a diversidade cultural tem que ser um dos pontos. Muito obrigada, Senadora. Obrigada a todos. Boa noite! A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Claudia, boa noite! Você acha que não ouve daí, mas você foi muito aplaudida aqui. A SRA. CLAUDIA GRABOIS (Por videoconferência.) - Eu ouço. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - E que bom! Muito boa a ideia da criação do comitê. A gente também tem que agradecer a você, porque você tem sido uma orientadora, um baluarte para todas nós. Com certeza a gente conseguiu avançar muito em vários casos por conta da sua orientação. Então, Claudia, muito obrigada. Muito obrigada pelo seu envolvimento. Eu queria dizer a vocês que a gente tem mais de 300 pessoas que mandaram mensagens aqui. Depois eu vou fazer um apanhado, porque com trezentas a gente vai ficar até amanhã aqui. Eu posso deixar você para o grand finale? (Pausa.) Então eu quero passar a palavra para Natalie de Castro Alves, que é cofundadora do Instituto Nós por Elas. É uma honra, Natalie! E ainda deixar claro que a Advocacia-Geral da União teve sua ausência confirmada e que o Ministério das Mulheres também teve sua ausência confirmada. A SRA. NATALIE DE CASTRO ALVES (Para expor.) - Boa noite a todos. Vocês me escutam bem? A honra é minha, Senadora. Eu agradeço à Comissão e o faço na sua pessoa, que de forma muito corajosa e sensível pautou esse tema tão necessário e pautou em um momento muito oportuno. Agora em outubro, no dia 10, se avizinha uma data muito importante. No dia 10 de outubro é o Dia Nacional de Luta contra a Violência contra a Mulher. Então aqui a gente também está debatendo esse tema. E eu já dirijo também todos os meus cumprimentos e registro a coragem dessas mães, que vieram aqui hoje, emocionaram e sensibilizaram. Eu sei que para vocês é um momento muito importante, mas também imagino ser extenuante relembrar e reviver e o quanto isso é necessário para que a gente mobilize as autoridades e faça a diferença. Também faço os meus cumprimentos ao Deputado Túlio Gadelha, Relator e membro aqui desta Comissão, que sempre abre as portas para a sociedade civil. Entendo, Senadora Mara, que o nosso objetivo aqui numa audiência pública é solucionar questionamentos. E tem um questionamento que ainda não foi solucionado. Nós sabemos que Haia autorizou que os países-membros interpretassem, conferissem legislações que dessem interpretações à convenção, a fim de sanar lacunas. A própria representante da Revibra falou isso. Então os países podem legislar para sanar lacunas, como as lacunas que as mães nos apresentaram aqui hoje, que simplesmente não são resolvidas. |
| R | Raquel - acho que foi a terceira mãe a falar, não é isso? -, a sua frase foi muito impactante. Você disse: "Não retornar a criança é também cumprir a convenção". Isso é um problema de interpretação. Essa interpretação, que é a correta, não tem sido dada e o Brasil pode corrigir. Por que ainda não corrigiu? É essa a resposta que a gente quer saber. Quais são os instrumentos que nós podemos mover para que isso aconteça? Esse relato sensível que vocês fizeram é uma força motriz para que a gente mova as esferas de poder, o CNJ e todas as esferas possíveis para que isso aconteça. Eu falo aqui como sociedade civil, eu falo como terceiro setor, eu falo como mulher, mas eu falo como alguém que ainda não é mãe. E por isso mesmo a gente se sensibiliza e, como terceiro setor, a gente tem o dever de acolhê-las. Então o Instituto Nós Por Elas, que é um instituto vocacionado a levar à frente políticas públicas, nós somos responsáveis, Senadora Mara, pela aprovação aqui nesse Congresso Nacional do Pacote Basta, um pacote de medidas de enfrentamento à violência contra a mulher, que inclusive tipificou no ordenamento jurídico brasileiro a violência psicológica. Esse pacote foi aprovado em quatro meses com uma colaboração absoluta desses Parlamentares e nós estamos aqui engajados e engajadas a ajudar as Mães de Haia. Então nós criamos uma campanha, o Nós Por Elas criou uma campanha: Nós Pelas Mães de Haia. Então estamos aqui nos colocando à disposição, estamos em Brasília, vivenciando a rotina. (Palmas.) A salva de palmas é para vocês, gente. Estamos aqui para ajudá-las a promover as políticas públicas necessárias e a fazer a interlocução com o Governo, para que essas pautas avancem e para que essas interpretações e essas lacunas de interpretações sejam, enfim, sanadas. Há dados da Revibra - e a representante deles esteve aqui hoje - que dizem que, a cada dez mulheres processadas por sequestro internacional dos filhos, nove são vítimas de violência doméstica. O que isso significa? Que a maioria das mulheres está fugindo de seu agressor. E aí elas se veem, se defrontam com o seguinte questionamento: "Eu volto para o meu país e abandono o meu filho com o potencial agressor? Ou eu levo o meu filho e sou acusada de sequestro internacional?". É essa a história que essas mulheres contaram aqui hoje e é essa a interpretação restritiva que hoje tem sido aplicada na convenção de Haia que as faz sufocar em uma dor que eu, como não sou mãe, só consigo imaginar. Então estamos aqui para movimentar a máquina, principalmente porque os instrumentos já existem. A possibilidade de mudar a alteração interpretativa já foi dada, já foi concedida. E vê-las chorar, Tunisia, é o que nos move para movimentar também todos os instrumentos possíveis. Então eu venho aqui fazer um breve adendo também em termos de incursão na jurisprudência. É sempre bom entendermos que o Poder Judiciário está avançando na perspectiva de gênero - que bom, tardiamente, mas está avançando. E há já precedentes bem positivos. |
| R | Mas toda essa questão orbita, e a gente não pode desconsiderar, a discriminação, a xenofobia e a assimetria de recursos muitas vezes. Como já foi dito aqui, exaustivamente, enquanto muitas vezes o pai tem a representação e o auxílio da AGU, as mães têm que contar com a Defensoria Pública, que está lotada de trabalho. E muitas vezes essas mulheres não conseguem dar vazão aos seus pleitos, que são absolutamente justos e necessários. Eu queria terminar, Senadora, dizendo que, quando a Justiça tarda, ela falha. E, neste caso, quando ela falha, ela sufoca essas mulheres e sufoca essas crianças. Então, estamos aqui para mudar. Finalizo aqui a minha intervenção colocando o Instituto Nós Por Elas à disposição. Que todos nós estejamos pelas Mães de Haia para poder mudar esse quadro. Eu cito, por fim, a nossa querida Gal Costa: é preciso estarmos atentas e fortes, porque nem tempo de temer a morte nós teremos. Então, continuemos juntas. E contem conosco. Muito obrigada, Senadora. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Obrigada. Obrigada, Natalie. Obrigada mesmo, de coração. (Pausa.) Só para vocês terem uma ideia... Cícero Neves, do Ceará: "No caso de brasileira vítima de violência doméstica permanecer no país da agressão com o filho, isso torna-se uma revitimização?". São várias perguntas que a gente pode ir respondendo. Flávia Granata, de São Paulo: "Com tantas provas de que essas crianças foram abusadas, como os genitores conseguem ter a guarda de seus filhos? Cadê os direitos humanos?". Giovanna Oliveira, de São Paulo: "Como as autoridades do Brasil irão auxiliar Moara juridicamente? Ela precisa de advogados competentes urgente.". Depois, Rodolfo, da Bahia: "Existe algum projeto no Senado para aprimorar a aplicação da Convenção sobre Sequestro Internacional de Crianças?". Rayanne Sarandão, de Pernambuco: [Procuradoria-Geral da República...] Quais [...] [providências] serão tomadas [...]? Então, são mais de 300 mensagens. Depois que a Acaf falar, que a Michelle falar, eu posso até ler mais, se vocês se interessarem. Mas é importante o quanto de gente que está interessada em aprofundar, em saber qual vai ser a solução do caso de cada uma de vocês. Isso já é uma energia que transforma. Estou muito feliz com essa participação. Agora, eu quero chamar a Michelle Najara, da Acaf, que é do Ministério da Justiça e Segurança Pública, agradecendo já o Ministro Flávio Dino por ter incentivado a Michelle a vir à nossa audiência. Obrigada, Michelle. Obrigada, Ministro. A SRA. MICHELLE NAJARA (Para expor.) - Obrigada pelo convite. Eu acho que é superimportante a participação da Acaf. Nós estávamos ansiosas, toda a minha equipe, para participar da audiência. |
| R | Pode ser que tenha havido algum ruído aí, mas tudo deu certo e nós nos sensibilizamos pelos casos que foram relatados. São os casos mais complexos que nós temos na Acaf. Conhecemos todas que estão aqui presentes. Já conversei com a Teresa pessoalmente, a Karin também já esteve na Acaf. Enfim, são, realmente, os casos mais complexos que nós temos hoje na Acaf. Lembrando que hoje nós temos 227 casos, com todos os perfis, com todas as situações. Eu queria muito, antes de começar até a conversar sobre os casos em específico, fazer uma apresentação do que a Acaf faz, para as pessoas compreenderem o nosso trabalho, porque eu vejo - chegam até nós, através da imprensa, por e-mail - que as pessoas, às vezes, replicam informações erradas do papel da Acaf, e nós não temos um espaço para explicar: "Olha, esse é o nosso papel"; "Isso aqui nós podemos fazer"; "Nisso, você está perdendo tempo e energia, sendo que poderia adotar outras medidas ou até...", enfim. Então, eu gostaria muito de deixar claro qual é o papel da Acaf na subtração. Nós fizemos uma apresentação bem rápida. Eu peço dez minutos às mães que estão aqui presentes. Eu queria a atenção de vocês durante dez minutos e que vocês entendessem que nós temos 227 casos e que muitos deles não têm a questão da violência. Então, essa apresentação é dedicada a esse universo de casos, mas nós vamos conversar, especificamente, com relação à violência, que é o que torna o caso mais sensível e mais complexo. Mas, neste momento, entendam que essa apresentação se dirige a todos esses casos, principalmente para as pessoas que estão nos ouvindo, enfim, para que vocês, realmente, conheçam como é a aplicação, na prática, da subtração internacional. Então, vou ser bastante didática. Tenham paciência, que logo nós vamos ouvi-las. Tudo bem? Bom, a primeira coisa aqui. De várias, eu ouvi... Desculpa. Eu ouvi todo mundo aqui falando "sequestro", quando, na verdade, no Brasil, subtração não é sequestro. E isso é uma vantagem para o Brasil, porque lá na Conferência de Haia, uma das boas práticas, e eles incentivam a boa prática, é a da não criminalização. E o Brasil pode se orgulhar disso, porque a subtração não é crime. Para quem é da área jurídica, principalmente, sabe o peso que é você falar sequestro, porque, quando você fala para uma pessoa da área jurídica "sequestro", vem na cabeça dela prisão, vêm na cabeça dela todas as consequências da prática de um crime, quando, na verdade, a subtração não é crime. No Brasil, ela não é crime, embora o seja em outros países. Por isso, eu peço, e hoje eu falo que eu não estou sendo muito fina, porque eu já corrijo a pessoa imediatamente. Eu falo: "Olha, é um erro de terminologia jurídica que está no nosso decreto que internalizou as convenções - esse erro de terminologia "sequestro" -, mas que nós não usamos. E nós aconselhamos a todos, a todas vocês que parem de usar esse termo 'sequestro'". Não é sequestro no Brasil. E nem na convenção se usa o termo "kidnapping"; usa-se o termo "adoption". Então, nem na convenção, em inglês, eles utilizam o termo "sequestro", que tem o sentido de crime. Então, vamos parar. Vamos tentar fazer um exercício de não usar mais essa palavra "sequestro", porque tem um peso muito, muito grave e isso indica a prática de um crime, que no Brasil não o é. No Brasil não é crime. |
