Notas Taquigráficas
| Horário | Texto com revisão |
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| R | A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Fala da Presidência. Por videoconferência.) - Havendo número regimental, declaro aberta a 5ª Reunião, Extraordinária, da Subcomissão Permanente de Direitos das Pessoas com Doenças Raras da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 57ª Legislatura. A presente reunião atende ao Requerimento nº 112, de 2023, da CAS, de minha autoria, para a realização de audiência pública destinada a avaliar a Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica e medidas para seu aprimoramento. Informo que a audiência tem a cobertura da TV Senado, da Agência Senado, do Jornal do Senado, da Rádio Senado e contará com os serviços de interatividade com o cidadão, pela Ouvidoria, através do telefone 0800 0612211 - 0800 0612211 -, e pelo e-Cidadania, por meio do portal www.senado.leg.br/ecidadania - www.senado.leg.br/ecidadania -, que transmitirá ao vivo a presente reunião e possibilitará o recebimento de perguntas e comentários aos expositores via internet. Para dar início à nossa audiência pública, teremos os seguintes convidados, com muita honra: Dra. Mayana Zatz, Professora de Genética do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo - seja muito, muito bem-vinda; outra querida, Dra. Vanessa Romanelli Tavares, Supervisora do Laboratório de Biologia Molecular do Instituto Jô Clemente. Quantas mulheres poderosas aqui: Dra. Ândrea Kely Campos Ribeiro dos Santos, Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Genética; a Dra. Dafne Dain Gandelman Horovitz, Coordenadora Clínica do Centro de Genética Médica e Serviço de Referência em Doenças Raras da Fiocruz; e a Dra. Ida Vanessa Doederlein Schwartz, Presidente eleita da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica. E o nosso único homem: Dr. Natan Monsores, da Coordenação-Geral de Doenças Raras do Ministério da Saúde. Muito, muito obrigada. Gratidão pela presença de todos vocês. Eu quero agradecer aos convidados, às convidadas que estão conosco hoje nesta audiência, para que a gente possa discutir a Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica, seus desafios, as medidas que poderemos adotar para seu aprimoramento. Esta audiência faz parte do plano de trabalho de 2023 da CASRARAS, cujo objetivo é aprimorar o acesso ao diagnóstico das doenças raras. Nesse sentido, a política de genética clínica torna-se fundamental, já que 80% das doenças raras decorrem de fatores genéticos. |
| R | Ela foi instituída no âmbito do SUS, em janeiro de 2009, por meio da Portaria nº 81, e o objetivo era estruturar, no SUS, uma rede de serviços em genética clínica para permitir o acesso da população a esse atendimento especializado, cujo pilar central seria o aconselhamento genético. No entanto, ela já nasceu com uma grande dificuldade inicial, que foi a falta de previsão de recursos orçamentários para o seu funcionamento. Isso causou uma grande aflição nas famílias, sobretudo nas pessoas com doenças raras, que é o segmento que tem mais necessidade desse suporte e ainda tem muito sofrimento em busca do diagnóstico dessas doenças. Nossos convidados poderão falar melhor sobre isso e da saga de anos que é para passar por diversos especialistas em busca de um diagnóstico e de um tratamento. E a realidade mostra que a maioria precisa recorrer à Justiça para ter acesso aos exames de que necessita. Um outro desafio da política nacional é a carência de profissionais especialistas em genética e a distribuição desigual desses especialistas pelas regiões do Brasil. A maioria fica concentrada aqui no Sudeste. E o ensino de genética nas faculdades de Medicina também é outro gargalo, porque as faculdades de Medicina do país ainda não atendem à parte da prática necessária ao atendimento ou ao cuidado de pacientes com doenças raras. O mesmo acontece com a formação nas demais áreas da saúde. Já promovemos audiência para debater a questão da formação. E muito do que foi dito é que, nos cursos de graduação, a busca é por formar bons generalistas, que seriam os médicos da família, da comunidade, que saibam diagnosticar cerca de 85% dos atendimentos na atenção básica, mas seguimos ainda com esse desafio nas redes de saúde para doenças raras. Um levantamento da Associação Médica Brasileira, em conjunto com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, mostrou que, em uma década, dobrou o número de médicos de geneticistas registrados, mas eles ainda são poucos: somente 342 geneticistas, que representam apenas 0,1% do total de médicos registrados no país. Por isso, quando finalmente a Portaria 199 foi publicada em janeiro de 2014, instituindo essa Política pública Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, de imediato percebemos que era preciso uma correção quanto ao aconselhamento genético. Acho que a Dra. Mayana vai lembrar, porque fomos juntas lá no Ministro da Saúde. Solicitamos e fomos atendidas para esse serviço de aconselhamento, para que não fosse uma atividade exclusiva dos médicos geneticistas, mas também de outros profissionais médicos e de outras áreas do conhecimento, assim como de enfermeiros, biólogos, biomédicos com essa especialização. E a Portaria 199 também veio trazer os incentivos financeiros de custeio que tanto almejávamos para avaliação, para diagnóstico e também para tratamento das pessoas com doenças raras de origem genética. Mais uma vez, eu quero agradecer a presença de todos, e vamos ouvir nossos convidados para discutir essa Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica e os meios para o seu aprimoramento. Então, eu queria convidar primeiramente a Dra. Mayana Zatz, que é Professora de Genética do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, para proferir suas considerações. |
| R | Seja muito bem-vinda, Mayana. A SRA. MAYANA ZATZ (Para expor. Por videoconferência.) - Muito obrigada. Eu estou aqui com a Dra. Maria Rita, que é nossa colega aqui no genoma e que tem um trabalho espetacular em doenças genéticas e, mais recentemente, em autismo. Ela vai falar um pouco a respeito. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Obrigada, Doutora! Obrigada, Dra. Maria Rita, pela presença. A SRA. MAYANA ZATZ (Por videoconferência.) - Vamos compartilhar agora. Vocês estão vendo a tela? A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Estamos vendo. A SRA. MAYANA ZATZ (Por videoconferência.) - Então, primeiro, eu queria agradecer muito a Mara pela iniciativa, pelo convite e pelo apoio enorme que você tem dado a essa causa durante esses últimos anos. Você lembrou bem a história que poder aumentar o número de pessoas que pudessem dar aconselhamento genético, não ficar só restrito aos médicos geneticistas, mas isso é muito pouco em comparação com tudo que você tem feito em prol dessa causa, e a gente tem uma gratidão enorme por isso. Bom, vamos falar um pouquinho de doenças raras. O que nós podemos fazer? Não estou conseguindo passar. Travou. Então, a nossa missão no Centro do Genoma Humano é pesquisa científica, transferência de tecnologia, educação e divulgação. E nós já estudamos mais de 100 mil pessoas de famílias com doenças genéticas. Está devagar. Está lento aqui. Parou. (Pausa.) Travou de novo. Nós estamos com um problema aqui por causa do calor, e a internet está meio devagar. Meio não, totalmente. Não estamos conseguindo passar. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Mayana, se você ligar e recomeçar, será que não vai? A SRA. MAYANA ZATZ (Por videoconferência.) - Foi. Esse é Oswaldo Frota-Pessoa, que foi o pioneiro da genética humana na década de 60, e ele sempre nos ensinou que é uma estrada de mão dupla: os pacientes almejando novas descobertas e as novas descobertas ajudando os pacientes. Na década de 80, nós implementamos o diagnóstico molecular em estudo de proteínas, justamente para melhorar o diagnóstico, identificar e entender a função dos genes responsáveis por doenças genéticas, e nós identificamos cerca de 40 genes novos. Esta é a Maria Rita, que está aqui do meu lado, e a Profa. Mariz Vainzof, que ajudou muito no estudo de proteínas. Quando a gente lembra das nossas características, tem algumas que são só ambientais, como, por exemplo, a língua que a gente fala, algumas só genéticas, mas a grande maioria tem uma interação entre genes e ambiente. E, para perguntar qual era a contribuição genética versus o ambiente nas características mais relevantes, foi iniciado o Projeto Genoma Humano, em 1990, e a proposta era mapear, sequenciar todos os genes humanos até 2005, mas só no ano passado é que realmente ficou quase completo o Projeto Genoma Humano. |
| R | É muito importante lembrar que doença genética não é sinônimo de doença hereditária, então muitas doenças de adultos, além do envelhecimento saudável, têm um componente genético importante. Quando a gente pensa em doenças complexas que têm uma contribuição genética, nós estamos falando de Alzheimer, Parkinson, hipertensão, diabetes, doenças psiquiátricas, câncer, autismo ou, mais recentemente, a gente viu a maior sensibilidade ou resistência ao coronavírus, ou seja, ninguém escapa da genética. Em 2000, nós inauguramos o Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco e, desde 1970, como eu falei, nós estudamos mais de 100 mil famílias com doenças genéticas. E, para estudar o diagnóstico, fazemos o aconselhamento genético e orientação. Em relação às pesquisas, a gente pesquisa a função dos genes, com esperança de a gente chegar em futuras terapias. E, lembrando, o Projeto Genoma Humano levou 13 anos a um custo de US$3 bilhões. E, a partir de 2012, nós introduzimos o que a gente chama de Next-Generation Sequencing, que já deu uma perspectiva muito grande, uma melhora muito grande no diagnóstico das doenças genéticas. Em 2019, graças ao apoio da Senadora Mara Gabrilli, nós adquirimos um novo sequenciador, o NovaSeq 6000, o que permitiu um salto enorme no diagnóstico de doenças genéticas com menores custos, além de novas pesquisas, visando ao tratamento. Então, hoje a gente consegue sequenciar um genoma humano completo em algumas horas, a gente tem painéis que estudam 20 mil genes responsáveis por doenças genéticas ao mesmo tempo, o que permite também pesquisas e melhora no diagnóstico com outras técnicas, como regiões metiladas, transcriptoma e regiões de acesso à cromatina. Entre diagnósticos e consultas, a gente tem feito mais de 3 mil por ano, sendo que cerca de mil são assistenciais, ou seja, a gente não cobra nada, os pacientes não pagam nada. Nós iniciamos também um projeto que a gente chamou de 80mais - hoje são vários dele, já estão com 90mais, a gente publicou um livro a respeito -, para ter um banco de dados da população brasileira, para isso ajudar a interpretar quando uma mutação nova em um paciente é patogênica, causa da doença ou não e também estimar a incidência de doenças recessivas na nossa população. Isso resultou em duas grandes publicações, mas o que foi mais importante é que nós encontramos 2 milhões de variantes genéticas que não estavam presentes nos bancos internacionais, mostrando a importância de a gente estudar a nossa população, que é altamente miscigenada. Qual a aplicação imediata desses resultados? Eu vou dar um exemplo. Nós encontramos uma mutação que é patogênica, responsável por uma forma de câncer de mama hereditário, e a pessoa que tem essa mutação tem um alto risco de desenvolver câncer de mama. Foi o que estava presente na família da Angelina Jolie. |
| R | Vocês devem lembrar que lembrar que ela tinha uma história de câncer de mama: a mãe, a avó e a tia materna, todas tiveram câncer de mama grave. E, aí, nós achamos essa mesma mutação numa senhora saudável, de 93 anos, que nunca teve câncer na vida. Ou seja, mostrando, de novo. a importância de testar a nossa população: uma mesma mutação, que pode ser patogênica num background europeu, pode não ser nesse background miscigenado da nossa população. Mas a grande questão é: quem deve ser testado? Então, obviamente, a gente acha extremamente importante fazer o teste neonatal para todas as doenças tratáveis, como AME - e a Vanessa vai falar mais a respeito -, fenilcetonúria, fibrose cística, enfim, todas aquelas que são tratáveis. Quanto antes for feito o diagnóstico, melhor é o prognóstico. Mas o que é que as pessoas esperam de um teste genético? Então, existe toda uma questão ética nos testes preditivos de doenças de início tardio, onde não há tratamento. Por exemplo, distrofia miotônica, huntington, ataxias espinocerebelares, doença de Alzheimer, onde uma pessoa saudável tem risco de manifestar a doença e também de transmitir para descendentes. E, aí, a gente discute caso por caso, para saber qual é o benefício de a pessoa saber que tem ou não a mutação. Então, para doença sem tratamento, qual a vantagem de ser testado? Existe um consenso internacional de não testar criança assintomáticas para doenças de início tardio ou ainda sem tratamento. Mesmo que você possa saber, no recém-nascido, se ele herdou a mutação, existe, então, esse consenso de não se testar essas crianças, porque, se você testar uma criança, você está tirando dela o direito de decidir, quando adulta, se ela quer ou não ser testada. E, na nossa experiência, a maioria dos adultos jovens prefere não ser testada. Existe uma procura maior nos pacientes, naquelas pessoas que estão em idade reprodutiva e, aí, decidem ser testados ou não para saberem se vão ter filhos ou não. E um trabalho muito importante que a gente tem agora, que a Profa. Maria Rita está desenvolvendo, é no espectro autista, que, como vocês sabem, tem uma prevalência muito alta, de 1% da população, e atinge quatro meninos e uma menina. Então, ele é muito mais prevalente em meninos do que em meninas. A Maria Rita vai falar a respeito. A SRA. MARIA RITA DOS SANTOS E PASSOS BUENO (Para expor. Por videoconferência.) - Em relação ao autismo, acho que, como vocês sabem, ele nunca ocorre isoladamente - é difícil ser isoladamente. Então, tem as deficiências de comunicação social e uma série de comportamentos, como comportamentos repetitivos, entre outros. Além disso, é comum estar associado, por exemplo, à deficiência intelectual, dificuldades de linguagem e outros problemas psiquiátricos, como a ansiedade, depressão, entre outros. Em relação à parte genética do autismo, como a Mayana já falou, tem um modelo multifatorial que caracteriza o autismo. E o que significa esse modelo multifatorial é, na verdade, uma arquitetura genética complexa. A gente tem casos onde existe uma única alteração genética, são as formas monogênicas, e, aqui, são mais de 200 genes, alguns que já são mais conhecidos, como o shank3 singap. |
| R | E aqui a gente tem, na verdade, um grupo de doenças raras altamente heterogêneas. Tem o modelo oligogênico, onde a gente tem variantes de efeito médio associadas a outras variantes de efeito comum na população, e o poligênico, que, possivelmente, representa a maioria dos casos de autismo, onde há um acúmulo de variantes de pequeno efeito. Em relação ao avanço da genética, a gente conhece bastante já o monogênico e um pouco do oligogênico. No nosso contexto, a gente tem trabalhado com a arquitetura genética de autismo há muitos anos. A gente, o nosso laboratório contribuiu com a sugestão de três novos candidatos, e, atualmente, a gente faz parte de um consórcio internacional e, por meio desse consórcio, a gente contribuiu com mais de 150 genes que estão associados ao autismo. E aqui a gente está falando dessas formas raras: cada um é um caso diferente, é uma síndrome diferente. E aí, por fim, só queria comentar também em relação a testes genéticos de autismo. Será que é indicado para todos? Na nossa experiência, a gente tem dados de 269 casos de autismo, em que a gente estudou os pais e a criança. A gente concluiu 28, ou seja, 10% são conclusivos, a gente confirma o diagnóstico. E o que a gente está querendo agora responder, mas a gente ainda não tem os recursos para isso, é verificar se a taxa de detecção de variante patogênica é maior nos casos de TEA tipo 3,que são as formas mais grandes. E o outro ponto que a gente acha que pode contribuir também é o desenvolvimento de testes que têm melhor custo-benefício e que poderiam viabilizar a aplicação no SUS. Então, existe a possibilidade de desenvolver testes que devem chegar em torno de US$100 a realização e que cobrem praticamente todos os tipos de variantes, hoje, que podem estar associadas com o autismo. Então, é isso. Quero aproveitar também para agradecer à Senadora Mara Gabrilli por todo o seu trabalho em doenças raras. A SRA. MAYANA ZATZ (Para expor. Por videoconferência.) - Bom, e, aí, vou falar um pouquinho de como é que o estudo do genoma vai contribuir para futuros tratamentos. Então, existe toda essa tecnologia nova, que deu o Prêmio Nobel a duas cientistas com relação à edição de genes. A gente pode modificar genes responsáveis por doenças genéticas, e essas são as duas cientistas, Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier, que ganharam o Prêmio Nobel por causa disso, e a aplicação dessa tecnologia está sendo importantíssima já para tratar algumas formas de câncer, doenças genéticas. Ensaios clínicos já começaram, e a gente pensa que, no futuro, vai poder editar genes protetores, genes que protegem as pessoas contra algumas doenças genéticas e o envelhecimento. Quais são as questões éticas atuais? Então, eu estive recentemente em Londres, para um congresso justamente para falar das questões éticas relacionadas à terapia gênica e edição de genes, e várias doenças já estão sendo tratadas, como anemia falciforme, amiotrofia espinhal, hemofilia, algumas formas de câncer. Mas qual é o grande problema ético? O custo. Ele varia entre US$1 milhão a US$3,5 milhões por tratamento. Eu tive a oportunidade de conversar com o diretor da FDA, que é a instituição americana que aprova esses tratamentos, e disse: "Como é que vocês permitem um tratamento com esse custo?". Ele disse: "Infelizmente, a gente não pode interferir no curso, e só na eficiência do tratamento". Então, como é que a gente pode dizer para um paciente que existe um tratamento possível, mas não acessível? E essa tem que ser a nossa próxima briga. A gente tem que tornar esses tratamentos acessíveis para todos os pacientes. |
| R | Só para se ter uma ideia, qual seria o custo desses tratamentos e terapia gênica no Brasil? Para a amiotrofia espinhal, nos Estados Unidos, é de US$2,1 milhões por tratamento. A gente estima que, no Brasil, nasçam 300 casos por ano. E aqui se cobra, mais ou menos, R$6 milhões por paciente. Então, seria R$1,8 bilhão por ano. Para a hemofilia, o custo americano é de US$3,5 milhões. A gente estima ter 20 mil casos no Brasil. Seriam US$70 bilhões. Para a anemia falciforme, US$1 milhão por tratamento, e a prevalência estimada no Brasil é de 80 a 100 mil casos. Seria de US$80 bilhões a US$100 bilhões. Então, dá para ver que seriam custos impossíveis. O que pode ser feito? Como prevenir o nascimento de novos afetados? Então, nós fizemos uma proposta para o Ministério da Saúde de fazer uma triagem de mutações para doenças recessivas para casais em idade reprodutiva antes de terem o primeiro filho afetado. Então, só para se ter uma base de cálculo, o custo/benefício de a gente passar em tratamento de três pacientes só, AME, hemofilia e anemia falciforme, seriam US$6,6 milhões, e esse valor permitiria a triagem de mutações para milhares de casais e prevenir o nascimento de novos afetados. Então, esta seria a nossa proposta: prevenir o nascimento de novos afetados para doenças não tratáveis ou de custo milionário, o que seria um benefício imensurável e uma enorme economia para o Estado. Mas, infelizmente, a gente submeteu esse projeto, e não foi aprovado. Mas vamos continuar lutando. E aí eu queria agradecer à equipe toda. Esse trabalho todo que a gente faz depende de uma enorme equipe, um time que trabalha no Centro do Genoma. E eu vou parar por aqui, agradecendo novamente à nossa querida Mara Gabrilli. Está bom? E gostaria de ouvir os outros. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Obrigada, Dra. Mayana. Obrigada, Dra. Maria Rita. Depois, vocês precisam passar para a gente essas novas perspectivas aí, para a gente começar a se preparar, para poder ajudar vocês aí com o custo. Já estamos esperando os pedidos de emenda. Mas obrigada, obrigada de coração. Agora eu quero passar a palavra para Vanessa Romanelli Tavares, Supervisora do Laboratório de Biologia Molecular do Instituto Jô Clemente, que veio de Dra. Mayana Zatz. Estamos em família aqui. A SRA. VANESSA LUIZA ROMANELLI TAVARES (Para expor. Por videoconferência.) - Bom dia, Mara. Primeiramente, quero agradecer pelo convite e por você sempre ter dado tanta atenção à causa das doenças genéticas, das doenças raras, por presidir a Subcomissão Permanente dos Direitos das Pessoas com Doenças Raras, e agradecer a todos os nossos colegas, em especial à Dra. Rita e à Dra. Mayana. Foi um prazer. Eu fui formada com elas na pós-graduação. Então, para mim, realmente, acho que é um privilégio integrar esta audiência com vocês. Deixe-me compartilhar a minha tela. (Pausa.) Digam-me se vocês estão vendo no formato de apresentação, por favor. (Pausa.) |