| R | Outra coisa: Cantarelli, você disse que o pai é tratado como o genitor abandonado. Na Acaf, nós tivemos o cuidado, desde a minha gestão - eu cheguei à Acaf em março - de alterar todos os nossos modelos para retirar, primeiro, a palavra "sequestro", não usar a palavra "sequestrador", mas as palavras "requerente" e "requerido". Então, nós uniformizamos, buscamos ajustar todos os nossos modelos, porque nós achamos que o tratamento é importante, tem um significado amplo. E você tocou nesse assunto e eu lhe confirmo que nós alteramos Então, a terminologia é muito importante, e isso é uma vantagem brasileira. É, inclusive, uma orientação com a conscientização da Conferência de Haia de não se criminalizar a prática, porque ela se reflete em vários aspectos, que eu vou trazer aqui para vocês. E é por isso que eu peço mais uma vez: vamos tentar evitar o uso da palavra "sequestro". É "subtração internacional de crianças", está bom? A Acaf... Só um minuto, acho que eu estou... É, bom. O que é a subtração internacional? Vocês as mães provavelmente devem conhecer bastante, porque devem estudar muito, mas, para as pessoas que não conhecem: bom, a subtração envolve o deslocamento de uma criança de um país para outro sem autorização de um dos genitores, não importa qual; ou, então, quando um genitor autoriza a criança e o outro genitor a visitar um outro país, e esse genitor que está com a criança permanece por um prazo maior do que aquele previsto na autorização de visita. Então, esses são os casos, os dois casos em que trabalhamos com subtração. Por que é que eu falo isso? Porque a Acaf recebe todos os tipos de pedidos de auxílio envolvendo criança - tráfico, visitação - que não entram dentro da conferência, e, nesse caso, nós não temos competência para ajudar. Orientamos, falamos "Olha, precisa procurar a Defensoria, precisa ir até a polícia", mas não é porque a Acaf não quer ajudar, é porque a Acaf tem condições de ajudar nestes dois casos, de subtração ou então quando a pessoa, na verdade, fica por um tempo além daquele permitido por um dos genitores num país diferente. Aplica-se até os 16 anos; então, acima dos 16 anos a convenção se torna inaplicável. Como eu disse, não é crime no Brasil, não é crime. A convenção... Cantarelli, eu concordo com você: cumprir a convenção não é só devolver a criança, é também aplicar corretamente as exceções do Artigo 13. A Acaf e o Ministério da Justiça... Eu tenho certeza de que eles entendem dessa forma, que não é só o retorno, é uma aplicação de forma correta. Se a própria convenção prevê o Artigo 13, prevê exceções ao retorno, quando você aplica essa exceção, você também está cumprindo a convenção. Isso é fato, isso eu te falo; eu trabalho lá, lido com vários casos e essa é a orientação que nós temos para cuidar do nosso caso. Suspende o processo de guarda? Sim. Por determinação da convenção, não dá para tramitar em paralelo um processo de ação tanto na Justiça Estadual como na Justiça Federal. Então, assim que nós temos a notícia de que há um processo de subtração, de que há um pedido de cooperação, nós entramos em contato com a Justiça Estadual para poder suspender aquele processo até que se resolva a questão da subtração. Imaginem que nesses processos estão variados tipos de perfis de pessoas. Então, da mesma forma como tem pais que levaram a criança para o exterior ou mães que levaram indevidamente, mesmo que não seja num contexto de violência, enfim... Então, vejam que existem essas duas possibilidades. |
| R | A convenção beneficia tanto a retirada da criança do Brasil quanto as crianças que vêm para o Brasil, ela se aplica a esses dois polos, pensa nessas circunstâncias, nesse universo de situações. E se não houvesse a convenção? Nós temos o exemplo claro da Karin. A Acaf só trabalha com outra autoridade central, então o nosso contato é outra autoridade central. Se não tiver essa autoridade central, o que a gente pode fazer é pedir auxílio ao MRE, porque não tem para quem a gente ligar ou mandar um e-mail para outro país. A Karin, nós já a orientamos várias vezes sobre isso: o Egito não é signatário. Nesse caso, as medidas realmente têm que ser adotadas ou diretamente ou pelo MRE. É muito mais difícil trabalhar esses casos com países que não são signatários da convenção. Tem problemas? Tem. Precisamos melhorar a aplicação no Brasil, é o que estamos fazendo, estamos trabalhando nisso, na conscientização de todos os órgãos envolvidos, mas sem a convenção, saibam, é muito mais difícil, é praticamente impossível. Você precisa contar com o MRE e ainda com o auxílio jurídico no próprio país, exatamente porque não tem essa intermediação entre as autoridades centrais, que é uma intermediação desburocratizada, é uma intermediação direta, por e-mail, imediata. Então, como o Egito não tem essa autoridade central, não tem ali com quem a gente tratar sobre o caso. Vamos lá. São dois pedidos de cooperação que nós temos, os ativos e os passivos. Os passivos são aqueles em que a criança vem para o Brasil. E aí o que acontece? Não foi atualizado o painel... O requerente entra em contato com a autoridade central estrangeira, e a autoridade central estrangeira entra em contato com a Acaf. Nesse caso, a Acaf entra em contato com o genitor que está no Brasil e tentamos fazer uma mediação. O papel da Acaf hoje é tentar buscar um acordo entre as partes, em casos passivos, em casos em que a criança está no Brasil, porque o acordo é a melhor solução. (Soa a campainha.) A SRA. MICHELE NAJARA (Por videoconferência.) - É claro que existem casos gravíssimos de violência em que isso não é nem cogitado, mas pensem que nós temos 227 casos e, na maioria deles, não tem situação de violência. Então um acordo é o melhor porque num acordo os pais vão decidir qual é a residência da criança, se a criança vai morar no Brasil ou se a criança vai morar no exterior. Quando as partes não chegam a um acordo, quem decide é um juiz, que não conhece as circunstâncias específicas daquela família, daquele núcleo familiar. Então hoje a Acaf faz um trabalho primoroso, específico, de ligar para as partes, de conversar com uma, conversar com a outra, para poder saber realmente se há essa possibilidade de acordo, porque é isso o que a gente precisa para evitar a judicialização do caso, ou seja, o envio do caso para a AGU. A partir de quando o caso vai para a AGU, quem vai decidir, nesse caso, é o juiz, é o magistrado, isso foge do controle da Acaf e também das partes. No caso de ativo, é quando a criança sai do Brasil, o Brasil pede uma cooperação jurídica com a autoridade central estrangeira, envia todas as documentações e vai depender muito do perfil do país, de como é tratada a subtração nesse país. |
| R | Enfim, a Acaf não tem o total controle porque realmente vai depender muito de como o país trata os casos de subtração. E aí, não sabemos. Pode ser que eles ajuízem, caso não haja esse acordo. Nós temos dificuldade inclusive com países que estranham essa prática nossa de tentar um acordo. Então, por exemplo, tem país que eu não vou citar aqui, mas que, olha, o genitor que está aqui no Brasil quer tentar um acordo. Nós entramos em contato com essa autoridade central para ela entrar em contato com o outro genitor e ela diz: "Olha, mas como assim, com base em quê? Para quê?". Enfim, botou tantos empecilhos nessa tentativa de mediação, e nós não podemos perder tempo porque tempo é crucial nos processos de subtração, porque o retorno imediato só vale a pena se ele for imediato. Se ele não for imediato, se houver uma demora muito longa, você está infringindo dois sofrimentos na criança. O primeiro de ela ter sido deslocada de forma abrupta do lugar. E aí, depois que ela se adaptar, ficar muito tempo, o processo judicial demorar quatro anos, vai ser um segundo sofrimento de devolver, se a decisão for no sentido de devolver. Então, o tempo, nós corremos contra o tempo. Então, nossa mediação é muito rápida. É pegar o telefone e ligar. Às vezes a mãe trabalha até as 18 horas, eu posso ligar só depois das 18 horas para conversar. Às vezes, não; eu já passei por isso. Eu só consigo conversar com a mãe a partir das 18 horas. Enfim, então a mediação é um dos objetivos em que nós trabalhamos a maior quantidade de tempo, mas nós temos que entender que há ordenamentos jurídicos, há países que não agem da mesma forma como o Brasil está agindo. Só para ilustrar, nós tivemos uma mediação que foi totalmente feita na Acaf bem no início, quando eu cheguei. A criança retornou por acordo dos pais. Nós comemoramos, porque não é fácil. Você tem que ligar para um, conversar com um. Ligar para outro, conversar com o outro. Discutir os termos em que a criança vai embora. No caso, havia prisão contra o genitor. Então, nós tínhamos medo de o genitor voltar e ele ser preso. Então, precisamos entrar em contato com a Interpol para ver se tinha levantado a difusão. Enfim, são situações muito delicadas. Conflitos familiares são muito delicados. Agora, imagine pegar um conflito familiar e colocá-lo em nível transnacional, em nível internacional. É muito difícil. Você tem soberanias diferentes, você tem culturas diferentes. Vocês mães que se relacionaram com pessoas estrangeiras, vocês podem citar. São culturas muito diferentes, línguas, idiomas muito diferentes. Então, é um conflito familiar potencializado, com muito mais dificuldades. E a distância principalmente, a distância, a visita é muito complicada. Bom, então, eu queria só mostrar o que é a função da Acaf. A Acaf atua no âmbito administrativo. Então, antigamente, antes de eu estar na Acaf, quando chegava aqui um processo de subtração, o que se fazia? Era enviada uma carta. Existia uma carta, era a carta de retorno voluntário. Eu acredito que, como o caso de vocês é mais antigo, vocês devem ter recebido essa carta de retorno voluntário. Era uma intimação, como se fosse uma notificação judicial. Primeira coisa que nós fizemos foi rever essa notificação, porque a Acaf atua no âmbito administrativo. Nós não temos nenhum compromisso com o judicial. Enfim, é um órgão administrativo que quer buscar realmente resolver aquela situação entre os pais. Então, nós temos primeiro a função administrativa. E nós não temos um poder de retirar uma criança e levar ela para um outro país ou de ir lá buscar em outro país essa criança. Nós não temos poder executório. Nós não temos como emitir um passaporte. A Acaf não emite passaporte. |