| R | Sou supervisora do Laboratório de Biologia Molecular do Instituto Jô Clemente, que é um serviço de referência em triagem neonatal cadastrado pelo Ministério da Saúde, e integro também a equipe de pesquisa deles do Centro de Ensino, Pesquisa e Inovação. Esses são os meus conflitos de interesse. Aqui eu gostaria de abordar um pouquinho, dentro desse contexto das doenças genéticas, doenças raras, muito da triagem neonatal, que é um dos eixos estratégicos do Instituto Jô Clemente. Aqui, só apresentando para vocês, então, o Instituto Jô Clemente atua não só na prevenção e promoção da saúde através da triagem neonatal, como também com diversas estratégias dentro da inclusão social, da defesa de garantias dos direitos das pessoas com deficiência intelectual, com outros tipos de deficiências, com doenças raras, e também um eixo dentro da ciência, inovação e também educação. Destacando aqui um pouquinho do pioneirismo na triagem neonatal, em que somos, então, o maior serviço do Brasil em número de exames realizados, tendo realizado mais de 2,7 milhões, em 2022, e triado 341 mil bebês. Nós realizamos 67% da triagem neonatal do Estado de São Paulo, sendo a outra parcela realizada pelos SRTNs do Cipoi da Unicamp e de Ribeirão Preto. No Município de São Paulo, nós atendemos à triagem neonatal de 100% dos hospitais públicos. Hoje, através de uma parceria com a Secretaria Municipal, nós conseguimos realizar mais de 50 doenças na triagem neonatal, para além, então, daquelas doenças que são previstas pelo SUS, as seis doenças já incluídas no teste do pezinho. O que é importante a gente contextualizar antes de trazer algumas informações aplicadas? A triagem neonatal não é simplesmente o teste diagnóstico, o teste de triagem e a confirmação diagnóstica, mas é um programa, um programa de linhas de cuidado, em que a gente vai desde a capacitação de toda uma rede de profissionais, com coleta e transporte, para que essa amostra chegue ao centro de referência, e vai até o tratamento e acompanhamento desses pacientes, com a realização de exames especializados, incluindo os exames moleculares e genéticos, que são superimportantes em diversas doenças e seriam tão necessários em tantas outras, mas que, infelizmente, a gente, por questões de custo, ainda não consegue implementar no confirmatório da triagem, como também o trabalho em equipes interdisciplinares, a garantia dos medicamentos e fórmulas através de protocolos clínicos de diretrizes terapêuticas instituídos pela Conitec e no SUS e tratamentos como transplantes, transplante de medula óssea. Tudo isso para que a gente realize o diagnóstico precoce de doenças extremamente graves e raras, mas que são tratáveis. Dentre elas, erros inatos de imunidade, erros inatos do metabolismo, doenças infecciosas e a própria atrofia muscular espinhal, uma doença neuromuscular que, hoje, está prevista pela Lei Federal 14.156. Tudo isso vai fazer com que essa criança se desenvolva com muito mais qualidade de vida, onerando menos os sistemas públicos de saúde e podendo contribuir, dentro da sociedade, com a sua total capacidade, diminuindo sequelas e até mesmo o óbito dessas crianças. Então, a gente está falando de erros inatos de imunidade, por exemplo, que é a SCID, que, se não tratadas, essa criança vai a óbito até os dois anos de idade. |
| R | E o que a gente tem para suportar toda essa triagem neonatal? No Brasil, nós temos pelo menos um centro de referência em cada estado da Federação, sendo que, em São Paulo, como eu já mencionei, nós temos três: o Instituto Jô Clemente; o Cipoi da Unicamp; e o de Ribeirão Preto. Mas a gente sabe que esses dados, que foram buscados no site do Ministério da Saúde, são dados de 2019, mas que mostram que, mesmo ainda hoje, você não consegue, você não tem 100% de crianças triadas no teste do pezinho. E destaco aqui estados que têm abaixo de 70% da triagem neonatal sendo realizada, e essas crianças vão evoluir para um diagnóstico sintomático, vão evoluir com sintomas, sendo, então, somente diagnosticadas quando esses pacientes chegam à clínica médica. Focando, então, um pouquinho especificamente as doenças raras, a gente está falando de cerca de 400 milhões de pessoas no cenário mundial e cerca de 12 milhões de pessoas aqui no Brasil com doenças raras. E, como a Mara Gabrilli bem mencionou antes de a gente iniciar a audiência, são pessoas, crianças, adultos, que demoram cerca de 7 a 10 anos para terem o seu diagnóstico fechado, passando por diferentes médicos, diferentes diagnósticos errôneos, até que sejam conduzidas as tratativas e o diagnóstico correto, muitas vezes não só pela especialização médica, mas pelo acesso à atenção especializada e pelo acesso aos exames específicos, e 75% dos casos têm, de fato, um desfecho de resolução diagnóstica. Quando a gente olha para o perfil de serviços públicos em genética médica - esses dados foram extraídos do site da Sociedade Brasileira de Genética Médica, a respeito dos quais depois, acredito, a Prof. Ida, a Dra. Ida vai falar um pouquinho -, a gente observa um pouco da centralização desses serviços com uma dificuldade de acesso aos serviços especializados, uma dificuldade na referência e na contrarreferência desses pacientes. Esses pacientes encontram esse serviço geralmente em instituições de pesquisas e universidades. Menciono também o que a Mara já comentou, a pouca quantidade de geneticistas clínicos que nós temos no Brasil hoje, sendo que eles se encontram mais concentrados nas Regiões Sul e Sudeste do país. Quando a gente olha também para os centros de referência habilitados para tratamento, a gente vê uma grande carência na Região Norte e na Região Nordeste do país, também fazendo menção aqui à Região Centro-Oeste. Então, é necessário que a gente amplie esses serviços que são habilitados e cadastrados pelo Ministério da Saúde. Desafios comuns encontrados na rotina diagnóstica. E, agora, vou tentar trazer um pouquinho da experiência e da prática que nós encontramos não só na USP, que eu posso falar, pois fiz toda a minha pós-graduação lá, fiquei lá por mais de 10, 12 anos, no Centro de Estudos do Genoma Humano, como também no Instituto Jô Clemente, onde a gente atende pacientes não só na clínica de triagem neonatal, como também na clínica diagnóstica para crianças com deficiência intelectual e outras doenças, como deficiência da biotinidase, hipotireoidismo congênito, que nós atendemos lá no Instituto Jô Clemente. Então, a gente observa uma grande dificuldade das equipes clínicas de interpretar testes genéticos. É muito comum, principalmente dentro do laboratório genético, a gente receber ligações de profissionais, médicos e de outras especialidades, pedindo ajuda com a interpretação de testes genômicos, principalmente - eu destaco aqui - o NGS, em que a gente faz o sequenciamento de exoma, o sequenciamento de genoma e o sequenciamento de painéis específicos de genes para determinadas doenças. Então, isso leva a dúvidas acerca da conduta clínica, do tratamento e da correta prescrição de testes genéticos. |
| R | O que a gente traz aqui, mencionado na Portaria 81 da genética clínica e também nas Portarias 199 e 981, que diz respeito à conduta com a Política de Doenças Raras? A necessidade de educação continuada. Eu quero trazer aqui quatro exemplos de programas que eu acho que funcionam muito bem e que podem ser um modelo para a capacitação continuada de profissionais da saúde, não só médicos como não médicos - biólogos, biomédicos, farmacêuticos. Um deles é a capacitação no teste do pezinho, que é um serviço que o Instituto Jô Clemente realiza, visando informar todos aqueles profissionais que vão realizar não só a coleta do teste do pezinho como a realização do teste do pezinho acerca das doenças triadas e do correto procedimento a ser realizado, para que a gente obtenha uma amostra adequada. Também ressalto aqui um curso de extensão em triagem neonatal oferecido pela Universidade Federal do Paraná, em colaboração com o Ministério da Saúde; o mestrado profissionalizante em aconselhamento genético, do Instituto de Biociências da USP, coordenado pela Profa. Mayana Zatz, com a Regina Mingroni, a Dra. Rita Bueno e tantos outros professores do departamento. Aqui também destaco essa sociedade genética presente nos estados da Austrália, em que eles têm um programa de pós-certificação para manutenção do padrão do certificado daqueles aconselhadores genéticos. Isso aqui é muito interessante, muito importante, tendo em vista todo o avanço da genômica que nós temos nos últimos anos, sabendo que é uma tecnologia que avança com muita rapidez. Eu gostaria de destacar também aqui uma recente iniciativa, que é o Centro Integrado de Doenças Genéticas, o Cigen. É um projeto da Faculdade de Medicina da USP que tem, como instituições parceiras, o Genoma Humano, do Instituto de Biociências da USP, e o Instituto Jô Clemente. Esse programa visa ao atendimento de pacientes na área de doenças genéticas, propiciando a melhora e aperfeiçoamento de diagnóstico, tratamento, reabilitação; a capacitação profissional de médicos e não médicos; a pesquisa; e a atuação também em propostas de políticas públicas. Então, a gente acredita que, realmente, com o trabalho interdisciplinar de médicos, não médicos, pesquisadores e clínicos, a gente consiga melhorar o serviço para essas pessoas com doenças genéticas como um todo, não só com as doenças raras. Isto aqui é muito comum na prática clínica. Eu gostaria de trazer um depoimento recebido por um canal de divulgação científica, por exemplo, de uma paciente com atrofia muscular espinhal do tipo 2, que é um quadro de atrofia grave, dizendo: Eu sou a [a pessoa, omitindo, aqui o nome para preservar o paciente], tenho AME [...] 2 (descobri recentemente) e estou com MUITA dificuldade de encontrar um neuro (de preferência integrativo) para me acompanhar. Moro longe da capital [...] precisaria ver se atendem online. |
| R | Então, com esse depoimento - e, obviamente, tantos outros que a gente sabe que acontecem -, trago a importância da telemedicina para atender e ajudar pacientes com sintomas avançados de doenças que não foram diagnosticadas na triagem neonatal, como doenças genéticas, doenças raras, e que estão localizadas em regiões afastadas dos grandes centros de assistência especializada. A gente sabe que muitos lugares hoje já estão começando a desenvolver a telemedicina, mas a gente fala de uma questão mais ampla e com atendimento mais especializado para olhar para esses pacientes com doenças genéticas. E mais, a gente observa também pacientes que não conseguem chegar à atenção especializada dentro do SUS, ou que relatam passar por muitos médicos sem uma conduta definitiva - pacientes que têm o pedido do exame genético, mas que não conseguem realizar, e então acabam buscando as universidades, os centros de pesquisa para conseguirem realizar esses exames genéticos -, ou ainda por desconhecimento clínico por parte dos médicos. Uma das coisas que funciona bastante, que nós temos aplicada lá no Instituto Jô Clemente, é a presença de consultores médicos especializados para cada nicho de doenças. Então, dentro do serviço de referência de triagem neonatal, temos os consultores médicos para os erros inatos da imunidade, para os erros inatos do metabolismo e agora também dentro de um piloto no Estado de São Paulo, consultores especializados na atrofia muscular espinhal. Aqui eu faço uma ressalva para um caso recente que nós tivemos de identificação de uma criança que estava em UTI neonatal. A gente sabe que a AME pode acontecer de forma bastante grave e o bebê já nascer com sintomas bastante graves de atrofia muscular espinhal. Felizmente, esse não foi o caso, esse bebê estava internado por uma questão de prematuridade, mas o hospital, quando recebeu o resultado da triagem, ficou perdido. Por isso a importância da atuação de nós entrarmos com esse consultor médico para orientar quais seriam as condutas e realmente avaliar se aquele paciente tinha ou não alguma sintomatologia clínica da atrofia muscular espinhal que já necessitasse de alguma intervenção imediata. E, aqui, trago também um pouco dos casos sem conclusão diagnóstica por falta de acesso a testes genéticos pelo sistema público de saúde. Vou exemplificar também dois casos recentes que nós tivemos. Um recém-nascido com alterações dos erros inatos de imunidade, uma suspeita da síndrome de DiGeorge, com indicação para realizar MLPA ou array-CGH. A gente estava tentando viabilizar não só uma solução para que esse paciente pudesse realizar esses exames, mas que esse exemplo não servisse somente para uma pessoa, mas que fizesse parte integrada dos nossos serviços para que, quando esses casos acontecessem, a gente conseguisse incluí-los através da Secretaria Municipal de Saúde, por exemplo. E um outro caso também de um recém-nascido com hipótese diagnóstica de erro inato do metabolismo, que está numa UTI neo, tem uma indicação para o exoma, mas não consegue realizar esse sequenciamento de exoma também de forma gratuita. Então, esses são alguns dos desafios que nós enfrentamos diariamente dentro da genética clínica. E aqui eu gostaria de ressaltar a Portaria 1.111, de 2020, e a Portaria 18, de 2019, que fazem alusão à inclusão do sequenciamento completo de exoma na tabela de procedimentos do SUS e à investigação etiológica da deficiência intelectual de causa indeterminada. Só que hoje a gente não tem esses custos precificados na tabela Sigtap, por exemplo, e a gente não consegue ainda realizar o exoma para esses pacientes, para que eles entrem pelo SUS, tá? E aqui eu cito um dos artigos de Dwarte, que eu acho bastante interessante: foram realizadas diversas entrevistas com geneticistas clínicos, e eles reportam que conhecem diversos outros geneticistas clínicos que adorariam oferecer o exoma ou o genoma completo, mas isso não é uma possibilidade. Quando a gente fala "adorariam", é porque isso seria um grande diferencial na conduta clínica e na qualidade de vida desses pacientes. |
| R | E aqui quero destacar novamente - porque o nosso objetivo aqui é trazer ideias, discutir possibilidades e soluções dentro das políticas da genética clínica - alguns projetos que estão em desenvolvimento e estão trazendo muitos dados para o mundo e para o Brasil. Então, aqui eu faço alusão ao Newborn Genomes Programme, de Londres, da Inglaterra, cujo objetivo é identificar doenças raras, entender como os dados podem ser usados para tratamento e observar os riscos e benefícios do armazenamento de dados genéticos individuais a longo prazo. Então, eles vão triar mais de mil recém-nascidos ao longo do tempo e observar todas essas coisas. E, aqui no Brasil, nós temos o Genomas Brasil, também em desenvolvimento com o Ministério da Saúde, buscando também aplicabilidade em bancos de dados brasileiros, tecnologias de saúde e acurácia diagnóstica. Ressalto também o ABraOM, que foi um dos primeiros bancos - o primeiro banco, na verdade - de dados genéticos brasileiros, conduzido pela Profa. Dra. Mayana Zatz e o Dr. Michel Naslavsky, lá no Instituto de Biociências da USP; e o Genomas Raros, que é uma iniciativa privada junto ao Ministério da Saúde e também do Hospital Albert Einstein. Bom, e, quando a gente fala em genética aplicada, quero trazer, dentro ainda da triagem neonatal, o contexto de um trabalho que nós estamos desenvolvendo pelo Instituto Jô Clemente, sob minha coordenação, junto a diversos outros colaboradores, como o Cipoi, da Unicamp; Ribeirão Preto; as Secretarias Estadual e Municipal da Saúde; e sete centros e médicos especializados no atendimento da AME. Então, esse projeto objetiva triar 192 mil crianças para a atrofia muscular espinhal, e, fruto desse trabalho, nós já lançamos também um guia de orientação para diagnóstico, seguimento e tratamento de pacientes identificados pela triagem. Porque, até as últimas consultas públicas que nós tivemos da Conitec, o foco da AME sempre foi muito sintomático e pouco se dava atenção para pacientes pré-sintomáticos, que necessitam de uma via, de um protocolo diferente estabelecido de urgência e de conduta de encaminhamento desses pacientes. Então, nós referenciamos esse guia. Por quê? Porque o Instituto Jô Clemente já tem a experiência de desenvolver protocolos de atendimento, protocolos clínicos, junto à Secretaria Municipal de Saúde, para as doenças para as quais nós ampliamos na triagem neonatal. Pela ausência dos PCDTs do ministério, então nós precisamos desenvolver, quando nós fizemos ampliação para mais de 50 doenças lá no instituto. E isso só ressalta áreas que necessitam de mais incentivo do Governo, como, por exemplo, pesquisas nacionais para o desenvolvimento e produção de terapias dessa nova era - que já é uma era completamente atual -, gênicas e moleculares, como mencionado pela Dra. Mayana Zatz; e, também como mencionado por ela, a produção de reagentes e testes em território nacional, porque isso vai trazer a diminuição de entraves de importação, já que a gente sofre com isso, e também a diminuição de impostos de importação. |
| R | E, mais do que nunca, propiciar parceria com a iniciativa privada para o desenvolvimento de programas de apoio ao paciente com doenças raras, não só no quesito diagnóstico, mas também com a negociação de custos de tratamento. E aí, eu nem vou me estender porque a Mayana já falou sobre isso muito bem. Isso tudo pode ser feito através de editais de bolsas, projetos pelo CNPq, Capes e outras entidades estaduais e chamadas públicas nas áreas de doenças genéticas. E aqui, eu já estou quase finalizando, mas trago também a necessidade urgente da previsão e revisão de orçamento do ministério com relação a infraestrutura e equipamentos para diagnóstico e atendimento de pessoas com doenças genéticas e atualização da tabela SUS com relação a procedimentos e exames. Então, aqui eu quero exemplificar com dois contextos. Um deles, uma parte de um trabalho publicado durante o meu pós-doc no grupo da Dra. Mayana Zatz, em que a gente faz um levantamento da implementação de um laboratório de triagem neonatal para AME, mas que pode ser aplicado para o contexto de um laboratório de genética. E aqui trazendo alguns dos custos que hoje estão na tabela Sigtap e reforçar que isso não cobre as despesas que nós temos com a realização desses serviços. Então, por exemplo, o acompanhamento de um paciente em reabilitação do desenvolvimento neuropsicomotor, o SUS paga R$17,67 nesse atendimento. E falando aqui também, por exemplo, do acompanhamento da hiperplasia adrenal congênita, em que a tabela preconiza R$27,50. Então, tudo isso tem grande defasagem com o que hoje é realizado na prática. Como mensagem final, eu gostaria de deixar que nós temos aqui uma oportunidade de aumento e sobrevida de pessoas com doenças genéticas, trazendo qualidade e inserção na sociedade de fato. A necessidade de criação de protocolos clínicos, ampliar isso. A Conitec já faz um excelente trabalho. Não é fácil fazer a revisão desses protocolos, mas a gente precisa ampliar ainda mais isso. A articulação de todas as esferas do Governo - federal, estadual e municipal - trazendo fluxos de diagnósticos e de tratamento dessas doenças. E a importância de termos grupos especializados e de diversos estados junto ao Ministério da Saúde para auxiliar nessas necessidades específicas. Então, mais uma vez, eu gostaria de deixar aqui meu agradecimento à Senadora Mara Gabrilli e a todos os membros da Subcomissão Permanente de Doenças Raras. Obrigada. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Muito obrigada, Vanessa. Eu queria pedir para os convidados tentarem manter dez minutos de fala. Claro que, se tiver um pouquinho a mais, eu não vou cortar, mas a gente tem várias Comissões. A gente vai ter que ter tempo para encerrar. Tem várias Comissões que a gente tem que participar que estão aprovando orçamentos, está bom? Então, muito obrigada, Vanessa querida. Vou passar agora a palavra para a Dra. Ândrea Ribeiro dos Santos, que é Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Genética. Com a palavra, Dra. Ândrea. A SRA. ÂNDREA KELY CAMPOS RIBEIRO DOS SANTOS (Para expor. Por videoconferência.) - Inicialmente, eu gostaria de agradecer, em nome da Sociedade Brasileira de Genética, o convite para participar desta audiência pública, que trata de doenças raras. E agradecer a Sra. Exma. Senadora Mara Gabrilli pelo convite para a sociedade também participar desta discussão, que é muito importante para todos. Então, rapidamente, eu vou fazer uma apresentação. Eu não iria fazer, mas acho importante colocar como é que a sociedade pensa sobre essas questões envolvendo a genômica, no Brasil. |
| R | Então, rapidamente, meu nome é Ândrea Ribeiro dos Santos. Este aqui é meu e-mail. Trabalho na Universidade Federal do Pará (UFPA), na região Norte, que, vocês vão ver, tem uma grande contribuição a dar, do ponto de vista das doenças raras, principalmente por causa dos seus alelos. Mas, para isso, eu gostaria de, rapidamente, passar o quanto é difícil, do ponto de vista genético, fazer a estruturação de uma população, porque - desculpa - a história dessa população passa por diferentes processos que vão determinar padrões de estrutura populacional distintos, que refletem o povoamento que nós tivemos, desde a nossa origem, lá, enquanto gênero Homo. E o gênero Homo apresenta uma grande capacidade de adaptação à variabilidade do ambiente, à variabilidade climática e à oferta de alimento. Então, se vocês observarem aqui, nesse mapa à esquerda, quando ele sai do continente africano e migra para o resto do mundo, durante esse processo de migração - agora, aqui à direita, nesse mapa à direita -, ele vai deixando marcas, vai deixando marcadores biológicos, durante esse processo de migração, que conseguem, então, determinar a que grupo étnico pertence e o quanto está caracterizada, do ponto de vista de diversidade genética, aquela população. Mas por que eu falo desse tema? Porque quando a gente vai falar sobre saúde baseada em genômica, é essencial entendermos que investigar a variabilidade genômica, seja do indivíduo ou da sua população, tem que estar ligada à resolução de questões de saúde, para poder ajudar na genômica personalizada. E, pensando no Brasil, isso é uma tarefa muito difícil, porque o Brasil apresenta populações extremamente miscigenadas. Talvez um dos impactos mais importantes é que nós temos grande ausência de dados genômicos nacionais, que representem todas as regiões que formam o Brasil. Você tem uma concentração maior na região Sudeste, mas nas outras regiões essas informações não existem, estão subrepresentadas. É exatamente essa subrepresentação de populações que vão ter um grande aporte de alelos específicos e raros, que vão levar a essas doenças raras, que talvez esteja faltando nos nossos bancos de dados, porque o que nós conhecemos, principalmente da região Sudeste, ou Sul e Sudeste, são os alelos já descritos como de origem europeia, mas aqueles alelos que estão representados nos povos originais, nos tradicionais e miscigenados, geralmente não estão dentro desses bancos de dados. |