| R | A Acaf não emite documento. A nossa competência é fazer a intermediação com autoridades centrais, receber os documentos, dar orientação sobre o ordenamento jurídico. Então, vamos ver como que funciona a subtração, vamos supor, na Austrália; aí entramos em contato; reunimos; pedimos orientação de como que funciona ali. Esse é o nosso papel, e principalmente orientar os pais, tentar, ver se há aquela janela de oportunidade, investir numa possível conciliação e mediação entre os pais. A segunda função é buscar o acordo, promover a colaboração entre o auxílio direto. O que é o auxílio direto? Se não houvesse as autoridades centrais designadas no âmbito da convenção, isso deveria ser feito através do MRE. Então, o MRE entra em contato - o Ministro pode me ajudar melhor - com o consulado aqui no Brasil, o consulado entra em contato... Enfim, seria pelas vias diplomáticas, que são bem mais formais, bem mais burocráticas do que é o nosso trabalho, que é através de e-mail e, às vezes, do WhatsApp. Então, essa intermediação é muito favorável para que se tenha essa solução da subtração muito rápida, até porque nós estamos buscando o retorno ou a solução do caso de uma forma bem rápida. E orientar também sobre o ordenamento jurídico brasileiro e também estrangeiro. Então, basicamente, essas são as nossas funções. Como a Acaf não tem competência, a nossa competência é muito limitada a essa questão da intermediação, orientação, conversar com os pais, nós contamos com a colaboração de diversos órgãos. Então, nós temos o contato, a ajuda, a cooperação da Polícia Federal para poder localizar os menores, para poder emitir o passaporte, verificar a questão de mandados de prisão. Então, nós temos contato estreito com todos esses órgãos, mas a nossa conversa é através de WhatsApp: "Vê o caso da mãe da Samanta", por exemplo. É direto, a gente tem o nosso ponto focal e já resolvemos diretamente com o Conselho Tutelar. Outra vantagem do Brasil. Eu sei que vocês disseram: "No Brasil é assim, a gente deveria ter uma reciprocidade", porque talvez não é no outro país, mas não é porque no Brasil é assim que a gente tem que abrir mão disso só como uma punição, porque o outro país não tem esse tipo de auxílio. Aqui, no Brasil, quando a gente recebe... Vamos supor, tem um pai ou uma mãe, num país no exterior, pedindo: "Eu não sei como o meu filho está aí no Brasil, ele está sofrendo violência"... Enfim, nós temos a notícia de que há indícios de que a criança não está bem, nós temos o Conselho Tutelar, que é uma rede superampla no Brasil, pedimos para que o Conselho Tutelar vá até a casa da criança, faça uma visita, para saber como estão essas crianças. Então, isso é também um outro benefício do Brasil, esse apoio que nós temos do Conselho Tutelar, essa rede. Nós temos um caso recente aqui dos Estados Unidos, em que a mãe também pediu... Não, um juiz determinou que seja feita uma visita à criança que está nos Estados Unidos. Como que isso é feito? Nós pedimos para a autoridade central, a autoridade central disse: "Nós não temos competência para isso"; vamos recorrer, então, ao consulado brasileiro, para que providencie essa visita à criança, para saber das condições da criança. Mas o que eu estou dizendo, o que eu quero demonstrar e explicar é que as autoridades centrais se comportam de um jeito diferente. Temos também a AGU, que tem a legitimidade para entrar com ação judicial, e vocês conhecem muito bem. Temos a Justiça Federal, que é onde se julgam os nossos processos judiciais e, na Justiça Federal, nós temos a rede de apoio, que... |
| R | (Soa a campainha.) A SRA. MICHELE NAJARA - ... são os juízes de enlace, com quem nós trabalhamos também de forma estrita, fazemos reuniões periódicas. Os juízes federais têm um papel muito importante, que é o de conscientizar os juízes que realmente julgam os processos de subtração. A Justiça Federal não tem a competência para resolver casos de família, não tem. Em regra, no Brasil, quem resolve isso é a Justiça Estadual. Em razão de ser um acordo internacional, isso atraiu a competência da Justiça Federal para lidar com esses casos de subtração. Então, muitas vezes, o juiz não tem aquela expertise necessária para poder julgar esses casos, daí a importância dos juízes de enlace, de estabelecer essa rede de conscientização, fazendo eventos, enfim, também é importante. Temos a Justiça Estadual, que é onde os processos de guarda ocorrem, e há muitos casos de subtração que são, inclusive, ajuizados na Justiça Estadual. Então, nós orientamos que não é a competência, não é o caminho certo para discutir subtração dentro da Justiça Estadual. Temos também o apoio do MRE, que é fundamental, porque para aquilo que nós temos... Devido às nossas limitações, sempre recorremos ao consulado, ao nosso consulado brasileiro, ao consulado que está localizado num outro país, enfim. Essa é a nossa rede de contato, são os atores que participam dos processos de subtração. Eu já estou terminando, tá? Desafios, temos demais. Temos vários desafios. E o primeiro deles, vocês já sentiram, é a dificuldade de lidar com ordenamentos jurídicos diferentes, com a soberania dos países. A soberania dos países faz com que cada país lide ou atue da forma como ele quer. E não há como se intervir diretamente na soberania de um país, existem os limites soberanos. Quer um exemplo? Se um país estrangeiro quiser que uma decisão estrangeira seja cumprida aqui no Brasil, vocês acham que simplesmente essa decisão vem para cá e ela vai ser cumprida e observada? Não. Essa decisão, dentro do nosso país, precisa primeiro passar por um processo de reconhecimento e eficácia para que ela seja válida no Brasil, lá no STJ. Então, da mesma forma que, no Brasil, uma decisão estrangeira é bem difícil de ser reconhecida, porque tem um procedimento formal para ser reconhecida, isso acontece também em outro país. Essa dificuldade de se cumprirem decisões brasileiras em outro país é uma das nossas maiores dificuldades, nos limites da jurisdição. Outro caso é a mediação. É muito difícil a mediação, embora a gente invista todas as nossas forças nela. Por quê? Você está em países diferentes, são línguas diferentes, ordenamentos, citações, como eu disse, da autoridade central, dificuldades até de contato: "vamos fazer uma sessão", enfim, tudo isso dificulta o processo de mediação, mas nós estamos adotando a mediação desde quando nós atendemos à pessoa, para não escalar o conflito. Eu fiz recentemente o curso de mediação, aprendi várias técnicas. Pela forma como você fala no e-mail, você já consegue mediar, acalmar o ânimo ali entre os parentes envolvidos no processo de divórcio, de separação, enfim. A mediação é feita constantemente lá na Acaf. Outra questão: a criminalização da subtração. Já falei, é uma situação muito difícil. Acesso à Justiça no exterior. Vocês comentaram aqui sobre a questão da assistência, que o Brasil concede assistência jurídica. |
| R | Mas lembrem que não são só situações que... Quando a AGU entra com a ação, a outra parte, independente de ser homem ou mulher, pode ser, às vezes, que ela não tenha condição de cobrir os custos de um processo. Então nós precisamos comemorar e divulgar que, no Brasil, a assistência jurídica é gratuita. Por quê? Exemplo: nos Estados Unidos, os nossos processos param quando não há acordo entre as partes na Acaf, por conta das dificuldades de você ter um advogado, que tem que ser privado para poder entrar com a ação judicial. Então é uma situação bastante complicada naqueles países onde a assistência judiciária não é fornecida de forma gratuita. Lembrando que existem vários tipos de caso. Então a nossa assistência judiciária é muito bem-vinda, muito embora a gente não tenha essa reciprocidade nos outros países. Alguns países a não oferecem. A duração do processo judicial no Brasil também é um fator bastante conversado. Nós conversamos sempre, para poder ver o que é que se pode fazer. A nossa legislação processual tem prazos bastante amplos. Então a AGU tem um prazo de contagem de dias úteis, prazo em dobro. Isso também acaba alongando o nosso processo judicial. E outra coisa, mas tem uma coisa que vocês precisam ter em conta: o juiz não vai mandar retornar uma criança de forma imediata. Na maioria, e eu posso confirmar para vocês, na maioria dos nossos processos, os juízes vão se preocupar em fazer perícia, em ouvir ambas as partes. É como eu disse, vejam o universo dos processos que nós temos. Então isso pode alongar o processo, porque você faz uma perícia, você tem que ouvir os assistentes técnicos, enfim, todos aqueles procedimentos da perícia, que acabam realmente alongando o nosso processo. Depois vem o recurso, que vai para o Tribunal de Justiça; depois vem o recurso, que vai para o STJ, enfim, é algo que nós estamos trabalhando, com a articulação da AGU, com a articulação dos juízes de enlace, para ver o que é que se pode fazer para se reduzir o prazo desses processos. A questão da violência doméstica. É uma situação muito difícil, a questão da violência doméstica. Por quê? Quando uma mãe, ou seja quem for, alega uma questão da violência doméstica, em primeiro lugar, se isso vai para o Judiciário, é preciso se comprovar. O desembargador... O desembargador, não, quem fez essa anotação foi o Defensor Érico. Ele falou assim: "Olha, nós precisamos, nós temos o ônus da prova". Nós temos o ônus da prova. Na Justiça, a pessoa que alega precisa ter um embasamento probatório. Então, assim, em termos de violência, nós estamos tomando várias medidas. Por exemplo, nós, quando em dificuldades, nós pedimos à autoridade central, muitas vezes, documentos, olha, tipo um antecedente criminal, como nós temos aqui. As autoridades centrais falam "olha, isso é informação sigilosa, nós não podemos enviar esse tipo de documentos para vocês". Também, quando nós pedimos, ou então eles falam "isso aí não é, não está dentro do escopo da convenção". Tem isso também. Há uma dificuldade muito grande de você realmente reunir todos esses elementos probatórios de uma forma formal, para poder sustentar as alegações. Eu não estou falando de casos específicos. Eu estou falando no geral. E com relação a isso também, não existe uma interpretação restrita sobre violência. Eu vi aqui que houve esse tipo de conversa, sobre quais são, o que é violência para um país, o que é violência para o outro. Pelo menos no Brasil, a violência é tratada de forma ampla. É o contexto familiar. Aquela criança vai ficar sujeita a um contexto de violência? Isso é o que interessa. |