| R | Então, como eu falei, o Brasil é muito heterogêneo e, se nós formos considerar em média, a gente pode dizer que 50% da contribuição de genes são de origem europeia e os outros 50%, de genes de origem ou africana ou indígena, além de outros grupos que têm uma contribuição menor, principalmente japoneses ou asiáticos e do Oriente Médio; mas, de uma maneira geral, a gente pode dividir assim. E a história do Brasil, na verdade, perpassa vários momentos históricos de formação. O mais impactante foi logo no início, quando tinha os povos indígenas e chegaram as populações europeias junto com os africanos que foram trazidos, e, num segundo momento, além desses que já estavam aqui estabelecidos e já miscigenando, nós temos a entrada de novas populações asiáticas e do Oriente Médio. Bem, então, todo esse quadro é representado por populações parentais indígenas - estão aqui representadas algumas delas, que são os povos originais -; aqui ilustrações de povos que deram origem às populações europeias que entraram no Brasil, e também populações do continente africano, que também estão representadas, principalmente os bantos, os iorubás, entre outros. Bem, então, o processo de estrutura populacional do Brasil vai produzir uma contribuição muito diferente de acordo com a região do país, uma contribuição estratificada entre as regiões, fixando, portanto, alelos raros nas Regiões Sul e Sudeste, outros alelos raros na Região Nordeste, que não necessariamente são os mesmos que foram encontrados nas Regiões Sul e Sudeste, e também outros alelos na Região Norte, de tal forma que o povo brasileiro apresenta em seu genoma um complexo quebra-cabeça - aqui tem algumas representações da formação. Quando a gente entra especificamente... vou falar aqui da Região Norte, da Região Amazônica. Ela vai ter uma constituição diferenciada do resto do país, porque aqui você vai ter uma contribuição de cerca de 30% de povos indígenas, que é a maior contribuição de todo... quando a gente compara com todas as outras regiões do país. E temos também contribuição, claro, de populações africanas, mas certamente os povos africanos estão mais representados na Região Nordeste. Então, esses alelos raros que acontecem na nossa região, na Região Norte, são pouco... eles são subrepresentados, são muito pouco conhecidos. Então, a investigação da variabilidade genética pelo sequenciamento do genoma, quer seja do genoma ou quer seja do exoma, pode auxiliar tanto na prevenção, na resolução de muitos problemas de saúde que acometem aqui a região. Eu vou dar um exemplo rápido do que o grupo do Laboratório de Genética Humana fez recentemente. Ele fez cerca de 300 exomas entre populações indígenas, pacientes com câncer gástrico com idade menor que 50 anos, e uma população de covid dividida entre graves e não graves. |
| R | Então, nós passamos por uma metodologia bastante restritiva, e quando a gente compara esses três grupos que foram investigados - só para ter uma ideia do quanto é importante saber com o que você vai comparar -, quando a gente compara com a referência que todos usam, que é o hg38, aqui na parte de baixo dessas representações de pizzas, a gente não vê muita diferença nas regiões que têm uma consequência na sua leitura, uma consequência na região de leitura, como a gente chama. Mas quando a gente olha especificamente as populações indígenas - e aqui eu chamo a atenção - nós conseguimos detectar, em um número muito pequeno de indivíduos, cerca de 10 mil alelos novos. Assim como a Dra. Mayana Zatz falou, existem muitos alelos que não estão referenciados. Esses alelos não vão estar lá para a comparação, são alelos novos. Então, eles não vão estar lá na hora de comparar e ver a consequência da presença dessas variantes. Se vocês olharem aqui embaixo, mais uma vez, na parte mais debaixo, temos aqui a presença, na região de leitura, de uma gama muito grande de variantes que podem estar danificando, que podem levar à presença de uma doença rara, que é isso que a gente está buscando. Pegando como exemplo a população da Amazônia em relação ao SARS-CoV-2 e identificando entre grave e não grave, a gente observa uma associação, além daquela associação dos dados bioantropológicos que a literatura tem descrito de forma bem exemplar, pelo menos 355 novos marcadores aqui, representados nesse gráfico, que estão presentes só entre o grupo grave e que não estão representados no grupo não grave. Então, eles me marcam que existem alelos que são específicos. Quando a gente vai olhar para esses alelos específicos, a maioria deles eram alelos novos também, que nunca tinham sido descritos e que, portanto, só estudando a própria região, a própria população e os indivíduos da região para identificar e investigar o mecanismo, a causa e a consequência da presença desse alelo. Nós fizemos um teste de associação considerando todas as questões de sexo, idade, entre outros confundidores, e encontramos aqui 18 variantes que estavam associadas com a gravidade na covid, das quais pelo menos cinco nunca tinham sido associadas. Eu trago aqui só, para vocês verem, que uma delas é no gene MUC3A. A hiperexpressão desse gene de mucina sugere uma inflamação exacerbada ativa na remodulação dos tecidos pulmonares e extrapulmonares, que é uma característica típica nos pacientes graves e muito preocupante. O outro foi o alelo IL17RC, é um receptor. A proteína Pof8, quando se liga à interleucina IL17RC, que está na superfície de monócitos, vai agravar essa resposta inflamatória. E, nas duas situações, tanto da mucina quanto da interleucina, vocês observam que o fator de risco de agravamento é maior que dez. Então, os indivíduos que têm essas variantes têm uma chance dez vezes maior de agravar em relação aos indivíduos que não têm essa variante. |
| R | Por outro lado, quando você olha lá o GATA3, que foi um dos marcadores também identificados, nós encontramos altos níveis desse rs, dessa variante e ela, aparentemente, contribui para uma melhor resposta para a infecção do SARS-CoV, que protege esse indivíduo da forma grave. Então, você tem aqui o oposto dos dois, das duas variantes de cima, de que eu acabei de falar, mas você tem aqui um fator de proteção. Isso demonstra a importância de a gente entender a estrutura, a distribuição quando a gente está lidando com populações que são extremamente miscigenadas. O exemplo: aqui, em amarelo, eu tenho as populações parentais africanas; em azul, as europeias; e, em verde aqui, eu tenho os povos originais. Quando você chega na população da Região Norte, miscigenada, você observa que tem a mistura dos três grupos, a miscigenação dos três grupos, portanto, além da observação de alelos raros, você vai observar também, como foi dito pela Dra. Mayana Zatz, a suscetibilidade a determinadas doenças ou o impedimento de doenças mais complexas e assim por diante. Então, só para... Eu acho que eu pulei, mas... Então, a assistência de saúde e questões clínicas tem que ser muito importante quando você está lidando com populações ainda pouco assistidas, principalmente do ponto de vista de saúde. Vocês estão vendo o que está acontecendo na Amazônia. A maioria dos transportes são através de rios para se chegar a vários municípios; agora, com a seca, esse cenário está mudando, está ainda mais difícil. Então, o acesso dessas populações à saúde é muito complexo. Além de tudo isso, você tem ainda a apresentação de riscos elevados para muitas doenças, seja pela predisposição genética, seja pela suscetibilidade. Então, alguma dessas doenças são muito frequentes na região, como AVC, doenças coronarianas, diabetes tipo 2, obesidade, resistência ou reação adversa ao tratamento, vários tipos de cânceres, como o câncer gástrico, que eu acabei de mostrar, entre outras dependências. Então, é importante que as populações brasileiras de diferentes regiões geográficas sejam investigadas, uma vez que elas têm história genética distinta, para que sejam identificados esses alelos raros que levam a essas doenças raras, além das doenças oncológicas ou infectocontagiosas também. E é importante reforçar que o entendimento das doenças raras - ou seja, dos alelos raros - passa pelo levantamento dessa diversidade genética que existe na população brasileira. Então, a Região Norte, a Região Nordeste, a Região Centro-Oeste têm que ser investigadas, porque ali vocês vão encontrar variantes ainda não descritas, cujo tratamento pode ser diferenciado em relação ao que é preconizado, por exemplo, no SUS. Portanto, deve existir uma interação e diálogo entre governos e instituições de ensino e pesquisa. |
| R | Aqui eu lembro que a formação de recursos humanos é extremamente importante, e a Sociedade Brasileira de Genética... Aliás, eu acho que todas as sociedades têm trabalhado para que se aumente a formação de recursos humanos, principalmente em nível genômico, em nível de aconselhamento genético - nisso que a gente tem um déficit de mais de 70% mundial, de aconselhadores genéticos. Então, a gente tem que fazer redes colaborativas para a formação de um número maior de profissionais da área da saúde que efetivamente possam atuar nesse aconselhamento. Antes de finalizar, eu só queria lembrar também que a maioria dessas variantes genéticas identificadas são geradas em qualquer proporção, em qualquer grupo continental; a gente diz que elas são democráticas. Então, elas podem acontecer em qualquer lugar, e vai ter tanto variantes que levam a pressões seletivas do ponto de vista de uma resposta boa quanto de uma resposta ruim. Eu acho que eu fico por aqui, só para poder dar ainda mais chance de escutar os outros colegas. Muito obrigada. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Muito obrigada, Dra. Ândrea Ribeiro. Obrigada pela explanação, obrigada pela participação. Eu quero convidar agora a Dra. Dafne Gandelman Horovitz, que é Coordenadora Clínica do Centro de Genética Médica e Serviço de Referência em Doenças Raras da Fiocruz, para trazer aqui suas considerações. Com você a palavra, Dra. Dafne. A SRA. DAFNE DAIN GANDELMAN HOROVITZ (Por videoconferência.) - Ah, está bem. Meu microfone estava fechado, já está aberto. Estão me ouvindo, não é? A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Estamos te ouvindo. A SRA. DAFNE DAIN GANDELMAN HOROVITZ (Por videoconferência.) - É um prazer estar aqui. Queria agradecer esse convite, oportunidade de apresentar. Deixem-me só colocar aqui no modo de apresentação. (Pausa.) O.k., estão conseguindo visualizar? (Pausa.) Pronto. Estão conseguindo ver? A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Estamos vendo. A SRA. DAFNE DAIN GANDELMAN HOROVITZ (Para expor. Por videoconferência.) - O.k. Eu vou conversar um pouquinho sobre a construção da política no Sistema Único de Saúde, porque eu quero lembrar que a gente tem uma política para doenças raras - que, na verdade, vai englobar a maioria das doenças genéticas - e que tem muita coisa que foi falada aqui que já está prevista nessa política, embora o importante seja, neste momento, a gente fortalecer essa política e sedimentar a política. Eu tive oportunidade de participar dela desde o início da elaboração. |
| R | Na realidade, essa história toda começou lá atrás, em 2001, com o Projeto Genoma, e, quando se sequenciou o genoma humano, o Decit, que é o Departamento de Ciência e Tecnologia do SUS, ficou muito preocupado e convocou uma comissão para discutir, na verdade, o uso e o acesso ao genoma humano, com medo de que fosse feito algum tipo de acesso incorreto naquela época. Aí, o que aconteceu? Então, foi convocado esse comitê do genoma, e, dentro do grupo que formou esse comitê, estava a Presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, que na época se chamava Sociedade Brasileira de Genética Clínica - agora, na verdade, é Genética Médica e Genômica. Aí, aquele grupo concluiu que existiam... Na verdade, ela trouxe toda a questão clínica médica relacionada à atenção e à saúde pública. E, dentro das principais conclusões, se viu que existiam problemas básicos de infraestrutura e de acesso - a maioria do Brasil nem sequer estava preparada para a prática da genética clínica - e era difícil prover o acesso universal, incluindo o cuidado, os exames e a tecnologia genômica, apesar de a gente já ter muito avanço aqui naquela área. Então, o que se concluiu também é que existia uma íntima ligação entre a genética médica, o manejo dos defeitos congênitos e as doenças raras, mas menos de 30% dessa demanda estava sendo atendida pelos serviços existentes. Na época... Quer dizer, eu defendi meu doutorado em 2003 e eu fiz um levantamento em relação aos serviços, o quanto que a gente tinha de estimativa de nascimento de bebês com malformações e doenças genéticas e o quanto os serviços davam conta de atender. Então, a gente viu que a demanda não estava sendo atendida. E o que acontecia? Foi visto que a gente tinha uma dificuldade muito grande de acesso, os serviços eram muito concentrados nas Regiões Sul e Sudeste, não tínhamos suporte laboratorial suficiente, e o grande problema, a maior questão aí é que a especialidade de genética clínica não era reconhecida no SUS. A maioria dos serviços não estava integrado ao sistema, esses serviços estavam dentro de hospitais universitários de ensino de excelência, mas os geneticistas estavam, muitos deles, meio que em desvio de função, estavam no Departamento de Morfologia, de Endocrinologia ou de Pediatria, sem Departamento de Genética Médica propriamente. E aí, diante dessas conclusões, em 2004 foi convocado um grupo de trabalho pelo Ministério da Saúde, para elaborar o que se chamou de Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica, e eu tive oportunidade de fazer parte desse grupo. Então, foram convocados especialistas para suporte técnico. Entre 2004 e 2006, nós trabalhamos bastante com elaboração do texto, com oficinas regionais, mas, infelizmente... Isso foi uma demanda do próprio Ministério, mas não houve força política para que essa política realmente entrasse. Demorou muito e, quando entrou, não entrou da maneira ideal. E, finalmente, entrou na Portaria 81, de janeiro de 2009. E aí eu acho que é muito importante notar o que a gente tem aqui, que é, na verdade, uma portaria que institui a Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica. Saiu a portaria do gabinete do Ministro, mas não saiu junto a portaria Saes, que seria necessária para que a gente tivesse o financiamento dessa política. |
| R | Então, foi o típico exemplo - essa portaria da genética de 2009 - de "ganhou, mas não levou". A política sai, é publicada, a genética clínica pareceu ter sido reconhecida como importante para cuidado e prevenção dos defeitos congênitos e doenças raras, mas nunca foi regulamentada pelo ministério. Dentro dos obstáculos, o que a gente pode observar é o seguinte. A análise de custos foi meio travada, porque, naquela época, eles pegaram todos os tratamentos especiais de leites, para a triagem neonatal, e de hidrolisados, para intolerâncias proteicas, e botaram no pacote de custo. E vinham chegando também terapias de alto custo para doenças genéticas - naquela época, a terapia de reposição enzimática, principalmente para as mucopolissacaridoses, doença de Fabry, Pompe e por aí vai. E, na verdade, isso nunca esteve na agenda política, porque foi uma demanda do ministério. Então, isso não passou. Quer dizer, entrou a política, não houve regulamentação, não houve financiamento, e, na verdade, o mais importante era a participação dos usuários. Esses usuários, realmente, foram imprescindíveis para que a gente pudesse ter, mais para frente, uma política. Finalmente, em 2012, a gente começa a ver uma luz no fim do túnel com o Grupo de Trabalho em Doenças Raras. É uma coisa que foi meio semântica, não é? Parou de se falar de doenças genéticas e começou a se falar de doença rara - e a gente sabe que mais de 80% das raras têm origem genética - e parou de se falar de uma especialidade médica para se falar de doença. Então, em termos de definição, o que a gente considera? A gente tem várias definições diferentes: pode ser uma doença que afeta menos de uma em cada 200 mil pessoas; menos do que uma em 1,5 mil, nos Estados Unidos; no Japão, pelo número de pessoas; a Comissão Europeia tem outra definição. Na política do SUS, a definição foi a da Organização Mundial da Saúde, que seriam 65 indivíduos para cada 100 mil, o que dá 1,3 por 2 mil. O que seria uma doença genética? Ela é causada por alterações em genes ou cromossomos habitualmente presentes antes do nascimento. Se a gente considerar uma definição mais ampla de raras, a gente considera essa definição de defeito congênito, que vai incluir as malformações, as alterações no desenvolvimento e as doenças degenerativas, e isso vai configurar, pelo menos, 5% do total de nascimentos, sendo que isso não inclui as doenças que vão se manifestar na idade adulta. A maioria das doenças genéticas a gente sabe que são raras. Então, em 2012, esse grupo começa a trabalhar, o motor propulsor foram os usuários. E, só reforçando aqui, em termos de doenças raras, a maioria é genética e a maioria são doenças crônicas, progressivas e, muitas delas, degenerativas. O objetivo desse grupo foi instituir a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no SUS, mas a política não envolve exclusivamente o atendimento clínico pelo médico geneticista, ou o aconselhamento genético, ou mesmo o suporte laboratorial; é tudo, todos os aspectos da atenção em saúde, da atenção primária até a atenção especializada, com o suporte. |
| R | Então, o objetivo é dentro da lógica do SUS, é de cuidado integral: promoção à saúde, prevenção dos agravos, tratamento e reabilitação. E, aí, foi considerado que a gente precisava de serviços de referência e serviço de atenção especializada, sempre articulado com a atenção básica. Então, tudo dentro da lógica das políticas de cuidado às pessoas no SUS, tá? E aí, finalmente, em janeiro de 2014, é publicada a Portaria 199, e a gente vê, pelo título dessa portaria, se a gente comparar com a genética clínica, que ela é completamente diferente, porque aqui diz o seguinte: "Institui a Política [...], aprova as Diretrizes para Atenção Integral [...] e institui incentivos financeiros de custeio". Então, aí sim, a gente pode começar a trabalhar, porque existe a possibilidade de financiamento. Então, quanto aos eixos estruturantes dessa política de doenças raras, a gente tem basicamente dois eixos: são as raras de origem genética, subdivididas em três grupos - as anomalias congênitas e as de manifestação tardia, a deficiência intelectual associada a doença rara e o erro inato do metabolismo -; e a gente tem as não genéticas, também subdivididas - autoimunes, inflamatórias, infecciosas -, mas tudo para funcionar dentro da lógica do SUS em relação a fluxos, referência e contrarreferência, incluindo procedimentos de investigação e de terapia. Então, na realidade, esses procedimentos existem, e eles estão na tabela, só que eles entraram na política e eles não entram na tabela ambulatorial, porque, para ter acesso ao exame, você tem que entrar pela clínica, dentro da proposta de atenção integral. Então, com procedimento de investigação e terapia e os tratamentos medicamentosos, esses vinculados a protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, que são extremamente importantes. Em termos de remuneração e incentivo financeiro, então, a valoração seria R$800 para os grupos de anomalia congênita e deficiência intelectual, e R$600 por Apac para erros inatos do metabolismo. Esse valor é para englobar toda a rotina diagnóstica, incluindo os exames específicos, de acordo com a necessidade, tá? A cobrança é via Apac, e a gente tem uma lista de CIDs especificados. E, além disso, há um custeio mensal para as equipes nos serviços de referência e de atenção especializada. Então, na política de doenças raras, foram incluídos vários procedimentos: na análise cromossômica, os valores foram revisados e incluiu a hibridização in situ fluorescente; incluiu a investigação de erros inatos do metabolismo; exames moleculares - depois do array, posteriormente, entrou o exoma; e entra também o aconselhamento genético, numa valoração diferenciada. Então, a gente tem os eixos estruturantes, sendo que os tratamentos medicamentosos seriam dentro dos protocolos. E os serviços de referência em raras devem dar também suporte aos gestores. O que a gente tem em termos de medicamento para doença rara é muito pouco. Então, não adianta a gente dizer que a política de raras é impagável por causa dos tratamentos. Isso não é fato. A maioria delas não tem tratamento específico. Então, o objetivo principal seria diagnóstico: clínico, com especialistas em genética em doenças raras; o suporte laboratorial específico - a gente sai das redes informais e dos projetos exclusivamente, a gente passa a ter remuneração por esses exames. A informação da família em relação a diagnóstico, prognóstico, acompanhamento e aconselhamento genético, tratamento quando disponível e, obviamente, o suporte. Isso é o mais importante, a atenção integral ao indivíduo. |
| R | Tem casos que você atende, olha, examina e orienta que não têm nenhum exame a ser oferecido, mas você oferece o acolhimento e o aconselhamento genético. Então, nós já temos - agora eu acho que já está atualizado. Isso foi do ano passado - 26 serviços de referência em doenças raras - a gente já tem serviço aqui na região Norte e na região Centro-Oeste também -, e a produção desses serviços vem subindo ano a ano. E, assim, o que é que a gente tem em relação à comparação da política das raras com a genética clínica? A política de raras, na verdade, engloba a política de genética clínica. A única coisa que não entra é a síndrome de Down. O câncer hereditário também não está previsto dentro da política e malformações congênitas isoladas. Agora, os pacientes e as famílias vêm sendo atendidos, o aconselhamento genético vem sendo oferecido, não necessariamente vinculado a uma Apac, e a gente precisa da rede de suporte, de acesso e de sistema de regulação para referência e contrarreferência. Então, assim, como desafios - a gente tem desafios, obviamente, de regulação -, a gente precisa de mais centros na região Norte, a gente precisa financiar melhor esses exames, a gente está trabalhando com a parte epidemiológica, que é imprescindível... Eu já estou terminando. E a gente precisa de um grupo de trabalho para esse acompanhamento permanente da política. Então, foi promulgado em 2022, pela Sais, uma Câmara Técnica Assessora de Doenças Raras, e eu acho que isso é imprescindível. Além disso, a gente tem que considerar que a gente precisa também de ações de prevenção, de aconselhamento genético, de planejamento familiar, do diagnóstico pré-natal e também das opções reprodutivas. Era isso que eu tinha para trazer. Eu acho que é um trabalho em construção, mas, neste momento, a gente precisa fortalecer essa política que foi implementada, porque tem tudo para funcionar direito se a gente tiver o suporte correto do Ministério da Saúde. Era isso. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Muito obrigada, Dra. Dafne. Obrigada por todas as informações e contribuições. Quero passar a palavra agora para a Dra. Ida Doederlein Schwartz - espero que eu esteja pronunciando seu nome corretamente. Senão me corrija, por favor -, que é a Presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica. A SRA. IDA VANESSA DOEDERLEIN SCHWARTZ (Por videoconferência.) - Boa tarde a todos e a todas. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Boa tarde. A SRA. IDA VANESSA DOEDERLEIN SCHWARTZ (Para expor. Por videoconferência.) - Eu gostaria de agradecer à Senadora Mara pela oportunidade de estar aqui nesta audiência, representando a Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica. É uma honra falar depois de tantas pessoas ilustres, tantas pesquisadoras que mostraram o seu trabalho na área de genômica. O meu lugar de fala aqui vai ser o de médica geneticista, e eu gostaria de fazer alguns apontamentos que eu acho importantes em relação à temática que foi proposta para esta audiência. Então, eu gostaria de definir o que é aconselhamento genético. Eu acho que isso é fundamental para a discussão. |