| R | Nós não exigimos que a violência seja diretamente em relação à criança e nem em relação à mãe, enfim, é o contexto geral da violência. Nós temos casos concretos de que quando nós falamos, quando nós alegamos, olha, tem um contexto de violência e tal, a autoridade central foi expressa e falou assim: "Mas a violência é contra a mãe, não é contra o filho". Entenderam? Então, existe, lidamos com esse tipo de situação, mas eu garanto a vocês que, quando nós recebemos algum caso em que há indício de violência, nós não apuramos se essa violência foi direcionada a um genitor em particular ou à criança; é o contexto em que a criança vive. Um outro ponto que eu queria trazer aqui para vocês é a questão da visitação, do acesso à criança. Na Acaf nós fazemos um trabalho de tentar - não em casos extremos de violência - assegurar a visitação, o acesso à criança, desde o início do requerimento. Isso se reflete de várias formas. A primeira forma: isso pode acalmar o ânimo dos pais, porque não escala aquele conflito, pelo menos o pai ou a mãe está tendo acesso àquela criança online. Então, a gente teve um caso agora, que a gente está mediando, em que eu falei para a mãe: "Olha, deixa o pai ligar para ele uma vez por semana". A criança pode mostrar para ele um desenho que ela tenha feito, enfim, tentar manter esse contato, esse acesso, não nos casos mais sensíveis, mas nos casos gerais, nos casos comuns. Manter esse contato, por quê? Esse contato, primeiro, vai... As partes vão ficar mais... Não vai se escalar um conflito, as partes vão ficar mais tranquilas de ter acesso ao filho. Segundo, isso vai facilitar no pós-retorno, porque, se a criança mantém o contato com os pais desde o início do requerimento, desde o início do processo, num pós-retorno esse contato é muito mais fácil de ser mantido do que você ter que reiniciar um contato depois que a criança foi embora. Então, o contato, no início, vai beneficiar até, inclusive, o pós-retorno que o Ministro André comentou aqui com a gente. Outra coisa importantíssima, quando você mantém um contato desde o início, que é o que a gente está tentando fazer, isso vai tornar menos traumática uma eventual decisão futura de retorno. Nós temos casos de crianças que, em razão da falta de acesso, retornaram sem conhecerem o pai, sem conhecerem o pai ou a mãe. Por quê? Porque houve zero contato, zero acesso. E isso é uma situação muito delicada, porque você tirar uma criança de forma abrupta de um pai ou de uma mãe para ela morar com um outro pai ou com uma outra mãe que ela não conhece mais é gravíssimo, é gravíssimo. Nem na adoção, porque a Acaf também acompanha o processo de adoção internacional... Na questão da adoção, nós temos um prazo de convivência para que a criança conheça os futuros pais. É a mesma situação aqui da subtração. Quando a criança perde o contato com o pai, se for muito pequenininha, pode ser que ela esqueça a figura do pai ou a figura da mãe. Então esse contato é necessário, é um direito da criança. Claro, não incluindo as situações extremas. E há outra coisa também, um exemplo... Isso eu falo por mães, porque vocês estão aqui. Quando você impede o contato com o pai ou com a mãe, você pode ser acusado de estar promovendo alienação parental. |
| R | Então, num contato, numa ligação pelo WhatsApp, isso também pode até, inclusive, registrar provas, porque ficam registradas ali no WhatsApp, você pode dizer que o seu filho tem contato com ele ou com ela e isso pode até livrar a pessoa também de ser acusada de alienação parental. Então, a questão da visitação e do contato é bem importante. Nós também estamos fazendo isso, investindo nisso, nesse contato, na Acaf, para, realmente, tentar assegurar que os pais liberem esse contato, porque ele é muito benéfico em todas as circunstâncias e durante todo o processo. Outro ponto muito importante é a questão da entrega da criança. Se o juiz determinar que a criança seja entregue, tudo bem, é uma devolução. Enfim, o que nós podemos fazer, e é o que nós estamos trabalhando, nas últimas reuniões que nós tivemos com o juiz de enlace nós trabalhamos bastante nisso, é que essa entrega seja feita de forma humanizada. Então, você pega um caso em que a criança já está há mais de um ano no Brasil e vai ser devolvida para o pai ou para a mãe, se tem um laudo psicológico dizendo que aquela criança já não tem mais lembranças sólidas do pai, da figura do pai, da figura da mãe, que seja determinado um período de adaptação. Então, se o genitor ou a genitora vier buscar essa criança, que ela tenha esse período de adaptação para que ela crie novamente esses laços antes de determinar o retorno da criança. Isso é algo que nós estamos discutindo com todos esses órgãos com que nós temos contato, de realmente nos preocuparmos um pouco mais com a entrega humanizada dessa criança e não a retirar de forma abrupta e entregar para um pai ou para uma mãe. Ela vai mudar para um outro país, não vai conhecer a figura desse outro genitor, enfim. Dependendo das circunstâncias, se a criança não tiver mais contato, dependendo do tempo, do laudo psicológico, realmente de entregar, de trabalhar com essa questão do cumprimento mais humanizado da decisão. E, principalmente, a articulação com outros órgãos, porque a Acaf não trabalha nos casos de subtração sozinha. Então, ela precisa, realmente, da cooperação, da articulação com outros órgãos, você precisa conscientizar. Vamos supor, os juízes que vão decidir os casos de subtração precisam estar conscientizados da sensibilidade desse caso, da gravidade. E esse não é um trabalho que possa ser feito ligando para o juiz e dizendo: "Olha, é assim, assim". Isso tem que ser feito, todo o trabalho, com os juízes de enlace e com a AGU também. A AGU está bem empenhada, está trabalhando diretamente com a Acaf, temos várias reuniões, enfim. Esses eram os pontos mais importantes que eu queria trazer de qual é o papel da Acaf no caso de subtração. Senadora, eu agradeço, espero que tenha esclarecido, porque nós vemos que as pessoas, às vezes, criticam sem entender realmente como a Acaf trabalha, qual é o papel da Acaf, mas eu espero ter esclarecido realmente o nosso dia a dia, como que nós lidamos com os nossos processos. Eu agradeço a atenção e peço desculpas se excedi bem o prazo. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - A gente estava esperando que você excedesse. A SRA. MICHELE NAJARA - Desculpa. Ali, eu trouxe dados, é bem rápido. (Fora do microfone.) Nós temos 227 casos hoje, 110 casos ativos e 117 casos passivos, ou seja, uma média muito parecida de crianças que vão e que voltam. E as devoluções - esse é um dado muito importante -, em 2023, voltaram, retornaram para outro país, 17 crianças, mas devolveram 10 crianças e 9 crianças permaneceram no Brasil por uma decisão judicial, ou seja, 19 crianças ficaram aqui no Brasil; em 2012, 15 crianças foram para outro país e 13 crianças vieram de volta para o Brasil. |
| R | Então, em 2021, nós tivemos mais devoluções do que saídas de crianças do Brasil; isso mostra que a convenção ajuda os dois lados. Isso aqui é só um retrato bem rápido sobre a quantidade de processos. Estados Unidos é o nosso campeão - temos a maior quantidade de processos nos Estados Unidos -, depois, Portugal, Reino Unido, Argentina e França, com dez processos cada um. Certo? Bom, agora eu terminei. Desculpa. O tempo é curto. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Muito obrigada, Michelle. Superesclarecedor. Eu vou abrir até para perguntas. Geralmente, neste momento, a gente abre para perguntas para Parlamentares, mas hoje as Parlamentares aqui são vocês. Eu queria só dar uma lida. A gente conseguiu, de 300, diminuir bastante o número de pessoas que mandaram mensagem via internet, e são perguntas que, talvez, até vocês se interessem em responder. Enfim, eu fiz essa seleção. Torres, de Pernambuco: "Como debelar a alineação parental que poderá surgir com a retenção de crianças em Estado estrangeiro?". Eu selecionei algumas que eu acho que são dúvidas de muita gente. Aline, do Distrito Federal: "Crianças com autismo e menos horas de tratamento no sistema local podem ficar no Brasil para tratamento continuado maior?". Uma pergunta da Revibra. Outra, Gambe Supporting Women Abroad: "Existe uma decisão da corte internacional condenando o Chile por devolver criança autista. Como o Brasil age nesses casos?". Andréa Romaoli, de São Paulo: "No caso de sequestro internacional de menor, o que deve prevalecer: direitos humanos ou direito processual?". Giovanna Oliveira pergunta por que a Polícia Federal aborda mães no Brasil para devolver crianças aos genitores, mas não busca crianças sequestradas em outros países. Lília Lopes, de Goiás: "No Brasil, vigora a Lei Maria da Penha. Por que o foro do último domicílio do menor tem mais força do que a segurança dessa mãe e [dessa] criança?". Outra, Lília Lopes, também: "Por que, quando o Brasil pede que a criança seja devolvida, o outro país não devolve e, quando eles pedem para gente, a gente devolve?". São perguntas muito pertinentes. "Por que os nacionais são tratados como criminosos, tendo seus filhos arrancados de surpresa, enquanto o estrangeiro tem todo o suporte aqui?". Eduardo de Abreu e Braga, de São Paulo: "Considerando que teremos eleições para o Conselho Tutelar neste ano, poderiam aprofundar sobre o papel que essa instituição exerce nesse tema?". Uma xará aqui, Damaris Oliveira: "O que pode ser feito para facilitar que pais que não tenham recursos financeiros possam acionar a Justiça para recuperar com agilidade a criança?". E a última, que eu selecionei, Giselle Silva, de São Paulo: "Os consulados brasileiros, ao registrar automaticamente os filhos de brasileiros no exterior, podem ser uma garantia de apoio às mães?". Então, essas perguntas aqui, às vezes, são perguntas que a gente tem em mente. |
| R | Se alguém quiser responder alguma delas, fique à vontade. (Pausa.) E a Juliana Wahlgren, Diretora Fundadora da Rede de Apoio às Vítimas Brasileiras de Violência Doméstica (Revibra), pediu para pedir para fazer uma pergunta também. A SRA. JULIANA WAHLGREN (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigada, Senadora Mara Gabrilli e colegas da Comissão. Eu serei breve porque aqui já é meia-noite. Uma reação à fala da Acaf na intersecção de Haia com a alienação parental, a Revibra e eu acho que muitos dos coletivos de mães e coletivos feministas refutam a aplicação da síndrome da alienação parental e, por consequente, o subproduto da Lei da Alienação Parental no Brasil. Não sou única, acho que somos muitas aí nesse Plenário. Acho que também é importante falar que, quando o Gardner criou a síndrome de alienação parental, foi num caso de sequestro internacional. Eu acho que é muito importante lembrar que a primeira vez que a SAP foi testada foi dentro de um caso de 1977 nos Estados Unidos para falar de sequestro internacional. A relação de Haia e síndrome de alienação parental são muito ligadas e a gente tem que lembrar que, antes do direito doméstico, vem o direito internacional. O direito internacional já recusou a SAP quanto à aplicação da LAP como algo constitucionalmente possível. A Organização Mundial da Saúde, a Cedaw, a Relatora pelos Direitos das Mulheres e das Crianças já declararam que a Lei da Alienação Parental e a síndrome deveriam ser revogadas no Brasil. Eu acho que o Brasil está muito atrasado em relação a esse entendimento. E travessar em Haia é um grande erro. Acho que a gente não pode nem tentar entender como a LAP ou a SAP podem ser um argumento dentro dos contextos de Haia. Não se aplicam aqui. Uma outra reflexão também é a reflexão da prova. Eu acho que é muito romântico, e eu peço desculpas pela palavra, talvez seja eu a única mulher negra no Plenário e a gente, como mulher preta, é um pouco mais realista na documentação. Acho que é um pouco romântico acreditar que na Europa, nos Estados Unidos, no mundo, a gente consegue trazer dossiês de provas médicas, policiais, institucionais, provando exceções. Eu acho que a gente tem que ser um pouco mais realista e saber que, mesmo nos casos como o da Raquel, onde se foi comprovado, o da Raquel, na Irlanda, e o da Karin, no Egito, e de outras tantas mães, onde foi documentalmente provado que existe uma violação contra os direitos das crianças, como da Moara, da Neide, tudo foi muito bem documentado, mas o Governo brasileiro escolheu não argumentar. |
| R | Estamos aqui num momento onde a documentação não é mais um argumento, uma dinâmica entre prova circunstancial, documental e concreta; está no que o Judiciário brasileiro e os homens brasileiros no Judiciário entendem como prova. E nós, mulheres, aqui sozinhas, tentando numa convenção como essa, onde o próprio Ministério das Mulheres não está presente para provar que nossas vozes são importantes. Então, eu acho que é muito importante, além da leitura jurídica, se fazer uma análise de conjuntura, de quem manda no Judiciário brasileiro. Além disso, semana que vem temos a Comissão Especial, a 8ª Reunião da Comissão Especial. Então, é complicadíssimo porque vamos falar um pouco do mesmo e a Comissão Especial não decide nada, quem decide é o grupo de ações parlamentares e assuntos políticos, que se reúne em março. Mas o que o Brasil pode trazer? Já conversamos aí com a Acaf, já conversamos com o Itamaraty, já conversamos com o Ministério da Justiça, já conversamos com o próprio Ministério das Mulheres, já conversamos em várias reuniões e protocolamos oito recomendações. Mas o mais importante é entender que a gente não pode minimizar a fala da mãe como prova. O Brasil não reconhece o que acontece depois do retorno como um problema. E daí, todas as mães que estão aqui, sem nenhuma exceção, não têm seus filhos. A gente não olha para o que está para fora, a gente só olha o que está para dentro e isso é um grande problema. Não podemos mais continuar assim. Então, eu aplaudo a iniciativa da Senadora Mara Gabrilli, eu aplaudo a iniciativa desta Comissão Parlamentar. Eu estou aqui... já são meia-noite aqui onde eu moro, mas não posso deixar de pontuar e salientar que devemos começar a falar de boas práticas ativas. Não devemos esperar... (Soa a campainha.) A SRA. JULIANA WAHLGREN - ... nenhuma PL, nenhuma revisão de Comissão. A própria Conferência de Haia, no seu manual do Artigo 13, 1, "b", emitido em 2020, já diz que os Estados-Membros têm liberdade para aplicar de maneira flexível a interpretação das exceções. Por que o Brasil não faz isso? A Austrália já fez, o Uruguai já fez. Por que o Brasil não faz isso? Então, eu acho que esta Comissão hoje deve, talvez, aplicar o lado mais prático da solução e deixar o lado mais rígido, mais difícil da lei. Peço desculpa por ser tão incisiva, e tão retórica, e tão rude. Talvez, um pouco mais pragmática na minha fala, porque eu já atendi, nos últimos três anos, quase 300 mães e as histórias são muito similares, são só histórias de dor, e a maior vítima aqui não são as mães, são as crianças. Senado Brasileiro, Congresso Nacional, quem está perdendo são as crianças, e crianças brasileiras no exterior. É só isso que eu tenho para falar. (Manifestação da plateia.) A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - O Dr. André Veras gostaria de responder uma das perguntas. |
| R | Se vocês também quiserem, a gente dá um minutinho para cada um. O SR. ANDRÉ VERAS GUIMARÃES (Para expor.) - Eu só queria fazer primeiro uma retificação. Eu me expressei mal. Realmente a Coreia do Sul é parte da convenção. Eu quis dizer que é um caso, na verdade, quando eu fui falar, que é um caso ativo. Mas é muito importante lembrar que nós trabalhamos com competências dentro do Estado e no meio internacional nós trabalhamos com as soberanias nacionais. Nós não temos o direito a fazer qualquer coisa no exterior. A atuação dos consulados e das embaixadas é muito limitada e também depende de recursos, ou seja, nós não temos recursos específicos para, por exemplo, contratar advogados. O que nós fazemos na assistência consular é que podemos verificar, acompanhar as mães, fazer uma visita, mas também nós vamos depender de uma visita se o outro genitor autoriza. Então nós trabalhamos com os limites. Mas eu acho que uma coisa muito importante, que todos devem divulgar, é que os consulados - e aí quando eu falo consulados eu coloco consulados/embaixadas, quando não há um consulado específico... Que as mães ou qualquer um dos pais sempre levem aos consulados as suas dificuldades... (Soa a campainha.) O SR. ANDRÉ VERAS GUIMARÃES - ... seja qualquer tema relacionado a relacionamento, a violência doméstica, porque tudo isso é registrado, tudo isso fica. E o consulado pode ser um instrumento para auxiliar, por exemplo, um registro, um encaminhamento à sociedade civil. Então é muito importante. Dentro das grandes limitações, eu acho que há muito para ajudar. Nós temos cartilhas, nós procuramos divulgar informações. Mas, acima de tudo, é necessário que qualquer brasileiro no exterior conte com o consulado, conte com a embaixada para auxiliar, ajudar, encaminhar. Outra coisa é como nós podemos auxiliar na cooperação jurídica. Quando nós saímos da área da Convenção de 1980 em si, nós trabalhamos com os institutos tradicionais, que são as cartas rogatórias, os pedidos de cooperação jurídica, como acontece também no Brasil. Quando um país quer, como a Dra. Michelle falou, uma cooperação, ele solicita ao Brasil para que a gente encaminhe para o Judiciário para que ele possa fazer. Obrigado, Senadora. Espero que eu tenha conseguido responder à pergunta sobre a cooperação e a atuação dos consulados. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Muito obrigada, Dr. André Veras. A SRA. JOANA ALENCASTRO (Para expor.) - Quero fazer uma observação. Eu não me apresentei. Eu sou a Joana Alencastro. Sou uma mãe que está passando pelo processo. A decisão na primeira instância está para sair a qualquer momento ou a qualquer dia. Eu posso ser surpreendida amanhã, hoje, com a decisão. A Tunisia me acompanha, assim como outras mães aqui conhecem. Sobre o consulado, Ministro, eu procurei o consulado brasileiro em Bruxelas. Eu fui vítima de violência doméstica por mais de dois anos em Bruxelas, entre dois e três anos. Eu tenho 21 registros de busca por ajuda. Eu falei com uma pessoa do consulado, e nada foi feito, nada foi registrado. Eu pedi que o consulado enviasse o registro dessas denúncias que eu tentei fazer, e eles se isentaram. Eu já procurei funcionários do MRE aqui em Brasília para saber se a pessoa que me atendeu ainda está no consulado. Ela ainda está lá. Então os e-mails que foram enviados quando o processo começou foram ignorados, a pessoa deve estar recebendo. O MRE aqui em Brasília perdeu um ofício da minha denúncia ao 180. O Ministério de Direitos Humanos... Já estive lá presencialmente, falei com o ouvidor, está confirmado que esse ofício foi enviado ao MRE. Não foi encontrado dentro do MRE. Já tentei que pessoas de dentro também busquem esse ofício da denúncia. |
| R | Na delegacia da mulher aqui em Brasília... Eu fui ameaçada no Brasil, a separação se deu no Brasil, o genitor estava aqui. Apesar de eu já ser vítima há dois, três anos, ele estava aqui quando aconteceu a separação. Eu fui orientada pela equipe médica porque eu fui no hospital atendida, fui orientada pela equipe médica a procurar a delegacia da mulher. A delegacia da mulher não queria registrar, eu precisei que uma advogada que eu encontrei no momento de pânico, acordando no hospital... (Soa a campainha.) A SRA. JOANA ALENCASTRO - Uma médica me indicou uma advogada, a advogada ligou e só por isso a delegacia registrou. A delegacia da mulher não quis saber de todo o histórico. Eu tenho essas 21 tentativas de pedido de ajuda durante mais de dois anos, e a delegacia não quis colocar nada disso no contexto. Eles registraram apenas o incidente que eles chamaram depois de uma discussão, onde eu fui ameaçada. E como o genitor entrou com o processo em menos de sete dias corridos, eu imagino que ele já tenha tido muita coisa pronta, porque para entrar com o processo de Haia em sete dias... Ele apresentou tudo na autoridade central da Bélgica já pronto, e no processo já apareceram provas de que ele já estava falando com a Embaixada da Holanda na Bélgica. Ele sabia que ele era o agressor, então ele já estava se preparando, com medo que isso acontecesse. Por fim, a Acaf... Eu já falei com a Dra. Michelle presencialmente. Eu trouxe o caso da Teresa, que falou aqui, ao seu conhecimento também. A Acaf, além de ter me chamado de sequestradora já depois de março, e eu sei que isso foi uma atitude infeliz de uma funcionária sua, mas não houve nenhuma retratação quanto a isso. Eu fui chamada de sequestradora, então por mais que a Acaf diga que essa palavra não deve ser usada, ela continua, ou ela pelo menos continuou, e não houve pedido de desculpa algum. E recentemente, a Acaf se pronunciou no meu processo como se fosse um laudo psicológico. Alguém que é funcionária da Acaf, que talvez tenha se formado em psicologia, mas que eu não entendo que atue como perita legal, não é perita judiciária, se manifestou contra o laudo da perita judicial apontada pelo juiz, uma perita pós-doutora, com diversos trabalhos publicados, estudou em Harvard, uma pessoa com mais de 12 processos de Haia. A Acaf se pronunciou como se fosse um laudo psicológico, dizendo que o mesmo grave risco que a criança corre, porque tanto a perita como os terapeutas, as terapeutas do meu filho - que é um autista, é uma criança com deficiência, sim, que é oralizada, mas que não consegue expressar que gostaria de ficar com a mãe, porque ele fala muito pouco -, as terapeutas do meu filho disseram que ele corre um risco de dano irreparável se ele for afastado de mim. Ele foi hospitalizado por ter sido afastado de mim para uma adaptação escolar três vezes na Bélgica, imagina um afastamento permanente. (Soa a campainha.) A SRA. JOANA ALENCASTRO - E a Acaf se pronuncia dizendo que o mesmo risco que a criança corre sendo afastada de mim é o risco que ela corre sendo afastada do pai, o que não é comprovado por laudo nenhum. |