| R | O aconselhamento genético é um processo de comunicação que lida com os problemas humanos associados com a ocorrência ou risco de recorrência de uma doença genética em uma família. É considerado uma ação de saúde que deve ser praticada por pessoas especialmente treinadas para esse fim. A finalidade do aconselhamento não é prevenir a ocorrência de doenças genéticas, porque, mesmo que eu faça triagem neonatal para todas as condições, mesmo que nós façamos triagem de heterozigotos em toda a população antes de que haja um casamento, existem algumas condições, como malformações congênitas isoladas ou outras síndromes, que vão ocorrer independentemente de qualquer estratégia que nós utilizarmos. Então, hoje em dia, a definição de aconselhamento genético é uma definição muito mais psicoeducacional. O que nós queremos com isso? Nós queremos fazer a família, o indivíduo, compreenderem os fatos médicos associados àquele diagnóstico, entenderem como a hereditariedade contribui para a ocorrência daquela condição, compreenderem as alternativas para se lidar com o risco de recorrência, promover autonomia em relação à escolha de um curso de ação que é o mais apropriado para aquela família, de acordo com seus valores éticos e religiosos, por exemplo, e propiciar que seja atingido o melhor ajuste possível à doença em questão. Aqui nós temos uma figurinha mostrando como é que houve essa evolução do que seria o aconselhamento genético ao longo do tempo. No início lá dos anos 1900, o modelo adotado era um modelo eugênico. O que o pessoal queria, naquela época, era muito mais melhorar o que era chamado de raça humana, mas passamos depois para um modelo centrado mais no profissional médico e na questão da prevenção da doença. E, hoje em dia, como eu já comentei, a ênfase é muito mais psicoeducacional. Quais são as premissas, então, do aconselhamento genético? É a utilização voluntária dos serviços, um acesso igualitário à educação, o fornecimento de uma informação na íntegra, a atenção aos aspectos psicossociais e afetivos, confidencialidade, proteção à privacidade e não diretividade. Então, o aconselhamento genético é um processo que inclui múltiplas etapas. No modelo tradicional, que é um modelo que é preconizado na maior parte do mundo, é centrado, ele deve ocorrer em serviços especializados de genética médica e inclui alguns atos, que são atos, então, médicos, como a investigação e o diagnóstico corretos e o tratamento correto. Só que, obviamente, como a Senadora Mara já comentou aqui no início e como a gente já teve a citação da Profa. Mayana, a equipe multiprofissional, que inclui não somente profissionais médicos, mas profissionais da saúde de várias áreas, é fundamental, então, para a realização desse processo. |
| R | Nós não temos uma profissão - e eu estou usando um termo aqui, não aconselhador genético, mas assessor genético - regulamentada no Brasil, e isso é fundamental - vocês depois vão ver nas minhas conclusões - para que o grupo aqui trabalhe para que haja realmente uma regulamentação dessa profissão, haja vista sua importância fundamental nesse processo de aconselhamento genético. E daí eu passo um pouquinho para a questão da testagem genética, que a Prof. Mayana também já cobriu ali, na sua apresentação, de uma forma exemplar, mas, quando a gente está falando de assistência, de cuidado à população, eu não estou falando de pesquisa, a testagem genética deve ser feita no contexto de saúde e doença. Então, qual é o nosso objetivo quando nós solicitamos um teste genético a um indivíduo? É prevenir o desenvolvimento de uma doença genética e assegurar o diagnóstico e o tratamento precoces, e essa problemática hoje em dia se tornou muito complexa, porque existem, infelizmente, testes genéticos que são de livre acesso ao consumidor e de uma forma, que eu diria, boa, com toda a demanda agora que a gente tem para realizar a ação de testagem genética e que veio associada ao desenvolvimento da genômica. Em relação aos tipos de testes genéticos, eu não vou comentar, porque já foi comentado pela Prof. Mayana, mas eu quero frisar a questão da triagem neonatal, sobre a qual a Vanessa também fez uma exposição maravilhosa, mas a triagem neonatal também pode ser considerada um teste genético. E aí, nesse contexto, nós temos que lembrar, e a Dafne já falou também, que doenças genéticas não significam o mesmo que doenças raras e que a triagem neonatal pode estar indicada para doenças genéticas, mas pode não estar indicada para algumas e pode estar indicada para algumas doenças que não são genéticas. Então, no rol que nós temos hoje do Sistema Único de Saúde, nós temos doenças infecciosas que estão inclusas na triagem neonatal e nós não podemos misturar, então, os conceitos. Um outro ponto que eu acho muito importante, que nós comentamos muito brevemente até agora, é em relação à odisseia diagnóstica dos indivíduos com condições raras. Existe um uso um pouco equivocado desse termo pelo público que não é bem da área. Então, por isso eu acho importante frisar o que é odisseia diagnóstica. Odisseia diagnóstica é o caminho que é percorrido pelo indivíduo que apresenta alguma condição de saúde desde o início das suas manifestações clínicas até o seu diagnóstico. Eu estou mostrando esse caminho aqui de uma maneira mais linear para se tornar mais didático, mas ele é um caminho de idas e voltas, fazendo uma brincadeirinha com o meu nome, mas que, no Brasil, se estima que esse tempo dure, em média, cinco anos. É óbvio que depende da condição, e esse dado não é um dado posterior à implementação da política de atenção integral às pessoas com doenças raras. Então, nós ainda estamos trabalhando para gerar a informação de que a odisseia diagnóstica dos indivíduos com doenças raras foi encurtada depois do surgimento dos serviços de referência para doenças raras. |
| R | Mas vocês vejam que, se eu quero encurtar o tempo de diagnóstico de um indivíduo com doença rara, ou seja, a odisseia diagnóstica, é óbvio que é muito importante eu ter o serviço de referência e é óbvio que é importante eu ter acesso aos exames, mas não é só isso, gente. Tem muita coisa que acontece antes da entrada do indivíduo em um serviço de referência. Então, vocês vejam, a própria família tem que ser educada em relação a saber reconhecer manifestações clínicas que podem ser sugestivas de doenças raras. O retinoblastoma, que esteve na mídia, nesses tempos, é um exemplo muito bom de como os pais podem perceber, precocemente, se a criança tem algum problema no olhinho. A gente também tem que ter várias estratégias educativas em relação aos profissionais da atenção básica ou aos profissionais mais generalistas, porque o comum é que essas famílias perambulem, de médico em médico, até que alguém se dê conta - "Ah! Pode ser genético..." - e daí encaminhe para um serviço de referência. Ao ser encaminhada para um serviço de referência, a pessoa entra em uma fila, e daí entra a questão da regulação e da priorização. Também varia, de estado para estado, o tempo que leva quando você entra na fila e você tem acesso ao serviço de referência. A Dafne também já comentou que, depois de ser feito o diagnóstico, não para a questão, a gente ainda tem muita coisa para resolver, porque o ideal não é que o indivíduo fique, eternamente, em um Serviço de Referência em Doenças Raras, então, para isso, nós precisamos melhorar esse sistema de referência contra referência para a atenção básica. Por causa do tempo... Aqui estão recomendações gerais em relação à questão da testagem genética. O que eu vou frisar aqui é que toda a testagem genética deve ser oferecida em um ambiente de aconselhamento genético - levei um susto aqui -, ou seja, você tem que oferecer aconselhamento genético pré e pós-teste. Isso é bastante importante. Estou mostrando aqui para vocês a produção dos Serviços de Referência em Doenças Raras em relação à realização de aconselhamento genético. Os dados aqui são do Datasus. Por exemplo, em 2023, o ano ainda não terminou, mas o dado mostra que, no mínimo, 10 mil, então, sessões de aconselhamento foram realizadas, dentro do SUS, para indivíduos com doenças raras. Este aqui é o meu último eslaide, talvez seja o mais importante, porque é a questão dos desafios e soluções para o aconselhamento genético na área da genômica. Esse eslaide foi montado com base nesse artigo que é uma revisão sistemática de literatura e se aplica muito bem à nossa realidade. Então, quais são os desafios que nós enfrentamos frente à crescente necessidade de realização de aconselhamento genético, visto que existe uma crescente demanda pela realização de testes genéticos? |