| R | Então, queria só mostrar que nós temos aqui vários stakeholders, temos várias organizações que atuam, mas, às vezes, na prática, não é igual ao que está no papel. Nem sempre esse apoio é dado às mães. Obrigada. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Obrigada. Vai, Raquel. A SRA. RAQUEL CANTARELLI (Para expor.) - Eu queria falar aqui sobre o pronunciamento da Acaf sobre a questão das provas. Nós já falamos aqui, todas as mães falaram, foi registrado ali pela Revibra, pelas advogadas, a dificuldade que as mulheres lá fora têm para conseguir essas comprovações ou para ter esse acolhimento e esse atendimento em solo exterior. E eu consegui, de certa forma, uma medida protetiva, dada por um juiz estrangeiro, lá na Irlanda. E, quando eu saí, vim para o Brasil, essa medida protetiva ainda estava em vigor, ainda estava valendo. Eu procurei também ONGs, organizações, fiz diversos boletins de ocorrências, fui mantida em cárcere privado... A própria embaixada escreveu um relato consular, da própria embaixada, da situação em que eu estava, em que eu me encontrava, da qual eu saí com as minhas filhas. Tudo comprovado, apesar da dificuldade que é. E, na Irlanda, para eu conseguir um boletim de ocorrência, de todas as vezes em que eu estive na delegacia, não me foi dado. Eles falavam que não podiam fornecer. E não me davam uma explicação. E, logo depois - só depois que eu cheguei aqui no Brasil -, me falaram que eu poderia solicitar, via e-mail, e que esses boletins de ocorrência viriam completos, com todas as minhas entradas, com tudo que aconteceu na polícia. Inclusive, outras pessoas chamaram a polícia para que fosse até a minha casa - vizinhos presenciaram, viram a situação de extrema vulnerabilidade e violência à qual eu estava sendo submetida com as minhas filhas -, outras pessoas chamaram, não só eu. E eu fui surpreendida, recentemente, após ter solicitado à polícia irlandesa um criminal record, como eles chamam, onde viria todos os boletins, todas as entradas que eu dei na polícia. Ele, surpreendentemente, veio zerado, sem nenhum boletim de ocorrência, em meu nome, no país. Agora, graças a Deus, eu não estive sozinha na delegacia. Porque, se eu tivesse ido sozinha, é a palavra da brasileira, imigrante, contra a palavra de um europeu. E ninguém acredita na gente. Agora, graças a Deus, o meu boletim de ocorrência foi feito em presença de autoridade consular, durante uma hora e meia. Cadê esse boletim de ocorrência? Sumiu. A Karin foi cobrada, em US$1 mil, para fazer um boletim de ocorrência em outro país. Então, eu queria salientar a dificuldade que a gente tem de buscar comprovações naquele país. E é exatamente por isso que a gente vem aqui para o nosso país procurando defesa e proteção. E aqui, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal, o Ministério Público Estadual, a Juíza de Primeira Instância, enfim, várias pessoas, a assistente social que atuou no processo, todo mundo falou da violência, do abuso sexual e dos riscos que as minhas filhas correriam se voltassem. E tudo isso foi ignorado, mesmo com todas as comprovações, como disse a Juliana do Revibra. Então, ter essas comprovações... Existe uma dificuldade muito grande para a gente conseguir e, mesmo tendo, é decidido pelo retorno da criança. E a segunda coisa que eu queria falar, também, sobre a fala da Acaf, é sobre o contato com o genitor. |
| R | Eu não sei se a senhora prestou atenção, mas foi falado aqui que nove em cada dez casos de mães ou de pessoas que retornam para o país são em caso de violência - violências graves, de violência doméstica, no meu caso de abuso sexual com as minhas filhas e de abuso sexual contra mim também, de violência grave, de ameaça de morte... (Soa a campainha.) A SRA. RAQUEL CANTARELLI - ... de cárcere privado e diversas outras coisas. Querer que eu chegue aqui ao Brasil, que eu pegue o telefone e ligue para o agressor das minhas filhas e para o homem que abusou da minha filha de dois anos é revitimização; é colocar a vítima de frente para o agressor; é colocar um lacinho na cabeça da minha filha e falar: "Filha, liga aqui para ele e fala com ele". Então, é uma violência absurda. A minha filha chorava e gritava para não poder falar. E foi decidido pelo Ministério Público Estadual, pela Justiça Estadual, que a guarda seria dada à mãe, à genitora, que as crianças permaneceriam no Brasil sem contato com o genitor, por conta de todos os riscos que oferecia. Então, ser acusada de alienação parental porque a gente tirou do genitor o acesso à criança é como muitas vezes acontece aqui, de às vezes muitos juízes acharem que é importante o contato com o genitor, mesmo comprovando os abusos, porque faz parte, é importante o acesso e o contato. E não é. Você não pode fazer isso com uma criança, e é uma dor muito grande depois de você ter passado por isso tudo. E quando foi solicitado que eu tivesse feito as visitas, as chamadas de vídeo, eu fiz. E, agora, tem três meses que as minhas filhas estão sendo privadas do contato com a mãe, que sempre foi a cuidadora principal, que sempre amou, cuidou, preservou pela proteção e segurança delas. Então, a gente precisa se atentar, porque na teoria é muito bonito falar, mas na prática não é isso que acontece. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Alguém mais? A SRA. KARIN RACHEL ARANHA MOHAMED FAYZ (Fora do microfone.) - Eu só queria falar um minutinho, eu não vou me estender. A SRA. TUNISIA VIANA DE CARVALHO - Posso falar? A SRA. KARIN RACHEL ARANHA MOHAMED FAYZ (Fora do microfone.) - Pois não, mas... A SRA. TUNISIA VIANA DE CARVALHO - Eu vou só... Não, é rápido. A SRA. KARIN RACHEL ARANHA MOHAMED FAYZ (Fora do microfone.) - Vai lá, vai lá, vai lá. A SRA. TUNISIA VIANA DE CARVALHO (Para expor.) - Eu aqui, acompanhando todas essas mães... Como eu citei no início da minha fala, o procedimento da minha filha foi arquivado em 2015. Foram necessárias mais de cinco mulheres, uma criança de 11 anos, que foi a minha enteada, e o meu procedimento só foi arquivado porque o vice-cônsul brasileiro foi agredido dentro do território nacional pelo genitor da minha filha. Quer dizer que todo o arcabouço de provas que eu tinha... E eu tenho, porque eu fui para um abrigo depois que minha filha nasceu, fui estuprada um dia antes da minha filha nascer, ele agrediu a minha enteada; sem contar que, quando eu cheguei no abrigo, em que eu fui acolhida três dias depois, eu descobri que eu não era a primeira vítima dele, e inclusive ele já havia sido preso, porque havia duas restraining orders - medidas protetivas -, para a ex-mulher e uma noiva. E, diante disso tudo, ainda a AGU favoreceu, alegando que seria possível ajuizar. (Soa a campainha.) A SRA. TUNISIA VIANA DE CARVALHO - E quem arquivou o meu procedimento foi a Acaf. Mas não foi por conta das minhas declarações de cinco mulheres, da minha enteada, que foi afastada na Corte americana - porque, sim, ele foi afastado dela permanentemente -; foi a palavra de um homem hétero, branco, com fé pública, que comprovou que ele era um homem agressor. E eu espero que nenhuma mulher tenha que ter tudo isso de provas e testemunhas para poder proteger os filhos. É isso aqui o meu desejo, e é por isso que eu estou acompanhando essas mães. Obrigada. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Obrigada a você. A SRA. KARIN RACHEL ARANHA MOHAMED FAYZ (Para expor.) - Em relação ao consulado, que eu falei, da embaixada, não sei se é embaixada ou consulado lá do Egito, esse escritório foi indicado pela própria embaixada. |
| R | Para esse escritório eu mandei toda a documentação traduzida e juramentada, vocês sabem quanto custa a tradução. Eu gastei R$6,9 mil de consularização aqui na Embaixada do Egito em Brasília, mandei todos esses documentos, ainda gastei mais R$350 de Fedex para esses documentos chegarem rápido a esse escritório que eu não conheço e, sim, é uma indicação da embaixada ali, acho que eles prestam serviço ali. E aí a conta veio para a minha advogada, Dra. Vanessa Andres. Tomamos um susto porque eu nunca vi isso no mundo, um escritório cobrar US$1 mil para fazer um boletim de ocorrência de desaparecimento de uma criança. Michelle chegou depois do meu depoimento, mas depois eu quero falar com você. (Soa a campainha.) A SRA. KARIN RACHEL ARANHA MOHAMED FAYZ - É isso que eu tinha que informar para vocês, porque não é a moeda egípcia, que é a libra egípcia, os pounds, como também é chamado na Inglaterra, e eles estão me cobrando US$1 mil por um boletim de ocorrência, mais US$2 mil por ano para a ação. Então estou muito feliz com a ação da ONU. Era isso que eu queria falar porque é um abuso o consulado, o tratamento comigo, o tratamento com os meus advogados e a falta de educação deles. Era isso que eu queria falar aqui. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Só faltou a Damaris. Quer falar? (Pausa.) Alguém mais? Bom, nada mais havendo... A SRA. NEIDE HEINIGER DA SILVA (Por videoconferência.) - Mara, me ouve? A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Sim, Neide, te ouço. A SRA. NEIDE HEINIGER DA SILVA (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigada, mais uma vez. Eu gostaria de falar rapidinho com a Acaf. A gente mandou e-mail, eu mandei e-mail pedindo ajuda sobre a situação de Moara, falando da situação dela, em julho do ano passado, e até hoje a gente nunca recebeu nada, nunca recebeu um alô, o que foi que aconteceu. E também sobre as ligações que foram citadas, quando a gente chega ao Brasil com uma criança e tudo que a gente passa, trauma, tudo que aconteceu com o adolescente ou a criança, e a criança se recusa a falar com esse genitor, a gente não tem essa capacidade de pegar um telefone e obrigar nossa filha ou filho a falar obrigadamente com o genitor. Graças a Deus, a Moara foi a um juiz que permitiu, que mandou suspender as ligações que Moara tinha com ele depois que ele viu com os próprios olhos a situação de Moara em contato com o genitor, porque foi o próprio Juiz Clodomir que provou o contato da minha filha com o genitor. A partir desse momento, ele pediu laudo psicológico, e no laudo psicológico ficou claro que a Moara não poderia retornar para a Suíça, Moara não poderia voltar porque ela correria riscos, danos gravíssimos. Então, como a advogada da Revibra comentou, isso tudo que ela falou é a pura realidade. A gente pode chegar ao Brasil com todas as provas, com tudo que a gente tem, e a gente é tratada com a mesma discriminação com que a gente é tratada aqui. |
| R | A gente vai para o nosso país pedir socorro para os nossos filhos, que estão sendo abusados, que estão sendo massacrados e abusados. E a gente chega ao Brasil e não tem esse socorro nem para as crianças, que são brasileiras também, nem para a gente, que somos brasileiras. Somos mães, temos o direito de defender as nossas crianças, os nossos filhos. Então, isso precisa trocar. Como a gente vai pegar a criança da gente e fazer com que ele fale com o genitor? De onde ele saiu, de onde ele foi abusado. A minha filha chegou no Brasil e se sentiu em casa. Ela disse: "Eu não quero mais voltar, aqui eu tenho minha mãe, eu tenho a segurança, eu tenho você, eu tenho amor". É isso que eu quero que o povo entenda. E aí, quando a gente é repatriada, a criança da gente, porque a gente também vem junto. Não é só a criança que vem, a gente também vem junto. O coração da gente é arrancado, a gente não suporta ficar longe do filho. E quando a gente chega aqui, a gente é tratada desse jeito. Para ver minha filha, para ligar para mim, minha filha é monitorada quando está falando comigo no telefone. Minha filha não pode falar de amor. Tem uma carta que a Justiça, advogados mandaram para o Brasil falando que a gente não pode falar de amor, não pode expressar os nossos desejos, não pode chorar no telefone. Não posso falar de amor com minha filha. Então, ouvir isso é muito dolorido, é muito cruel. Você ter que obrigar seu filho a falar com o abusador. Isso é muito cruel. Falar isso aí para quem não está no nosso lugar é fácil demais, mas ninguém queira passar por isso. Ninguém queira ver seu filho passando por isso. Isso é muito cruel, é doloroso. E isso tem que trocar, gente, pelo amor de Deus, isso tem que trocar. A gente tem que ter ajuda. A gente tem que ter alguém que olhe a gente quando a gente está em outro país. No consulado também, na embaixada sempre fui muito maltratada. Tenho mensagens, e-mails que eu mandei de seis anos atrás e eu tenho todos aqui. Eu posso provar. Fui pedir ajuda na embaixada, no consulado, mandei e-mail, liguei. E a gente não é assistida, a gente não é ouvida, a gente não é respeitada. Como que a gente sai de um lugar desse? A gente vai lá pedir socorro na embaixada. A gente vê a bandeira do Brasil e diz: "Ai, que bom, vou pedir ajuda aqui". E a gente não é, nem as crianças da gente. Então só serve para registrar o filho? Porque a gente não tem ajuda para os filhos da gente. A gente não tem ajuda em nada. E a gente precisa ser acolhido aqui porque a gente é brasileira, a minha filha também é brasileira. Somos duas mulheres que queremos voltar para casa. Isso está claro, que minha filha quer voltar para casa e que a pátria dela é o Brasil. Às vezes, eu sinto uma vergonha, sabe? De a minha filha ter tanto essa pátria, carregar com ela, e não ter ajuda. Não ter ajuda que um juiz prometeu, que a gente tem documentado. Então, por que ele fez isso com a minha filha? Quem vai arcar com os danos que minha filha está sofrendo? Eu gostaria de saber: quem vai assumir isso? Quem vai assumir o nosso trauma que a gente está? Isso é cruel. A gente precisa de ajuda. Vocês precisam, o Brasil precisa fazer alguma coisa para ajudar essas crianças, para ajudar as mães, para ajudar a gente, para ajudar porque isso não pode ser assim, gente. Isso não pode continuar. É muita gente, são muitas mães. Eu já ouvi de outras mães. Meu Deus do céu! Isso é um terror que a gente vive. |
| R | Essa última mãe que falou agora há pouco. Meu Deus, uma criança que não pode falar direito, gente. Eu dou graças a Deus, minha filha já está grande, já está uma mocinha, mas está sofrendo muito também, muito, vocês não têm noção. A Mara Gabrilli já viu, ela sabe da situação da minha filha, eu conversei bastante com ela, tenho gratidão. Obrigada. Ela me dá uma assistência... Nossa Senhora! Gente, muito obrigada pela atenção. Eu agradeço muito e eu peço para vocês que façam isso mesmo no Brasil, peçam socorro, ajudem e troquem isso. Isso precisa trocar. A gente precisa de ajuda, precisamos ajudar nossos filhos, precisamos pedir socorro, gritar muito, muito, cada dia mais. Não podemos fechar a boca, é gritar e abrir cada dia mais. Por favor. Obrigada a todos. Um abraço. Gratidão. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Obrigada, Neide. Obrigada mesmo pela sua contribuição. E, para a gente encerrar, o Dr. André Veras gostaria de fazer uma fala rápida. O SR. ANDRÉ VERAS GUIMARÃES (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado, Senadora. Eu só queria pedir às mães... Eu não conheço casos particulares, mas o que eu posso dizer é que todas essas questões são de grande interesse do ministério. Nós temos consciência do nosso dever como instituição, das nossas obrigações funcionais, e eu tenho... É muito importante que esse tipo de informação, de denúncia seja encaminhada ao ministério. As nossas altas chefias têm muita preocupação com o tema de proteção, de assistência e é preciso fazer chegar. Nós temos os mecanismos internos, nós temos a Ouvidoria, nós temos a Corregedoria, mas, se esses canais não funcionarem, escrevam uma carta direta, escrevam ao ministro, escrevam à secretária-geral, para que a gente possa buscar apurar e melhorar. Eu tenho certeza de que... Eu espero - não vou dizer que eu tenho certeza - que isso seja a exceção. (Soa a campainha.) O SR. ANDRÉ VERAS GUIMARÃES (Por videoconferência.) - A nossa função é realmente assistir, e eu acho que nós temos os mecanismos para fazer e a preocupação e o interesse das chefias do ministério em cumprir a sua função institucional. Era só isso. Obrigado, Senadora. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Muito obrigada. Eu só queria até dizer ao senhor que eu fiz esse papel para a maioria das mães que estão aqui, de entrar em contato com o MRE e, muitas vezes, na maioria delas, eu acabei entrando em contato também com as embaixadas no Brasil e com as embaixadas no país em questão. E eu até tomei um pito, porque eu fui acionando o MRE e as embaixadas, e foi na maior boa vontade, eu não queria passar por cima de ninguém, mas tem toda uma hierarquia no MRE, que, a partir do momento em que você manda um ofício, em que se oficia o chanceler, a gente tem que esperar para ver qual a atitude dele, o que ele vai fazer com relação às embaixadas envolvidas naquele ofício. Mas eu já fui me adiantando, porque eu conheço os casos, e eles me desesperam, e aí eu esperei um pouquinho, mais um pouquinho, e aí eu fui acionando, não na má-fé, pelo contrário, mas num desejo de fazer mais. Então, é até importante que o MRE tenha, nesses casos, uma relação mais intrínseca com as embaixadas e postos consulares. |
| R | Até essa cartilha que a gente entende que se deve fazer, que possa informar as mães, os pais, os casais que resolvem se casar ou ir morar em outros países, para que eles tenham informação das consequências disso, caso haja uma ruptura no relacionamento. Então... (Intervenção fora do microfone.) A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - A cartilha. Então, eu tenho o MRE como uma referência, e é importante que as embaixadas trabalhem com celeridade nesses casos, claro, em parceria com o MRE, mas dando ouvido, atenção e carinho brasileiro às nossas mães. (Palmas.) Eu falei naquela hora que era hora para encerrar, mas ainda não é. A Michele quer falar alguma coisa, e depois a Claudia. A SRA. MICHELE NAJARA (Para expor.) - Eu só queria esclarecer a questão do contato. Eu estou insistindo no contato porque, lembrem, eu trabalho com um universo de casos. São quase 230 casos. Eu não disse que isso tem que ser em qualquer situação, mas tem casos que são mais facilmente resolvidos se o contato da criança é mantido com o genitor. Nós temos todos os tipos de fundamentos de subtração, até por egoísmo, por a pessoa não aceitar o namoro, sem uma forma de violência física ou psicológica, mas, enfim, a pessoa está machucada e quer aquela criança - às vezes, nem tem condições de criar a criança -, mas quer aquela criança como uma forma de vingança. Então, nesses casos - é o que eu estou dizendo -, o contato é imprescindível para poder fazer com que os ânimos se acalmem, para facilitar a solução do caso. Outra coisa. Quando eu falo da questão da prova, eu concordo que, quando você alega uma questão de violência, é muito difícil provar, o abuso é muito difícil... (Soa a campainha.) A SRA. MICHELE NAJARA - ... provar, mas, hoje, o nosso Judiciário funciona assim. Por isso, a orientação da Acaf, diante da experiência, da prática que ela tem, é a de que a mãe que sofra a violência procure fazer, sim, a maior quantidade de provas, reunir essas provas, deixar tudo registrado através do WhatsApp, porque, mesmo nos casos que nós temos aqui que houve isso, ainda foi difícil ou não surtiu o efeito esperado, imagine quando a pessoa chega aqui somente com a palavra. Então, o mundo ideal seria: "eu sofri uma violência" e que isso fosse uma violência presumida, mas não é assim que funciona. Isso precisa ser orientado para as outras mães que estão passando por uma situação semelhante, e vocês têm contato com outros órgãos, com outros organismos, e podem fazer esse papel. Embora devesse ser assim, não é. Então, procure, realmente, organizar todas as suas provas, deixar tudo registrado. Um último ponto: o consulado poderia auxiliar, talvez, adotar um protocolo de recebimento dessas mães, talvez um formulário, alguma coisa assim, porque, quando a prova é registrada através do consulado, ela tem uma força muito maior - uma força probatória muito maior. Então, poderiam até, Ministro André, pensar em uma forma de protocolo de recebimento dessas mães que estão em situação de violência, para poder orientar os consulados a agirem. Eu imagino que deva haver um contato, algum treinamento, para poder orientar realmente os servidores que trabalham nesses consulados a adotarem esse protocolo, uma forma de registrar a prova, foto, montar um dossiê, dar um destaque: olha, caso sensível. Porque quando a mãe vier ou acontecer alguma coisa, ela já tem ali aquilo registrado dentro do nosso consulado e vai ter uma força probatória muito maior. Bom, são essas as considerações que eu queria. Desculpa. |
| R | A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Obrigada, Michele. Agora a Claudia Grabois. Queria fazer uma finalização? A SRA. CLAUDIA GRABOIS (Para expor. Por videoconferência.) - Sim, sim, Mara. Desculpa, eu tive que sair, porque eu tinha uma formação também na área, quer dizer, na área de diversidade, mas já acabei. E daí achei melhor voltar. Estava aqui acompanhando na televisão e achei melhor voltar. Eu acho fundamental o que a Michele colocou, mas também acho fundamental... É Michele? Michele, não é, Michele? É Michele? Desculpa. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - É Michele, da Acaf. A SRA. CLAUDIA GRABOIS (Por videoconferência.) - Não, desculpa, é porque, às vezes, eu tenho uma questão com nomes. Desculpa, Michele, com todo respeito. Acho fundamental o que a Michele colocou, eu acho, assim, que nós temos hoje, inclusive aí no Plenário, mães que chegaram com provas de consulado, com o apoio do consulado e com garantias consulares, e o consulado constatando a violência que estava acontecendo. Mas eu acho que esse apoio do consulado, esse braço consular, na verdade, é fundamental que funcione. A gente consegue entender, na verdade, que isso pode aumentar bastante o trabalho, mas é uma questão de construção da dotação orçamentária. Mas eu considero realmente muito relevante. E realmente o recorte que a Michele faz também é muito relevante, porque uma coisa são as mães que sofrem violência e as crianças que sofrem violência, ou só as crianças que sofrem violência, ou as mães que sofrem violência, isso, sim, reverbera nas crianças; outra coisa são as pessoas que moram em outro país, têm uma residência habitual em outro país, se separam, mas não querem ficar naquele país. Então essas pessoas, de fato, só podem sair por via judicial ou com autorização da outra parte. Então isso, sim, esse recorte é relevante, porque quando a gente fala em fazer uma reforma, e essa reforma vai incluir violência, é preciso, na verdade, que esse recorte aconteça, porque senão, começa a ter uma transferência de residência habitual, automática, o que... Isso não pode ser abraçado de uma maneira tão fácil, dessa forma, porque significa uma ruptura de vínculos e de contatos com a família. E é muito importante, sim, resumindo, tá?, essa questão da diversidade. O que, na verdade, é violência contra a criança e o que não é? Uma criança, por exemplo, que está com uma cueca suja porque o pai não trocou, isso não é violência contra a criança. Uma criança, na verdade, que é entregue para a mãe com uma roupa que não está limpa também não é violência contra a criança, e vice-versa. Violência contra a criança é, na realidade, o que está estabelecido no ECA. E é isso que a gente deveria considerar, na verdade. Na Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, considerar o Estatuto da Criança e do Adolescente, porque existe, sim, isso. Eu não quero esse convívio com o genitor, eu não quero esse convívio com a genitora. Acontece. Eventualmente acontece. Então a Acaf tem que saber identificar. Assim como tem que saber identificar, no meu entendimento, os casos de violência e considerar as provas que as pessoas trazem. Então, Michele, foi muito relevante a sua sugestão em relação ao apoio consular e às provas, que devem ser obtidas no país estrangeiro, antes de chegar ao Brasil. |