| R | O primeiro desafio é o número limitado de médicos geneticistas; o segundo é a fila de espera para atendimento em genética; e o terceiro desafio é o oferecimento de serviços de genética por profissionais não habilitados para tanto. Quais seriam, então, as soluções? Primeiro - já foi comentado e muito bem comentado pela Vanessa -, o uso de telegenética: tanto propiciar a consulta do paciente com o profissional habilitado quanto a assessoria para profissionais não especialistas. Uma outra estratégia seria o aconselhamento genético em grupo. A outra seria a formação da equipe multiprofissional com o aconselhador, o assessor genético na clínica, e o uso de tecnologias de saúde e instrumentos educativos. Então, para concluir, a disponibilização de maior acesso à testagem genética nos serviços de referência em doenças raras é apenas um dos elementos que possibilitarão o encurtamento da odisseia diagnóstica dos indivíduos. É necessário um fortalecimento contínuo dos serviços nacionais de referência em doenças raras, e a profissão de assessor genético deve ser regulamentada no Brasil, assim como a sua formação. E, como o aconselhamento genético é uma ação de saúde, sugere-se que a formação seja por meio de residência multiprofissional, ou seja, seguindo as etapas de formação de qualquer profissional de saúde. Muito obrigada. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Muito obrigada, Dra. Ida. Obrigada pelas contribuições. Eu quero aproveitar e dizer que temos várias perguntas chegando pelo e-Cidadania e eu queria agradecer a todos que nos assistem, pelo interesse, pelo envio das perguntas. Eu vou ler agora apenas duas delas e aproveitar a presença do Dr. Natan e pedir a gentileza de que, se possível, responda durante sua fala. A pergunta da Susy Lemes, de Goiás: "Quais as perspectivas quanto à capacitação de profissionais especializados para atender pacientes com alguma condição genética?". E a da Erika Simões, de Minas Gerais: "Haverá oferta de exames para o diagnóstico de possíveis problemas genéticos nas UBS's e incremento no aconselhamento genético?". E agora vamos ouvir o nosso último convidado, o Sr. Natan Monsores, da Coordenação-Geral de Doenças Raras do Ministério da Saúde. Muito obrigada, Dr. Natan. Está com a palavra. O SR. NATAN MONSORES (Para expor. Por videoconferência.) - Obrigado, Senadora Mara, e, na sua pessoa, eu cumprimento todas as colegas aqui presentes, a Profa. Zatz, a Profa. Ida, a Dra. Dafne, enfim, tantos outros colegas importantes no campo das doenças raras. Eu agradeço pela oportunidade ao Ministério da Saúde de estar aqui neste momento, discutindo a questão da política de atenção em genética clínica no SUS. Em razão do avançado da hora, Senadora, eu vou encurtar minha fala, tocar aqui em alguns pontos e aproveitar para responder às perguntas que foram direcionadas a mim. Então, em relação à perspectiva de capacitação de profissionais, sim, isso está no nosso horizonte de ações para o próximo ano e já temos conversado com a Dra. Ida, com a Dra. Dafne, enfim, com tantos outros colegas das sociedades científicas, a respeito dessa possibilidade. |
| R | Queria destacar o excelente trabalho que a própria SBGM já vem fazendo ao longo dos últimos anos, e as instituições de referência também, como o Fernandes Figueira, que tem um portal belíssimo de orientações sobre cuidados para crianças com condições crônicas complexas, e a própria equipe do HCPA, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que tem diversos trabalhos e publicações voltados para o campo. Queria chamar a atenção para a cartilha que foi anunciada no último congresso da Sociedade Brasileira de Genética Médica, que traz diversas orientações importantes para os profissionais. A Dra. Ida certamente vai divulgar, no momento em que assumir a sociedade, esses documentos, e já conta com a parceria do Ministério da Saúde, também, nessa divulgação. Então, há sim perspectiva de a gente capacitar. Queria tocar numa questão que a Dra. Dafne levantou. Nossa capacitação provavelmente vai estar orientada para os profissionais da atenção básica, no sentido de que eles identifiquem sinais de alerta para várias dessas condições genéticas, várias dessas doenças raras. Então, é importante, neste momento de fortalecimento da atenção básica no Brasil, que a gente trabalhe, enquanto atenção especializada, em parceria com as equipes da atenção básica, da atenção primária, para que lá no território, lá na equipe de saúde da família, lá onde essas pessoas vivem, onde essas crianças são atendidas, essas condições sejam identificadas, pelo menos no nível de suspeição, para que sejam encaminhadas, sim, para os ambulatórios de genética, para os ambulatórios de atenção especializada na área de doenças raras, para que possam ser adequadamente atendidas. Em relação à oferta de exames, que foi a segunda pergunta, é importante salientar que a gente está com um projeto de, no próximo ano, fazer oferta estruturada, dentro do Sistema Único de Saúde, de painéis NGS de exoma. Então, isso está em debate interno, no Ministério da Saúde, já temos dialogado com algumas equipes que, possivelmente, receberão o aporte de recursos para aquisição de equipamentos, para que a gente - de forma organizada, mediada por telemedicina, em fila única nacional - dê conta dessas necessidades. Então, eu acho que respondi, Senadora, a essas duas perguntas iniciais. Mas eu queria chamar a atenção - já que o debate aqui é a questão da política de genética clínica do SUS, a Portaria 81, que de alguma forma foi subsumida também pela Portaria 199, que é a portaria de doenças raras - para algumas coisas. Nós temos feito, ao longo deste último ano, enquanto Coordenação-Geral de Doenças Raras, um diagnóstico dos serviços habilitados para doenças raras. E eu queria fazer uma distinção: a Coordenação-Geral de Doenças Raras cuida, sim, dos serviços de referência, dos serviços de atenção especializada em doenças raras, mas a organização da rede de triagem neonatal está fora da coordenação. Quem cuida disso é a Coordenação-Geral de Sangue e Hemoderivados, que é uma outra coordenação. Então, o meu recorte aqui não vai ser em triagem neonatal, vai ser no segmento de cuidado. E a gente já percebeu que um dos gargalos trazidos pela Portaria 199 que vai precisar ser aperfeiçoado é a questão do segmento de cuidado. A Dra. Dafne já falou disso, a Dra. Ida também já tocou no assunto. Na Portaria 199, nós estabelecemos procedimentos iniciais, que são procedimentos de diagnóstico, que estão valorados na tabela do SUS - recebem R$800 ou R$600 -, mas aí sempre resta para a equipe assistencial, sempre resta para o gestor ali do hospital a dúvida: "E agora? A gente já fez aqui as consultas iniciais no sentido de prover um diagnóstico, fechamos o diagnóstico, e como é a questão do segmento de cuidado? Como é que a gente vai monitorar esse paciente na rotina clínica?". E aí, sim, entra, de fato, a necessidade de nós, enquanto Ministério da Saúde, organizarmos um pouquinho melhor essa questão da rede de genética clínica no SUS. |
| R | Com a organização da Portaria 199 e, recentemente, com a publicação da portaria que orienta a atenção especializada no SUS - a gente não tinha esse tipo de política -, a gente começa a ver essa necessidade, com muita força. Então, como é hoje o atendimento dessas pessoas? Como é que os gestores que nos ouvem, as equipes assistenciais que nos ouvem aqui, podem organizar essa questão do segmento do cuidado? Hoje, nós temos uma consulta médica na atenção especializada, que tem um código específico na tabela SUS, e, como subcódigo, a gente tem um atendimento ambulatorial, que é uma consulta em genética clínica. Essa consulta em genética clínica vai ser faturada pelo gestor municipal ou pelo gestor estadual, dentro de um boletim de produção ambulatorial. Obviamente, a gente sabe que esse tipo de organização ainda está aquém da necessidade que existe hoje. A gente precisa vincular o segmento de cuidado não à atenção especializada no geral, mas sim à existência, quer dizer, à organização que o próprio serviço de referência em doenças raras propicia dentro da estrutura da rede de atenção à saúde. Mas a gente vai precisar, sim, caminhar para um tipo de habilitação um pouquinho diferente de serviços de referência ou de atenção especializada, que é, de fato, identificar os grupos que existem dentro dos hospitais universitários, ou dentro dos níveis secundários de atenção, com os grupos de genética que aí estão, e dar uma chancela para esses grupos poderem, inclusive, lançar mão da tabela de exames que já existe para raras, para os pedidos de exame que a gente já compõe, hoje, dentro da tabela do SUS. Então, essa necessidade já está identificada, com o diagnóstico que a gente fez este ano, e a gente tem a expectativa de, nos próximos meses, ou no início do próximo ano, já caminharmos com uma portaria organizando essa estrutura. Eu já havia salientado aqui, na audiência pública anterior, da qual participei, que a gente já tem feito um diálogo, inclusive, com os hospitais universitários da rede Ebserh, que tem a maior parte desses serviços de referência no campo da genética clínica. A gente sabe que alguns desses serviços estão vinculados a serviços de pediatria; outros estão vinculados a serviços de neuro... Enfim, o que a gente vai precisar fazer, enquanto o Ministério da Saúde está no nosso horizonte de ações, é a organização dessa série de ambulatórios, em nível secundário, no campo da genética. E a gente espera, no início do próximo ano, ter boas notícias nesse sentido, para a comunidade de pessoas que vivem com condições genéticas e doenças raras. Então, isso significa trazer um pouquinho mais para próximo elementos que a Dra. Dafne já destacou e que a doutora Ida também já falou aqui, que é a questão de alcançar as pessoas com Down, alcançar as pessoas com algumas anomalias congênitas importantes que não estão cobertas dentro da Portaria 199, e caminhar também com a questão do aconselhamento genético para questões reprodutivas, para os casais que têm algum tipo de dúvida e para a população em geral. A gente vive, no século XXI, uma mudança nos paradigmas que orientam o que a gente faz hoje em termos de medicina baseada em evidência. Então, ter a oferta desses serviços estruturados dentro do SUS se torna cada vez mais importante, até também como ponto de apoio à oncologia, à cardiologia, à gastro e a uma série de outras condições que começam a ter a necessidade de uso de painéis genéticos, a necessidade de uso de solicitação de exames. E aí entra a parceria necessária e fundamental do profissional formado em genética, quer seja ele o médico, capaz de orientar tratamentos e pedir exames, mas também os outros profissionais, como os enfermeiros, os biólogos, os biomédicos, que podem fazer algum grau aí de assessoramento genético às famílias, enfim, às comunidades, que foram destacadas aqui, por exemplo, pela Profa. Ândrea. Então, tem grupos populacionais que vão precisar desses profissionais para ter uma atuação ali no território, uma orientação mais específica. Então, nós, enquanto Ministério da Saúde, estamos sensíveis, já temos esse diagnóstico e esperamos, no próximo ano, já ter uma resposta efetiva para essa necessidade. |
| R | Então, Senadora Mara, eu vou parar por aqui, em razão do tempo, mas fico à disposição para maiores perguntas e questões que possam advir da comunidade que está nos assistindo, da senhora ou da equipe que está aqui conosco. A SRA. PRESIDENTE (Mara Gabrilli. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PSD - SP. Por videoconferência.) - Dr. Natan, muito obrigada pelas explicações. Aliás, eu quero agradecer a todos - foi uma audiência muito enriquecedora - e pedir para todos ficarem muito próximos para a gente continuar a trabalhar em conjunto, principalmente o Dr. Natan, que já está aí do lado esquerdo e é onde a gente vai bater sempre. Assim, antes de encerrarmos os nossos trabalhos, eu proponho a dispensa da leitura e a aprovação da ata desta reunião. As Sras. Senadoras e os Srs. Senadores que aprovarem queiram permanecer como se encontram. (Pausa.) Está aprovada a ata e será publicada no Diário do Senado Federal. Então, mais um agradecimento, gratidão a todos. Quero que contem sempre com o meu gabinete e com a Comissão. Estamos à disposição. Nada mais havendo a tratar - muito obrigada, Dr. Natan, por ter respondido às perguntas dos nossos internautas -, declaro encerrada a presente reunião. (Iniciada às 10 horas e 58 minutos, a reunião é encerrada às 12 horas e 52 minutos.) |