| R | E, olha, neste plenário tem pessoas que chegaram ao Brasil só depois de muitos anos e de muita violência física sofrida, pessoas que chegaram com traumas de violência. Então, na verdade, é importante que se construa essa forma de agir. Eu entendo perfeitamente, Senadora, que a Acaf lida com uma gama de casos, na verdade, difícil até de conceber. Entendo, também, que parte deles sejam resolvidos via mediação e faço um pedido para que não sejam resolvidos via mediação casos que envolvam violência contra a mulher e contra a criança. Muitas vezes, a família, a mulher, podem aceitar essa via... (Palmas.) ... com medo de perder o contato, numa repartição. Para finalizar... Não quero mais tirar o tempo, porque eu não tenho mais tempo mesmo, eu cheguei aqui, agora, tardiamente, de volta. Nós temos juízes, no Brasil, muito sensíveis, nós temos um Ministério Público Federal muito atuante, nós temos uma Defensoria Pública da União cada vez mais capacitada, com cada vez mais informação, com resoluções que fazem, realmente, esse recorte de gênero. Então, é o momento de se trabalhar em conjunto e é o momento de se exigir reciprocidade dos outros países. A Acaf trabalha aqui com tanta eficácia! Então, o que se pede à Acaf é que considere a violência contra a mulher, a violência contra a criança, que se considere isso em conjunto. Mas o que se pede à Acaf, também, é que exija das outras Acafs, dos outros países, que tenham essa mesma eficácia: que quando uma criança é sequestrada para a Coreia, por exemplo, que eles ajam de uma maneira tão eficiente como a Acaf age, e para qualquer outro país, qualquer outro lugar que seja. Então, eu acho que é uma coisa assim muito importante. A gente sabe que a Acaf trabalha em parceria com a AGU, que faz o relatório, e o relatório é encaminhado para a AGU. A gente sabe que faz parte até da atribuição da Acaf, mas não é necessário que esse relatório seja realmente sempre contra a pessoa que traz, depende do conjunto probatório que essa pessoa tem. Então acho que é hora de fazer essa mudança e que é a hora de reconhecer também a importância que a Acaf tem no cumprimento da convenção, a importância que a Acaf tem para trazer as crianças repatriadas de volta, as repatriadas, que são levadas para países estrangeiros sem autorização judicial, sem autorização da mãe ou do pai. Exijam que a Acaf exija essa reciprocidade. (Soa a campainha.) A SRA. CLAUDIA GRABOIS (Por videoconferência.) - É muito, muito, muito relevante, porque há casos, inclusive, que, por falta da reserva... Porque muitos países não oferecem essa advocacia pública que o Brasil oferece, gratuita, assistência jurídica gratuita. Já vi, sim, muitas mães ficarem no país estrangeiro onde tiveram os filhos subtraídos, porque a lista de ONGs oferecidas para a mãe, por exemplo - poderia ser para o pai -, não podia atender porque estavam sobrecarregadas. Então, acho que é um assunto, sim, que tem que se encarar: reciprocidade. Se vai cumprir a convenção, mesmo fazendo esse recorte de violência, de gênero, de violência contra a criança, é preciso se fazer também essa exigência nos outros países, nessa advocacia, que seja oferecida, que tenham empenho em se encontrar, que o MRE também, que o Governo brasileiro, tanto a União, a AGU, quanto o Estado brasileiro se empenhem em oferecer, em tentar fazer acordos para que haja oferta de advocacia gratuita para as mães brasileiras no exterior. Desculpa tomar o tempo de vocês, muito obrigada. (Palmas.) |
| R | A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Obrigada, Claudia, obrigada. Nada mais havendo a tratar... A SRA. RAQUEL CANTARELLI (Para expor. Fora do microfone.) - Rapidamente. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Sabia que não era nada... (Risos.) A SRA. RAQUEL CANTARELLI - Muito rapidamente, falando da importância, talvez, para o Ministério da Justiça, de se atentar nos casos de retorno, das salvaguardas para a mãe, para o retorno dela, porque é muito difícil. O Brasil define pelo retorno da criança, e as pessoas acham que é muito fácil. "Ah, então, a mãe vai para lá, vai lutar pela guarda e vai ter acesso à criança". Mas não é assim que acontece, muitas mães chegam ao país e são presas. Eu, inclusive, tenho um pedido de prisão lá. Eu não sei como está, porque até agora eu não tive essa resposta da Acaf, da autoridade central de lá, de ninguém de lá, eu não soube se está realmente efetiva, mas tinha e talvez ainda tenha um pedido de prisão para mim de até 12 meses, ou seja, se eu colocar o meu pé lá na Irlanda para tentar ver as minhas filhas e saber se elas estão bem, eu vou para a cadeia direto do aeroporto. Isso já aconteceu com outras mães também. Além de ficar 12 meses presa lá, eu teria que pagar uma multa de até 2,5 mil euros. Então, assim, decidir pelo retorno e dizer... (Soa a campainha.) A SRA. RAQUEL CANTARELLI - ... simplesmente que a criança vai, sem se resguardar... Eu acho que, assim, se tiver que decidir pelo retorno, porque foi decidido que não há violência, não há nada, mas que, na decisão de busca e apreensão, seja levado em consideração o melhor interesse da criança, porque a decisão... porque Haia fala sobre o retorno da criança resguardando o melhor interesse dela, que seria voltar à residência habitual, voltar ao convívio do genitor e tal, mas aí a criança vai e perde o vínculo materno, pode ser paterno também, mas, no caso, na maioria dos casos, é materno. Então, a criança sofre violência de novo, e de novo, e de novo, e de novo, porque as minhas filhas sofreram violência lá, sofreram violência na busca e apreensão e estão sofrendo violência agora, e não tem ninguém que vá lá na casa olhar as crianças. A gente pede para a embaixada ir, e ela não pode ir. Não pode, porque ela não pode bater na casa e obrigar o genitor a fornecer informação da criança, é isso que eles falam para a gente. Então, a gente fica completamente vendido, sem saber sobre as crianças e tirando um direito da criança, porque nem é um direito meu ou da mãe de ter acesso à criança, mas é um direito da criança ter acesso à mãe ou ao genitor, então, isso não é visto. Então, quando for feita a decisão de retorno da criança, que venha juntamente na decisão salvaguardas para que a mãe vá para lá, busque por justiça, que seja garantida a proteção dela naquele país, porque a gente morre de medo. Eu recebo, nas minhas redes sociais, eu tenho mais de 200 mil seguidores, de pessoas me acompanhando, inclusive um monte deve estar online até agora assistindo, porque elas são incríveis, mas muitas pessoas perguntam assim: "Por que você não vai para lá?". Como se fosse algo simples, e não é. Não é fácil a gente ir para lá, porque o país protege o nacional. O Brasil acaba protegendo o não nacional, porque nos outros países lá nenhum vai armado de fuzil. Por exemplo, a Coreia do Sul não vai... Se for definido o retorno da filhinha da Damaris, eu tenho certeza de que a Coreia do Sul não vai armada de fuzil na casa do nacional deles pegar a criança para mandar para o Brasil, e o Brasil faz isso com o seu nacional. Então, se tiver que ser definido o retorno, que seja da forma mais humanizada possível, como está falando ali, com um convívio. Eu não soube da decisão, então, que fosse feito com um convívio devagar, como ela falou, com o conselho tutelar, que faça essa aproximação, porque pegar as crianças e entregar para uma pessoa desconhecida... |
| R | Minhas filhas, por exemplo, não falavam a língua inglesa, e o genitor não falava português. Ou seja, uma preocupação minha é como as necessidades básicas das minhas filhas estão sendo atendidas: "Eu quero água. Eu estou com fome. Eu estou com dor de barriga. Eu quero falar com a minha mãe. Eu estou passando mal. Eu não gosto de comer isso". Foi totalmente uma pessoa desconhecida que não sabe absolutamente nada sobre as crianças: se tem alguma doença preexistente, se tem alergia a algum medicamento, se estava fazendo algum tratamento médico. A minha filha tinha médico no dia seguinte. Ela estava com conjuntivite, estava com o olho inflamado. Ela saiu com o olho inchadinho, porque pegou a conjuntivite na escolinha, e eu estava tratando, e ninguém sabia disso. Então, é, assim, sem se resguardar. Ela saiu daqui sem o cartão de vacinas. Como é que lá vão saber se ela já foi vacinada contra doenças? Se minha filha tivesse bronquite, asma e chegasse ao avião e, por conta do desespero, tivesse um ataque de bronquite e de asma, ela ia morrer no avião sem a bombinha, sem nada. Então, ninguém me perguntou sobre a segurança das minhas filhas no retorno delas, como seria feito ou se eu poderia estar indo junto também para resguardá-las, para protegê-las ou para preservá-las, porque a gente está falando aqui sobre a preservação da criança e do melhor interesse do menor, e é isso que precisa ser falado, e não o foi. Eu escutei no meu processo inteiro falando que "é sempre respeitando o melhor interesse do menor, é sempre respeitando o melhor interesse da menor". No meu caso, aconteceu tudo, menos respeitar o melhor interesse das minhas filhas. Obrigada. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP) - Bom, nada mais havendo a tratar... É a oitava tentativa, mas vamos lá. (Risos.) Estamos aceitando ainda. Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos. (Pausa.) Ah, é? A Claudia? (Risos.) A SRA. CLAUDIA GRABOIS (Por videoconferência.) - Mas é muito rápido, é muito rápido. Nas audiências, quando acontece uma audiência de acordo, que se trate das salvaguardas das mães quando do retorno e, quando é feito um acordo aqui, que seja homologado antes no país estrangeiro, que este país estrangeiro, na verdade, possa receber esse acordo que foi feito aqui, até para que ele tenha validade nas duas jurisdições. Tem que tornar isso possível de alguma forma, assim como se fala em acordo espelhado e em ordem de reforço. Muitas crianças nem saem dos Estados Unidos hoje pela questão da possibilidade de retenção. Então, os advogados aconselham a não saírem. A gente tem, pelo outro lado, na verdade, a necessidade desse retorno da mãe ser feito em garantia, e ele não vai acontecer só porque foi falado numa sala de audiência de um tribunal nacional, ele tem que ser válido também no país estrangeiro. Só isto que eu gostaria de ponderar que é outra jurisdição. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. PSD - SP. Fala da Presidência.) - Obrigada, Claudia. Importante intervenção. Agora, vocês vão rir de mim. (Risos.) Nada mais havendo a tratar, agradeço a presença de todos e declaro encerrada a presente reunião. Gratidão. Muito obrigada. (Palmas.) (Iniciada às 15 horas e 32 minutos, a reunião é encerrada às 20 horas e 09 minutos.) |

